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1
APRESENTAÇÃO
Car@s Leitor@s;
Nessa edição especial, apresentamos alguns textos selecionados sobre a
questão dos Estudos Orientais no Brasil. Os artigos aqui presentes nesta
coletânea foram apresentados no 2º Simpósio Eletrônico Internacional de
História Oriental [www.simporiente2018.blogspot.com], e reproduzidos
igualmente no livro ‘Extremos Orientes’ *2018, publicado pelo site de
nossa revista]
André Bueno
C. Dir. Sobre Ontens
Dezembro, 2018.
2
SUMÁRIO
3
IMPRESSÕES DE UM VIAJANTE OITOCENTISTA SOBRE O NILO E O
AMAZONAS
Anna Carolina de Abreu Coelho
Abstract: José Coelho da Gama e Abreu, the Baron of Marajó, an Amazonian politician
and intellectual in his many voyages thought about the urban space during the
nineteenth century, comparing the cities of different parts of the world, he perceived
"different magnitudes" related to nature and civilization. In this article, we intend to
analyze the comparative view of the Amazonian traveler regarding the Amazon and
Nile rivers.
Keywords: Travel; Amazon; Nile
4
como Belém, Lisboa, Madri, Cairo, Alexandria, Constantinopla, Jerusalém,
Paris, Viena, Pesth, Buda, entre outras. Seguindo os padrões de livros de
viagem da época, possuía características próprias e duais com referências
do Romantismo (como o gosto à evasão no tempo/espaço, a valorização
do exotismo oriental ou da natureza amazônica intocada) e com uma
perspectiva prática de observação das cidades de diversas partes do
mundo. Esse olhar contribuiu para a atuação política de José Coelho da
Gama e Abreu em diversos cargos ocupados entre o período de 1855 a
1906 (SARGES & COELHO, 2014).
5
Apesar de o termo globalização ter começado a ser utilizado em meados
da década de 1980, o processo em si é antigo, tendo se acelerado com as
“grandes navegações”. Conforme Georg Iggers, a globalização não foi
homogênea, porém trouxe mudanças nos comportamentos de consumo,
hábitos e concepções de vidas regionais ou locais (IGGERS, 2010, p.120-
121).
6
“superioridade natural” diante de outros rios. Assim registrava: “todos os
outros como o Prata, o Nilo, o Ganges lhe são inferiores”.
7
Ao voltar seu olhar para o rio Nilo, não lhe faltaram observações sobre a
natureza e o tempo. O Barão de Marajó antes de sua viagem ao Egito via
esse local da África somente como um lugar cuja existência estava no
tempo passado (faraós e pirâmides). No entanto, o encontrar das ferrovias
com a própria velocidade lhe impunha outro olhar: “E na verdade, quem
tinha o Oriente em certa conta, custa-lhe a admitir o caminho de ferro na
terra de Ramsés e Tutmés; a máxima velocidade de parceria com o vagar,
o silêncio e a gravidade oriental” (ABREU, 1874, p.117).
8
Assim como a grandeza natural favoreceu o Egito também faria da
Amazônia a grande civilização na América. As ações humanas é que se
tornavam o obstáculo para a civilização, no caso da Amazônia, este era
representado pelas formas de organização centralista do império
brasileiro, que não reconhecia as especificidades de cada estado, sendo
assim necessário o federalismo.
Considerações finais
O Barão de Marajó percebia o espaço da Amazônia como uma grandeza
natural, que tinha nos rios uma possibilidade incrível de trânsito, comércio
e comunicação entre pessoas de diferentes lugares, portanto, a civilização
dependeria do uso humano das possibilidades naturais. As cidades são
para o Barão outro espaço privilegiado de análise, e o seu olhar sobre
esses sítios próximos aos rios estabelece as diferenças entre a civilização e
a natureza, na segunda metade do século XIX.
As obras escritas pelo Barão de Marajó, no século XIX, serviram para uma
reflexão sobre as cidades e as suas diferentes grandezas, levando a um
exercício comparativo com outras cidades, mesmo com as mais distantes
do caudaloso rio Amazonas. Embora tal século seja um período em que os
estudos em geral dão ênfase às questões da nacionalidade, a cidade pode
ser considerada o lócus do exercício de conexão entre o local e o global,
pois, como lembra Fraçois Sirinelli, esta aparece situada no cruzamento
das dimensões entre o nacionalismo e a cultura-mundo (SIRINELLI, 2014,
9
p.107-110).
Referências
Anna Carolina de Abreu Coelho é Doutora em História pela UFPA e
Professora de História da Amazônia da Unifesspa.
Email:annacarolcoelho@outlook.com
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A IGREJA TENRIKYO AMAZÔNIA: A HISTÓRIA E A CULTURA DA RELIGIÃO
Vitor Moises Nascimento Therezo
Abstract: This article highlights some distinctive features of the way the religion is lived
in the Tenrikyo Amazonian Church, located in Ananindeua, metropolitan area of Belém
(Pará). The characteristics perceived in the Tenrikyo in the Amazon contrast with the
standards established in the West, mainly in perspectives of time and space, that end
up unifying the concepts of tradition and culture. Even with a well-defined structure
and doctrine and a very strong Westernization burden, religion is not an autonomous
category of culture and history. This allows the establishment and clearer perception
of social ends in this Japanese-Amazonian religious context, which can be a useful
factor for any research that deals with religion and culture. Thus, one can profit from
these analyzes to construct other perspectives of interpretation of the western
religious scene, which today is so plural and heterogeneous.
Keywords: Tenrikyo Church; Amazonia; Brazilian Religiosity
Introdução ao Objeto
A pesquisa sobre a cultura japonesa na Amazônia me levou a um objeto
abstrato desta comunidade, tendo como ponto de partida os padrões
ocidentais. Tal objeto é a religião. Como historiador que tem
preocupações antropológicas, acho muito inviável que seja possível situar
11
a cultura, e neste caso a japonesa, em relação a todas as outras.
Especialmente a quem não nasceu ou viveu nela, sempre estando seus
aspectos mais profundos inacessíveis, pois a cultura de maneira geral é
imensurável. Existe saída para esta questão? Talvez com a mesma
preocupação pode-se dizer que sim, já que boa parte do trabalho do
antropólogo está centrado em mapear culturas das mais diversas, e
muitas fora dos padrões do observador, que deve interpretar com uma
metodologia que permita a aproximação dela.
Para começar, serei claro em meu ponto de partida para pensar a religião
para os nikkeis. É um aspecto cultural, que lhe dando profundidade
histórica irá mostrar continuidades e rupturas ao longo do tempo. Mas
fica a pergunta, não devemos pensar a sua especificidade? Antes de
qualquer resposta será muito importante o estudo cada vez mais
abrangente desta especificidade, entendendo origens, doutrinas, práticas
rituais e o que considero mais importante a relação homem/religião em
meio a determinados contextos.
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questões: Seu desenvolvimento doméstico e propagação mundial. A
primeiro envolve uma série de estruturas conceituais pertinentes ao
nascimento e ao desenvolvimento destes novos movimentos religiosos no
Japão, e a segunda diz respeito a sua relação com o mundo moderno e
suas transformações em outros espaços, distintos ao seu local de origem
(HUANG, 2017). Uma destas novas religiões japonesas é a Tenrikyo.
Histórico da Religião
No dia 18 de abril de 1798, em Sanmaiden, nasce Miki, condado de
Yamabe, na província de Yamato (atual prefeitura de Nara). Em 1810, ela
se casou com Zenbei Nakayama de uma aldeia próxima aos 13 anos e foi
encarregada de todo o trabalho doméstico da família Nakayama em 1813.
Ela deu à luz seu primeiro filho, Shuji, em 1821 e depois a cinco filhas.
(ELLWOOD, 1982).
Em 1837, Shuji estava doente com dor nas pernas, e a família Nakayama
tinha Nakano Ichibei, um shugenja, praticante de um ritual associado a
uma seita de montanha, que realizava rituais de oração para ele. No dia 23
de outubro, um encanamento (yosekaji) foi realizado para Shuji com Miki
atuando como meio espiritual, durante o qual Deus desceu no corpo de
Miki e afirmou usar Miki como o "Santuário de Deus". Após três dias de
diálogo tenso entre a entidade e os membros da família, Miki Nakayama
foi reconhecida como o santuário de Deus no dia 26 de outubro de 1838
após o consentimento de seu marido, marcando assim a fundação do
ensino (ELLWOOD, 1982).
13
Miki designou a construção do tsutome basho, lugar de realização do
serviço religioso, em 1864, e com a ajuda dos primeiros seguidores,
especialmente Iburi Izo, que era carpinteiro de profissão deu inicio as
obras (ELLWOOD, 1982). Em 1866, Miki começou a ensinar a forma de
serviço (tsutome) que deveria ser usado em seu movimento. O serviço
envolve músicas e gestos com a mão com dança que são realizados em
sintonia com as melodias de instrumentos musicais. Este ritual viria a ser
realizado em Jiba, um espaço que Miki identificou em 1875 nas instalações
da residência de Nakayama para marcar o lugar da concepção humana
original (ELLWOOD, 1982).
Além de fazer arranjos para o ritual, Miki começou a escrever o que mais
tarde se chamaria Ofudesaki. Escrito de 1869 a 1882, o texto contém um
total de 1.711 versos em dezessete partes escritas no estilo waka de
poesia (ELLWOOD, 1982). Enquanto isso, Miki começou a se mostrar como
o santuário de Deus vestindo um pano vermelho em 1874, e no mesmo
ano ela começou a conferir de várias formas a verdade do Sazuke
(concessão divina), orações de cura para aqueles que sofrem de doença
(ELLWOOD, 1982).
Após a morte de Miki, Iburi Izo tornou-se o Honseki (pessoa que concede
o Sazuke em nome de Miki), enquanto Shinnosuke desempenhou o papel
de Shinbashira (pilar central, ou seja, o líder espiritual e administrativo do
movimento). Em 1888, o movimento religioso obteve autorização oficial
como Shinto Tenri Kyokai sob a supervisão direta do Xintoísmo em 1888.
14
Também em 1888, a Tenri Kyokai publicou o Mikagura-uta (músicas do
serviço), que é a compilação das músicas ensinadas por Miki.
15
construção do Santuário da Fundação (Kyosoden) e o Salão do Adágio Sul
do Santuário Principal (Shinden) foram concluídos, respectivamente. Esses
desenvolvimentos doutrinários e rituais, no entanto, passaram a ser
prejudicados pela iniciativa conhecida como “adequação” (kakushin) em
1939. Para cumprir a demanda do estado, a Tenrikyo fez várias mudanças,
incluindo a remoção de certos versos do Mikagura-Uta, além de retirar o
Ofudesaki e o Osashizu de circulação (ELLWOOD, 1982).
16
Cristianismo entre a Universidade Tenri e a Pontifícia Universidade
Gregoriana, em Roma em 1998 pela primeira vez, e a segunda vez em
Tenri, em 2002. Os dois eventos envolveram um simpósio que reuniu
acadêmicos de ambas as universidades e alguns estudiosos externos para
trocar pontos de vista teológicos e doutrinários sobre temas comuns,
incluindo revelação, salvação, família e educação (FUSS, 2002). Em 2013,
Daisuke Nakayama, filho adotado de Zenji, tornou-se o sucessor designado
da posição da Shinbashira. Em 2014, Zenye Nakayama, o terceiro
Shinbashira, faleceu aos 80 anos.
A Tenrikyo na Amazônia
A Tenrikyo chegou ao Brasil oficialmente em 1929 com o envio de alguns
missionários, e é enquadrada dentro do grupo das novas religiões
japonesas. Dentre os primeiros missionários, estava o primeiro primaz da
Tenrikyo Brasil, o Sr. Chujiro Otake. Em 1935 foi autorizada a fundação da
primeira igreja no Brasil. Já em 1951 foi fundada a sede missionaria da
Tenrikyo do Brasil em Bauru (SP). O reconhecimento por parte do governo
brasileiro aconteceu em 1955. A partir de 1971 se iniciou a publicação do
Jornal Tenri, usado para veicular em português a instrução religiosa e fazer
divulgação as atividades realizadas pela igreja (PEREIRA, 1992).
17
que tem treze cordas que são afinadas através de cavaletes móveis) da
Associação Pan-Amazônica Nipo Brasileira a relação direta da prática
musical com a prática religiosa. O grupo de Koto em questão tem
basicamente a função de divulgação da cultura através da música, tendo
por via de um instrumento musical que remete as tradições sonoras do
Japão. Porém, a fundadora do grupo e líder do mesmo (Kuniko Maruoka)
tem relação direta com o instrumento musical em função de sua religião,
a Tenrikyo, pois o tradicional instrumento japonês faz parte das
cerimônias na Igreja. A partir do constatado comecei a pensar e investigar
mais a fundo a relação entre a prática musical e a religião.
O Mura Perpetuado
É interessante observar, que na Igreja Tenrikyo Amazônia, um grupo típico
da sociedade japonesa durante muito tempo, o mura (A tradução seria
vila ou vilarejos, porem pode ser utilizado com outros sentidos
semelhantes. Um grupo que é basicamente composto por membros
familiares entre si), é uma boa analogia para a organização familiar da
Igreja Tenrikyo Amazônia. Como define Kato (2012) a sociedade japonesa
tem uma tendência de viver o presente. Os acontecimentos ocorrem no
espaço de um determinado grupo. A fronteira entre o grupo e o que está
fora é latente, e a relação entre os membros do grupo e os de fora são
contrastantes. Isso não significa que exista diretamente uma tendência de
aversão a quem é de fora na igreja, ainda mais lembrando de seu discurso
proselitista institucional. Esse contraste é na verdade indireto e ofuscado,
demostrado na utilização da língua japonesa e instrumentos típicos
japoneses nas cerimônias, além de sua ampla maioria de adeptos ser
composta de nikkeis, ou seja, de japoneses e seus descendentes. Este
pode ser o caso de outras culturas também, não sendo exclusivo da
cultura japonesa ou do caso especifico da igreja Tenrikyo Amazônia,
porém, deriva de uma tradição que é atualizada de diversas formas, sendo
parte de uma modernidade que não perde raízes. Mesmo após a
industrialização que dissolve o mura tradicional, parte daquele senso
18
permanece. De toda maneira, ainda sim vemos transformações a todo
momento desta realidade, mas aqui esta questão só é lembrada para não
ser acusado de não considerar as possíveis hibridizações ou bricolagens,
ou mesmo considerar a cultura estática. Da mesma maneira a tradição
não necessariamente é um padrão inabalável, e é aí que as propostas
partidas de uma dualidade tendem a entrar em conflito interno.
19
de sagrado; contribuições para perspectivas em colapso no ocidente;
entre outras. O que pode ser considerado classicamente nas ciências
sociais como, ópio, ética normativa ou alienação pode ter outra face, ou
mesmo uma função social tão ativa e militante quanto a sociologia de
ação proposta por Bourdieu (2007). A religião (não aquela delimita pela
ortodoxia ocidental, e sim a baseada na comutação social e ortopraxia)
pode ser libertadora. Sem a compreensão de outras mentalidades, o
dialogo torna-se impossível. Compreender é uma expressão de respeito
ante uma cultura, e que pode vir a ser uma forma de assistir e responder a
seus próprios anseios.
Referências
Vitor Moises Nascimento Therezo. Graduado em História (FIBRA),
especialista em História Contemporânea (FIBRA) e mestrando em Ciências
da Religião (UEPA). Professor na Prefeitura Municipal de Belém, e
Professor Horista da Universidade do Estado do Pará (UEPA).
vitortherezo@gmail.com.
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A CULTURA ÁRABE MUÇULMANA E O CINEMA: O RETRATO DO ÁRABE
MUÇULMANO GERADO PELO CINEMA HOLLYWOODIANO
Débora Dorneles Uchaski
Resumo: Este artigo traz uma perspectiva sobre como o cinema hollywoodiano têm
representado a cultura árabe muçulmana e como o cinema tem sido utilizado como
uma ferramenta ideológica para a legitimação de projetos políticos e econômicos
norte-americanos. Baseados na teoria da Nova História Cultural e nos métodos de
Marc Ferro, analisaremos vinte e um (21) filmes criados entre a década de 1970 e os
dias atuais, partindo do contexto em que havia sido criada a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) e o mundo estava sendo acometido com a crise do
petróleo, atingindo primariamente os Estados Unidos. Fundamentado em interesses
políticos e econômicos, os Estados Unidos tem utilizado do cinema hollywoodiano
como um instrumento para atingir o inconsciente coletivo das massas. Aumentando
consideravelmente a utilização da figura do árabe muçulmano em seus filmes, criando
um retrato de tal cultura sob uma ótica orientalista. Além disso, dedicamo-nos a
estudar a representatividade da cultura árabe muçulmana no cinema salientando a
forma como é estampada, os estereótipos arremetidos a tais sujeitos e analisar se
houve alterações e degradações de sua imagem com o decorrer da história.
Enfatizando a importância de trabalhar em sala de aula a desconstrução dessa ótica
eurocêntrica e orientalista a fim de despertar no educando um olhar crítico ao que lhe
é ofertado pela mídia de massas. Portanto, com o objetivo de trazer novas
perspectivas e visões a fim de romper com estereótipos e com o estranhamento a
culturas diferentes das quais este se insere, visando que alcance um pensamento mais
ambíguo e tolerante.
Palavras-chave: Cinema; Representação; Orientalismo; Estereótipos; Racismo.
Abstract: This article presents a perspective about how Hollywood’s Industry has
represented Arab Muslim’s culture and how the cinema has been used an ideological
tool for legitimizing American’s political and economic projects. Based on the New
Cultural History theory and the Marc Ferro’s methods, we will analyze the twenty-one
(21) movies since between 1970s to current days, starting from the context with the
creation of Organization of Petroleum Exporting Countries (OPEC) when happened the
oil caos in the world, reaching primarily the United States of America. By the way,
grounded on political and economic interests, the United States has used Hollywood’s
Industry as an instrument to reach the masses' collective unconscious that since It was
increasing considerably the use of the Muslim Arab figure in your movies, creating a
portrait of such a culture under an Orientalist view. Besides that, we have dedicated to
study the representativeness of Muslim Arab’s culture in the cinema lay emphasis on
the way It is stamped, the stereotypes referred to these people and to analyze if there
were any changes and degradations of their image with the course of history. Stressing
that the importance of working in the classroom the deconstruction of this Eurocentric
and Orientalist viewpoint in order to awaken in the students a critical eye to what is
offered to them by the mass media. In conclusion, we want to bring new perspectives
and visions in order to break with stereotypes and strangeness to different cultures
21
from which these students are inserted, aiming at more ambiguous and tolerant
thinking.
Keywords: Cinema; Representation; Orientalism; Stereotypes; Racism
22
rodeia e com o qual se comunica necessariamente (...). Nessas
condições, empreender a análise de filmes, de fragmentos de filme,
de planos, de temas, levando em conta, segundo a necessidade, o
saber e o modo de abordagem das diferentes ciências humanas,
não poderia bastar. É necessário aplicar esses métodos a cada
substância do filme (imagens, imagens sonoras, imagens
sonorizadas), às relações entre os componentes dessas substâncias;
analisar no filme principalmente a narrativa, o cenário, o texto, as
relações do filme com o que não é o filme; o autor, a produção o
público, a crítica, o regime. Pode-se assim esperar compreender não
somente a obra como também a realidade que representa (FERRO,
1989, p.203).”
23
coletivo e normalizar a ideia preconceituosa de que árabes- muçulmanos
são culturalmente inferiores e representam um perigo iminente: “Existe,
afinal, uma profunda diferença entre o desejo de compreender por razões
de coexistência e de alargamento de horizontes, e o desejo de
conhecimento por razões de controle e dominação externa. ” (SAID, 2007,
p.15)
24
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), reivindicando o
poder de estabelecer os preços do Petróleo, combatendo o monopólio
estabelecido pelo cartel das grandes empresas ocidentais (Royal Dutch
Shell, Standard Oil, Mobil, Standard Oil of California, Chevron, Gulf, BP).
Em seguida, outros países se juntaram a OPEP, entre eles temos Líbia,
Nigéria, Argélia, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Gabão, Indonésia e
Equador.
25
vivendo uma forte crise econômica. Portanto, os estereótipos pejorativos
e degradantes do árabe-muçulmano serão reforçados no cinema nas
décadas de 1970 e 1980, ainda que divida o espaço com outros
personagens estereotipados como chineses e russos.
26
(1984), 007: Nunca Mais Outra vez (1983), Sahara (1983), Amor Impossível
(2012), entre outros.
Outro fator interessante, é que mesmo em filmes onde o roteiro não tem
relação com árabes, muitas vezes são utilizados para representar um vilão,
ou um perigo iminente. Como é o caso do já citado Rede de Intrigas (1976)
e De volta para o futuro (1985): “Ao mesmo tempo, ao sustentar seus
privilégios tanto com sua glória quanto com o envilecimento do
colonizado, ele se obstinará em envilecê-lo. Utilizará para retratá-lo as
cores mais sombrias; agirá, se for preciso, para desvalorizá-lo, para
aniquilá-lo.” (MEMMI, 2007, p.92)
27
desencadeará uma guerra contra o terrorismo, liderada por Bush
(presidente norte-americano), iniciando sua ação invadindo o Afeganistão.
Paulo Visentini nos dirá ainda que a “expressão “terrorismo” passou a
integrar a linguagem cotidiana em todo o mundo.” (VISENTINI, 2014, p.97)
Mulher árabe-muçulmana
O retrato da mulher árabe-muçulmana no cinema hollywoodiano é
dividido em duas representações: primeiramente teremos a imagem da
odalisca, com roupas sensuais e na maioria das vezes em tabernas, como
veremos em filmes com Sherlock Holmes: O Enigma da Pirâmide (1985) e
Alladin (1992). Por mais que a imagem trazida pelo cinema não venha
representar a realidade, temos que compreender que o homem ocidental,
que vive em uma sociedade machista e patriarcal, deseja ver o corpo da
mulher árabe desnudo.
28
Porém podemos notar através da análise dos filmes, que após o atentado
de 11/09, teremos uma alteração na representação da mulher árabe-
muçulmana, aparecendo desta vez como uma mulher oprimida,
subjugada, sempre utilizando de suas burcas pretas, aparecendo quase
sempre em segundo plano ou então ligadas aos grupos terroristas através
de seus cônjuges.
29
A importância de trabalhar estes conteúdos em sala de aula
Trabalhar conceitos tão importantes como estereótipos, orientalismo e
racismo são de suma importância na formação de nossos estudantes. Em
nossa atualidade, estamos vivendo diversos acontecimentos ocorrendo
paralelamente, entre eles podemos citar a imigração em massa de
refugiados do Oriente Médio em busca de uma vida melhor e longe de
zonas de conflito e interesses petrolíferos. Porém com a disseminação
desta ideologia xenofóbica e islamofóbica, fomentada pelo cinema
americano e por outras mídias desde a década de 1970, temos de
imediato um choque cultural muito maior. Tanto, que se tornou comum o
ataque a estas pessoas em função da sua raça ou religião.
Considerações finais
Considera-se, portanto, que o cinema hollywoodiano tem sido utilizado
para fins políticos e imperialistas, estereotipando a cultura árabe e
muçulmana através de estereótipos degradantes objetivando a
inferiorização destas etnias e religião, para legitimação da intervenção
norte-americana em zonas de interesse petrolífero, utilizando como
desculpa a “guerra ao terror”. Para que o mundo aceite esta intervenção,
é necessária uma ideologia de massas, a qual utilizam de diversos
recursos, entre eles o cinema.
Cabe ainda dizermos que durante a análise das fontes cinematográficas foi
verificado a imposição do cinema hollywoodiano, ligando a violência ao
Islã, gerando no subconsciente coletivo uma ideia errada sobre tal religião.
Lembrando que o Islamismo é uma religião voltada a paz.
30
Uma das maiores dificuldades encontradas pela pesquisa foi delimitar e
utilizar apenas 21 filmes, pois durante o processo de pesquisa o número
de filmes do cinema hollywoodiano e europeu assistidos e que retratam a
cultura árabe-muçulmana alcançou o número de 80 filmes, espero poder
dar continuidade nesta pesquisa a fim de utilizar esta grande gama de
fontes cinematográficas para análise do retrato da cultura árabe
muçulmana criada pelo Ocidente.
Referências
Autora: Débora Dorneles Uchaski é Graduada em Licenciatura em História
pela Faculdade Porto-Alegrense.
E-mail: duchaski@gmail.com
Orientado pelo professor Mestre Walter Günther Rodrigues Lippold
Filmes:
007 – Never Sain, Never Again. Direção: Irvin Kershner. Produção de
TaliaFilm II Productions, Woodcote. 1983. Color. 134 min.
13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi. Diretor: Michael Bay.
Produção de Paramount Pictures. 2016. Color. 144Min.
ALLADIN. Direção: Ron Clements, John Musker. Produção de Walt Disney
Pictures.1992. Color. 90Min.
AMOR Impossível. Diretor: Lasse Hallström. Produção de UK Film Council,
BBC Films. 2011. Color. 107 min.
CANNONBALL Run II. Direção de Hal Needham. Produção de Golden
Harvest Company.1984. Color. 108 min.
CASTELO de Areia. Diretor: Fernando Coimbra. Produção de The Mark
Gordon Company. 2017. 113 min.
DE VOLTA para o Futuro. Direção de Robert Zemeckis. Produção de
Universal Pictures.1985. Color. 116 min.
GLADIADOR. Diretor: Ridley Scott. Produção de DreamWorks, Universal
Pictures. 2000. Color. 171 min (extended edition).
GUERRA ao terror. Diretor: Kathryn Bigelow. Produção de Voltage
Pictures. 2008. Color. 131 min.
INDIANA Jones e os Caçadores da Arca Perdida. Direção de Steven
Spielberg. Produção de Paramount Pictures, Lucasfilm. 1981. Color. 115
min.
MAR de Fogo. Diretor: Joe Johnston. Produção de Touchstone Pictures.
2004. Color. 136 min.
O ENIGMA da Pirâmide. Direção de Barry Levinson. Produção de Amblin
31
Entertainment, Industrial Light & Magic (ILM), Paramount Pictures. 1985.
Color. 109 min.
O HOMEM mais procurado. Direção de Anton Corbijn. Produção de
Lionsgate. 2014. Color. 122 min.
O REINO. Diretor: Peter Beng. Produção de Universal Pictures. 2007. Color.
110 min.
PRÍNCIPE da Pérsia: As Areias do Tempo. Diretor:Mike Newell. Produção
de Walt Disney Pictures. 2010. Color. 116 min.
Reel Bad Arabs: How Hollywood Vilifies a People. Direção: Sut Jhally.
Produção: Media Education Foundation, 2006. 50 min, cor.
REDE de Intrigas. Direção de Sidney Lumet; Produção de United Artists;
Metro Goldwyn MGM, 1976. 120 min.
REGRAS do Jogo. Diretor: William Friedkin. Produção de Paramount
Pictures. 2000. Color. 128 min.
SAHARA. Direção de Andrew V. McLaglen. Produção de Cabal Film,
Cannon Group, Golan-Globus Productions. 1983. Color. 111 min.
SNIPER Americano. Diretor: Clint Eastwood. Produção de Warner Bros..
2014. Color. 114 min.
SYRIANA – A indústria do Petróleo. Diretor: Stephen Gaghan. Produção de
Warner Bros. 2005. Color. 128 min.
TRÊS Reis. Diretor: David O. Russell. Produção de Warner Bros. 2000.
Color. 114 min.
TRUE Lies. Direção de James Cameron. Produção de Twentieth Century
Fox. 1994. Color. 141 min.
Bibliografia:
AGUIAR, Flávia; COSTA Cristiane. Jasmine: a representação da mulher e do
Oriente sob a ótica da Disney. Intercom, s/d.
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FERRO, Marc. O filme: uma contra análise da sociedade? LE GOFF,
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http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/v
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VISENTINI, Paulo. O Grande Oriente Médio: Da Descolonização à
Primavera Árabe. Campus Elsevier, 2014.
33
A IMIGRAÇÃO JAPONESA VISTA PELO CINEMA BRASILEIRO:
APONTAMENTOS SOBRE “GAIJIN, CAMINHOS DA LIBERDADE”, DE
TIZUKA YAMASAKI (1980)
Diogo Matheus de Souza
Abstract: Law 13.006/2014 determines the exhibition of two monthly hours of national
production films in all the basic education schools in the country. Seeking to reflect on
possibilities about Brazilian cinema in school, and mobilizing themes, this article
intends to analyze the film "Gaijin, Caminhos da Liberdade" (1980) by the japanese-
brazilian filmmaker Tizuka Yamasaki. Through the film, newspaper news circulated in
the context of its launch, interview with the director and the existing bibliography, it is
intended to understand how "Gaijin" mobilizes and produces memories about
japanese immigration, and what evidence provides about the construction of a
japanese identity in Brazil.
Keywords: Japanese Immigration; Cinema; Education.
34
história da imigração japonesa no Brasil e a presença cultural japonesa
dentro da própria cultura brasileira.
Fonte da Imagem:
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-44249/
Descrição: Cartaz de divulgação em francês de
“Gaijin, Caminhos da Liberdade”.
35
para a cafeicultura de São Paulo. Havia também a pretensão de abrir
diretamente o mercado japonês para o café brasileiro. “Portanto, da
perspectiva do Brasil, as relações do governo paulista com o Japão
iniciavam-se estreitamente atreladas aos interesses da cafeicultura”
(BASSANEZI; TRUZZI, 2008, p. 75).
36
realização de entrevistas com imigrantes japoneses” (KISHIMOTO; HIKIJI,
2008, p. 152).
37
Jornal O Globo entrevistou TizukaYamazaki, e em sua entrevista ela
afirma:
38
No decorrer da história da personagem Titoe, Yamazaki apresenta o difícil
processo de adaptação dos imigrantes japoneses, como a dificuldade de
comunicação, de alimentação, a exploração de seu trabalho como mão-
de-obra barata ou pelo endividamento das famílias e o sentimento de
frustração das expectativas iniciais de enriquecimento e retorno ao Japão
(KISHIMOTO; HIKIJI, 2008, p. 152).
39
“Os japoneses são representados como alheios à mobilização coletiva,
confirmando a imagem que deles tem o fazendeiro: em relação aos
italianos e espanhóis eles seriam mais disciplinados e trabalhadores”
(KISHIMOTO; HIKIJI, 2008, p. 153). Ao ser questionada pelo repórter do
Jornal O Globo se possui “complexo” em relação aos outros brasileiros,
“fisicamente tão diferentes de você”, a cineasta Tizuka Yamazaki
responde:
Considerações Finais
“Gaijin, Caminhos da Liberdade” de Tizuka Yamazaki representa não só
uma homenagem ao povo imigrante por parte de sua diretora
descendente de imigrantes japoneses, mas também uma forma de
produzir, enquadrar e divulgar uma memória e uma identidade da
imigração japonesa no Brasil. Por meio dos relatos de Yamazaki,
percebemos que ela possui uma memória herdada de sua avó acerca da
vida de imigrante, o que lhe serve como referência para a construção da
narrativa fílmica.
40
dificuldades podem-se elencar as más condições de estadia, o
endividamento, as precárias condições de trabalho, a exploração de sua
mão de obra, entre outras.
Referências
Diogo Matheus de Souza é graduado em História pela Universidade
Federal de Santa Catarina e Mestrando do Programa de Pós-Graduação
em Educação da mesma universidade, com bolsa CAPES. Integra o Grupo
de Pesquisa “Patrimônio, Memória e Educação” (PAMEDUC), vinculado ao
CNPq. E-mail: diogo.m.souza@posgrad.ufsc.br
Fontes:
ANDRIES, André. "Gaijin, Caminhos da Liberdade": A imigração japonesa
vista pelo cinema brasileiro. O Globo. Rio de Janeiro, 29 fev. 1980. p. 32-
32. Disponível em: <http://midiacidada.org/uma-nipo-brasileira-no-
cinema-um-olhar-sobre-a-imigracao-japonesa-no-brasil/>. Acesso em: 15
ago. 2018.
GAIJIN, Caminhos da Liberdade. Direção de Tizuka Yamazaki. São Paulo:
Embrafilme, 1980. (100 min.), son., color.
Bibliografia:
ASSMANN, Aleida. SHORTT, Linda. Memory and Political Change. USA:
Palgrave Macmillan, 2012.
BARRETO, Gustavo. Uma nipo-brasileira no cinema: um olhar sobre a
imigração japonesa no Brasil. 2014. Disponível em:
<http://midiacidada.org/uma-nipo-brasileira-no-cinema-um-olhar-sobre-
a-imigracao-japonesa-no-brasil/>. Acesso em: 12 jul. 2018.
BASSANEZI, Maria Silvia C. Beozzo; TRUZZI, Oswaldo Mário Serra.
Plantadores do futuro: japoneses em São Paulo na primeira metade do
Século XX. In: IBGE. Resistência e Integração: 100 anos de imigração
japonesa no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. p. 72-89.
BRASIL. Lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014. Acrescenta § 8o ao art. 26
41
da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para obrigar a exibição de filmes de
produção nacional nas escolas de educação básica. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-13006-26-junho-2014-
778954-publicacaooriginal-144445-pl.html>. Acesso em 09 ago. 2018.
KISHIMOTO, Alexandre; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. Nikkeis no Brasil,
Dekasseguis no Japão: identidade e memória em filmes sobre migrações.
Revista Usp, São Paulo, v. 79, n. 01, set-nov. 2008. p.144-164, Disponível
em:
<http://www.revistas.usp.br/revusp/issue/view/1080>. Acesso em: 08
ago. 2018.
MORALES, Leiko Matsubara. Cem anos de imigração japonesa no Brasil: o
japonês como língua estrangeira. Tese de Doutorado. São Paulo: USP,
2008.
POLLACK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, v. 05, n. 10, 1992, p.200-212. Disponível em:
<http://www.pgedf.ufpr.br/memoria%20e%20identidadesocial%20A%20c
apraro%202.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2018.
42
REMINISCÊNCIAS DE MILTON HATOUM: ORIENTE E AMAZÔNIA COMO
VETORES DA ARTE LITERÁRIA
Arcângelo da Silva Ferreira
Heraldo Márcio Galvão Júnior
43
que se propuseram a ler o jornal paulistano vislumbraram registros de
acontecimentos relativos àquele primeiro ano, em que o Brasil respirava
os ares de País que, após longos anos sem ter ido às urnas, com o
propósito da escolha democrática, havia, em 1989, eleito o primeiro
presidente, sob a égide da Constituição de 1988, “a mais progressista e
avançada das constituições brasileiras”. (NETTO, 2013, p. 239) .
44
livro, depois de pelo menos três projetos de romance, gestados desde sua
passagem por São Paulo, Hatoum afirma que partiu da ideia de urdir um
texto lírico, onde diversas vozes narrativas em primeira pessoa iriam se
alternar.
45
como Carpentier, Juan Carlos Onetti, Mario Vargas Llosa, Lezama
Lima, Juan Rulfo, Julio Cortazar, Gabriel Garcia Marquez. Sua obra
não partilha o barroquismo da maior parte desses autores, mas tem
alguns pontos em comum com a descrição de uma vida em clã de
seus efeitos no tempo.” (PIZA, 2007, p. 16).
Vejam, as generosas pessoas que estão lendo, que nosso escritor saiu do
Brasil como incipiente poeta e aspirante a contista. Contudo, as
experiências vividas através de suas andanças contribuíram, de forma
significativa para fazer-se romancista. Por suas palavras: “*...+. Sou muito
lento, meu ritmo é muito amazônico. A minha maior herança, minha
amazonidade está na meditação, na lentidão e no absoluto desprezo pela
pressa”. (LEAL, 2007, p. 1). É fecundo esse depoimento. Por um lado,
tenciona com a permanente ideia de que as culturas inscritas na Amazônia
guardam, historicamente, a indolência, se comparadas ao peculiar ritmo
civilizatório. Mas, se tais atitudes podem revelar, aos olhos de outrem, o
signo do atraso, por ser lento, essencialmente, surge, através do oficio de
Milton Hatoum eficaz e inteligente: a invenção do cotidiano no processo
de sua criação literária para “capitalizar vantagens conquistadas,
preparando expansões futuras e obter assim para si uma independência
em relação à variabilidade das circunstâncias. [...] um domínio do tempo
pela fundação de um lugar autônomo”. (CERTEAU, 2008, p. 99).
46
(HATOUM, 2008, p.19.). De fato, foi recorrendo à memória de seus
ancestrais que ele atinge o reconhecimento no mundo das letras. Como
ele mesmo afirma: “é preciso deixar passar o tempo, esquecer o que
passou pra que a memória reconstrua pela linguagem o que poderia ter
ocorrido”. (HATOUM, 1991, p. 3.). Vejam as prezadas pessoas que
chegaram até aqui: os indícios da memória são cruciais à literatura de
Hatoum. Observem o entrecho abaixo extraído de outro livro:
47
escritor amazonense, no que diz respeito a estrutura narrativa de seu
primeiro romance, a qual foi inspirada na reminiscência de seus
ancestrais, deveu-se à notícia trágica que chegou até ele quando residia
fora do Brasil: “(...) a morte de um familiar, velho contador de histórias
orientais durante minha infância”. (HATOUM, 1991, p. 3.). Episódio que
fez Hatoum redefinir as veredas por onde sua literatura, a partir de então,
iria trilhar: “Para alguns escritores, o desejo de mediar o mundo pela
linguagem escrita nasce de uma ausência, de um certo inconformismo
face a realidade”. (Idem, p. 3.). Na peculiaridade de seu ofício de escritor,
urdiu o livro, primeiramente, à mão “entre Barcelona, Madri, Paris e
Manaus. Depois datilografei e terminei em 1986 ou no começo de 1987”.
(SERRÃO, 2017, p. 1). Assim, ‘Relatos...’ foi se delineando em diversas
cidades europeias, para ser finalizado em Manaus, quando Milton Hatoum
fazia aulas na Universidade Federal do Amazonas. Decerto, foram motivos
financeiros que fizeram com que Hatoum retornasse à cidade de Manaus.
(LEAL, 2010). Assim, no início dos anos de 1980, torna-se professor da
Universidade Federal do Amazonas ministrando aulas na disciplina de
Língua e Literatura Francesa.
48
igualmente, onde “o projeto literário serve ao expansionismo colonial. Por
isso, alguns desses textos não estão isentos de distorções, de observações
negativas sobre o mundo em que transitam os narradores.” (Idem)
Hatoum, em face da diversidade literária sobre o Oriente, como afirma,
degustou aquilo que lhe dera prazer. Foi, portanto a leitura de Viagem ao
Oriente, de Nerval e As mil e uma Noites que lhe deu chaves importantes
para compreender o valor simbólico dos ecos de uma determinada voz de
um narrador, mesmo após a morte (o narrador real e os imaginários).
(Idem)
49
os quais alguns poetas e romancistas espanhóis vêm mantendo um
diálogo fecundo.” (HATOUM, 2018, p.p. 14 e15).
Referências
Arcângelo da Silva Ferreira é Professor Assistente B na Universidade do
Estado do Amazonas. Graduado em História pela UFAM. Mestre em
Sociedade e Cultura na Amazônia pela UFAM. Doutorando em História
pela UFPA.
e-mail: asf1969@outlook.com
50
Heraldo Márcio Galvão Júnior é Professor Assistente B na Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará. Graduado em História pela Unesp.
Mestre em História pela Unesp. Doutorando em História pela UFPA.
Bolsista Prodoutoral CAPES.
e-mail: heraldogalvaojr@gmail.com
Fontes
CARPEGGIANI, Schneider. “Relato de um certo oriente, de Milton Hatoum,
completa 25 anos”. In.: Suplemento Cultural do Diário do Estado de
Pernambuco nº 14 – Outubro 2104. Disponível:
www.suplementoculturalpernambuco.com.br. Acesso: 24/09/2017 às
01:02h.
EL GEBALY, T. M. A. “Milton Hatoum: ‘não há tantos tradutores de língua
portuguesa’”. In. : Revista Crioula. Maio de 2010 – Nº 7. Disponível em
http: // www.revistas.usp.br/crioula. Acessado em 13/10/2017 às 23:29H.
HATOUM, Milton. “Escrever à margem da História” – texto da participação
do autor em 4 de novembro de 1993 no seminário de escritores brasileiros
e alemãs, realizado no Instituto Goethe, São Paulo, p. 1. Disponível em
http/revistas.pucsp.br/index.php/fornteiraz/article/viewFile/12593/9167.
Acesso em 14/10/2017 às 04:13H.
Jornal O Estado de São Paulo, 19 de outubro de 1991, nº 584, ano VIII, p.
3. Caderno Cultura; seção Depoimento.
LEAL, Cláudio. Hatoum: a literatura é a arte da paciência – entrevista.
Disponível em: terramagazine.terra.com.br. Publicado quarta-feira, 19 de
setembro de 2007, 13H51. Acessado em 21/09/2017 às 14:35h.
Ruan de Souza Gabriel. Milton Hatoum: arquiteto do tempo. Disponível
em: época.globo.com/cultura/notícia/2017/10/milton-hatoum-o-
arquiteto-do-tempo.html. Acesso em 21/10/2017, às 16:03h.
SERRÃO, Cláudia Maria. Milton Hatoum fala sobre o processo de
constituição do livro ‘Dois irmãos’ e suas relações editoriais. Disponível
em: https:livreopiniao.com. acessado em 15/10/2017 às 09:54h.
Bibliografia
BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história” In.: Magia e técnica,
arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras
Escolhidas, volume 1. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. Prefácio: Jaenne
Marie Gagnebin, 3ª edição – São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano : 1. Artes de fazer; 15 ed.
51
tradução de Ephraim Ferreira Alves. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2008.
HATOUM, Milton. “ Amazonas, capital Manaus”. In.: NUNES, Benedito &
Hatoum, Milton. Crônicas de duas cidades: Belém – Manaus. – Belém:
Secult, 2006.
HATOUM, Milton. “Amazônia: um ciclo de sono e violência ou Motocu, o
demônio, cumpriu sua missão”. In.: ______________ et al. Amazonas:
Palavras e imagens de um rio entre ruínas. São Paulo : o Autor; coedição
Livraria Diadorim, 1979.
HATOUM, Milton. Dois Irmãos. – São Paulo : Companhia das Letras, 2000.
HATOUM, Milton. Passagem para um certo Oriente. In: BRUNN, Albert
von. Milton Hatoum : entre Oriente e Amazônia. Tradução : Rafael Rocca
dos Santos. -São Paulo : Humanistas, 2018.
HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. – 1ª ed. – São Paulo :
Companhia das Letras, 2008.
MATE, Rayes. “O anjo da história ou por que o que para nós é progresso
para o anjo é catástrofe”. In.:__________ Meia-noite na história:
comentários às teses de Walter Benjamin “sobre o conceito de história”;
tradução Nélio Schneider. São Leopoldo, RS : Ed. UNISINOS, 2011.
NETTO, José Paulo. “Em busca da contemporaneidade perdida: a esquerda
brasileira pós-1964”. In. MOTA, Carlos Guilherme (organizador). Viagem
incompleta. A experiência brasileira (1500-2000): a grande transição. 3ª
ed. – São Paulo : Editora Senac São Paulo, 2013.
PIZA, Daniel. “Perfil Milton Hatoum”. In.: CRISTO, Maria da Luz Pinheiro
de. (org.) Arquitetura da memória: ensaios sobre os romances Dois
irmãos, Relato de um certo Oriente e Cinzas do Norte. – Manaus : Editora
da Universidade Federal do Amazonas/ Uninorte, 2007.
52
NARRATIVAS ORAIS DE MULHERES CHINESAS EM MANAUS 1980-2017
Raphaela Martins Pereira
Abstract: The article is the result of a scientific initiation research of the Laboratory of
Oral and Audiovisual History of Amazonas (LABHORA-AM) of the Department of
History of the Federal University of Amazonas and the theme is about memories of
chinese women migrated to Manaus in interstice 1980-2017. To do this, we
fundamentally use the dialogues as oral sources, selecting the interviews we carry out
with the chinese migrants and their stories about life, work and the migration process.
We understand that the way of migration of men and women are different and
reflecting on the memories and experiences of these historical subjects we can have
dimensions of the History of Chinese immigration to Brazil
Keywords: Chinese woman; immigration; oral history.
53
refletiremos a cerca da concepção do ser mulher na China, como a mulher
chinesa é vista dentro da sociedade na qual ela está inserida, visando
apresentar a história que há por trás de séculos de tradição e costumes
que mantinham a margem a mulher chinesa. E em seguida debateremos
em cima das fontes orais, aproximando-se das vivencias das mulheres
chinesas que migraram para Manaus.
54
tenhamos encontrado dados estatísticos específicos acerca da presença
dos chineses em Manaus foi possível observar sua presença marcante no
centro da cidade. Várias lojas que constituem o comércio do Centro
pertencem a chineses. Outro elemento importante a ser notado é a
presença de empresas chinesas que atraídas pela isenção fiscal praticada
em Manaus, via Zona Franca, tem impulsionado a vinda de muitos
chineses para ocupar cargos estratégicos. Segundo o “Portal da
Amazônia”, três empresas chinesas devem abrir filiais no Polo Industrial
de Manaus no ano de 2014, as empresas Welling E GMCC (Guandong
Midea Toshiba Compressor Corporation), integrantes do Grupo Midea
Carrier, e mais o Grupo Hisense International CO. Ltda visam investir cerca
de US$ 15 milhões, projetando cerca de 20 mil empregos na capital
amazonense.
55
A história oral nos abra um leque de informações que não estão descritas
nos documentos oficiais, mas que não nos impede de consultá-los e
analisá-los criticamente. Janaina Amado aponta que “O uso sistemático do
testemunho oral possibilita a história oral esclarecer trajetórias
individuais, eventos ou processos que as vezes não tem como entendidos
ou elucidados de outra forma: são depoimentos de analfabetos, rebeldes,
mulheres, crianças, miseráveis, prisioneiros, loucos.” (AMADO, 1995:125)
A filósofa Ana Cristina Alves coloca que a mulher chinesa exemplar nos
séculos anteriores era aquela que seguia fielmente os preceitos da
submissão, castidade e obediência ao ser masculino, a mulher que vivia
para o lar, sem grandes sonhos e sem virtudes. Porém a filosofa apresenta
as mulheres que desafiavam todo o sistema, as mulheres do mundo, as
quais deviam ser evitadas apenas por sentirem o mundo como ele é “As
mulheres do mundo, com ou sem marido, eram aquelas que estavam de
algum modo, em contato com a sociedade que as rodeava. Viviam
comprometidas com o mundo do trabalho, da arte e, até do estrangeiro”.
(ALVES, 2002)
56
sociedade machista que visava controlar ao máximo essas mulheres.
Situemos que a China nesse momento da década de 1980 está em um
profundo processo de reforma política e social, mas entendemos que
culturalmente as mudanças são muito mais lentas. A China em 1949 se
tornou o Estado Socialista da China e as implementações a nova
constituição era a igualdade de gênero entre homens e mulheres.
Observamos que desde final do século XX, muitas leis foram incorporadas
na Constituição para garantir direitos das mulheres chinesas, mas será que
realmente essas mulheres gozam de todos os direitos descritos na lei? A
socióloga Fátima Patrício coloca que “Na prática, muitas dessas leis e
regulamentações não são implementadas ou fiscalizadas adequadamente,
muitos fatores (econômico, político e cultural) contribuem para o
desfasamento.”
Contudo, isso não significa que essas mulheres não lutem no dia a dia por
seus direitos, por seu espaço. As mulheres chinesas vêm vencendo
barreiras milenares nos últimos 40 anos, têm colocado suas vozes em
evidencia e seguem lutando pelos seus interesses e se emancipando.
Como Dona Toka uma das nossas primeiras entrevistadas nos conta como
foi sua chegada a capital amazonense:
“Queria ir para os Estados Unidos, mas vim para o Brasil, certo. Daí
eu vim, fiquei sete meses em São Paulo. Passei um ano e meio em
Montes das Cruzes. Então depois de lá vim para cá isso em 1970,
1974. Daí para cá nós veio para Manaus. Primeiro local que eu
fiquei foi o bairro de São Francisco. Daí gostamos daqui.
Enfrentamos no alto e no baixo, dificuldade, enfim até hoje.”
57
Dona Toka é super ativa nas atividades econômica de Manaus, ela nos fala
com bastante afinco “O que eu puder fazer pelo Amazonas, tô aqui.” É
importante problematizar esse discurso, pois, visto que ela é uma mulher
migrante em um país totalmente diferente do seu, e o interesse é ser
aceita para poder lucrar com suas atividades comerciais. Em um momento
da entrevista deixa soltar que está trabalhando com outros chineses para
trazer novidades para Manaus: “Agora, nesse momento estamos trazendo
de outras cidades, novidades pra Zona Franca, porque parece que não
tem. É na área de confecção, enfim trazendo empresas de fora para
montar indústria.”
Dona Toka é uma mulher ativa, com seus sessenta e poucos anos (Ela não
me revelou sua idade), casada, dona de uma loja de artigos chineses na
Rua Guilherme Moreira, personalidade forte e como ela mesma diz “Meu
compromisso é social”, na entrevista ressalta sempre que o que puder
fazer pelo Amazonas ela faz, e através da igreja ajuda pessoas com
doenças em Manaus com a acupuntura.
A chinesa Annie Wang, 30 anos, veio para Manaus a cerca de 2 anos, pois
seu marido é manauara e se conheceram quando ele estava na China a
negócios. Annie é da província de Anhui na China, seus pais são
fazendeiros e tem um irmão mais novo. Ela nos conta um pouco da sua
infância na China de forma bem alegre.
58
denunciar. Para nós mulheres chinesas não temos essa lei muito
clara, e aqui as mulheres tem mais liberdade.”
Com relação a sua vida em Manaus, ela diz que aqui é mais difícil para ela
devido à mobilidade e comida, o cardápio não é muito variado e ela sofre
mais pressão no trabalho por causa da sua relação com a China, ou seja,
os chefes chineses cobram muito mais dela do que os trabalhadores
brasileiros:
A oralidade nos ajuda a trazer luz para essas questões, no caso das
mulheres chinesas, nos auxilia a entender os contrastes que há em ser
uma mulher chinesa na China e em outro país. Janaína Amado expõe:
59
sentidos e costumes que é também de grupo. Sendo assim,
compreende-se que as fontes orais conferem às pesquisas aspectos
que muitas vezes foram negligenciados pelas fontes escritas,
possibilitando dessa forma, alargar o entendimento e captar
intenções, sentimentos, razões e motivações de pessoas que
participaram ou tiveram algum envolvimento com os fatos e/ou
eventos ou processos que se deseja conhecer.” (AMADO, 1995)
Referências
Raphaela Martins Pereira, graduanda do curso de História da Universidade
Federal do Amazonas.
Email: raphaelamartinspereira@hotmail.com
60
2016.
CHANG, Sheng Shu. Chineses no Rio de Janeiro. Leituras da História,
ed.17. ano II, p. 44-53, 2009
HERMANN, Pedro Thomas Vilela. Indicadores da atividade econômica na
China. Mestrado em Economia no Departamento de Economia da
Universidade Federal de São Paulo.
PATRICIO, Fátima Cristina das Neves. Os direitos da mulher na China.
Mestrado em Estudos Chineses da Universidade de Aveiro, 2011.
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 5, n.10, 1992, p. 200-2012.
61
LENDO O OCIDENTE A PARTIR DO ORIENTE: O NARRADOR MACHADIANO
EM QUESTÃO
Nelson de Jesus Teixeira Júnior
Resumo: O ensaio visa, através de uma perspectiva ficcional e histórica, discutir como
o Ocidente era lido através dos acontecimentos no Oriente, isso, por meio de uma
crônica datada de “1 de julho de 1876”, assinada por Machado de Assis, que circulou
no espaço carioca do Oitocentos. Esse escritor brasileiro operacionalizava ideias
diversas em favor da formação informativa do seu leitor, apesar de não ter precisão
acerca da composição desse leitorado. Essa narrativa machadiana viabiliza ampliar,
para nós, a forma de compreensão sobre o cronista e seu processo de apreensão do
cotidiano.
Palavras-chave: Machado de Assis; Oriente; Literatura
Questões iniciais
O presente ensaio visa discutir sobre a maneira como o narrador
machadiano, em uma passagem da crônica de “1 de julho de 1876”,
estabelece diálogo entre os cenários políticos do Oriente e do Brasil com
vistas à formulação da visão crítica do leitor brasileiro. Trata-se, na
verdade, de uma conexão intercultural em que Joaquim Maria Machado
de Assis, através de seu narrador, põe em questão culturas diferentes que,
sem prejuízo, poderiam estabelecer aproximação entre si no ato da
compreensão sobre o cotidiano social e político de 1876, seja ele (o
cotidiano) carioca ou brasileiro. Ao final, colocaremos em diálogo a
Literatura e a História, áreas necessárias à compreensão sobre a
construção do leitor em seu tempo.
62
uma postura dialógica ao organizar sua compreensão sobre os cenários
internacional e local, bem como oriental e ocidental.
63
cotidiano, seja ele antigo ou novo, local ou regional, nacional ou
internacional, oriental ou ocidental.
64
conclusões (ou dúvidas) sobre o decurso que tomava o Oriente naquele
instante e que, guardadas as devidas proporções, ecoariam em outros
lugares. Segue a passagem:
65
política no Oriente: “Abdul-Aziz”. Sílvia Maria Azevedo identifica essa
figura política como Abd-ul-Aziz, o qual foi obrigado, em maio de 1876, a
abdicar em favor de seu sobrinho Murad. Vejamos o trecho citado:
66
uma linearidade que perpassa entre a política, o político, as pessoas, a
sociedade mundial, a sociedade carioca... Terminamos essa pequena
discussão com a convicção de que já no século XIX brasileiro,
aproveitando-se do desenvolvimento da imprensa e do Brasil, os autores
já pensavam o Brasil através, também, das relações entre o Oriente e o
Ocidente.
Questões finais...
Dentro dessas questões envolvendo antigo x novo, oriente x ocidente,
nacional x internacional... vale lembrar o que propõe Nestor Garcia
Canclini:
Referências
Nelson de Jesus Teixeira Júnior é doutorando (2015 – 2019) do Programa
de Pós-Graduação em Letras pela Universidade Estadual Paulista – UNESP,
campus de São José do Rio Preto – SP. Bolsista do Programa de Apoio à
Capacitação de Docentes e Técnicos da UNEB, PAC-DT. Atua como
professor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus IX em
Barreiras-BA, lecionando a disciplina “Estágio em Letras”. E-mail: j-
nelson2004@ig.com.br
67
ASSIS, Machado de. História de quinze dias, história de trinta dias:
crônicas de Machado de Assis, Manassés. Sílvia Maria Azevedo (org.). São
Paulo: Editora Unesp, 2011.
GARCIA CANCLINI, Nestor. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair
da Modernidade. 2. ed. — São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 1998.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de
Janeiro: LTC, 1989.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz
Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro 10ª Ed. Rio de Janeiro: DP e A, 2005.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético – vol. 2.
São Paulo: Ed. 34, 1999.
SAID, Edward W. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente.
Tradução Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
68
"FAÇA-SE O QUE SE QUISER – OS CHINESES POVOARÃO O BRASIL”: A
PRIMEIRA MISSÃO BRASILEIRA NA CHINA
Kamila Rosa Czepula
Abstract: In this brief text, we will analyze the first Brazilian mission held in China in
1881, which aimed to establish trade agreements and enable the arrival of Chinese
immigrants to Brazil Empire.
Keywords: Chinese immigration; Brazil Empire; China Empire
69
meio de uma manobra política, o plano de enviar uma missão Especial
Brasileira para a China saiu do papel. Eduardo Callado e Artur Silveira da
Mota foram nomeados pelo Imperador os enviados extraordinários e
ministros plenipotenciários da missão.
70
Estrangeiros do Brasil), o primeiro para informar que haviam chegado a
terras chinesas e que pretenderiam seguir viagem para Tianjin em 1 de
julho, os outros foram para levar ao conhecimento dessa autoridade
alguns fatos, no qual se destaca os embaraços postos pelas autoridades
chinesas à emigração para Cuba, e de como a influência inglesa não foi de
todo estranha a está resolução.
71
debates intensos (SILVA, 2016, p. 107). Logo, se havia um interesse por
parte dos chineses em ir para o Brasil, era a prova que as formas de
trabalho aqui seriam bem melhores do que as vivenciadas por eles em
outras nações.
72
De um lado os comissários chineses afirmavam que tinham ordens
expressas do Tsung-Li Yamên (ministro dos estrangeiros) para não
admitirem uma só palavra no tratado a respeito de emigração, e que isso
não deveria ser nenhuma surpresa, posto que o império brasileiro já havia
sido informado em Londres, de que essa era a disposição do gabinete de
Pequim (Beijing). Do outro, Eduardo Callado e Artur Mota replicavam que
a insistência nesse assunto fundava-se justamente nos precedentes dessa
missão, pois segundo eles:
73
Peru e para Cuba, que de fato cessou há alguns anos, não obstante
achar-se regulamentada em convenções especiais”.
Deste modo, esse deixar entender que os chins viriam para o Brasil em
condição de imigrantes, era mais um artifício de oratória empregado por
Callado e Mota, e já que a palavra emigração era expressamente proibida
nesse tratado, viram uma brecha, e propuseram a seguinte emenda no
artigo 1º:
74
franquezas que houverem sido ou vierem a ser concedidas aos
súditos da nação mais favorecida”.
O estudo feito por Callado foi tão bem aceito pelo governo que no mês de
outubro do ano de 1883, um dos dirigentes da Companhia, o senhor Tong
Kingsing, veio até ao Brasil para conversar diretamente com o Imperado D.
Pedro II sobre a instauração dessa linha de vapores. O alvoroço causado
pela chegada desse dirigente foi tão grande quanto à certeza de que a
emigração de chineses estava a alguns passos de acontecer, tanto que em
um ensaio crítico publicado pelo Jornal do Commercio em 18 de outubro
de 1883, na primeira frase constava: “Faça-se o que se quiser – os
chineses povoarão o Brasil”.
75
Considerações Finais
O sucesso dessa empreitada aparentemente garantira que o Brasil
receberia braços chineses, mas não foi o que ocorreu. Um amplo
movimento intelectual, social e político se mobilizaria, na mesma época,
pressionando gradativamente o governo em relação a essa questão.
Devido ao espaço limitado desse texto, resta-nos deixar uma abertura: por
que a imigração chinesa não aconteceu em grandes proporções nesse
período no Brasil? É o que analisaremos em outros momentos, ao longo
do desenvolvimento de nossas pesquisas de doutorado.
Referência:
Kamila Czepula é doutoranda do programa de pós-graduação em História
da UFRRJ. E-mail: kamiczepula@gmail.com
Fontes:
CONGRESSO AGRÍCOLA. Edição fac-similar dos Anais do Congresso
Agrícola realizado no Rio de Janeiro em 1878. Rio de Janeiro: Fundação
Casa Rui Barbosa, 1988.
Documentação Diplomática da Missão à China (1879-1882). Cadernos do
CHDD, nº 20. Rio de janeiro: Centro de História e Documentação
Diplomática, 2012.
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1879. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional. Crônicas, reportagens, e colaborações
diversas.
Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1883. Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional. Crônicas, reportagens, e colaborações
diversas
Bibliografia:
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missão especial de 1879. Recife: Liber, 2006.
DEZEM, R. Matizes do “amarelo”: a gênese dos discursos sobre os
orientais no Brasil (1878-1908). São Paulo: Associação Editorial Humanitas,
2005.
ELIAS, José Maria. Os Debates sobre o trabalho dos chins e o problema da
mão de obra no Brasil durante o século XIX. In: Anais do VI Simposio
Nacional dos Professores dos Professores de História. Goiania:ANPUH,
setembro de 1971.
LEITE, José Roberto Teixeira. A China no Brasil: influências, marcas, ecos e
76
sobrevivências chinesas na sociedade e na arte brasileiras. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 1999.
LESSER, J. A negociação da identidade nacional: minorias e a luta pela
etnicidade no Brasil. Editora Unesp, SP, 2001.
SILVA, João Ítalo de Oliveira e. A experiência Coolie na América Latina
(Cuba, Peru e México) e as possibilidades de uma história transnacional.
Temporalidades – Revista de História. Belo Horizonte, 2016, V. 8. N. 2.
77
A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS DECOLONIAIS PARA O ORIENTALISMO
DE EDWARD SAID
Pepita Afiune
Abstract: The paper proposes a theoretical debate about the importance of the
orientalist studies of the Palestinian Edward Said and the contribution that the
decolonial studies can offer to their discussions. When Said ascribes to the meanings
created about East by the West as a reminiscence of the colonial heritage, we attribute
to the decolonial studies the leading role of a critical analysis whose roots are in
postcoloniality. Decoloniality emerges as an enrichment of post-colonial studies, while
showing the importance they have had within their historical context. Authors who
contribute to this debate are part of this group of thought that proposes an
epistemological detachment, such as Alejandro Haber, Walter Mignolo, Santiago
Castro-Gómez, Aníbal Quijano and Boaventura Santos. The line of thought of the said
authors understands the Orientalism of Said like a perpetuation of the North American
academy, what caused that the East continued being investigated from imperialist and
metropolitan arrays of thought.
Keywords: Orientalism; Decoloniality; Postcoloniality.
Introdução
Edward Said foi um palestino que viveu em sua terra e no Egito educado
dentro dos pressupostos ocidentais, e depois se mudou para os Estados
Unidos. Sofreu preconceito através do racismo e dos estereótipos
culturais que se tem aflorado neste país, mas se formou em Princeton e
Harvard, o que foi possibilitado pelas condições favorecidas de sua família.
Se interessou pelos estudos a respeito dessa fronteira excludente
estabelecida entre Ocidente e Oriente. Abolir esse antagonismo seria um
78
desaprendizado necessário para se estabelecer novos tipos de
relações.Said (1990) focou seus estudos na análise destes encontros
culturais como formas de sustentação de um olhar imperialista e
atribuição de uma imagem de exotismo a tudo aquilo conhecido como
oriental. Compreendendo essa atribuição de significações ao Oriente
como uma reminiscência da herança colonial,atribuímos aos estudos
decoloniais o protagonismo de uma análise do Pós-colonialismo,suas
próprias bases, propondo um desprendimento epistemológico.De tal
modo, a Decolonialidade emerge como um enriquecimento dos estudos
pós-coloniais, sem deixar de mostrar a importância que eles tiveram no
âmbito de seu contexto histórico.
79
Said não acredita em uma desfiguração do Oriente, mas em uma criação
de representações. Toda representação tem um propósito, conforme uma
tendência contemporânea. Quer dizer, o Orientalismo cria representações
do Oriente fornecendo imagens que são necessárias naquele específico
momento, ilustra uma concepção de um Oriente ideal para si, ou o que ele
acha que o Oriente deveria ser.
80
A ocupação do império britânico no Egito em 1882 foi estimulada pelo
interesse no Canal de Suez, que interligava o Oriente ao Mar
Mediterrâneo, e pelo algodão. Lord Cromer entendia os egípcios e os
indianos como se todos fossem iguais,desconsiderando as suas
especificidades. O problema é que esse presumido “conhecimento” dos
povos por parte de Cromer, pressupunha uma superioridade intelectual
dos ocidentais sobre os orientais, sendo os últimos, povos desprovidos de
pensamento lógico e racional, energia e iniciativa, dados a intriga, mentira
e letargia, totalmente opostos à “nobreza europeia”. Assim, Cromer
“delineava a relação entre a Inglaterra e o Oriente em termos de posse,
em termos de um grande espaço geográfico inteiramente possuído por
um eficiente senhor colonial” (SAID, 1990, p. 220).
81
O giro epistêmico decolonial surgiu como uma consequência da formação
e implantação da matriz colonial de poder. Na verdade, o emprego desse
termo “giro epistêmico” é porque o pensamento decolonial para Mignolo
(2007, p. 28), se inicia no século XVI nas próprias colônias americanas. Ele
acredita que Felipe Poma de Ayala, cronista inca peruano e Otabbah
Cugoano, ex-escravo ganês que se tornou um abolicionista, teriam aberto
as portas para o pensamento decolonial quando abordaram a escravidão
sofrida por indígenas e negros. Esse pensamento se construiu a partir da
experiência e a memória destes povos.
82
acadêmica do Terceiro Mundo, mas também para os indianos,
cingaleses e paquistaneses do Primeiro Mundo”.
83
A expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziu à
elaboração de uma perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à
elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações
coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente,
isso significou uma nova maneira de legitimar as antigas ideias e práticas
de relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e
dominados. Os povos conquistados e dominados foram colocados numa
situação natural de inferioridade, e consequentemente também seus
traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais
(Quijano, 2005, p. 188).
Quijano (2005) ressalta que houve uma combinação de dois fatores que
transformaram o Ocidente em uma hegemonia mundial, o etnocentrismo
colonial e a classificação racial universal, que entendem os europeus como
naturalmente superiores aos outros povos.
84
modernidade é o resultado desses eventos, não a sua causa. A conquista
trouxe novos mercados, novas fontes de matérias-primas, e força de
trabalho escrava que permitiu a “acumulação original de capital”
(CASTRO-GÓMEZ, 2005, p.50). A Europa só passou a ser o “centro”,
quando constituiu suas colônias como “periferia”.
85
constituírem-se como parte das ciências humanas e sociais clássicas, as
chamadas “teorias situadas”. Nesse âmbito o autor nos lembra que
também não é difícil encontrar teorias contaminadas pelas epistemes
euro-americanas, pois existe uma grande dificuldade em se construir um
lugar crítico de enunciação, livre das amarras coloniais. Mas é possível que
possamos privilegiar informações contextuais no lugar das universalistas,
que construamos redes internacionais de pesquisa (Caixeta, 2015, p. 66).
Considerações Finais
Procuramos suscitar uma problematização a partir de discussões teóricas
a respeito da epistemologia ocidental que se colocou como a referência
para os estudos dos povos recém descolonizados historicamente.
86
companheiros pós-coloniais foram assim entendidos por muitos cientistas
sociais do Sul (Caixeta, 2015) como perpetuadores da academia norte-
americana, o que obscureceria as maneiras em que os Estados Unidos
empregam as suas formas de Orientalismo em sua dominação imperialista
(Mignolo, 2007). Assim, o Oriente continuaria sendo entendido a partir de
matrizes de pensamento metropolitanas, por isso os estudos decoloniais
entraram em cena, trazendo uma nova forma de se produzir
conhecimento.
Referências
Pepita de Souza Afiune é doutoranda em História pela Universidade
Federal de Goiás. Bolsista CAPES/FAPEG. Mestra em Ciências Sociais e
Humanidades (UEG). Contato: pepita_af@hotmail.com
87
SAID, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. 1ª
reimp. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Ocidente Não-Ocidentalista? A
filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. In: MENESES,
Maria Paula e SANTOS, Boaventura de Sousa (orgs.). Epistemologias do
Sul. Coimbra: Edições Almedina S.A., G.C. Gráfica de Coimbra, Ltda., 2009.
p. 445 – 486.
VISVANATHAN, Shiv. Encontros culturais e o Oriente: Um estudo das
políticas de conhecimento. In: MENESES, Maria Paula e SANTOS,
Boaventura de Sousa (orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições
Almedina S.A., G.C. Gráfica de Coimbra, Ltda., 2009. p. 487 –505.
88
DE TRANSNACIONALISMO TIBETANO À UM LOCAL DE PEREGRINAÇÃO: O
CASO DO TEMPLO BUDISTA KHADRO LING DE TRÊS COROAS-RS
Jander Fernandes Martins
Vitória Duarte Wingert
Abstract: The present work is the result of an Ethnography held at the Khadro Ling
Buddhist Temple, located in the city of Três Coroas-RS, 91km from the capital of Porto
Alegre. The purpose of this work was to examine the reasons that led many people
from different locations and different religious worldviews to visit this environment.
Data collection took place through semi-structured interviews. These were held during
two weekends culminating in a total of 30 interviews. Starting from the Anthropology
of Religion. In this sense, to understand how a religion originated from an oriental
culture that was constituted for a thousand years, was established in another country,
which is culturally distinct, especially in its (religious) processes and manifestations.
The results of this study invite us to open discussion and reflection on the role of
Buddhism in a region, historically and culturally, consisting of a Protestant German
identity. Moreover, it has been found that, rather than a matter of ethnic migration,
this is a question of "religious transnationalism".
Keywords: Anthropology of Religion; Buddhism; Ethnography; Religious
Transnationalism.
89
vindos da Região do Vale dos Sinos (região metropolitana). Está localizada
há 91km da capital gaúcha Porto Alegre. Os resultados desse estudo se
pautam na análise discursiva gravadas e transcritas dos visitantes nesse
local. A coleta de dados utilizadas foi por meio de entrevistas semi-
dirigidas. Estas, foram realizadas durante dois finais de semana
(domingos). Durante essas visitações conseguiu-se realizar o
levantamento de 30 entrevistas (visitantes abordadas).
90
Esse templo budista em Três Coroas-RS, conforme consta em seu site e
conforme atestam seus moradores é vinculado a uma
entidade/associação maior:
Historicamente, esse templo foi idealizado, nas palavras dos adeptos, Sua
Eminência Chagdud Tulku Rinpoche (1930-2002). Sua migração para o
Brasil ocorreu no ano de 1994. Nesse período, estabeleceu no país o
Chagdud Gonpa Brasil iniciando a construção do seu centro principal, o
Khadro Ling, em Três Coroas-RS. Atualmente, esse local está sob a
regência espiritual de Chagdud Khadro desde 2002.
91
Dito isso, cabe indagar: - o budismo se enquadraria nesse conceito de
transnacionalismo religioso? Se sim, em qual?
92
cultural, especialmente quando os agentes sociais são grupos
étnicos, religiosos ou de outras identidades”.
93
elementos valorativos, a saber: “1) O espiritual; 2) o cultural e; 3) o
estético”. Nesse sentido, Gil Filho (2011) assim explica esses valores:
94
surpreendente para os autores, mas não deixa de ser significativo foi o
fato de a essa pergunta, a totalidade dos informantes responderam que
sim. Tratava-se de um local de peregrinação, pois era um “local sagrado”
e, como tal, todos os visitantes de alguma forma eram “abençoados e
iluminados”.
95
âmbito de uma comunidade de crenças e valores partilhados.
Cabendo apenas, aos novos mediadores, assegurar e garantir os
meios e os recursos simbólicos para que cada um possa fazer seu
próprio caminho”.
Considerações
O objetivo desse estudo etnográfico foi visitar um templo budista
localizado em uma cidade gaúcha chamada Três Coroas. Sendo um local
que fica aberto a visitação de quarta-feira à domingo, nos impeliu a
refletir e realizar uma pesquisa de campo abordando visitantes e aí, por
meio de diálogo e entrevista semi-dirigida, perscrutar as motivações que
levam as pessoas a visitar esse local, da mesma forma que compreender o
que lhes proporcionava a visita. Complementando essas indagações,
também se objetivou saber se esses mesmos visitantes compreendiam e
consideravam o templo como um “local de peregrinação”.
96
turístico. Ainda que em sua maioria considerassem um “local de
peregrinação” e um “local que lhes proporcionavam bem-estar psíquico e
físico”.
Referências
Jander Fernandes Martins é Mestre em Processos e Manifestações
Culturais (FEEVALE), Especialista em TIC na Educação (FURG), Pedagogo
(UFSM). Pesquisas e estudos com ênfase em: Antropologia da Religião,
Antropologia das Relações Humano-Animal, Organização do Trabalho
Didático, Educação Étnico-racial. E-mail: martinsjander@yahoo.com.br
Vitória Duarte Wingert é Mestranda do PPG Processos e Manifestações
Culturais (FEEVALE), Especialista em Ensino de Filosofia para Ensino Médio
(UFSM), Especialista em Literatura Infanto-Juvenil (FISIG), Especialista em
Mídias na Educação (IFSUL), Licenciada em História (FEEVALE). Pesquisas e
estudos com ênfase em: História, Antropologia, Educação. E-mail:
vitoriawingert@hotmail.com
97
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Pentecostalism in Africa and Latin America, Londres, Hurst&Company,
2001.
GIL FILHO, S. F. Geografia da religião: estudos da paisagem religiosa.
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1/artigo1gil.pdf. acessado em: 12/08/18.
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16 n 10, out., p.27-31, 1988.
GRABURN, N. Tourism: the sacred journey In: SMITH, V. (org.). Hosts and
Guests: the anthropology of tourism. 2ª ed. Philadelphia: University of
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ROSENDAHL, Zeny Território e territorialidade: uma perspectiva geográfica
para o estudo da religião. Anais: X Encontro de Geógrafos da América
Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo.
MAGNANI, J. G. C. De perto e de dentro: notas para uma etnografia
urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais - v. 17, n. 49, jun. 2002.
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em: http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:0168-ssoar-281930. Acessado
em: 10/08/18.
99
OS PROCESSOS MIGRATÓRIOS JAPONESES ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX
Ronaldo Sobreira de Lima Júnior
Resumo: Uma série de mudanças aconteceu no Japão durante o século XIX, e a maior
parte delas foi proveniente do período conhecido como “Restauração Meiji”, onde o
país se abriu ao Ocidente, após séculos de isolamento estabelecido pelo shogunato
Tokugawa. Este momento da história japonesa é crucial para entendermos como e
porque o país enfrentou ondas migratórias de seus cidadãos em seu próprio território
e para fora dele. O século XIX se caracterizou por estes grandes deslocamentos
populacionais internacionais, principalmente vindos da Europa, da China e do Japão. A
presença dos nipônicos nos países em que se instalaram causou fenômenos que
fomentam inúmeras reflexões, mas a maior e a primogênita destas é aquela que
objetiva entender o que os levou a buscar uma nova vida em várias nações pelo
mundo, principalmente no continente americano. Este trabalho se propõe a
sistematizar e a fundamentar a discussão sobre este momento histórico do Japão que
se iniciou no século XIX e adentrou pelo século XX, resultando em várias ondas de
deslocamento de nipônicos em diversas direções, com destaque ao Brasil.
Palavras-chave: História; Japão; Imigração.
Abstract: A series of changes occurred in Japan during the 19th century, and most of
them came from the period known as the Meiji Restoration, where the country
opened to the West after centuries of isolation established by the Tokugawa
shogunate. This moment in Japanese history is crucial to understanding how and why
the country has faced migratory waves of its citizens on and off its own territory. The
nineteenth century was characterized by these large international population
movements, mainly coming from Europe, China and Japan. The presence of the
Japanese in the countries where they settled caused phenomena that foment
innumerable reflections, but the biggest and the first of these are those that aims to
understand what led them to seek a new life in several nations around the world,
especially in the American continent. This work intends to systematize and to ground
the discussion about this historical moment of Japan that began in the nineteenth
century and entered the twentieth century, resulting in several waves of displacement
of Japanese in several directions, especially Brazil.
Keywords: History; Japan; Immigration.
100
A Restauração Meiji e as mudanças internas
O ano de 1868 deu início ao período conhecido como Restauração ‘Meiji’,
ou Era ‘Meiji’, que consistia numa tentativa do país em se adequar ao
mercado capitalista externo após a abertura do Japão, econômica e
culturalmente falando, ao Ocidente. Após passar séculos sob o domínio do
‘shogunato Tokugawa’, o país já vinha enfrentando mudanças internas.
Mas, após a chegada da esquadra norte-americana, liderada pelo
comodoro ‘Perry’, em uma clara investida imperialista nos anos de 1853 e
1854, este processo foi acelerado e passou a ditar o ritmo da vida daí em
diante.
101
Foi de acordo com esta perspectiva de dominação por parte dos norte-
americanos que Henshall entra em detalhes sobre a chegada do
comodoro Perry em solo japonês:
102
“(...) o modelo de Feudalismo clássico foi construído a partir da
Europa ocidental, principalmente da França. O termo em si não é
contemporâneo ao período que representa, pois só foi elaborado
no século XVII. Mas o mundo medieval conhecia a palavra feudo,
usada para nomear a posse e usufruto de uma parcela do
patrimônio fundiário do rei.” (SILVA & SILVA, 2009, p. 150).
103
Dessa forma, as famílias camponesas rompiam os laços de séculos com os
seus senhores, se transformavam em trabalhadores assalariados e
perdiam a referência das terras dos ‘daimyos’, devendo adquirir as suas
próprias. Estas transformações foram particularmente mais danosas para
aqueles que pouco ou nada possuíam, no caso os próprios camponeses.
Estes, por sua vez, acabaram se vendo forçados a trabalhar em terras
arrendadas por capitalistas que compraram grandes lotes para lucrar com
a necessidade dos trabalhadores rurais em arranjar com urgência uma
forma de sustento. (SAKURAI, 2008, p. 236).
104
para a fria ilha de ‘Hokkaido’, localizada no extremo norte do arquipélago
japonês, com o intuito não só de amenizar o impacto da Restauração Meiji
na vida das pessoas mais pobres, mas também de povoar a ilha.
105
Além disto, haviam os contratos temporários oferecidos pelo governo aos
japoneses dispostos a trabalhar nestes territórios. Depois de realizadas as
suas tarefas, retornavam ao Japão com o suficiente para garantir o
sustento de suas famílias, que ficavam no aguardo de seu retorno e na
expectativa do sucesso da empreitada. (SAKURAI, 2008, p. 237).
106
proibição da imigração quando esta alcançou grandes índices e hostilidade
durante a Segunda Guerra, mas a sua presença se faz muito maior naquele
do que neste último.
107
Em um segundo momento (entre as décadas de 1950 e 1965), quando os
japoneses mudam esta sua postura e passam a aceitar o Brasil como sua
segunda nação (eles deixaram de vislumbrar uma rápida volta ao Japão
como única saída possível) ela “cria condições para a aceitação de
possíveis ligações com outros grupos étnicos, apesar de relutantemente.”
(In: SAITO, 1980, p. 106).
Outro fator singular na imigração nipônica no Brasil foi o fato de que para
cá vieram japoneses de todas as regiões do Japão, enquanto nos Estados
Unidos e no Peru predominaram os vindos das províncias de Kyushu e
Okinawa.
108
no país norte-americano (1924), passou a ser muito mais procurado do
que era antes. Para a maioria dos japoneses do início do século XX, a
localização geográfica do Brasil não era nem conhecida, mas a forte e
eficiente propaganda governamental japonesa foi fundamental neste
momento.
109
“Nos começos, o imigrante era um aventureiro. Um quase-herói
capaz de servir de modelo à fantasia de certos novelistas. Por esse
tempo, a imigração resultava, de modo exclusivo, das forças de
expulsão, representadas principalmente pelo fator econômico. É o
que acontecia, por exemplo, com países de grande densidade
demográfica, as voltas com sérios problemas econômicos e sociais,
fixados na exiguidade do chamado “espaço vital”. Itália, Alemanha,
Espanha, Portugal, para lembrar apenas países europeus, estavam
neste caso. Fenômeno semelhante ocorreria também com o Japão,
em certa época, com o agravante da ostensiva falta de mercado de
trabalho.” (VALENTE, 1978, p. 5).
110
Referências
Ronaldo Sobreira de Lima Júnior é professor efetivo de História e História
da Cultura na Prefeitura da Vitória de Santo Antão-PE, graduado em
Licenciatura e em Bacharelado em História-UFPE e especialista em História
do Nordeste do Brasil-UNICAP.
E-mail: ronijr07@hotmail.com
111