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Benedito PEREIRA
RESUMO
A Educação Física tem procurado se afirmar como disciplina acadêmica e profissão recorrendo
a algumas estratégias. Por exemplo, tentou-se modificar o seu nome, caracterizar o seu objeto de estudo e
desenvolver metodologia própria. Para o seu desenvolvimento enquanto profissão, não encontramos uma
ampla discussão desta questão. Este ensaio teve por objetivo discutir o terceiro item através de uma ampla
revisão dos principais métodos científicos disponíveis. Constatamos com isso que existe confusão entre
métodos e técnicas entre os profissionais da Educação Física e que a metodologia ainda não desenvolveu um
método científico isento de problemas.
INTRODUÇÃO
A Educação Física (EF) tem importante. Pelo contrário, para se fazer pesquisa, é
discutido, nos últimos 30 anos, questões referentes fundamental que se tenha um objeto de estudos
a essa área ser ciência, profissão ou tecnologia bem definido, assim como os problemas que esse
(Henry, 1964; Kokubun, 1995; Manoel, 1986; oferece à área a que pertence. Além disso, a área
Rarick, 1967). Essas questões surgiram em função em questão também precisa ser bem definida,
da necessidade que as unidades que compõem uma principalmente para o exercício profissional e o
universidade têm de formar recursos humanos, conhecimento público. Demo (1997) considera
tanto para a pesquisa científica como para o que, sem pesquisa, não é possível existir ensino e
mercado de trabalho e prestação de serviços à prestação de serviços, o que torna a pesquisa
comunidade (Demo, 1997). Dentre essas questões, científica a essência das universidades. Para a
encontramos as seguintes: a) o que é EF?; b) qual é ciência e filosofia da ciência, somente a primeira
o seu objeto de estudo?; e c) que metodologias questão não deve ser considerada importante,
próprias devem ser desenvolvidas pela EF para que porque para ambas, o que interessa é a solução de
se caracterize como ciência (disciplina problemas e não a definição correta de uma área
acadêmica)? O principal objetivo deste ensaio é o (Popper, 1987). De fato, definir e caracterizar os
de apresentar evidências de que a discussão dessas problemas da EF de forma precisa e como próprios
questões tem assumido uma estratégia pouco eficaz dessa área, é mais relevante do que discutir
sob o ponto de vista da fiosofia da ciência. questões definicionais (Popper, 1987).
Propomos que, antes de discutir essas questões, O valor da pesquisa em EF toma-se
devemos nos envolver com assuntos evidente e vital, principalmente para a formação
metodológicos. Entretanto, com isso não estamos dos profissionais dessa área, porque, pela pesquisa,
afirmando que a discussão dessas questões não seja podemos motivá-los a pensarem o conhecimento
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existente, no sentido de buscar as suas limitações e meio muito eficiente para a exploração dos
de proporem soluções. Mas, o que mais interessa é aspectos integrativos da totalidade das funções
que, através da pesquisa, propiciamos o aprender a corporais” Quando examinamos essa afirmação e
aprender permanente, independente do ensino verificamos que é muito comum encontrarmos
formal. Nesse sentido, não interessa o tipo de médicos, farmacêuticos, biólogos, químicos,
pesquisa a ser feito, desde que algum tipo (básica, físicos, fisiologístas, bioquímicos e nutricionistas,
aplicada ou técnica) seja realizado. Para o filósofo além de professores de EF, realizando esse tipo de
Josef Pieper (citado por Lauand, 1987), o tipo de pesquisa, concluímos que esse não é um tipo de
pesquisa característico das unidades acadêmicas pesquisa próprio da EF e não a caracteriza como
deve ser essencialmente básico e não aplicado ou disciplina acadêmica. Nesse contexto, não
tecnológico. Entretanto, Demo (1997) aponta para estaríamos nós da EF apenas utilizando o exercício
a importância da pesquisa mesmo nas unidades físico para explorar a funcionalidade das células,
com características profissionalizantes, como na órgãos e sistemas de órgãos, quando estudamos o
medicina, administração, economia, enfermagem, “efeito do exercício físico sobre as funções e
engenharia e serviços sociais, o que sugere que, estruturas presentes no organismo”, contribuindo
atualmente, deve-se também, fazer pesquisa dessa forma para aumentar o seu conhecimento
aplicada e tecnológica nas universidades, além da sem o produzir para a EF? Além disso, o
básica. conhecimento não é renovado porque é a pesquisa
A importância de se fazer pesquisa básica a responsável por isso, pois suas pesquisas
pelas unidades acadêmicas tem sido vivenciada não são realizadas com o propósito de aplicação
pela EF desde o início da década de 60. Isso ficou imediata. A pesquisa básica visa estudar uma
evidente com a crise acadêmica desencadeada por célula, por exemplo, apenas por curiosidade, sem
Bryant Conant, em 1963. Biyant Conant, um reitor se importar se o conhecimento gerado vai ser útil
de Harvard, questionou, naquela época, a presença para uma melhor compreensão de uma célula
da EF nas universidades exatamente porque, para causadora desta ou daquela doença (pesquisa
ele, a EF não possuía um objeto de estudos próprio. aplicada) ou, para desenvolver uma droga
Ou seja, foi alegado com isso, que a EF não tinha o qualquer, uma vacina, por exemplo (pesquisa
que pesquisar e não deveria permanecer nas tecnológica).
universidades. A partir deste episódio, Henry A segunda consideração vem de
(1964) e Rarick (1967) desencadearam um Demo (1997), quando diz que muitas disciplinas
movimento de valorização acadêmica da EF como utilizam referenciais teóricos de outras, o que tem
uma reação a essa tentativa de excluí-la das contribuído para inúmeras crises existenciais dos
universidades. Esse movimento fez com que, ao respectivos profissionais, como as que
longo desses 30 anos, a EF produzisse muito encontramos na EF atualmente. Demo (1997)
conhecimento através das inúmeras teses e afirma que muitas dessas crises levam vários
dissertações publicadas durante esse tempo. Mas, o pesquisadores a uma disputa ainda vigente sobre a
que Conant questionou, não foi a competência importância acadêmica de certas disciplinas. O
individual dos professores de EF e sim o conteúdo exemplo utilizado por Demo (1997), entretanto,
do conhecimento presente nas teses e dissertações não é o da EF, mas sim, o da enfermagem,
produzidas naquela época. Portanto, o contabilidade, serviço social, politécnicas, etc..,
questionamento feito por Conant não foi de que, em muitos países, são desenvolvidos no
competência pessoal dos profissionais dessa área, segundo grau. No caso da enfermagem, Demo
mas da sua indefinição acadêmica. Conant alegou (1997) é mais minucioso nas suas considerações,
que o conhecimento produzido não se caracterizava afirmando que essa está dividida entre a função de
por ser próprio da EF, podendo ser desenvolvido instrumentação médica e a de cuidado com os
por outras áreas. Portanto, se a EF produziu e vem pacientes, sendo que para isso, vale-se de
produzindo, desde então, um conhecimento que referenciais teóricos das ciências da vida e das
não lhe pertence, essa área precisa definir o que humanas, padecendo visivelmente de identidade
pesquisar. teórica e metodológica.
Duas considerações recentes realçam Achamos que a EF está em situação
essa preocupação. A primeira foi retirada de uma semelhante à da enfermagem em alguns aspectos.
citação presente em uma publicação da coleção Por exemplo, é comum médicos recomendarem a
“Handbook of physiology”, de 1996, que diz o prática de atividade física com objetivos voltados
seguinte: “o exercício físico continua a ser um para a saúde, com os professores de EF atuando de
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forma semelhante a um técnico, como se fossem utilizada, quando a atividade física deixa de ser o
instrumentadores de médicos, exercendo, dessa que é e passa a ser um “remédio” para
forma, função auxiliar destes. Com o coronáriopatas, obesos, hipertensos, diabéticos,
aprofundamento dessa situação, o professor de EF etc., ou para portadores de fatores de riscos para
acaba utilizando justificativas médicas para esses tipos de doenças.
motivar a prática de atividade física pela população Não pretendemos com essas
em geral, mesmo quando o primeiro não se considerações, diminuir a importância da prática de
encontra à mercê do último. Essa é uma situação atividade física, mas mostrar que essa área
pouco discutida pelos profissionais de EF, mas apresenta indefinição profissional, além da
amplamente aceita pelos mesmos. Entretanto, é acadêmica. A utilização de um motivo médico -
fácil superá-la, uma vez que sabemos que a saúde - para justificar a prática de atividade física,
atividade física não é totalmente causadora de é o exemplo mais notório que encontramos para
efeitos fisiológicos e bioquímicos voltados para a justificar essa afirmação. Portanto, a EF não deve
saúde. Os estudos realizados por fisiologistas e discutir apenas questões referentes às suas
bioquímicos nos últimos 30 anos, mostraram que a indefinições acadêmicas, mas também
atividade física, mesmo se realizada com profissionais. No que diz respeito à sua indefinição
intensidade moderada, pode causar vários acadêmica, essa área precisa desenvolver pesquisa
problemas orgânicos devido ao aumento da científica de alto nível para permanecer nas
produção de oxi-radicais e peróxido de hidrogênio universidades. Por outro lado, a EF, enquanto
no interior das células de organismos aeróbios, profissão, também a deve desenvolver para que o
podendo resultar, por exemplo, em envelhecimento seu reconhecimento social seja melhorado. Não
precoce (Pereira, 1994; Sohal, 1989; Sohal & vamos entrar, neste momento, no mérito da questão
Allen, 1986). Quando a atividade física for intensa, quanto ao tipo de pesquisa ser básico, aplicado ou
já se sabe que a funcionalidade imunológica é tecnológico porque, como ficou claro nas
comprometida (Pereira, 1996). considerações de Pieper (citado por Lauand, 1987)
Embora o conceito saúde/doença não e de Demo (1997), citadas acima, ainda não se sabe
esteja bem definido, atualmente tenta-se melhorá- muito bem qual tipo deva prevalecer nas unidades
lo com um novo conceito, denominado “doenças que compõem as universidades.
dinâmicas”, que significa que, quando um Para Kokubun (1995), se for
organismo tem a sua estrutura e funções alteradas, decidido que para permanecer nas universidades, a
resultando em menores interações entre as suas EF, assim como as demais áreas, devam fazer
partes constituintes, esse organismo apresenta esse pesquisa básica, a EF será pulverizada das
tipo de doença. Após ocorrer a desorganização universidades. De fato, segundo Kokubun, a EF
orgânica, o mesmo pode, então, desenvolver as possui problemas de aplicação e não de explicação,
doenças classicamente conhecidas. Isso quer dizer o que impõe que a pesquisa seja de natureza
que, o organismo pode desenvolver uma doença e, aplicada ou técnica. No que diz respeito a sua
muitas vezes, só passa a apresentá-la quando se indefinição profissional, existe a necessidade de
encontra preparado para isso. A atividade aeróbia uma ampla discussão desse problema, como a que
provoca desestruturação da funcionalidade vem sendo feita com relação a sua indefinição
orgânica semelhante a uma doença dinâmica. acadêmica, para não corrermos o risco de dizer que
Devemos salientar que esse tipo de atividade física somos profissionais simplesmente porque não
é amplamente recomendado por médicos e, como conseguimos ser acadêmicos. Ou seja, se essa
conseqüência, por professores de EF. Quando esse afirmação for correta, é o mesmo que ficar com o
tipo de atividade física é enfatizado, todas as que sobrou sem ter sido feita uma ampla discussão
estruturas e funções orgânicas se adaptam de forma do problema. A questão envolvendo a utilização da
específica. Entretanto, os sistemas que somente são saúde como justificativa profissional para a prática
ativados, quando o estímulo é intenso, degeneram de atividade física é incipiente, como foi descrita
progressivamente, provocando desorganização acima. Outro argumento, que não seja médico,
estrutural-fúncional do organismo. Isto pode deve ser procurado pelos profissionais de EF para
resultar, como conseqüência, em aparecimento de motivar a população à prática de atividade física.
doenças oportunistas. Dessa forma, o pretexto de Isso também precisa ser discutido. Em outro ensaio
que a atividade física promove saúde não deve ser faremos mais considerações sobre o problema da
utilizado para motivar a sua pratica, já que esta não saúde e a prática de atividade física (Pereira, não
é 100% causadora desse fenômeno. Pode, sim, ser publicado).
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para poderem ser submetidas ao teste empírico. outras, essa seria utilizada e não se perderia tempo
Como esses princípios universais buscando a invenção de outra. Entretanto, caso se
vigoram na esfera humana, podem ser constate que nenhuma técnica existente seja útil, aí
continuamente modificados com o passar do sim, poderemos pensar na criação de uma técnica
tempo, não sendo, portanto, princípios imutáveis. inovadora.
Por exemplo, a mecânica newtoniana prevaleceu Essa grande variedade de técnicas
por muitos anos como paradigma, porque os seus disponíveis levou muitos estudiosos a sustentarem,
preceitos não se limitavam à esfera da física. A paralelamente, que também existiria uma grande
mecânica de Newton foi superada pela relativista. diversidade de métodos - cada qual apropriado a
Essa, por sua vez, está sendo suplantada pela um domínio específico de investigação
mecânica quântica e teoria da matriz S, conhecida (Hegenberg, 1976). Não haveria, pois, um só
por abordagem “bootstrap” (Capra, 1982). Existem método, mas uma pluralidade de métodos.
outros exemplos que apresentam características Devemos salientar que método não é algo que
paradigmáticas, como: a) os dois sistemas dependa de técnicas transitórias (em alteração
dominantes no ocidente - o industrial e o constante), mas, ao contrário, é a base em que se
nacionalista - os quais têm servido de paradigma assentam, para qualquer disciplina, a rejeição ou
para os pensadores que aí residem (Toynbee, aceitação de suas hipóteses e teorias. Portanto,
1987); b) a religião, ao estabelecer preceitos que contrariando algumas expectativas conservadoras,
orientam a conduta dos indivíduos (Toynbee, consideramos que a iniciação científica deveria ser
1987); c) as regras estabelecidas pela ciência e o conduzida preliminarmente com a discussão dos
seu método (Demo, 1997); d) para Collins (citado problemas que uma área tem para resolver, dos
por Futuyma, 1992), a teoria darwiniana, que paradigmas que vigoram na ciência, teorias e
influiu grandemente no conceito de mudança métodos científicos, sendo que as técnicas
adotado como paradigma por diversas áreas de deveriam ser estudadas posteriormente quando as
estudo, incluindo a do treinamento físico (Pereira, necessidades forem surgindo durante a busca de
1995). De fato, segundo Collins, “não existem solução para um problema.
ciências atuais, atitudes humanas ou poderes Depois dessas afirmações,
institucionais que não permaneceram afetados consideramos prudente mudar a sessão “Materiais
pelas idéias contidas no trabalho de Darwin” e Métodos” de nossas dissertações e teses para
Continuando nossas considerações a “Materiais e Técnicas” já que é assim que
respeito das diferenças entre métodos e técnicas, normalmente se apresentam. O método científico
poderíamos dizer que uma técnica científica utilizado está, como já comentado, nas entrelinhas.
eqüivale a uma forma de atingir um objetivo, a Isso mostra a importância de se discutir questões
dado modo de agir. As técnicas equiparam-se, pois, metodológicas em EF num momento de
a modos de utilização dos instrumentos. Método indefinição acadêmica e profissional. Esse é um
científico é uma forma de selecionar técnicas ou dos nossos objetivos neste ensaio. Essa afirmação é
forma de avaliar alternativas para a ação científica. reforçada com argumentos retirados de Gigh
Métodos são regras de escolha e as técnicas as (1990). Para ele, o crescimento e desenvolvimento
próprias escolhas. Ou seja, as técnicas devem ser de qualquer disciplina reside no estudo dos seus
aprendidas à medida que as necessidades forem dilemas e anomalias epistemológicas, no sentido de
surgindo, porque existem muitas técnicas de que se questionar os seus fundamentos e sua metodologia,
valem os cientistas e elas variam muito, conforme e não técnicas que podem ser facilmente
a área de pesquisa e o problema que se pretende importadas de qualquer disciplina ou
resolver. Por exemplo, o microscópio é desenvolvidas na medida em que forem
extremamente útil ao biólogo, mas de pequena necessárias. O que dirige a construção de técnicas
valia ao sociólogo, ao passo que a técnica de são os problemas, não o contrário. Para Demo
entrevista.pode auxiliar ao psicólogo, mas ser de (1989), a falta de preocupação metodológica leva à
pouca serventia ao astrônomo. Essa ampla gama de mediocridade fatal. Por outro lado, o excesso de
técnicas existentes se faz necessária porque os ênfase na técnica só pode servir para formar
problemas investigados por essas áreas são técnicos de laboratório, não cientistas.
diferentes e as técnicas foram desenvolvidas Feitas essas considerações, pode-se
exatamente com o propósito de facilitar a busca de dizer, seguindo Hegenberg (1976) e Popper (1987),
solução para esses. Temos certeza de que, se uma que seria muito bom se existisse apenas um método
técnica desenvolvida em uma área fosse útil para científico. Os métodos dedutivo, indutivo,
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provavelmente a fazer é substituir a uma mais que a pura preocupação com o resultado útil e
filosofia explícita, uma filosofia imediato. Com essa afirmação, Pieper critica as
implícita, por isso, imatura e universidades modemas por estudarem muitas
desordenada. disciplinas diferentes com objetivos práticos e
Nesse caso, a filosofia implícita citada por Bunge profissionais, sem se envolverem com a indagação
refere-se ao que nos é ensinado ou que é filosófica. Nesse contexto, o relativismo de
transmitido pela tradição, e que se instaura pensamento que se desenvolve quando não nos
facilmente num espírito ao qual as leis naturais e envolvemos com questões filosóficas,
socioculturais são apresentadas como verdades principalmente de natureza metodológica, é uma
primárias inquestionáveis que se consolidam ameaça aos estudos acadêmicos e propicia o
através do ensino e experiência (Demo, 1997). estabelecimento da filosofia implícita, ingênua e
Notamos, em Ekeland (1987), uma descontrolada, sem nos darmos conta disso (Bunge,
posição muito parecida quando lemos que 1974).
o ensino é herdeiro de uma tradição Relativismo significa: que tudo se
mesmo na matemática: somente eqüivale, tudo é relativo, tudo é questão de
apresentamos aquilo que sabemos fazer, civilização, de época, de momento, de moda, de
aquilo que é bem compreendido e foi interesses pessoais ou da coletividade, ou que nada
muito utilizado, entretanto, deixamos podemos fazer a não ser viver e aproveitar o que as
passar em silêncio os pontos obscuros e “modas”, que vêm e que vão, têm de melhor a nos
os fatos embaraçosos. Neste caso, o oferecer, sem podermos atuar sobre elas. Portanto,
jovem pesquisador só pensará ter feito pode-se dizer que a filosofia implícita leva ao
trabalho útil se apresentar a seus colegas relativismo de pensamento que, em última
um modelo com as propriedades de instância, pode levar ao dogmatismo (Demo,
regularidades que se esperam. Ao fazer 1997). Para aqueles que se deixam levar pelo
isto ele contribuirá para aumentar o relativismo, Popper (1989) disse: “o relativismo é a
estoque de exemplos e conferir maior maior ameaça que paira sobre a nossa sociedade”
peso à ideologia ambiente. Segundo Popper, o relativismo é uma doença do
De acordo com Kuhn (1991), o desenvolvimento pensamento, ou melhor, uma doença dos
da ciência só ocorre quando nos libertamos das pensadores, principalmente quando enfatizam que
concepções reinantes, sendo que, para isso ocorrer, a escolha entre doutrinas rivais é arbitrária, seja
as discussões metodológicas são fundamentais porque a verdade não existe, seja porque não há
(Gigh, 1990). meios para se decidir se, entre duas teorias, uma é
Outra consideração que enfatiza a superior à outra. Para Popper, é absolutamente
importância de discussões metodológicas por uma possível saber se uma teoria é mais verdadeira que
disciplina acadêmica, encontramos nas afirmações outra ou se um método científico é superior a
feitas por Josef Pieper (citado por Lauand, 1987). outro. Para isso, dispomos de um instrumento de
De acordo com Pieper, acadêmico significa medida: são as normas ou regras estabelecidas pela
filosófico, indagador e crítico e, um estudo sem comunidade científica. Podem-se julgar os fatos a
filosofia, não pode ser considerado acadêmico. partir das normas e decidir, por exemplo, se uma
Portanto, além daquelas preocupações usuais situação é justa ou injusta. Portanto, apesar de
voltadas para o ensino, pesquisa e prestação de constatarmos nesse ensaio que não existe um
serviços, que normalmente figuram numa método científico universal isento de problemas,
universidade, o desenvolvimento do espírito crítico isso não significa que não possamos encontrar um
deve ser uma preocupação constante (Covian, método superior aos demais; podendo, desta forma,
1978). Pàra que isso aconteça, as discussões ser escolhido como o método orientador de nossas
metodológicas e a própria pesquisa científica são práticas científicas até que outro venha a se
fundamentais (Demo, 1989, 1997). Por exemplo, estabelecer.
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revolucionária, como afirmado por Demo (1997)? investigação científica são: a) o descobrimento do
Nesse caso, pode-se dizer que ele foi um cientista problema ou uma lacuna no conhecimento vigente;
mal ensinado porque só foi orientado para fazer e b) colocação precisa do problema, caso esse
pesquisa normal, ou a sua área não lhe propicia a ainda não tenha sido caracterizado de forma
vantagem de ter problemas que o leve a fazer adequada. Essas considerações reforçam as que
pesquisa revolucionária. Segundo Popper (1987), foram feitas anteriormente nesse ensaio, de que a
para sermos revolucionários, devemos colocar as EF só se caracterizará como disciplina acadêmica
teorias científicas em tensão constante no sentido se contar com problemas próprios para resolver.
de reconhecermos os seus limites e conseguirmos,
através desse método de crítica constante, nos
aproximar cada vez mais da verdadeira O MÉTODO DEDUTIVO
constituição da natureza. Entretanto, caso
venhamos a nos interessar por pesquisa Partindo do proposto por Bunge
revolucionária, como afirmado por Waddington (1980) e Gigh (1990) e supondo que temos um
(1979) e Bohm & Peat (1987), deveremos, problema bem definido, que método científico é
necessariamente, nos envolver com epistemologia mais recomendado para solucioná-lo ou construir
e estudar os métodos científicos antes de fazermos teorias e paradigmas? Tomando por base o que foi
pesquisa experimental. discutido de que, no contexto da epistemiologia, o
Outra característica do cientista conhecimento é visto como sinônimo de paradigma
normal é que ele está sempre envolvido com dominante justificado pela sua validade “a priori”,
regularidades conhecidas e, portanto, o seu podemos concluir que o método científico utilizado
trabalho será conduzido com o intuito de para efetivá-lo na ciência normal é o dedutivo.
apresentar a seus colegas um modelo com as Portanto, criticar o método dedutivo é o mesmo
propriedades presentes nessas regularidades, que questionar o meio pelo qual um determinado
contribuindo dessa forma para aumentar o estoque paradigma busca efetivação. A dedução é o método
de exemplos e conferir maior peso à ideologia utilizado pela ciência normal porque parte sempre
dominante (paradigma), mas não para o de um conhecimento valido “a priori” e com
crescimento qualitativo do conhecimento (Ekeland, caráter genérico, descendo em seguida ao
1987). De fato, para Gigh (1990), quando uma particular, com o silogismo sendo o seu protótipo,
ciência toma-se normal/ordinária, perde a sua por exemplo (Demo, 1989): a) Todo homem é
criatividade e originalidade. Ele considera, mortal; b) Pedro é homem; c) Pedro é mortal. Um
portanto, que qualquer novidade intelectual, exemplo da utilização desse método na prática
somente assim pode ser considerada se afetar o científica, vamos encontrar na biologia evolutiva.
paradigma vigente. Dessa forma, a renovação do Segundo Dawkins (1986), Darwin e Wallace
conhecimento significa modificar o paradigma desvendaram o enigma da evolução biológica e só
presentemente aceito. Para isso, Gigh (1990) faz resta aos biólogos modernos acrescentarem notas
algumas sugestões: a) Tudo começa com um de rodapé ao que foi descoberto por eles. E, nas
problema bem definido, no qual a sua opiniões de Dobzhansky e Mayr, os estudos
caracterização é influenciada pela teoria adotada realizados em biologia e medicina só têm sentido
(grau de universalidade amplo ou restrito). A sob o ponto de vista evolutivo ou biomédico
caracterização desse problema, num alto nível de (Dawkins, 1986). Ou seja, com isso se quer dizer
abstração, facilita a integração dos níveis menores, que o trabalho do biólogo moderno deve restringir-
b) As diferenças no nível de abstração não afetam se a fazer tautologias, porque o essencial, o básico,
somente os problemas, mas também a lógica o caminho a ser trilhado já foi estabelecido,
adotada. Questões de lógica surgem quando bastando seguir o trabalho dos mestres, sem haver
técnicos (nível prático), cientistas (nível do objeto) a necessidade de colocá-los em dúvida.
e filósofos de ciência (no metanível) não se Tautologia, por definição, repete no
compreendem. Não utilizam basicamente a mesma predicado o que já se dissera no sujeito. Uma
linguagem, c) Criação de modelos com alto nível tautologia é uma afirmação, como por exemplo,
de abstração (metateoria). De acordo com Bunge “meu pai é homem”, cujo predicado não contém
(1980), a adoção dos procedimentos de Gigh nenhuma informação que já não esteja implícita no
(1990) está de acordo com os preceitos do método sujeito. As tautologias são ótimas como definições,
científico. Na proposta de Bunge (1980), mas não há nada a ser comprovado numa
encontramos que as duas principais etapas na afirmação verdadeira por definição (Gould, 1987).
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O significado de paradigma e pesquisa normal porque os seus pressupostos não podem ser
também pode ser explorado com essas afirmações testados empiricamente, a corrente intelectual
de Dawkins sobre a teoria da evolução e o papel de dominante em biologia e medicina tomou-se
Darwin e Wallace, porque Dawkins afirma que, essencialmente mecanicista. A biologia molecular
uma vez que o paradigma da evolução foi é tida como a expressão máxima da abordagem
estabelecido por eles, só resta aos biólogos reducionista-mecanicista para compreender os
modernos fazerem pesquisa normal. Por outro lado, organismos e a sua história. Com isso, queremos
quando diz “não sendo necessário colocá-los em dizer que, ao nos referirmos ao mecanismo de uma
dúvida”, está afirmando que para irmos além da reação, etc., não estamos investigando a realidade
pesquisa normal e fazermos pesquisa derradeira dos processos biológicos, mas, sim,
revolucionária, devemos criticar o que foi feito estamos atendendo às exigências básicas contidas
pelos mestres; isso, caso o trabalho anterior tenha em um paradigma que se arrasta por muitos anos e
se mostrado falho neste ou naquele aspecto. Essa que se iniciou com o filósofo Aristóteles na Grécia
necessidade de critica constante para fazermos Antiga. Além disso, a utilização de tais conceitos
pesquisa revolucionária também se faz presente na nas pesquisas mostra que é a pesquisa normal que
obra de Popper (1987) e, mais recentemente, na de está prevalecendo.
Demo (1997).
Outro exemplo de aplicação do
método dedutivo à pesquisa biológica, O METODO INDUTIVO
principalmente à molecular, envolve os
questionamentos freqüentemente realizados por Os principais críticos do método
pesquisadores dessa área quanto ao mecanismo de dedutivo são representados pelos indutivistas.
uma determinada reação bioquímica, sobre o fator Estes, ao contrário dos dedutivistas, começam com
regulador de um processo, a causa de um efeito, casos particulares isolados e colocam a
etc.; como se, ao utilizar tais conceitos, estivessem generalização como produto posterior. Ou seja, vão
praticando pesquisa isenta de subjetivismo. do específico para o geral. Assim, segundo esse
Subjetivismo, nesse caso, significa que esses método, para se estabelecer uma regularidade
conceitos só têm sentido quando forem respaldados científica é necessário, antes de tudo, constatar
por um paradigma. De fato, mecanismos, fatores empiricamente a repetição suficiente de casos
reguladores ou controladores, causa-efeito, código concretos confirmadores da suposta regularidade.
(genético), informação (genética), são conceitos Com isso, observamos que a indução inverte o
com significados específicos e oriundos da movimento evolutivo do pensamento, colocando
concepção intelectual aristotélica e platônica que como ponto de partida a observação. Os
existiu durante dois milênios e que separou as indutivistas apresentam ao método dedutivo,
visões dos estudiosos quanto ao mundo natural sobretudo, duas objeções. A primeira é a de que o
(Lewin, 1994). Portanto, esses conceitos estão raciocínio dedutivo é essencialmente tautológico, o
impregnados de teorias. Do lado aristotélico, que se pode verificar no silogismo apresentado
diziam que os organismos vivos “são nada mais acima. Uma vez aceito que todo homem é mortal, o
que máquinas” e que são completamente resto é pleonasmo ou repetição. A acusação de
explicáveis pelas leis da física e química. Daí tautologia recairia no parasitismo da dedução
resulta, por exemplo, a freqüente indagação pelo porque é meramente repetitiva nas aplicações
mecanismo de uma reação bioquímica presente no particulares. A segunda objeção ao método
metabolismo celular, já que, para esses, o dedutivo acentua o seu caráter apriorístico. Com
funcionamento celular ou orgânico assemelha-se efeito, partir de um enunciado geral significa supor
ao de uma máquina. conhecimento prévio. De onde vem esse
Os platônicos concordavam que os conhecimento? Não o retiramos da aplicação
organismos vivos obedeciam a essas leis físicas, repetida a casos particulares porque isso seria
mas insistiam que a essência da vida era alguma indução. Assim, o enunciado geral está preso a
coisa a mais, uma força vital soprada no que era uma postura previamente adotada não colocada em
meramente material. Para os vitalistas, portanto, discussão. Há um dogmatismo na origem do
muitas das propriedades mais interessantes dos método dedutivo (Demo, 1989).
organismos estavam, por sua natureza, além da Os filósofos Francis Bacon, John
análise científica. Como o vitalismo não atende aos Locke e David Hume, autênticos indutivistas,
critérios de uma abordagem científica moderna, defenderam a hipótese contrária à dos dedutivistas,
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dizendo que nascemos com um cérebro vazio, que Hume à lógica indutiva baseiam-se em três
recolhe passivamente as informações recebidas premissas: a) somente a inferência dedutiva é
pelos órgãos dos sentidos. O conhecimento nasce, válida; ou seja, os argumentos lógicos são
nesse caso, através, da associação dessas dedutivos. A lógica nos mostra que a partir do
informações recebidas pelo cérebro. Segundo essa enunciado “todos os cisnes são brancos” podemos
teoria filosófica, conhecida por empirismo, todo ou deduzir que alguns cisnes são brancos” Essa
quase todo nosso conhecimento provém da dedução é logicamente válida mas, a indução faz o
experiência, e é o único meio de que dispomos para raciocínio oposto, inferindo do enunciado “alguns
decidir a verdade acerca dos fatos. Novos cisnes são brancos” o enunciado “todos os cisnes
conhecimentos podem surgir a partir da são brancos” Esse raciocínio não pode ser
observação, através de um processo de associação justificado pela lógica. Em outras palavras, as
de idéias, pelo qual nossa mente une os dados entre conclusões dos argumentos indutivos trazem mais
si, produzindo um conhecimento mais complexo. informações do que as contidas nas premissas; b)
Entretanto, esse novo conhecimento é menos todo conhecimento do mundo exterior vem da
seguro, uma vez que, nessa etapa, podemos fazer observação; e c) a verdade sobre esse
associações erradas, não interpretando conhecimento só pode ser decidida pela
corretamente as relações existentes entre os dados. experiência. Se aceitarmos essas teses, ficará difícil
Para corrigir isso, basta observar os fatos sem negar que Hume tenha razão: nenhum número de
qualquer idéia preconcebida. A idéia de um casos observados, por maior que seja esse número,
conhecimento passivo do mundo através de uma pode implicar conhecimento geral.
observação pura foi chamada por Popper (1975) de Contudo, Hume não afirmou que
teoria do “balde mental” De acordo com essa devemos rejeitar conclusões baseadas na indução.
teoria, nossa mente seria representada por um Ele não duvida de que todos acreditamos que o sol
balde, inicialmente vazio, onde as informações nascerá amanhã, nem está pedindo que deixemos
entrariam passivamente pelos órgãos dos sentidos. de acreditar nisso. Hume, apenas, procurou mostrar
Decartes, Bacon, Hume, Spinoza e que essas conclusões não podem ser justificadas
Newton julgavam que esse era o único pela lógica ou experiência e, sendo assim, é
procedimento capaz de levar à certeza impossível justificar racionalmente as nossas
inquestionável. Ainda hoje, muitos pesquisadores, crenças. Modernamente, o “problema de Hume”
principalmente na biologia, acreditam na foi envolvido na teoria das probabilidades, que
perspectiva do balde mental, tanto que Thom consegue demonstrar apenas regularidades, e não
(1989) afirmou que as ciências biológicas certezas, como pretendido pelos positivistas. A
atualmente limitam-se a descrever fatos o mais possibilidade de o sol não nascer é pequena, mas
rigorosamente possível. Ou, nos dizeres de Jacob real. Desta forma, a incapacidade de generalizar
(1983): “na biologia há muitas generalizações mas constatações indutivas, coloca o empirista diante
poucas teorias” Thomas (citado por Capra, 1982) da trágica situação de a ciência ser incapaz de
também disse que “nas ciências biológicas não se predizer o futuro e ter de restringir-se ao mero
produzem teorias, com poucas ou raras exceções, registro estático daquilo que aconteceu (Demo,
ao invés, mais uma proteína é descrita” Apesar de 1989). As teorias científicas, que não foram
essas críticas aos biólogos modernos serem produzidas indutivamente, mas sim, inventadas
significativas, uma boa parte delas não se justifica, pelo homem, prevêem que, em cinco bilhões de
principalmente na perspectiva relativista presente anos, o sol deixará de aparecer. Apesar dessa
no raciocínio dedutivista, já comentada. Ou seja, a previsão não se originar indutivamente, pode servir
afirmação de que o biólogo utiliza o método de teste para a teoria que a propôs. Entretanto, isso
indutivo é questionável, uma vez que os biólogos não quer dizer que tal fato deva obrigatoriamente
retiram os seus pressupostos básicos de paradigmas acontecer pois, o contrário também é possível, já
previamente elaborados por cientistas e filósofos. que a “Teoria do Caos” mostra que o ideal de
Além disso, a aparente superioridade da indução previsibilidade do futuro não pode ser totalmente
sobre a dedução apresentou-se problemática, atingido, porque o grau de incerteza inerente ao
principalmente com o problema de lógica sistema e seu ambiente é difícil de ser controlado
encontrado por Hume no raciocínio indutivo (Gleick, 1990), e as próprias teorias científicas não
(“problema de Hume”). estão isentas de erro (Popper, 1987). Com relação
Como foi sintetizado por Watkins ao exemplo dos cisnes brancos, citado acima,
(citado por Gewandsznajder, 1989), as críticas de foram descobertos, na Austrália, cisnes negros.
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vista, de um problema e de uma teoria ou conjectural (hipotéticas). Para aqueles que buscam,
paradigma. Ou seja, a observação é guiada por um na ciência, um conhecimento seguro, essa é uma
ponto de vista dependente de teorias ou conclusão desanimadora.
paradigmas. Além disso, segundo Barrass (1978), Para alguns filósofos como Popper
“não são os dados que sugerem, mas sim o (1987) e Bunge (1974), as teorias científicas não
cientista”, utilizando para isso, o instrumental são fotografias da natureza, mas modelos ou
teórico de que dispõe. Também não são as tabelas construções hipotéticas. Assim, o que a ciência
que mostram, mas sim o cientista que a expõe ao procura, de acordo com esses filósofos, é a
seu público. Para isso, utiliza uma série de construção de modelos que possam ser corrigidos
conceitos e informações inteligíveis para ele, sendo progressivamente de forma a se aproximar cada
que a inteligibilidade dessa informação é resultante vez mais da realidade. Essa concepção filosófica,
do domínio prévio do paradigma por esse público. conhecida por racionalismo crítico, pressupõe a
Caso contrário, não adiantaria qualquer esforço ou existência de um mundo exterior cujos
a utilização de didática avançada. Tudo isso mostra acontecimentos obedecem a leis que tentamos
que não é possível ao cientista ficar à margem do conhecer. Para Kuhn (1991), entretanto, as leis e os
que produz ou do que apresenta ao seu público, na conceitos científicos são apenas construções
verdade, está constantemente em processo de matemáticas úteis, que servem para descrever e
interação com ele. predizer fenômenos, sem corresponder a nada de
Para justificar as suas propostas, real. Essa posição é conhecida como
Popper (1987) desenvolveu o critério de convencionalismo ou instrumentalismo, porque as
refiitabilidade, em oposição ao verificacionista que teorias funcionam, nessa perspectiva, apenas como
leva às tàutologias da ciência normal, e o de uma espécie de computador, isto é, como um
verossimilitude, para superar as críticas de Hume à instrumento para reunir e processar dados,
indução. O critério de refútabilidade toma possível realizando previsões a respeito de fenômenos
justificar, através de argumentos lógicos e observáveis. São convenções no sentido de que não
racionais, nossa preferência por uma teoria ao tratam da realidade existente.
invés de outra. Por exemplo, não podemos saber se Para Popper, ao negligenciarmos a
a teoria de Einstein e de Darwin são verdadeiras refutação com acentuação da aplicação, o
(no sentido de corretas) porém, após termos instrumentalismo perde muito do espírito crítico da
realizado testes e discutido criticamente as teorias ciência, tomando-se incapaz de explicar os testes
de Newton e de Einstein, ou a de Wallace e de rigorosos a que uma teoria é submetida sem que
Darwin, e termos aceitado que as observações que esses testes tenham, muitas vezes, qualquer
refutam uma das teorias não refutam a outra, utilidade pratica. Além disso, as teorias científicas
podemos dizer que a primeira é falsa, optando pela não se limitam a prever eventos do tipo conhecido,
segunda, pelo menos enquanto não surgir outra podendo prever igualmente efeitos totalmente
teoria melhor. O que podemos dizer é que a teoria inesperados. É esse o caso do desvio da luz quando
da relatividade, por exemplo, foi corroborada e se aproxima de um corpo com grande massa,
aproxima-se mais da verdade do que a de Newton, previsto pela teoria da relatividade. Para Popper, o
ou seja, possui maior verossimilhança. instrumentalismo só pode explicar o primeiro tipo
O conceito de verossimilhança de previsão. Com isso, podemos dizer que, assim
depende, na prática, do grau de corroboração da como o filósofo Josef Pieper (citado por Lauand,
teoria, porque determina o seu conteúdo de 1987), Popper (1987) também tem por objetivo
verdade. Uma vez que a corroboração é sempre caracterizar a pesquisa básica como própria das
conjectural - qualquer alteração no conhecimento academias, colocando em segundo plano a
de base, por exemplo, pode alterar o grau de pesquisa aplicada ou técnica. Além disso, para
corroboração e a verossimilhança da teoria - ela Popper (1987), a pesquisa básica, para ser
indicaria apenas a sua verossimilhança aparente. revolucionária, deve valer-se do método hipotético-
Nesse caso, a verossimilhança, assim como a dedutivo. Nesse momento, podemos dizer que foi
verdade, seria um ideal que tentamos atingir na encontrado um paralelo entre pesquisa básica e
prática, embora nunca cheguemos a saber, com revolucionária, e pesquisa normal e aplicada.
certeza, qual é a verossimilhança real da teoria.
Portanto, uma primeira conclusão a ser extraída da
proposta de Popper é a de que as leis universais e
as teorias científicas devem ter caráter apenas
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maiores que os de Ti, o que nos impossibilita de melhor que outra, como afirmam os seus críticos?
comparar a verossimilitude dessas duas teorias. Watkins, por sua vez, mostra que a tese da
Essa comparação somente seria possível se a teoria incomensurabilidade contradiz outra tese de Kuhn,
mais ampla da qual decorre Tt fosse verdadeira. a de que os paradigmas também são incompatíveis
Nesse caso, poderíamos afirmar que T2 possui entre si. Entretanto, se afirmarmos que o sistema de
maior verossimilitude que Tj. Mas, como nunca Copémico é logicamente incompatível com o de
podemos saber se uma teoria é verdadeira, o Ptolomeu, é porque dispomos de critérios lógicos
objetivo de Popper de comparar teorias quanto a para compará-los; logo, eles não são
sua verossimilitude não pode ser atingido. Para incomensuráveis. Uma coisa não pode ser
Watkins (1974), a afirmação de que uma teoria tem incompatível e incomensurável ao mesmo tempo.
maior verossimilitude do que outra implica uma Segundo Feyerabend (1989), não
previsão a respeito do desempenho futuro da teoria, existem normas que garantam o progresso da
contendo, portanto, um argumento indutivo aberto ciência e a diferenciem de outras formas de
às críticas de Hume. conhecimento; a ciência não tem método próprio
Watkins, portanto, não aceita que a nem é uma atividade racional; a história mostra que
verossimilitude possa servir como guia para a o progresso científico ocorre quando se age
escolha entre duas teorias. Assim, embora nos segundo novas idéias contrárias às metodologias
guiemos pela idéia de verdade - quando vigentes. Segundo os críticos de Feyerabend, um
procuramos, por exemplo, refutar uma teoria - para defensor do anarquismo metodológico não poderia
Watkins, nosso objetivo deve ser mais modesto. condenar ou proibir qualquer tipo de charlatanice.
Devemos buscar teorias que sejam apenas Bunge (1974) diz que, quando afirmamos que tudo
possivelmente verdadeiras, isto é, teorias que vale, estamos dizendo nada vale, ou então, como
resistiram às mais severas críticas, sem que tenha disse Popper (1987), se uma teoria nada proíbe e
sido possível, pelo menos até determinado tudo explica, ela nada explica. Enfim, talvez a
momento, descobrir qualquer inconsistência entre solução mais coerente corn a filosofia de
os princípios da teoria ou entre ela e as evidências Feyerabend (1989) seja simplesmente admitir que,
disponíveis. Kulin (1991) também não acha como não há escolha nem avaliação objetiva ou
possível, nem necessário, apelar para o conceito de racional de qualquer teoria, parece que todas as
verdade - no sentido de haver uma correspondência escolhas e avaliações são determinadas pelas
entre conceitos como elétron, campo, etc., com condições sociais da época. Essa é a premissa
aquilo que realmente existe - ou de verossimilitude. básica de alguns representantes da sociologia do
Para ele, não é possível afirmar que há uma conhecimento (Chrétien, 1994; Hekman, 1990).
aproximação sucessiva das teorias em direção à Portanto, para os filósofos anti-popperianos e anti-
verdadeira constituição da natureza. Nesse caso, indutivistas, resta a opção de desenvolver as idéias
pode-se considerar que o progresso científico de Kuhn em dois caminhos: modificando-as, de
consiste apenas em formular teorias eficazes e modo a produzir critérios mais precisos e objetivos
exatas para a resolução de problemas específicos. para a avaliação das teorias científicas; ou
Isso está de acordo com a visão instrumentalista de radicalizando a tese sociológica, de forma a
Kuhn sobre as teorias científicas. mostrar que todo conhecimento produzido é
A incomensurabil idade, conceito completamente determinado por fatores sociais não
desenvolvido por Feyerabend (1989) e Kuhn objetivos e não racionais, estabelecendo assim, que
(1991), mostra que mesmo aquilo a que chamamos qualquer critério de avaliação será sempre relativo
de “fato”, também sofre alterações de acordo com à época em que foi gerado.
o paradigma adotado. Ou seja, os principais
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As limitações do método científico 243
básicos de um sistema, exceto tendo por base um componentes; as partes e o todo são difíceis de
conhecimento prévio da totalidade da estrutura em serem identificados (Capra, 1996).
que esses elementos se encerram. Por outro lado, O método hermenêutico caracteriza-
segundo os reducionistas, não poderemos se por dar ênfase às correlações polimorfas e
apreender o modo como o todo funciona até que micromorfas existentes entre as várias partes que
tenhamos alguma compreensão a respeito da compõem um sistema ou entre os vários discursos
funcionalidade das suas partes. existentes, como se fossem fios imaginários que
Koestler (1981) parece ter resolvido unem essas partes entre si. Filósofos e cientistas
esse dilema através da criação do termo “Holon”, que adotam o método hermenêutico como
que incorpora, ao mesmo tempo, as noções do todo orientador de suas condutas práticas, qualificam-se
e da parte. Mas, quando um todo é um todo e uma como indivíduos bem informados (culto) que
parte é uma parte? E, inversamente, quando um servem de intermediários nas discussões entre os
todo é uma parte e uma parte é um todo? Eis aí a seus semelhantes, que acham que são detentores da
necessidade das hierarquias. De fato, outro termo verdade, no sentido de mostrar a eles que sempre
criado por Koestler é o de “Holarquia” haverá uma afirmação contrária de igual valor que
significando que, em uma hierarquia constituída é desconhecida (Porchat-Pereira, 1993; Rorty,
por diversas partes, estas devem apresentar, cada 1988). Nesse sentido, o método hermenêutico
qual, as características do todo e da parte. Segundo
■
impõe que sejamos conhecedores do conteúdo
Koestler (1981), dependendo do nível em que nos presente nesses discursos para podermos atuar de
encontramos na hierarquia, poderemos ser todos e forma a mostrar as falhas neles existentes. Segundo
partes ao mesmo tempo. Ou seja, seremos partes Demo (1997), esse procedimento favorece a
enquanto membros de uma sociedade e todos interdisciplinaridade e a cross-disciplinaridade.
enquanto organismos auto-contidos (Romesín & Essas noções sugerem que um problema pode ser
García, 1997). Entretanto, dificilmente deixaremos “atacado” por profissionais especialistas em
de ser parte em um sentido mais amplo, pois diversas áreas, mas de forma conjunta e, num
sempre estaremos sobrevivendo às custas do meio mesmo momento, reunidos em institutos
que nos circunda, e esse, por sua vez, será parte de apropriados para o desenvolvimento desse tipo de
um outro meio ainda mais abrangente. pesquisa. Seria o mesmo que reunir esforços para
O que deve prevalecer: argumentos superar o problema. Contudo, a hermenêutica não
holistas ou reducionistas? De acordo coin Capra se baseia, para isso, num conhecimento
(1996), a concepção de rede fornece uma nova anteriormente existente para tentar reduzir toda a
alternativa para as chamadas hierarquias da conversação aos preceitos de um paradigma
natureza, trazendo como conseqüência uma nova qualquer.
perspectiva para a questão do todo e da parte. Para O método hermenêutico utiliza a
Capra (1996), o padrão de organização de um discussão apenas como uma estratégia para mostrar
organismo e das sociedades é o da rede, o que nos o valor e as limitações do conhecimento existente.
impossibilita de afirmar que exista um alto e um Quando adotamos o método hermenêutico,
baixo ou uma parte e um todo, próprios das aumenta a possibilidade de nos mantermos
hierarquias. No conceito de rede, a discussão do próximos do conteúdo presente nesses diversos
todo e da parte toma-se irrelevante e nos leva ao discursos, o que também nos toma detentores do
método hermenêutico, cuja função é fortalecer as conhecimento existente de forma não
correlações polimorfas e micromorfas existentes especializada. Entretanto, o método hermenêutico
entre as diversas partes de um sistema. Por também pode ser utilizado quando indivíduos
exemplo, as células de um organismo possuem especializados se unem para solucionar um
várias estruturas celulares que interagem entre si determinado problema, como afirmado acima
(correlações micromorfas). Essas correlações (Demo, 1997). Para a hermenêutica, ser racional é
também ocorrem entre células presentes em um querer abster-se da epistemologia - o que eqüivale
mesmo tecido. Por outro lado, essas mesmas a se recusar a aceitar que exista um conjunto
células estão sujeitas a serem afetadas por diversos especial de termos em que pudessem ser colocadas
“fatores” circulantes pelo sangue (correlações todas as contribuições para a conversação entre os
macromorfas) que interferem positivamente ou indivíduos, genericamente definido como
negativamente nas suas atividades. Ou seja, quando paradigma. Ou seja, quando alguém que utiliza o
lidamos com sistemas, e nossa intenção é darmos método hermenêutico resolve questionar outro
ênfase às correlações existentes entre os seus indivíduo durante uma conversação, isso é visto
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246
ABSTRACT
Physical education has been searching for its academic and professional status for a long time.
In order to become an academic discipline the strategy used was: attemptes to change its name; to characterise
its subject matter and to develop its own methodology. In regard to its professional development, we are yet
to find a comprehensive debate about it This essay addresses the issue of metholodoly by discussing the
available scientific methods. We concluded that the professionals of physical education have shown great
confusion about methods and techniques and that the methodology has yet to develop a method free of
problems.
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