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XXI Bienal
de Música Brasileira
Contemporânea
10 A 19 DE OUTUBRO DE 2015
THEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
SALA CECILIA MEIRELES
ESPAÇO GUIOMAR NOVAES
Patrocínio
Ministério da Cultura
Realização
Fundação Nacional de Artes / Funarte
Apoio
Academia Brasileira de Música
Rádio MEC/EBC
Equipe da Funarte
Centro da Música
concepção e realização
Flavio Silva
Maria José de Queiroz Ferreira
produção
Flavia Peralva Pinheiro
Tatiane de Santana Ribeiro Lins
assistentes de produção
Aline Mandriola
Elizabeth Lima da Silva Ursolino
Edyr José Rosa de Lima
Luiz Carlos da Silva
Vanderci Lins de Oliveira
Thais da Silva de Oliveira
Assessoria de Comunicação
Camilla Pereira
Marcelo Mavignier
Catia Lima
Luzia Amaral
Marcia Cotrim
Projeto gráfico
catálogo miolo
Gilvan Francisco
capa, cartaz e banners
Paula Nogueira
Portal Funarte
Cristiano Marinho
Maria Cristina Martins
Pedro Paulo Malta
Apoio externo
Prêmio Funarte de Composição Clássica 2014
Comissão de Seleção
Bryan Holmes
Erick Magalhães de Vasconcelos
Harry Crowl
Jamil Maluf
Liduino Pitombeira
Rodolfo Coelho de Souza
Colaboradores
Cristina Arruda
Daniel Serale
Eduardo Monteiro
Marcelo Carneiro de Lima / Paulo Dantas
Marinaldo Gomes
Ralyanny Guerra Belo
A XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea
Marcos Lacerda
Diretor do Centro da Música da Funarte
Francisco Bosco
Presidente da Funarte
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A Mario de Andrade – há setenta anos falecido
Aos compositores
Mario Ficarelli, que há pouco nos deixou
Luiz Cosme – cinquentenário de falecimento
Eunice Katunda e Hans Joachim Koellreutter – centenário de nascimento
homenagem, in memoriam
Apresentação da XXI Bienal
Uma coincidência emblemática: 2015 assinala os 70 anos O relevo dado pela XXI Bienal ao Música Viva é apro-
de falecimento de Mário de Andrade e o centenário de fundado com a edição virtual, que está sendo lançada,
nascimento de Koellreutter. Comemorações variadas ce- dos 16 números do boletim editado por esse movimen-
lebraram separadamente esses eventos em todo o país; to. Ficam assim acessíveis a todos os interessados, de
a XXI Bienal juntou-os numa programação extraordinária forma prática, os textos dos vários autores, brasileiros
detalhada às páginas 24 a 31 desse catálogo. e estrangeiros, que disseminaram ideias de variadas
Koellreutter começou a atuar no Brasil em fins de orientações nesse periódico, cuja coleção completa
1937, no Rio de Janeiro, quando Mário já estava em não é encontrada em nenhuma biblioteca brasileira, e
seu “exílio no Rio”, mas não há registro de encontro que pode ser acessada no site www.funarte.gov.br.
entre ambos. Luiz Heitor, que conhecera o músico ale- Voltamos a Mário de Andrade, com duas outras ini-
mão pouco após sua chegada, poderia ter feito a ponte ciativas:
entre ambos, o que não ocorreu. Não parece haver re- − a reedição em CD do álbum com dois LPs lan-
ferência explícita de Mário a Koellreutter ou ao Música çados pela Funarte em 1983 em homenagem ao cen-
Viva, embora numa das últimas páginas d’O banquete tenário de seu nascimento, por iniciativa de Hermínio
a afirmação do compositor Janjão possa ou deva ser Bello de Carvalho, com a participação de Lenita Bruno,
vista como uma rejeição explícita ao músico alemão: Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Teca Calazans
“A música brasileira ainda não pode perder de vista o e conjunto musical sob a direção de Maurício Carrilho;
folclore. Se perder, se estrangeirizará completamente. − a apresentação do Coletivo Chama, que reinterpre-
Como sucede com os sistematizadores do atonalismo ta ideias de Mário de Andrade num contexto diferente
integral, e os que baseiam a sua criação na chama- dos por ele imaginados, e que aponta outros caminhos
da ‘invenção livre’”. Analogamente, só em 1947, dois possíveis de serem trilhados, a partir do multifacetado
anos após sua morte, Mário passa a ser citado no bole- pensamento mariano – Eu sou 300 – 350 –, tomando
tim Música Viva, e com muito destaque, em função de como referência o álbum de dois LPs ora lançado em
seu pendant socialista, acentuado durante os anos de CD (pág. 30 e 31).
guerra e levado a um paroxismo no prefácio à biografia Os dez concertos dessa XXI Bienal de Música
de Shostakovitch. É essa ligação que justifica o tema Brasileira Contemporânea (ver pág. 6 a 23) apre-
da mesa redonda referida à pág. 27. sentam em estreia mundial 66 obras musicais con-
Outro aspecto dessa ligação é a “tragédia secular” cursadas e encomendadas. Ela mantém o padrão
Café, escrita por Mário em 1942. Em artigo publicado definido em 2010 para as Bienais de 2011 e 2013: o
em 1968, Mignone escreveu: “Mário deixou-me um li- concurso e as encomendas são realizados nos anos
breto de ópera denominado Café. Obra muito sofistica- pares, e as apresentações nos anos ímpares, con-
da que não tive coragem de musicar. Desisti cedendo tinuando uma tradição inaugurada em 1975, com o
o libreto a Camargo Guarnieri, que nada fez. Soube, por primeiro evento do gênero. De 2010 a 2015, 208
Luiz Heitor, que um tal de Koellreutter havia musicado obras − 124 concursadas, 84 encomendadas −, numa
o libreto do Café. Ignoro se a ópera em questão existe. média de 34,3 por ano, foram ou estão sendo estre-
E não comento.” adas nessas apresentações realizadas pela Funar-
Em matéria de política, Guarnieri se considerava te. É provável que poucas instituições estrangeiras,
uma “reverendíssima besta” (plágio meu) e em 1943 por prestigiosas que sejam, atinjam essa média. As
discordou frontalmente de Mário sobre a sinfonia Le- obras que estreamos são pagas com valores dife-
ningrado, de Shostakovitch. Mignone, que compôs renciados, de acordo com sua natureza – orques-
uma Sinfonia do trabalho em 1939 e se candidataria trais, camerísticas ou solistas, incluindo as corais
a vereador pelo ‘Partido’ em 1946, era a escolha na- e as que se se servem de recursos eletroacústicos
tural de Mário para pôr o Café em música, mas quem ou informáticos. Não há nenhuma exigência de filia-
assumiu essa tarefa foi Koellreutter: “Passei 20 anos ção a essa ou a aquela corrente composicional, ou
mergulhado no Café”, declarou ao Jornal do Brasil em estética, ou ideológica, o que faz das Bienais uma
1975 (ver pág. 24 a 26). grande e diversificada exposição das mais diferen-
O papel de Koellreutter numa mudança de rumos na tes tendências. Lembrando Villa-Lobos: “Minhas
música brasileira foi fundamental. Não se deve creditar obras são cartas escritas para a posteridade, sem
ao acaso o fato de que alguns dos mais portentosos ta- esperar resposta”. A peneira do tempo dirá o que
lentos musicais surgidos nos anos 1940 tenham estu- fica e o que soçobra; é vã a pretensão de definir
dado sob sua orientação: Claudio Santoro, Guerra-Pei- qual música representa o nosso tempo.
xe, Edino Krieger, Eunice Katunda. Também não pode
ser coincidência se, ainda naquela década, esses com-
positores já arrebanhassem prêmios em concursos na-
cionais e internacionais. O recital e a palestra referidos Flavio Silva
às pág. 28/29 documentam amplamente a importância Coordenador de Música Erudita
do movimento Música Viva criado por Koellreutter. Centro da Música / Funarte / MinC
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XXI BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Lucas Duarte
Paulo Costa Lima Sete flechas: um batuque concertante*
I – O herói da nossa gente;
II – Devaneiro / Cadenza;
II – Finale
piano solo Aleyson Scopel
regente Eduardo Torres
Jorge Antunes
Eli-Eri Moura
II
Lucas Duarte 4 peças para orquestra**
I – Linhas e nuvens; II – Marcha
III – Canto; IV − Quedas
Liduino Pitombeira
Paulo Costa Lima
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XXI BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Raul do Valle
Silvio Ferraz
Luiz Cosme
flauta Pauxi Gentil-Nunes
violoncelo Marcus Ribeiro
sax Pedro Bittencourt, piano Marina Spoladore
II
Raul do Valle Improviso para duo de violoncelos*
Duo Santoro:
Sam Cavalcanti
Mario Ferraro
Luiz Cosme Canção do tio Barnabé
(in memoriam) piano solo Patrícia Bretas
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XXI BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
I
Gilson Beck Ecos na catedral**
piano solo Sara Cohen
Wellington Gomes
Caio Pierangeli Ultimum spiritum**
Gilson Beck
II
um sertão esquecido*
violino solo Daniel Guedes
Marlos Nobre
Harry Crowl
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XXI BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Gustavo Penha
flautas Eduardo Monteiro e Lucas Robatto
Ricardo Tacuchian
Alexandre Lunsqui
II
Daniel Vargas
Edino Krieger
Gustavo Penha Vento sob os dedos**
flauta solo Eduardo Monteiro
Maurício Dottori
Roseane Yampolschi
fagote solo Fábio Cury
Matheus Bitondi
II
Roseane Yampolschi Zikhronot**
Quarteto Uirapuru
violinos Fernando Pereira e Márcio Sanches
viola Dhyan Toffolo, violoncelo Claudia Grosso
Marcílio Onofre
Danniel Ferraz
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XXI BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
I
Fred Carrilho EVENTVM V – Vórtices**
percussão Pedro Sá e Janaina Sá
Alfredo Barros
Fred Carrilho
Mario Ferraro
Ticiano Rocha
II
Alfredo Barros Antídoto*
(texto do compositor) I – Antídoto; II – Noites e rosas; III – Distância
tenor Alberto Pacheco, fagote Débora Nascimento
piano Tamara Ujakova, violoncelo Luciano Corrêa
percussão Paraguassú Abrahão
Daniel Vargas
Mario Ferraro Trapézio**
Mario Ficarelli
clarinetas Marcos Passos, Marcelo Ferreira
e Batista Jr., piano Katia Baloussier,
percussão Janaina Sá, harpa Marco Monteiro
regente Jésus Figueiredo
Edson Zampronha
flauta Pauxy Gentil-Nunes, violino Mariana Salles
violão Fabio Adour, percussão Daniel Serale
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XXI BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
I
Felipe Lara Ventos uivantes**
Grupo CRON
flauta Felipe Marateo, clarinete Marcos Passos
fagote Jeferson Souza, violino Taís Soares
viola Rúbia Siqueira, violoncelo Janaína Salles
Marcos Lucas
regente Marcos Nogueira
Felipe Lara
Marcus Siqueira
bombo legüero Ernesto Fagundes
Clayton Ribeiro
Pauxy Gentil-Nunes
Rubens Tubenchlak
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XXI BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
I
Thiago Diniz Coriolis**
difusão Thiago Diniz
Aquiles Guimarães
Julian Maple Tuning**
sopranos Gabriela Geluda e Doriana Mendes
Thiago Diniz
II
I
Nikolai Brucher Who can turn skies back? **
Marisa Rezende
Nikolai Brucher
Emanuel Cordeiro
II
Roberto Victorio
Flo Menezes
Roberto Victorio (Rio de Janeiro/RJ, 19/12/1959) bcharel em violão e re- Emanuel Cordeiro (Belém/PA, 15/10/1983) é bacharel em composição e arranjo
gência, é mestre em composição e doutor em etnomusicologia. Como pes- pela Universidade do Estado do Pará, especialista em Fundamentos da Criação
quisador tem o trabalho voltado para a música ritual da etnia Bororo de em Música pela Universidade Federal do Pará e mestre em composição pela
Mato Grosso. Como compositor tem em seu catálogo mais de duas cente- Universidade Federal da Bahia. Teve composições premiadas no 3º Festival Cul-
nas de obras gravadas e executadas nos principais eventos no Brasil e no tura de Música e no 3º Festival da Associação de Rádios Públicas do Brasil (AR-
exterior, recebendo inúmeros prêmios no exterior, como Latino Americano PUB). Já teve obras tocadas pela Orquestra Sinfônica da Universidade Federal
para orquestra (Uruguai), Contrechamps (Suiça), Festival Internacional de da Bahia, pelo Coro Carlos Gomes e por vários grupos camerísticos. Atualmente
Composição (Hungria), Sociedade Internacional de Música Contemporânea é professor do Curso de Licenciatura em Música da Universidade do Estado do
(Romênia), Tribuna Internacional da Unesco/Paris(1995/97/99), Oldenburg Amapá.
Festival (Alemanha), BAM Dialogue (Holanda). No Brasil, foi premiado pelo Transformações uirapurinas é baseada em um canto do uirapuru, pássaro en-
Projeto Rio Arte Contemporânea, Bahia Ensemble, 500 Anos das Américas, volvido por várias lendas e considerado bastante musical. Para a construção
Instituto Brasil-EUA, Funarte e Fundação Vitae. Como regente atuou com a da obra, foi transcrito um canto do uirapuru-verdadeiro (ciphorhinus arada) e
Orquestra de Câmara do Rio de Janeiro, a orquestra Sinfônica da Universi- a partir desta notação foram criadas séries de altura e ritmo manipuladas por
dade Federal de Mato Grosso em repertório exclusivamente voltado para técnicas seriais de transformação. Apesar da complexidade de elaboração e
a produção contemporânea, a Orquestra Sinfônica Nacional/UFF, Grupo da inspiração da obra na floresta amazônica, a intenção não foi a de imitar o
Música Nova da Universidade Federal do Rio de Janeiro e com os grupos canto do pássaro, mas utilizar sonoridades buscando recriar sons de diversos
de câmara formados nas Bienais de Música Brasileira Contemporânea e pássaros, diferentes ambientações e ruídos da floresta e mesmo a descrição da
no Festival Internacional de Campos do Jordão. É regente, diretor musical derrubada de árvores, fogo na floresta, animais aflitos e em fuga. No final, um
e instrumentista do SEXTANTE, grupo de câmara que fundou em 1986 no grande coro da natureza é ouvido através dos instrumentos que representam a
Rio de Janeiro e que até hoje, em Mato Grosso, trabalha exclusivamente sua vitória após a luta contra a destruição.
com a produção musical brasileira contemporânea, tendo realizado mais
de uma centena de primeiras audições de obras brasileiras de concerto. Flo Menezes (São Paulo/SP, 18/4/1962) estudou composição na Universidade de
É professor de composição, etnomusicologia e estética da música na gra- São Paulo com Willy Corrêa de Oliveira, música eletroacústica com Hans Hum-
duação e na pós-graduação em música na Universidade Federal de Mato pert no Studio für Elektronische Musik de Colônia, Alemanha, especializou-se
Grosso e idealizador das Bienais de Música Brasileira Contemporânea de junto ao Centro di Sonologia Computazionale de Pádua, Itália, e doutorou-se em
Mato Grosso. 1992 na Bélgica com tese premiada sobre Luciano Berio, orientada por Henri
TETRAGRAMMATON XV b integra um ciclo de 16 obras escritas para as mais di- Pousseur. Foi também aluno de Pierre Boulez, Luciano Berio, Brian Ferneyhough
versas formações, desde obras solo às obras sinfônicas. O ciclo está alicerçado e Karlheinz Stockhausen, de quem tornou-se assistente pedagógico em 1999 e
sobre os textos e preceitos do filósofo e alquimista do século XVI Jakob Boehme 2001. Atuou junto à Fundação Paul Sacher na Basiléia, na Suíça, e ao IRCAM, em
no que se refere à estrutura interna invisível da obra, suas relações numerológi- Paris, no mesmo ano de 1997 em que se tornou o primeiro livre-docente no Brasil
cas e arcos genéticos, em consonância com a palavra mater Tetragrammaton: em composição eletroacústica. Obteve alguns dos mais importantes prêmios in-
o nome indizível de Deus. ternacionais e nacionais de composição: Unesco, Paris (1991); Trimalca, Argen-
tina (1993); Prix Ars Electronica, Áustria (1995); Giga-Hertz-Preis de Karlsruhe/
Alexandre Schubert (Manhumirim/MG, 23/2/1970) fez mestrado e bacharelado Freiburg, Alemanha (2007); Concorso Luigi Russolo, Itália (1996); Prêmio Cultural
em composição pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde é professor Sergio Motta, São Paulo (2002); Bolsa Vitae de Artes (2003). Autor de mais de 80
do Departamento de Composição. Autor de mais de 140 obras frequentemente obras, é professor titular da Unesp, fundador e Diretor do Studio PANaroma de
tocadas no Brasil e no exterior, recebeu 16 prêmios em concursos nacionais e Música Eletroacústica.
internacionais de composição, incluindo os primeiros lugares no Concurso de PostScriptio insere-se num ciclo de obras em torno do violino: Scriptio (2013)
Composição para Percussão – PAS Brazil Chapter e no Concurso Nacional de para violino solo, TransScriptio (2013) para violino e eletrônica em tempo real,
Composição Lindembergue Cardoso, além de prêmios em concursos realizados PostScriptio, e finalmente a peça acusmática MetaScriptio (2015). Sua escritu-
pela Funarte e de menção honrosa no Concurso Internacional de Composição ra, por um lado, baseia-se fundamentalmente em Scriptio, adaptando esta obra,
Fernando Lopes-Graça, em Portugal. Apresentou obras na série Composer’s Voi- através de pequenas alterações, à coordenação de conjunto entre solista e or-
ce, em Nova Iorque. Réquiem integrou a turnê Sonora Brasil e foi ouvido nas co- questra, mas, por outro lado, também desenvolve, no âmbito puramente instru-
memorações do Ano do Brasil em Portugal; De lumine foi apresentada em Dres- mental, procedimentos da eletrônica em tempo real de TransScriptio, os quais
den por membros da Filarmônica dessa cidade; compôs as Antífonas marianas são aqui “transcritos” ao universo da escritura instrumental, tais como o com-
para a turnê europeia dos Canarinhos de Petrópolis. Participou do World Music portamento espacial dos sons, os fatores de multiplicação aplicados a certos
Day (Suíça), da Copa Cultural (Berlim) e do III Festival Ibero-americano, em São agregados intervalares, o congelamento de determinadas alturas, os rebatimen-
Pestersburgo, com a Sinfonia Festiva. Tem obras encomendadas e gravadas tos (delays) e as antecipações de certas figuras. Como em várias obras do com-
positor, PostScriptio não abre mão do espaço total do teatro para a veiculação
de seus sons e para a atuação de seus músicos.
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programação extraordinária
Café
tragédia secular
(estreia a 13 de setembro de 1996, em comemoração aos 450 anos da fundação de Santos)
Orquestra Sinfônica Municipal de Santos − direção musical e regência Luis Gustavo Petri
encenação e roteiro Fernando Peixoto cenografia Gianni Ratto cenotécnico Mario Marcio
figurinos Maria do Carmo Brandini 2 atores 5 cantores convidados 30 figurantes
produção do vídeo
Maria Célia Sacramento, Antonio Ferrer, Rita Okamura, Carlos Kober, Luiz Eduardo Crescente, Patrícia Barros
A exibição do vídeo com a filmagem dessa “tragédia secular” foi possível graças à colaboração da
Fundação Padre Anchieta/TV Cultura, na pessoa de seu presidente Marcos Mendonça
e do chefe de seu Centro de Documentação José Maria Pereira Lopes.
A música contemporânea não visa, nem pode deleitar (no sentido de “distrair”). não sei, isto vocês vão dizer quando a ouvirem.
Senti na pele o problema como compositor, querendo musicar a obra Café, de Escrevi duas versões. Uma, para teatro, com cena e grande orquestra,
Mario de Andrade. Comecei a fazê-lo há 20 anos. Escrevi o princípio e o fim, composta de instrumentos de madeira e trompetes, além de violas, quatro pia-
embatuquei no restante. Não tive técnica para compor esta obra de linguagem nos e muita percussão. Na versão em forma de oratório, basta o acompanha-
muito pessoal, muito forte, mas muito complicada para um compositor moder- mento de quatro pianos e percussão. É claro que as duas versões não dispen-
no. Deixei de lado, mas ela me puxou. Sabe, trago sempre comigo três livros: a sam um coral.
Bíblia, o Fausto de Goethe e a terceira partitura da Arte da Fuga, de Bach. Pois
nesses 20 anos andei também com a peça de Mario de Andrade, para mim a obra De resto, trabalho, muito trabalho. Interesso-me pela relação música/ho-
teatral brasileira que contém toda a tragédia humana brasileira. mem, cultura em geral. Passei 10 anos mergulhado no Café. Agora, é abrir os
olhos e mergulhar em outras coisas.
No ano passado, decorrido tanto tempo, vi que já tinha condições de
escrevê-la e em seis meses a terminei. O problema foi encontrar uma lingua- H. J. Koellreutter
gem musical que complementasse o texto, que fosse inteligível para o público, (entrevista a Danúsia Bárbara,
porque a obra é toda um manifesto. Por outro lado, não podia escrever música Jornal do Brasil, 1/11/1975
como se fosse Ari Barroso. Eu não sou Ari Barroso. Ser o mesmo Koellreutter
26 mas fazendo algo compreensível a todos, este o X da questão. Se consegui,
Café − Tragédia secular
A gênese dessa “tragédia secular” tem relação com a queda da bolsa de Nova Me sinto “recompensado” eu falei, não tive a menor intenção nem sombra
York em 1929 e a consequente crise no porto de Santos, com a retração na ex- disso! De me dar por feliz. Como eu tenho uma saudade incessante dessa paz,
portação do café e o desemprego dos portuários e plantadores. dessa “PAZ” que os vitoriosos invocaram para um futuro mais completado em
Alguns textos de Mário de Andrade abordam essa gênese: sua humanidade. Eu tenho desejo de uma arte que, social sempre, tenha uma
liberdade mais estética em que o homem possa criar a sua forma de beleza mais
Não havia necessidade nenhuma de “reformar” a ópera mais uma vez [...]. Era convertido aos seus sentimentos e justiças do tempo da paz. A arte é filha da dor,
preciso apenas observar as fontes mesmas do teatro cantado universal e bus- é filha sempre de algum impedimento vital. Mas o bom, o grande, o livre, o ver-
car assuntos contemporâneos que tivessem para nós o mesmo interesse e a dadeiro será cantar as dores fatais, as dores profundas, nascidas exatamente
mesma possibilidade de coletivização e ensinamento. O Café! A imagem pulou. desta grandeza de ser e de viver.
Não seria possível acaso tentar uma ópera de interesse coletivo, tendo como Há de ser sempre amargo o artista verdadeiro, não sei si artista bom, mas
base de assunto o café?... [...] (“Do teatro cantado”, Folha da Manhã, São Paulo, verdadeiro, sentir que se esperdiça deste jeito em problemas transitórios, cria-
4/11/1943; in Jorge Coli: Música final. Campinas: Unicamp, 1998, p.103) dos pela estupidez da ambição desmedida. Um dia o grão pequenino do café
nunca mais apodrecerá largado no galho. Nunca mais os portos de todos hão de
se esvaziar dos navios portadores de todos os benefícios da terra. Nunca mais
Não se tratava apenas de fazer um libreto que pudesse interessar coletivamen-
os menos favorecidos de forças intelectuais estarão nos seus lugares, porque
te uma sociedade, mas que tivesse uma forma, uma solução técnica derivada do não tiveram ocasião de se expandir em suas realidades. Não terão mais de par-
conceito mesmo de coletividade. Uma ópera coral, concluí. Um melodrama que em tir, na busca lotérica do pão. Então estarão bem definidas e nítidas pra todos as
vez de lidar com indivíduos, lidasse com massas [...]: em vez de personagens so- grandes palavras do verbo. Terá fraternidade verdadeira. Existirá o sentido da
listas, personagens corais. (“Psicologia da criação”, Folha da Manhã, São Paulo, igualdade verdadeira. E o poeta será mais verdadeiro.
11/11/1943 ; in Jorge Coli: Música final. Campinas: Unicamp, 1998, p.103/105) Então o poeta não “quererá” ser, se deixará ser livremente. E há de cantar
mandado pelos sofrimentos verdadeiros, não criados pelos homens, mas deri-
Eu me sinto recompensado por ter feito essa épica. Dei tudo o que pude dar a vados naturalmente da própria circunstância de viver. Me sinto recompensa-
ela, pra torná-la eficaz no que pretende dizer; lhe dei mesmo com paciência os do por ter escrito esta épica. Mas lavro o meu protesto contra os crimes que
mil cuidados de técnica, pra convencer também pelo encantamento da beleza. me deixaram assim imperfeito. Não das minhas imperfeições naturais. Mas de
Mas duma beleza que nunca perde o senso, a intenção de que devia ser bruta, imperfeições voluntárias, conscientes, lúcidas, que mentem no que verdadeira-
cheia de imperfeições épicas. Nada de bilros nem de buril. Pelo contrário, muitas mente eu sou.
vezes a perversidade impiedosa da ideia definidora por exagero, fiz acompanhar São Paulo. 15 de dezembro de 1942
da perversidade tosca da voluntária imperfeição estética. (texto no final do resumo do terceiro ato do Café)
Textos e encenação
Os textos impressos em redondo e falados pelo narrador são de Mário de Andrade.
Os textos impressos em itálico são do roteiro do encenador Fernando Peixoto, onde os textos em caixa alta – como
CORAL DO QUEIXUME – remetem a textos de Mário de Andrade cantados pelos coros ou por solistas.
Primeiro ato
Cena 1 – Porto parado (cais)
NARRADOR: Desde muito que os donos da vida andavam perturbando a marcha natural do comércio de café. Os resultados
foram fatais. Os armazéns se entulharam de milhões de sacas de café indestinado. E foi um crime nojento. Mandaram quei-
mar o café nos subúrbios escusos da cidade, nos mangues desertos. A exportação decresceu tanto que o porto quase parou.
Os donos viviam no ter e se agüentavam bem com as sobras do dinheiro juntado, mas e os trabalhadores, e os operários, e
os colonos?
A fome batera na terra tão farta e boa. Os jornais aconselhavam paciência ao povo, anunciavam medidas a tomar. Fu-
turamente. A inquietação era brava e nos peitos dos estivadores mais sabidos do porto parado, numa hesitação desgraçada,
entre desânimos, a cólera surda esbravejava, se assanhavam os desejos de arrebentar.
Sacas de café amontoadas. É a crise do café na década de vinte em Santos. Os estivadores estão quase imóveis junto
aos sacos de café, sentados neles, deitados. Armazém sombrio. Um grupo pequeno joga truco. Entra um homem com
um jornal na mão, arrasta o jornal. Alguns olham para ele, mas ele atira o jornal no chão. CORAL DO QUEIXUME. Em
seguida MADRIGAL DO TRUCO. Ao fundo surgem mulheres, avançam em direção aos estivadores. Estão com fome,
não suportam mais a crise. CORAL DAS FAMINTAS.
NARRADOR: Quem pode dar pão?... O café pode dar pão. Sempre dera o pão, a roupa e a paz relativa dos pobres. Mas agora
aquele companheiro generoso de outros tempos, jaz ali, inútil, vazio de força, como o porto: vazio.
(Todos em silêncio, olhando as sacas de café amontoadas)
NARRADOR: Eles amam, sempre amaram aquele café paterno, que agora parece falhar. Mas ainda há de estar nele à sal-
vação de todos. As mulheres se aproximam das sacas, se abraçam com elas, contando os seus segredos de miséria, acari-
nham o grão pequenino que não falhará. E o grão pequenino lhes segreda o segredo que eles não se animavam a se revelar
Aquela fome que eles sentiam não era apenas uma fome de alimento, mas outra maior, a fome milenar dos subjugados,
fome de outra justiça na terra, de outra igualdade de direitos para lutar e vencer.
(Alguns abraçam as sacas. IMPLORAÇÂO DA FOME)
São mais ou menos 10h da manhã, no cafezal. Uma laranjeira carregada de frutas. Um garoto rouba uma laranja, vai
chupar, fura com o dedo, o gosto é horrível, ele joga a laranja fora. Velhos e velhas vêm o que se passa. (CORAL DO
PROVÉRBIO). Um dos velhos está revoltado. De repente chuta uma árvore. Neste mesmo instante entram os donos
e comissários. A DISCUSSÃO. São as mulheres dos colonos que reagem e enfrentam os patrões. Colonos e colonas
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avançam coléricos em suas reivindicações. Os patrões sacam revólveres e apontam para os colonos. Silêncio. Os co-
lonos decidem abandonar o trabalho, a fazenda. É o desemprego, o caminhar no vazio, bater de porta em porta. Teriam
sido precipitados? Dois atiram os frutos ao longe com raiva. CORAL DO ABANDONO. Há um silêncio. As mulheres,
as velhas, depois também as casadas, começam a sair.
Segundo ato
Cena 1: Câmara de Deputados
Deputados, secretários, jornalistas, o presidente da Câmara, operários nas galerias. Fala o DEPUTADO DO SOM SÓ.
Alguns jornalistas anotam algumas coisas. Um policial interrompe o deputado e assume a palavra um jovem, o DE-
PUTADO DA FERRUGEM, que fala a EMBOLADA DA FERRUGEM. A galeria protesta: “pra que falar em ferrugem se
não há comida etc...” Ao terminar a fala, está entrando no barulho dos protestos da galeria o DEPUTADO CINZA, que
traz consigo a MÃE. O Deputado Cinza fez ela decorar um discurso de elogio ao poder político e econômico, mas ela
está nervosa. E na hora de falar esquece tudo e improvisa um discurso violento contra o poder. Alguns protestam,
jornalistas se agitam, o presidente toca o sino várias vezes, o Deputado Cinza lava as mãos... Entram vários policiais.
O povo foge e os policiais prendem a mãe.
Terceiro ato
Cena: Dia novo (Cortiço)
Dia Novo é o dia da vitória da Revolução. É noite. Palco vazio. O local é um cortiço com um muro ao fundo. Janelas de
casas de operários, interior de casa. Acende-se lentamente um lampião na rua. Uma operária ligou a luz. Numa casinha
cuja janela dá para o pátio do cortiço, uma mulher inquieta, sem saber o que fazer, aproxima-se da janela. Outras em
outras janelas. Nesta primeira casinha há duas ou três crianças dormindo e uma menina acordada que se dirige para
um pequeno rádio. Mexe nos botões, liga o rádio. O PARLATO DO RÁDIO. Ouve-se a voz do locutor afirmando que
a Revolução está quase vitoriosa, já foram tomadas as estações de rádio, correios e telégrafos. Uma valsa. A mulher
fecha o rádio irritada. Sai correndo um garoto de pouca idade. A mãe sai atrás dele e consegue segurá-lo, apertando-o
contra o peito num forte abraço, como para protegê-lo de um tiro. Outras mulheres surgem, outras crianças também.
Ouve-se a luta por trás dos muros. CÂNONE DAS ASSUSTADAS. Um grito de alarme rasga a cena. Um homem foge
por trás do muro. Armas, tiros, soluços. A garota liga o rádio novamente. Ouve-se uma valsa. A mulher fecha o rádio.
Continua a luta por trás do muro. ESTÂNCIA DE COMBATE. Entram dois operários trazendo um chefe revolucionário
bastante ferido. As mulheres começam a cuidar dele. Um dos operários volta para a luta. O outro, bem mais jovem,
fica olhando o chefe, de pé, chorando um pouco. O moribundo vê o jovem operário parado, olhando-o, e consegue
fazer um gesto dando ordem para que ele volte à luta. O rapaz hesita, aproxima-se, beija a testa do ferido e parte. O
chefe ergue um pouco o torso, sorri. Morre em seguida. As mulheres choram.
NARRADOR: As coisas se precipitam. A luta está completamente generalizada por detrás do muro. As mulheres, dignifica-
das pela morte do chefe, reagem, se entranhando na sanha da luta. Só a menina, completamente de alma azul, está mexendo
no rádio outra vez. Por vezes, em cima do muro há um reflexo de baioneta. O portão às vezes é violentamente sacudido.
ESTÂNCIA DA REVOLTA – invisíveis). Gritos de soldados, ruídos da luta. FUGATO CORAL. Clarão de incêndio ao longe.
Um soldado fugitivo aparece no alto do moro. As mulheres estão diante deles, prontas para a luta, decididas. O solda-
do pula para dentro do pátio. Um estudante revolucionário persegue-o. O soldado joga o fuzil para longe e se ajoelha
diante das mulheres pedindo perdão. Elas o estraçalham. O rapaz pega o fuzil, abre o portão e entra na luta armada. A
menina liga novamente o rádio: SEGUNDO PARLATO DO RÁDIO. Novas notícias da vitória revolucionária, inclusive a
de que o Presidente fugiu do Palácio. Luta geral. Todos os coros em cena. GRANDE CORAL DE LUTA.
NARRADOR: Os clarões dos incêndios agora clareiam toda a cidade longínqua, lambendo as paredes dos ilustres arranha-
céus, as pombas enlouquecidas se agarram nas marquesas dos arranha-céus. Piedade! Piedade! Berram os soldados jogan-
do longe as armas de aluguel. Perdão! Perdão! Perdão! Mas os revoltosos, cego, impiedosos, que piedade nada! Café! Café!
Café! Gritam desvairados, café! Café! Café vitória! Vitória!
Novamente ouve-se o rádio, agora anunciando a vitória. O Presidente suicidou-se. A menina desliga o rádio e vai
dormir. Entra a Mãe com uma bandeira vermelha na mão. Incêndios ao longe. A Mãe sobe um plano mais alto, perto
dela está o corpo do revolucionário que morreu. Ao seu lado estão todos, homens e mulheres revolucionários. Um
quadro estático final de vitória: HUNO DA FONTE DE VIDA. Junto com a platéia, as palavras finais: “FORCA! AMOR!
28 TRABALHO! PAZ!”
programação extraordinária
mesa-redonda
Flavio Silva estudou piano com Hans Graff, Alda Caminha e Homero
Magalhães, e cursou musicologia e etnomusicologia em Paris com
Jacques Chailley, Tran Van Khê, Simha Arom e Claudie Marcel-Du-
bois, que orientou sua dissertação de mestrado Origines de la samba
urbaine à Rio de Janeiro. É autor de artigos sobre música em perió-
dicos brasileiros e servidor da Funarte desde 1976, onde atua como
foto Neném Krieger
recital
Claudio Santoro A menina boba
I – Menina exausta XII; II – Asa ferida;
III – Menina exausta III; IV – Menina exausta I;
V – Menina exausta II (canto e piano)
palestra
Edino Krieger César Guerra-Peixe Duo Ouvir Estrelas: Clarissa Cabral Carlos Kater Eunice Katunda Cláudio Santoro Hans Joachim Koellreutter
e Eliana Monteiro da Silva foto Julia Kater
30
Edino Kriger – dados biográficos à pagina 13. e menores sem funções tonais na parte do piano e melodia polimodal no canto.
Os Três sonetos de Drummond, baseiam-se em poemas recolhidos de coletâne- Hans Joachim Koellreutter – dados biográficos à pagina 13.
as diversas: Poderes Infernais em A vida passada a limpo, Carta em Antologia Os Noturnos 1 e 2, de 1945, foram publicados em 1947 em Montevidéu pela Co-
poética, Legado em Claro Enigma. A forma tradicional do soneto (dois quartetos operativa Interamericana de Compositores. Os versos de Oneida Alvarenga,
e dois tercetos) é adaptada por Krieger, com certa subjetividade, à fraseologia adaptados pelo compositor, fazem parte da coletânea A menina boba, de 1938,
de suas canções. Em Os poderes infernais, o período que abarca os dois quar- e apresentam métricas livres e rimas brancas, características do modernismo
tetos é seguido por uma seção contrastante pelo uso de um período irregular e brasileiro. Os Noturnos foram escritos para voz média e quarteto de cordas, com
pela métrica (4/4 em lugar de 5/4 da seção inicial). Arpejos quartais e uma melo- posterior transcrição do quarteto para o piano. Ambos utilizam livremente os 12
dia modal tecem a parte do piano na seção “A” e dão lugar a acordes formados sons da escala cromática, mas o primeiro utiliza no início a técnica dodecafô-
por trítonos na seção “B”, enriquecida com os 12 sons da escala cromática. nica e se encaminha para o atonalismo. São contrapontísticos e tem influência
Restrita a uma única sentença, a seção final “A’” retoma o esquema inicial. As direta do expressionismo schoenberguiano; abundam os intervalos de sétima
outras duas canções mantém a forma ABA’, mas adotam a harmonia tonal e to- maior e menor, os contrastes de intensidade e a métrica variável. Todas as re-
mam mais liberdades em relação ao tratamento das estrofes. A Carta tem cará- giões do piano são exploradas; da cantora é exigido o domínio de uma ampla
ter lânguido e esbanja lirismo, enquanto Legado é rítmico e pulsante. Elementos tessitura vocal.
de coerência entre as três peças são as notas repetidas nas partes do canto e o
intervalo de quarta nas partes do piano. Claudio Santoro (Manaus/AM 23/11/1919 – Brasília/DF 27/3/1989) obteve aos
12 anos bolsa do governo amazonense para estudar no Rio de Janeiro, onde
Eunice Katunda (Rio de Janeiro/RJ, 14/3/1915 – São José dos Campos/SP, ingressou no então Conservatório de Música do Distrito Federal, do qual tornou-
3/8/1990), foi pianista, cravista, organista, compositora, professora e regente se professor de violino e harmonia, após concluir o curso em 1936. Passou a
de coro e orquestra. Estudou piano com Mimma Oswald, Branca Bilhar, Oscar estudar composição com Koellreutter em 1940. Três anos depois, obra sua re-
Guanabarino e Marietta Lion; contraponto, harmonia e análise musical com Furio cebeu menção honrosa em concurso realizado em Washington e em 1946 rece-
Franceschini; composição com Camargo Guarnieri e Koellreutter; orquestração beu bolsa da Fundação Guggenheim para estudar nos EUA, o que não ocorreu
com Guerra-Peixe. Na Europa, entre 1948 e 1949, fez curso de regência com em função de sua ligação com o partido comunista, quando já era patente seu
Hermann Scherchen e de técnica serial com Bruno Maderna. Recebeu vários afastamento das diretrizes koellreuterianas. No ano seguinte, graças ao regente
prêmios e apresentou obras de Villa-Lobos, Hindemith, Stravinsky, Bela Bartók, Charles Munch, recebeu bolsa de estudos para Paris, onde estudou com Nadia
Alban Berg e Schoenberg no Brasil e no exterior, algumas delas em estreia Boulanger e Eugène Bigot. Em 1948, foi premiado pela Fundação Lili Boulanger,
mundial ou nacional. Sua ligação com o grupo Música Viva sofreu interrupção de Boston, participou do Congresso de Compositores em Praga, e passa a difun-
quando Guarnieri divulgou a “Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil”, que dir o realismo socialista em arte, que defendeu até cerca de 1960, quando reatou
considerou “serena, sincera e clara. Tudo o que você diz nela é verdade.” Como relações com Koellreutter. Em 1962, coordenou a criação do Departamento de
Guerra-Peixe, seguiu a lição de Mário de Andrade e dedicou-se a pesquisas fol- Música da Universidade de Brasíli.
clóricas, mas ao contrário daquele compositor, voltou, anos depois, ao convívio As cinco canções sobre A menina boba começaram a ser compostas em 1944,
de Koellreutter. Dentre suas obras, destacam-se a cantata O Negrinho do Pasto- sobre textos da coletânea de Oneyda Alvarenga de que Koellreutter se servira
reio, a Cantata do soldado morto, os Quatro momentos de Rilke e a Sonatina 1965, em seus Noturnos. A menina exausta XII venceu o concurso da Associação
além de artigos em periódicos. Riograndense de Música e foi publicada em 1946 pela Cooperativa Interame-
Os Dois estudos folclóricos: datados de 1952 e estreados pela autora, são da ricana de Compositores com outra peça deste conjunto, Asa Ferida. Uma su-
fase nacionalista. Canto Praiano inspira-se em materiais recolhidos no litoral posta integral do ciclo, com quatro canções, foi publicada na década de 1980,
paulista; o movimento ininterrupto e assimétrico das ondas é sugerido mediante na Alemanha. Até então, pesquisadores e intérpretes de Claudio Santoro não
sobreposição de linhas melódicas com métricas distintas e um polimodalismo tinham conhecimento da quinta canção, que leva o número “III” no manuscrito
sem ligação com técnicas de vanguarda. Canto de Reis, baseado na Folia de Reis datado de 1946, do qual recebemos cópia graças à amabilidade de Gisele e de
de Ribeirão Preto, tem melodia acompanhada por baixo ostinato com acordes Alessandro Santoro, viúva e filho do compositor. Essa canção, até hoje inédita, é
sincopados; sua seção central é precedida por transição atonal livre. seguramente apresentada em primeira audição mundial.
La dame et la licorne, suite composta em 1982, inspira-se nas maravilhosas ta- Enquanto as quatro canções editadas foram escritas utilizando a técnica dode-
peçarias medievais conservadas no Museu de Cluny, em Paris, e serve-se de cafônica, embora apresentando certa flexibilidade em favor da expressividade,
procedimentos de compositores franceses impressionistas e/ou simbolistas que a quinta, manuscrita, afasta-se deste modelo pelo canto baseado em sons repe-
utilizavam escrita modal em suas composições, como Eric Satie em suas Gym- tidos. Construída sobre um baixo ostinato rítmico, conserva das demais a escrita
nopédies. La dame et sa suivante é polimodal e a mudança de modo determina contrapontística e o uso de intervalos dissonantes, inserindo os doze sons da es-
o início e fim de suas três seções. Les lièvres apresenta textura em cânone e cala cromática no compasso final. Talvez Santoro a tenha concebido para fazer
utiliza os 12 sons da escala cromática; o movimento das duas linhas melódicas par com A menina exausta I, que utiliza motivos rítmicos e melódicos sincopados
principais ilustra a atividade leve e ligeira de lebres brincando. La licorne traz que aludem aos ritmos populares brasileiros. Desta forma, a primeira funciona-
um contraponto de duas vozes em oitavas, como dois seres que caminham em ria como introdução, a segunda como um movimento mais lento e dramático, a
paralelo: o unicórnio e a dama. Les étendards lunaires tem textura homofônica, terceira e a quarta mais rítmicas e a última, de caráter improvisatório, seria uma
como num coral, o que dá à peça um caráter majestoso, quase sacro; as vozes coda do ciclo. Esta é a ordem em que estas peças serão apresentadas pelo Duo
se movimentam formando acordes maiores sem relação tonal entre eles. Les Ouvir Estrelas.
joyaux et les fruits é polimodal, com trinados e arpejos rápidos na região agu-
da do piano, simulando o brilho de joias numa pintura de natureza morta, com
uso de modos simétricos, como o pentatônico e o octatônico, característicos DUO OUVIR ESTRELAS
do impressionismo francês. Le lion alterna trechos homofônicos, em acordes, A mezzo-soprano Clarissa Cabral e a pianista Eliana Monteiro da Silva forma-
a outros com textura de melodia acompanhada; a peça também é polimodal, ram o Duo Ouvir Estrelas após o curso de mestrado na Universidade de São
mas apresenta trechos cadenciais para centros tonais. Tem caráter misterioso Paulo, onde pesquisaram obras de Clara Schumann. Enquanto Clarissa Cabral
e termina em suspensão. analisou seus lieder, Eliana Monteiro da Silva analisou a obra pianística dessa
compositora praticamente desconhecida no Brasil. Deste encontro resultram
César Guerra-Peixe (Petrópolis/RJ 18/3/1914 – Rio de Janeiro/RJ 26/11/1993) a publicação do livro Clara Schumann: compositora x mulher de compositor
realizou estudos de violino com Paulina d’Ambrosio e foi o primeiro aluno a com- (2011) e o CD Clara Schumann − lieder e piano solo (2012). Desde então o duo
pletar o curso de composição no Conservatório Brasileiro de Música. A partir vem se apresentando regularmente em recitais divulgando, principalmente, a
de 1944, começou a estudar com Koellreutter enquanto atuava em rádios ca- música de mulheres compositoras. Esta especificidade rendeu-lhes a home-
riocas fazendo orquestrações. Sua Sinfonia no 1, dodecafônica, foi estreada na nagem feita pela compositora Nilceia Baroncelli com a canção Ouvir estrelas,
BBC londrina em 1946 e três anos depois Hermann Scherchen convidou-o para sobre poema de Olavo Bilac) e com a peça para piano solo Os tons da clarida-
estudar regência em Zurich por dois anos. Já adepto das ideias de Mario de de. Suas atividades artísticas e acadêmicas são publicadas em site próprio e
Andrade, preferiu viajar para Recife e estudar a música popular e folclórica nor- página no Facebook: http://duoouvirestrelas.com/ https://www.facebook.com/
destina. Afastou-se gradualmente da pregação de Koellreutter, sem o radicalis- DuoOuvirEstrelas.
mo das atitudes de Santoro e de Eunice, mas em 1952 passou a manifestar total Clarissa Cabral é membro do Coral da OSESP e do Coral Audi Coelum. Tem
rejeição à dodecafonia. No ano seguinte, publicou o artigo “Que ismo é esse, atuado como solista da Camerata Antiqua de Curitiba, da Camerata Fukuda e da
Koellreutter”, violento ataque pessoal a seu ex-professor, com quem nunca re- Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Em São Paulo, estudou na Escola
atou relações, ao contrário de Santoro e de Eunice. Como Radamés, Guerra- Municipal de Música e na Escola de Comunicações e Artes da USP. Estudou
Peixe manteve intensa atuação como orquestrador de música popular, ao lado flauta transversal com Wilson Resende, cravo com Terezinha Saghaard e piano
de suas principais atividades – as de compositor, professor de composição e com Sonia Albano e Amilcar Zani. Sob orientação deste último concluiu bacha-
pesquisador. relado e mestrado na ECA-USP. Em 2003 iniciou trabalho de técnica vocal com
Criadas em 1955, as Trovas capixabas servem-se de quadras publicadas por o tenor brasileiro Marcos Thadeu, continuado com Rosa Dominguez e Ulrich
Guilherme Santos Neves no Cancioneiro capixaba de trovas populares e afir- Messthaler (Basel – Suíça).
mam a adesão do compositor ao nacionalismo mariano. Ainda que breves, essas Eliana Monteiro da Silva fez Bacharelado em piano pela Faculdade de Música
Trovas demonstram um nível de elaboração pouco acessível ao ouvinte comum, Carlos Gomes e mestrado e doutorado pela Escola de Comunicações e Artes
mesmo com a presença constante da síncope. Abaixai ó limoeiro é polimodal; Ó da USP. Teve como professores de piano Walkyria Passos Claro, Roberto Sa-
lua que estás tão clara tem melodia suspensa, sem pontos de apoio ou cadên- bbag, Gilberto Tinetti, Heloísa Zani e Beatriz Balzim, com quem desenvolveu
cias conclusivas; Tanto verso que eu sabia é das poucas que apresentam um pesquisa de doutorado financiada pela FAPESP. É autora de livros, capítulos de
centro tonal, em ré maior; Ainda que o fogo apague é atonal, com acompanha- livro e artigos em português e inglês em periódicos como Opus, Hodie, Revista
mento baseado em arpejos em quintas; Vou-me embora utiliza tríades maiores Brasileira de Música e Concerto; participa de festivais e congressos no Brasil
e no exterior.
31
programação extraordinária
Formado por sete músicos e um artista visual – Cezar Altai, realizado no SESC em 2012, e em unidades da Caixa Cul-
Fernando Vilela, Ivo Senra, Pedro Sá Moraes, Renato Frazão, tural em 2014.
Sergio Krakowski, Thiago Amud e Thiago Thiago de Melo – o A partir de 2012, os artistas do Chama apresentam o pro-
Coletivo Chama marca espa- grama Rádio Chama, transmitido
ço na cena da nova música pela Rádio Roquette Pinto FM,
brasileira com seu espírito in- com um conceito bastante radical
quieto e busca constante em de diversidade musical, (do erudito
diálogo com a arte inventiva contemporâneo ao folclore africa-
de hoje e de sempre. no, da MPB ao free jazz europeu.
Desde 2011, o grupo Atualmente, o Coletivo está
promove uma programa- mergulhado numa curadoria de
ção cultural na qual se des- cinco espetáculos na Sala Funar-
tacam as quatro edições te Sidney Muller, como parte do
do festival anual “Brazilian projeto “Contemporâneos na Sala
Explorative Music”, que Funarte”, e na finalização do proje-
apresentou dezenas de ar- to de pesquisa “Música Chama”,
tistas brasileiros ao público com apoio da FAPERJ, para publi-
nova-iorquino; as edições car livro reunindo textos sobre sua
da série “Nascente e Foz”, atuação e sobre os questionamen-
realizadas em unidades da Caixa Cultural em 2014 e na tos em que está envolvido, dentro do universo da MPB, e
FLIP em 2015; o mini-festival Transversais do Tempo, para gravar o álbum “Todo Mundo é Bom”, o primeiro a reunir
com shows debates sobre música e cultura brasileira, canções de todos os seus artistas.
“A música popular brasileira tem poucos rivais no mundo, quando se trata de sofisticação estrutural. Isso não impediu que
pelo menos um grupo de exploradores se lançasse ao desafio de acrescentar ainda mais meandros. Os artistas do Coletivo
Chama empunham formas avançadas de construir, desmantelar e por vezes sacudir as bases de uma canção.”
Jon Pareles, NY Times
32
Há setenta anos o Brasil perdia um de seus maiores poetas, Homenagear, hoje, o legado musical de Mário de An-
pesquisadores e pensadores. O inventor de Macunaíma, drade significa para o Coletivo Chama a busca por uma
poeta da Paulicéia desvairada, investigador da língua bra- compreensão, ao mesmo tempo responsável e fértil, da
sileira, correspondente contumaz e turista aprendiz, partiu complexa teia de influências e negativas, projetos e ruínas,
jovem mas deixou como legado uma obra multifacetada e memórias e recalques. Não há saída fácil – especialmen-
ecos incontornáveis da missão que tomou para si – muitas te quando se almeja construir vidraças, mais do que atirar
vezes, reconhecia, em detrimento de sua própria realização pedras – para os dilemas que se colocam: que vida ainda
artística: a de formular e propagar um sentido de pátria, resiste nos arbustos já ressequidos do folclore, sob o sol in-
uma síntese, mais propositiva do que descritiva, das dife- clemente da novela das nove? Como conciliar a potência da
rentes vertentes que conformavam o jovem Brasil. herança MPBista que acolheu e incorporou tanto elemen-
Ao contrário do que preconiza o receituário pós-moder- tos “nobres” quanto matéria prima “de consumo imedia-
no – a valoração da multiplicidade espontânea de brotações to”, com esta estéril impressão de “fim da história”, onde
híbridas de expressões culturais, de modo geral afinados não há mais montanhas a escalar?
pelo diapasão “espontâneo” do pop – Mário, modernista Esta é uma das primeiras vezes que o Coletivo sobe ao
que era, acreditava em ambiciosas sínteses. Entre a tradi- palco em conjunto. Selecionamos a maior parte do reper-
ção e o futuro, o erudito e o popular, o negro e o europeu, o tório entre as gravações que estão nos dois LPs do pro-
ganzá e o pentagrama. Por seu envolvimento com políticas jeto “Mário – 300, 350” lançado pela Funarte em 1983 e
públicas na área de cultura, concebeu e coordenou exten- dividido em dois blocos fundamentais: um com obras de
sas pesquisas e a catalogação de formas musicais popula- Guarnieri e Mignone sobre poemas de Mário e outro com
res em todo o país. Parte significativa do conhecimento e seis belas canções em torno do romance da Nau Catarine-
do valor que conferimos a esses mananciais deve-se a esse ta, cuja diversidade de formas e exuberância mítica ilustra
esforço de décadas. bem a pesquisa folclórica de Mário, além de revelar um
Outra herança da relação de Mário com a música, me- grande arquétipo formador do Brasil, que é a navegação. O
nos difundida e valorizada, é sua influência na formulação show também passeia por outros estilos da predileção do
de caminhos para o que ele chamava de “música artística” pesquisador, como a modinha imperial e o coco da Zona da
nacional. Nela, técnicas e tendências estéticas europeias se Mata, e por canções contemporâneas que dialogam com a
entrecruzariam com a inspiração mítica, temática e formal do herança andradiana.
folclore. Embora, em retrospectiva, nos seja fácil olhar com Os arranjadores e diretores musicais – Ivo Senra e
distanciamento a prescrição segundo a qual “o artista só tem Thiago Amud – motivados pelas reflexões que esboçamos
que dar pros elementos já existentes uma transposição eru- acima, mergulharam no material com a liberdade e a insti-
dita que faça da música popular, música artística”1, também gação que só os pontos de interrogação permitem. O feixe
é fácil perceber quão ricos, expressivos, fundamentais são de luz-canção não mais se concentra com uma lente de
tantos dos resultados motivados por essa busca. Difícil, na aumento sobre uma síntese-nação unívoca, mas se refrata
verdade, é compreender como é exígua a difusão de obras pelo prisma das questões em suspenso, projetando nas su-
como as de Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, Lorenzo perfícies ao redor uma riqueza de geometrias e cores. Em
Fernandes e mesmo Villa Lobos, exceto entre círculos restri- busca desta abertura, são utilizadas estruturas desenvolvi-
tos de especialistas e connoisseurs. das na música de concerto contemporânea, como sentidos
Diria o poeta, sem papas na língua: “nós, modernos, escandidos de tempo, rompendo a lógica das quadraturas
manifestamos dois defeitos grandes: bastante ignorância e e compassos e a utilização de textura, ruído e aleatoriedade
leviandade sistematizada”2. Tomemos com doses de amo- em diálogo arquitetônico com os discursos tradicionais de
rosa cautela a verve crítica, virulenta, de Mário voltando-se versos, melodia e harmonia.
com frequência contra muito do que lhe chegava aos ouvidos Este show não é um empreendimento crítico e pode,
através do rádio ou da indústria de discos. Adjetivos como portanto, atirar-se no abismo de uma resposta sem dar
“popularesco” ou “submúsica”, usados para desqualificar a conta dos tantos argumentos e contra-argumentos que a
produção comercial contemporânea, indicam atitudes que boa dialética exigiria. Não nos consideramos, no entanto,
dificultam acompanhar e fazer justiça à complexidade do eximidos do diálogo com as estruturas e linguagens que
fenômeno MPB. 3 Ele brota na tumultuosa confluência entre vêm se combatendo e acumulando no campo da própria
agitação política e indústria cultural, num caldo formativo música. Foi necessário implodir cercados artificiais que
combinando educação formal e botequim, pau-de-arara e segregam popular e erudito; restabelecer a conexão com
vanguarda, e representa uma espécie de desdobramento uma linhagem de criadores brasileiros cujas obras perma-
tardio, ou canto do cisne, do projeto modernista. Uma voz necem vibrantes, ainda que seu projeto de nação tenha
– multifônica, às vezes cacofônica – brasileira, amplamente sido desconstruído; navegar rio acima em busca da seiva
compartilhada, combinando alto grau de realização artística, essencial do Brasil – confluência de mito e memória, po-
invenção, crítica e insight. roroca enfurecida de “nosso” e “alheio” – e rio abaixo, le-
No entanto, como é da natureza de tudo que é moder- vando notícias da Nau Catarineta para um futuro tanto mais
no, também esse fenômeno paulatinamente se dissolveu. ansiado quanto insondável.
Embora artistas de enorme talento sigam criando obras Pedro Sá Moraes
muito potentes, seu alcance, de modo geral, é restrito a
pequenos nichos. Impulsionado pelo diapasão surpreen-
dentemente consonante de rebeldia estético-política e de-
mandas cada vez mais conservadoras da indústria cultural,
o campo representado pela sigla MPB foi gradativamente 1 ANDRADE, M. de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo:
conformando-se ao imediatismo da recepção, da eficácia Martins, 1972, 3a ed., p.16.
comunicativo-comercial. Desenvolveu-se um novo crivo tá- 2 idem, p.13.
cito, que acolhe umas tantas coisas e estigmatiza formas 3 GONZÁLEZ, J. P. “Carne para alimento de rádios e discos o
que provoquem além de um certo nível de estranhamento, conceito de música popularesca na obra musicológica de Mário
ou que exijam maiores esforços de atenção, numa era em de Andrade”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, v. 57,
que seu déficit torna-se norma e não desvio. 2013, p. 139–160.
33
Governo do Estado da Bahia
governador Rui Costa
Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social
secretário Geraldo Reis
Escola de Música
diretora Maria José Chevitarese
Setor Artístico
diretor adjunto Marcelo Jardim
violinos Adonhiran Reis, Fábio Peixoto, Felipe Prazeres e Marco Catto Ribeiro (spallas); Amanda Tavares,
Ana Judith Catto Ribeiro, André Bukowitz, Andreia Carizzi, Angélica Alves, Arthur de Andrade Pontes,
Caroline de Santa Rosa, Felipe de Souza Damico, Fernando Matta, Her Agapito, Inah Kurrels Pena,
Kelly Davis, Leonardo Bandeira, Marília Aguiar, Marcos Vinícius da Silva Graça,
Maressa Neves Portilho, Mauro Rufino, Ranan Antonini, Ricardo Coimbra,
Sarah Cesário, Sonia Katz, Talita Vieira, Thierry de Lucas Neves
violas Carlos Eduardo Batista Tavares, Cecília Mendes, Erick das Neves Alves, Francisco Pestana,
Ivan Zandonade, Jessé Pereira, Rúbia Siqueira, Thaís Mendes
violoncelos Diogo Moura de Souza, Eleonora Fortunato, Gretel Paganini, Liana Meirelles Paes, Mateus Ceccato,
Marzia Miglietta, Murillo Gandine Gonçalves, Paulo Santoro, Ricardo Santoro
contrabaixos Larissa Coutrim, Rodrigo Favaro, Saulo Generino, Tarcísio Silva, Voila Marques
sopranos Aline Talon, Kamille Távora, Crislaine Hildebrant Netto, Luísa Kurtz, Isabela Cristina Freitas, Isabela Oliveira,
Juliana Sampaio, Luísa Lima, Marcela Melo, Mariana Gomes, Marilda Sant’Anna, Priscila Bastos, Tatiana Nogueira
mezzos Beatriz Simões, Carla Antunes, Francielle Idala Dias, Hosana Aguiar Fernandes, Susan Cruz,
Maria Vitória Ferreira Borges, Telma Pará, Helena Lopes, Rafaela Fernandes
tenores Anderson Bruno de Azevedo, André Novaes, Bruno Anjos, Edmundo Cardoso Filho, Felipe Tenório,
Christopher Morgado, Guilherme Fonseca, Guilherme Moreira,
Roberto Monteiro Salles, Zangerolame Tabosa.
baixos Felipe Naim, Fernando Lourenço, Gabriel Giacomini Moura, Gilmar Garantizado, Kaique Stumpf,
Leon Nascimento, Leonardo dos Santos Soares, Marcelo Coelho, Ullisses Areias César
35
Universidade Federal Fluminense
Reitor Prof. Sidney Luiz De Matos Mello
Vice-Reitor Antônio Cláudio Da Nóbrega
Centro de Artes
Superintendente Leonardo Guelman
Coordenador de Música Márcio Selles
Chefe da Divisão de Música Sinfônica Águeda Sano
violinos I Anderson Pequeno e Tais Soares (spallas), Leonardo Fantini (concertino), Álvaro Teixeira, Carlos Weidt, Elisa Pais, Giseli Sam-
paio, Holly Katz, Juan Marcelo Capobianco, Luisa de Castro**, Tomaz Soares**, Vera Kingkade
violinos II Deivison Branco, Daniel Andrade, Juliana Fernandes**, Keeyth Vianna, Ladislau Brun,
Priscila Araújo, Rubem de Oliveira, Sônia Nogueira
violas Fernando Thebaldi, Stoyan Gomide, Carlos Fernandes, Daniel Prazeres, Diego da Silva, Reneide Simões, Tina Werneck
violoncelos Diana Lacerda, , Marcus Ribeiro, Daniel da S. e Silva, Gabriela Sepúlveda, Henrique Drach,
Hudson Lima, Janaina Salles, Luciano Corrêa, Ronildo Alves
contrabaixos Raul d’Oliveira, Clay Protásio, Jorge Oscar, Lise Bastos**, Natália Terra
flautas Murilo Barquette, Andrea Ernest Dias, Helder Teixeira**
oboés Jeferson Nery, Moisés Maciel
clarinetas Anderson Alves, Marcio Costa
fagotes Otacílio Lima, Marcos Campos, Cosme Silveira**
trompas Marcos Vilas Boas, Geraldo Alves, Waleska Beltrami
trompetes Flávio Melo, Nelson Oliveira, Delton Braga, Elias Vicentino
trombones Sérgio de Jesus, Ezequiel Alexandre, Jorge Leite, Luiz Augusto Pereira
tuba Carlos Veja
percussões André Santos, Karla Bach**, Paulo Bogado, Nirailton Nascimento, Sérgio Naidin
harpa Vanja Ferreira
36
Sobre a Funarte Bienal de Música Brasileira Contemporânea
A Fundação Nacional de Artes – Funarte é uma institui- As Bienais de Música Brasileira Contemporânea foram
ção do Governo Federal vinculada ao Ministério da Cul- criadas, em 1975, por Edino Krieger e Myriam Dauel-
tura. É responsável pelo desenvolvimento, em todo o sberg, com apoio da sala Cecilia Meireles, palco privi-
Brasil, de políticas públicas de fomento à música, às legiado desses eventos que já ocuparam diversos ou-
artes cênicas (teatro, dança e circo), às artes visuais tros espaços no Rio de Janeiro. A partir de 1981, elas
e às artes integradas. Seus objetivos principais são o passaram a ser organizadas pelo Centro da Música da
incentivo à produção e à capacitação de artistas, ao Funarte. Criadas num ano ímpar, elas foram realizadas
desenvolvimento da pesquisa, à preservação da me- sem interrupção desde sua primeira edição.
mória e à formação de público para a manifestação das As obras que apresentam passam por critérios de
artes no país. Para o cumprimento dessa missão, a Fu- seleção, em geral envolvendo concursos lançados no
narte concede bolsas e prêmios, mantém programas ano de realização de cada evento. A partir de 2010,
de circulação de artistas e de bens culturais, promove foi decidido que a seleção seria feita nos anos pares,
oficinas para reciclagem e atualização de gestores e envolvendo tanto concurso como encomendas.
de dirigentes de órgãos culturais e artísticos, fornece O mecanismo do concurso é relativamente sim-
consultoria técnica e apoia eventos artístico-culturais ples: lançamos um edital para obras inéditas, divididas
em todos os estados brasileiros e no exterior, além de em seis categorias, da orquestra sinfônica ao solo,
manter espaços no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas com as especificações necessárias e pagamentos di-
Gerais, Distrito Federal e no Recife. Sua atuação, em ferenciados para cada caso. As partituras recebidas
consonância com as secretarias do Ministério da Cul- são analisadas por uma comissão de compositores
tura, é exercida através de quatro Centros: Centro de e de regentes designada pela Funarte. Em 2014, 316
Artes Cênicas (incluindo circo, dança e teatro), Centro compositores propuseram 454 partituras, 37 das quais
de Artes Visuais, Centro de Programas Integrados e foram selecionadas; uma delas foi posteriormente
Centro da Música. desclassificada, quando constatamos que já estava
O Centro da Música/Cemus está dividido em três sendo divulgada pela internet desde 2013, em frontal
coordenações, voltadas para as bandas, a música eru- desacordo com o ineditismo exigido pelo edital.
dita e a música popular, numa separação mais formal As encomendas demandam uma engenharia mais
do que real, em função dos trabalhos conjuntos que sofisticada. Para evitar favoritismos, procuramos cri-
efetuam. As ações são realizadas tanto por meio do térios de seleção que tenham alguma objetividade.
lançamento de editais públicos como a partir de pro- Em 2010, foram encomendadas obras a compositores
gramas específicos, que objetivam a edição de livros que participaram de 14 ou mais Bienais. Como esse
e de gravações sonoras; o apoio a festivais, apresen- critério não poderia mais ser repetido, em 2012 defi-
tações e mostras de música; o fomento à criação e à nimos um colégio eleitoral formado por compositores
produção de obras, produtos e projetos; a distribuição que participaram de cinco ou mais Bienais e por regen-
de instrumentos de sopros a bandas de música; o es- tes que nelas dirigiram duas ou mais obras sinfônicas.
tímulo à circulação e divulgação de trabalhos musicais Cada membro desse colégio indicou 10 nomes; as
diversificados; a qualificação e difusão de conheci- encomendas foram atribuídas aos mais votados. Em
mentos e a capacitação, aperfeiçoamento, reciclagem 2014, o colégio eleitoral foi ampliado com a inclusão
e circulação de artistas e técnicos; a realização de cur- de professores de composição em cursos universitá-
sos de breve duração; a promoção e participação em rios de música.
debates sobre políticas públicas para a área musical. As obras apresentadas são gravadas e depositadas
em nosso Centro de Documentação. A partir de 2013,
passaram também a ser filmadas para divulgação na-
cional e internacional. As páginas seguintes trazem in-
formações estatísticas sobre a quantidades de obras
e de compositores que se apresentaram em todas as
edições da Bienal.
Mais informações sobre a Funarte podem ser en-
contradas no site www.funarte.gov.br, que traz seções
relacionadas aos Centros. O contato com o Centro da
Música pode ser feito através do e-mail cemus@funar-
te.gov.br e pelo telefone (21) 2279-8107.
37
Tabela A Tabela B
34 compositores concursados, 30 compositores contemplados
por ordem alfabética com encomenda de obra, por votos recebidos
38
Tabela C
64 compositores de obras encomendadas e concursadas, por Unidade de Federação
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Tabela D
Participação de 439 compositores
nas 21 Bienais de Música Brasileira Contemporânea
(a segunda coluna informa a quantidade de Bienais e de obras por compositor)
* Compositores falecidos
** C ompositores apresentados pela primeira vez em Bienal
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Radio MEC
A Rádio MEC, desde sua fundação, teve a música clás- do acervo da emissora, e foram fundamentais para o re-
sica como base de sua programação musical. Alguns de gistro de diversas obras de compositores brasileiros. Mui-
seus programas fazem parte da história da música bra- tas dessas gravações foram transcritas para LPs e para
sileira, como Música e Músicos do Brasil, no ar há mais CDs, pela Funarte e pela Associação de Amigos da Rádio
de 50 anos. Esse perfil foi herdado pela MEC FM, que MEC. Está planejada a digitalização e disponibilização do
há 30 anos veicula gravações e programas ao vivo com acervo da emissora.
nossos mais importantes compositores e intérpretes. Espaço desde sempre aberto para a difusão da mú-
A lista de encontros e tangências pode começar com sica − em especial da brasileira −, a Rádio MEC FM
o maestro Edino Krieger, criador das Bienais, que por mui- está presente nessa XX Bienal mediante a organização
tos anos foi produtor atuante na emissora. De sua atua- de programas especiais trazendo as obras apresenta-
ção como divulgador de obras de compositores brasilei- das em eventos passados e, de novembro a dezembro
ros, destacam-se, entre outras realizações, a produção do próximos, as ouvidas na atual Bienal.
programa Música Viva, com H. J. Koellreutter, desde os Acessos: por e-mail − ouvinte@radiomec.com.br; pela
anos 1940; a criação da Orquestra Sinfônica Nacional e as internet − www.radiomec.com.br; pelo Facebook −ht-
gravações por ela realizadas, que figuram como raridades tps://www.facebook.com/radiomecfm
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