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TEXTOS

Pensar, escutar e ver na


clínica psicanalítica
uma releitura de "Construções em análise"

Luis Cláudio Figueiredo

Um instigant� diálogo entre a filosofia, aqui representada pela análise


heideggeriana do Princípio de Razão, e a psicanálise, em especial na
atividade de construção como "dispositivo desrealizador''.

presente trabalho dá continuidade às minhas grande valia2. Será, portanto, a partir das meditações
elaborações acerca da escuta e da fala na heideggerianas que empreenderei uma releitura do texto
,,,...•. ..,., • . ,�
-" clínica psicanalítica, inspiradas no pensa­ de Freud "Construções em análise", efetivando mais uma
\Iíl��f!'í menta ele Heidegger1. Aqui, novamente, a das "pontes e intercessões" entre a psicanálise e a
presença de Heidegger é tão forte e penetrante que me filosofia de Heidegger, tal como sugerido em Escutar,
dispensarei ele citá-lo a cada passo. Que fique, portanto, recordar, dizer.
apenas registrada a minha dívida, principalmente no que
concerne a parte inicial do tex�.o, ao curso Der Satz vom
Grund, freqüentemente traduzido como O Princípio de
Razão. Oqtros textos, tais como Serenidade e Para servir
de comentá1-io a Serenidade, também me foram de

81 Percurso n" 16 - 1/1996


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O Princípio de Razão e o plena abjetidade. Vê-se, portanto, dar razões é elaborar proposições
pensamento representacional facilmente que é G1 abjetidade de um que explicitem os enlaces ele um
objeto, que garante para cada algo evento com outros no contexto dos
A concepção predominante do um ser verdadeiro ("real'', não ilu­ quais o primeiro revela um sentido.
pensar em toda a nossa tradição sório ou meramente sonhado) e que Através deste procedimento inter­
filosófica ocidental e, muito espe­ esta abjetidade depende, por seu pretamos algo; neste momento, o
cialmente, na filosofia dos tempos turno, da aptidão deste algo deixar- "evento" interpretado deixa definiti-
modernos faz coincidir o vamente de ser um mero
exercício do pensamento evento para se mostrar
com a elaboração e manejo como um signo (como si­
de representações. Median­ nal ou como expressão,
te as representações o sujei­ para usar os termos de
to traz seus objetos para Husserl na primeira das
diante de si de forma a po­ Investigações lógica�),
der contemplá-los na dis­ que nos remete a outros
tância certa em que possam signos. De uma forma ou
ser reconhecidos, previstos, de outra, explicando ou
manipulados, etc. A fala interpretando mediante
propositiva, em que se en­ proposições, o sujeito co­
laçam sujeitos e predicados, nhecedor estará submeti­
é, por sua vez, concebida do ao que Leibnitz cha­
como a expressão perfeita mou de o mais elevado
do pensamento r e p r e­ princípio da filosofia: o
sentacional. A proposição é Princípio de Razão - nada
tomada como verdadeira é sern unia razão, ne­
quando, em primeiro lugar, nhum algo subsiste sem
"'
o enlace é considerado legí­ razões .
timo, ou seja, adequa-se à Como se percebe,
realidade das coisas, isto é, para que algo seja e possa
às relações entre algo e suas ser tomado como verda­
propriedades. Em acréscimo, cada se incorporar a um sistema repre­ deiramente sendo será preciso en­
proposição deve articular-se de for­ sentacional que, em última instân­ contrar sua razão (de ser). Portanto,
ma não contraditória a outras pro­ cia, repousa numa subjetividade para nos assegurarmos de que algo
posições, formando um sistema epistêmica: é o sujeito que cons­ verdadeiramente seja, devemos nos
coerente e íntegro, para que cada tru indo seus sistemas r epre­ esforçar para procurar e prover as
uma das 12roposições do sistema se sentacionais dá fundamento às coi­ razões, pois só as razões oferecidas
estabeleça como uma proposição sas que verdadeiramente são, que na forma de explicações causais ou
verdadeira. Quando isso ocorre, dá fundamento aos entes que são funcionais ou na forma de interpre­
cada fenômeno visado numa pro­ tomados como verdadeiramente tações poderiam dar subsistência
posição adquire plena consistência, sendo. aos fenômenos assegurando-lhes
vale dizer, quando isso ocorre, o Ora, integrar um fenômeno a uma sólida o�jetidade. Segundo
sujeito sente-se perfeitamente segu­ uma trama ele eventos e sentidos é este princípio, estaríamos totalmen­
ro de que lida com algo que real­ dar as razões do fenômeno. Dar as te justificados em duvidar da verda­
mente é, com algo que, integrado a razões do fenômeno, dando-lhes a deira realidade de algo para o que
um sistema de algos, tem a consis­ garantia de uma o�jetidade própria, não fossem dadas razões, não im­
tência própria de um o�jeto. Este é o que fazemos quando elabora­ portando se estas razões virão na
algo-que-verdadeiramente-é como mos proposições explicativas e/ou forma de explicações ou de inter­
pura abjetidade tornou-se imedia ta - proposições interpretativas. No pri­ pretações. É claro que há diferenças
mente inteligível G!O ser integrado a meiro caso, dar razões é explicitar importantes entre estas duas opera­
um sistema não contraditório de os enlaces de uma coisa com outras ções: quando as razões são dadas
proposições em que cada objeto ele que é função ou, para usar uma na forma de uma interpretação, elas
ocupa um lugar numa trama de linguagem mais antiga, com outras aumentam nossa compreensão do
eventos e de sentidos. Em contra­ que figuram como as suas causas. fenômeno, mas não ganhamos nada
partida, é exatamente esta integra­ Através destes procedimentos, ex­ em termos ela capacidade de prevê­
ção que garante para cada algo sua plicamos algo. No segundo caso, lo e controlá-lo; já as razões dadas

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na forma de explicações garantem tivas e interpretativas convincentes. numa realidade sólida e íntegra:
um incremento em nossa capacida­ Tomamos como realidade o con­ para isso olhamos e escutamos com
de de prever e exercer o domínio. junto articulado de fenômenos para um pouco mais de atenção do que
Por este motivo, muito provavel­ os quais esperamos pacificamente o habitual para descobrirmos as ra­
mente, tende-se a privilegiar a ex­ que, mais cedo ou mais tarde, ra­ zões do "acidente". É o mesmo tipo
plicação sobre a interpretação; é zões serão dadas. Realidade é, as­ de ver e escutar, só que praticadp
como se previsão e controle - ou sim, o campo em que transitamos de forma metódica e perseverante,
seja, o exercício da técnica - que está presente no
fosse a prova dos nove onto­ fazer das ciências:
lógica: um fenômeno plena­ aqui, ativamente, pro­
mente objetivo seria, em últi­ curam-se fenômenos
ma análise, e x p licável, que propiciem novos
previsível e controlável e só enlaces, procuram-se
assim estaria totalmente asse­ fenômenos que corro­
gurada a sua abjetidade. No borem enlaces hipote­
entanto, supõe-se que, na im­ tizados ou mesmo pro­
possibilidade de garantir este curam-se fenômenos
grau máximo de objetivação, que testem e eventual­
pelo menos que se garanta a mente refutem enlaces
inteligibilidade interpretativa, conjeturais. Todos es­
também ela regida pelo Princí­ tes são procedimentos
pio de Razão. Muitos esperam que atrelam o ver e o
inclusive que uma interpreta­ ouvir ao que diz o
ção possa ir se desdobrando Princípio de Razão:
até converter-se em explica­ nada é sem uma razão
ção. Esta crença é muito co­ suficiente. Aparente­
mum no que concerne os fe­ mente, o ver e o escu­
nômenos h i st ó r i cos: uma tar teóricamente signi­
narrativa, por exemplo, d e iní­ ficativo só podem ser
cio torna inteligível um fenô­ o ver e o escutar no
meno revelando-lhe ou atri­ tranquilamente porque, dados os contexto da tarefa de
buindo-lhe algum sentido no con­ enlaces possíveis entre os diversos prover as razões de cada fenômeno
texto de um dado processo; no en­ fenômenos, poderemos sempre ir para torná-lo plenamente objetivo.
tanto, à medida que a narrativa his­ de um a outros sem quedas nem Não há clüvicla que é assim que os
tórica se adensa, poderíamos ver obstáculos insuperáveis.Realida­ cientistas procedem a maior parte
surgir nela algumas regularidades de, em termos fenomenológicos, é do tempo.
que-num plano de maior abstração onde vivemos e nos apoiamos sem Em que medida a clínica psica­
- a vão tornando aos poucos uma sobressaltos nem surpresas dada a nalítica está, também ela, submetida
explicação genética, em que algo é solidez de seus objetos e dada a ao Princípio de Razão? Em que me­
explicado pelas suas origens. perfeita integração e harmonia en­ dida a clínica psicanalítica realiza-se
O campo total dos fenômenos tre eles. através do proferimento de propo­
integráveis a uma trama explicativa O ver e o escutar podem ser, sições explicativas e interpretativas
ou interpretativa, para os quais po­ também eles, movidos exclusiva­ no sentido acima indicado?
demos oferecer razões e que, assim, mente pelo Princípio de Razão. Ver
são dotados de o�jetidade é o que e escutar na busca de razoes parece
Kant entendia por natureza e que, caracterizar a maior parte de nossas O Princípio de Razão e a
mais amplamente podemos· chamar atividades perceptivas cotidianas clínica psicanalítica
de realidade. Dar razões é o modo sempre que nos defrontamos com
intelectual de re-constituir o que algo relativamente novo ou um Uma leitura de alguns textos de
experimentamos como realidade; pouco fora ele lugar. Embora na Freud, principalmente certos casos
inversamente, esperar razões ou realidade cotidiana isto ocorra rara­ clínicos, poderia nos levar a pensar
procurar razões é o modo de �pos­ mente, quando ocorre procuramos na interpretação tomada como re­
tar na realidade e acreditar na rea­ espontaneamente reduzir o inespe­ constituição do tecido de razões.
lidade mesmo antes de elaborarmos rado ao já conhecido para recon­ Tratar-se-ia, tanto para o analista
ou escutarmos proposições explica- quistar rapidamente a confiança como para o paciente, a quem se-

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riam comunicadas em tempo opor­ Ora, é exatamente isso que uma série de incidentes envolvendo
tuno as interpretações psicanalíti­ Freud relata fazer em ceitas ocasiões, psicanalistas cujas interpretações
cas, de esclarecer, tornar inteligível o que confirmaria a suspeita de que realizaram memórias infantis de
mediante ligações e religações, o e l e tanto constrói suas teorias caráter traumático gerando denún­
como trata seus cias de abusos sexuais inexistentes.
pacientes no Criou-se até nos EUA uma socieda­
plano e m que de de pessoas lesadas pela implan­
impera o Princí­ tação de falsas memórias através de
pio de Razão e interpretações realizadoras.
em que o ver e Tudo que foi apresentado nos
escutar estão últimos parágrafos poderia nos le­
completamente var a concluir que na psicanálise
s u b m e t i dos a freudiana há um predomínio do
este Princípio. Princípio de Razão, o que lhe claria
Se assim fosse uma feição nitidamente intelectua­
as falas inter­ lista. Não apenas dar razões estaria
p re t at i v a s na tornando inteligível o material clíni­
psicanálise de­ co e promovendo os fenômenos
veriam ser vis­ assim racionalizados à condição de
tas como falas realidade objetiva, como dar razões
realizadoras. teria no contexto clínico uma eficá­
Elas seriam efi­ cia curativa ou, ao menos, transfor­
cazes na medi­ madora.
da em que par­ No entanto, nem creio que a
ticipassem da clínica psicanalítica tenha de fato a
constituição de ver com o Princípio de Razão, nem
uma (nova) rea­ que a única leitura da obra freudia­
material clínico disperso nos so­ lidade. Esta nova realidade seria na seja esta em que ele comparece
nhos, nos atos falhas, nas l embran­ ortopédica, em relação à realidade como um puro herdeiro da tradição
ças e nas amnésias, nos sintomas original defeituosa, ou francamente dominante no Ocidente, embora,
etc. Estas ligações e religações de­ substitutiva, caso em que já não naturalmente, ele seja também isto.
veriam ser capazes de convencer, poderíamos diferenciar a psicanáli­ É claro que enquanto teórico Freud
seja pela explicitação de mecanis­ se de qualquer procedimento de não poderia nem deveria escapar às
mos e processos operantes na pro­ sugestão. No primeiro caso, esta­ exigências de dar as razões de seus
dução do material - o que os ex­ riam os preenchimentos das lacunas objetos. Esta exigência decorre tan­
plicaria - seja pela construção de na história de vida, a superação das to ele uma necessidade pessoal do
narrativas historicizantes plausíveis amnésias que tomam as narrativas teórico, que é a de construir mode­
- o que os interpretaria e, even­ de si incompletas e capengas. As los aptos a tornar inteligível sua
tualmente, os explicaria em termos interpretações permitiriam então a prática, como da necessidade de
genéticos. Uina interpretação assim reordenação e completamento des­ expor suas idéias a outros de forma
concebida conduziria naturalmente tas narrativas. Já a substituição de convincente. O teórico, em qual­
o psicanalista a tentativas de argu­ uma realidade por outra seria como quer área em que atue, precisa ar­
mentar com o paciente de forma a uma sugestão sem hipnose , susten­ gumentar e uma argumentação só
que as razões oferecidas pudessem tada, talvez, na força dos vínculos progride quando são oferecidas e
ser efetivamente aceitas e incorpo­ transferenciais. Novamente aqui o aceitas as razões. É possível que em
radas à consciência que o paciente leitor de Freud poderia verificar que muitas ocasiões possa ter havido
tem de si mesmo. Como certos ar­ numa certa época ele usou explici­ uma certa confusão entre, de um
gumentos pressupõem um alto grau tamente de procedimentos realiza­ lado, a construção das teorias e sua
de abstração, pois só se tornam dores, no sentido acima especifica­ difusão racional, em que a tarefa de
convincentes no contexto de um do, e de q u e muitos de seus dar razõesé imperativa, e, de outro,
dado modelo teórico, o psicanalista segu idores parecem n u n c a ter a clínica. No entanto, procurarei
precisaria com freqüência ensinar abandonado de todo as práticas de mostrar no que segue que afala em
teoria a seus pacientes para que eles sugestão, mesmo que dissimuladas. psicanálise não tem essencialmente
entendessem as razões dadas e se Atualmente, por exemplo, a im­ uma.função realizadora, que inter­
convencessem delas. prensa americana tem divulgado pretar em psicanálise não é essen-

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cialmente fazer ou refazer ligaçôes heterogêneo. Para pensar a emer­ que deixa ouvir. Assim sendo, o
e que o ver e o escutar eni análise gência desta irrupção - ou, na outra pensamento não representacional
não são meramente acessórios da acepção do verbo pensar, a de cui­ - o penso - não pode proceder
tarefa principal de dar, esperar ou dar e tratai� para pensar esta fratu­ pelo estabelecimento de ligações
procurar razões. ra no que tem ele propriamente
- explicativas ou i nt erpretativas em
surpreeendente, o pensamento que o ser compareça como causa,_
..
representacional não nos ajuda em motivo, intenção, etc., ou. seja, sob
Para além da exigência de nada. Ele, no máximo, seria capaz qualquer figura nomeável. Pen­
dar as razões ele religar o novo ao já sabido de sar o ser como puro envio e retrai­
forma a garantir uma nova homo­ mento é simplesmente e serena-
Dar e procurar razões, como geneização do
meio de reconstituir o tecido homo­ tecido cb reali­
gêneo da realidade sempre que ele dade. Será pre­
eventualmente se esgarça, respon­ ciso, assim, li­
de à m.uito humana necessidade de berar o pensar
apoiar-se tranquilamente em coisas desta tutela ao
sólidas e bem ajustadas umas às Princípio de Ra­
outras para poder sobre elas e zão para colo­
entre elas transitar sem susto. Na cá lo à disposi­
-

ausência destes apoios sentimo­ ção de um vere


nos arriscados a desabar em abis­ de um escutar
mos incalculáveis, a tropeçar em eles mesmos li­
obstáculos incontornáveis. Renun­ bera d os. Ao
ciar ao pensamento como constru­ invés de vere es­
ção e manejo de representações cutar na expec­
implica, porta nto, na capacidade tativa e n a pro­
ele enfrentar estes riscos. Por que, cura ele razões,
em sã consciência, valeria a pena ver e escutar o
correr estes riscos? Por que, em q u e é a i nda
outras palavras, valeria a pe n a puro movimento
abrir mão d a tranqüila residência de tornar-se fi­
numa sólida realidade? E se é que gura desde um
vale a pena esta dolorosa renún­ fundo que é
cia , como proceder? nada do ponto de vista dos entes já mente renunciar a todas as imagens
Todas estas questões ainda se constituídos, mas que é um nada e formas preco ncebidas para dei­
clei..-xam formular segundo o Princí­ 'pleno': o nada é um vazio de entes, xar-se afetar pelo que irrompe des­
pio de Razão: "por·que isto, por que de formas e figuras, mas não é só de este fundo ele virtualidades e
aq uilo ? No entanto, elas sugerem
" vazio, é também uma discreta ple­ responder aos enigmas que daí se
que algo possa ser experimentado nitude , nos ensina Heidegger nas vão constituindo e impondo. O
na ausência desta exigência de dar últimas l iç ões do curso Der Satzvom pensar da serenidade é o simples­
as razões. Grund. Esta plenitude, fonte virtual mente manter-se à espera, na aber­
Antes de nos serem exigidas de todas as figuras, mas que do tura de onde os entes são destina­
razões para isto ou aquilo, isto o u ponto de vi s ta elas figuras é nada, dos à figu rabilidade .
aquilo já se i m pôs a nós como um esta plenitude resguardada é o que A fala é, neste caso, já não mais
sendo. Não, necessariamente, como Heidegger chama de o ser como a da proposição considerada como
um sendo determinado, como um puro envio e retraimento. Escutar e aquilo que enl a ç a sujeitos e predi­
algo reconhecível e interpretável se­ ver o que ainda não é - o que ainda cados e se enlaça a outras proposi­
gundo nosso repertório pr évio. An­ não se con-figurou - é escutar e ver ções. É a fala fenomenalizadora
tes ele mais nada, contudo, a lgo teve o ser n a sua condição ele possibil i­ que responde à escuta do inaudível
ele i mpor se
- a nós como um sendo tador para que algo seja. O ser, e à visão do invisível dando uma
enigmático que irrompeu como porém, no mesmo movimento que figurabilidade mínima para que, an­
corpo estranho no tecido homçigê­ nos dá algo, se retrai, se esconde, tes de qualquer objetivação e racio­
neo da realidade, criando neste te­ se deixa esquecer. 'É' sempre como n aliza ç ão algo possa vir a ser, para
,

cido algo que é buraco e excrescên­ o fundo invisível de onde se desta­ que algo se mostre. Se ainda cabe
cia, criando, enfi m, o e�paço do cam as figuras ; 'é' sempre o silêncio aqui falar em proposição, será ape -

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nas no sentido mais original do Heidegger diferencia Gegens­ Será que a clínica psicanalítica
termo, elucidado em Ser e Tempo tand- traduzido por objeto, aquilo procede de outro modo, daquele
(§ 44): a pro-posição como o que que eu ponho diante de mim me­ modo intelectualista a que parecem
põe algo adiante para ser visto, diante uma re-presentação (vor-stel­ levar certas leituras da obra freudia­
como o que dá a ver. Esta fala não lung) - de gegenüber. Gegenüber, na, promovendo ligações e religa­
é em absoluto uma fala realizadora que o francês traduz como "en ções, proferindo interpretações rea­
no sentido acima mencionado. Ao face'', é com o que eu me deparo lizadoras? Ou será que, em que
contrário, é uma fala ir­ pese o fato de todas as
realizante que eles-contex­ teorias psicanalíticas esta­
tualiza, clestece a realidade rem comprometidas com
homogênea para acolher o o Princípio de Razão (e
heterogêneo, o surpreen­ como poderia ser diferen­
dente. É uma fala, contudo, te?), na clínica estas mes­
surrealista, no sentido - mas teorias são dispositi­
explicitado por André Bre­ vos desrealizantes, dis­
ton no manifesto ele 1924 positivos aptos a sonhar
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- de super-naturalista : a mais elo que a prever e
figura recém-formada, re­ calcular, como costuma
cém-acolhida tem os con­ acontecer com a teorias
tornos nítidos das imagens científicas convencionais?
de um quadro de Salvador Parece-me que, de fato, as
Dali, tem a nitidez hiper­ teorias psicanalíticas, in­
realista ele objetos que se d e p e nclen temente ele
destacam do fundo e pren­ como estejam construídas,
dem a atenção exatamente têm um estatuto cognitivo
porque não eram espera­ completamente distinto
dos ali, naquele contexto. elas demais teorias cientí­
Como nos quadros surrea­ ficas. Não se trata apenas
listas, figuras hiper-nítidas de dizer que elas são so-
mostram coisas reconhecí- mente dispositivos heurís­
veis em formas surpreendentes e porque se apresenta a mim; para ticos destituídos de estatuto ontoló­
em combinações bizarras gerando enfatizar o étimo übe1� poderíamos gico - metáforas ou ficções neces­
um efeito ele sonho. Quebra-se a traduzir gegenüber como o que se sárias - capazes ele conduzir a
realidade homogênea para dar es­ abate sobre mim, como o que baixa pesquisa elo inconsciente e ele tor­
paço à irrupção fugaz de um real - à minha frente, interrompendo o nar inteligíveis os dados da clínica,
melhor dizendo, de um super-real. meu trànsito fluente pelas provín­ no que, de resto, elas não seriam
Apenas do encontro com este su­ Gegenüber. "ti­
cias ela realidade. necessariamente distintas de qual­
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per-real onírico pode a realidade nha uma pedra no meio do cami­ quer teorização . Trata-se de afirmar
sair transformada porque só destas nho". Gegenüber: é a coisa que se que elas servem para des-realizar,
figuras de sonho - que escapam mostra por si mesma e fora do para construir novos sonhos e, ne­
radicalmente ao império elo Princí­ alcance das minhas crenças e ex­ les, propiciar um ver e um escutar
pio de Razão - pode-se fazer uma pectativas, é a coisa in die Stille, liberados do Princípio ele Razão.
experiência no sentido preciso do repousando em si mesma e não nos Para justificar esta tese, _aparen­
termo, o da recepção de impressões meus poderes de sujeito da repre- temente contrária à realidade histó­
- 6
originárias. As figuras recém-confi­ sentaçao . rica da psicanálise e certamente
guradas, em que pese sua nitidez, O paciente neurótico sofre de contrária ao bom senso, e também
não têm a abjetidade daquilo que é excesso de realidade. Falas surrea­ para ilustrar o que seria um proce­
na realidade. As figuras recém-con­ listas são necessárias para abrir neste dimento des-realizante, farei em se­
figuradas realizam aquela finalidade denso tecido homogêneo alguns in­ guida uma breve exposição comen­
da obra ele arte que "é a de dar uma tervalos. A eficácia analítica da inter­ tada ele um el o s d e r r a de i r o s
sensação do objeto como visão e pretação não pode ser, esssencial­ trabalhos de Freud, "Construções em
não como r e c on h e c i m e nt o" mente, a de realizar, mas a de Análise", de 19378. Meu objetivo não
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(Chklovski) , quebrando os auto­ irrealizar, introduzindo o espaço elo é o de procurar em Freud uma
matismos de que a realidade coti­ heterogêneo, fabricando o estranho, autorização para as idéias aqui
diana é feita. acolhendo o que não pertence. apresentadas, mas o de mostrar que

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em sua obra podem-se encontrar ção do esquecido para posterior mentar o material recolhido para, à
elementos para desfazer a crença de apresentação ao paciente. Ora, o moda do minerador, retirar o ouro
que a clínica psicanalítica ignora próprio termo construção parece puro da massa ele lama e pedras
modos de pensar, escutar e ver sugerir uma atividade racional e ra­ sem valor. É o que se faz, afinal de
totalmente liberados do Princípio cionalizante: a
de Razão. de construir ou
reconstruir o te­
cido da realida­
As construções em análise de. Assim sen­
como dispositivos do, estaríamos
desrealizadores sem d ú vi d a
empenhados
O texto ele Freud, um cios úl­ numa t a refa
timos publicados em vida, tem realizadora.
como ponto de partida uma ques­ Eis que nes­
tão: como lidar com o sim e com te momento
o não do paciente diante de uma alguma coisa
interpretação? A questão precisava muda. Freud
ser respondida para que se pudes­ aproxima, e não
se enfrentar uma crítica freqüente é pela primeira
à psicanálise, a de que, não im­ vez que o faz, o
portando o que o cliente disses­ métier do psica­
se, o psicanalista estaria sempre nalista elo métier
com razão. Em outras palavras: a cio arqueólogo.
obediência ao Princípio de Razão Aonde isso po­
seria tão estrita que as razões teó­ derá nos con-
ricas estariam sempre predomi­ duzir? Laplan- contas, na análise de um sonho ou
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nando sobre qualquer fenômeno che em dois trabalhos nos ajuda a de qualquer relato. Às vezes, como
clínico e sobre qualquer recusa do pensar esta questão. se sabe, nas construções arqueoló­
paciente. Enquanto o historiador traba­ gicas ficam faltando pedaços e estes
Em seguida, dando início aos lha à cata de eventos capazes ele podem ser efetivamente construí­
seus argumentos, Freud reafirma as ordenar uma narrativa, tornando-a dos para a formação da peça. Ora,
metas e os meios da análise: cance­ razoável, o arqueólogo, particular­ este arqueólogo, dedica-se a estas
lar as repressões e substituí-las por mente o arqueólogo pré-científico, coisas - a estas peças - por elas
reações maduras através da recor­ muito aparentado ainda ao colecio­ mesmas e não para integrá-las a
dação das vivências e dos afetos nador, ao viajante e ao violador ele uma trama de razões: elas têm o
associados que e�tão esquecidos. O túmulos, anela à cata ele objetos, ele valor de um objeto antigo recu­
objetivo de propiciar o preenchi­ coisas perdidas, soterradas, das perado, independente de que sir­
mento dos espaços tomados pela quais, muitas vezes só encontramos vam para a reconstrução de uma
amnésia, reconstituindo uma histó­ fragmentos. Afirma Laplanche: "o narrativa histórica. As construções
ria ele vicia, poderia sem dúvida que liga os três personagens, o via­ em análise equivalem segundo
corroborar as suspeitas de -que a jante, o violador de túmulos e mo­ Freud e Laplanche a esta tarefa de
cura se daria com a oferta de razões, numentos e o antiquário é o amor recuperação ele peças arqueológi­
no caso, razões genéticas já que a pelo objeto ele mesmd'.10 É preciso, cas - objetos perdidos, cenas in­
finalidade seria a de recontar uma então lidar com fragmentos, muitas terrompidas e esquecidas - fora
história livrando-a de lacunas e im­ vezes é necessário abstraí-los ela do campo das razões. E é por isso
perfeições. Enfim, o tratamento po­ massa de detritos em que estão que Laplanche dirá que a arqueo­
·
deria ser concebido como a cons­ incrustrados, é necessário pescar logia freudiana é hiper-realista,
trução ele narrativas historizantes aqui um, ali outro, acolá mais algum ainda mais fascinada pelo objeto
em que o ver e o escutar estariam a e deixá-los até que possam se en­ que a antiga arqueologia.
serviço ela tarefa de dar as razões. contrar para a formação de uma Porém, meu ouvinte ou leitor
Quando Freud passa a enfocar peça íntegra. Interpretar, dirá Freud poderá perfeitamente perguntar­
o que seriam as tarefas do analista mais adiante no texto que estamos se sobre o que me autoriza a dizer
neste processo, as suspeitas podem examinando, é lidar com os frag­ que a construção está fora daquele
mesmo crescer: ele fala em constru- mentos, é, freqüentemente, frag- campo?

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TEXTOS

Retornemos ao texto freudiano. ras - como quando se produz um tos associados à construção que, ela
O que se espera da apresentação ao ato falho no próprio movimento de­ mesma, não é recuperada na me­
paciente da peça reconstruída? Espe­ negatório - o recrudescimento ele mória. Estes aspectos hiper-nítidos,
ram-se t;feitos que, como se verá uma reação tera pêutica negativa etc . mas marginais, meio que destaca­
adiante, nã.o têm nada a ver com o são estes os índices de que a constru­ dos ela cena, nos fazem recordar
convencimento: afluem novas verba­ ção gerou algo no campo cios afetos , imediatamente as figuras de telas
lizações, algumas vezes novas lem­ produziu uma emergência pul'iio­ s u(per)-realistas. Lembram-nos
11
branças etc. Será do tratamento dado nal. Nada disso é obtido através ele também, naturalmente, a força ima­
a estes novos materiais que depende­ argumentos pró ou contra; apenas gética das peças a rqueológicas
rá o avanço do processo analítico. cabe ao analista apresentar a constru­ construídas pelo psicanalista e que
Mas, acompanhando mais ele ção, mostrar a peça construída e são descritas por La planche como
perto o artigo, encontramos Freud deixá-la fazer seu cantinho. hiper-realistas. São co sas
i - i ag­ f -

às voltas com a questão mentos de cenas - que sal­


de c o m o enfrentar a tam para diante do pacien­
questão da verdade ou te, pro-postas pela fala do
falsidade destas peças re­ analista, com toda a força
construídas a partir elos original de uma experiência
fragmentos devidamente no sentido pleno do termo:
interpretados. Freud afir­ a de uma impressão origi­
ma: as más construções nária. Nos termos heideg­
não têm efeito algum no gerianos, são gegenüber e
processo psicanalítico. n ã o gegenstand. Ora, se­
Que seja, mas e as que gundo Freud, nos delírios
produzem efeitos, como psicóticos estariam presen­
avaliá-las a partir destes tes, ainda que irreconhecí­
efei tos? Caso o paciente veis, fragmentos ele um pas­
confirme ou caso recuse sa do h is t ó r i c o -vivenc i a l
as construções, na verda­ que, retornando com uma
de, pouco proveito pode fantasrnagóric<l nitidez, da­
tirar disso o analista. Tan­ riam ao delírio sua força de
to os sim como os não convicção . Toda esta di­
podem dizer muitas coi­ gressão sobre os delírios,
s:.1s diferentes e nunca que poderia ser contestada
poderemos decidir entre ou explorada mais a fundo
elas. Exatamente por isso n3o cabe Neste trajeto, uma boa constru­ em outro lugar, serve, contudo, a
argumentar, não cabe tentar con­ ção, mais cedo ou mais tarde propi­ um propósito bem claro: o de per­
vencer o paciente da veracidade ele ciaria uma recordação ou, o que mitir uma equivalência entre a força
uma construção. Esta maneira ele Freud considera muito provável , de convicção do delírio e a força
lidar com sim e não, porém, não engendraria uma convicção. A pala­ de convicção ele urna construção
significa que as reações do paciente vra convicção neste momento pode psicanalítica. Com isso fica defini­
sejam desprezíveis. Ao contrário, elas gerar algum mal-entendido. Parece­ tivamente afastada a poss ibili da­
serão do maior valor, mas não porque ria que Freud está se referindo a um de de se confundir a eficácia in­
indiquem que a construção integrou­ processo de convencimento bem telectual de um argumento e a
se a uma trama ele razões ou porque, sucedido. Nada mais equivocado: eficácia pulsional de uma constru­
ao invés, foi recusada por esta trama. nossas convicções são fortes ou fra­ ção em análise. A primeira deriva
Em outras palavras, a construção não cas independentemente ele termos elo império do Princípio de Razão.
é boa ou má em termos de estar ou boas razões. A segunda salta para fora deste
não contribuindo para a realização É neste momento que Freud território.
de uma história ele viela . introduz intempestivamente algu­ Em conclusão, não se trata,
Boas construções tocam o in­ mas considerações sobre os delírios po1tanto, de que a construção con­
consciente do paciente e isto se psicóticos precedidas de alguns re­ vença racionalmente ou se incorpo­
revela nos efeitos : denegações latos ele outros efeitos produzidos re pura e simplesmente a uma nar­
apressadas e evacua tivas, associa­ por construções que tocam o in­ rativa ele si racionalizante, não se
ções confirmadoras, e, principal­ consciente: estes efeitos consistem trata de contar melhores histórias ou
mente, indiretamente confirmado- em imagens hiper-nitidas ele aspec- elaborar descrições mais conve-

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1
·ruentes da subjetividade 2, mas de tanto, e para nos referirmos à famo­ NOTAS

que o pro-posto na construção mo­ sa distinção freudiana, 14 trabalhando


l. Ver a propósito L.C. Figueiredo, Escutar, recordar,
bilize as pulsões, toque o incons­ per via di levare sem recorrer à via di dizer_ Enco11Jros heideggeriunos com a clínica
psicaualítica. Ed. Escuta/ Educ, 1994.
ciente e faça emergir , ainda que de pon-e, mesmo que a descobe1ta pro­
2. M. Heidegger, Le Pri11cipe de Ra iSu11 (Gallimard,
forma irreconhecível, uma verdade porcionada pela construção psicana­ 1989) e Queslio11s li/ (Gallimard, 1990).
3. Deve fica r claro para o leitor que o termo "ra 7.ào"
histórico-vivencial: construções não lítica fosse a p1imeira opo1tunidade ·
mi como presente no Princípio explicativo por
são "proposições verdadeiras'', são ele algo vir a ser como figura. Leibnitz abrange tanto camas como razões nas
acepções dominantes nos contextos ern que estes
retornos de vivências soterradas, Se enfocarmos neste momento
tennos costumam ser confrontados.
paralizadas, fragmentadas com os este mesmo processo do ponto de 4. A. Breton, Ma>1ifes1e d11 S11rréa/isme 0 924), Ed.
Gallimard, 19 65 . O termo supen1atura/smo
i fora
quais é possível se fazer uma expe­ vista do trabalho do analista, vere­
empregado no século XIX por Gernrd ele Nerval
riência. Na situação clínica, talvez, mos que Freud não afirma nem e Breton considera-o mais adequado do que o
nome que ele próprio havia proposto, em cola­
esta experiência possa então ser parece sugerir uma hipótese que,
boração com Soupault (p. 36).
refeita em condições de permitir no entanto, poderia ser elaborada a 5. V. Chklovski, L 'art comme procédé (1917) Em
Jhéorie de la lillérature. Ed. du Seuil, 1966.
que este passado desentranhado partir de sua aproximação entre as
6. Deve ficar claro para o leitor que a coisa que
pela fala possa dissolver-se à luz do construções do analista e os delírios irrompe e se eleva à minha frence como gege­
niiher não tem qualquer semelhança com a
dia e em contato com o ar, tal como psicóticos: a de que as construções
coisa em si kantiana; trata-se do fenômeno no
os pergaminhos, que depois de sé­ são os elementos histórico-viven­ seu movinu:nto próprio de fenomenalizaçào,
trata-se, enfim, do acontecimento enquanto
culos de conservação soterrada, ciais do paciente "delirados" pelo
aconLedmento.
desfazem-se rapidamente nas mãos analista, como se o analista fosse 7. Concepções desta índole podem ser encontra­
das em textos corno os de D . Spence (Tbe
de seus descobridores. capaz de produzir o delírio que o
Frezulicm Metapbor. Norton, 1987) e de L.
Trata-se, assim, muito mais de paciente (neurótico) não consegue Wurmser (A defense of tbe 11se of metapbor ;,,
cma�vtic tbeo�v.fo rmatioll. 'lhe PsycboaHa�ylic
um mostrar do que de um racioci­ engendrar. As falas do paciente da­
Quar/er(v, 1977, 46, 465-497). No Brasil, Zelj­
nar; a fala do analista enquanto riam ao analista os fragmentos que ko Loparic vem desenvolvendo esta linha de
raciocínio e recentemente Vera Lúcia Bium
construção não dá razões, elafaz-se seriam a oportunidade de ver aquilo
Tomás defendeu sob sua orientação uma Dis­
escutar dando a ver e a sentir. A que transformado em falas poderia sertação de 1\Jestrado na UNICAMI' em que o
estaluto mernmente ficcional da mcta psicolo­
força da convicção depende de um ser apresentado ao paciente na for­
gia freu diarn1 é defendido com muita consis­
investimento libidinal nos/dos frag­ ma de uma peça hiper-nítida e afe­ tência (cf. Tomás, V.L.B. O Estatiito das
e1llidades metapsicológicas ü luz da leorici
mentos mais ou menos bem resga­ tivamente poderosa, resgate ele algo
ka111ic111a das idéias, 1994).
tados e construídos por ela. perdido e soterrado. Considerar a 8. S. Freud, Cu11slmccio11es en el a11álisis. 0937) Em
Obras Co111ple1as, vai. XXlll. Ed. Amorrortu, 1993.
Nesta medida, indo já agora construção como delírio tem como
9. J. I.aplanche, lapsycba11a�vse: b isloireou arcbéo­
ad iante, é bem verda de, do que consequência retirar também do logie? e L 'illlerprélal ion entre determi11isme et
hermé11e11tiq11e. cm La Hévolulion copemicie1111e
Freud nos autoriza neste a1tigo, po­ analista a carga intelectual ista que o
i11achevée. Aubicr, 1992.
deríamos até supor que o que dá termo construção parece carregar, 10. J. l.a planche, op. cit., p. 393.
1 1 . Freud usa o termo Aujiriebe na edi�"ii o Arnorrortu ,
força à convicção não é a sua corres­ aproximando-o do trabalho elo so­
traduz-se com.o "la pub;ió11 emerge1lle de /u repri­
15
pondência com o passado objetivo, nho . Com isso não só a escuta e mido". (S. freud, Obras Completas, tomo XXIIl,
p. 268).
mas a sua disponibilidade para trans­ a visão do que é oferecido ao 12. Estas parecem ser, por exernplo1 as pers pectivas
portar ao presente- - para a-presen­ paciente está livre do Princípio ele elaboradas por jurandir freire Cosia e seus asso­
ciados em Redescrições da Psicauálise. J::nsaios
tar - o passado histórico-vivencial. Razão - e apenas nesta medida é
pragmáticos, Ed. Relume-Dumar.í 1994.
E indo mais além ainda, podeliamos eficaz - mas também as escutas, 13. Ver a propósito Fa la e acmuecinie><to em a11á­
lise. Nevsta
i Perrnrso 1 1 , 37-44, 1993, republica­
talvez supor que a construção eficaz visões e· falas do analista saltariam
do em F:scu/ctr, recnrdar1 dizer. Ed.
seria a que dá figurabilidade a expe­ para fora do campo regido por Escuca/Educ, 1994.
14. S. Freud, Sobre psicoterapia 0904) Em Obras
riências "passadas" que perdei·am fi­ este princípio. Nada é sem razão, Completas, vol. \Il i ! . Ed. Amorrorru, 1993.
gurd ou que nunca tiveram uma figu­ afirma o Princípio soberano do 15. Seria interessante, wlvez, confrontar esta hipó­
tese acerca das construções/interpremções cio
ra apta a pa1ticipar de um processo p ensa mento represen tacion a l .
anal ista com o conceito de rêverie cal como
ele elaboração. Ou seja, a construção Como não poderia deixar de ser, proposto por W. Bion para se referir à capaci­
dade, exigida 11 mãe pelo bebê, de '·estarem um
estaria dando figurabilidade àquilo qualquer teoria do psiquismo -
estado de calma e receptividade para receber os
que sempre "existiu" apena.s como naturalizante ou hermen ê u t i c a , próprios selllimenlos do bebê e dar-lhes signifi­
cado" (cf. R.D. Hinshelwood, Dicio>1árlu do
fragmento desligado, como possibili­ explicativa ou compreensiva - pen.<ame11/o k/ei11.ia110. Artes Médicas, 1992.).
dade abo1tada de ligação: uma cena está subordinada a este Princípio. Também em \Vinnicolt encontraremos algo se­
n1elhante. É claro que uma construção em aná­
traumática, uma intensidade afetiva, E no entanto, as artes e, provavel­ lise tem um arcabouço teórico de que os
13
um acon.tecimento inconcluso . As­ mente, a clínica não poderiam ensonhamentos da m:Je carecem. Contudo,
corno se afirmou anteriormente, poderíamos
sim, a construção seria essencialmen­ existir senão libertando-se dele e conceber as teorias psicanalíticas exatamente
te fenomenalizadora sem se conver­ restituindo ao pensar, ao escutar e como dispositivos úteis para .sonhar, o que, em
última inst5ncia, os aproximaria das fantasias de
ter j amais numa mera construção ao ver fugazes mas poderosos que a mãe dispõe para a organização de sua
retórica. Ainda estaríamos aqui, por- momentos ele liberdade . 00 rêverie.

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