presente trabalho dá continuidade às minhas grande valia2. Será, portanto, a partir das meditações
elaborações acerca da escuta e da fala na heideggerianas que empreenderei uma releitura do texto
,,,...•. ..,., • . ,�
-" clínica psicanalítica, inspiradas no pensa de Freud "Construções em análise", efetivando mais uma
\Iíl��f!'í menta ele Heidegger1. Aqui, novamente, a das "pontes e intercessões" entre a psicanálise e a
presença de Heidegger é tão forte e penetrante que me filosofia de Heidegger, tal como sugerido em Escutar,
dispensarei ele citá-lo a cada passo. Que fique, portanto, recordar, dizer.
apenas registrada a minha dívida, principalmente no que
concerne a parte inicial do tex�.o, ao curso Der Satz vom
Grund, freqüentemente traduzido como O Princípio de
Razão. Oqtros textos, tais como Serenidade e Para servir
de comentá1-io a Serenidade, também me foram de
O Princípio de Razão e o plena abjetidade. Vê-se, portanto, dar razões é elaborar proposições
pensamento representacional facilmente que é G1 abjetidade de um que explicitem os enlaces ele um
objeto, que garante para cada algo evento com outros no contexto dos
A concepção predominante do um ser verdadeiro ("real'', não ilu quais o primeiro revela um sentido.
pensar em toda a nossa tradição sório ou meramente sonhado) e que Através deste procedimento inter
filosófica ocidental e, muito espe esta abjetidade depende, por seu pretamos algo; neste momento, o
cialmente, na filosofia dos tempos turno, da aptidão deste algo deixar- "evento" interpretado deixa definiti-
modernos faz coincidir o vamente de ser um mero
exercício do pensamento evento para se mostrar
com a elaboração e manejo como um signo (como si
de representações. Median nal ou como expressão,
te as representações o sujei para usar os termos de
to traz seus objetos para Husserl na primeira das
diante de si de forma a po Investigações lógica�),
der contemplá-los na dis que nos remete a outros
tância certa em que possam signos. De uma forma ou
ser reconhecidos, previstos, de outra, explicando ou
manipulados, etc. A fala interpretando mediante
propositiva, em que se en proposições, o sujeito co
laçam sujeitos e predicados, nhecedor estará submeti
é, por sua vez, concebida do ao que Leibnitz cha
como a expressão perfeita mou de o mais elevado
do pensamento r e p r e princípio da filosofia: o
sentacional. A proposição é Princípio de Razão - nada
tomada como verdadeira é sern unia razão, ne
quando, em primeiro lugar, nhum algo subsiste sem
"'
o enlace é considerado legí razões .
timo, ou seja, adequa-se à Como se percebe,
realidade das coisas, isto é, para que algo seja e possa
às relações entre algo e suas ser tomado como verda
propriedades. Em acréscimo, cada se incorporar a um sistema repre deiramente sendo será preciso en
proposição deve articular-se de for sentacional que, em última instân contrar sua razão (de ser). Portanto,
ma não contraditória a outras pro cia, repousa numa subjetividade para nos assegurarmos de que algo
posições, formando um sistema epistêmica: é o sujeito que cons verdadeiramente seja, devemos nos
coerente e íntegro, para que cada tru indo seus sistemas r epre esforçar para procurar e prover as
uma das 12roposições do sistema se sentacionais dá fundamento às coi razões, pois só as razões oferecidas
estabeleça como uma proposição sas que verdadeiramente são, que na forma de explicações causais ou
verdadeira. Quando isso ocorre, dá fundamento aos entes que são funcionais ou na forma de interpre
cada fenômeno visado numa pro tomados como verdadeiramente tações poderiam dar subsistência
posição adquire plena consistência, sendo. aos fenômenos assegurando-lhes
vale dizer, quando isso ocorre, o Ora, integrar um fenômeno a uma sólida o�jetidade. Segundo
sujeito sente-se perfeitamente segu uma trama ele eventos e sentidos é este princípio, estaríamos totalmen
ro de que lida com algo que real dar as razões do fenômeno. Dar as te justificados em duvidar da verda
mente é, com algo que, integrado a razões do fenômeno, dando-lhes a deira realidade de algo para o que
um sistema de algos, tem a consis garantia de uma o�jetidade própria, não fossem dadas razões, não im
tência própria de um o�jeto. Este é o que fazemos quando elabora portando se estas razões virão na
algo-que-verdadeiramente-é como mos proposições explicativas e/ou forma de explicações ou de inter
pura abjetidade tornou-se imedia ta - proposições interpretativas. No pri pretações. É claro que há diferenças
mente inteligível G!O ser integrado a meiro caso, dar razões é explicitar importantes entre estas duas opera
um sistema não contraditório de os enlaces de uma coisa com outras ções: quando as razões são dadas
proposições em que cada objeto ele que é função ou, para usar uma na forma de uma interpretação, elas
ocupa um lugar numa trama de linguagem mais antiga, com outras aumentam nossa compreensão do
eventos e de sentidos. Em contra que figuram como as suas causas. fenômeno, mas não ganhamos nada
partida, é exatamente esta integra Através destes procedimentos, ex em termos ela capacidade de prevê
ção que garante para cada algo sua plicamos algo. No segundo caso, lo e controlá-lo; já as razões dadas
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na forma de explicações garantem tivas e interpretativas convincentes. numa realidade sólida e íntegra:
um incremento em nossa capacida Tomamos como realidade o con para isso olhamos e escutamos com
de de prever e exercer o domínio. junto articulado de fenômenos para um pouco mais de atenção do que
Por este motivo, muito provavel os quais esperamos pacificamente o habitual para descobrirmos as ra
mente, tende-se a privilegiar a ex que, mais cedo ou mais tarde, ra zões do "acidente". É o mesmo tipo
plicação sobre a interpretação; é zões serão dadas. Realidade é, as de ver e escutar, só que praticadp
como se previsão e controle - ou sim, o campo em que transitamos de forma metódica e perseverante,
seja, o exercício da técnica - que está presente no
fosse a prova dos nove onto fazer das ciências:
lógica: um fenômeno plena aqui, ativamente, pro
mente objetivo seria, em últi curam-se fenômenos
ma análise, e x p licável, que propiciem novos
previsível e controlável e só enlaces, procuram-se
assim estaria totalmente asse fenômenos que corro
gurada a sua abjetidade. No borem enlaces hipote
entanto, supõe-se que, na im tizados ou mesmo pro
possibilidade de garantir este curam-se fenômenos
grau máximo de objetivação, que testem e eventual
pelo menos que se garanta a mente refutem enlaces
inteligibilidade interpretativa, conjeturais. Todos es
também ela regida pelo Princí tes são procedimentos
pio de Razão. Muitos esperam que atrelam o ver e o
inclusive que uma interpreta ouvir ao que diz o
ção possa ir se desdobrando Princípio de Razão:
até converter-se em explica nada é sem uma razão
ção. Esta crença é muito co suficiente. Aparente
mum no que concerne os fe mente, o ver e o escu
nômenos h i st ó r i cos: uma tar teóricamente signi
narrativa, por exemplo, d e iní ficativo só podem ser
cio torna inteligível um fenô o ver e o escutar no
meno revelando-lhe ou atri tranquilamente porque, dados os contexto da tarefa de
buindo-lhe algum sentido no con enlaces possíveis entre os diversos prover as razões de cada fenômeno
texto de um dado processo; no en fenômenos, poderemos sempre ir para torná-lo plenamente objetivo.
tanto, à medida que a narrativa his de um a outros sem quedas nem Não há clüvicla que é assim que os
tórica se adensa, poderíamos ver obstáculos insuperáveis.Realida cientistas procedem a maior parte
surgir nela algumas regularidades de, em termos fenomenológicos, é do tempo.
que-num plano de maior abstração onde vivemos e nos apoiamos sem Em que medida a clínica psica
- a vão tornando aos poucos uma sobressaltos nem surpresas dada a nalítica está, também ela, submetida
explicação genética, em que algo é solidez de seus objetos e dada a ao Princípio de Razão? Em que me
explicado pelas suas origens. perfeita integração e harmonia en dida a clínica psicanalítica realiza-se
O campo total dos fenômenos tre eles. através do proferimento de propo
integráveis a uma trama explicativa O ver e o escutar podem ser, sições explicativas e interpretativas
ou interpretativa, para os quais po também eles, movidos exclusiva no sentido acima indicado?
demos oferecer razões e que, assim, mente pelo Princípio de Razão. Ver
são dotados de o�jetidade é o que e escutar na busca de razoes parece
Kant entendia por natureza e que, caracterizar a maior parte de nossas O Princípio de Razão e a
mais amplamente podemos· chamar atividades perceptivas cotidianas clínica psicanalítica
de realidade. Dar razões é o modo sempre que nos defrontamos com
intelectual de re-constituir o que algo relativamente novo ou um Uma leitura de alguns textos de
experimentamos como realidade; pouco fora ele lugar. Embora na Freud, principalmente certos casos
inversamente, esperar razões ou realidade cotidiana isto ocorra rara clínicos, poderia nos levar a pensar
procurar razões é o modo de �pos mente, quando ocorre procuramos na interpretação tomada como re
tar na realidade e acreditar na rea espontaneamente reduzir o inespe constituição do tecido de razões.
lidade mesmo antes de elaborarmos rado ao já conhecido para recon Tratar-se-ia, tanto para o analista
ou escutarmos proposições explica- quistar rapidamente a confiança como para o paciente, a quem se-
83
TEXTOS
riam comunicadas em tempo opor Ora, é exatamente isso que uma série de incidentes envolvendo
tuno as interpretações psicanalíti Freud relata fazer em ceitas ocasiões, psicanalistas cujas interpretações
cas, de esclarecer, tornar inteligível o que confirmaria a suspeita de que realizaram memórias infantis de
mediante ligações e religações, o e l e tanto constrói suas teorias caráter traumático gerando denún
como trata seus cias de abusos sexuais inexistentes.
pacientes no Criou-se até nos EUA uma socieda
plano e m que de de pessoas lesadas pela implan
impera o Princí tação de falsas memórias através de
pio de Razão e interpretações realizadoras.
em que o ver e Tudo que foi apresentado nos
escutar estão últimos parágrafos poderia nos le
completamente var a concluir que na psicanálise
s u b m e t i dos a freudiana há um predomínio do
este Princípio. Princípio de Razão, o que lhe claria
Se assim fosse uma feição nitidamente intelectua
as falas inter lista. Não apenas dar razões estaria
p re t at i v a s na tornando inteligível o material clíni
psicanálise de co e promovendo os fenômenos
veriam ser vis assim racionalizados à condição de
tas como falas realidade objetiva, como dar razões
realizadoras. teria no contexto clínico uma eficá
Elas seriam efi cia curativa ou, ao menos, transfor
cazes na medi madora.
da em que par No entanto, nem creio que a
ticipassem da clínica psicanalítica tenha de fato a
constituição de ver com o Princípio de Razão, nem
uma (nova) rea que a única leitura da obra freudia
material clínico disperso nos so lidade. Esta nova realidade seria na seja esta em que ele comparece
nhos, nos atos falhas, nas l embran ortopédica, em relação à realidade como um puro herdeiro da tradição
ças e nas amnésias, nos sintomas original defeituosa, ou francamente dominante no Ocidente, embora,
etc. Estas ligações e religações de substitutiva, caso em que já não naturalmente, ele seja também isto.
veriam ser capazes de convencer, poderíamos diferenciar a psicanáli É claro que enquanto teórico Freud
seja pela explicitação de mecanis se de qualquer procedimento de não poderia nem deveria escapar às
mos e processos operantes na pro sugestão. No primeiro caso, esta exigências de dar as razões de seus
dução do material - o que os ex riam os preenchimentos das lacunas objetos. Esta exigência decorre tan
plicaria - seja pela construção de na história de vida, a superação das to ele uma necessidade pessoal do
narrativas historicizantes plausíveis amnésias que tomam as narrativas teórico, que é a de construir mode
- o que os interpretaria e, even de si incompletas e capengas. As los aptos a tornar inteligível sua
tualmente, os explicaria em termos interpretações permitiriam então a prática, como da necessidade de
genéticos. Uina interpretação assim reordenação e completamento des expor suas idéias a outros de forma
concebida conduziria naturalmente tas narrativas. Já a substituição de convincente. O teórico, em qual
o psicanalista a tentativas de argu uma realidade por outra seria como quer área em que atue, precisa ar
mentar com o paciente de forma a uma sugestão sem hipnose , susten gumentar e uma argumentação só
que as razões oferecidas pudessem tada, talvez, na força dos vínculos progride quando são oferecidas e
ser efetivamente aceitas e incorpo transferenciais. Novamente aqui o aceitas as razões. É possível que em
radas à consciência que o paciente leitor de Freud poderia verificar que muitas ocasiões possa ter havido
tem de si mesmo. Como certos ar numa certa época ele usou explici uma certa confusão entre, de um
gumentos pressupõem um alto grau tamente de procedimentos realiza lado, a construção das teorias e sua
de abstração, pois só se tornam dores, no sentido acima especifica difusão racional, em que a tarefa de
convincentes no contexto de um do, e de q u e muitos de seus dar razõesé imperativa, e, de outro,
dado modelo teórico, o psicanalista segu idores parecem n u n c a ter a clínica. No entanto, procurarei
precisaria com freqüência ensinar abandonado de todo as práticas de mostrar no que segue que afala em
teoria a seus pacientes para que eles sugestão, mesmo que dissimuladas. psicanálise não tem essencialmente
entendessem as razões dadas e se Atualmente, por exemplo, a im uma.função realizadora, que inter
convencessem delas. prensa americana tem divulgado pretar em psicanálise não é essen-
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cialmente fazer ou refazer ligaçôes heterogêneo. Para pensar a emer que deixa ouvir. Assim sendo, o
e que o ver e o escutar eni análise gência desta irrupção - ou, na outra pensamento não representacional
não são meramente acessórios da acepção do verbo pensar, a de cui - o penso - não pode proceder
tarefa principal de dar, esperar ou dar e tratai� para pensar esta fratu pelo estabelecimento de ligações
procurar razões. ra no que tem ele propriamente
- explicativas ou i nt erpretativas em
surpreeendente, o pensamento que o ser compareça como causa,_
..
representacional não nos ajuda em motivo, intenção, etc., ou. seja, sob
Para além da exigência de nada. Ele, no máximo, seria capaz qualquer figura nomeável. Pen
dar as razões ele religar o novo ao já sabido de sar o ser como puro envio e retrai
forma a garantir uma nova homo mento é simplesmente e serena-
Dar e procurar razões, como geneização do
meio de reconstituir o tecido homo tecido cb reali
gêneo da realidade sempre que ele dade. Será pre
eventualmente se esgarça, respon ciso, assim, li
de à m.uito humana necessidade de berar o pensar
apoiar-se tranquilamente em coisas desta tutela ao
sólidas e bem ajustadas umas às Princípio de Ra
outras para poder sobre elas e zão para colo
entre elas transitar sem susto. Na cá lo à disposi
-
cido algo que é buraco e excrescên o fundo invisível de onde se desta que algo se mostre. Se ainda cabe
cia, criando, enfi m, o e�paço do cam as figuras ; 'é' sempre o silêncio aqui falar em proposição, será ape -
85
TEXTOS
nas no sentido mais original do Heidegger diferencia Gegens Será que a clínica psicanalítica
termo, elucidado em Ser e Tempo tand- traduzido por objeto, aquilo procede de outro modo, daquele
(§ 44): a pro-posição como o que que eu ponho diante de mim me modo intelectualista a que parecem
põe algo adiante para ser visto, diante uma re-presentação (vor-stel levar certas leituras da obra freudia
como o que dá a ver. Esta fala não lung) - de gegenüber. Gegenüber, na, promovendo ligações e religa
é em absoluto uma fala realizadora que o francês traduz como "en ções, proferindo interpretações rea
no sentido acima mencionado. Ao face'', é com o que eu me deparo lizadoras? Ou será que, em que
contrário, é uma fala ir pese o fato de todas as
realizante que eles-contex teorias psicanalíticas esta
tualiza, clestece a realidade rem comprometidas com
homogênea para acolher o o Princípio de Razão (e
heterogêneo, o surpreen como poderia ser diferen
dente. É uma fala, contudo, te?), na clínica estas mes
surrealista, no sentido - mas teorias são dispositi
explicitado por André Bre vos desrealizantes, dis
ton no manifesto ele 1924 positivos aptos a sonhar
4
- de super-naturalista : a mais elo que a prever e
figura recém-formada, re calcular, como costuma
cém-acolhida tem os con acontecer com a teorias
tornos nítidos das imagens científicas convencionais?
de um quadro de Salvador Parece-me que, de fato, as
Dali, tem a nitidez hiper teorias psicanalíticas, in
realista ele objetos que se d e p e nclen temente ele
destacam do fundo e pren como estejam construídas,
dem a atenção exatamente têm um estatuto cognitivo
porque não eram espera completamente distinto
dos ali, naquele contexto. elas demais teorias cientí
Como nos quadros surrea ficas. Não se trata apenas
listas, figuras hiper-nítidas de dizer que elas são so-
mostram coisas reconhecí- mente dispositivos heurís
veis em formas surpreendentes e porque se apresenta a mim; para ticos destituídos de estatuto ontoló
em combinações bizarras gerando enfatizar o étimo übe1� poderíamos gico - metáforas ou ficções neces
um efeito ele sonho. Quebra-se a traduzir gegenüber como o que se sárias - capazes ele conduzir a
realidade homogênea para dar es abate sobre mim, como o que baixa pesquisa elo inconsciente e ele tor
paço à irrupção fugaz de um real - à minha frente, interrompendo o nar inteligíveis os dados da clínica,
melhor dizendo, de um super-real. meu trànsito fluente pelas provín no que, de resto, elas não seriam
Apenas do encontro com este su Gegenüber. "ti
cias ela realidade. necessariamente distintas de qual
7
per-real onírico pode a realidade nha uma pedra no meio do cami quer teorização . Trata-se de afirmar
sair transformada porque só destas nho". Gegenüber: é a coisa que se que elas servem para des-realizar,
figuras de sonho - que escapam mostra por si mesma e fora do para construir novos sonhos e, ne
radicalmente ao império elo Princí alcance das minhas crenças e ex les, propiciar um ver e um escutar
pio de Razão - pode-se fazer uma pectativas, é a coisa in die Stille, liberados do Princípio ele Razão.
experiência no sentido preciso do repousando em si mesma e não nos Para justificar esta tese, _aparen
termo, o da recepção de impressões meus poderes de sujeito da repre- temente contrária à realidade histó
- 6
originárias. As figuras recém-confi sentaçao . rica da psicanálise e certamente
guradas, em que pese sua nitidez, O paciente neurótico sofre de contrária ao bom senso, e também
não têm a abjetidade daquilo que é excesso de realidade. Falas surrea para ilustrar o que seria um proce
na realidade. As figuras recém-con listas são necessárias para abrir neste dimento des-realizante, farei em se
figuradas realizam aquela finalidade denso tecido homogêneo alguns in guida uma breve exposição comen
da obra ele arte que "é a de dar uma tervalos. A eficácia analítica da inter tada ele um el o s d e r r a de i r o s
sensação do objeto como visão e pretação não pode ser, esssencial trabalhos de Freud, "Construções em
não como r e c on h e c i m e nt o" mente, a de realizar, mas a de Análise", de 19378. Meu objetivo não
5
(Chklovski) , quebrando os auto irrealizar, introduzindo o espaço elo é o de procurar em Freud uma
matismos de que a realidade coti heterogêneo, fabricando o estranho, autorização para as idéias aqui
diana é feita. acolhendo o que não pertence. apresentadas, mas o de mostrar que
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em sua obra podem-se encontrar ção do esquecido para posterior mentar o material recolhido para, à
elementos para desfazer a crença de apresentação ao paciente. Ora, o moda do minerador, retirar o ouro
que a clínica psicanalítica ignora próprio termo construção parece puro da massa ele lama e pedras
modos de pensar, escutar e ver sugerir uma atividade racional e ra sem valor. É o que se faz, afinal de
totalmente liberados do Princípio cionalizante: a
de Razão. de construir ou
reconstruir o te
cido da realida
As construções em análise de. Assim sen
como dispositivos do, estaríamos
desrealizadores sem d ú vi d a
empenhados
O texto ele Freud, um cios úl numa t a refa
timos publicados em vida, tem realizadora.
como ponto de partida uma ques Eis que nes
tão: como lidar com o sim e com te momento
o não do paciente diante de uma alguma coisa
interpretação? A questão precisava muda. Freud
ser respondida para que se pudes aproxima, e não
se enfrentar uma crítica freqüente é pela primeira
à psicanálise, a de que, não im vez que o faz, o
portando o que o cliente disses métier do psica
se, o psicanalista estaria sempre nalista elo métier
com razão. Em outras palavras: a cio arqueólogo.
obediência ao Princípio de Razão Aonde isso po
seria tão estrita que as razões teó derá nos con-
ricas estariam sempre predomi duzir? Laplan- contas, na análise de um sonho ou
9
nando sobre qualquer fenômeno che em dois trabalhos nos ajuda a de qualquer relato. Às vezes, como
clínico e sobre qualquer recusa do pensar esta questão. se sabe, nas construções arqueoló
paciente. Enquanto o historiador traba gicas ficam faltando pedaços e estes
Em seguida, dando início aos lha à cata de eventos capazes ele podem ser efetivamente construí
seus argumentos, Freud reafirma as ordenar uma narrativa, tornando-a dos para a formação da peça. Ora,
metas e os meios da análise: cance razoável, o arqueólogo, particular este arqueólogo, dedica-se a estas
lar as repressões e substituí-las por mente o arqueólogo pré-científico, coisas - a estas peças - por elas
reações maduras através da recor muito aparentado ainda ao colecio mesmas e não para integrá-las a
dação das vivências e dos afetos nador, ao viajante e ao violador ele uma trama de razões: elas têm o
associados que e�tão esquecidos. O túmulos, anela à cata ele objetos, ele valor de um objeto antigo recu
objetivo de propiciar o preenchi coisas perdidas, soterradas, das perado, independente de que sir
mento dos espaços tomados pela quais, muitas vezes só encontramos vam para a reconstrução de uma
amnésia, reconstituindo uma histó fragmentos. Afirma Laplanche: "o narrativa histórica. As construções
ria ele vicia, poderia sem dúvida que liga os três personagens, o via em análise equivalem segundo
corroborar as suspeitas de -que a jante, o violador de túmulos e mo Freud e Laplanche a esta tarefa de
cura se daria com a oferta de razões, numentos e o antiquário é o amor recuperação ele peças arqueológi
no caso, razões genéticas já que a pelo objeto ele mesmd'.10 É preciso, cas - objetos perdidos, cenas in
finalidade seria a de recontar uma então lidar com fragmentos, muitas terrompidas e esquecidas - fora
história livrando-a de lacunas e im vezes é necessário abstraí-los ela do campo das razões. E é por isso
perfeições. Enfim, o tratamento po massa de detritos em que estão que Laplanche dirá que a arqueo
·
deria ser concebido como a cons incrustrados, é necessário pescar logia freudiana é hiper-realista,
trução ele narrativas historizantes aqui um, ali outro, acolá mais algum ainda mais fascinada pelo objeto
em que o ver e o escutar estariam a e deixá-los até que possam se en que a antiga arqueologia.
serviço ela tarefa de dar as razões. contrar para a formação de uma Porém, meu ouvinte ou leitor
Quando Freud passa a enfocar peça íntegra. Interpretar, dirá Freud poderá perfeitamente perguntar
o que seriam as tarefas do analista mais adiante no texto que estamos se sobre o que me autoriza a dizer
neste processo, as suspeitas podem examinando, é lidar com os frag que a construção está fora daquele
mesmo crescer: ele fala em constru- mentos, é, freqüentemente, frag- campo?
87
TEXTOS
Retornemos ao texto freudiano. ras - como quando se produz um tos associados à construção que, ela
O que se espera da apresentação ao ato falho no próprio movimento de mesma, não é recuperada na me
paciente da peça reconstruída? Espe negatório - o recrudescimento ele mória. Estes aspectos hiper-nítidos,
ram-se t;feitos que, como se verá uma reação tera pêutica negativa etc . mas marginais, meio que destaca
adiante, nã.o têm nada a ver com o são estes os índices de que a constru dos ela cena, nos fazem recordar
convencimento: afluem novas verba ção gerou algo no campo cios afetos , imediatamente as figuras de telas
lizações, algumas vezes novas lem produziu uma emergência pul'iio s u(per)-realistas. Lembram-nos
11
branças etc. Será do tratamento dado nal. Nada disso é obtido através ele também, naturalmente, a força ima
a estes novos materiais que depende argumentos pró ou contra; apenas gética das peças a rqueológicas
rá o avanço do processo analítico. cabe ao analista apresentar a constru construídas pelo psicanalista e que
Mas, acompanhando mais ele ção, mostrar a peça construída e são descritas por La planche como
perto o artigo, encontramos Freud deixá-la fazer seu cantinho. hiper-realistas. São co sas
i - i ag f -
88
1
·ruentes da subjetividade 2, mas de tanto, e para nos referirmos à famo NOTAS
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