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BASES PSICANALÍTICAS

BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED.

APLICADAS À PSICOPEDAGOGIA

INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 1


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Prezado (a) Aluno (a);

Henri Wallon nasceu na França em 1879. Antes de chegar à psicologia


passou pela filosofia e medicina e ao longo de sua carreira foi cada vez mais
explicitada à aproximação com a educação. Em 1902, com 23 anos, formou-se em
filosofia pela Escola Normal Superior, cursou também medicina, formando-se em
1908. Viveu num período marcado por instabilidade social e turbulência política.
Henry Wallon além de elaborar uma teoria sobre o desenvolvimento humano,
em virtude de sua preocupação com a educação, escreveu também sobre suas
ideias pedagógicas apontando bases que a psicologia pode oferecer à atuação
pedagogia e o uso que a pedagogia pode fazer dessas bases, além de se nutrir da
experiência pedagógica.
Wallon deixou-nos uma nova concepção ao da motricidade, da emotividade, e
da inteligência humana, sobretudo, uma maneira original de pensar a Psicologia
Infantil e reformular os seus problemas. Dessa forma, o INSTITUTO WALLON, não
apenas faz uma homenagem a este tão importante ícone da educação, mas,
também, reforça a necessidade de buscarmos uma educação cada dia melhor.
Você está recebendo este material didático, na certeza de contribuirmos para
sua formação acadêmica e, consequentemente, propiciando oportunidade para
melhoria de seu desempenho profissional. Todos nós, da equipe WALLON,
esperamos retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com
a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de
melhoria contínua.
O presente material didático foi produzido criteriosamente, por meio de
coletâneas, compilações e pesquisas, pelos Professores e Coordenadores do
Instituto Wallon, para que os referidos conteúdos e objetivos sejam atingidos com
êxito. Esperamos que este seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o
horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento de sua prática.
Leia com muita atenção as orientações a seguir e um ótimo estudo!

Abraços!
Direção Geral

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Sumário

Unidade 1 - Psicanálise e Educação: Reflexão sobre a Falência do Sistema de


Transmissão do Saber e da Instituição Escolar............. ........................................... 4
Unidade 2 - Contribuições da Psicanálise para uma Abordagem das Relações
Humanas em seus Diferentes Espaços Afetivos........................................................8
Unidade 3 - A Transferência do Imaginário ou o Imaginário da Transferência:
Aspectos Diferenciais da Atuação do Psicopedagogo e do Psicanalista em
Instituição..................................................................................................................21
Unidade 4 - A Contribuição da Psicanálise frente as Dificuldades de
Aprendizagem...........................................................................................................32
Referências Bibliográficas.............................................................. ......................... 42

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UNIDADE 1 – PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: REFLEXÃO SOBRE A


FALÊNCIA DO SISTEMA DE TRANSMISSÃO DO SABER E DA
INSTITUIÇÃO ESCOLAR

Ninguém educa ninguém


Ninguém se educa sozinho
Os homens se educam em comunhão
Paulo Freire

O fracasso escolar do aluno e o fracasso da própria escola tem sido objeto de


reflexão e da análise crítica da sociedade e de estudiosos.
A competência profissional duvidosa dos docentes, o modelo institucional-
autoritário, perverso e ultrapassado, e o indivíduo, ainda em formação, sujeitado em
sua fragilidade a esse meio - compõem, infelizmente, o retrato da educação em
nosso país.
Refletir sobre esta questão requer, a princípio, uma postura
política. ideológica e, essencialmente, uma postura de humildade
a saber-se sempre no papel de aprendiz da construção do
conhecimento, de aprendiz da aquisição dos saberes que

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fundamentam a relação ensino aprendizagem.


Para além de prédios, de novas tecnologias e de todas as inovações que o
porvir possa incorporar ao processo pedagógico a grande meta é, e sempre será, o
sujeito. A qualidade da pedagogia é uma tarefa humana que prescinde de uma visão
ampla e crítica em constante evolução, nutrindo-se da interdisciplinaridade e
compondo uma visão holística sobre o ato de ensinar e qualificar o sujeito para ser
um agente de transformações do seu tempo e, não adaptá-lo destruindo assim sua
subjetividade; qualificando-o, então, a ser escravo do seu tempo.
Portanto, mais que ensinar ou mais que transmitir
conhecimento; ou ainda fazer parte do processo de
construção cognitiva; os que se colocam no lugar da
transmissão de um suposto saber têm a responsabilidade de
aceitarem para si o desafio - do lugar ocupado - vazio por excelência; já que ainda
não concluído (quiçá nunca!), que é preenchido pela expectativa, pela esperança de
ascender-se à esse espaço privilegiado onde se supõe haver um instrumento, uma
ferramenta que abrirá portas - internas e externas a esse sujeito - Aprendiz por
natureza nomeado: Aluno. Até que todas as grades escolares sejam derrubadas
libertando as diferenças e a subjetividade; até que construir o saber seja permitido e
louvado; até que a afetividade seja um ingrediente necessário e trabalhado - O
professor há de ocupar esse lugar. Entretanto se estiver consciente da
impossibilidade de preenchê-lo (mas da necessidade de ocupá-lo) sua função será
com certeza exercida sem hipocrisia e arrogância, mantos que vestem os espaços
destinados ao poder.
Essa concepção exige do professor um amplo domínio tanto do conteúdo a
ser ensinado quanto um conhecimento pedagógico para que possa selecionar
estratégias mais adequadas para colaborar com a reorganização dos conceitos do
aluno. Requer, também, um aprofundamento do saber das relações humanas e suas
vicissitudes. Pois, no processo ensino aprendizagem, acima de métodos e técnicas,
interagem pessoas de diferentes formações, afetos, carências e demandas.
Onde se insere, na maioria das vezes, totalmente despreparado, a figura do
educador como mediador e continente de todos os possíveis conflitos que surgem
nos relacionamentos dessa natureza.

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Esta visão holística do processo ensino-aprendizagem pressupõe uma


reorganização dos conteúdos a serem trabalhados, exigindo uma visão mais ampla
do conceito de ―disciplinas... A interdisciplinaridade é, sem dúvida, uma meta a ser
buscada, na medida em que o conhecimento não deve ser fragmentado em
disciplinas isoladas, mas sim trabalhado numa visão globalizante e integracional
Gusdorf citado por Fazenda (1991), afirma que o que se designa por
interdisciplinaridade é uma atitude epistemológica que ultrapassa os hábitos
intelectuais estabelecidos ou mesmo os programas de ensino(...) A ideia de
interdisciplinaridade é uma ameaça à autonomia dos especialistas, vítimas de uma
restrição de seu campo mental. Eles não ousam suscitar questões estranhas à sua.
tecnologia particular, e não lhes é agradável que outros interfiram em sua área de
pesquisa (p.24).
Longe de propor uma articulação teórica
reducionista, a reflexão pedagógica sobre a crise
educacional deve voltar-se para toda importação
conceitual que beneficie a abordagem do sujeito
dentro do processo ensino-aprendizagem: e que avalie, simultaneamente, a posição
do educador e sua formação como indivíduo e técnico.
As escolas públicas brasileiras apresentam um alto índice de reprovação,
principalmente nas classes de alfabetização: este fracasso escolar é atribuído aos
alunos de baixa renda e, justificado pelas suas condições precárias de sobrevivência
que resultavam num grau diferenciado e prejudicado de inteligência. Nas escolas
particulares e nas universidades há um esvaziamento dos saberes que colabora
com o desemprego, com a ignorância e com a formação de um cidadão de terceira
categoria sem autonomia e senso crítico - Nesse espaço de falência transita- o
professor, diante de uma demanda
sem fim, onde ele próprio já é um subproduto acabado e com poucas chances
de alterar o quadro da Educação Nacional. Mal remunerado, na maioria das vezes
sem condições ideais de produzir - esse sujeito sofre a angústia de estar
participando de uma farsa, sofre a frustação de não ver o resultado de seu trabalho -
solitário por excelência, já que a escola, enquanto tal, é uma instituição impossível.
A escola passa por um momento grave de transição - onde a falência do
modelo vigente reflete-se no conflito entre o que foi e o que há de vir. Entre o velho e

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o novo. Equivocadamente pouco discute-se em profundidade as verdadeiras causas


conflituais. No afã de conservar-se o modelo falido, fala-se em novas tecnologias
educacionais. em mais eficiência, produtividade, adaptação dos sistemas
educacionais para os tempos de intensa competição internacional, da necessidade
do uso do computador como uma nova metodologia redentora de um passado
distante ― de cartilhas, quadro-negro, giz e palmatória - que, contudo, perpetua-se
ideologicamente sob a máscara da modernidade.
Enfim, corremos o risco de mumificarmos o cadáver com novas tecnologias
perdendo a chance do luto, que todo momento de transição oferece, e que propicia a
oportunidade de buscarmos novos caminhos, novos encontros, novas saídas e
soluções. Sem tomarmos o rumo da história, assumindo as rédeas de nosso próprio
destino e todas as transformações que realmente tragam o novo, contanto que o
novo seja adequado para o nosso processo de evolução, sem vivermos o conflito da
mudança e suas vicissitudes em profundidade; não há chance de sairmos do
momento de estagnação e da falência em que nos encontramos enquanto
educadores e instituição. E a escola, enquanto tal, continuará a produzir, em série,
sujeitos aptos à se adaptarem as rodas da engrenagem - assujeitados e alienados à
uma ordem - sem condição de reflexão e de transformação. Sofremos assim, nos
tempos de hoje, do apelo Faustiniano: mantermos viva a qualquer preço - num pacto
com forças poderosas - o que já se encontra em seu último fôlego de vida – A
escola; eternificando-a com a máscara da modernidade, mantendo a sua ação
destruidora da subjetividade criativa. Ou a deixamos morrer e recriamos um novo e
genuíno sistema de transmissão do saber e construção do conhecimento.

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UNIDADE 2 – CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA UMA


ABORDAGEM DAS RELAÇÕES HUMANAS EM SEUS DIFERENTES
ESPAÇOS AFETIVOS

A teoria psicanalítica marca a entrada do nosso século com a inscrição da


audácia e do pensamento revolucionário de Sigmund Freud. Nada seria como antes
a partir das descobertas de Freud sobre os tesouros e os demônios da alma
humana.
Freud foi um médico, neurologista, cientista e pesquisador que dedicou todo o
tempo de sua carreira, que se confunde com sua própria vida, a encontrar as causas
dos distúrbios mentais e tentar explicá-las. É a partir da clínica com seus pacientes.
E se colocando dentro do próprio processo analítico que Freud vai sistematizar sua
teoria sobre o inconsciente, a sexualidade infantil, o complexo de Édipo, as
instâncias psíquicas, o desenvolvimento da personalidade, a concepção da cultura,
a noção de pulsão e etc... Criando uma nova metodologia de abordagem psíquica.
Abandonando os modelos clássicos da época como a hipnose e, utilizando a
associação livre e a interpretação dos fenômenos psíquicos ocorridos dentro da
terapia para acessar o inconsciente. Lugar misterioso que oculta às ideias que
sucumbiram à repressão dos valores morais da cultura.
Freud nasceu em 06 de maio de 1856, em Freiberg, Moravia. Sua família era
judia e emigrou para a capital da Áustria, quando Freud fez 4 anos de idade. Morou
em Viena durante 78 anos.

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Concluiu seu curso de medicina em 1881, especializando-se em neurologia.


Trabalhou durante vários anos numa clínica de neurologia para crianças. Mas é a
partir de 1884, quando entra em contato com Josef Breuer e seu, método catártico
utilizando a hipnose na cura da histeria, que Freud toma uma nova e definitiva
direção em sua carreira.
Em 1985 Freud entra em contato com o neurologista francês J. M. Charcot
que também comunga com as ideias de Breuer a respeito da origem psíquica dos
sintomas neuróticos.
A partir daí, Freud caminha sozinho, pois suas ideias, já independentes,
apontam para direções revolucionárias e progressistas que vão de encontro à classe
média conservadora.
Freud morre em 23 de setembro de 1939, atravessa a guerra perseguido
pelos nazistas.
Foge para a Inglaterra, onde um câncer na boca, que já o atormentava há 10
anos, dá cabo de sua vida aos 83 anos de idade.
A partir de 1939 o mundo mudou muito, mas nenhum outro sistema
revolucionou tanto a concepção sobre o sujeito humano quanto à psicanálise.
Contudo, como dizia Freud: ―quem sabe um dia uma pílula resolva tudo, ou ainda,
―há momentos em que um charuto é apenas um charuto, e não um símbolo fálico.

SOBRE O INCONSCIENTE E A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE

A princípio o inconsciente é o que está fora do alcance da nossa consciência.


Por não constituir-se num modelo topográfico - identificado em alguma região
anatômica do cérebro, ou de qualquer outra área do organismo. Fica o
questionamento de como comprovar-se a existência de algo que não se tem
consciência, não se localiza. em lugar algum, mas que entretanto constitui e
determina a estrutura de cada sujeito.

A medida em que, por constituição, não se tenha a


consciência do inconsciente como identificá-lo, se
estamos mergulhados na alienação?

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Freud em seu artigo sobre ―O inconsciente (1915) descreve-o como um


sistema que possui conteúdos, mecanismos próprios (condensação deslocamento) e
uma energia específica. Um lugar psíquico, dinâmico, regido pelas leis do processo
primário (energia livre); onde há ausência de negação, de dúvida, de grau de
certeza, indiferença perante a realidade, um lugar regulado pelo princípio do prazer.
Em 1923, Freud, introduz o termo ―Id que passa a
equivaler-se em parte ao inconsciente. Descrito como ―o
grande reservatório da libido, ou seja, da energia pulsional,
é ele que dá origem ao Ego a partir do contato com a
realidade. E sob a influência desse atrito e os conflitos
impostos pelo mundo externo que a instância do ego se
constitui diferenciando-se do id e tornando-se consciência, porém parte do ego ainda
permanece inconsciente. Outra instância vai se modelando frente as exigências do
meio e toma para si a função de sensor. E o superego que diferencia-se a partir do
ego. É definido como o ―herdeiro do Complexo de Édipo. Constitui-se pela
interiorização das exigências e das interdições da cultura, é o representante psíquico
das leis que regem a civilização, das exigências sociais e culturais como a
educação, a religião e a moralidade.
Para Freud a parte consciente do sujeito, ou seja, parte do Ego vive sob o
domínio de forças poderosas - o Id e o Superego. Ao longo da vida o Ego age como
um político tentando negociar para sair-se o melhor possível da tensão provocada
pelo conflito entre o Id e o Superego O Id, como fonte das pulsões, força cega,
amoral, atemporal, que é regido pelo princípio do prazer, contrapõe-se ao Superego,
sede de uma força inibidora, que também age cegamente, impondo os valores
introjetados na corporificação das figuras parentais. O Ego vê-se então como
mediador de uma batalha negociando o cessar fogo. É justo na observação dessa
instância psíquica da personalidade que Freud pode abrir uma porta e escutar as
vozes do inconsciente.
Foi preciso muito tempo de pesquisa e de prática clínica, para que Freud
desvendasse os mecanismos que regem a mente humana.
O Ego na tentativa de aliviar as tensões provocadas pelo conflito entre a
censura e o desejo, isto é, o Superego e o Id, criou vários mecanismos de defesa
estabelecendo entre ele e o Id uma relação de compromisso, que consiste numa

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estratégia de burlar a censura para deixar escapar, descarregar a pulsão na busca


do prazer. Este contrato em que ambas as partes cedem um pouco ocorre a nível do
inconsciente. Portanto, quando a parte consciente do Ego é tomada de surpresa por
um esquecimento, por uma gagueira, por um tique, pela lembrança. de um sonho
bom, ou um pesadelo, por um angústia, fobia, medo injustificado, por chistes, por fim
pela psicopatologia, da vida cotidiana, temos a demonstração de um farto material
que escapa aos olhos críticos do Superego e emerge como um sintoma passível de
interpretação. Portanto, o sintoma é um testemunho da existência do inconsciente; é
a pulsão (carga energética) - (TRIEB), associada a uma idéia, ou ação, substituta da
ideia anteriormente reprimida. Como a pulsão nunca é reprimida, o que sofre a ação
da censura (superego) é a ideia que cria um determinado conflito moral. O acúmulo
da carga energética (pulsão) cria tensão no organismo. Em busca do equilíbrio o
aparelho psíquico objetiva a descarga, porém, ao encontrar a barreira da repressão
tensiona o Ego - que numa relação de compromisso com o inconsciente forma o
sintoma, válvula de escape que visa o equilíbrio do sistema, e que permite. a
compreensão dos mecanismos que regem o inconsciente.
Por fim temos um esquema que descreve a personalidade humana.
Entretanto temos que concebe-lo de forma dinâmica e não como um processo linear
de evolução.
Id, Ego e Superego são instâncias inseparáveis que
alimentam-se da mesma fonte pulsional.
O Ego forma-se - a partir do Id - quando entra em contato com
a realidade permanecendo uma parte sua inconsciente. Parte essa
que irá elaborar os mecanismos de defesa afim de burlar a censura do Superego,
quase sempre esmagadora. Censura essa capitalizada da cultura das leis, da moral.
perpassadas pelas figuras parentais na vivência do Complexo de Édipo. O
Superego, então, é uma instância que diferencia-se do Ego, e para além do Ego que
fica alijado de parte do processo que estabelece o que é bom e o que é ruim, o que
deve e o que não deve. Portanto, a parte consciente - em nós - é resultado de forças
poderosas, de um determinismo psíquico onde a hipótese do livre arbítrio cai por
terra nas mãos da pulsão e da censura. Carregando o Ego em ondas de culpa e
remorso pelos prazeres impossíveis.

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SOBRE A SEXUALIDADE INFANTIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Em 1905 Freud publica


seu trabalho sobre a
sexualidade infantil, que será
revisto até 1920. As ideias
básicas desse texto, e
aparentemente óbvias para nós
do fim do século, causaram um
espanto e um repúdio tão
grande que Freud foi
considerado por muitos como
um perverso, pregador de um pansexualismo inconsequente. Foi preciso o tempo
passar e a humanidade tornar- se um pouco mais flexível em relação a sua
sexualidade e seus modelos afetivos para que muito da hipocrisia da sociedade em
que Freud vivia fosse desmascarada, e o seu trabalho encarado como uma
contribuição fundamental para a compreensão da psique humana.
Freud pontua a diferença do ser civilizado e do animal a partir de sua
estrutura pulsional. Os animais tem instintos, que moldam padrões de
comportamentos, que variam de espécie para espécie, porém, dentro de cada
espécie são altamente inflexíveis.
Uma criança não é um animal, não tem instintos com padrões fixos forçados
ou moldados. Um animal sobrevive instintivamente em seu habitat através de seu
comportamento fixado por hereditariedade. O sujeito só sobrevive amparado
afetivamente e economicamente. Sua missão de vida e, em termos, domesticada
através da educação em favor da civilização.
Porém, o percurso da pulsão ao longo do desenvolvimento do sujeito, terá
características próprias e peculiares. Para Freud o indivíduo nasce potencialmente
bissexual, dado que a pulsão é polimorfa - não trazendo discriminada em sua
estrutura um objeto específico. E de acordo com o desfecho do caminho que a
pulsão percorre pelas fases do desenvolvimento, que o indivíduo,
independentemente de sua configuração anatômica, se tomará um homem ou uma
mulher.

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O desenvolvimento humano será marcado por suas relações afetivas que


darão sentido a pulsão. São os responsáveis pela educação da criança desde a
mais tenra idade, ou seja, seus primeiros objetos de amor, que marcarão o destino
do sujeito, através das épocas sucessivas de sua maturação Freud observa, no
decorrer de suas análises, que as fases do desenvolvimento individual se organizam
de acordo com a parte do corpo em que a libido esta momentaneamente
concentrada em consequência das necessidades fisiológicas e dos cuidados de
higiene porque passa a criança em seus primeiros anos de vida. Estabelecendo,
assim, a primazia de uma zona erógena do corpo.
As fases pre-genitais são nomeadas pela parte do corpo onde está
concentrada a libido - fase oral, anal e fálica - que por hipótese, num transcurso
normal do desenvolvimento, deve alcançar um período de latência que se situa entre
os sete e treze anos de idade; até, finalmente, chegar na fase genital que alcança
sua plenitude por volta dos dezoito anos de idade.

FASE ORAL

Vai desde o nascimento


até o desmame estando sob a
primazia da zona erógena bucal.
É pela boca que começará a
provar e a conhecer o mundo
externo. O seio e a mamadeira
são os primeiros objetos de
prazer que a criança tem contato;
a medida em que saciam a fome
que causa tensão no organismo. A criança procurará repetir a sensação prazerosa
de satisfação que ocorre com a alimentação, tentando reproduzi-la
independentemente da necessidade fisiológica – levando a boca todos os objetos
que estiverem disponíveis: dedo, chupeta, chocalho, fraldas, etc. A mãe passa a ser,
então, uma figura ligada à satisfação, ao prazer do ato de mamar - ao seio provedor
- à quem a criança esta identificada. A mãe constitui-se, primitivamente, no primeiro
objeto de amor à quem a pulsão se liga fora do corpo da criança.

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A criança incorpora o leite através do seio e sente a mãe dentro dela como
um só ser. A esse primeiro momento narcísico temos uma forma passiva de
manifestação da fase oral tudo que a criança encontra é levado a boca visando á
apreensão em si mesma, numa relação incorporativa, do mundo que à cerca.
Num segundo momento, paralelo aos sofrimentos da dentição, a criança
manifesta uma pulsão agressiva, destrutiva. Mordendo tudo que vier à boca. É
desse momento de agressividade frente ao objeto amoroso que a criança extrairá
subsídios afetivos para futura combatividade social.
Para a criança amar significa incorporação oral e o mastigar atualiza fantasias
destrutivas.
Um bom desenvolvimento dessa fase resulta num modelo afetivo saudável.
Um ponto de fixação na fase oral estabelecerá a preponderância da agressividade e
da destrutividade do objeto amoroso, e de determinadas características da
personalidade do indivíduo: os fumantes, bebedores, comilões, toxicômanos,
oradores, etc.

FASE ANAL

A libido passa da organização oral


gradativamente. sem evidentemente abandoná-
la de todo, para a fase anal aproximadamente
entre 1 e 3 anos de idade. Esta zona passa a ter
uma importância significativa paralelamente ao
aprendizado do asseio esfincteriano. A mãe
passa de nutridora incondicional da fase oral à
exigente disciplinadora dos hábitos de higiene.
Criando um sentimento de ambivalência da criança em relação a ela.
As fezes passam a ter então um valor simbólico constituindo-se no primeiro
produto que a criança oferece ao mundo - que efetivamente lhe pertence - é uma
produção própria. É através desse produto que a criança cria uma fantasia de valor
simbólico das fezes. No ambiente seguro para a criança, as fezes passam a
representar um presente a ser ofertado aos pais; quando, ao contrário, o ambiente é
hostil e exige uma disciplina rígida quanto aos hábitos de higiene a criança se

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recusa a oferecer as fezes ao mundo externo, ou seja, sua produção, seu presente.
Doar seu produto no momento em que é solicitado torna-se uma maneira de
presentear à mãe, ao contrário, a recusa é uma resposta negativa frente ao desejo
materno.
Ao atingir o controle esfincteriano a criança descobre a noção de seu poder,
da sua propriedade privada - as fezes que ela oferece ou não quando ela quer. Esse
símbolo se desdobrará ao longo da vida no dinheiro, objetos preciosos, o bebê, o
controle, a posse, etc.
Uma fixação nessa fase tornará o sujeito exigente, manipulador, controlador,
obsessivo por limpeza, e arrumação, mesquinho em relação à suas posses.

FASE FÁLICA

Ocorre dos 4 aos 7 anos


aproximadamente e é marcada pelo
interesse sobre a diferença anatômica, isto
é, sobre os genitais. E marcada também
por um momento decisivo para a formação
do sujeito - O Complexo de Édipo.
A curiosidade sobre as diferenças
entre o menino e a menina se volta para o
órgão sexual masculino. O pênis, por ser
visualmente destacado, passa a ter um
significado de referência. O menino que possui o pênis encara a falta na menina
como uma ameaça à sua integridade física. A fantasia de que todos são iguais e que
por algum motivo as meninas foram punidas e castradas, leva o menino a temer a
castração. Já a menina, a priori, encara a diferença como uma perda irreparável - o
clitóris representa para ela o pênis não desenvolvido, que foi castrado. Surge nessa
fase o ―Complexo de Castração. O Complexo de Castração está ligado ao núcleo
do Complexo de Édipo; e surge como uma ameaça real ou fantasmática de
castração.

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O menino teme ser castrado pelo pai à quem ele ama e odeia. O ódio está
diretamente ligado ao relacionamento especial que a figura paterna mantém com
seu objeto de amor - a mãe.
Para o menino o Complexo de Castração e o fim do Complexo Édipo - ou seja
- a sua resolução. A autoridade do pai interpõe-se na relação amorosa do menino
com a mãe – na angústia de ser castrado pelo pai, como castigo do seu desejo pelo
objeto amoroso proibido, o menino introjeta a censura, a interdição desse amor, a
lei, formando nesse momento o Superego, e se identificando com a figura paterna
que em síntese detém o desejo da mãe. O Superego introjetado passa a ser o
representante da moral, da cultura, da religião, das normas, da lei, da culpa, da
interdição do desejo.
O caminho da menina é diferente pois ela entra no Complexo de Édipo, ou
seja, no triângulo amoroso – Mãe – Pai - Filho, não com o temor da castração, pelo
desejo do objeto proibido (a mãe) - como acontece com o menino - e, sim, já
castrada procurando o pênis do pai, o falo, que é o representante do poder onde
reside em última instância o desejo da mãe.
A menina sentindo-se castrada desse poder vai em busca na direção do pai.
A menina, então, introjeta os valores femininos imitando a mãe para seduzir o pai.
Em busca, em última análise, do que falta à ela e à mãe acaba por identificar-
se com a figura feminina. Fantasiando durante muito tempo ter um filho com o pai. O
declínio do Complexo de Édipo na menina é mais complicado.
No texto ―Totem e Tabu (1912-13) Freud tenta explicar com dados da
antropologia a psicogênese mítica do Complexo de Édipo.
Freud sustenta a hipótese de que o sistema totêmico e a exogamia surgem
simultaneamente à partir do assassinato do pai primitivo, fundando o momento
original da civilização enquanto a conhecemos. O totemismo, para Freud é uma
entrada no simbólico que permite a convivência em grupo. E a partir da revolta
contra o Pai Primevo, violento, temido e invejado, por possuir todas as mulheres do
grupo, que os filhos cometem o parricídio.
Matando e comendo sua vítima como costume da Horda Patriarcal; ao
devorar o pai os filhos realizam uma identificação com o pai temido e poderoso. A
refeição totêmica, o mais antigo festival da humanidade, seria uma repetição e uma

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comemoração desse memorável ato criminoso, que dá início a organização social,


as restrições morais e religiosas.
A morte do pai, entretanto, traz um sentimento de culpa. O pai morto torna-se
mais forte que o vivo, pois o que era interdito por sua existência real passa a ser
proibido pelos próprios filhos. Anularam o próprio ato (parricídio) proibindo a morte
do Totem - o substituto do Pai. E abriram mão à reivindicação às mulheres libertadas
do pai tirânico. Pois o lugar ocupado pelo pai representava também uma ameaça em
potencial, um lugar de constante perigo; pois quem o ocupasse estaria fadado a
padecer do mesmo mal. Foi criado o sentimento de culpa filial. A morte do pai foi em
vão. O grupo só pode se manter se renunciar seus desejos de terem todas as
mulheres que foram do pai.
O totemismo pressupõe uma lei natural contra as relações sexuais entre
pessoas do mesmo Totem e consequentemente contra o seu casamento. E proibida
a morte do Totem que representa o ancestral comum - Pai Primevo. Normalmente
simbolizado por um animal selvagem, ou doméstico e mais raramente por
fenômenos da natureza.
O sistema totêmico é o primeiro grupo mais ou menos organizado de homens
que se tem conhecimento. De tamanho limitado (horda) é constituído de um macho
e várias fêmeas, quando um macho novo cresce há uma disputa pelo domínio, o
mais forte vence e expulsa ou mata o outro - tornando-se o chefe.
É proibido matar o animal totêmico que representa o antepassado comum de
todo clã. O totem é um objeto deificado. Entretanto, em ocasiões especiais ocorre o
sacrifício onde todo o clã é obrigado a participar da matança e da refeição do totem.
Com a morte e consumo da carne, os integrantes do clã renovavam suas forças e
asseguravam sua semelhança com Deus. Quando a cerimônia termina há luto e
lamentações. Porém o luto vem junto com comemorações, o festival do luto. Que
consiste na comemoração de algo que normalmente é proibido - a morte do Totem.
A psicanálise mostra que o Totem representa o pai - que embora morto é
festejado e lamentado Amor e Ódio ingredientes básicos que nutrem a nossa
microestrutura social – a família.

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FASE DE LATÊNCIA

Com a resolução dos conflitos edipianos pela repressão ou recalcamento do


interesse sexual pelos seus pais, por volta dos 7 anos aos 13 anos, surgem as
faculdades de sublimação que permitem ao indivíduo a conquista do mundo exterior
- a socialização efetiva do sujeito. É nessa fase que surge a competência e a
disposição para um desenvolvimento intelectual abrangente.

FASE GENITAL

Dos 13 aos 18 anos essa fase coincide com a puberdade. O corpo em


transformação dá ao menino a possibilidade de ejacular, à menina a capacidade de
menstruar e o aparecimento dos seios. No nível do desenvolvimento das etapas
anteriores se tiverem ocorrido sem fixações neuróticas, ou seja, transpostas com
maturidade, teremos agora a primazia dos genitais. As pulsões que estavam a.
serviço das sublimações sociais voltam a ressurgir. O amadurecimento físico
proporciona ao sujeito a possibilidade de concretizar sua sexualidade genital. O
rapaz continua valorizando seu pênis. A moça, em contra partida, fará uma
passagem do investimento anterior do clitóris à vagina.
Nessa fase os conflitos das identificações parentais reaparecem na busca por
uma identidade própria. As normas sociais, as necessidades pulsionais, as heranças

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da infância trazem conflitos violentos para o adolescente que procura um espaço


afetivo onde sinta-se seguro.

CONCLUSÃO

Os saberes sobre o indivíduo e seu comportamento, vem sendo construído ao


longo da história da humanidade. Várias maneiras de olhar o mesmo objeto
constituíram diferentes sistemas teóricos. Contudo, como afirma Piaget; O
conhecimento atinge o real só tangencialmente.
A psicanálise é mais um instrumento a ser utilizado na
tentativa de compreender melhor esse objeto tão complexo que
traz em sua singularidade o fato de ser agente e paciente de sua
própria pesquisa.
Freud em vários trabalhos como ―Totem e Tabu, ―Psicologia de
Grupo e a Análise do Ego, ―O Futuro de uma Ilusão, Moisés e o Monoteísmo,
Mal estar na Civilização, tenta dar conta de questões como a moralidade, a religião,
as instituições sociais, a autoridade política. E, na verdade é no núcleo do Complexo
de Édipo que Freud encontra respostas para questões como autoridade, poder
religião - enfim para nossa civilização.
A psicanálise não é um método de interpretação da sociedade e, sim uma
abordagem, uma ótica diferenciada que permite entender as relações humanas e
suas dificuldades, a partir do próprio entendimento pessoal, ou seja, uma postura
mais livre, mais equilibrada frente à vida, levará o sujeito a ter melhores
relacionamentos afetivos e de produção. Contudo, longe de ser um sistema
adaptativo - o auto conhecimento é transformador pois leva o sujeito a caminhar na
direção do seu desejo; e não mais neuroticamente em direção à economia do
determinismo psíquico.
O auto conhecimento é libertador e, é através da razão que se escolhe o
objeto digno de ser desejado e não aquele que foi imposto por mecanismos de
defesa do tempo em que ainda, éramos crianças.
Um educador neurótico, infeliz, comprometerá o processo de aprendizagem,
porque a relação que se estabelece entre o professor e o aluno é uma relação
afetiva - de transferência - isto é: o professor ocupa o lugar da autoridade, a

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autoridade é o lugar do pai. Portanto, querendo ou não esse é um lugar afetivo, onde
cabem amor e ódio. Caso o professor tenha atravessado seus conflitos edipianos
com tranquilidade, sem fixações e evoluindo para a fase genital, tornando-se um
adulto com capacidade de ser feliz e produtivo, então e só então - ele transitará com
bom senso no lugar do poder. Caso contrário, ele não terá estrutura para aceitar a
demanda de amor e ódio que se projetam na sua figura no processo de
transferência. E, aí ocorrerão sucessivos erros que comprometerão o
relacionamento professor X aluno e, por fim, a aprendizagem.
O abuso da autoridade, a permissividade, o paternalismo, a indiferença - são
ingredientes de um educador despreparado. Por ser na verdade um sofredor. A
psicanálise oferece um olhar diferente para si próprio e para o mundo um eterno
questionamento sobre as condutas repetidas - do pão nosso de cada dia - que nos
levam a relacionamentos mesquinhos, a uma vida empobrecida, ao medo das
transformações que possibilitam a felicidade.
Educar é saber-se humildemente um eterno aprendiz. E nesse lugar de aluno
compartilhar, conviver. re-criando um espaço afetivo onde o amor desfaça o ódio,
assegurando a possibilidade de um crescimento saudável.

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UNIDADE 3 – A TRANSFERÊNCIA DO IMAGINÁRIO OU O


IMAGINÁRIO DA TRANSFERÊNCIA: ASPECTOS DIFERENCIAIS DA
ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO E DO PSICANALISTA EM
INSTITUIÇÃO

(Texto elaborado por Levy Magalhães Mrech,


Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo)

Um dos problemas mais sérios que enfrenta o psicopedagogo na supervisão


institucional é aquele apresentado pelo imaginário. O registro do imaginário tece as
relações entre as pessoas.
Fala-se de imaginário institucional referindo-se ao conjunto de imagens que a
instituição apresenta a todos aqueles que ali trabalham, bem como de registro do
imaginário para referir-se ao conjunto de imagens do sujeito. No primeiro caso
estamos em frente a um imaginário grupal e no segundo em frente a um imaginário
individual.
A instituição constantemente se refaz. A questão está em saber de que
maneira ocorre este processo.

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1- O IMAGINARIO GRUPAL E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

Um dos aspectos mais importantes do imaginário grupal é que ele é feito à


revelia dos sujeitos. Quando o psicopedagogo trabalha em supervisão, é muito
importante que ele levante qual é a história da instituição. Geralmente através da
história é possível perceber os chamados pontos de emperramento do processo de
aprendizagem do grupo. Por exemplo, os professores assinalam que não adianta
mexer muito, que as coisas na instituição são o que são. Com esta fala os
professores já se colocaram em um plano de impossibilidade. A sua modalidade de
aprendizagem já ficou retida e a sua inteligência, bem como a dos seus alunos, ficou
aprisionada.
Os focos de impossibilidades grupais são os chamados focos resistenciais.
Ou seja, no grupo se define até onde se pode mudar. A escolha do processo de
mudança geralmente está muito abaixo do próprio potencial do grupo.
Em segundo lugar, mesmo que o grupo opte por mudar e acredite na
mudança, é necessário um longo tempo para mudar externamente a imagem da
instituição. A comunidade também precisa passar por um processo de redefinição da
imagem grupal.
Este processo leva tempo e algumas vezes há uma recusa da comunidade
em mudar a imagem da instituição. Nos casos em que a instituição tem um histórico
negativo é preciso que o psicopedagogo vá muito devagar, mas, ao mesmo tempo,
atue de maneira bastante intensificada para que os supervisionados não percam a
vontade de continuar o processo de mudança, em face ao processo social de
estereotipagem social.
Em terceiro lugar, é preciso que o psicopedagogo tenha uma boa teoria que o
auxilie em momentos de angústia e desestruturação do grupo. Uma teoria que
possibilite que ele não caia na armadilha das imagens institucionais. A instituição
constantemente se refaz. A questão está em saber de que maneira ocorre este
processo. Se a reformulação segue a imagem anterior, o processo será o da
reprodução de uma instituição fechada. Se ela se permite perceber em processo de
mudança, ela tenderá a se apresentar de uma forma mais aberta e permeável. Maud
Mannoni assinalava a importância da instituição passar sempre, através da fala, por
uma processo de modificação contínuo onde ela se repensasse. A este processo ela

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nomeava de instituição estilhaçada. Quanto mais móvel for a imagem da instituição,


mais facilmente ela mudará os parâmetros dos seus participantes. Quando ocorrer a
situação inversa, mais dificuldades encontrará o psicopedagogo para auxiliar os
profissionais a mudarem a sua modalidade de aprendizagem.
Um quarto aspecto a ser assinalado é a importância da alteração contínua da
própria modalidade de aprendizagem do supervisor. O psicopedagogo é o primeiro a
ter de se repensar continuamente em um processo de mudança. Se a sua
modalidade de aprendizagem estiver solidificada, ele não poderá acompanhar as
mudanças do grupo e crescer com ele. O grupo para onde o supervisor reside.
Neste sentido, é preciso que trabalhemos um pouco mais aprofundamente o registro
do imaginário como base para se pensar a questão das imagens individuais.

A consciência foi tida durante muitos séculos como o


lugar do pensamento do sujeito.

2 - O REGISTRO DO IMAGINÁRIO E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

De onde parte Lacan para trabalhar com o registro do


Imaginário?

Ele parte das colocações de Henri Wallon.


Inicialmente Lacan elabora o registro do Imaginário se estruturando em
colocações wallonianas tais como a seguinte: Em psicologia é coerente supor-se
que o sujeito deve tomar consciência do seu ―eu‖ antes de poder imaginar o dos
outros, que um conhecido por intuição ou experiência direta e o outro por simples
analogia, que constituem dois objetos inicialmente distintos e que pode haver
projeção do primeiro no segundo (..). Toda uma longa tradição liga a consciência a
uma realidade profundamente individual, onde ela representaria um poder de

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introspecção. Desta introspecção dependeria o mundo íntimo e fechado da


sensibilidade subjetiva (...). A criança principia pelo autismo e passa pelo
egocentrismo antes de poder imaginar os outros como parceiros capazes de encetar
relações de reciprocidade.
Na posição tradicional, no inicio o sujeito está fechado para o mundo. No
inicio não há objeto, só o sujeito. Wallon questiona esta posição assinalando:

Seja no âmbito do imaginário grupal


quanto no imaginário individual à
autonomia da forma é um conceito
que Lacan sempre criticou.

Na progressão indicada por Piaget, o que é exato é o alargamento gradual do


campo onde podem desenvolver-se a atividade e os interesses da criança. (...) Mas
não parece que a consciência individual seja um fato primitivo. (...) Não há autismo e
egocentrismo: sistema fechado que mais tarde deverá abrir-se às exigências da
compreensão mútua no meio social. (...) A consciência não à a célula individual que
deve um dia abrir-se sobre o corpo social, é o resultado da pressão exercida pelas
exigências da vida em sociedade sobre as pulsões dum instinto limitado que á o
mesmo do indivíduo representante e joguete da espécie. Este ―eu‖ não é então
uma entidade primária, a individualização progressiva de uma libido primeiramente
anônima à qual as circunstâncias e o desenrolar da vida impõem que se especifique
e que entre nos quadros de uma existência e duma consciência pessoais.

Qual a diferença de se partir de uma posição, que privilegia


uma concepção, que acredita que desde o início o sujeito já
está dado e o objeto também; e uma que privilegia a
construção do sujeito e do objeto?

No primeiro caso, fica-se com as imagens e no segundo com o sujeito.

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Pressupor que a instituição já é um imaginário formado e imutável (o que vem


acontecendo de uma maneira violenta na escola pública, por exemplo), é ficar com
as imagens solidificadas e resistenciais da instituição. Neste caso, a instituição se
corporificou, tomando peso e se instituindo com um ser ou uma entidade autônoma.
A instituição toma-se um conjunto de imagens que tende a se perpetuar no tempo.
Esta forma de externalização do imaginário — o constituir-se em um ser — e
bastante com um tanto do ponto de vista do imaginário grupal quanto individual, O
imaginário caracteriza-se fundamentalmente por tomar a imagem no lugar do objeto.
E como se a imagem ganhasse um corpo e se constituísse , para se contrapor ao
próprio objeto. E como se a sombra quisesse se fazer passar pelo sujeito, como se a
imagem da instituição quisesse se fazer passar pela instituição.
Lacan assinala que o imaginário é a fonte de alienação do sujeito. E onde ele
se paralisa através da visualização da imagem especular. Ou seja, o imaginário atua
para que fiquemos presos na imagem do espelho e não no próprio objeto.
Por isso é fundamental que o supervisor de Psicopedagogia atue fazendo
falar tanto a instituição quanto os sujeitos que dela fazem parte. Somente a palavra
(o símbolo) quebra o circuito de imagens solidificadas.

2.1. ASPECTOS INDIVIDUAIS

No entanto, sem dúvida, é no plano individual e não no grupal que o


Imaginário exerce um poder de impacto maior. Segundo Lacan isto ocorre porque há
uma confusão bastante grande entre uma série de termos. Para Lacan, há dois
aspectos básicos que estão em jogo: o primeiro refere-se à confusão entre a
consciência e o ego e o segundo entre a consciência e o sujeito do inconsciente.
A consciência foi tida durante muitos séculos como o lugar do pensamento do
sujeito. Ela foi fundamentalmente trabalhada ao longo dos séculos pelos filósofos. A
consciência sempre foi vista como autoconsciência, isto é, como aquilo que dentro
do sujeito se move por si mesmo. Lacan faz a crítica deste tipo de estruturação
mental e de construção do pensamento. Ele revela que aí é como se a consciência
se edificasse, a imagem criasse vida e se fizesse passar pelo sujeito. Seja no âmbito
do imaginário grupal quanto no imaginário individual a autonomia da forma é um
conceito que Lacan sempre criticou. A forma cria vida e se faz passar pela coisa. A

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forma autônoma é apenas uma imagem vivificada, o que não quer dizer que ela
esteja realmente, mas que realmente ela faz passar como tendo uma existência real.
Dizer que uma classe especial é uma - classe de louquinhos - não quer dizer que se
apreendeu as bases do seu funcionamento, mas exatamente o seu inverso. O
sujeito se prendeu à forma e perdeu o conteúdo. Dizer que uma escola é de periferia
e que os alunos são da favela, não quer dizer que se apreendeu a escola e os
alunos. As imagens se formaram e foram à frente do professor. Com isto perdemos
tanto o professor, os alunos quanto a própria escola.

...e como se ele precisasse reduzir a velocidade de


percepção das imagens, tentando parar em algo que é
conhecido.

Sob este aspecto é fundamental que o psicopedagogo, em sua atuação, evite


a transferência do imaginário, tanto para o indivíduo quanto para a instituição. Daí a
importância de os supervisionados falarem a respeito do seu processo. De eles
mesmos tecerem o que está acontecendo com eles. A interpretação do
psicopedagogo introduz uma outra imagem, um outro símbolo. E preciso que os
supervisionados se falem para que possam se escutar e estabelecer imagens e
símbolos mais próximos da coisa real.

3. PSICOPEDAGOGO DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA

Cumpre ressaltar que há uma diferença primordial no processo de atuação do


psicopedagogo de orientação psicanalítica lacaniana. Enquanto o psicopedagogo
faz o seu supervisionando falar, o psicopedagogo de orientação psicanalítica precisa
fazer um outro trabalho ainda mais específico: é preciso que todas as imagens
sejam quebradas. Não deixar que os sujeitos percam a escuta e privilegiem uma
imagem ou outra. Isto porque o psicopedagogo de orientação psicanalítica lacaniana
trabalha com a dinamização do circuito do imaginário. Ou seja, ele tem por objetivo
fazer o sujeito repensar todo o circuito de imagem.

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Com isto, gradativamente, o supervisionando começa a perceber que, atrás


do circuito das imagens, há uma matriz simbólica. Em suma, cada supervisionando
começa a perceber que tem o seu próprio conjunto de imagens distinto dos demais.
Este conjunto de imagens o remete a uma relação e posição inicial em que ele foi
colocado pelo Outro. E o momento em que o supervisionando começa a perceber a
importância de trabalhar este processo, mais aprofundamente, em sua própria
análise.
É importante perceber que, enquanto o psicopedagogo de
uma orientação objetiva recebe o conteúdo transferencial em
alguns momentos, o psicopedagogo de orientação psicanalítica
está recebendo este processo continuamente.

Este é um momento de enorme resistência por parte do supervisionando. Ele


tende a se aferrar ao que ele já conhece dele. Ele quer muitas vezes que o
psicopedagogo deixe de indicar a mobilidade das imagens. E como se ele
precisasse reduzir a velocidade de percepção das imagens, tentando parar em algo
que é conhecido. Este é um momento que lembra o chamado ―medo de aprender
de Bion. Neste nível, as emoções podem aparecer principalmente aquelas
referentes aos medos, às angústias, às agressividades de diferentes formas etc. O
supervisionando agride, sente- se mal e questiona para não possibilitar que entre no
circuito psicopedagógico aquilo que ele conserva com mais carinho: as suas
imagens ideais. Sintetizando, o supervisionando paralisa o processo de
aprendizagem do novo para não perder os seus ideais. E o momento em que a
supervisão psicopedagógica esbarra no ideal do Eu.
O plano da consciência, o Eu ou o Ego, traz para o sujeito a impressão de
que ele se captou ou captou o objeto através da imagem. As imagens ideais têm um
poder de impacto maior. Elas revelam que, embora o sujeito se acredite nas
imagens e, principalmente, nas imagens ideais, ele se encontra em outro lugar, em
outra cena. O plano da consciência, do Ego ou do Eu, é duplo: ele tece tanto o
sujeito quanto o Outro. Henri Wallon já explicitava este processo: A elaboração do
Eu e do Outro por parte da consciência faz-se simultaneamente. São dois termos
conexos cujas variações são complementares e as diferenciações recíprocas.

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Supôs-se algumas vezes que o Eu era constituído por condensações da


sensibilidade mais subjetiva e que o Outro o era por expulsão das imagens
exteroceptivas. Esta oposição não é exata. De fato, o Outro fez-se atribuir de tanta
realidade intima pela consciência como o Eu, e o Eu não parece comportar menos
aparências do que o Outro. O Eu e o Outro são imagens que construímos de nós
mesmos e do Outro. O Eu e o Outro são imagens que foram construídas e que
acreditamos nelas, incorporando-as. Um problema fundamental é que geralmente
em supervisão essas imagens são tomadas como seres concretos.
Do tipo: ―Eu sou assim e você é do outro jeito. Nós não vamos mudar. Você
não vai mudar. Eu não vou mudar. Em suma, o conteúdo do supervisionando toma-
se essencialmente resistencial. E possível muitas vezes que haja uma quebra na
relação psicopedagógica. E o momento em que, para não mudar, o supervisionando
quebra o vínculo transferencial.
É importante perceber que, enquanto o psicopedagogo de uma orientação
objetiva recebe o conteúdo transferencial em alguns momentos, o psicopedagogo de
orientação psicanalítica está recebendo este processo continuamente.
Quando chega o momento de trabalhar com as imagens ideais, o
supervisionando começa a receber a agressividade do supervisionando. E o
momento em que ele deixa de bascular as imagens apresentadas pelo Eu e pelo
Outro. Isto é, o Eu e o Outro fazem parte do mesmo bloco.
Eles constituem a mesma cena. No Eu o sujeito faz a cena e no Outro ele se
observa e se julga. O conteúdo que ele reconhece mais facilmente encontra-se no
Eu, e o conteúdo que ele reconhece menos encontra-se no Outro. Quando a relação
transferencial se intensifica negativamente, há uma quebra e uma constituição de
circuitos independentes: o do sujeito e do Outro. De um processo onde havia o Eu e
o Outro, há uma passagem para ou Eu ou Outro. A convivência com o
psicopedagogo toma-se impossível e a relação se conclui. Se a relação se quebrar,
o sujeito passará por um processo de luto, onde terá de resgatar o conteúdo que ele
deixou no Outro.

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O marco maior da teoria lacaniana não se encontra na


imagem, mas na questão referente ao desejo.

Tomamos como paradigma aqui o processo de interação do supervisionando


com o psicopedagogo. Mas podemos pensar este mesmo processo em situações
como o vinculo que o professor estabelece com a instituição, com os colegas, com a
criança. E importante que o vinculo se encontra no Outro seja resgatado para que o
supervisionando possa perceber o que realmente está ocorrendo. Quando a fala se
paralisa, processo de trânsito entre o Eu e o Outro deixa de acontecer e tende a se
solidificar.
Este processo é bastante comum em situação de sala de aula quando a
professora apresenta uma birra em relação a determinado aluno. Ela para de
resgatar o seu conteúdo que se encontra no Outro. Até que há uma ruptura final
onde os dois não podem conviver em conjunto.
A saída que Lacan encontrou para fora do registro do
Imaginário não aconteceu ao acaso. O marco maior da teoria
lacaniana não se encontra na imagem — como no caso de Henri
Wallon —, mas na questão referente ao desejo. Foi através dele
que Lacan conseguiu fazer a passagem para um mais além da imagem. Diana
Rabinovich explicita melhor este processo em Lacan: (...) O movimento como tal, a
inquietude de alguém que quer ser algo que todavia não é, que quer se tornar outro
do que é, é o que caracteriza os distintos momentos da consciência de si, que
sempre quer se tornar outra, diferente da que foi em seu passado, assumir outra
figura.
Há no sujeito uma busca da identidade estruturada de forma definitiva.
Estruturada de uma forma que, uma vez constituída a imagem primeira, ela tenda a
se perpetuar. No entanto, o que caracteriza o ser humano é exatamente esta
mutabilidade constante. As imagens não permanecem, as imagens se trocam e
se confundem entre si. Lacan assinala que é exatamente porque o sujeito não tem
identidade que ele pode identificar-se e assumir as identificações. O papel do

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psicopedagogo de orientação psicanalítica em instituição é revelar que o sujeito não


está na imagem, no processo identificatório, mas em outro lugar, em outra cena.

4. A ATUAÇÃO DO PSICANALISTA EM INSTITUIÇÃO

Enquanto o psicopedagogo de orientação psicanalítica na instituição trabalha


com a quebra das imagens e dos estereótipos. O psicanalista atua na instituição a
partir de um outro eixo. Por sua formação especializada, ele tem condições de
trabalhar na escuta de uma frente específica que é a questão fantasmática,
vinculada ao desejo do Outro.

Por que Lacan dá importância ao desejo do Outro no


processo de estruturação do sujeito e não à imagem?

Porque é através do desejo do Outro que se tece o universo do sujeito, o


mundo, a cena fantasmática de onde tudo vai se estruturar. Para Hegel e os
consciencialistas, o Outro é aquele que me vê, aquele que sabe de mim, aquele o a
quem eu pergunto e ele responde do sobre as minhas coisas. A psicanálise revela
que é fundamental que o psicopedagogo não se reduza a este processo, ou seja,
que ele não se creia como aquele que detém o saber a respeito do processo do
sujeito Sintetizando o pensamento lacaniano, Diana Rabinovich revela que:
(...) O Outro está ali como consciência, constituída como tal, e involucra
o meu desejo em função do que lhe falta e que ele não sabe que lhe falta. No nível
do que lhe falta e que não sabe, me encontro involucrado da maneira mais
pregnante, porque não há para mim outro rodeio que me permita encontrar o que me
falta como objeto do meu desejo.
O psicanalista na instituição introduz a castração. Ou seja, o Outro também
não sabe. E ele também não tem a resposta. Há a constatação da falta. Há a
constatação de que a resposta tem de ser buscada em função do desejo do Outro e
do desejo do Sujeito, mas ela é sempre parcial.
Ou seja, não há como o sujeito se satisfazer plenamente. No mundo da
linguagem lidamos sempre com palavras, com imagens e com símbolos. A coisa que

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poderia nos satisfazer sempre nos escapa. A castração introduz um processo


contínuo no sujeito de escuta do desejo:
(...) (há) uma diferença radical entre a satisfação de um desejo e a corrida
em busca do acabamento do desejo — o desejo é essencialmente uma
negatividade, introduzida num momento que não é especialmente original, mas que
é crucial, de virada,
O desejo é apreendido inicialmente no outro, e da maneira mais confusa. A
relatividade do desejo humano em relação ao desejo do outro, nós a conhecemos
em toda reação em que há rivalidade, concorrência, e até em todo o
desenvolvimento da civilização(...)
O que há por trás do imaginário é o desejo do Outro. O desejo do Outro
estrutura a matriz simbólica do imaginário que forma todo o conjunto de imagens do
sujeito. E como se o simbólico fosse um projetor que jogasse as imagens em
determinado lugar.
Os filmes, as imagens, podem mudar. Mas o projetor — mesmo que seja
mudado de lugar — remeterá as imagens sempre para o mesmo local. Não importa
que este local não seja o ideal. O que importa é a posição do projetor.
O conceito de Desejo do Outro introduz outra ordem de colocação, uma outra
postura no sujeito que é uma busca pelo acabamento do desejo. Ou seja, saber por
que o seu projetor remete a um lugar determinado e apresenta certo número de
filmes. Sem abordar a partir da óptica do psicanalista, o processo do sujeito
parecerá sempre fragmentário e sem sentido. Há uma lógica que o sujeito precisa
atingir para saber por que o seu projetor foi colocado de determinada forma.
Somente estruturando-a através da análise, o sujeito poderá perceber que não é ao
acaso que o seu projetor foi colocado naquele lugar e apresenta determinado rol de
filmes. Só atingindo o fantasma primário, o sujeito consegue saber a respeito da
montagem do imaginário e do simbólico, em função do registro do real. Mas este é
um aspecto que só pode ser trabalhado na análise individual do sujeito. Por mais
que se delineiem os fantasmas secundários na instituição, eles não conseguem
revelar porque certos sujeitos foram atingidos por eles e outros não. Somente o
fantasma primário tem a resposta que permite o esclarecimento deste processo. Mas
isto só é possível se descobrir na análise pessoal do sujeito.

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UNIDADE 4 – A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE FRENTE AS


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Vera B. Zimmermam

O fracasso escolar passou a ser


considerado patologia no final do século
XIX, à medida que foi instaurada a
escolaridade obrigatória e a sociedade
sofria mudanças radicais rumo à
modernidade. Estas mudanças passaram
a cobrar novos valores do
desenvolvimento do humano, entre os
quais o êxito social passando pelo desempenho escolar. (1) A dificuldade de
inserção social dos sujeitos que não cumprem estes novos paradigmas da
modernidade fica comprometida, sendo, quase sempre, excluídos ou
desvalorizados.
... cabe pensarmos no social enquanto um lugar que deve
possibilitar espaço para as diferenças, e não só para as
padronizações.

A Psicanálise, que surgiu tentando resgatar o sujeito histérico também de


uma exclusão social, possibilitando que seus sintomas fossem escutados de forma
que entendesse seu verdadeiro sentido encoberto pelo mal-estar físico, busca
também entender e trabalhar a mensagem do sujeito que não alcança estes novos
ideais sociais através do percurso escolar.
Construindo conhecimento que, às vezes se soma, às vezes se bifurca, tenta
escutar o fracasso escolar não só como uma patologia na constituição do sujeito
psíquico, mas também enquanto uma linguagem onde ele tem suas dificuldades
cristalizadas por esta pressão social ou mesmo quando constrói a dificuldade de
aprender como sintoma de sua discordância a estas exigências.

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Portanto, à medida que a Psicanálise se funda na tentativa de contribuir para


que o ser humano se constitua mais coerente com a sua singularidade, cumpre,
então, olhar o social sobre esse sujeito, que, ao fracassar na escola, pode estar
expressando seu mal-estar por não se inserir nos padrões estabelecidos por estes
valores. Nesta perspectiva, cabe pensarmos no social enquanto um lugar que deve
possibilitar espaço para as diferenças, e não só para as padronizações. Frente a isto
há que se redimensionar enfoques terapêuticos, posturas psicopedagógicas, a
busca não é, necessariamente, enquadrar, mas ajudar o diferente a encontrar um
lugar social produtivo da forma como lhe é possível, ou ajudá-lo a encontrar
respostas por outras vias, outras formas de conhecer. O desafio psicanalítico
sempre foi, desde o início da sua construção, escutar as diferenças e contribuir para
que o sujeito produza seu bem estar dentro delas.
Dentro desta perspectiva, ou seja, escutar as diferenças e pensar num lugar
que lhes possibilite uma inserção social produtiva, gostaríamos de refletir mais
especificamente a respeito de como podemos entender um fracasso escolar.
Excluímos aqui a análise de quadros com implicações neurológicas, cujo tema
necessitaria outro enfoque. Pensamos em dificuldades que vão desde uma inibição
neurótica, até uma desorganização psicótica, não esquecendo os casos limítrofes,
que são as situações mais difíceis, à medida que exigem abordagens
psicopedagógicas que desafiam os padrões instituídos.
Há escola para as inibições neuróticas, pois a criança tem defesas
organizadas que lhe permitem ir fluindo através dos seus desencontros com a
aprendizagem formal; há lugar para os psicóticos nas escolas terapêuticas e o social
não lhe cobra um desempenho igual ao neurótico; mas não há lugar para o limítrofe,
cuja constituição psíquica apresenta-se de forma que não efetiva organizadamente
noções de tempo e espaço, noções estas qu sustentam o conhecimento planejado
pelo sistema pedagógico tradicional. Neste espaço intermediário estão os sujeitos
que têm suas habilidades sustentadas por uma lógica que não a convencional —
outros tipos de inteligência. (2) A dificuldade maior está também no fato de que,
socialmente, a pressão e a expectativa social vai no sentido de enquadrá-los no
sistema comum de aprendizagem e eles não conseguem trilhar estes caminhos,
mesmo que sejam capazes de chegar a um produto final até melhor do que os
adaptados. No momento em que passa a ser considerado patológico aquilo que

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simplesmente é diferente, que não se enquadra no nosso sistema conhecido,


estamos falando mais de uma patologia social (família ou sistema escolar) do que de
uma individual. E mais fácil pensarmos numa patologia da aprendizagem do que nos
nossos limites de conhecimento dessas diferenças, tanto na abordagem emocional
como na pedagógica.

A ORGANIZAÇÃO PSICÓTICA MOSTRA-SE IMPOSSIBILITADA DE MANTER A


DIFERENCIAÇÃO DA REPRESSÃO ORIGINÁRIA, PREVALECENDO A LÓGICA
DO INCONSCIENTE.

Abordando especificamente a construção teórico-psicanalítica em relação à


inteligência, ou seja, às diferentes formas como o ser humano lida com o simbólico,
temos, independente das facções teóricas dentro dela, a certeza de que isto só pode
ser pensado pelas vias da estruturação do sujeito psíquico.
A estruturação da inteligência, descartadas situações orgânicas, é inseparável
desta organização psíquica. (3) Também, que esta posição está determinada pelo
lugar que ocupa na tópica psíquica em relação ao inconsciente; e que fracassos na
repressão originária produzem a maior parte dos transtornos da constituição da
lógica e do juízo. Um juízo, um discurso gramaticalmente estruturado são produtos
da repressão originária instalada nesta organização, entrelaçado com o inconsciente
que se organiza singularmente.
No início temos a cria humana que funciona através de signos de percepção
(3) e que só pode adquirir o estatuto de sujeita psíquico através da função materna:
esta, além de ocupar-se do autoconservativo, investe-a de fragmentos do seu
próprio inconsciente, outorgando-lhe sentidos, ajudando-o a estabelecer ligações
entre estes signos de percepção que irão formar um emaranhado de significações.
Este emaranhado que vai sendo construído, também instala as diferenciações na
tópica psíquica através de repressão originária, onde irá se assentar o ego e o
narcisismo.

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.... as possibilidades de vencer ou fracassar evocam


conflitos edípicos que muitas vezes produzem sintomas
inibitórios, ora passageiros, ora difíceis de ser trabalhados.

As formas como se instala ou não a repressão originária, produto do processo


contínuo-descontínuo de significações e ressignificações destes signos de
percepção através da função materna, organizarão o sujeito em determinados níveis
de funcionamento simbólico.
A organização psicótica mostra-se impossibilitada de manter a diferenciação
da repressão originária, prevalecendo a lógica do inconsciente. Não foi possível ser
estabelecida uma consistência nesta construção de sentido, e o sujeito psicótico
permanece numa errância na tentativa de encontrá-lo, mesmo que o caminho seja a
construção de um delírio que funciona como uma ilha de significação possível para
ele. Nesta busca de significação, mesmo delirante, pode ocorrer uma inserção social
produtiva, e é o que acontece em muitos casos de sujeitos psicóticos que
encontraram formas de grande relevância social nas suas obras. A abordagem
terapêutica deve ir nesta via de ressignificação, pensando uma inserção social para
aquela singularidade. Portanto, mesmo mostrando-se incapaz de acompanhar uma
aprendizagem formal tradicional, o sujeito psicótico apresenta possibilidades de
desenvolver em alguma direção o seu sucesso simbólico, mesmo atravessado pela
lógica do inconsciente. Um impedimento importante para a aprendizagem nesta
constituição é o de ela ser marcada pelo fato de o sujeito psicótico não conseguir ser
dono do seu desejo, permanecendo colado ao desejo do outro, simbolicamente, o
que o caracteriza como, quase sempre, escrevendo a folha, e não na folha, isto é, o
que dificulta a produção da sua singularidade. Não havendo um ego organizado,
também não há esta capacidade de pensar-se enquanto diferente dos outros e
circunscrever a sua diferença através de uma busca, questão que move o processo
de aprendizagem.
Já nas organizações predominantemente neuróticas, outro extremo da
constituição do sujeito, podem se produzir dificuldades de aprendizagem num outro
nível. Já existe a organização edípica marcada pela castração, por isso consegue

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dispor de defesas que o protegem dos conflitos mais primitivos, mantendo uma
coerência lógica com o mundo externo, funcionando no tempo e no espaço
estipulado por este mesmo mundo. Sua memória e atenção podem ser controladas
pelos processos conscientes, pois dispõe desta capacidade de controle. As
dificuldades na aprendizagem surgem quando os conteúdos ou a situação desperta
algum conflito e o sistema defensivo falha neste controle de forças; neste momento
surgem os sintomas, cuja função é encobrir uma verdade inconsciente não possível
de ser falada naquele momento.
Para a estrutura neurótica, o sucesso na aprendizagem marca a possibilidade
de inscrever-se enquanto sujeito capaz de competir, marca básica da cena edípica.
Porém, as possibilidades de vencer ou fracassar evocam conflitos edípicos que
muitas vezes produzem sintomas inibitórios, ora passageiros, ora difíceis de ser
trabalhados. Aqui, diferentemente da constituição psicótica, o sujeito deseja, pois
encontra-se discriminado do outro, mas isto não impede que tema os seus desejos,
o que o leva, muitas vezes, a camuflá-los inconscientemente através de condutas
opostas a ele. As inibições podem ocorrer desde uma dificuldade de pronunciar um
―r‖, pois pode significar força que ele teme ter, até reações fóbicas generalizadas
que o afastam da escola. Provido de capacidade de simbolizar, ou seja, falar algo
através de formas diversificadas, também fica à mercê de todo o simbolismo dos
conteúdos que constantemente evocam questões conflitivas do seu inconsciente.
Isto marca a sua riqueza, à medida que se desenvolve artifícios para lidar com o
evocado, mas marca o processo de aprender com constantes atribulações, falando
no sentido pedagógico e psicológico.
Tempo e espaço não são categorias inatas, mas
construções, efeito da diferenciação que a instalação do ego
funda.

Porém mesmo atribuladamente, as inibições neuróticas dificilmente impedem


que o sujeito seja excluído da aprendizagem formal, porque o nosso sistema escolar
consegue absorvê-lo com a multiplicidade de conteúdos nos quais ele terá
possibilidade de se movimentar para escapar daquilo que lhe atrapalha.

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O ponto de constituição de sujeito psíquico que se mostra mais difícil de ser


trabalhado pela escola comum é o dos casos que se encontram num ponto
intermediário, ou seja, apresentam falhas importantes na constituição da repressão
originária, consequentemente, organizam-se com precariedade em relação às
funções egóicas que são pré-requisitos da aprendizagem formal.
Nestas dificuldades encontramos um ponto onde a Psicanálise e a
Psicomotricidade se entrecruzam, falando do corpo. A Psicomotricidade aplica
um conjunto de conceitos que derivam da neuropsiquiatria infantil e da psicologia
genética, tratando de um corpo real, com o campo delimitado pelo conceito de
perturbação funcional.
A Psicanálise toma a experiência do próprio corpo num sentido mais amplo,
não, constituindo uma região que se possa separar dos intercâmbios conscientes e
inconscientes, sendo que a própria teoria da libido, formulada por Freud, trata do
surgimento gradual da imagem do corpo.
Suas dificuldades enquanto sujeito aparecem marcadas
através de um corpo que não consegue mostrar-se inteiro para
ele, o que desorganiza suas noções de tempo e espaço externo,
consequentemente, seu processo de alfabetização.

Também entende que nem todas as perturbações psicomotoras traduzem


conflitos inconscientes, pois isto pressupõe um determinado nível de simbolização
característico de organizações predominantemente neuróticas.
Este corpo falado pela Psicanálise, desde o início se encontra envolvido num
conjunto de relações identificatórias, criando um espaço que se distingue por um
dentro e um fora, onde os objetos vão surgindo de um caos primitivo à medida que a
motricidade vai recortando formas e estabelecendo relações. No limite do dentro e
do fora, da percepção e da fantasia, funciona como um esquema de representação
que se encarrega de estruturar a experiência do mundo nos níveis consciente, pré-
consciente e inconsciente. Assim, o corpo é uma função de síntese cuja projeção
marca os momentos essenciais. Esta projeção é primeiramente sensorial e, em
virtude das primeiras reações objetais, desenvolve-se lentamente, através de toda a
sensório motricidade e especialmente da visão binolucar, um processo de projeção

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que configura um dentro e um fora, antes de introduzir a terceira dimensão, e


objetos imagens do corpo, antes de chegar à objetividade. Portanto, o campo que
explora os distúrbios psicomotores tem por limite inferior a projeção sensorial e por
limite superior a projeção da fantasia. (6) Muitas vezes, então, estamos falando da
ausência de um corpo para aquele sujeito que não tem suficiente elaboração de
fantasia, como nos casos limítrofes. Nestas situações o corpo não funciona
enquanto via de representação para a organização do pensamento e,
consequentemente, para a aprendizagem.
Suas dificuldades enquanto sujeito aparecem marcadas através de um corpo
que não consegue mostrar-se inteiro para ele, o que desorganiza suas noções de
tempo e espaço externo, consequentemente, seu processo de alfabetização.
Sua capacidade de simbolizar aparece truncada por uma concretude que
fala das falhas da função materna de ajudá-lo a ressignificar as sensações que lhe
chegavam. Muitos signos de percepção permanecem não interligados por um
sentido, constituindo um bloco errático que funciona como descarga pulsional pura.
A memória e a atenção são dificultadas por uma repressão insuficiente dos
processos primários.
Neste sentido, diferencia-se sintoma de transtorno. O primeiro dá conta de um
momento da constituição do sujeito onde ocorrem um conflito intersistêmico,
segundo Freud ―formação de compromisso, efeito de uma recusa de satisfação
pulsional, no caso da neurose (7); o segundo fala de emergências patológicas
anteriores às diferenciações dos sistemas, anterior à instalação da repressão
originária, o que ocorre nos transtornos das relações têmporo-espaciais que
excluem diagnóstico de lesão orgânica. Trata-se então de uma perturbação na
instalação da tópica psíquica, a qual origina as relações de tempo e espaço que o
ego instala. Tempo e espaço não são categorias inatas, mas construções, efeito da
diferenciação que a instalação do ego funda.
Quando falamos em sintoma, a terapêutica centra-se naquilo que
tecnicamente chamamos de (des)repressão ou desconstrução, mas, quando
falamos em transtorno, o tratamento visa, possibilitar ligações. Ou seja, trabalhar
com estas últimas patologias implica se construir um entramado de base,
possibilitando que se organize uma rede de significações a partir das
representações psíquicas primitivas que não conseguiram ascender ao estatuto de

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representação - palavra, portanto permaneceram errantes, desorganizando as


funções corporais e/ou emergindo como exercício pulsional puro. Falamos, então, de
uma intervenção que possibilite uma neogênese onde se constitua a amnésia
infantil, proveniente da repressão originária, com suas consequentes possibilidades
de organização egóica, possibilitando ao sujeito psíquico estabelecer sentidos,
ligando traços mnêmicos com situações traumáticas.
Trabalhar com este tipo de aluno é construir um lugar
intermediário entre a Escola comum e a Escola Terapêutica,
com todas as suas implicações institucionais e Pedagógicas:
trata-se de construir um lugar onde, antes de se construir um
cidadão, ajuda-se, na medida do possível, a construir-se um
sujeito psíquico.

Nestes casos, o diagnóstico diferencial é vital, em se falando do futuro


psíquico da criança.
Se um transtorno desta ordem receber uma intervenção no corpo funcional
neste momento inicial de constituição do aparato psíquico, desconhecendo-o
enquanto projeção da tópica não constituída, teremos uma terapêutica ortopédica,
cujos efeitos muitas vezes se fazem refletir na eclosão de quadros psicóticos
posteriores, no empobrecimento dos esquemas simbólicos que organizam a
inteligência ou, então, traduzir em padrões de conduta condicionada. Enfatizo esta
questão pensando na nossa responsabilidade ética perante estes sujeitos, cujos
destinos psíquicos estão ligados à condução de nossas estratégias clínicas,
lembrando do indispensável que é a interlocução em equipe, já que se trata de uma
área onde vários saberes se intercruzam e nenhum deles é dono da verdade.
Assim como a técnica psicanalítica organiza-se com estratégias diferentes
para estas patologias, assim as Escolas que se dispõem a dar lugar a elas
necessitam reorganizar-se a partir de estratégias psicopedagógicas diferentes das
Escolas comuns. Trabalhar com este tipo de aluno é construir um lugar intermediário
entre a Escola comum e a Escola Terapêutica, com todas as suas implicações
institucionais e Pedagógicas: trata-se de construir um lugar onde, antes de se
construir um cidadão, ajuda-se, na medida do possível, a construir-se um sujeito
psíquico.

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Numa escola normal podemos dizer, muitas vezes: Isto é função da família! E,
mesmo assim, a criança não deixa de aprender aquilo que se lhe oferece. Numa
escola com crianças limítrofes, quase sempre a situação é inversa: precisamos fazer
percursos que organizem a criança para receber a informação e, quase sempre, não
adianta remetermos esta função para a família, pois esta não terá condições de
fazê-lo. Ela até desejaria, mas está impedida pelo próprio funcionamento.
Todos os profissionais deste tipo de instituição são convocados
constantemente a movimentar-se entre intervenções terapêuticas e pedagógicas. E
não adianta ignorar a primeira, porque senão a segunda não se efetiva. Isto, além de
exigir grande desenvoltura emocional do técnico enquanto ser humano, exige
também uma clareza pedagógica muito refinada, para que não se perca nos
caminhos que precisa construir.
Imaginemos então, como são os reflexos que os resultados, objetivamente
menores, acarretam numa equipe desta: momentos de errância, inseguranças
maiores, feridas narcísicas...
Muitas vezes, uma quase-identificação com o funcionamento da patologia à
qual se dedicam. São Instituições que precisam também olhar-se com muita atenção
e cuidados especiais, investindo-se narcisicamente, ou seja, organizando espaços
que a realimentem, condição básica de conseguir manter o que fundamenta a sua
tarefa.
Finalizando, ressaltamos que a contribuição da Psicanálise naquilo que a
define nos seus fundamentos básicos segue sendo este convite para olharmos para
as diferenças que envolvem o processo de estruturação psíquica com suas
consequentes diferentes formas de adaptação ao social, o que implica convivermos
com um não-saber e, ao mesmo tempo, com o desafio de contribuirmos para pensar
a construção de caminhos adequados para as diferentes patologias de
aprendizagem.
Nós, que pensamos a Educação, sabemos que, do ponto de vista
pedagógico, é vital a padronização de métodos para que exista e funcione uma
estrutura escolar. Porém também não ignoramos que o enquadramento inadequado
do sujeito psíquico ao método é mortal, tanto para o sistema como para o sujeito,
pois ambos fracassam.

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Enfim, escolhemos trabalhar com “gente”! Quem ficar,


por favor, aceite a luta!
Quem achar que não vale a pena, por favor, busque seu
lugar! Sempre há um no qual podemos produzir com satisfação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ILLICH,I. Sociedade Sem Escolas - Ed. Vozes Petrópolis, 1976 BACHELARD,G. A


Psicanálise do Fogo - Ed. Estudios Cor Lisboa, 1972 CELMA,J. Diário de um
Educastrador - Ed. Summus São Paulo, 1979 MANNONI, M. Educação Impossível -
Ed. Francisco Alves Rio, 1977 DOLTO,F. Psicanálise e Pediatria - Ed. Zahar, Rio,
1984
FREUD, A. O Tratamento Psicanálitico de Crianças - Ed. Imago Ltd Rio, 1971
FREUD, S.Três ensaios sobre a teoria da sexualidade‖(1905)- E Ed. Imago Ltd Rio –
Obras Completas - Vol. VII
KLEIN, M. Contribuições à Psicanálise - Ed. Mestre Jou São Paulo, 1970

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