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Brasília - DF
2014
2
Brasília
2014
3
CDU 37.018.43:004
____________________________________________________
Profª. Drª. Maria Cândida Moraes
Orientadora
Programa de Mestrado e Doutorado em Educação - UCB
____________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Spíndola Mariz
Programa de Mestrado em Gestão do Conhecimento - UCB
____________________________________________________
Profª. Drª. Rochelle Cysne de Abreu
Universidade Católica de Brasília Virtual - UCB
____________________________________________________
Profª Drª Rosamaria de Medeiros Arnt – UECE
____________________________________________________
Prof. Dr. João Henrique Suanno- UEG
Brasília
2104
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente à minha orientadora Maria Cândida Moraes, por sua acolhida,
generosidade, competência intelectual, amizade, estímulo, confiança, abertura.
Aos professores Dr. Afonso Galvão e à Drª. Jacira Câmara, pela oportunidade do
início dessa caminhada.
Aos meus colegas de doutorado, especialmente, Adriano Vieira e Ive Brasil, pelos
diálogos nos momentos de conflitos cognitivos e pessoais, pelo acolhimento e pela
convivência.
Ao meu ex-diretor e membro da qualificação, Dr. Francisco Botelho, por ter
acreditado, apoiado e compreendido a importância deste trabalho para minha trajetória
profissional.
Ao professor Dr. Ricardo Spíndola e à professora Drª. Rochelle Cysne, pela presença,
estímulo e enriquecimento deste trabalho.
Ao professor Dr. João Henrique Suanno e sua esposa Marilza Suanno, pelas parcerias
em Barcelona, pelos diálogos e pelas capacidades de compartilhar saberes e modos de ser,
incluindo aqui de ser casal.
Aos colegas do grupo ECOTRANSD, em especial a Rosamaria Medeiros Artn, pelo
apoio, pelas partilhas e presenças físicas e/ou virtuais.
Aos seis professores participantes da pesquisa, que colaboraram para realização deste
estudo, doando seus tempos e histórias de vida.
Aos meus gestores da União Marista do Brasil - UMBRASIL, Ir. Valter Zancanaro e
Ir. Lúcio Dantas, e à querida Deysiane Farias Pontes, pela compreensão e apoio nessa reta
final.
Às minhas companheiras e amigas de trabalho da Universidade Católica de Brasília
(UCB Virtual), em especial, Anelise Sihler, Ana Paula Costa e Silva, Bernadete Cordeiro,
Juliana Ferreira, Sandra Mara Bessa, pela compreensão, apoio e produções ao longo desta
jornada.
Às minhas amigas, especialmente, Sueli Caixeta, Janete Palazzo, Ana Elizabeth Brasil,
Adriana Luna, que compartilharam minhas angústias, conflitos, recuos e avanços, dando-me
força para minha chegada até aqui.
Aos meus irmãos, sobrinhos e familiares, pelo apoio recebido e compreensão pelas
ausências nos eventos e viagens.
A todos e todas, que passaram pela minha vida ao longo do meu percurso formativo,
constituindo-me recursivamente em minha muldimensionalidade.
7
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
Figura 3 Diagrama sintético do primeiro momento da análise dos dados ………. 191
Figura 4 Diagrama sintético do segundo momento da análise dos dados ……….. 192
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
Inicio este trabalho tecendo fios e constituindo tramas que possibilitem ao leitor
dimensionar os cenários em que este estudo se constitui. Compreendo o cenário como um
espaço para comunicar, explorar ideias, emoções, sentimentos, novos conceitos e desenvolver
habilidades e indagações científicas. É um lugar de experimentação e descobrimento. Nas
artes cênicas, o cenário é a primeira leitura que o público faz do espetáculo teatral. O
espectador observa o cenário e o relaciona com sua história de vida, o que determina o início
da interação com aquele ambiente e também da interpretação das ações dos personagens,
reagindo ao que é, ou não, explícito e que acaba por influenciar a apreciação do espetáculo.
Assim também será nesta tese. Descortinarei, primeiramente, o cenário da minha vida,
os (des)caminhos percorridos e o desejo à metamorfose. O conjunto de reflexões sobre meu
processo formativo me possibilitará (re)construir e compreender os diferentes cenários que
constituíram a minha formação. Compreender meu papel como sujeito dessa formação
mobilizará o meu pensamento e indagará sobre o que esse pensar mobiliza em mim. Em
seguida, descortinarei os cenários local e global em que estamos submersos e, a partir daí,
alcançaremos novos voos conceituais, novas investidas dentro e fora do que se passa em nós
para que o conhecimento se desdobre em autoconhecimento.
presidente do grêmio estudantil, capitã dos times de voleibol e handebol da escola. Em vários
eventos escolares, estava eu presente na organização e gestão. Porém, hoje percebo que era
uma formação humana para atender a determinados públicos, e não uma educação
posicionada na linha de frente da luta contra a exclusão, contribuindo para a promoção e a
integração social, voltada à formação da cidadania, mas como prática efetiva, já que a
aprendizagem deve se constituir mais como processo de transformação pessoal, do que mera
acumulação de conteúdos descontextualizados.
Para cursar o ensino médio, eu e meus colegas tivemos que sair dessa escola, pois ela
atendia apenas até o Ensino Fundamental. Foi um momento emocionalmente difícil. Estava
pressionada pelos colegas e por minha família a cursar o Ensino Médio em uma escola que
denominava seus estudantes como “as melhores cabeças”. Nessa escola, daria continuidade à
formação essencialmente voltada para os conteúdos livrescos. Era a oportunidade que tinha de
satisfazer um desejo social e a vontade de meus pais: ser aprovada em um curso de Direito.
Seguir a carreira jurídica, de “sucesso profissional” era considerado um sonho de consumo da
classe média/ alta. Lembro-me da ansiedade em que fiquei, pois meu sonho era ser professora,
o que contrariava todo o investimento e expectativa da minha família com relação a minha
formação acadêmica. Tinha vergonha de assumir meu desejo, mas estava diante de uma
escolha que seria difícil de voltar atrás.
Então, decidi participar do processo seletivo para ingressar na Escola Normal Pública.
Passei em segundo lugar. Minha formação conteudista havia contribuído para isso. Faltava
apenas anunciar minha decisão de que não faria parte das “melhores cabeças”, e que o sonho
de ser advogada não era meu. Minha opção foi estudar durante três anos, em turno integral,
para ser professora. A escola normal poderia me oferecer uma grande oportunidade de
entender como as crianças aprendiam, de ajudar, como gestora que queria ser, a reencantar a
educação e a resgatar a alegria e o prazer em aprender.
Comuniquei minha decisão. Para minha surpresa, tive a aprovação da minha família,
mas perdi quase todos que considerava amigos. Com apoio dos meus pais, segui adiante no
meu desejo. Minha principal descoberta foi saber que, apesar de ter vindo de uma boa escola
em termos de formação conceitual, minhas atitudes e pensamentos diante das discussões sobre
o mundo, sobre as questões afetivas, sociais, econômicas e políticas eram bem limitadas e
pouco críticas. Percebi que minhas experiências acadêmicas não foram desenvolvidas por
meio de um trabalho de interação que deveria ser realizado para estreitar as relações entre a
escola e a comunidade local e global. Ou melhor, a formação que havia vivenciado não
19
inicial dos professores. Minha pesquisa realizou-se em uma conjuntura em que a formação do
professor estava severamente posta em xeque. Teve por objetivo analisar as competências
desenvolvidas nos cursos de licenciatura de Língua Portuguesa com vistas ao processo de
formação profissional e atuação docente. Mais especificamente, pretendeu estabelecer a
relação entre as competências desenvolvidas e as exigências legais para a prática docente e,
por fim, identificar as dificuldades e limitações para o exercício profissional.
Dessa forma, nas considerações finais da pesquisa, inferi que as principais fragilidades
apresentadas durante a formação inicial situavam-se, principalmente, no não desenvolvimento
de competências para se produzir uma prática educativa voltada para a consideração da
multidimensionalidade do ser em formação, bem como para o aprender a aprender.
As principais dificuldades e limitações encontradas pelos egressos do curso de
licenciatura durante sua atuação docente se situavam no desconhecimento da realidade
cotidiana da instituição escolar em razão da distância entre a teoria estudada e a prática –
como trabalhar com alunos que têm pouca bagagem cultural e que apresentam dificuldades de
aprendizagem e como construir instrumentos e processos avaliativos da aprendizagem e do
processo educativo a partir de uma dinâmica integradora, relacional, flexível, cujo foco não
seja dimensionado apenas pelo professor; a falta de estratégias (transposição didática)
fundamentadas em ações ativas, dinâmicas, reconstrutivas, recriadoras, abertas a todas as
possibilidades, como também humanas, afetivas e motivadoras; a não consideração do desejo
como constituição do sujeito e de sua formação, ao colocar, principalmente, o enfoque técnico
na dinâmica educativa, coloca o desejo como detalhe e, por fim, como desenvolver as
atividades educativas com a insuficiência dos recursos materiais existentes nas escolas.
As consequências desses fatores são as solicitações de transferências e o desejo de
abandono e/ou afastamento da atividade docente. Prevalece a sensação de ambiguidade e de
impotência, principalmente com o aumento do descontentamento no que diz respeito à
qualidade dos cursos de formação, às condições de trabalho do professor e a ruptura do
consenso social sobre as funções da escola.
Hoje, percebo que a formação dos professores costuma anular as diferenças e
compromete-se com a racionalização lógica que valoriza a eficiência, a eficácia e a
excelência. A liberdade docente, apesar de valorizada em discurso, é ilusória. Os pilares da
formação são os conhecimentos teóricos, sendo a prática considerada uma aplicação das
teorias. Ao mesmo tempo em que o professor é responsabilizado pela condução do ensino e
da aprendizagem dos alunos, participa de treinamentos que, na maioria das vezes, buscam
22
submeter sua ação docente a alguma técnica de ensino organizada a partir de regras pré-
estabelecidas. A formação, nesta perspectiva, assume um discurso prescritivo acerca de como
o professor deve ser e ensinar, modelo insuficiente para explicar os fenômenos pessoais e
educativos.
Uma formação apenas demandada não é experiencial, capaz de provocar o não
silenciamento docente, mediante a experiência sobre o seu fazer situado na própria história.
Segundo Moraes (2008a), precisamos tomar consciência de que muitas de nossas práticas
pedagógicas ainda se encontram “fundamentadas no velho paradigma da ciência, numa
ciência sem vida, sem cor, sem cheiro e sem sabor, pois sujeito e objeto, indivíduo e contexto,
ser humano e natureza não estão separados”(p. 36). A autora acrescenta ainda que
sabemos que a ciência do passado produz uma escola morta, dissociada do mundo e
da vida. Uma educação sem vida, produz seres incompetentes, incapazes de pensar,
de refletir, de construir e reconstruir conhecimentos e realizar descobertas
científicas. É uma escola voltada para uma educação do passado que separa
aprendizagem e vida, que produz indivíduos incapazes de se autoconhecerem, de se
compreenderem como fonte criadora e gestora de sua própria vida, como
construtores do conhecimento e autores de sua própria história. (MORAES, 2008a,
p. 36).
leva a enfatizar a melhoria do processo educativo a partir do que o sujeito produz quando
aprende e não apenas aos aspectos caracterizadores da sala de aula ou da metodologia
empregada. Porém, nesta época ainda acreditava que o sentido e a solução para esses
problemas estariam abarcados em estratégias e técnicas de ensino diversificadas.
Em 2004, iniciei minha experiência acadêmica em cursos virtuais de graduação e pós-
graduação em uma universidade pública de Brasília. Minhas atribuições como mediadora do
processo educativo estavam voltadas apenas para tirar dúvidas, incentivar a leitura do material
didático do curso, corrigir atividades e conferir notas. Segundo Prado e Valente (2002, p. 29),
essa mediação empregada objetiva “entregar” a informação ao aluno. Porém, persistia em
mim a vontade de experienciar um processo de mediação pedagógica aberta, dialógica,
dinâmica e flexível em ambiente virtual de aprendizagem.
Nesse mesmo ano, ingressei como docente na Universidade Católica de Brasília, no
curso presencial de Pedagogia. Na oportunidade, participei da reformulação da proposta
curricular do curso, que se baseia numa visão integrada, complexa, interdisciplinar, superando
uma concepção que privilegia a transmissão de conteúdos para uma que propõe a organização
do trabalho pedagógico na perspectiva de indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão.
No ano seguinte, aceitei o desafio de coordenar a elaboração da proposta do curso
virtual de Pedagogia. Era, então, a oportunidade de pensar a educação a distância retratando a
tecnologia como possibilidade “do estar junto virtual”, proposto por Prado e Valente (2002, p.
29), e que “explora a potencialidade interativa da TIC, propiciada pela comunicação
multidimensional que aproxima os professores, estudantes e contexto”, permitindo criar
condições de aprendizagem por meio de uma educação colaborativa e cooperativa.
Além da coordenação do curso de pedagogia, assumi também a coordenação do
Programa de Formação Docente para atuação na Educação Básica (Proform), e do curso de
especialização Lato Sensu em Educação a Distância. Paralelo a estas atividades de
coordenação, continuei atuando no processo de formação docente de professores
universitários, mas, agora, com foco na mediação pedagógica em ambientes virtuais de
aprendizagem, tanto para professores que atuam na EAD, quanto para professores que atuam
na modalidade presencial.
Nessas formações, venho afirmando que a utilização dos Ambientes Virtuais de
Aprendizagem, independente da modalidade, deve romper com a lógica tradicional para uma
prática mais inovadora, promovendo uma relação afetiva com o conhecimento, mais reflexiva
e autônoma é preciso que a formação docente abandone a perspectiva de ensino
24
1
Autopoiese é um termo cunhado por Maturana (200) e Maturana e Varela (1997). É derivado do grego poiesis,
que denota produção. Portanto, autopoiese significa autoprodução de si, gerador de sua própria autonomia,
que é relativa, pela sua dependência em relação ao meio. Enquanto seres vivos somos autopoiéticos porque
estamos a todo instante nos recompondo, nos refazendo, condição essencial para que um sistema seja
considerado vivo.
25
que afirmava que somos mais que simples consumidores e produtores de necessidades
impostas e alheias: nesse mundo líquido moderno, a falta de solidez das coisas, assim como a
falta de solidez das relações humanas, geram crises de sentido que aparecem como um dos
grandes acontecimentos mundiais, causando doenças psíquicas inimagináveis na história da
humanidade.
Para Morin (2002), estas crises devem ser acompanhadas de uma mudança
paradigmática. Caso contrário, nós professores estaremos condenados a repetir nossas
histórias, já que enquanto não tomamos consciência dela, estando assim condenados a ver o
mundo através delas. Para tanto, segundo o autor, torna-se necessário uma reforma
educacional que perpassa a reforma do pensamento. Essa reforma é muito mais de natureza
paradigmática que programática, exigindo dos indivíduos processos auto-eco-organizadores, o
convívio com o imprevisível e o inesperado e, consequentemente, dos educadores, mudanças
e transformações na maneira de perceber a realidade educacional e de se construir o
conhecimento. O imbricamento da relação entre o ser e o conhecer; o ser, o conhecer e o
fazer; e o ser, o conhecer, o fazer e o conviver; ou, segundo Moraes (2008a), entre o sentir, o
pensar e o agir, torna-se de fundamental importância no espaço educativo.
Posso afirmar que, ao longo desse um ano e meio de formação com embasamento
transdisciplinar, vivenciei uma prática educativa em que de fato houve um empoderamento
por minha parte e de meus colegas de turma em relação ao próprio processo de aprendizagem,
integrando-nos ao contexto e ao objeto de conhecimento. Nós, estudantes, tomamos uma
atitude no sentido de produção e construção do próprio conhecimento, caracterizada,
inclusive, por espaços constantes de evocação de nossas autobiografias. Nesse processo, o
sujeito modifica-se, e essa mudança produz um novo mundo. Realidade (objeto) e sujeito
passam a ser tão integrados que participam continuamente de um processo de autoprodução,
de autoformação, implicando modificações e responsabilizações mútuas.
Mais importante do que técnicas, materiais, métodos para uma aula dinâmica, quer
presencial, quer virtual, percebi que o essencial é a percepção de que uma formação deve estar
a serviço da curiosidade do ser humano e de sua transformação e evolução. É essa curiosidade
e esse desejo que nos fazem perguntar, conhecer, atuar. Isto inclui o monitoramento das
condições mais favoráveis à aprendizagem, por meio de espaços que possibilitem desafios e
desequilíbrios constantes para que o indivíduo queira agir e produzir.
Dessa forma, passei a desenvolver, em minha mediação pedagógica em AVA, ainda
mais consciente, atitudes baseadas no estímulo à curiosidade, à motivação, à autonomia e ao
27
gosto pelo aprender por meio de (inter)ações colaborativas de aprendizagem. É mediante essa
prática que percebo a grande contribuição das tecnologias para a consolidação dos novos
paradigmas educacionais. Entretanto, faz-se necessário, antes, um processo de mudança
epistemológica do fazer docente em ambiente universitário, que, por vezes, tem se
caracterizado como um sistema fechado voltado para a transmissão e transferência. Parece-me
que o novo desafio sofrido pelos docentes é justamente a dificuldade de ultrapassar a visão de
que podia ensinar tudo aos estudantes. O universo de informação ampliou-se de tal forma, que
evidenciou a insuficiência do ensinar, devendo este ser substituído pelo aprender e, em
especial, pelo aprender a aprender.
definhava e a única certeza que sobrava ao homem era aquela que a razão, a ciência, prometia.
A verdade pública e adquirível por vias certeiras era aquela do saber científico.
A ciência é vista, assim, como um saber objetivo, neutro, verdadeiro e exato. O
conhecimento científico é tido como absoluto. Espera-se que ele responda toda dúvida, todo
sofrimento, toda incerteza. Diante disso, mistificou-se o saber científico, reduzindo as
possibilidades de saber à ciência. Com isso, impediram-se outras possibilidades de
conhecimento.
Ora, quando esse saber não alcança os resultados esperados, nos detemos paralisados,
sem saída, inertes; acreditamos que se a ciência não resolveu a questão, ninguém mais a
resolverá. Delegamos à ciência, consequentemente à objetividade, tamanha onipotência que o
que não entra em sua esfera de ação cai no campo do infrutífero, incerto e inútil. No entanto,
Maturana (2001) nos alerta que a própria existência depende do observador. Desta forma, o
autor propõe que esta tal objetividade seja assinalada sempre entre parênteses, ou seja, “não
posso fazer referências a entidades independentes de mim para construir-me ou explicar”
(MATURANA, 2001, p. 35).
É preciso, pois, mudar esse paradigma para perceber o sujeito da experiência humana,
superando a investigação científica artificial em nome de uma objetividade que só se vê na
natureza e na matemática. O mundo subjetivo da incerteza, da provisoriedade, das variáveis
infinitas que surgem a cada aposta existencial, a cada risco, a cada aventura, não pode ficar
esquecido, pois que conhecimento é este que partindo do sujeito mata o próprio sujeito? Ao
negar as múltiplas dimensões do humano e definir a subjetividade unicamente pela razão, a
modernidade limitou, também, o conhecimento.
Como herança desse princípio cartesiano, temos na educação várias disciplinas,
organizadas por áreas de conhecimento. Estudantes classificados por faixa etária, apertados
em classes seriadas, numerosas e numeradas. Crianças, jovens e adultos que ouvem e copiam,
silenciados em suas falas, sentimentos e emoções. Indivíduos reduzidos à máquina de
apreensão de informação. Professores especialistas em falar sobre conhecimentos específicos,
que separam a história da geografia, a química da biologia. Ensinam línguas para alunos
calados, arte sem sensibilidade, ciência sem questionamento. “Os professores se queixam de
que nunca têm tempo de esgotar seus programas e na realidade esgotam seus alunos” (POZO,
2002, p. 33). Como resultado: tanto educandos quanto educadores desumanizados e um saber
a serviço de algo estranho à emancipação humana.
29
para a abertura a novos conceitos, a novas reflexões a um novo modo de encarar a vida. A
crise nos leva ou ao desespero ou àquilo que os primeiros cristãos chamavam de metanoia,2
conversio, um novo modo de direcionar o olhar, o desenvolvimento de uma nova noesis, de
uma nova forma de conhecer e aventurar-se no ser.
Dessa forma, acredito que a cada etapa de desenvolvimento da consciência dessas
crises que estão enraizadas no nosso presente vem acompanhada de novos conhecimentos e
práticas que geram, apoiam e estimulam uma nova maneira de ver o mundo. Atualmente, a
consciência global é apoiada por uma rede mundial de comunicações. Internet e celulares são
instrumentos que permitem a interconexão instantânea e o surgimento de uma maneira de
habitar o mundo, em que desaparecem as fronteiras e distâncias, possibilitando estarmos em
todas as partes ao mesmo tempo, e termos a consciência do que está ocorrendo neste instante
do planeta. Nosso mundo deixa de ser uma localidade separada, pois estamos filtrados por
correntes planetárias, quer seja no mundo das ideias, da economia e do meio ambiente. “Já
não podemos viver em aldeias segregadas da consciência planetária. Os eventos que ocorrem
em qualquer parte nos afetam” (MAY, 2007, p. 363).
Estamos vivendo uma revolução paradigmática maior, que muda as raízes de nossas
cosmovisões, que nos leva do mundo local ao global, da lógica à intuição e à síntese, da
estratificação hierárquica a visão holística, das relações parciais e seletivas aos hipervínculos
(MORIN, 2011b). Nessa nova ordem, segundo Morin e Le Moigne (2007), precisamos
considerar a perspectiva da complexidade, do tecer em conjunto, como requisito para
compreender que o conhecimento que isola os objetos uns dos outros, as disciplinas umas das
outras, não chega mais longe que a inteligibilidade restrita e mutilada, incapaz de religar e de
contextualizar. É uma lógica que sabe que a inteligência real é apenas uma reconstrução ou
tradução do ser humano dessa realidade e não um reflexo da realidade. Podemos até operar
por meio de processos lineares de causa e efeito nesse mundo, mas essas faculdades próprias
das lógicas não são mais suficientes. “Não basta uma realidade que a informação, as novas
ideias e os sucessos viajam”, simultaneamente, de partes em partes, pois “o aumento das
variáveis que intervém em qualquer processo são tantas, que já não é possível ter todas as
2
A palavra grega μετανοια faz referência à fala de João Batista no Evangelho de Mateus capítulo 3, versículo 3.
João Batista falava: “μετανοιετε”. Essa palavra foi traduzida por “arrependei-vos”, mas essa tradução é muito
moralista, pois metanóia, em sentido grego, significa a partir do prefixo “meta”, ir além e de “noia” (de onde
vêm as palavras noesis e noema), pensamento. Assim, a metanóia é um olhar para além, o que os latinos
traduziram por conversio. A conversio é o que entendemos por conversão, mas em seu sentido originário
significa abrir o olhar. Quando abrimos o olhar, quando podemos compreender a realidade de maneira mais
profunda e para além dos sentidos, somos capazes de sair dos nossos automatismos.
32
coisas controladas” (MAY, 2007, p. 364). Mais que controlar, a ideia é abrir-se criativamente
a novas oportunidades que aparecem.
Assim, a realidade educacional, como hoje se apresenta, nos remete a grandes
desafios: estamos acostumados a trabalhar com verdades absolutas, com previsibilidade,
homogeneidade e estabilidade. Nossos comportamentos têm como base um sistema que
separa o sujeito do processo de pensamento e da construção da aprendizagem, ou pior:
impossibilitamos os estudantes e a nós mesmos de expressar sentimentos, desejos, esperanças.
Negamos a subjetividade dos educandos e os vemos da maneira que melhor convém à
aceitação e adaptação do que temos a lhes dizer ou comunicar.
No mundo da interconexão instantânea, essa inteligência volta-se como uma
habilidade indispensável. O trabalho com a essência pessoal, baseada na auto-eco-
organização, nos sentimentos, nos desejos, nas esperanças e na intenção sem interesse, é
fundamental no mundo dos vínculos, já que a conectividade em que estamos imersos tem
trazido grandes aberturas e oportunidades, mas também uma boa dose de desequilíbrio e
angústia na vida pessoal: aceleração, ansiedade em um mundo do qual não se tem controle,
perda de contato com ritmo natural, espaços que muitas vezes não permitem o encontro, a
escuta e também as diferenças de acesso a todas essas coisas. “Estamos estressados por um
excesso de ‘inputs’, de estímulos externos que temos que responder, deixando de considerar a
conexão com a interioridade, com a emoção, com o corpo” (MAY, 2007, p. 368).
Nessa direção, as obras de Bauman (2001; 2010), importante pensador
contemporâneo, voltadas para as explicações sobre a fluidez de nossos tempos, coloca-nos
diante de enormes desafios e alerta-nos sobre as armadilhas do mundo virtual. O excesso de
polifonia e polissemia que encontramos no mundo pós-moderno, signo de uma
democratização hiperbólica do império dos sentidos, serve também como uma arma apontada
para a nossa cabeça que nos impede de dormir, relaxar, sonhar com a felicidade, viver de
forma tranquila.
A aceleração com que tais informações nos chegam e seus vetores se superpõem,
estabeleceu um lócus absolutamente indefinido e indeterminado: pode ser qualquer lugar, isso
já não mais importa, desde que se tenha dispositivos tecnológicos- ‘smartphones’ à mão, que
importa o lócus? Esse esvaziamento do lugar natural pela substituição do aparelho diminui
cada vez mais nossa capacidade instintiva de contemplar o Belo da Natureza. Sem os olhos
voltados para o espaço natural, dirigimo-nos para o espaço artificial: ele está bem
representado pelos aparelhos portáteis e diz muito sobre nosso excesso de superfluidade e
33
superficialidade. Longe de nos aproximar dos outros, na maior parte das vezes, esses
aparelhos nos levam à ilusão do encontro juntamente com a afirmação de nossos egos
(FAGUNDES; MACHADO; DABREU, 2012).
Achamos que estamos nos encontrando, quando na realidade estamos apenas
afirmando nosso próprio egocentrismo. Resta-nos viver a ditadura desse excesso de
superposição que nos leva, em suma, ao nada, ao vazio? Se sim, o que fazer com esta
situação? Se não, qual é a saída? Num mundo em que o desprendimento se torna cada vez
mais difícil, a criatividade perde seu lado lúdico para prostituir-se de vez ao Capital.
Poupemo-nos e aprendamos com(viver), sem nos deixarmos escravizar. Busquemos, portanto,
meios pelos quais possamos, mesmo no ambiente virtual de aprendizagem, resgatar o
verdadeiro encontro criativo e, como consequência, a nossa própria humanidade.
Ao criarmos uma série de equipamentos para armazenar informações, acreditamos na
criação de um universo seguro, onde tudo está à nossa mão e não é preciso nos mover para
alcançar aquilo de que necessitamos. Enquanto nos cercamos de objetos, nos afastamos de
nossos corpos e de nós mesmos. Esperávamos que o acesso à internet e à informação nos
devolveria tempo, mas o que temos é um cérebro e um corpo limitados diante de uma
quantidade inassimilável de informações, o que nos dá uma sensação de impotência diante da
realidade que cremos precisar dominar, para que possamos progredir e continuar vivendo num
ambiente cultural em que predomina a necessidade de consumo para alguns e a completa
carência para outros. No entanto, não podemos negar que o mundo virtual pode, também, nos
possibilitar oportunidades de encontros síncronos e assíncronos, pois rompe com as limitações
do tempo e do espaço.
A proposta é de promover encontros, na medida em que encontrar-se é o cerne da
condição humana. Neste sentido, sabemos da necessidade de aprender a viver com a imensa
possibilidade que nos oferece a tecnologia de comunicação como um recurso para fazer das
nossas vidas - uma experiência mais humana. Esse é um desafio que precisamos vencer agora
e não no futuro, pois está posto.
O contexto atual nos convida, então, a refletirmos sobre a imprescindibilidade de
aliarmos educação e inovação tecnológica na educação de forma a contribuir com a formação
de pessoas capazes a aprender a aprender, com prazer, sentimentos e emoções que são partes
inerentes à dimensão humana. Trata-se de pensar em um percurso de uma ciência com
consciência, com sentido, onde o sujeito deve ser integrado na totalidade do universo que, por
34
isso, não só se conhece enquanto ser histórico cultural, mas se reconhece enquanto ser
existencial.
Para Nicolescu (1995), há necessidade do renascimento da ciência, ou melhor, do
encontro entre esta e o sentido. Esse evento será a grande e verdadeira revolução deste século,
já que a ciência foi concebida para separar o que era considerado tradição, daquilo que
poderia ser verificado experimentalmente. Com isso, separou-se da filosofia, da sabedoria e
da tradição. Como consequência, caminhou rumo à autodestruição. Para o autor, cada vez
mais a ciência precisa de sentido, assim como a árvore precisa do ar e do sol para se
desenvolver.
No entanto, o autor defende a ideia de que esse encontro somente será proporcionado
por meio de um mediador entre a ciência e o sentido. Esse mediador só pode ser uma nova
Filosofia da Natureza, que provoque uma abertura ontológica, que permita uma abordagem ao
mesmo tempo científica e cultural, mas, principalmente, que possibilite o diálogo entre
passado e presente, entre a ciência, a arte, a tradição e todas as outras formas de
conhecimento. Para ele, esse mediador é a transdisciplinaridade (NICOLESCU, 1995).
Em outras palavras, a transdisciplinaridade é uma possibilidade de abordar a existência
humana, a construção do conhecimento e a educação levando em consideração o contexto
local e global. É basicamente uma atitude diante da vida por considerar o sujeito em seu modo
de estar e ser no mundo que é construído, desconstruído e reconstruído a partir de suas
vivências, experiências e convivências. Essa nova maneira de ver o mundo com uma rede de
fios interligados, considera a realidade constituída em níveis, tanto de realidade como de
percepção, que possuem leis próprias e conceitos fundamentais que não são intercambiáveis e,
ainda, nos coloca diante de uma nova lógica que ao invés de excluir, possibilita a manutenção
de pares opostos, encontrando “um terceiro dinamismo, o do estado T, que estará sempre num
nível de realidade acima ou abaixo daquela que originou a oposição” (NICOLESCU, 2000, p.
53).
Para Nicolescu (1995, p. 92),
De acordo com Castells (2002, p. 311), a internet “não é apenas uma tecnologia: é o
instrumento tecnológico e a forma organizativa que distribui o poder da informação, a geração
de conhecimentos e a capacidade de ligar-se em rede em qualquer âmbito da atividade
humana”. Para o autor, é a partir da internet que se instaura uma nova economia, novas
formas de sociabilidade, participação social e intervenção política. Sua importância é tamanha
que deu início ao aparecimento de um novo espaço, intitulado de ciberespaço, que possibilita
que cada sujeito possa adicionar, retirar, cocriar e modificar conteúdos dessa estrutura;
disparar informações e não somente receber, uma vez que o polo da emissão está liberado
para coletivização dos saberes, construção colaborativa de conhecimento e de sociabilidade
(LEVY, 2010).
36
A aula, muitas vezes, é vista como um ambiente onde o ensino acontece, se restringe
em termos de tempo, de espaço, dos atores sociais envolvidos, daquilo que foi planejado para
ser seguido rigorosamente, ou melhor, do que vai ser ensinado pelo professor e aprendido
pelo estudante. A restrição apontada aqui se refere especialmente ao fato de que a atividade de
mediação pedagógica não acontece em um único espaço, em um mesmo tempo, com um
conteúdo previsto, em um processo unidimensional, mas depende de um projeto de
construção colaborativa, de múltiplas relações e interações, do pensar a docência como
possibilidade de desvelar o novo e enfrentar o imprevisto (VEIGA, 2007).
A aula assim concebida dimensiona um “ato técnico-político, criativo, expressão da
beleza e dos valores científicos e éticos do professor e dos alunos [...]. “É um espaço de
formação humana e da produção cultural” (VEIGA, 2007, p. 32). Como tal, de acordo com
Moraes (2008a), constitui-se expressão de processos de convivência e de transformação
simultânea entre aprendizes e professores. Portanto, encontra-se diretamente relacionada à
biologia do amor, do conhecer e do aprender de Maturana e Varela (2001).
Essa mediação pedagógica, se baseada no sentipensar3, facilita a compreensão da
multidimensionalidade humana e a percepção de que não somos constituídos apenas por
racionalidade e técnica (MORAES, 2000), mas também por poesia, prosa, imaginação,
sensibilidade, como nos apresenta Morin (2011b). Nós, educadores, necessitamos reconhecer
3
Sentipensar, termo criado pelo prof. S. de la Torre, em 1997, em suas aulas de criatividade na Universidade de
Barcelona. Indica “o processo mediante o qual colocamos para trabalhar conjuntamente o pensamento e o
sentimento (...), é a fusão de duas formas de interpretar a realidade, a partir da reflexão e do impacto emocional,
até convergir num mesmo ato de conhecimento a ação de sentir e pensar” (TORRE, 2001, p.1).
39
a integração entre corpo, mente e espírito, emoção, pensamento, ação e sentimento como
fenômenos importantes no processo de construção de conhecimento.
Na mesma direção, Macedo (2011) ressalta que um ambiente educativo deve ser
suficientemente acolhedor para considerar a multirreferencialidade dos sujeitos. O autor
defende que a formação é um fenômeno experiencial, movida pela capacidade do sujeito,
visto como um ente conceitual, um ser de sociedade, de cultura, político, produzir
reflexivamente significados e significantes do seu próprio processo de formação - portanto,
um processo metaformativo.
O prefixo meta significa ir além. Nesse caso, ir além da formação, ou seja, ter
consciência sobre sua própria aprendizagem, e sobre os meios de se alcançá-la. É ter “uma
reflexão refinada e crítica de si e dos coletivos sociais sobre a formação se realizando”
(JOSSO, 2010, p. 42), muito além de conteúdos conceituais e estratégias de ensino. Neste
caso, o programa não pode engessar a autopoeisis da formação. “Programa e estratégias
devem ser dialógicos e se nutrir da organização e criação. Reflexão sobre reflexão vai ajudar
no processo de auto-organização, de acordo com os princípios da complexidade”. Aqui a
formação não é “algo demandada, mas implicada e socialmente relevante” (idem, p. 43).
Podemos mencionar ainda que uma formação do Ser que permita adentrar o campo da
consciência por meio de momentos de construção, desconstrução e reconstrução, não se faz
sem o Ser da formação. Portanto, privilegia as dimensões descritas por Pineau (2004):
autoformação (aprender consigo mesmo), heteroformação (aprender com o outro suas
diferenças e identificações) e ecoformação (aprender com ambientes, a natureza, as coisas, os
outros seres e as instituições). Macedo (2010, p. 78) ainda inclui a dimensão da erosformação,
quando afirma que “o desejo constituiu a erótica implicada à constituição do sujeito e sua
formação”.
Tendo o foco no sujeito da formação, segundo Furlanetto (2010a), é necessário
conhecer e refletir sobre as suas vivências e suas experiências decorrentes de escolhas
pessoais que ao longo do processo formativo docente foram sendo constituídas. Neste caso, a
autora fala de um professor interno, multifacetado, complexo, ou melhor, uma base que
autoriza suas ações pedagógicas. Essa base foi denominada de Matriz Pedagógica.
A palavra matriz é de origem latina (matrice) e possui diversos significados:
O primeiro deles refere-se ao lugar onde algo é gerado ou criado, existe uma analogia
com o útero órgão responsável, nas fêmeas, pela geração de um outro ser. Ela nos
remete também ao sentido de molde ou contra-molde que possibilita a fundição e a
reprodução de peças. Na álgebra assume a configuração de um arranjo retangular de
40
elementos de um conjunto que pode ser vista também como casa central, lugar que
abriga a administração. (FURLANETTO, 2010a, p. 95).
formação continuada de professores universitários para atuar com estratégias que auxiliem
estudantes a desenvolverem a autonomia e autoria na educação online. Para tanto, propõe a
integração dos sujeitos que atuam na pesquisa e na prática sobre/nos AVA.
Barreto (2008), em sua dissertação de mestrado, analisou as interfaces do pensamento
transdisciplinar na prática pedagógica do professor em ambiente virtual de aprendizagem. De
natureza qualitativa, a investigação utilizou a técnica da observação participante, em razão do
envolvimento da pesquisadora na gestão de um curso de extensão para professores da
educação básica, denominado “Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e
para a vida”, bem como pela base epistemológica do curso pautada na abordagem
transdisciplinar. A partir das estratégias didáticas desenvolvidas no processo de mediação
pedagógica online, a autora buscou examinar as possibilidades de criação de redes de
aprendizagem integrada, utilizando os operadores cognitivos do pensar complexo na análise
dos dados obtidos no campo da pesquisa. Um dos aspectos que a autora chama a atenção
refere-se à necessidade de cursos de formação docente ancorados em uma estrutura
autopoiética, que reconheça o estado passageiro dos sistemas vivos e que contemplem o
pensamento ecossistêmico, integrador. Essas mudanças conceituais dos cursos para docentes
poderão implicar a transformação pessoal do educador, o que incidirá nos âmbitos pessoal,
social e profissional.
Na tese de doutorado de Gervai (2007), a mediação pedagógica em ambientes de
aprendizagem online é colocada como ponto essencial de qualidade no processo educativo,
principalmente, quando o foco está na construção colaborativa do conhecimento. A pesquisa,
de base qualitativa, explora, analisa e descreve tipos de mediação online, por meio da
perspectiva discursiva, as interações de professores com os estudantes em um curso de
extensão online gestado pela pesquisadora e intitulado “Práticas de leitura e escrita na
contemporaneidade”. Essas interações foram analisadas sob a ótica da metafunção
interpessoal, que trata da interação entre os interlocutores da comunicação, e da função
ideacional, que apresenta como construímos nossa realidade. O resultado das análises levou às
seguintes considerações finais: os professores precisam ter claros os objetivos pedagógicos
em cada atividade desenvolvida para saber que questões podem ser trabalhadas para promover
um salto qualitativo em relação á aprendizagem; após a análise da interação em atividades
assíncronas (fóruns, por exemplo), chegou-se a conclusão de que a mediação do professor é
essencial para a construção cooperativa e dialógica entre os envolvidos na comunicação, caso
contrário, os estudantes continuarão a trabalhar na perspectiva isolada e individual,
46
direcionando suas participações apenas aos professores; por fim, a autora apresenta o
professor como agente fundamental para desencadear aprendizagens significativas, sendo o
motor gerador de novas conquistas para os estudantes. Para tanto, também apresenta os cursos
de formação de professores como essenciais para o saber fazer, pensar e agir no processo de
mediação pedagógica on-line.
Schlemmer (2002), na tese de doutorado, avaliou e analisou o uso de novos recursos
tecnológicos em contextos digitais visando aplicação de metodologias que proporcionem
transformações paradigmáticas. A pesquisa teve caráter exploratório-experimental, de
natureza quali-quantitativa, desenvolvida a partir de um estudo longitudinal de análise de
ambientes virtuais existentes na UNISINOS. Para a autora, o AVA possibilita a criação de
uma rede de convivência online, favorecendo as condições para que ocorra uma aprendizagem
significativa e prazerosa através de processos de interação virtual, que priorizem a auto-
organização e autopoiese dos sujeitos envolvidos no ato educativo. Ou melhor, a constituição
de comunidades virtuais no AVA favoreceu aos sujeitos a pensar sobre como ocorre sua
aprendizagem, principalmente em atividades assíncronas, como no fórum de discussão.
Outros benefícios da educação online foram dimensionados na pesquisa. Por exemplo,
trabalhar com projetos educativos e resolução de problemas torna-se fundamental para
construção do conhecimento em rede, da aprendizagem interdisciplinar e de práticas
pedagógicas que cultivem a aprendizagem autônoma.
Na mesma direção, Valentini (2003), no desenvolvimento da tese de doutorado,
apresentou a constituição do AVA não apenas como “transferência” do modelo pedagógico
do presencial para o virtual para se continuar investindo em metodologias tradicionais, mas
como espaço profícuo para construir uma nova concepção pedagógica embasada por
epistemologias que favoreçam o diálogo, a cooperação e a construção do conhecimento. O
AVA é dimensionado como um rico campo, para além de estratégias a serem cumpridas.
Refere-se a atividades que vão se constituindo a partir do processo de aprender. O objetivo da
autora com a pesquisa foi compreender como se constituem as trocas interindividuais
presentes no AVA, a partir dos princípios da autopoiese e dos processos sociocognitivos. Para
tanto, utilizou o estudo de dois casos mediados pela própria pesquisadora, em dois semestres
de coleta de dados: o primeiro para analisar o processo auto-organitivo e sociocognitivo do
grupo, por meio de um software de análise qualitativa, e o segundo fazendo um mapeamento
do processo cognitivo de três sujeitos que interagiram no ambiente. Nas considerações finais,
a autora aponta que a interação no AVA, constituída pela relação do sujeito aprendente com o
47
No percurso metodológico que ora será abordado, retomo o exposto desde o início
dessa tese, fundamentado pela contextualização global e local da realidade em que estamos
inseridos, pela reflexão de partes da minha história de vida caracterizada por momentos de
impasses, sofrimentos e transformações, no que se refere ao plano pessoal, formativo e
intelectual, e a justificativa do trabalho a partir da perspectiva transdisciplinar. Essa
recursividade torna-se essencial para justificar o caminho que será traçado formalmente em
relação à metodologia pretendida, os instrumentos de pesquisa, a geração de dados e o
desenvolvimento do sistema de organização e análise dos dados e a pretensão de proposição
49
explicação razoável pelo paradigma anterior. A ideia de progresso, para o autor, está
associada ao fato de um novo paradigma ou uma nova teoria se mostrar capaz de resolver um
número maior de problemas do que os anteriores, além de fazer mais e melhores previsões do
que estes.
Neste estudo, considero-me uma pesquisadora em busca de estratégias não-lineares,
portanto aberta aos imprevistos e às emergências. Reconheço-me em intrínseca relação com o
objeto a ser conhecido e, principalmente, como um ser que investiga também a partir de
minhas experiências e vivências. Trabalho com a perspectiva do ‘eu’ pesquisadora não como
um contaminador potencial, algo para ser separado, superado, neutralizado, minimizado,
padronizado e controlado, mas como um ‘eu’ contextualizado, tanto na dimensão econômica,
social e existencial, quanto no que os atores da minha pesquisa dizem, pensam e sentem. O
trabalho com a teoria será o de articular essas relações, descobrindo como as narrativas dos
itinerários formativos de docentes que atuam em AVA na perspectiva transdisciplinar
alinham-se dentro de um sistema de condições históricas e materiais.
Busquei estruturar uma proposta metodológica que contemplasse superar a
dimensionalidade única e exata da realidade, por meio da inserção não de integrantes da
pesquisa, mas de sujeitos, considerados como organismos vivos, autopoiéticos, em constante
auto-organização. Um sujeito implicado nas interações, como argumenta Edgar Morin:
Tomo essas premissas como partes de mim, e testemunharei essa dinâmica ao longo
do trabalho em relação ao meu objeto de conhecimento. Parto da premissa da complexidade e
da transdisciplinaridade em que o ser-no-mundo é uma possível interpretação do ser.
Tendo em vista essas considerações, esta pesquisa, de caráter qualitativo, destina-se a
conhecer e refletir sobre itinerários formativos de docentes que atuam em ambiente virtual em
uma dimensão transdisciplinar, visando compreender, inclusive, a forma de interferência da
utilização das tecnologias, mais especificamente do AVA, no sentir, no pensar, no saber, no
relacionar, no aprender e no agir docente. Essa compreensão auxiliará na proposição de
elementos constituintes de possíveis cenários formativos da docência transdisciplinar em
AVA.
51
Segundo Fine et al. (2006), a pesquisa qualitativa contribui para afastar a tradicional
perspectiva da neutralidade ou de imparcialidade do pesquisador, que se traduz em um
afastamento da responsabilidade social, dimensionando o meio acadêmico como uma
instituição ‘sem alma’ em um mundo cada vez “mais desprovido de autoridade moral” (FINE
et al., 2006, p. 137). A pesquisa qualitativa permite conhecer o objeto de estudo a partir do
contexto em que é inserido. Portanto, este é um dos aspectos importantes para a abordagem
transdisciplinar.
Segundo Moraes e Valente (2008b, p. 57), a pesquisa fundamentada no olhar
transdisciplinar “trafega pela lógica do terceiro incluído, pela compreensão do que acontece
nos diferentes níveis de realidade dos sujeitos, tendo a complexidade, com seus operadores
cognitivos, como base fundacional de toda esta dinâmica”. Portanto, neste estudo as narrativas
e análise da prática docente em ambiente virtual terão por princípio a lógica inclusiva, ternária
e não dual, binária ou excludente. O pensamento racional dialogará com a intuição, a
imaginação, a sensibilidade, a emoção e a criatividade. Essa opção parece-me coerente para
compreensão dos diferentes níveis de realidade dos sujeitos, permitindo-nos construir,
dialogar e reconhecer uma possibilidade não prevista, mas que poderia ser materializada em
outro nível fenomenológico, em outro nível de realidade.
Nesta perspectiva, Maturana (2000) afirma que a realidade surge a partir das
experiências do sujeito observador, o que diverge da concepção de uma única realidade, aceita
de forma universal e independente do sujeito. É nesse sentido que Morin (1996) destaca a
importância de não isolarmos um objeto para não destruir a sua realidade. Compreender as
relações, os percursos formativos, as interdependências com outros subsistemas do objeto de
conhecimento foi essencial para os resultados obtidos na pesquisa. Nesse caso, a escuta e a
leitura sensível do outro, bem como a análise e interpretação do corpus do trabalho, a partir da
narrativa de itinerários formativos, possibilitou-me privilegiar a ênfase nos sujeitos
envolvidos em sua multidimensionalidade (social, biológico, cultural, psicológico etc.) e na
multirreferencialidade dos processos, a partir dos diferentes olhares sobre o objeto do
conhecimento (MORAES; VALENTE, 2008b).
Dessa forma, a pesquisa qualitativa constituiu-se adequada para conhecer e refletir
sobre itinerários formativos de docentes que atuam em AVA na perspectiva transdisciplinar e
relacioná-los a atitudes e estratégias empregadas por esses docentes. Implica construir o estudo
fundamentado em abordagens epistemológicas e metodológicas que percebam o objeto do
conhecimento como fenômeno vivo, em constante construção e reconstrução. Na perspectiva
52
transdisciplinar, o objeto não é independente do sujeito. Ele ultrapassa qualquer tentativa neste
sentido, já que atua sobre o sujeito, e vice-versa. Assim, uma metodologia transdisciplinar não
pode ser linear, como pensada na perspectiva mecanicista, muito menos um caminho seguro
para a ciência, se ela não levar em conta o feedback, o aspecto recursivo que articula as
relações entre objeto e sujeito. Aqui está “a árdua tarefa do conhecimento: destrinchar a
complexidade do real no singular sem perder de vista e sem deixar de ter como horizonte a
totalidade daquilo que nos aparece como particular” (GHEDIN; FRANCO, 2011, p. 14).
Conhecer, nesse caso e no desta pesquisa, é buscar compreender o mundo no qual estamos
inseridos, incluindo o objeto do conhecimento e o sujeito que o concebe.
A atuação docente em AVA nas universidades precisa ser compreendida como
expressão de um fenômeno complexo, plural, multidimensional e não como um fenômeno
linear, fragmentado, fechado. Isso exigiu de mim uma escuta e leitura sensível das narrativas,
uma conexão com os múltiplos contextos de inserção, para dimensionar a produção de sentido
da experiência humana, a possibilidade de encontros comigo mesma (autoformação), com o
outro (heteroformação) e com a natureza (ecoformação). Envolveu, principalmente, a
percepção da limitação e finitude do próprio conhecimento e do processo interpretativo do ser
e do conhecer.
A intenção foi mergulhar na complexidade de histórias de formação e, portanto,
utilizar como ponto de partida as narrativas (o que as pessoas dizem, pensam e sentem).
Pensar inclusive no que me move, nas relações com os estados de mudança, nas situações de
mudança, nos conflitos decorrentes dessas mudanças e seus ritmos é pensar em transformar
vivências em experiência, como afirma Larrosa (2004):
A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para
pensar, para olhar, para escutar, pensar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender
a vontade, suspender o autoritarismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os
outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e
espaço. (LARROSA, 2004, p. 160).
Para tanto, necessário se fez identificar docentes que atuam em AVA e que possuam
atitudes transdisciplinares, baseadas nos pilares da complexidade, na percepção do que
acontece em outros níveis de realidade e em uma lógica mais inclusiva. Essa identificação dos
docentes, para ser mais bem caracterizada e coerente com toda perspectiva já conceituada,
precisou ser feita pelos gestores dos cursos virtuais de graduação, tendo em vista serem esses
os responsáveis por acompanhar o trabalho docente, desde a elaboração do plano de ensino,
passando ao longo do semestre pelo acompanhamento das interações em qualidade e
quantidade, analisar as avaliações discentes relacionadas à atuação dos professores e, por fim,
propor melhorias no curso baseadas também nessas avaliações.
habilidades e as competências do docente que atua no AVA, de forma a utilizar com eficácia
os instrumentos teóricos em sua prática cotidiana, reconhecendo que a interatividade e a
presencialidade propiciarão uma comunicação autêntica e positiva; reconhecer o Moodle
como ambiente virtual de aprendizagem rico em possibilidades pedagógicas e compreender o
processo de gestão da aprendizagem com foco na avaliação e no compromisso com a
construção do conhecimento.
Assim, esse processo se configura pelo desenvolvimento de uma identidade (perfil)
para o professor da instituição e agrega outras questões específicas à realidade da educação a
distância, cujo docente empenha-se em manter a sintonia com as contribuições científicas
sobre a aprendizagem; aprimorar a prática de orientação e de avaliação da aprendizagem;
compartilhar saberes e experiências sobre a docência; fazer de sua prática educativa a
expressão de seu engajamento pela transformação da sociedade.
Cabe ressaltar que o enfoque desta pesquisa não é dimensionar e avaliar a metodologia
da referida instituição, apesar de saber da possível influência que essa metodologia cumpre no
fazer pedagógico docente, mas conhecer e refletir sobre itinerários formativos de professores
que atuam em ambiente virtual na perspectiva transdisciplinar, bem como a implicação desse
percurso no sentir, no pensar, no saber, no relacionar, no aprender e no agir docente no
processo de mediação pedagógica em AVA.
Para a seleção dos professores participantes da pesquisa, foi realizada uma reunião
com os seis coordenadores de curso de graduação virtual e com o coordenador das disciplinas
semipresenciais, para explicar cada um dos sentidos apresentados nos indicadores de atitudes
docentes transdisciplinares em AVA, que contribuem com o processo metaformativo do
estudante, apresentados na tabela 1. Esse encontro aconteceu no dia 29 de outubro, na própria
instituição de ensino superior. Ao longo de 4 horas, discutimos sobre cada um dos indicadores
de atitudes docentes transdisciplinares em AVA, para melhor compreensão dos objetivos da
pesquisa e do que se esperava desses professores.
Diante da listagem de todos os professores dos cursos citados, chegou-se ao consenso
dos seis nomes, sendo dois de cursos de Bacharelado, três de cursos de Licenciatura e um de
disciplinas semipresenciais. Cabe ressaltar, ainda, que os professores selecionados foram
escolhidos por unanimidade entre os gestores e por mim também, por já ter sido diretora de
cursos de Pedagogia e do Programa Especial de Formação Docente por quatro anos, diretora
pedagógica por dois anos e diretora geral da EAD desta instituição de ensino superior por um
ano e, portanto, por conhecer bem o trabalho desenvolvido por cada professor. Uma
consideração importante a ser feita refere-se ao fato de não termos tido a possibilidade de
ampliar o número de participantes da pesquisa, pois na lista de 168 professores, foi possível
identificar apenas seis docentes com o perfil mais adequado aos critérios dimensionados na
tabela acima.
Os professores selecionados foram comunicados por telefone e, posteriormente, por
e-mail sobre o motivo do contato: o convite para participação, os objetivos da pesquisa e as
etapas a serem vivenciadas.
4
Para manter em sigilo os nomes dos professores participantes da pesquisa, optei por nomeá-los de professor A a
F.
62
pequeno porte. Fala e escreve fluentemente três línguas estrangeiras: inglês, espanhol e
Francês.
FASE 2. Esta fase ocorreu individualmente, por intermédio da escrita, em duas etapas.
em foco. O objetivo desta etapa foi de tomar posse do passado, entender a continuidade e
descontinuidade do percurso formativo dos sujeitos da pesquisa, para a docência no ensino
superior, até a realidade e do que é projetado a partir de então em formador na vida desses
sujeitos. Ao tomar posse desse passado, o docente aos poucos foi se responsabilizando sobre o
seu vir a ser. O trabalho individual foi colocado como perspectiva no meio das outras práticas
sociais, em que se podem buscar elementos para a compreensão de sua narrativa e para o
desafio do processo metaformativo. A seguir, encontram-se as questões que nortearam a
primeira fase da escrita do itinerário formativo dos participantes da pesquisa:
Qual é o tempo de docência no ensino superior?
Há quanto tempo atua na docência em AVA?
Desde quando utiliza AVA como apoio ao presencial?
Caso tenha sido aluno virtual, relate sobre sua experiência, pensando
principalmente no que te aproxima/aproximou ou não da docência universitária ;
Narre um fato marcante ocorrido na sua infância e outro na adolescência que
podem ter lhe aproximado ou não à docência no ensino superior e do seu jeito de
ser docente;
Narre sobre acontecimentos na educação básica que podem ter lhe aproximado ou
não da docência no ensino superior e do seu jeito de ser docente;
De que maneira seus pais participaram ou não do seu percurso formativo?
Narre sobre fatos da sua vida acadêmica na graduação e na pós-graduação que
podem ter lhe aproximado à docência no ensino superior e do seu jeito de ser
docente;
Quais são seus medos e suas dificuldades em relação à docência no ensino
superior?
Quais são os seus projetos para a docência no ensino superior? O que você faz para
alcançar esses projetos?
Como sabe que os estudantes estão aprendendo com base em sua ação docente no
ambiente virtual e presencial?
As narrações foram enviadas para meu e-mail após 20 dias do nosso encontro
presencial, conforme acordado. Cada narrativa recebida era analisada e os professores
recebiam o feedback por e-mail. É importante ressaltar que a minha interferência nas
narrativas escritas não foi de correção ou de questionamentos, mas de indicação para
complementações das informações relatadas que haviam sido apenas tangenciadas, ou da
escrita de informações ausentes dos itens acima relacionados. Sempre tive a consciência que
de que minha voz como pesquisadora, não podia se sobrepor às vozes e ações dos atores da
pesquisa.
66
Assim como na fase anterior de escrita das narrações individuais, os textos foram
recebidos por email após 20 dias do relato da primeira parte, período acordado com os
professores. Cada narrativa recebida foi analisada e os feedbacks encaminhados,
individualmente, por e-mail. Também, como no momento anterior, as questões mais frequentes
de refacção estiveram relacionadas a complementações ou ausência de informações relatadas
dos itens acima relacionados. As seis narrativas finais das duas fases tiveram, em média, 12
páginas.
FASE 3. Essa fase foi desenvolvida por meio de um encontro coletivo/oral para
socialização das impressões individuais sobre as fases anteriores. Assim como no primeiro
67
FASE 4. Na última fase, com a permissão dos sujeitos da pesquisa, foram analisadas os
cenários formativos da docência transdisciplinar em AVA, compostos por atitudes e estratégias
didáticas. Cada participante da pesquisa indicou uma turma de graduação no Moodle a ser
analisada. A análise do fazer docente considerou as grandes temáticas presentes nos objetivos
específicos da pesquisa e explicadas ao longo da revisão da literatura: metaformação (auto-
hetero-eco-erosformação), atitudes, estratégias (de ensino, de aprendizagem, de avaliação),
mediação pedagógica, interfaces digitais utilizadas, a fim de conhecer a proposição de
cenários formativos da docência transdisciplinar dos professores da pesquisa e triangular os
dados com os itinerários formativos.
Tabela 2 - Eixos temáticos dos itinerários formativos das histórias de vida dos professores
participantes da pesquisa
Tabela 3 - Eixos temáticos dos elementos constituintes dos cenários formativos da docência
transdisciplinar em AVA
5
Os termos formais e informais foram escolhidos não pelo tipo de linguagem trabalhada nas atividades no AVA.
Aqui, o termo formal refere-se ao trabalho mais relacionado aos aspectos estritamente acadêmicos (conteúdos
programáticos e estratégias avaliativas. Cenários informais, nesta concepção, vão além das atividades
classicamente acadêmicas, como dito acima.
70
material didático e também fóruns livres. O link para o envio de arquivos também é
obrigatório, pois faz parte do modelo pedagógico a sistematização da aprendizagem, que é
uma atividade discursiva sobre uma temática específica da disciplina, como componente do
processo avaliativo. No geral, as notas das disciplinas são compostas pelos seguintes critérios:
60% da nota é destinada às avaliações presenciais, requisito legal dimensionado pelo MEC,
30% da nota para as interações nos fóruns e 10% para outras atividades desenhadas pelos
professores.
Posteriormente a essa identificação das interfaces digitais, foram selecionados dois
eixos temáticos que caracterizaram as análises dos cenários formativos em AVA, quais sejam:
estratégias pedagógicas e atitudes docentes em AVA presentes na mediação pedagógica. É
preciso salientar que os eixos temáticos dos cenários formativos estão interligados e
encadeados. A separação em dois aspectos deu-se apenas para facilitar didaticamente a análise
do ambiente virtual. A tabela 4 apresenta a representação dos cenários formativos, interfaces
digitais utilizadas nas salas de aula e eixos temáticos dos cenários formativos.
Optei por subdividir a análise dos dados em dois momentos: narrativas dos itinerários
formativos (história de vida extraescolar e história de vida acadêmica) e narrativas das
concepções, atitudes e práticas que compõem os cenários formativos da docência
transdisciplinar em AVA. Os dados referentes ao primeiro momento citado foram levantados
principalmente na fase 1 e na primeira etapa da fase 2 desta pesquisa. O segundo momento de
análise trabalhamos com dados que emergiram na segunda etapa da fase 2 e nas fases 3 e 4. A
6
Foram identificadas todas as interfaces digitais utilizadas nos processos interativos de cada uma das salas
virtuais. Porém, para a análise dos dados, trabalhei apenas com as três ferramentas mais utilizadas pelos
participantes da pesquisa.
71
segunda etapa da fase 2 e a fase 3 relacionam-se à narrativa (oral e escrita) das concepções
epistemológicas, das estratégias didáticas e das atitudes docentes em AVA. A fase 4 refere-se
à análise da prática docente em AVA.
Portanto, para desenvolver a triangulação dos dados, houve um diálogo constante e
sucessivo entre as narrativas orais e escritas dos professores com as práticas docentes
desenvolvidas nas salas de aula virtuais. Utilizando na análise fragmentos das falas das
narrativas ou da mediação em AVA, busquei, de forma ética, não descaracterizá-las do
contexto.
Para análise e interpretação dos dados das narrativas dos itinerários formativos e
concepções, atitudes e práticas docentes no AVA, foram construídas categorias da docência
transdisciplinar. Algumas dessas categorias emergiram do trabalho de elaboração do
referencial teórico, apresentado no caminho epistemológico presente no capítulo II. Outras
categorias da docência transdisciplinar em AVA foram identificadas a partir dos dados
levantados e serão apresentadas no capítulo 5.
188
Transculturalidade e
Transreligiosidade
Ética
Auto(nomia/poiese/organização)
Matrizes Eventos marcantes e Meta(cognição/formação)
Pedagógicas influenciadores da
docência
Abertura,
Flexibilidade,
Incerteza e
Emergência
Concepções Estratégias
epistemológicas Transculturalidade e pedagógicas
Transreligiosidade
Ética
Matrizes
Pedagógicas Auto(nomia/poiese/organização)
e Meta(cognição/formação)
Multitemporalidade
Sentirpensaragir
Lógica Ternária
Abertura,
Flexibilidade,
Incerteza e
Emergência
Atitudes docentes
em AVA
193
Esse além reflete uma mediação da formação que se ocupe menos com os artefatos
pedagógicos e mais com a qualidade das relações (dos sujeitos entre si e destes com o
conhecimento), que crie condições do aprendente ter consciência sobre os próprios processos
de formação. Para Macedo (2010), essa mediação proporciona uma formação denominada de
metaformação: reflexão crítica e refinada sobre a formação se realizando. Neste sentido, refere-
se às transformações de atitudes do sujeito ao longo do processo formativo que vai se fazendo,
acontecendo, de maneira atemporal, plasmado em um movimento da vida (MACEDO, 2010).
A formação é compreendida como experiência do ser que aprende, em ato e em sentido e,
portanto, jamais pode ser vista como uma perfomance fechada ao individual.
5.1.2. Sentirpensaragir
antecipar sua ação a partir de elementos familiares na cena. Dessa forma, percebe-se estreita
relação entre sentimento, emoção e motivação.
8
Título da obra de Edgar Morin publicada em 1999.
197
nós. Trata-se de uma construção que vai, paulatinamente, fazendo-se presente e exige um
posicionamento construtivo do sujeito, por isso, materializar-se como atitude.
Todo conhecimento de natureza transdisciplinar, seja no âmbito pessoal ou
profissional, procura explorar um percurso de uma ciência com consciência, onde o sujeito é
integrado na totalidade do universo que, por isso, não só se conhece enquanto ser histórico
cultural, mas se reconhece enquanto ser existencial. Humano e universo, fenômeno, natureza
e objeto não são antagônicos, mas complexamente imbricados. A transdisciplinaridade
possibilita ao ser humano reconhecer-se natureza e, como nas culturas originais, tornar-se
cada vez mais parte dessa natureza.
5.1.6. Multitemporalidade
5.1.7. Ética
Ética vem do grego ETHOS que significa lugar da nossa existência simbólica e o
modo como o habitamos. Ela é uma das questões mais importantes nos dias atuais, é o eixo
atitudinal da nossa vida. Maturana e Varela (2001, p. 269) entendem que “qualquer coisa que
destrua ou limite a aceitação do outro, desde competição até a posse da verdade, passando
pela certeza ideológica, destrói ou limita o acontecimento do fenômeno social”. Portanto,
destrói também o ser humano, porque elimina o processo biológico que o gera.
Para Morin (2000), a ética do gênero humano nos remete a uma antropo-ética que
envolve uma cadeia de três termos: o indivíduo, a sociedade e a espécie. Essa é a base para se
ensinar a ética do futuro, provocando uma religação entre esses três elementos. É a
preocupação de que o homem perceba que suas próprias ações como causas e efeitos dos
acontecimentos que melhoram a vida e o ambiente em que vivemos. Somente por meio da
ética é que podemos pensar em um lugar melhor para convivermos em sociedade e entre as
espécies. Esta dimensão fraterniza relações, pois é centrada na diversidade, na
multirreferencialidade, na responsabilidade e no respeito pelo outro em seu legítimo outro
(MORAES, 2010b).
vistos em seus diferentes saberes. Diferenças essas que exigem respeito, tolerância e
flexibilidade para reconhecer e aceitar que há outras formas de perceber o mundo diferentes
da nossa. No pensamento transcultural, estas diferenças possibilitam o diálogo entre ciência e
arte, entre o global e o contextual e devem, principalmente, mobilizar atitudes e estratégias de
um docente transdisciplinar. A atitude transcultural e transreligiosa pressupõe sermos
indivíduos abertos ao encontro com o outro, ao respeito, à solidariedade e ao diálogo.
Ao escrever sobre minha trajetória, relembrarei situações que não fazem parte do seu
cotidiano, então terei que puxar do fundo do baú algumas situações que há muito