questão da saúde mental, distribuição das ansiedades terroríficas
A bem como das práticas te-
rapêuticas, tem sido am- plamente discutida em todo o mundo. Embora muito se tenha argumentado, de- fendido, criticado e proposto, a visão de saúde mental e do doente mental ainda carrega conceitos do século XVIII, de nossa mente, bem como que cada indivíduo assuma seus próprios temores, sem depositá-los em bodes expiatórios, fabricando, com isso, "profissionais da loucura" para, em seguida, segregá- los, internando-os em manicômios. Ressalta que tais transformações de- pendem do resgate da identidade histórica OTrab quando da fundação da psiquiatria. e cultural do povo, bem como esclarece Vários autores têm apresentado con- que o povo sempre teve sua própria tribuições importantes, tanto para o maneira de resolver os problemas de entendimento da evolução e terapêutica perturbação mental. dos casos, quanto para a tentativa de uma nova visão social do doente, bem como questões relativas à terapia fa- miliar e à psicoterapia breve, que vêm fornecendo subsídios para práticas al- ternativas no tocante à saúde mental. Pode-se destacar autores como Ba¬ saglia (198S), que coloca a doença como uma contradição que se verifica no am- biente social, mas não a considera como um produto exclusivamente da sociedade e sim como resultado da interação dos níveis biológico, sociológico e psi- cológico. Esclarece que a loucura é uma condição humana e que, em nós, a loucura existe e está presente, como está a razão. Segundo o autor a socie- dade, para ser civilizada, deve aceitar tanto a razão quanto a loucura. Posi- ciona-se contra o pessimismo da razão e defende o otimismo da prática. Laing (1975) e Cooper (1982) pro- põem que se compreenda o psiquismo humano, especialmente em seus "de- sarranjos", sob um novo ponto de vista: o da antipsiquiatria. Destacam o con- ceito de relação como a chave para compreensão das manifestações hu- manas, relação aqui entendida no seu sentido político. Criticam a tendência da psicologia em tentar analisar o in- divíduo, isolando-o das relações que mantém com os outros, afirmando que os sintomas têm sua origem no con- junto das relações sociais. Destacam, portanto, que a doença não se encontra no indivíduo, mas no sistema de re- lações que ele mantém com o seu grupo, que é, principalmente, a sua família. Partindo da constatação da situação de pobreza e opressão existente na so- ciedade e reproduzida nas instituições psiquiátricas, Moffatt (1980) encontra nelas a negação da identidade pessoal dos pacientes, através da qual se legiti- mam as práticas repressivas, onde os indivíduos desqualificam-se, aban- donam-se, coisificam-se. Moffatt de- fende o resgate da identidade pessoal dos pacientes, através da negação de teorias e práticas impostas e a cons- trução de soluções pelos próprios in- divíduos envolvidos com sua problemática. Propõe, então, uma re- alho do Psicólogo com Famílias de Pacientes Psiquiá- tricos Relato de uma experiência
Ana Maria Vieira de Miranda*
Marli Aparecida Calça Sanches* * Docentes do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá - PA Vale evidenciar e esclarecer aqui o recuperação e superação da problemática, papel da terapia familiar, uma vez que podendo transformar-se em motor de terapia da família é um termo genérico, mudanças a nível do contexto social. que não se aplica a uma forma tera- pêutica específica, mas a uma grande A experiência: estudo variedade de abordagens que têm em comum a idéia de que a família consti- piloto, desenvolvimento e tui o foco adequado para avaliação e resultados tratamento de distúrbios emocionais. Esta visão é um desenvolvimento rela- O presente relato está pautado na tivamente recente no campo da saúde pesquisa "Atuação do Psicólogo com mental, e reflete um desvio radical dos Famílias de Pacientes Psiquiátricos", pontos de vista tradicionais referentes, realizada na Universidade Estadual de não apenas à saúde mental, mas ao Maringá, no período 2/84 a 2/86. comportamento humano e à doença em Com a questão da saúde mental como geral. prioritária, especificamente na região Há cerca de três décadas, alguns de Maringá-PR, levantou-se o problema profissionais da saúde mental começaram que norteou todo o trabalho desen- a se sentir frustrados e preocupados volvido: "será que uma intervenção in- com o índice de recaída de pacientes tencional através de um programa de que haviam conseguido acentuada re- atendimento facilitará a reintegração cuperação no hospital, assim que os do paciente na sua volta ao seu meio mesmos retornavam às suas famílias. social?" Estes profissionais romperam com os O trabalho foi desenvolvido em três procedimentos tradicionais, de só tratar momentos: o paciente identificado, e passaram a encarar o conjunto familiar no trabalho lo. Estabelecimento de critérios e le- com o doente. vantamento de dados de intervenção Destaca-se Satir (1976), que enfa- dos pacientes psiquiátricos em Insti- tiza a importância da comunicação no tuição de saúde mental de Maringá e contexto familiar, já que a interação região; entre seus membros expressa-se através 2°. Estudo-piloto - elaboração e apli- de gestos, expressão facial, postura cor- cação do programa de atendimento; poral e movimentos, tom de voz, modo 3o. Aplicação do programa de aten- de vestir, conteúdos do próprio comu- dimento com três pacientes-família. nicar-se com o outro. Minuchim (1982) coloca como objeto de intervenção o O primeiro momento desenvolveu- sistema familiar, sendo que o terapeuta se com o estabelecimento dos critérios une-se a esse sistema e, então, utiliza a avaliação e compreensão do psicodi¬ para seleção dos pacientes-família, a si mesmo para transformá-lo; mudando namismo do paciente, e é composta da fim de comporem a amostra. Os critérios a posição dos membros do sistema, ele tríade: atividade, planejamento e foco. foram: existência de universo familiar; modifica suas experiências subjetivas. A atividade consiste na participação e idade entre 21 a50anos; até três inter- A fim de transformar o sistema fami- atuação própria do terapeuta; o nações; não alcoólicos. Foram reali- liar, o terapeuta intervém, portanto, no planejamento envolve a organização zados levantamentos junto a instituições equilíbrio desse sistema, pois tem-se a dos passos e estratégias a serem utili- de saúde mental e realizadas visitas às estrutura familiar como um conjunto zadas, sendo as mesmas elaboradas em famílias com afinalidadede checar os invisível de exigências funcionais que função da estrutura da personalidade do dados da instituição e verificar a aceitação organizam as maneiras pelas quais os paciente e não dos sintomas apresenta- do trabalho. Neste primeiro momento membros da família interagem. dos; foco significa o objetivo estabe- constatou-se um grande número de Quando se questiona o tempo dis- lecido pelas duas partes - terapeuta e pacientes sem família, encaminhados pendido em psicoterapia e a possibili- paciente. por órgãos de assistência social, indi- dade de alguma contribuição significa- O aprofundamento dos pontos aqui gentes, pedintes e andarilhos. A grande tiva à saúde mental, deve-se conside- levantados, referenciados, então, pelos maioria dos pacientes não tem vincu- rar, segundo Malan (1981), que o número dados de internação de pacientes psi- lação com trabalho e escola, bem como de pessoas que necessitam ser ajudadas quiátricos, embasa a experiência que são quase que, na sua totalidade, pacien- devido a doenças mentais são milhares apresentamos a seguir, que objetiva o tes reincidentes com número de inter- ou milhões. Para ele, a única solução desenvolvimento de um trabalho, nações variando entre 1 a 20. concebível a um problema de tal magni- partindo de um esquema participativo Através dos dados obtidos junto às tude deve vir da prevenção primária, dos membros da família do paciente instituições de saúde mental, tem-se através de medidas como educação e egresso de uma instituição de saúde que o paciente psiquiátrico, após inter- reorganização social. No entanto, pro- mental. Isso a fim de possibilitar a sua nação, é "devolvido" à família/ põe como alternativa de solução a ex- reintegração no respectivo meio fami- comunidade sem que haja qualquer tipo ploração de métodos de psicoterapia liar, tendo como pressuposto que a de trabalho/atendimento que viabilize breve. família, tornando-se objeto de ques- a sua volta ao meio social, sendo utili- Para Lemgruber(1984), apsicotera¬ tionamento, pode aceitar a doença e o zado apenas o critério de alta quando o pia breve, fundamentada na metapsi¬ doente, reconhecer-se como participante quadro do paciente encontra-se "estável". cologia freudiana, tem como objetivo a na produção da doença, assim como na Este retorno sem preparo ao meio fa¬ miliar é um dos responsáveis pelo ciclo pessoas da família presentes aos encon- dos registros. internação-reinternação que se verifica tros; i) Reuniões semanais para discussão na história de vida de muitos pacientes. e) Visitas semanais, tempo deter- e análise do programa; Frente a esta realidade, com o minado de mais ou menos uma hora; j) O programa não se propôs a traba- problema formulado e com os dados f) Material apresentando durante o lhar com conteúdos profundos e indi- obtidos junto à comunidade, partiu-se encontro: viduais; para a elaboração e aplicação de um f.l) histórico da doença; k) Se necessário for (ou a pedido), instrumento que é objeto do presente f.2) percepção da família em relação poder-se-a fazer, ao término do pro- relato, afimde possibilitar um trabalho ao início e ao desenvolvimento da grama de atendimento, o encaminha- em nível de reintegração do paciente à doença; mento do indivíduo e/ou da família família, entendendo ser este um ponto f.3) função da doença na família; para outro tipo de atendimento; crucial para a efetiva recuperação do f.4) organização da dinâmica fami- 1) Avaliação do programa - dois meses paciente. liar - anterior e posterior ao apareci- após o término. O segundo momento explicitou-se mento da doença; através de um estudo piloto, com um f.5) a maneira de ocorrência da alta e 4. Intervenção: paciente-família, cujo objetivo foi o de a volta do doente à família - papéis de a) Questionar a família, solicitar dados fornecer subsídios para a elaboração e cada um dos membros; e esclarecimentos quanto ao relato. aplicação do programa de atendimento, f.6) papel do indivíduo no espaço fa- Explorar em detalhes as suas respostas; sendo que a intervenção teve duração miliar - responsabilidades, ação e ca- b) Fornecer informações, sempre que total de 1 ano e 2 meses, dos quais 6 pacidades. necessário ou a pedido; meses foram a aplicação do programa. g) Duração da intervenção previa- c) Rever, juntamente com a família, O programa de atendimento elabo- mente estabelecida - 6 meses; os conceitos sobre a situação particular rado apresenta-se da seguinte forma: h) Número de participantes e papéis dos conflitos; fixos: e) Enfatizar relações entre conste- 1. Objetivo principal: reintegrar o - um coordenador - atuação direta na lações significativas, dados e capacidades indivíduo na família. situação (papel ativo), referencial para da família; a) Reintegrar significa ter nova ocu- a família; f) Ressaltar os espaços conquistados pação de espaço (ação, responsabili¬ - observadores) - atento(s) às men- e os papéis assumidos dentro da família; dades e poder de decisão como os outros sagens não verbais e encarregado(s) g) Esclarecer as mensagem da família, membros), dentro da família; para que certos conteúdos sejam mais b) Indivíduo aqui estabelecido como bem compreendidos; aquele que teve, no máximo, três inter- h) Resumir e rever pontos importan- nações em uma instituição de saúde tes, surgidos no decorrer do programa; mental, residente em Maringá; i) Estimular a comunicação entre os c) Família significa pessoas que membros da família; moram juntas e desempenham os papéis j) Trabalhar com a história da famflia de pai, mãe, irmãos, avô, avó, tio..., e os emergentes. aparentadas ou não, que mantenham uma relação de continuidade e O paciente-família do estudo piloto manutenção da mesma. foi R., de 23 anos, sexo feminino, sol- teira. Integra uma famflia composta por 2. Objetivos secundários: pai, mãe, sobrinha e três irmãos, sendo a) Captar a responsabilidade da família a únicafilha.R. foi internada em insti- no aparecimento e na manutenção da tuição de saúde mental de Maringá, por doença; decisão da família - especialmente do b) Reorganizar os espaços e papéis pai; é debilitadafiscamente,muito ner- dos membros da família; vosa e deprimida, acliando "tudo na c) Promover a reconstituição das vida ruim". Permaneceu internada por regras e dinâmicas familiares pela própria 50 dias. família; Encontramos R. completamente de- d) Propiciar o investimento da família pendente dos pais, sem condições de no indivíduo, deixando de estigmatizar tomar decisões ou executar trabalhos, incompetência, incapacidade, irrespon- submissa e debilitadafisicamente.Apre¬ sabilidade. sentando queixa de muito nervosa, falta de apetite, dores no peito, falta de ar, 3. Estratégias: "voz trancada","fogocurto",desânimo a) Trabalhar com foco (entendido e desejo de morrer. como o objetivo que se pretende atingir Durante os primeiros meses de con- com o programa), e não com os sinto- tato com a família, obtiveram-se os mas; seguintes dados: a renda familiar não é b) Trabalhar com a comunicação da fixa; os doisfilhose opai têm a respon- família: conteúdos verbais e não ver- sabilidade do sustento da família e a bais, mensagens explícitase implícitas, mãe é responsável pelo trabalho com as respectivas decodificações; doméstico e cuidados com a neta; quanto c) Trabalhar com a identidade do in- à condição sócio-econômica, a família divíduo - processo de reidentificação; insere-se nas chamadas classes popu- d) Necessidade do maior número de lares, podendo ser definida como ca¬ passar a atuar no seu meio familiar, no momento em que a sua família o en- tenda e o aceite como uma pessoa com rente, face à baixa renda familiar con- capacidades. seguida através de subempregos e tra- Os resultados obtidos apontam tanto balhos de alta rotatividade (período de para a família como um todo, quanto safra e entressafra). Pela dinâmica para a paciente identificada Ao final familiar observada, pode-se definir a da aplicação do programa observa-se família como hierarquicamente organi- que a família entende e assume a sua zada, fundada na autoridade paterna, responsabilidade no aparecimento e onde os membros do sexo masculino manutenção da doença de R. e das ocupam prioritariamente a função de doenças dos seus outros membros, manutenção e conseqüentemente de conseguindo estabelecer a doença, in- decisão. dependente da sua forma de exteriori- A elaboração e aplicação do pro- zação no sujeito, como um desequilíbrio grama de atendimento partiu do que aparece ou é agravado pela própria pressuposto de que o indivíduo pode ação familiar. A reorganização na dinâmica familiar foi observada a partir do momento cm que ela permitiu a "palavra" ao doente, sendo esta ouvida e entendida. Também na assiduidade dos seus membros aos encontros semanais. O repensar dos papéis, começando pelo pai, a possibili- dade de expressar afeto, com gestos, palavras e encon- tros, resgataram e valorizaram a comunicação entre os membros da família, tendo como pontos de ação: melho- ria na aparência pessoal, maior limpeza na casa, al- teração na disposição dos móveis; possibilidade de cada membro expressar os seu problemas; organização de um tempo sem a presença das pesquisadoras para a família se reunir e conversar. Quanto a R., puderam ser constatadas alterações nos seguintes aspectos: passou a ter uma participação efetiva como membro da família, o que foi indicado pelo seu envolvimento em afazeres domésticos, cuidados pes- soais c trabalhos manuais; obteve condições de expres- sar os seus desejos e executá-los, como saídas para encontros com o namorado, passeios, bailes; imprimiu um ritmo seu na organização e distribuição dos objetos na casa, sendo reconhecida como importante a sua atuação por parte da família; passou a manifestar suas vontades c medos, sem se sentir "menor" ou "louca" por externá-los; desaparecimento dos sintomas iniciais; poder de decisão e responsabilidade como os demais membros da família, questionando e podendo aceitar ou não os posicionamentos da família quanto à sua pessoa, ou quanto à organização da própria família; não retornou ao sanatório. O programa de atendimento foi avaliado dois meses após o seu encerramento com a família de R. A avaliação constou de uma visita à família com o objetivo de se verificar se os progressos presentes, quando do término da intervenção, ainda se mantinham; constatou-se que R. encontrava-se disposta a procurar um trabalho e pensava em casar-se; seus sintomas não reapareceram e sua família continuava mantendo encontros semanais para que todos os membros tivessem um espaço para conversar. Em março de 1990 foram realizados encontros com a família de R., com o objetivo de verificar se as con- quistas presentes ao término do trabalho permaneciam. Verificou-se que R. não apresentou quadros que a levassem novamente ao sanatório. Nesse tempo subme- teu-se a duas cirurgias de certa gravidade; continua quando ele postula que o pisocólogo não tem porque aceitar o critério da família sobre quem é o doente; a sua atuação deve ser realizada através da visão de que todos os membros estão implicados e o grupo se encontra doente. Entende-se que a família, conforme seu funcionamento, oferece formas ob- jetivas aos papéis distintos, mas vincu- lados de pai, mãe e filho; a partir do momento em que ela passa a refletir sobre a sua forma de ação, junto aos seus membros, e essa reflexão pode ser extemalizada, ela começa a se organi- zar no sentido de promover alterações na sua dinâmica, pois como afirma Laing (1983), quando obedecemos a deter- minadas regras, mas não as questiona- mos, não temos condição de saber se elas existem ou não. Pichon-Reviére (1982), esclarece que a emergência da doença mental no grupo familiar significa que um membro deste grupo assume um novo papel, trans- forma-se no depositário da ansiedade do grupo.A estrutura grupal se altera e aparecem mecanismos de segregação do doente, sendo que o "prognóstico" do caso depende, em grande parte, da intensidade destes mecanismos de segre- gação, ou seja, da receptividade ou não receptividade do grupo. morando com os pais e namorando com papéis bem delineados e a atuar como A participação da família favorece a J. (o mesmo namorado que tinha, quando um referencial externo para a discussão dos problemas pessoais/fa- da aplicação do programa). problemática e angústia vivida pela miliares, de forma que a angústia pode Quanto à família, reside na mesma família. ser vivenciada e entendida pelos seus casa. Um dos filhos casou-se e separou- O progresso de R. foi observado membros, à medida que a família se se da família, sendo que sua filha per- através dos encontros semanais, onde propõe como catalizadora de sua própria maneceu com a família. Os seus mem- as suas verbalizações e comportamen- problemática e deixa de necessitar de bros estão empregados, todos colabo- tos deixavam claro que uma nova con- um "porta-voz", um "bode expiatório" rando com o sustento familiar. dição mais participativa se organizava. para externar as suas angústias e se Pode-se entender este progresso através reorganizar de modo a trabalhar os seus das palavras de Lembruger (1984), que problemas. O fato de não se trabalhar Discussão ressalta a função da psicoterapia breve com a sintomatologia do indivíduo facili- e de catalizar as reações internas e ori- tou a execução do trabalho, pois a pro- conclusão entá-las para a realidade da vida e para posta de "conversar" com a família a adequação do indivíduo à sua sobre ela própria propiciou uma nova A elaboração do programa de aten- identidade, pois o sofrimento do paciente inserção do PI como membro atuante, dimento partiu das considerações de não é tanto pelas recordações penosas levando todos os membros a perce- Bohoslawsky (1977), sobre o enquadre, reprimidas, quanto o é pela incapacidade berem que, mesmo "sãos", apresentam onde se explicita a necessidade de se de enfrentar e resolver problemas atu- conflitos, angústias, características não estabelecerem parâmetros relacionados ais. Reforçam-se as palavras de Satir apenas de pessoas consideradas doen- ao tempo, lugar, atribuição de papéis, (1980), ao postular que a comunicação tes. objetivos e de se considerar que, se é o maior fator determinante do tipo de O programa de atendimento cumpriu, estes não forem pré-estabelecidos, o relação que se estabelece entre os in- assim, com os seus objetivos, através comportamento do entrevistado assume divíduos, relacionando também a doença da intervenção intencional feita à família, um caráter caótico e incompreensível ou a saúde emocional da família com a rompendo-se o círculo vicioso da sua ao entrevistador. Pode-se ressaltar que baixa ou a elevada auto-estima de seus dinâmica, possibilitando que a mesma os progressos de R. e da sua família só membros. fosse alterada. Assim, pesquisadores e foram possíveis após a sistematização A ação da família sobre a doente fica família puderam falar sobre o que es- do programa, que passou a fornecer clara nas palavras de Bleger(1980), tava acontecendo, rever o papel da doença na família e encontrar saídas alternati- vas, de modo que os conflitos famili- ares pudessem ser explicitados e as- sumidos por todos os membros da família e não delegados a uma pessoa específica: o doente. Constatou-se que o compor- tamento do indivíduo, retirado do seu contexto, perde o seu significado, ad- quirindo significados outros que lhe são impostos. O programa proporcionou a reintegração do indivíduo na família e, por conseguinte, ofereceu as con- dições para reintegração no meio social mais amplo e demonstrou que é possível obterem-se resultados relevantes quando se desenvolve um trabalho visando o paciente e a sua família e não somente o paciente, como ocorre com o trata- mento convencional. A visita de avaliação, quatro anos após o encerramento do programa, re- afirmou as conquistas obtidas e reporta- nos a Minughin (1982), quando eviden- cia que uma vez que se produziu uma mudança, a família a preservará, mesmo na ausência do terapeuta, através de seus próprios mecanismos auto-regula¬ dores. Conclui-se, portanto, que essa forma de intervenção pode e deve ser melhor explorada, pois o estado atual da saúde mental no Brasil depara-se, ainda, com a excessiva discrepância entre as teo- rias e a prática junto ao doente mental. Depara-se, também, com a desvincu- lação entre áreas que poderiam e de- veriam atuar em conjunto para traba- lhar esta questão, como a Psicologia, Bibliografia Psiquiatria, Enfermagem, Serviço So- cial, Sociologia, Terapia Ocupacional... Assim poderiam desenvolver um tra- 1. BASAGLIA, P. A instituição ne- 7. MALAN, D. As fronteiras da psi- balho enquanto equipe de profissionais gada. Trad. Heloisa John. Rio de Janeiro, coterapia breve. Um exemplo da con- ligados à área de saúde, em instituições Edições Graal, 1985. vergência entre pesquisa e prática 2. BLEGER, G. Temas de Psicologia médica. Trad. Lais Knynik e Maria Elisa de saúde mental e escolas de psicologia - entrevista e grupos. Trad. Rita Maria Z. Sches-tatsky. Porto Alegre, Artes e medicina, possibilitando dessa ma- Manso de Moraes: São Paulo, Martins Médicas, 1981. neira que um número maior de pacien- Fontes, 1980. 8. MINUCHIN, S. Famílias - fun- tes pudessem ser beneficiados. 3. BOHOSLAVSKY, R. Orientação cionamento &tratamento.Trad. Jurema Ao apresentarmos o relato e reflexões vocacional - a estratégia clínica. Trad. Alcides Cunha. Porto Alegre, Artes sobre o trabalho que desenvolvemos, José Maria Valeije Bojart. São Paulo, Médicas. 1982. lançamos - para a comunidade aca- Martins Fontes, 1977. 9. MOFFATT, A. Psicoterapia do 4. COOPER, D. Psiquiatria e an¬ oprimido. Ideologia e técnica da psi- dêmica, profissional e, esperamos, à tipsiquiatria. Trad. Regine Schnaider¬ quiatria popular. Trad. Paulo Esma¬ comunidade em geral, - um modesto man. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1982. nhoto. São Paulo, Cortez Ed., 1980. subsídio, mas que possa ser instigador 5.LAING, RD. A política da família. 10. PICHON-RIVIÉRE, E. O processo de novos interesses, debates e trabalhos. 2 ed. Trad. João Grego Esteves. São grupal. Trad. Marco Aurélio Fernandez Subsídio este que aponta para a neces- Paulo, Martins Fontes, 1983. Velloso. São Paulo, Martins Fontes, 1982. sidade, não só de aprofundamento 6. LEMGRUBER, V.B. Psicoterapia 11. SATIR, V. Terapia do grupo fa- teórico, mas de atuação concreta na breve: a técnica focal. Porto Alegre, miliar. Trad. Achilles Nolli. Rio de Janeiro, reelaboração coletiva da questão da Artes Médicas, 1984. Francisco Alves, 1976, 1980. doença mental, e para a socialização das conquistas individuais ou grupais.