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ESTUDOS

SOCIOANTROPOLÓGICOS
Profa. Dra. Gisele Silva Lira de Resende

ESTUDOS
SOCIOANTROPOLÓGICOS

Barra do Garças - MT
UniCathedral
2018
Autora
Profa. Dra. Gisele Silva Lira de Resende

Leitura Crítica e Sugestões


Michele Salete Reis

Revisão Gramatical do Texto


Roziner Aparecida Guimarães Gonçalves

Projeto Gráfico
Atila Cezar Rodrigues Lima e Coelho
Georgya Politowski Teixeira
Matheus Antônio dos Santos Abreu

BARRA DO GARÇAS - MT
JANEIRO 2018
Copyright © by Faculdade Cathedral, 2018
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada,
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reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia do(s) autor(es).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) – Catalogação na Fonte


Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Roberta M. M. Caetano – CRB-1/2914

R433e Resende, Gisele Silva Lira de


Estudos socioantropológicos / Gisele Silva Lira de Resende.
Barra do Garças: Faculdade Cathedral, 2018.

140 p. ; il. ; color.


ISBN: 978-85-54298-04-3

Conteúdo de disciplina EaD do Núcleo de Ensino a Distância


(NEaD) da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas do
Araguaia – Faculdade Cathedral.

1. Sociologia. 2. Antropologia. 3. Indivíduo. 4. Sociedade. I. Título.


II. Faculdade Cathedral.

CDU 316:572.02

UniCathedral – Centro Universitário


Av. Antônio Francisco Cortes, 2501
Cidade Universitária - Barra do Garças / MT
www.unicathedral.edu.br
SUMÁRIO

UNIDADE V...................................................................................................................................... 11
Desigualdade: uma questão a ser refletida ........................................................................................... 11
Algumas Representações sociais ........................................................................................................ 12
Sobre a oportunidade educacional ........................................................................................................ 16
Democracia e desigualdade ................................................................................................................... 21
Educar para os Direitos Humanos ...................................................................................................... 22

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Autor(a) da Unidade
Profa. Dra. Gisele Silva Lira de Resende

Ao final da unidade, esperamos que você seja capaz de:

 Compreender as configurações da desigualdade na vida cotidiana e como essas configurações


colocam o indivíduo à margem da sociedade.
 Analisar a importância da educação para o desenvolvimento integral do homem.
 Conhecer o teor da Declaração dos Direitos Humanos, observando sua importância para a
preservação da dignidade do ser humano e da minimização de desigualdades sociais.
 Articular aspectos da desigualdade, em todos seus pontos, da globalização e da violação dos
direitos humanos na contemporaneidade.

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UNIDADEV

DESIGUALDADE: UMA
QUESTÃO A SER REFLETIDA
A desigualdade é um fenômeno
presente nas vidas das pessoas, em
qualquer parte do mundo, não como
se apresenta hodiernamente, mas
seus indícios sempre estiveram
presentes. A medida que a sociedade
capitalista foi se expandido, a
evolução tecnológica avançando, esse
desequilíbrio no sistema social foi se
agravando, principalmente, nas
últimas décadas. Faz-se necessário
dizer que, além dos fatores acima
citados, a mobilidade social, o
crescimento urbano desordenado, a
forma homogênea em que o sistema
educacional vem se apresentando e a
corrupção ativa, em diferentes segmentos contribuíram de modo significativo para a ampliação da
desigualdade e, consequentemente, para o fator exclusão.
Inicialmente, tal desigualdade se configurava a partir dos paradoxos pobreza e riqueza, pois isso
simplifica sua justificativa e afasta a reflexão da alta complexidade que aqui está envolvida. Ferreira (2010)
relata que

Embora alguns ainda tentem reforçar essa teoria, os que possuem visão crítica veem como inconcebível
tal compreensão, pois a essência possui maior amplitude, vários significados e múltiplos fatores.
Nascimento (1995) esclarece que

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Em alguns países, tais desigualdades são mais evidentes, e em outros se apresentam com menor
intensidade e de diferentes formas; todavia, sua presença é constante.
A realidade brasileira não foge a essa regra. Historicamente, o Brasil traz em sua essência injustiças
sociais, as quais, ao longo dos tempos, tomaram grandes proporções: em razão socioeconômica e,
posteriormente, em relação aos direitos.
Essa discrepância entre extremos na organização social, configura-se pelo poder de compra que a
população possui, resultante da condição social e da função que exerce no mundo do trabalho. Aqui reside
os pontos antagônicos: riqueza e pobreza.
Ferreira (2010) explica que essa questão

Na contemporaneidade, analisa-se o conceito de desigualdade social, sob uma perspectiva mais global;
não só sob a ótica da hipossuficiência, mas também a partir das injustiças sociais, da privação de direitos do
cidadão, que vive em uma sociedade democrática, que prega igualdade para todos.

Ilha das Flores é um documentário que retrata como a economia promove a desigualdade social
e todas as consequências inerentes a essa condição.
Ilha das Flores - Completo:
https://www.youtube.com/watch?v=LETSDS8qm9U

ALGUMAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS


Ao analisar a desigualdade social, em uma perspectiva macro, não só sob a ótica da pobreza, há de se
valer de representações sociais, que permitem o entendimento acerca dos elementos que envolvem a
condição de desigual.

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Esse conceito de representações sociais foi discutido por Durkheim (representações coletivas), mas foi
amplamente estudado pelo sociólogo Serge Moscovici. Para ele, tais representações se constituem em “[...]
uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e de
comunicação entre indivíduos”. (MOSCOVICI, 1978, p. 26) e ainda “uma das vias de apreensão do mundo
concreto, em seus alicerces e em suas consequências” (MOSCOVICI, 1978, p. 44).
A saber, as representações sociais descortinam situações antes não conhecidas, permitindo, a partir de
uma análise mais profícua, a compreensão dos fenômenos reais e, até então, aceitos em sociedade, pois as
desigualdades são explicadas “como fruto de uma decisão dos que não aceitam submeter-se ao trabalho
nas condições precárias em que ele ora é oferecido” (FERREIRA, 2010, p. 131).
Se tal desigualdade for analisada somente por um ângulo, o da pobreza, torna-se impossível qualquer
medida para transformar essa realidade, haja vista que essa vertente traz a ideia de que a responsabilidade
dessa condição é individual.
Nesse contexto, ao trazer à tona essa discussão no séc. XXI, já está implícito observar as adversidades
que envolvem o tecido social, as quais vão desde as condições de moradia, de saúde e de alimentação, até
a falta de oportunidade de trabalho e de educação, cor, gênero, dentre outros elementos, não menos
importantes. Aliás, são por esses critérios - saúde, renda e educação - que se examinam os índices de
desenvolvimento humano (IDH). De acordo com PNUD (2018),

Brasil está entre os cinco países mais desiguais, diz estudo de centro da ONU
https://nacoesunidas.org/brasil-esta-entre-os-cinco-paises-mais-desiguais-diz-estudo-de-centro-da-onu/

Essa privação dos direitos cristalizam as diferenças e estratificam, de modo enfático, as classes sociais,
pois aqui se configura uma contradição: como o cidadão tem os mesmos direitos, mas, em contrapartida,
não possui as mesmas condições de dignidade para sua sobrevivência?
Essa é a conjuntura em que estão inseridas muitas pessoas, inclusive o cidadão brasileiro, pois a cada dia
o Estado, em virtude da política neoliberal, vem se eximindo de suas incumbências mais básicas, dando a
entender que a responsabilidade de gerir tais situações, a ele não pertence.

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As instituições financeiras internacionais estão pressionando os países endividados a tomar medidas
severas para cumprir seus pagamentos de juros. O resultado é que os países em desenvolvimento podem
ser forçados a desvalorizar suas moedas, congelar os salários dos trabalhadores, aumentar a privatização
da indústria e reduzir os serviços prestados pelo governo e o emprego público. Essas tendências fazem
parte do processo mais amplo de globalização – uma integração mundial de políticas governamentais,
culturas, movimentos sociais e mercados financeiros por meio do comércio e da troca de ideias (WITT,
2016, p. 271).

Outro ponto que deve ser destacado é que a globalização, a tecnologia, pela competitividade que
promove, corrobora com a falta de equidade. Isso leva a crer que, a medida em que há avanços
tecnológicos e econômicos, novas formas de desigualdades afloram. Logo, não se pode considerar esse
aumento como quantitativo, mas, sim, qualitativo, na vida da população.
Tal fato pode levar essa camada à uma dependência extrema (que é histórica) das políticas públicas
oferecidas pelo Estado e daqueles que pertencem ao status quo, criando, assim, uma nova forma de
dominação. “Medidas paliativas do governo, sustentadas pelo recurso à mídia, não resolvem e nem
enganam mais ninguém; socorros altruístas e bem-intencionados acodem corretamente emergências que
se situam no plano dos absurdos” (FERREIRA, 2010, p. 137-138). Em contrapartida, “nos países em
desenvolvimento, qualquer deterioração do bem-estar econômico dos menos favorecidos ameaça a
própria sobrevivência deles” (WITT, 2016, p. 277).
Esse quadro é o que se tem não só na atualidade brasileira, mas também em outros tantos países.
Nessa perspectiva, esse desequilíbrio
socioeconômico coloca as classes sociais em
patamares verticais, composto por aquele que detém
uma condição econômica avantajada; e, no outro
extremo, pelos de situação inversa da primeira, com
estilos de vida mais humildes, quando não privados
das coisas mais básicas, sem nenhuma dignidade.
Somado a essas desvantagens vem a falta de
oportunidades em nível educacional, profissional e,
inclusive, da impossibilidade de se usufruir dos bens
sociais, aos quais todo cidadão tem direito: moradia,
saúde, lazer, alimentação, educação de qualidade etc.
É nessa desigualdade, já preconizada por Marx, que
repousa a dominação de uma classe sobre a outra, e
que se descortinam formas bastantes sutis de exclusão. Nesse sentido, há de se valer da dialética, mais
uma vez, porque a exclusão e inclusão são paradoxos que só subsistem uma em função da outra, assim
como dominantes e dominados.

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A partir disso, é necessário analisar o termo desigualdade, que compreende o âmbito econômico,
político, social, relacional, promove a exclusão, de diferentes formas e resulta em uma série de fatores
produzidos pela própria complexidade existente no sistema social.

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SOBRE A OPORTUNIDADE EDUCACIONAL
Uma das pontas desse iceberg está na
exclusão educacional. Não se está
falando aqui da falta de acesso à escola,
mas, sim, da falta de qualidade do
ensino, desde a educação básica.
Entende-se que a educação formal
amplia a visão de mundo, desenvolve
competências e habilidades,
indispensáveis para atender ao que
solicita o contexto sociocultural,
econômico e político, em que se vive, e
oportunizar melhor qualidade de vida,
sob todas as perspectivas.
Como a educação, local de
disseminação de conhecimento, tornou-
se instrumento de dominação e de
exclusão social?
A partir do o séc. XVIII, a sociedade mundial sofreu significativas transformações; o iluminismo é
exemplo da revolução que causou em todos os segmentos, sobretudo em termos educacionais. Inclusive,
concebia-se que o conhecimento, a evolução científica tinha como propósito primeiro a emancipação
social, a inclusão.
Southwell (2008, p. 121) lembra que “os sistemas de escolarização foram estabelecidos em torno da
ideia de que a sociedade era resultado da ação educacional”. Em outras palavras, havia uma preocupação
em ter uma educação pública coerente com a formação do homem naquele momento histórico.
No séc. XX houve um investimento no sistema educacional, todavia, a democratização do ensino não era
uma realidade. E, ainda mais, a origem social era um impedimento para que o indivíduo desse
prosseguimento aos estudos, porque havia outras prioridades, dentre elas o trabalho servil. Nesse cenário,
Bourdieu associou essas questões a fatores de ordem cultural.
Pierre Bourdieu, sociólogo, de grande prestígio na comunidade científica e com vasta teoria acerca da
dominação, violência simbólica, reprodução social, aponta em seus estudos que a distribuição desigual se
inicia no próprio sistema de ensino. A esse respeito, escrevem Nogueira e Nogueira (2002):

Para ele, o currículo elitista faz com que a escola se utilize de instrumentos cruéis e implícitos os quais,
por sua vez, são responsáveis pela exclusão, haja vista que relacionam o resultado acadêmico dos
estudantes de grupos sociais menos favorecidos, ou seja, o sucesso escolar está relacionado à situação
social da família. Segundo Nogueira e Nogueira (2002),

16
Todo esse conjunto de saberes provenientes da cultura, em que o indivíduo nasceu e que, ao longo de
seu crescimento vai se aprimorando, por meio da socialização, para que saiba ter comportamentos
adequado na sociedade, Bourdieu denomina de habitus.

Habitus - sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas


e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das
ideologias características de um grupo de agentes (BOURDIEU, 2007, p. 191).

Setton (2002), ainda detalhando com maior propriedade, indica que

Em resumo, são padrões de comportamentos aprendidos, a partir da infância, no seio familiar, com fim
disciplinador, para que, ao internalizar essas condutas, o indivíduo possa generalizá-la em outras situações
requeridas socialmente. Contudo, toda essa herança desses comportamentos, da cultura aprendida
determinam, para ele, o insucesso escolar. Quando alguém foge à exceção, ou seja, quando alguém de uma
classe mais carente se sobressai, tem-se a impressão de que a situação econômica social não participa

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desse contexto, e que tudo depende, apenas, do esforço do indivíduo, o que se configura numa afirmação
ilegítima. Logo, Bourdieu reafirma que é fundamental analisar essa herança cultural para os estudos das
desigualdades educacionais.
Outro teórico que merece destaque, por dentre tantos temas (Psicologia, Direito, Sociologia,
Sexualidade), voltar seu olhar para educação é Michel Foucault. Esse grande estudioso debruça-se sobre o
poder disciplinador e hierárquico, em que está imbuída a escola. Para ele, toda essa disciplina se inicia na
estrutura física da instituição, que possibilita que todos os movimentos sejam observados, inclusive, pela
disposição do mobiliário em sala de aula, até as questões pedagógicas, permitindo, assim, o controle, e
corroborando, dessa forma, para a ordem social e econômica.
Em sua obra “Vigiar e punir”, Foucault descreve como a disciplina, em várias instituições, mas,
especificamente na escola, transforma os corpos em seres dóceis, para que o estado reproduza
socialmente suas ideologias, no que se refere aos aspectos políticos, culturais, sociais etc., garantindo assim
a perpetuação do status quo. Escreveu ele que

Evidentemente, as ideias de Foucault descritas em sua obra, agora, no séc. XXI, já sofreram intensas
transformações. Porém, embora hoje, se busque uma educação emancipatória, em alguns quesitos, ainda,
transparece o poder disciplinador do Estado, mesmo que de forma sutil, por ele exposto.

Michel Foucault – Conheça um pouco mais os seus conceitos:


Michel Foucault - Cultura para principiantes
https://www.youtube.com/watch?v=oLBYJJONvGY

No Brasil atual, a educação pública reflete, em parte, o pensamento de Bordieu, uma vez que os serviços
prestados não apresentam suficiência. Alunos permanecem na escola por anos e não dominam pré-
requisitos básicos da leitura, da interpretação e da escrita.
Buscou-se erradicar o analfabetismo (estado dos que não sabem ler), porém, criou-se o analfabetismo
funcional.
Esse termo foi alcunhado há alguns anos e vem se transformando. O que se discute aqui é o tempo de
escolarização do indivíduo e a capacidade de ler, interpretar criticamente, com vistas a atender às
necessidades sociais, e se colocar como pessoa capaz de exercer os seus direitos de cidadão. Logo, não se
trata apenas de decodificar palavras e reproduzi-las por meio da escrita, mas, sim, conseguir, de fato,
realizar uma leitura que o emancipe das artimanhas, muitas vezes inseridas nas palavras, nas frases e
textos ideológicos. Em síntese, é o indivíduo ideal para ser manipulado.

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Em um momento em que se difunde a importância da apreensão tecnológica entre a população, a
inclusão digital de todos, o que justifica um aluno permanecer na escola por quatro, cinco anos e não
dominar tais competências?
Acredita-se que há muitos fatores envolvidos nesse cenário, falta de escolas suficientes para a demanda,
salas de aula superlotadas, estrutura física sucateada, tecnologia obsoleta, formação continuada de
professores superficiais, desprestígio profissional e salarial, condições de trabalho, falta de vontade
política, políticas públicas ineficazes tanto educacional quanto de assistência familiar, falta de
investimentos adequados, desvios de verbas, como a própria mídia aponta, corrupção ativa, enfim,
elementos não faltam para compor essa justificativa.
O que se pode afirmar de concreto, é que há um consenso de que a educação é mola propulsora para o
desenvolvimento de um país.

O que os países que foram destruídos por guerras ou por fenômenos da natureza têm em comum?
Todos se reconstruíram e se tornaram potências, tendo como ponto de partida inicial o investimento na
educação, pois assim teriam a mão de obra especializada e intelectuais para somarem forças e ter
significativo crescimento econômico para o desenvolvimento social.

Evidentemente, não se pode atribuir tais mazelas da desigualdade social e econômica somente ao
sistema educativo, pois isso implicaria numa visão, totalmente, estreita, inclusive responsabilizando
pessoas, e somente a educação, por essas questões referentes à falta de equidade.
Na verdade, a educação é fundamental, mas há de se estruturá-la em um cenário, que coadune com sua
função social e que esteja desatrelada, meramente, a interesses capitalistas.
Para Saviani (2000, p.30), “o papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa
bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes” e,
ainda “[...]se articular à uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo compromisso seja a
transformação da sociedade e não sua manutenção, a sua perpetuação” (SAVIANI, 2000, p.96). Quem sabe,
assim, seria possível ter a equidade no campo educacional.
Numa análise amplificada, o sistema educativo brasileiro está em um contexto social, cultural e político,
que não colabora, de alguma forma, para sua eficiência e eficácia, pois tal desqualificação é um processo
que vêm se construindo ao longo dos anos.
De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica (2017), essa desigualdade se acentua a olhos
vistos.

Enquanto 52,3% das crianças de 0 a 3 anos pertencentes aos 25% de famílias mais ricas da população
estão matriculadas na creche no Brasil, apenas 21,9% das que pertencem ao quartil mais pobre já
frequentam a Educação Infantil nessa idade. Ao passo que somente 65,9% dos jovens de 16 anos

19
concluíram o Ensino Fundamental na região Nordeste, esse indicador é de 83,5% para o Sudeste. Já no
Ensino Médio, a taxa de atendimento entre os jovens Brancos é 71%, mas entre os pretos e pardos é bem
menor: 56,8% e 57,8%, respectivamente (ANUARIO BRASILEIRO DA EDUCACAO-BASICA- TODOS PELA
EDUCAÇÃO, 2017. n.p.).

Esses dados apontam, de modo muito contundente, como a desigualdade é uma realidade perversa,
que deixa o ser humano fadado, desde a mais tenra infância, à margem social. É, pois, fator primordial que
a educação se constitua em instrumento de formação integral para o desenvolvimento humano, seja pelo
aspecto social, intelectual, seja para a conscientização de seus direitos e deveres.
O Plano Nacional de Educação (2014-2024), com a finalidade de minimizar tais desigualdade, busca
políticas que modifiquem essa realidade. Todavia, tudo conduz a pensar que esse é um panorama que
perdurará, ainda, por muito tempo.
Em qualquer parte do mundo, em específico, no Brasil, há uma supervalorização acerca do grau de
escolaridade, principalmente, em se tratando de Ensino Superior, pois este se caracteriza como meio
necessário para oportunidades.
Isto posto, há de se abrir não só um espaço para uma discussão acerca da desigualdade educacional,
mas também é de importância singular atitudes proativas e eficazes, por parte do segmento político,
promoção da formação continuada de professores, para que essa condição deixe de existir e haja, de fato,
a democratização de oportunidade educacionais, em seu sentido mais amplo, e, por consequência, uma
minimização nas desigualdades sociais e econômicas, buscando, assim, a consonância com o que preconiza
os Direitos Humanos.

20
DEMOCRACIA E DESIGUALDADE
Seria possível viver de fato uma democracia
em meio a tantas desigualdades?
Anteriormente, discutiu-se que a
desigualdade possui um sentido muito maior
do que o conceito que se tem de pobreza, haja
vista que, dentro desse aspecto, inúmeros
fatores se inter-relacionam e resultam na
própria exclusão social.
Nesse contexto, questiona-se: em que
medida o ser humano pode gozar da liberdade
e da igualdade que é preconizada no espírito
democrático?
O termo democracia tem sua origem no
grego e, em simples palavras, indica a
soberania do povo, a participação do povo em
decisões que envolvem a sociedade onde esse povo está inserido.
Todavia, ao longo dos anos tal termo sofreu evolução e passou a ter uma conotação muito maior do que
a acima mencionada. Democracia, não só se traduz somente em uma forma de governo, mas contém, em
sua essência, o espírito da liberdade e da igualdade.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, considerada a Constituição Cidadã, deu início a esse processo
que aproximou o Estado e o povo, suprimindo um contexto de autoritarismo.

Dessa forma, entende-se que a liberdade e a igualdade não se restringem como um valor democrático
que pertence, apenas a uma forma de governo ou possibilidade de seu representante por meio do voto.
Concebe-se que a igualdade, que traz para perto a liberdade, deve ser uma constante na vida do homem.
Logo, por assim entender, esses princípios devem ter uma relação intrínseca com a cidadania, também,
discutida em unidade anterior, pois a liberdade consiste em “[...] um sistema de liberdades (políticas, civis,
econômicas ou culturais) que pressupõe capacidade de escolha e se sintetiza em busca da igualdade social”
(MATTOS NETO, LAMARÃO NETO e SANTANA, 2012, p. 19).
Diante disso, não seria a democracia, dentro da realidade brasileira, uma utopia?

21
Será que realmente todos os homens são livres e iguais, no sentido mais amplo da palavra, observando
os valores democráticos? A liberdade e a igualdade não deveriam ter como pressuposto inicial, a garantia
de todos os direitos fundamentais propagados na Carta Magna?

Constituição Federal de 1988


Art. 5 - Dos Direitos e Garantias Fundamentais
http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_atual/art_5_.asp
Art. 6 - Dos Direitos Sociais
http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_atual/art_6.asp

Ao se refletir sobre tais questões, em grande parte, a realidade brasileira traz situações que suprimem
tais direitos, embora estes estejam bem definidos em termos legais. Todavia, os três poderes, executivo,
legislativo e judiciário, nem sempre colaboram para que sejam de fato vivenciados pela população.

Quando os 3 poderes não somam forças para cumprir o que se está no escopo dos direitos sociais
e fundamentais, provocam um efeito social negativo. Por exemplo, gera desemprego,
analfabetismo funcional e digital, violência de todas as formas, insegurança social, fome, infância
perdida etc. Ademais, essa falsa democracia a que a população está exposta produz uma
separação não só de classes, mas de outras tantas minorias, tais como mulheres, deficientes,
negros, indígenas etc. São grupos expostos a uma discriminação perversa, que os faz conviverem
com a intolerância, a violência moral e psicológica, que ferem a dignidade da pessoa humana.

Para que essas adversidades se diluam e se tenha de fato uma sociedade mais justa e igualitária é de
importância ímpar que a cidadania plena seja exercida, que os direitos saiam do papel e dos discursos, pois
de nada adianta os direitos civis existirem, se mantiverem grande distância da população.

EDUCAR PARA OS DIREITOS HUMANOS


Ao se realizar uma reflexão tão profícua acerca da desigualdade social e todas as questões a ela
envolvidas, é condição primordial abrir uma discussão acerca dos Direitos Humanos.
É recorrente ouvir a população se dirigir às comissões de direitos humanos como uma instituição que
defende “bandidos”.
Mas o que são os direitos humanos? O que defendem, quais suas concepções de humano? Será que o
homem precisa, realmente, da proteção dos direitos humanos? Se existem legislações que buscam garantir
os direitos do indivíduo, por que a existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos? É necessário
desmistificar algumas questões relativas a isso.
Primeiramente, o ponto de partida é sempre a proteção da pessoa humana, que, acima de tudo, é o que
se tem de mais precioso. Dessa forma, refletir, estudar sobre os Direitos Humanos é de suma importância a
qualquer pessoa, qualquer profissional, qualquer cidadão não só por aprofundar conhecimento, mas,
principalmente, para que se faça cumprir na realidade, o que já está escrito em teoria.

22
De acordo com Dallari (2004),

Nesse viés, não se pode dizer que os Direitos Humanos estão para a defesa da marginalidade, mas, sim,
para a proteção do homem, no que se refere o direito à vida, este é o primeiro e mais importante direito
humano. Marques e Resende (2012) esclarecem que,

Para melhor compreensão, é necessário


voltar um pouco na história.
No séc. XVIII, o período de
transformações, em que debates filosóficos
tiveram como essência o progresso, de modo
geral, e inspirou a Revolução Francesa, fez
surgir a ideia acerca dos direitos individuais,
com vistas a coibir o Estado a cometer
arbitrariedades contra o homem, o que
resultou em uma declaração, conhecida Esses direitos civis e políticos se aplicavam,
como a Declaração dos Direitos do Homem e apenas, às pessoas do sexo masculino, brancos e
do Cidadão. proprietários. As demais minorias aqui não se
Tal declaração, explicando sua essência de incluíam e, tampouco, mencionava-se os direitos
maneira simples e objetiva, afirmava a sociais, que só foram aludidos, posteriormente, na
necessidade de garantir ao homem direitos primeira constituição do México, no séc. XIX.
individuais e coletivos. Porém, identifica-se
que essa declaração “retirou alguns

23
privilégios da nobreza e beneficiou um grupo social, a burguesia, que começava a exigir direitos civis e
políticos, razão pela qual é possível sustentar que não houve, de fato, a implementação da igualdade
material, nem da fraternidade” (LEITE, 2014, p. 4). Em outras palavras, somente um grupo de franceses
seria beneficiado, civilmente e politicamente: a própria burguesia.
A Declaração Francesa dos Direitos do Homem inspirou, posteriormente, outras declarações e
constituições em outros países, inclusive, a própria Constituição Francesa, que prega a igualdade, liberdade,
dentre outras coisas.
Outrossim, foi importante elemento norteador para a criação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), promulgada em dezembro de 1948, em Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), criada em 1945.

Conheça aqui a história da criação da ONU


https://nacoesunidas.org/conheca/historia/>

A Declaração Universal dos Direitos Humanos nasceu em decorrência das inúmeras atrocidades
praticadas durante a Segunda Guerra Mundial e teve como elemento vital erradicar todas as formas que
ferem a dignidade humana. Por isso, deixa em evidência, inicialmente, que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação
uns aos outros com espírito de fraternidade” (DUDH, 1948). Com vistas a fortalecer o caráter protetivo e
pedagógico do que está preconizado nesse documento, várias convenções, tratados e pactos foram
efetivados, ampliando, assim, o rol dos direitos humanos.
Há de se reafirmar que a Declaração de Direitos Humanos não possui força de lei, pois apresenta
recomendações e princípio que determinam o respeito à natureza humana, entretanto, apesar disso, “é
documento mais importante sobre Direitos Humanos, constituindo o marco histórico no processo de
consolidação, afirmação e internacionalização dos direitos da pessoa humana” (LEITE, 2014, p.16).

Para qualquer trabalhador, independente da função que exerça, é condição singular, na


contemporaneidade, ter conhecimento do que está preconizado da Declaração dos Direitos
Humanos, haja vista que, dentre todas as questões que se referem à dignidade humana, traz,
também, de modo específico, pontos que envolvem emprego, remuneração, férias, repouso.
Declaração Universal dos Direitos Humanos
http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf

24
À vista disso, não deve se restringir a um conjunto de direitos escritos, mas, sim, a direitos que precisam
ser vivenciados na vida cotidiana de qualquer ser humano, independente de raça, cor, etnia, credo, sexo,
gênero etc., preservando, dessa forma, a dignidade da pessoa humana. Sublinha-se que o termo pessoa
humana foi substituído pelo termo homem, para suprimir qualquer ideia de cunho machista ou
discriminatório, o que ratifica a importância da igualdade de direitos.
Outro ponto que merece ser destacado é que, como já afirmado anteriormente, essa declaração, em
seus 30 artigos, possui caráter pedagógico, pois objetiva direcionar, educar as nações para os princípios que
constituem os seres humanos como cidadãos iguais e livres, e que, em hipótese, alguma, devem ter seus
valores ou liberdades feridas ou serem submetidos a condições sub-humanas; portanto, é esteio para
constituições, legislações específicas, tratados etc.
Nesse contexto, há de se diferenciar os Direitos Humanos dos Direitos Fundamentais. Enquanto os
primeiros,

Tais direitos, de modo preponderante deve preservar a igualdade e as liberdades, por meio dos direitos
civis, políticos e sociais e, em tempo algum, um direito humano poderá ferir outro direito humano.
Os Direitos Fundamentais, em uma nação, garantem, em seu documento, elementos basilares à vida de
qualquer ser humano, como é o caso do Art. 5º da Constituição Brasileira, já discutido em momento
anterior. Do mesmo modo, alicerçado na Declaração dos Direitos Humanos, estão os direitos sociais,
previstos no Art. 6º da mesma constituição.
Mesmo com a internacionalização da Declaração dos Direitos Humanos, nem sempre sua efetivação
acontece na totalidade, nas diferentes nações, como é o caso da realidade brasileira.
Mas como se fiscaliza se os direitos humanos estão sendo preservados?
A Organização da Nações Unidas, por meio de representantes, averiguam as situações nas quais há o
predomínio, o desrespeito do que está preconizado na referida carta, e nas legislações específicas, de cada
país.

No Brasil, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), instituição autônoma, certificada pela ONU
e criada há mais de 50 anos, é formado por pessoas de diferentes segmentos (poder público e sociedade
civil), de forma paritária e é mantido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Mesmo no período da
ditatura, com todas as dificuldades inerentes à época, não se dissolveu e sempre buscou defender e

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fiscalizar o cumprimento do que está previsto na declaração, por meio de ações, que vão desde atos
preventivos até atos sancionadores. Obviamente àquele momento muitos direitos foram violados, como
nos casos de tortura, fortemente publicizados na mídia atual.
Após essas reflexões, espera-se que não reste dúvida de que os direitos humanos não se restringem à
uma população específica, mas, sim, a qualquer ser humano, independente de sua condição.

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