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História da Religião e Esoterismo: possibilidades metodológicas

O objetivo desta palestra é fazer uma breve reflexão sobre os novos horizontes
analíticos que têm surgido no campo da História da Religião, desde o debate sobre suas
categorias de análise até a exploração de novos objetos; especificamente nos interessa
apresentar o novo campo de estudos acadêmicos sobre a História do Esoterismo
Ocidental, que tem relação direção com nosso objeto de estudo no mestrado de Ciências
da Religião, o Movimento Gnóstico do esoterista colombiano Samael Aun Weor.

Religião é um assunto que quase todo mundo se sente confortável em identificar


sem muita dificuldade, porque parece tão evidente. Quando as pessoas tentam
definir sua natureza, no entanto, eles acham difícil de executar esta tarefa de uma forma
que todos possam reconhecer o tema da definição. Além disso, a dificuldade de definir a
natureza da religião é ainda mais evidente quando uma pessoa tenta aplicar o termo e
sua definição a culturas fora de seu próprio meio religioso. Um excelente exemplo de tal
problema é compartilhado por Robert Ellwood. Viajando pelo Japão, durante uma
licença sabática, uma pessoa lhe pergunta a razão de sua viagem. Ellwood responde que
ele está indo para o Japão para estudar a sua religião, e a outra pessoa replica que o
Japão não tem nenhuma religião. O que esse encontro casual exemplifica é que o termo
"religião" não tem aplicabilidade inter-cultural, em muitos casos. Mas até que algo
melhor chegue, é este termo inadequado de uma perspectiva inter-cultural que temos no
momento (OLSON: 1-4).

Na trajetória histórica da disciplina podemos destacar três elementos: no


primeiro deles a religião é um campo exclusivo dos estudos teológicos; ao historiador
cabe basicamente o papel descritivo dos acontecimentos, a produção de uma história da
igreja. No segundo deles, a análise positivista, a partir do século XIX, começam os
estudos sistemáticos sobre o fenômeno religioso e o esforço de produzir modelos
analíticos; autores como Max Muller, Tylor e Durkheim vão pensar a religião segundo
as idéias evolucionistas em voga no período. Durkheim vai destacar a relação entre
religião e estrutura social, e do papel social da religião como elemento que confere
coesão às instituições sociais (MASSENZIO: 15).
Aqui ocorre um profundo questionamento dos próprios valores religiosos; Marx
vai definir a religião como “ópio do povo”, uma ferramenta a serviço da alienação
social e econômica dos povos; Freud considera a religião uma ilusão falsa, uma função
do psiquismo derivada dos desejos humanos e da sensação de desamparo pela perda da
figura paterna, compensada na criação de um pai todo poderoso (FREUD: 48-51).
Enquanto Freud, Marx e Comte pensam na religião como um momento a ser superado,
uma espécie de degrau no processo de evolução social e humana, Durkheim considera a
religião pemanente; sem ela a própria sociedade não existiria (SCHULTZ: 218)
O terceiro elemento é uma análise de cunho essencialista que admite a religião
como um fenômeno específico irredutível; trata-se da concepção fenomenológica, de
autores como Otto, Van der Leew e Mircea Eliade; enquanto “totalmente outro”, o
sagrado é uma realidade que somente pode ser captada no momento de sua
manifestação (hierofania); nessa vertente o sagrado se impõe por si mesmo e independe
dos processos históricos de constituição dos símbolos religiosos (MASSENZIO: 17).

Os estudos positivistas vão evoluir para análises muito mais relativistas em torno
do fenômeno religioso: Gilbert Durand, por exemplo, destaca o papel do imaginário
como responsável pelas prórpias estruturas do pensamento humano, e como o mediador
de todo processo de aquisição de conhecimento; esse protagonismo das imagens na
estrutura do pensamento torna verdades subjetivas como a religião muito mais
relevantes para o pensamento e para a criação de significações do que fenômenos
observáveis (DURANT: 427). O antropólogo Clifford Geertz destaca a função cultural
da religião enquanto criador a de uma estrutura de mundo e de sentido, ordenando e
transformando a experiência humana no mundo (GEERTZ: 67).

Marcello Massenzio destaca os conceitos da escola italiana de História das


Religiões: não se pode estudar a religião isolada de um determinado contexto histórico-
cultural; a religião é, essencialmente, um produto histórico, bem como seu conceito. O
desenvolvimento ocidental de uma oposição entre cívico e religioso, entre civilização e
religião, é impossível de se efetuar em outras culturas.

Todos os conceitos históricos são construídos a posteriori, são construções


históricas; é perda de tempo procurar uma definição da religião válida em si mesma;
toda definição está ligada a experiências históricas particulares e, portanto, sujeita a
modificações (MASSENZIO: 30).

O termo relegere, entre os romanos, indica normalmente a correta observância


dos ritos. Há ainda o termo religare, no sentido de restabelecer um contato entre
homens e deuses que existiria num passado ideal Os cristãos vão se apropriar do termo
para indicar o conjunto das verdades cristãs, e durante séculos o termo vai ser usado
como sinônimo de cristianismo; apenas a partir do século XVI e do contato com povos
de outros continentes o termo vai adquirir um uso plural, para se referir às crenças
destes outros povos, num claro sentido assimétrico: a oposição entre uma religião
verdadeira e as outras, falsas.
A partir do século XIX a palavra torna-se objeto das ciências positivas; há uma
fascinação com as religiões orientais e um esforço em desautorizar o cristianismo;
religião interpretada como alienação, fantasia, imaturidade, irracionalidade.
A palavra tem hoje um sentido muito mais institucional, enquanto sinônimo de
uma instituição de caráter religioso. As idéias religiosas, nas últimas décadas, passam
por um processo de desinstitucionalização e individuação; para se referir à cosmovisão
que cada individuo constrói usa-se o termo religiosidade.

O conceito de esoterismo também é problemático; o termo deriva da palavra


grego esoterikos (interno), mas seu uso somente é corrente a partir do final do século
XIX, e só adquire uma conotação identitária no século XX.

Antoine Faivre desempenhou importante papel na nova definição acadêmica de


esoterismo, ao propor um modelo sistemático que definia o esoterismo como uma forma
de pensamento (forme de pense); seu núcleo possui quatro características básicas: uma
teoria das correspondências (interconexão de todas as coisas no universo), a crença
numa natureza viva e autoconsciente, a crença no poder operativo e mágico da
imaginação simbólica e na transformação da matéria a partir da evolução interior
(alquimia). Estes elementos estão ligados a duas dinâmicas básicas: um esforço em
estabelecer denominadores comuns entre vários mestres e tradições espirituais de
diferentes épocas, base da crença numa Prisca Theologia, uma verdade primordial
comum a toda humanidade e praticada desde o seu inicio; e a transmissão do
ensinamento por meio de um mestre que confere a iniciação nos mistérios ao discípulo,
elemento sociológico do esoterismo (Stuckrad 2005, p. 3-4).

Se as correntes esotéricas ocidentais não constituem uma cosmovisão estática, mas estão
em constante transformação, se adaptando a novas circunstâncias, isso traz à tona a
questão de como definir e delimitar o campo de estudo. De um ponto de vista
estritamente histórico a questão não é problemática: a história do esoterismo
compreende o estudo da “filosofia hermética e das correntes relacionadas”. Segundo
Hanegraaff, partindo-se do conceito wittgensteiniano de family-resemblance
(semelhança familiar), a Nova Era pode ter pouco ou nada em comum com o
hermetismo renascentista do século XV (para não mencionar os hermetistas da
antiguidade tardia) e ainda assim estar historicamente ligada a ele por meio de conexões
intermediárias. Trata-se de uma estratégia pragmática para delimitação de campo; como
definição, de uso limitado, o autor sugere um modelo que podemos resumir da seguinte
forma:
A cultura ocidental usa três estratégias gerais para “encontrar a verdade”, de
caráter típico-ideal (ou seja, não se encontram em estado de “pureza” e não são
necessariamente excludentes; pelo contrário, normalmente são complementares): a
primeira baseia-se na razão humana, na observação e na argumentação; é a abordagem
básica da filosofia racional e da pesquisa cientifica. A segunda baseia-se na autoridade
de uma revelação divina aceita coletivamente, que se acredita constituir uma visão que
transcende o humano: essa abordagem é essencial para as religiões institucionais e a
doutrina teológica. A terceira, finalmente, baseia-se na autoridade de uma experiência
espiritual pessoal ou iluminação interior: essa abordagem pode ser convenientemente
chamada de gnosis, e sempre terá uma relação problemática com as duas primeiras
abordagens, pois o fato de seus adeptos procurarem uma verdade que vai “além da
razão” pode fazer com que pareçam obscurantistas aos olhos da filosofia racionalista e
da ciência, e o fato de que eles acreditam ter um acesso pessoal à revelação divina pode
provocar a suspeita de que eles estão ignorando a autoridade da religião estabelecida e
sua fonte de revelação reconhecida coletivamente.
Em resumo: os adeptos da terceira abordagem são acusados de irracionalismo e
individualismo excessivo, ao mesmo tempo em que acusam seus adversários de serem
religiosamente autoritários ou excessivamente racionalistas e céticos (HANEGRAAFF,
2004: 492).

BIBLIOGRAFIA

DURANT, G. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes,


2002.

FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. In: Obras psicológicas completas de


Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GERTZ, F. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

MASSENZIO, Marcello. A História das Religiões na Cultura Moderna. São Paulo:


Hedra, 2005.

OLSON, Carl. Religious Studies: the Key Concepts. New York: Routledge, 2011.
SCHULTZ, Adilson. O irrenunciável papel da Teologia nos Estudos de Religião. In
Perspectiva Teológica, n. 39. São Leopoldo: EST, 2007.

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