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Copyright © Helenice Aparecida Bastos Rocha, Luís Reznik, Marcelo de Souza Magalhães
Este livro foi editado segundo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
aprovado pelo Decreto Legislativo no 54, de 18 de abril de 1995, e promulgado pelo
Decreto no 6.583, de 29 de setembro de 2008.
Inclui bibliografia.
CDD – 907
Apresentação 9
Introdução 13
Ilmar Rohloff de Mattos
Parte I — AUTORES E LIVROS 29
1 — As relações entre autor e editor no jogo entre memória e
história: as duas edições de Compêndio da história do Brasil,
de José Inácio de Abreu e Lima, no ano de sua publicação 31
Selma Rinaldi de Mattos
2 — Coração: um diário, vários tempos e algumas
histórias 49
Rebeca Gontijo
Um livro em vários tempos e espaços 52
Um livro com múltiplos tempos e espaços 59
Conclusão 65
3 — Formar cidadãos republicanos fluminenses:
a Terra fluminense de Coelho Neto e Olavo Bilac 71
Rui Aniceto Nascimento Fernandes
Um livro para formar o cidadão fluminense republicano 72
As primeiras lições para formar o cidadão republicano
fluminense: conhecer a terra e o homem 77
Uma identidade alicerçada na experiência agrária 81
A defesa da pátria: as experiências de guerra 83
Considerações finais 85
4 — Imagens recortadas: os protagonistas da história do Brasil
na narrativa didática de Jonathas Serrano 91
Maria Cristina Fonseca Ribeiro Vidal
Como todo livro, A história na escola: autores, livros e leituras tem uma história.
É produto de um grupo de pesquisa, de um projeto e de um seminário.
O grupo de pesquisa Oficinas de História foi criado em 2004, tem registro
no CNPq e está sediado na Faculdade de Formação de Professores da Universida-
de do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Com perfil interinstitucional, reúne pes-
quisadores vinculados a instituições universitárias do estado do Rio de Janeiro —
Uerj, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal
Fluminense (UFF), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Rio) e Faculdade de Filosofia de Campos — e mantém parcerias fora do estado,
por exemplo, com a Universidade Federal do Pará.
Os componentes do grupo desenvolvem duas linhas de pesquisa. A primei-
ra — Intelectuais, Historiografia e Ensino de História — busca historicizar a
elaboração e a veiculação de materiais e recursos didáticos relacionados com a
referida disciplina escolar, entre os quais destacam-se os livros didáticos e
paradidáticos. A segunda — Saberes e Práticas no Ensino de História — preocu-
pa-se com alunos e professores nas salas de aula, mais especificamente com as
condições do ensino-aprendizagem em nossa sociedade. Procura problematizar
as especialidades e complexidades dos saberes na formação docente e as práticas
do ensino de história.
Entre 2005 e 2007, o grupo desenvolveu o projeto O Livro Didático como
Discurso Historiográfico, contando com um duplo apoio: do CNPq, por meio
do Edital Universal, e da Faperj, por meio do Programa de Apoio às Entidades
Estaduais de Ciência e Tecnologia (Paep).
O projeto consistiu em um programa de pesquisa sobre o livro didático de
história. Dada sua importância como mediador no processo de ensino-aprendi-
zagem em diferentes tempos, o livro didático de história é entendido como porta-
nos fluminenses, contida no livro Terra fluminense, de Coelho Neto e Olavo Bilac.
Maria Cristina Fonseca Ribeiro Vidal analisa os protagonistas da história do Brasil
presentes na narrativa didática de Jonathas Serrano. Márcia de Almeida Gonçal-
ves, trabalhando com o livro História do Brasil, de Octávio Tarquínio de Sousa e
Sérgio Buarque de Holanda, analisa a trajetória e a inserção dos autores do manual
nas sociabilidades de uma comunidade interpretativa e intelectual, de modo a iden-
tificar a centralidade do uso de alguns argumentos e conceitos na narrativa didáti-
ca. Angela de Castro Gomes e Vanessa Matheus Cavalcante acompanham o encon-
tro do Salgueiro, escola de samba da cidade do Rio de Janeiro, com Viriato Corrêa,
analisando o livro História da liberdade no Brasil. Por fim, a parte se encerra com
o texto de Tânia Regina de Luca, que apresenta uma instigante interpretação das
relações entre a produção do livro didático e o Estado.
A segunda parte — Leituras — reúne textos que tratam da diversidade de
leitores e usos dos livros didáticos. Ana Maria Monteiro analisa as relações possí-
veis entre professores do ensino básico e os livros didáticos de história, a fim de
discutir o uso destes últimos pelos primeiros. Helenice Aparecida Bastos Rocha
focaliza as formas de recepção dos livros didáticos de história nas salas de aula.
Preocupa-se em perceber os diversos usos do livro didático nas escolas em que
realizou trabalho de campo. Maria Lima examina a escrita e seu papel no proces-
so de desenvolvimento de uma consciência histórica, à luz de contribuições teóri-
cas da psicolinguística. Carmen Teresa Gabriel trata da disciplina escolar “histó-
ria”, apostando na potencialidade heurística do livro didático para pensar questões
relativas ao conhecimento histórico produzido, socializado e apreendido nas ins-
tâncias em que este saber específico circula.
Na terceira e última parte — Personagens: índios e negros —, os textos
refletem sobre as representações de índios e negros nos livros didáticos. Mauro
Cesar Coelho procura destacar a relação existente entre o conteúdo do material
didático relativo às populações indígenas e o saber histórico escolar. Para tanto,
trabalha com livros adotados no estado do Pará. Eunícia Barros Barcelos
Fernandes analisa as imagens de índios nos livros didáticos, a partir de uma refle-
xão que trabalha com as categorias de representação, sujeito e cidadania. E, por
fim, o texto de Martha Abreu, Hebe Mattos, Carolina Vianna Dantas e Renata
Moraes procura compreender os lugares de personagens negros nos livros didáti-
cos de ontem e de hoje.
Agradecemos à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Introdução
de livros se apresentavam sob uma classificação da história que, ainda hoje, não
foi de todo abandonada: o livro de história do Brasil e o livro de história geral.
Todavia, se houve grandes descobertas nesse momento, seguramente não foi tan-
to a desses dois “continentes”, os quais em sua complementaridade serviam, sem
dúvida, para sublinhar a singularidade de nossa constituição. Das duas grandes
descobertas, a mais significativa para mim ocorreu por volta dos 10 anos: os
livros tinham autores! Os livros de história geral e do Brasil contribuíam decisi-
vamente para algo que já vinha se esboçando na preferência e na escolha dos
livros “do Monteiro Lobato” sempre que se oferecia a oportunidade da leitura
não necessariamente escolar. Muitos anos depois, ao ler uma entrevista de Clarice
Lispector, constatei com certa frustração que ela descobrira que os livros tinham
autores por volta dos cinco anos... De modo mais particular, e isso talvez não seja
irrelevante como exercício de memória, a descoberta dos autores dos livros de
história, mais exatamente de dois autores (um pouco adiante, em um compêndio
dedicado à história da América, aliás muito chato, descobri um terceiro autor
cujo nome também guardo). Os nomes de Joaquim Silva e Antonio Borges
Hermida jamais seriam esquecidos, e creio que isso deve ter acontecido com um
número significativo de alunos de minha geração. Era como se ninguém mais
escrevesse livros de história (e, evidentemente, os manuais escolares eram para
mim os únicos livros de história!). Descoberta que logo se desdobrou em uma
constatação, até porque cada um daqueles autores tinha produzido livros de
ambas as histórias: os livros de história do Brasil eram mais concisos, mais “secos”
e menos atraentes — se é que a memória não me trai a esse respeito. O que posso
assegurar é que, apesar das atrações diferenciadas exercidas pelos livros (ou pelas
histórias neles contidas), eu preferiria sempre os livros de Monteiro Lobato, so-
bretudo a História das invenções, e não saberia dizer agora se alguma vez esperei
um livro de história do Brasil saído lá do Sítio... De qualquer modo, o livro de
história geral parecia mais interessante, em especial o de Joaquim Silva. E um dos
pontos que o diferenciava eram as notas de pé de página. Ainda que as lesse, e
geralmente pouco entendesse, elas me atraíam por alguma razão. Havia uma
nota de pé de página inesquecível sobre “feudalismo”, que era a transcrição de
uma definição contida em um livro sobre o assunto de um medievalista francês,
que eu só reencontraria muito mais tarde no curso de graduação. Tempos depois,
uma dúvida se me apresentou: o livro do Joaquim Silva era muito moderno ou o
curso da faculdade era muito atrasado... A outra grande descoberta dessa época,
e eu não saberia dizer se ela vem relacionada à primeira, é a de que havia editoras,
algo que já era destacado por alguns professores. Havia, então, duas editoras
principais de obras didáticas, ou pelo menos assim me parecia em função dos
livros de história que me eram oferecidos: a Editora do Brasil e a Companhia
Editora Nacional (esta me chamava a atenção por ficar em uma rua cujo nome
me parecia incomum e intrigante: rua dos Gusmões). A Nacional, durante anos,
liderou o mercado de livros didáticos no Brasil.
Chego ao colegial, ao “curso clássico”. Então, a descoberta foi de outra
natureza, propiciada, sobretudo, por um livro de história do Brasil de autoria de
professores do Colégio Pedro II e editado pela Cia. Editora Nacional. Eram eles
Alfredo d’Escragnolle Taunay e Dicamor Moraes. Nele, em notas de pé de página
ou mesmo em citações no próprio texto, me foram apresentados, pela primeira
vez, autores da historiografia brasileira (por certo, eu não os identificava assim),
muitas vezes os autores responsáveis pela moderna historiografia brasileira. Foi
ali que, pela primeira vez, li trechos de Caio Prado Junior e de Gilberto Freyre.
Havia também em algum momento uma referência pequena a Sérgio Buarque de
Holanda (mais uma vez recordo ser tudo matéria de memória, não tendo tido eu
a oportunidade de retornar a esses livros mais recentemente), mas que muito me
chamou a atenção, a respeito da designação “profissional (ou profissão) liberal”.
Não me custa recordar, neste momento, algo que sublinho para os meus alunos
sempre que conversamos a respeito da tríade modernista da historiografia brasi-
leira. No início dos anos 1960, quando chego à universidade, e mesmo na década
seguinte, dos três autores clássicos, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, o Sérgio
Buarque de Holanda era o menos lido e discutido, por razões não tão difíceis de
compreender, não se distinguindo pelo prestígio que, justamente, desfruta hoje.
E, encerrando as “minhas recordações” de um primeiro encontro com o
livro didático, chego à Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Bra-
sil (atual UFRJ), para ali viver, seguramente, a experiência mais marcante e emo-
cionante como aluno. Ali, cada um dos alunos e não poucos professores, apesar
das expectativas e sonhos por vezes diversos, parecia experimentar, e efetivamen-
te em muitos casos o faziam, o forjar de um país novo. Eu lá cheguei no segundo
semestre de 1961, no momento da renúncia de Jânio Quadros, para cursar o “pré-
de-história”, como se dizia. Por uma coincidência, era editado na mesma ocasião
um novo livro... didático, digamos assim: História contemporânea, da professo-
ra Maria Yedda Linhares, professora catedrática da Faculdade Nacional de Filo-
sofia, e outros colaboradores, alguns deles seus assistentes. É evidente, não? Se eu
ia prestar o concurso vestibular, bastante rígido, não poderia deixar de comprar
e, sobretudo, ler o livro da “Dona Yedda”, como ele logo ficaria conhecido. Co-
nhecesse eu Piaget, naquela ocasião, não teria dúvidas em dizer que a leitura de
cada uma de suas páginas produzia em mim uma desequilibração. O livro apre-
sentava antigos conteúdos de uma forma muito mais densa, ao lado de outros
novos (ou por mim desconhecidos), como os que punham em destaque a história
das relações internacionais, o que não poderia deixar de tornar inseguro alguém
que ia prestar exames dali a quatro ou cinco meses. Por outro lado, o livro era
pouco atraente, a começar pela capa... Os textos eram “pesados”, pouco
motivadores, embora de excelente qualidade, como já referi, não sendo possí-
vel afirmar com certeza que leitor os autores tinham em vista, não obstante a
indicação da capa. A bibliografia era copiosa, mas fora do alcance do leitor
comum, em sua grande parte. Editado pela Briguiet, História contemporânea
era, literalmente, um compêndio. E, há quatro décadas e meia, ele parecia se
oferecer como fecho conclusivo para essa primeira parte, ainda que esta deva ser
entendida como uma conclusão minha. Assim, se havia livros de história que nós
podemos chamar de livros escolares ou livros didáticos, eu arrisco dizer que eram
livros muito mais preocupados com os professores, voltados para os professores
e as “lições” que deveriam ministrar, do que para os alunos, não raro esquecidos
ou imaginados de modo homogêneo, sem consideração pelas “idades da vida”. O
tipo de escritura, o tamanho dos parágrafos, o vocabulário utilizado, a forma de
argumentar, a ausência de ilustrações (não obstante as limitações editoriais e
técnicas) falam de modo eloquente.
Um segundo encontro se deu já não como aluno e, sim, como professor.
Uma nova experiência que provavelmente em muito se assemelha às experiências
de muitos professores dos níveis fundamental e médio. No meu caso, para alguém
que já era professor há mais de quatro décadas, ela foi até relativamente restrita,
tendo se estendido por cerca de uma década e meia. Uma parte dela foi vivida no
Colégio de Aplicação da atual UFRJ. E ali, por razões de natureza diversa, onde
transcorria o último e mais significativo momento da formação dos professores,
não trabalhávamos nas salas de aula, de modo sistemático, com o livro didático.
Ele era utilizado, muitas vezes ao lado dos livros escolares franceses e da
historiografia acadêmica, na produção de nossas aulas; mas só muito raramente
o utilizávamos no trabalho com os alunos. Por outro lado, quando fui trabalhar
na rede estadual, minha primeira experiência em uma escola noturna, na qual os
alunos nem sempre tinham condições de adquirir o livro indicado, foi também
muito limitada. Em contrapartida, outras formas de “contar a história”, mesmo
Certo dia, um colega me disse que um editor em São Paulo estava interessa-
do em fazer um novo livro didático de geografia e o convidara. Aceito o convite,
ele sugeriu ao editor que fosse feito também um novo livro de história do Brasil
por alguns colegas “muito competentes”. E lá fomos nós para São Paulo conver-
sar com o “dono” da Companhia Editora Nacional, a quem conhecia de nome e
por quem, confesso, não nutria grande simpatia por lembrar ter sido ele sócio de
Monteiro Lobato (sempre ele!), que falira, ao passo que o sr. Octalles Marcondes
de Souza se tornara o proprietário da maior editora de livros didáticos do país,
estando entre os “capitães de indústria”, como era costume se dizer então. Vale
dizer, alguém que tinha “faro para ganhar dinheiro”, ao passo que eu (melhor
dizendo, nós) tinha (tínhamos) “faro para arranjar trabalho”... Indo direto ao
assunto, ele nos propôs fazer um livro didático de história do Brasil para as esco-
las do Rio de Janeiro. Sua sensibilidade “dizia” que a tendência do mercado dos
livros didáticos era a regionalização. Ainda que com muitos temores, nós não
deixamos a oportunidade escapar. Nós: José Luiz Werneck da Silva, um exemplar
professor de história já falecido, com quem muito aprendi; Ella Dottori, com
quem trabalhara no Colégio de Aplicação e também muito me ensinara; e eu.
Tínhamos em comum o fato de termos sido (Ella permanecia sendo) professores
do CAP. E foi uma experiência extraordinária que não dá para relatar aqui, a
descoberta de um novo “continente”, como gosto de dizer. Não obstante, gosta-
ria de contar algo que aconteceu quando a reunião já se aproximava do fim. Um
de nós teve a ideia — “não muito feliz”, poder-se-ia dizer — de perguntar o se-
guinte: “Quer dizer que o nosso livro vai ser vendido no Rio de Janeiro?” “Sim,
basicamente no Rio de Janeiro.” “E qual livro vai ser vendido em São Paulo?” “O
livro do Sérgio Buarque de Holanda!” Olhamos uns para os outros e por pouco
não desistimos. Conforme é do conhecimento de vocês, Sérgio Buarque de Holanda
já produzira um texto didático em colaboração com Octávio Tarquínio de Souza
havia algumas décadas; mas um daqueles livros didáticos que “não haviam pega-
do”. Hélio Vianna, o catedrático de história do Brasil da Universidade do Brasil,
também o fizera. E, como já referi, o mesmo acontecera com a professora Maria
Yedda, em determinado momento de sua carreira. O que estou tentando subli-
nhar é que os catedráticos das universidades brasileiras, talvez seguindo uma
tradição francesa, também se empenhavam na produção de manuais escolares.
Revelavam todos a preocupação com o ensino da história; já não os animava,
seguramente, a intenção de formar brasileiros, como as autoras de Meu tesouro.
Mas em seus propósitos revelava-se o molde que desenhavam para a nação.
O tempo em que vivemos não é apenas o tempo em que tudo que é sólido
se desmancha no ar de modo cada vez mais acelerado; é também o tempo em
que a dimensão do “presente” tornou-se extremamente ampliada, não apenas
reduzindo a perspectiva do futuro como também redefinindo os limites das
“idades da vida”, de tal modo que a “ampliação da adolescência” não apenas
“encurta a infância” como “atrai os adultos”, diminuindo as distâncias entre
pais e filhos, professores e alunos, redefinindo os padrões de autoridade e o
modo de estar no mundo. Vivemos intensamente esse presente ampliado; ago-
ra, é o presente que deve ser explicado e compreendido, o que tanto redefine as
relações entre passado-presente-futuro quanto põe em destaque outras identi-
dades. Nossas inquietações como leitores e autores de livros didáticos de histó-
ria também o revelam; elas também não deixam de estar presentes nas aulas que
produzimos.
Do que temos clareza, hoje, por circunstâncias que nosso ofício permite
explicar e compreender seguramente melhor do que qualquer outro é que, como
autores — quer de um livro didático (ou mesmo de um livro paradidático) quer
de uma aula (uma “aula como texto”, como costumo dizer) —, como produto-
res de um texto, enfim, não estamos produzindo um texto historiográfico no
sentido estrito do termo, um texto acadêmico. Mas temos clareza de que estamos
produzindo um texto (“a história começa com a escrita”, sempre nos foi dito) em
uma situação que se distingue por uma dupla prática de leitura. E aí reside a
marca distintiva desse texto historiográfico específico: o texto didático de histó-
ria. Lemos para escrever um texto historiográfico específico: um livro didático ou
o texto de uma aula. Escrevemos um texto historiográfico específico para contar
uma história.
Uma dupla prática de leitura. A primeira referida a uma autoridade: a
historiografia acadêmica. Porque a condição para ser autor desse outro texto
historiográfico pressupõe uma espécie de deferência a uma autoridade historio-
gráfica, sob a forma de leitura de uma narrativa da qual decorre o novo texto que
intento produzir. Mas uma leitura que não pode deixar de ser, necessariamente,
um exercício de tradução, o qual implica uma “traição” (traduttore traditore,
dizem os italianos). Uma tradução referida, por sua vez, de modo necessário e
incontornável, a uma segunda prática de leitura, certamente mais desafiadora,
por ter como “texto” os alunos e o universo no qual convivem; ou, dizendo de
outra maneira, aqueles para quem escrevo. Um novo texto historiográfico, com
suas marcas específicas, que será oferecido à leitura dos alunos, pelo professor e
com sua mediação, de modo a possibilitar aos novos leitores tornarem-se tam-
bém autores de seu próprio existir no presente.
“Alunos” não são “a infância” ou “brasileirinhos”, e aí se encontra a dife-
rença fundamental entre Brasil, uma história dinâmica e Meu tesouro, se me
permitem o exemplo; aí se encontra uma das razões, por certo, dos diversos signi-
ficados atribuídos a “livro didático” em diferentes momentos, e por que ele foi,
em não poucas ocasiões, denominado “compêndio”.
Tudo isso são algumas reflexões, resultado de algumas leituras, as quais,
evidentemente, tanto não se restringem aos textos acadêmicos, historiográficos
ou não, quanto pressupõem a “leitura do mundo”, como gostava de ensinar um
educador incomum. Há quase dois anos escrevi um artigo para uma revista uni-
versitária a respeito de um dos tipos desse texto historiográfico específico — a
“aula como texto” —, e o dediquei aos professores de história que há muito pro-
duzem “aulas como texto”, uma prática que me possibilitou algumas das conclu-
sões que ali expus e aqui foram apresentadas de modo muito resumido.1
No momento de encerrar essas reflexões (e já está mais do que na hora), me
vêm à lembrança os versos de uma música de Tom Jobim, cujo nome me escapa.
Um deles diz: “Assim como uma nuvem só acontece se chover...”. Não é outra a
condição do livro didático, que também só acontece se houver o professor (como
autor, em qualquer das duas possibilidades) e o aluno. Afinal, não é outra coisa o
que os versos finais cantam: “Não há você sem mim. Eu não existo sem você”.
1 Mattos, 2006:15-26.
AUTORES E LIVROS
Logo após a maioridade de d. Pedro II, José Inácio de Abreu e Lima tomou a
decisão de “formar um compêndio” e assim o fez, publicando Compêndio da
história do Brasil, em 1843.
No prefácio do Compêndio, o autor expôs suas intenções para elaborar,
no seu próprio dizer, “o primeiro Compêndio da História do Brasil”. A primeira
delas era fazer algo que pudesse ser usado pela “mocidade Brasileira” e a segunda,
contribuir para a formação de “uma literatura propriamente brasileira”.
É à segunda intenção que o autor parece dar maior atenção. Assim, para o
pernambucano Abreu e Lima,
um país, que apenas conta vinte anos de existência como nação, não pode ter literatura
propriamente sua; porque nos primeiros desenvolvimentos da inteligência não é dado
tocar a perfeição, que se requer nas obras do espírito humano. Todas as nações
existiram anos e séculos antes de possuírem uma literatura própria; e só depois da
introdução das artes e das ciências é que cada povo as vai apropriando e desenvolven-
* Este texto é uma versão ligeiramente modificada de parte do capítulo 2 de minha tese de
doutorado — Para formar os brasileiros: o Compêndio da história do Brasil de Abreu e Lima
e a expansão para dentro do Império do Brasil, defendida em 2007, no Programa de Pós-
Graduação em História Social da FFLCH-USP.
** Professora do Departamento de História da PUC-Rio.
A intenção era expressa com clareza, o que não impedia que fosse polêmica,
porque nem todos os componentes da boa sociedade imperial concordavam com
a opinião do autor pernambucano a respeito da inexistência de uma “literatura
brasileira”.2
O autor desejava contribuir, prestar um serviço à pátria, escrevendo um
livro — um livro de história pátria. Para fazê-lo, declara ter usado em grande
parte obra alheia, ter feito recompilações, extratado, copiado. Mas destaca ter,
em primeiro lugar, averiguado e ordenado os fatos, organizando-os em séries
divididas por épocas. Cada época com uma cor que a diferenciasse das demais.
Mas se um prefácio é uma apresentação que convida à leitura, é também,
em não raras oportunidades, o ponto de partida de indagações, que logo se trans-
formam em questões, quer para os contemporâneos, quer para nós próprios,
hoje. A exposição feita por Abreu e Lima de uma de suas intenções suscitaria
ontem, como hoje, discussões a respeito da produção historiográfica e do lugar
de seu texto quando do surgimento de uma historiografia brasileira. Nesse mo-
mento, porém, outro tipo de questão me interessa em particular, a partir do
próprio texto do “Prefácio”, aguçando-me a curiosidade.
Afinal, não deixa de ser intrigante que a primeira intenção do autor ao
elaborar o Compêndio seja apresentada com uma simples frase — “formar — um
Compêndio da História do Brasil — para uso da mocidade Brasileira” —, em
flagrante contraste com a alentada exposição sobre a segunda delas, que se desdo-
bra na explicação de como a concretizou.
Procuro compreender as razões de tal assimetria, se é que tais razões existi-
ram, uma vez que a referência “para uso da mocidade Brasileira”, ou algo equiva-
lente, não era incomum à época.3 Para tanto destaco duas circunstâncias que, em
1
Abreu e Lima, 1843, t. 2, p. v-vi.
2 Cf., entre outros, Souza, 2007.
3Como um exemplo, entre inúmeros outros, ver “Resumo das instituições políticas do barão
de Bielfeld, parafraseadas e acomodadas à forma atual de governo no Império do Brasil,
oferecido à mocidade brasiliense por um seu compatriota pernambucano”, apud Holanda,
1966. Utilizo-o como exemplo pela significativa referência a uma “mocidade brasiliense” feita
por um “compatriota pernambucano”.
gante. Foi na sessão de 8 de fevereiro de 1840 que Justiniano José da Rocha — que
ainda não redigira o panfleto “Ação, reação, transação” que o tornaria conheci-
do — deu ciência aos membros do instituto que fora nomeado pelo governo para
lecionar um “curso de História Pátria” no Imperial Colégio de Pedro II, criado no
mesmo ano da fundação do IHGB. “Achava-se embaraçado” por não existir ain-
da um “bom compêndio da História do Brasil por onde se pudesse orientar [...] a
fim de preparar as suas lições”, razão pela qual propunha a nomeação de uma
comissão especial para “organizar um Compêndio”. Discutida a proposta, o cô-
nego Januário não lhe foi favorável. Mesmo assim uma comissão foi formada com
aquela finalidade, mas dela nada resultou.
Ora, muito provavelmente a proposta de Justiniano ecoava as preocupa-
ções de Bernardo Pereira de Vasconcelos, o formulador do Regresso Conserva-
dor. Verdadeiro criador do Imperial Colégio de D. Pedro II, preocupava-o a
inexistência de compêndios para uso dos alunos, inclusive de história pátria, quer
fossem redigidos por autores brasileiros, quer fossem a tradução de compêndios
estrangeiros. Às preocupações de Vasconcelos somavam-se os esforços dos diri-
gentes saquaremas no “laboratório” da província fluminense com objetivo idên-
tico e pela mesma época.6
O pernambucano Abreu e Lima muito provavelmente de tudo isso tinha
conhecimento, e a tudo isso não se mostraria indiferente. À sugestão de um plano,
contraporia um livro; às intenções do cônego Januário contrapunha as suas,
materializadas no Compêndio da história do Brasil.
Contudo, talvez valha a pena lembrar que, embora se afastando das inten-
ções de Januário, Abreu se aproximava da proposta de Justiniano. Composto de
um texto principal, complementado por notas e copiosa documentação, esta re-
ferida particularmente ao segundo tomo, o “texto” do Compêndio parecia que-
rer atender mais aos interesses do professor Justiniano (“um bom compêndio da
História do Brasil por onde se pudesse orientar [...] a fim de preparar as suas
lições”) do que às preocupações do ministro Vasconcelos; parecia dirigir-se mais
ao professor do que aos alunos. Todavia, no “Prefácio”, o autor não deixa de
afirmar ser o possível uso pela “mocidade Brasileira” que o teria mobilizado a
“formar” sua obra. Uma intenção que parece ter sido definida não só por decisão
própria, mas sobretudo por sugestão e incentivo de outrem: em suas próprias
palavras, “devo antes declarar que a obra, que dou à luz, não é lembrança
minha”.7 Sugiro, neste ponto, que a lembrança para a formação de um com-
pêndio tenha partido do editor — ou “editores”, isto é, Eduardo e Henrique
Laemmert —, que certamente não tinha seus olhos voltados para o IHGB, como
estavam os do autor.
Parecendo oscilar, pelo menos à primeira vista, entre os professores e a
mocidade brasileira, mas afinal a ambos contemplando, a intenção de Abreu
colocava em posição de destaque uma “lembrança” que atribuo ao editor.8 A
ênfase nas relações entre autor e editor permite destacar outra intenção — a do
editor —, que por sua vez possibilita pôr em evidência um terceiro personagem
— o leitor. Para tanto, avanço um pouco no tempo.
Quando, quase duas décadas após a edição do Compêndio, Joaquim Ma-
nuel de Macedo redigiu as suas Lições de história do Brasil para uso dos alunos do
Imperial Colégio de Pedro II, no próprio título tornava explícito a quem dirigia
o seu texto, destacando o caráter de manual escolar de sua obra. As duas décadas
que separam as obras de Macedo e Abreu e Lima recomendam alguma cautela em
qualquer exercício de comparação entre ambas; todavia, não apagam as diferen-
ças entre os leitores que os dois autores tinham em vista: “alunos”, no caso de
Macedo; “a mocidade Brasileira”, no de Abreu e Lima. Assim, em Macedo, a
identificação dos “alunos” como leitores pressupõe uma relação pedagógica e
uma instituição específica, além de um programa da disciplina fixado pelo estabe-
lecimento padrão do Império, algo aparentemente distante das preocupações e
da prática de Abreu e Lima, que parece muito mais operar com a representação
de uma “idade da vida” — uma mocidade que, se já não era o “menino-diabo”,
caracterizado por Gilberto Freyre,9 ainda não se tornara plenamente adulta, mas
logo deveria se tornar. Contudo, uma mocidade que, em não raras ocasiões,
apresentava-se como a metáfora da nação brasileira, também em sua mocidade:
“...um país que apenas conta vinte anos de existência como nação”. Ora, nesse
caso, o valor simbólico que, então, os componentes da boa sociedade imperial
passaram a atribuir a um livro de história pátria fazia com que o conjunto cons-
10 Mattos, 2003:103-121.
nesta obra só o plano de outro autor, o do célebre historiador Bredow, foi inteiramen-
te seguido; todo o mais trabalho e mais custoso é inteiramente novo, e, apesar de
árduo, bem acabado. O autor, ajudado dos dotes de verdadeiro historiador, que
sobejamente possui, extratou dos melhores escritores o bom; verificou o duvidoso;
emendou o errado; e acrescentou muita informação, principalmente sobre a América,
que ele próprio em suas viagens colheu, e guardou com apurada crítica.11
Advertência
Os Laemmert
oito eram para meninas, e mais ou menos 4 mil em escolas privadas, de uma
população total em idade escolar de 14.300 crianças. O quadro não era muito
diverso em Minas Gerais: 5.853 crianças em escolas primárias públicas, 233 em
escolas privadas e 345 em escolas secundárias. Já em Pernambuco, existiam 80
professores primários (dos quais 64 eram homens) e apenas sete professores se-
cundários.12 Todavia, a adoção da nova edição no Imperial Colégio de D. Pedro
II parecia compensar os seus esforços de adequação, sobretudo se considerarmos
o valor e o peso simbólicos dessa adoção. Ali, o Compêndio da história do Brasil
só encontraria concorrente nas Lições de história do Brasil de Joaquim Manuel de
Macedo, editadas entre 1861 e 1863. Conscientemente, os editores contribuíam
para a criação de uma nova categoria de livros, no movimento contraditório
daquilo que alguns já denominaram “nascimento da escola moderna” no mundo
ocidental.13 E faziam-no por meio de uma intervenção deliberada, que não deixa-
ria de marcar as relações que entretinham com o autor.
Ora, de acordo com Abreu e Lima, a intervenção dos editores, por ele
acatada, e da qual resultaria a segunda edição da obra no mesmo ano de 1843,
não fora a primeira. Ao responder a uma das críticas feitas por Varnhagen em
“Primeiro juízo”14 a respeito das sete estampas ou retratos que ilustravam a obra,
Abreu e Lima recorda que “a lembrança dos retratos não foi minha, mas dos
editores”. Como é sabido, imagens sob a forma de estampas ou outra qualquer
era coisa pouco comum em livros editados no Império em meados do século XIX,
bastando lembrar que as Lições de Macedo, editadas 19 anos mais tarde e sob os
auspícios do IHGB, não as possuíam.
Embora sustente ter aprovado a introdução das estampas, havia ficado
desgostoso com o anacronismo produzido pelo desenhista: “só senti que no ves-
tuário se não tivesse guardado a verossimilhança pelo daquela época e não de um
século depois”.15 Todavia, a insatisfação do autor não fora suficiente para que
fosse efetuada a correção da indumentária dos personagens.
12Hallewell, 1985:144. O autor retirou seus dados do Annuário político histórico e estatístico
do Brasil para 1847, de Firmin Didot. Ao observar que aqueles eram os dados mais antigos
por ele obtidos sobre a educação brasileira, não deixa de constatar que eram, “infelizmente,
muito incompletos”.
13
Cf., entre muitas outras possibilidades, Lehembre, 1989.
14 Varnhagen, 1844:60-83.
15 Abreu e Lima, 1844:36.
Não sei se melhoramos, nem a mim cabe dizê-lo; porém o que posso asseverar-lhe é
que os editores disseram uma verdade, que o mesmo Sr. Varnhagem acaba de confir-
mar. Era doloroso ver, dizem os editores, que a História do Brasil se tivesse tornado
uma especulação estrangeira.17
Ironias à parte (não é possível esquecer que, por ser filho de estrangeiros,
Varnhagen era considerado por muitos um estrangeiro), os indícios a respeito da
participação dos editores em diferentes momentos da história do Compêndio
permitem perceber uma faceta de Abreu e Lima nem sempre valorizada por seus
contemporâneos: a abertura ao diálogo, reveladora de uma cordialidade. Ainda
assim talvez seja importante não esquecer que o acréscimo das estampas proposto
20 Hallewell, 1985:161.
21 Ibid., p. 162-163.
22Em fins dos anos 1860 a Livraria Universal foi transferida para esse novo endereço, ao passo
que a tipografia do mesmo nome mudou-se para a rua dos Inválidos.
Brasil mas também o principal editor de livros escolares sublinhou em sua peti-
ção, entre outros serviços, que “muitos autores de diversas obras, e compêndios
para a instrução pública [...] têm encontrado no peticionário auxílio eficaz para
a realização de suas publicações”.23
Destaco o fato de Garnier apresentar-se como editor de compêndios para a
instrução pública. Ora, por sua função com um adjunto restritivo, a expressão
“instrução pública” demarcava, naquela oportunidade, um sentido diverso para
a palavra “compêndio”, entrevisto já nas intenções dos Laemmert em 1843, em-
bora não enunciado. Ela indicava algo novo, que ultrapassava a constatação da
existência de uma mercadoria nova. E o indicava ao mesmo tempo que revelava
como os compêndios para a instrução pública eram também um dos fatores
constitutivos de um movimento fundamental.24 À semelhança das “nações civili-
zadas”, também no Império do Brasil a constituição de um corpo político moder-
no, assim como dos sujeitos que ele contém pressupunham a “escola moderna”, e
tudo aquilo que lhe diz respeito, aí incluídos os manuais escolares — ou seja, os
compêndios para a instrução pública.
Um movimento que revelava sujeitos, representações e práticas novos, ao
mesmo tempo que transformava outros mais antigos — professores, alunos, ins-
petores; prédios e manuais escolares; autores, editores e leitores. Um movimento
que forjava palavras e expressões novas, e ressignificava outras. É o caso de didá-
tica: derivada do francês didactique — “que visa a instruir, que se relaciona ao
ensino”, da qual derivaram os termos didactiquement e didactisme em 1754 e
1860, respectivamente, de acordo com o Robert —, teria sido incorporada à lín-
gua portuguesa entre o final do Primeiro Reinado e o início do governo pessoal
do segundo imperador.25 O certo é que a palavra que designava a “ciência ou a
arte de ensinar” não era ainda suficientemente forte, nem se encontrava vulgari-
zada entre os letrados do Império do Brasil, ao tempo da petição de B. L. Garnier,
Fator (Faktor) e Indicador (Indikator). Todo conceito não é apenas efetivo enquanto fenô-
meno lingüístico; é também imediatamente indicativo de algo que se situa para além da
língua.”
25Le nouveau petit Robert, 1993:640. Houaiss e Villar, 2001:1036. Segundo Houaiss, em 1828
é que a palavra foi incorporada à língua portuguesa; segundo Antonio Geraldo da Cunha
(1986:263), tal teria ocorrido em 1844.
26 Chopin (2004:549-566) observa que, “se hoje consideramos o livro didático um objeto
banal, um objeto tão familiar que parece inútil tentar defini-lo, o historiador que se interessa
pela evolução dos livros escolares — ou das edições escolares — depara, logo de início, com
um problema de definição”. Ainda que considere pertinentes as instigantes considerações do
autor, não me preocupa definir o que é um “livro didático”, hoje ou ontem. Parto do princípio
de que os autores que se dispõem a produzir um texto didático sabem o que pretendem fazer
e como devem fazê-lo, o mesmo podendo ser dito a respeito dos professores que se dispõem
a adotar um livro didático. Em outras palavras, proponho que se busque nas intenções de
autores e professores, evidentemente com pontos em comum e diferenciados, os elementos
que permitem identificar uma obra como didática, e o que se entende por tal em determinado
momento e circunstância. Assim, o surgimento da palavra “didática” entre nós não significa
o surgimento de livros didáticos de imediato, necessariamente. Conforme ensina Febvre
(1998:29), “não, a definição teórica não é de grande ajuda para nós, historiadores. Ela só
existe, a bem dizer, fora de nossos estudos. O que vale para nós é a história da palavra, e feita
com precaução. Saber se tal palavra é antiga na língua ou que, ao contrário, ela só surgiu
recentemente [...] uma palavra não data sempre, não data necessariamente de sua primeira
aparição em um texto [...] toda língua conta com palavras, numerosas e importantes, que
precisaram de décadas, se não de séculos, para carregar-se de sentido”.
27 Guiando-me pelas informações fornecidas pelos biógrafos de Abreu e Lima, assim como
por aquelas oferecidas por pesquisadores dedicados ao estudo do ensino da história no
Brasil, concluo que foram cinco as edições do Compêndio, das quais quatro ainda em vida do
autor. Todas foram feitas pelos mesmos editores, no século XIX. Todavia, nenhum traz a data
da terceira edição, sendo a quarta de 1852: ambas teriam mantido o mesmo formato in-8o e
um só volume. Talvez seja importante dizer que não encontrei qualquer evidência documental
da participação ativa de Abreu e Lima após as duas edições iniciais, o que me faz crer terem
sido elas de responsabilidade exclusiva dos editores.
28 A “nova edição mais correta e continuada até nossos dias” tem 431 páginas.
Advertência
Os editores
Capítulo 2
Rebeca Gontijo* *
* Este texto foi elaborado a partir de estudo desenvolvido no âmbito do grupo de pesquisa
Oficinas de História, ligado ao Departamento de Ciências Humanas da Uerj e do Pronex —
Culturas Políticas e Usos do Passado, coordenado por Daniel Aarão Reis Filho (UFF). Agra-
deço a Angela de Castro Gomes por ter me sugerido a leitura do livro Coração. Uma primeira
versão foi apresentada no seminário Os Livros de História na Escola: Trajetórias e Usos,
ocorrido na PUC-Rio, nos dias 12 e 13 de abril de 2007. Uma versão reduzida foi apresentada
no seminário nacional Ensino de História: Memória e Historiografia, realizado na UFF (2 a 4
de junho de 2008), e no VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (Porto, 19 a
23 de junho de 2008), onde foi incluída em seus anais.
** Professora do Departamento de História da UFF, com o apoio do Programa de Apoio a
Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores (Prodoc), da Capes; doutora
em história social pela UFF; membro do Núcleo de Pesquisas em História Cultural da UFF e
do grupo Oficinas de História, da Uerj.
1 O levantamento das edições brasileiras identificou o seguinte: 1891 (1a ed.), 1894 (4a ed.),
1920 (31a ed.), 1936 (36a ed.), 1940 (42a ed.), 1949 (44a ed.), 1954 (46a ed.), 1956 (47a ed.) e 1968
(53a ed.). A partir de 1892, as edições italianas ganharam ilustrações de Ferraguti, Nardi e
Sartorio. As edições da Francisco Alves não trazem ilustrações, a não ser na capa. Outro dado
sobre as edições é que o subtítulo original — libro per i ragazzi — não figura nas edições
brasileiras do século XX que foram localizadas. Ao longo da pesquisa utilizei duas edições: a
47a, tradução brasileira autorizada, feita a partir da 101a edição italiana por João Ribeiro,
lançada pela Editora Francisco Alves em 1956, e a edição francesa ilustrada, com tradução
de Piero Caracciolo, Marielle Mace, Lucie Marignac e Gille Pécout, além de notas e posfácio
de Gilles Pécout e dois ensaios de Umberto Eco, lançada em 2001.
2 Sobre Coração, ver Bastos, 1998:31-50; Eco, 2001a e 2001b; e Pécout, 2001:357-483.
3 O romance de formação — tradução brasileira do termo alemão Bildungsroman — é um
gênero de narrativa que discorre sobre o processo de formação do indivíduo, compreendido
como o desenvolvimento gradativo de suas predisposições, paralelamente a sua socialização.
O livro Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1796), de J. W. Goethe (1749-1832), é um
dos principais exemplares do gênero. Georg Lukács (1885-1971) indica que a questão funda-
mental do romance de formação (ou de educação, conforme a tradução brasileira) é a crença
na possibilidade do desenvolvimento pleno da personalidade humana, no sentido da realiza-
ção dos ideais humanistas, no contexto da sociedade burguesa, caracterizada pela crescente
divisão social do trabalho. Seu conteúdo visa “a educação dos homens para a compreensão
prática da realidade”. Ver Luckács, 2006:592.
4 Sobre os livros de leitura, ver, por exemplo: Batista, Galvão e Klinke, 2002:27-47; e Oliveira
e Souza, 2000:28-32.
ser — para os cursos elementar e médio. Aí, esse livro resume todos os outros: é o livro
único. Nos tempos atuais, nenhum professor digno desse nome põe nas mãos de um
aluno de qualquer desses cursos um compêndio de história [...]. O livro de leitura não
é um livro de consulta filológica, mas sim um modelo de elocução que ela imita, sobre
o qual calca a sua linguagem.5
8 Rüsen, 2001:57.
9 Sobre o processo de construção da Itália como Estado nacional, ver Hobsbawm, 1998.
10 Pécout, 2001:361, 363.
11Pécout (2001:363-367) observa que a narrativa das derrotas militares ocupava lugar de
destaque na literatura do período, sendo possível identificar uma estética da derrota gloriosa,
dotada de força política e pedagógica. Era um evento doloroso, que, no entanto, não retinha
meio de uma série de títulos que promoviam a associação entre um modo de vida anglo-
americano e um modo de vida nacional. Difundiam a ideia de construir a si mesmos e a
própria nação.
13 Em 1889, De Amicis embarcou no porto de Gênova rumo à América. Fez a viagem dos
imigrantes que serviu de base para a construção de um minucioso relato: Sull’Oceano (1889).
Sobre esse livro, ver Gambini (2006:264-296), que chama a atenção para a capacidade obser-
vadora de De Amicis, que, segundo ele, “reproduz com exatidão sociológica a estrutura social
italiana”, dividida entre a burguesia proprietária situada na primeira classe do navio, o estrato
médio (artesãos, pequenos comerciantes, trabalhadores qualificados) na segunda, e o
campesinato pobre na terceira.
1892. Embora não fosse reconhecido como militante ativo, dedicava-se a produ-
zir textos de propaganda, divulgados no jornal Avanti! Critica sociale et lotta di
classe, que reunia intelectuais do partido. Nunca foi considerado um teórico do
socialismo, apesar de sua intensa atividade como propagandista e conferencista.
Seu nome aparecia entre os numerosos autores de literatura social envolvidos
com o PSI que defendiam a causa socialista sem abdicar de suas opções artísticas
ou abandonar temas sentimentais e valores familiares, vistos como pequenos-
burgueses.14
É possível afirmar que Cuore representa o apogeu da carreira literária de
De Amicis e também assinala a incorporação da temática social em seus escritos.
A partir de então, sua obra passou a ser marcada pela presença de três temas
interligados: a infância, a escola (a instrução) e o engajamento socialista, obser-
vando-se o empenho em associar textos de ficção e literatura de propaganda po-
lítica (ou “pedagogia política”).15
Concordando com a interpretação de Pécout, é possível dizer que a vida e
a obra do autor de Coração são representativas de uma trajetória política e in-
telectual coerente com o contexto da Itália do Risorgimento e de seu futuro imediato,
marcado pela crítica aos rumos do liberalismo.16
É difícil medir a fortuna crítica de qualquer livro. É certo que Coração,
lançado no início do ano letivo italiano de 1886 como um “livro de leitura para as
crianças”, contou com o apoio de uma revista muito popular, cujo dono era
Treves, seu editor: a revista L’Illustrazione Italiana, responsável por seu lança-
mento comercial. Desde então, teve várias reedições na Itália, sendo lembrado
como uma das primeiras obras destinadas à criança que a colocou como protago-
nista e também como narradora.
Cabe lembrar que a literatura infantil floresceu entre os séculos XVII e
XIX, em concomitância com a construção da noção de infância e de um modelo
de família que atribuía grande valor à privacidade e aos laços afetivos entre seus
membros. Cresceu também na medida da afirmação do indivíduo como ser autô-
14 Pécout (2001:372, 377) lembra que os funerais de De Amicis, em Turim, em 1908, reuniram
grande multidão, contando com a participação dos socialistas vestidos com camisas verme-
lhas. Na opinião de Maurizio Ridolfi, seus funerais representam “a apoteose do socialismo
italiano que assume um caráter nacional” (apud Pécout, 2001:377).
15 Ibid., p. 371-372.
16 Ibid., p. 378.
22 Bittencourt, 2004:475-491.
23
Gomes, 2003:116-133.
24 Hansen, 2007; Cordeiro, 2004.
25 No ano seguinte, o livro de De Amicis foi indicado para receber o primeiro prêmio entre os
livros de leitura, durante a exposição escolar anual de 1891. Ver o parecer do prof. Luiz
Augusto dos Reis na Revista Pedagógica (v. 3, n. 16/17, 15 fev. 1892, p. 286). O trabalho de
Batista, Galvão e Klinke (2002:35) observa a presença de Coração no Brasil em memórias,
programas de ensino e publicações destinadas a docentes, como um livro utilizado no cotidiano
escolar por professores e alunos, individual e coletivamente.
26 Jornalista, contista, poeta, romancista e conhecido polemista, Valentim Magalhães foi um
dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (1896). Dirigiu o periódico A Semana,
espaço importante para divulgação dos trabalhos de novos escritores no fim do século XIX.
27João Ribeiro era professor de colégios particulares desde 1881 e, em 1887, prestou concurso
para a cadeira de língua portuguesa do Colégio Pedro II, porém só foi nomeado três anos
depois para a cadeira de história universal. A partir de 1895 fez várias viagens à Europa por
motivos pessoais ou a serviço do governo. Estudioso da filologia e da história, destacou-se
o Livreiro e Editores Alves & C. Foi esta última edição que serviu de base para as
posteriores.
Cabe observar que De Amicis já era conhecido no Brasil por sua colabora-
ção no Jornal do Brasil, que publicara sua novela A mestra dos operários (1895).28
Além disso, alguns extratos de Coração foram publicados na Gazeta de Notícias,
traduzidos pelo escritor português Ramalho Ortigão (1836-1915),29 antes da
publicação da primeira edição brasileira. Na opinião da Gazeta, João Ribeiro,
“conhecedor profundo das duas línguas e hoje o mais autorizado mestre da nossa
no Brasil, temperamento delicado de artista”, fez um trabalho superior ao dos
que o precederam, sendo a sua a única tradução autorizada pelo autor.30
Coração suscitou uma série de resenhas elogiosas por parte de um dos mais
renomados críticos literários da época: José Veríssimo.31 Em 1892, pouco tempo
após a publicação da primeira edição brasileira de Coração, Veríssimo publicou
um artigo sobre a obra de De Amicis intitulado “Educação nacional (a propósito
de um livro italiano)”.32 Segundo o autor, o sucesso do livro tinha relação com o
fato de:
como autor de vários livros para o ensino primário e secundário. Consagrou-se historiador
a partir da publicação de uma obra destinada ao uso escolar: a História do Brasil — curso
superior (1900). Sobre João Ribeiro, ver Hansen, 2000.
28 ARevista Pedagógica (n. 7, 15 abr. 1891), por exemplo, publicou um capítulo de outro livro
de De Amicis, Il romanzo d’un maestro (1890), intitulado “Os pais de alunos”. Em 1907, uma
versão do conto O tamborzinho sardo (incluído em Coração) foi publicada na revista infantil
O Tico-Tico, n. 69, com o título de O tamborzinho valente.
29Ramalho Ortigão traduziu alguns trechos da obra publicados no Brasil e em Portugal, onde
o livro foi traduzido na íntegra por Miguel de Novais. Essas informações estão em Gregorin
Filho, 2006:185-194.
30 Revista Pedagógica, v. 3, n. 16/17, fev. 1892.
31 Em A educação nacional (1890), o autor denuncia a “pobreza do nosso sentimento nacio-
nal” e sugere a generalização da educação cívica, como condição necessária para a formação
da cultura moral e intelectual. Além disso, apresenta a literatura e a leitura como dispositivos
fundamentais para a educação cívica e moral, argumentando que o livro de leitura deveria ser
brasileiro, não tanto por ser escrito por brasileiros (o que não considerava fundamental),
mas pelos assuntos e pela capacidade de animar o sentimento nacional. Cf. Veríssimo, 1985:55.
32 Veríssimo, 1892.
seus prêmios, da vida escolar, enfim, com todas as suas cenas e todos os seus episódios
[...]; ser um livro original e que de nenhum modo se parece com o comum dos livros
didáticos: não tem deles nem o aspecto pedantesco e doutrinário, nem tampouco o ar
piegas, amaneirado e fútil com que outros querem disfarçar, sob a aparência de sim-
plicidade, a incapacidade para fazer simples e bom; é realmente um livro singelo,
verdadeiro, sombrio e eloqüente, porque, sem artifício de nenhuma sorte, fala ao
sentimento e toca o coração que lhe deu o título e que, segundo a ingênua filosofia
popular, que é a de nós todos, é a sede de todas as nossas emoções.33
33 Veríssimo, 1892.
34
Ver Pompéia, 1891. Em 1892, a Revista Pedagógica (v. 3, n. 16/17, fev. 1892) apresentou a
“Opinião da imprensa sobre Coração”, reunindo excertos de notícias de vários jornais.
35 Dos 12 estudos sobre a obra de De Amicis citados por Pécout, sete foram produzidos entre
os anos 1970 e 80.
36 Eco, 2001a:337-350 e 2001b:351.
37
Bastos (1998:3, grifos da autora) parte da premissa de que, na Primeira República, a educa-
ção moral, cívica e religiosa era o eixo das preocupações daqueles que almejavam o controle
das relações e das estruturas sociais, como forma de regenerar o país. Sua hipótese principal
é de que a obra de De Amicis constitui “uma unidade discursiva produtora de ordenamento,
de afirmação de distâncias, de divisões e é representativa dos valores da ilustração brasileira
quanto ao projeto pedagógico republicano de formação do novo homem para o novo
regime : crença ilustrada nas virtudes da instrução moral e cívica, como forma de manter a
ordem social”.
38 Bastos, 1998:4.
39Sobre a noção de cultura histórica, ver Rüsen, 2007:121-133. Também são importantes
as considerações de Jacques Le Goff, que apresenta um breve plano de pesquisa sobre a
cultura histórica, ao considerar que a história da história não deve se ocupar apenas da
produção histórica profissional, mas de todo um conjunto de fenômenos que constituem a
cultura histórica, incluindo o estudo da literatura, da arte e dos manuais escolares de história.
Ver Le Goff, 1990:22, 47-48.
viu, entendeu, pensou na classe e no exterior da classe”. Indo além, busca corro-
borar a ideia de que o livro é, na realidade, o diário, submetido à correção do
pai do aluno — que, segundo De Amicis, se esforçou para preservar as palavras
de seu filho — ao fim do ano letivo e, quatro anos mais tarde, revisto pelo
próprio aluno-narrador, com a memória ainda fresca acerca dos acontecimen-
tos passados.40
Assim, observam-se três tempos: o tempo da escrita do diário pelo menino-
narrador; o tempo da correção feita pelo pai ao término do ano letivo, quando o
presente acompanhado pelo diário torna-se passado; o tempo da releitura (qua-
tro anos depois) pelo autor do diário, agora um jovem que recorre à memória
para preencher possíveis lacunas. Esse é também o tempo do autor De Amicis, que
se deixa ver como aquele que oferece e dedica o livro aos pequenos leitores, crian-
ças entre nove e 13 anos. É esse livro que ele atesta chegar às mãos do leitor: um
livro para crianças, escrito por uma criança, revisto por seu pai e, posteriormen-
te, pelo próprio autor do diário, ainda jovem.41
Essa opção do autor de apresentar o livro como um diário que chegou às
suas mãos tal como foi construído pelo autor-menino pode ser interpretada como
um empenho no sentido de garantir a autenticidade e a sinceridade da obra,
valores caros no mundo moderno. A escrita de si propiciada pelo diário utiliza o
argumento da sinceridade, que é individual e subjetiva, atribuindo-lhe o valor de
verdade. Ao apresentar a obra como o diário de um menino, De Amicis parece
querer atestar a veracidade daquilo que está escrito, convidando o leitor a entrar
na intimidade do menino-narrador.42
Mas, além do diário, o livro é composto por outros tipos de narrativa: as
cartas e os contos patrióticos. Tais narrativas remetem a três temporalidades
distintas, como se verá a seguir.
40 De Amicis, 2001:5. O trecho citado foi extraído de uma nota de advertência, presente nas
edições italianas e na edição francesa aqui utilizada, reproduzida na primeira edição brasileira
e, posteriormente, excluída.
41
Ibid., p. 5.
42 A noção de sinceridade está diretamente vinculada à emergência do indivíduo moderno. Ela
surgiu a partir de uma preocupação com a não sinceridade nas relações sociais, em um
contexto em que a tradição e os costumes perderam o poder de constranger e regular as
relações, agora administradas pelo indivíduo. Dessa forma, a sinceridade diz respeito a como
o indivíduo se apresenta nas relações com o outro. A esse respeito, ver Gonçalves, 1988:264-
275.
O diário
Como foi dito, Coração é o diário de Henrique (no original, Enrico), escrito ao
longo do ano letivo de 1881/1882. O personagem principal é também o narrador
da história, sendo através de seus olhos que a experiência da leitura ocorre. Em
outras palavras, é pelos olhos de Henrique que conhecemos os outros persona-
gens e lemos o mundo a seu redor. Curioso é que pouco sabemos sobre o próprio
Henrique, o que permite ao leitor acompanhar suas percepções e sentimentos, de
modo que, ao final, seja possível conhecer um pouco dele e de nós mesmos.
Henrique transita por três espaços distintos: a escola, a casa e a rua. Luga-
res de aprendizado. No primeiro, predominam os mestres, referência de afeto,
compreensão e sabedoria. No segundo espaço reina a família, destacando-se as
figuras do pai e da mãe, fontes de afeição e também de orientação na vida. Na rua,
a vida que passa, com seus personagens anônimos e espaços compartilhados, onde
as virtudes são constantemente testadas. São ruas cheias de meninos, trabalhado-
res e pobres, sendo possível observar adversidades e desigualdades, geralmente
apresentadas como algo natural, ou não explicadas.
A narrativa começa com a breve lembrança de um passado recente — as
férias no campo — para, em seguida, dar lugar a um encontro de Henrique com
seu antigo mestre e a visão de sua sala no ano anterior. O diário registra a saudade
de um tempo que passou. Os antigos mestres reclamam que não o encontrarão
mais. Ao ver o diretor, nota que sua barba parecia estar “mais branca do que no
ano passado”; além disso, os meninos como ele, estavam “mais altos e com mais
corpo”. Mas o tempo passa e a saudade dá lugar a novos sentimentos e relações.
Provavelmente inspirado pelos estudos fisionômicos em voga no fim do
século XIX,43 De Amicis (o autor) — através de Henrique (o narrador) — apre-
senta os personagens relacionando aparência e caráter. Os colegas de classe são
apresentados um a um, com suas qualidades e defeitos. Seu amigo favorito é
Garrone, filho de um maquinista da estrada de ferro, que é “o mais alto, o mais
forte” e também generoso. Tudo o que lhe pedem empresta ou dá. Além disso,
protege os menores, que buscam sua companhia. O que mais detesta é Franti,
“cara feia e estúpida”, que vive a rir dos outros e a provocar.
Ao longo do livro, o narrador-menino é confrontado por situações que
contrastam o bem e o mal. Um exemplo é o caso do menino Robetti, seu colega de
escola, que arriscou a própria vida para salvar uma criança prestes a ser atropela-
da; ou ainda, o caso do menino pobre cujo trabalho é limpar chaminés. O peque-
no perdera o dinheiro que ganhara trabalhando e, com medo de apanhar do
patrão, pôs-se a chorar. Piedosamente, um grupo de meninas da escola decide
recolher contribuições para saldar a dívida.
Incorporando o presente à narrativa, o livro exalta as transformações atri-
buídas ao Estado italiano, tais como: a ampliação das escolas públicas, a implan-
tação de escolas noturnas para operários, a criação de instituições para cegos, a
manutenção de asilos infantis etc. O objetivo é exaltar o progresso e valorizar os
pilares de sua sustentação — o Exército, a família, a escola e o trabalho —, afir-
mando a importância dos trabalhadores na construção do país. Atribuindo grande
valor ao estudo e ao trabalho, o livro difunde um sentimento cívico capaz de
congregar nacionalismo e valores universais. A exaltação do mundo do trabalho,
povoado por homens, mulheres e crianças, é constante, havendo diferenças entre a
representação do trabalho e a da pobreza, ambos dignos de respeito. Enquanto a
pobreza remete à caridade e à solidariedade, o trabalho dignifica e enobrece. Os
personagens a ele associados — como o trabalhador Coretti, filho de um vende-
dor de lenha, ou Precossi, filho do ferreiro —, são vistos em situações que dignifi-
cam sua condição, enquanto Nobis, um menino rico, é associado à vaidade e à
presunção.
Mas, além do diário, outro tipo de escrita compõe o Coração.
As cartas
De Amicis pouco informa sobre o narrador principal, que pode ser entrevisto
pelas cartas de seus pais. Por meio delas, Henrique é alvo de algumas reprimendas,
embora haja também elogios e afeto. A vigilância e o controle exercido sobre suas
atitudes e pensamentos são constantes. Sobretudo por parte do pai, cujas cartas
estão repletas de exortações, na forma de incentivos, conselhos ou advertências.
Um dos melhores exemplos é a carta intitulada Os amigos operários. O
trecho é longo, mas bastante ilustrativo:
Acabada a 4a classe, irás para o ginásio; eles [seus colegas de classe] serão operários,
mas ficarás na mesma cidade e talvez por muitos anos. E por que então os não verás
mais? Quando estiveres na universidade ou no liceu poderás procurá-los nas suas
lojas e nas suas oficinas, e sentirás grande prazer tornando a ver os teus companheiros
de infância, já homens, a trabalhar. [...] Hás de ir lá e hás de passar muitas horas em
sua companhia, estudando a vida e o mundo, aprendendo com eles muitas coisas que
outros não te saberiam ensinar, a respeito das suas artes, da sua sociedade e do teu
país. E nota que, se não conservares estas amizades, será difícil que adquiras outras
semelhantes no futuro; amizades, quero dizer, fora da classe a que pertences; viverás
assim numa classe só, e o homem que freqüenta uma só classe social é como o estudioso
que não lê senão um livro. [...] começa desde já a preferi-los, por isso mesmo que são
filhos de operários. Os homens das classes superiores são os oficiais, e são os operários
os soldados do trabalho; mas assim na sociedade como no exército, o soldado não é
menos nobre do que o oficial, porque a nobreza está no trabalho e não no dinheiro; no
valor e não nos galões; mas se há uma superioridade no mérito, pertence esta ao
soldado e ao operário, porque tiram menor proveito da própria obra. Ama, pois, e
respeita, entre todos os teus companheiros, os filhos dos soldados do trabalho; honra
neles as fadigas, os sacrifícios de seus pais, despreza diferenças de fortuna e de classe,
pelas quais só os homens vis regulam os sentimentos e a cortesia, e pensa que o sangue
abençoado que resgatou a nossa pátria saiu quase todo das veias dos operários das
oficinas e dos trabalhadores dos campos. [...]44
44
De Amicis, 1956:229-230.
45 Lajolo, 1982:15.
46 Bastos, 2004.
Os contos patrióticos
O foco principal dos contos mensais — O patriotazinho de Pádua, O pequeno
vigia lombardo, O pequeno escrevente florentino, O tamborzinho sardo, O en-
fermeiro de tata, Sangue romanholo, Valor cívico, Dos Apeninos aos Andes e
Naufrágio — e dos temas das aulas — Os funerais de Victor-Emmanuel II, O
conde Cavour, O rei Humberto, José Mazzini, Garibaldi etc. — são os valores
cívicos. No caso dos temas das aulas, destacam-se as personagens da história po-
lítica italiana recente.
Os contos mensais, com local e data nem sempre explicitados, trazem
histórias exemplares e edificantes. O objetivo é fornecer exemplos de conduta
universais, expressos pelos feitos gloriosos daqueles que lutaram em defesa da
unidade italiana. Indivíduos cuja ação é apresentada como decisiva para a
construção da unidade do país. Dá-se destaque aos acontecimentos e perso-
nagens da história política e militar, bem ao gosto de certa historiografia
oitocentista, cujo foco recaía sobre os “grandes homens” e seus feitos. Esse
modelo de escrita da história como história-memória da nação esteve em
voga tanto na Europa quanto no Brasil, encontrando seus críticos, sobretudo
no fim do século XIX.47
Além do apelo à história dos “grandes homens”, também é interessante
observar, como fez Pécout, que De Amicis foi buscar inspiração para sua obra,
com o objetivo de definir uma “estética do coração”,48 na leitura de um livro
intitulado O amor, publicado na Itália em 1877. O autor desse livro é visto como
símbolo de uma historiografia considerada vitalista e sentimental: o francês Jules
de Michelet (1798-1874). Para esse historiador, o postulado de todas as virtudes
individuais e sociais é o amor, definido como a base da própria sociedade. Somen-
te uma reforma coletiva seria capaz de promover algo além do progresso material
e intelectual, que são alvos de sua crítica. Michelet almeja um progresso moral,
que acredita ser possível por meio da educação. Uma educação para a “cidade
47 Para uma introdução à historiografia oitocentista, ver, por exemplo, Carbonell, [s.d.]:91-
110.
48 Essa expressão é utilizada por Mimi Mosso, apud Pécout, 2001:382, nota 2.
ideal”, que atribui importante papel à família, vista como uma espécie de ensaio
para a formação patriótica e, mesmo, democrática.49
Segundo Pécout, De Amicis era um leitor atento de Michelet. Contudo, na
aplicação de sua “pedagogia do sentimento”, o italiano teria optado pela criança
como principal agente da história, diferentemente de Michelet, que escolhera a
mulher50 e também o povo, seu herói por excelência. De acordo com Bourdé e
Martin, Michelet “foi o primeiro a atribuir uma importância decisiva à interven-
ção das massas na história”.51 Mas, além dessa diferença, cabe destacar a distância
que os separa quanto aos temas escolhidos: de um lado, De Amicis e sua história
política e militar, o cotidiano da escola e da vida familiar; de outro, Michelet,
interessado na “ressurreição do passado integral”. Em comum, o desejo de uma
reforma moral coletiva. No caso do livro de De Amicis, as crianças atuam como
uma espécie de embrião da progressiva transformação da sociedade. Entre outras
coisas, é por meio delas que essa transformação é apresentada como possível.
Conclusão
Para Maria Helena Câmara Bastos, assim como para Umberto Eco, De Amicis
apresenta uma visão idealista da sociedade, que minimiza as tensões, as injustiças
e as diferenças sociais, naturalizando a pobreza e omitindo conflitos de classe.52
Mesmo concordando em parte com essa interpretação, é possível ir além na leitu-
ra de Coração, sem perder de vista sua historicidade.
Se, por um lado, De Amicis idealiza a sociedade e os atores sociais,
minimizando conflitos, trata-se de um livro que, inegavelmente, desenvolve uma
temática social em consonância com as demandas de sua época, situando a crian-
ça como protagonista da história (algo raro até então) e atribuindo um lugar
especial aos trabalhadores na construção da nacionalidade e na difusão de um
49 Sobre Michelet, ver por exemplo Hartog, 2005:13-29; e Bourdé e Martin, s.d.:82-96. Cabe
lembrar que Michelet foi professor da Escola Normal francesa e autor de manuais de história.
50 Para Pécout (2001:382-384), a verdadeira inovação do livro de De Amicis é a centralidade
atribuída às crianças na história. Diga-se de passagem que, ao longo da segunda metade do
século XIX e início do XX, observa-se a construção do “sentimento da infância”, acompanha-
do pela difusão de saberes sobre a criança. Ver Ariès, 1978.
51 Bourdé e Martin, s.d.:82, 90-91.
52 Bastos, 2004:12-13; e Eco, 2001a.
54
Essa proposta de revalorização do trabalho e do trabalhador não nasceu com a República.
Ela se articulava há pelo menos duas décadas e tinha relação direta com o enfrentamento da
questão servil. Ver, por exemplo, Gomes, 1988:36, 41.
55 Gomes, 1988:37.
56 Ibid., p. 37 e 41.
57 Gomes, 2003:122.
58 Botelho, 2002:34.
59 Pécout, 2001:378, 384, 388, 482-483.
60 Nas palavras do autor: “O risorgimento, como a esta fase da sua vida nacional chamam
os italianos, é propriamente uma resultante do trabalho gigante de uma nova educação,
não feita somente nas escolas, porém nas universidades, na imprensa, nos livros e na
tribuna”. Outro país citado pelo autor como inspirador para o Brasil era a França. Ver
Veríssimo, 1985:50.
61 Exemplos de estudos sobre história do ensino de história, que analisam compêndios e livros
didáticos: Mattos, 2000; Hansen, 2000; Reznik, 1992; Munakata, 2003; e Gasparello, 2004.
62
Rüsen, 2007:121-133; e Le Goff, 1990:22, 47-48.
63 Rüsen, 2001:57.
Capítulo 3
Terra fluminense: educação cívica foi publicado pela Imprensa Nacional, na cida-
de do Rio de Janeiro, em 1898. Seu formato, que nos lembra os atuais pocket
books, facilitava o manuseio e a circulação por vários espaços extraescolares. O
livro mede 16 cm de altura e 11,5 cm de largura. A única gravura presente na obra
encontra-se na capa. Em primeiro plano, ao centro, um globo terrestre escolar é
ladeado, à direita, por um livro aberto e, à esquerda, por uma folha de papel
escrita, um tinteiro e uma pena. Ao fundo, há representações da natureza: folha-
gens e plantas. Representa-se, assim, que o conhecimento sobre um lugar deve
unir os saberes dos letrados, formalizados pelos livros, e a realidade geográfica.
Como analisarei mais adiante, essa relação foi desenvolvida ao longo das 74 pági-
nas que compõem o livro.
Terra fluminense foi o primeiro fruto da parceria dos dois autores, que se
estendeu pela primeira década do século XX.6 Abrindo o livro há uma nota apre-
sentando os objetivos que pretendiam alcançar:
não poupamos esforços para escrever um livro original, em que a criança encontrará,
sumariamente indicadas, toda a vida política, toda a vida moral e toda a vida comer-
cial da Terra Fluminense. Neste livro, a História e a Fantasia andam unidas; e procu-
ramos aproveitar os assuntos de maneira que pudessem eles interessar não somente à
inteligência, mas também ao coração das crianças. A grande e a pequena lavoura, as
origens da civilização e do trabalho, as indústrias, os aspectos da natureza, o comércio,
a formação dos núcleos geradores do progresso, a evolução política, o passado, o
presente e o futuro do Estado do Rio de Janeiro estão, parece-nos, resumida e clara-
mente contidos nesta obra. Quisemos fugir da aridez, da forma complicada e da
banalidade, ao mesmo tempo dirão os competentes se nos saímos bem da empresa. E
se nestas poucas páginas sinceras a criança aprender a amar a sua pátria, estarão
satisfeitos os desejos de Coelho Neto e Olavo Bilac.7
O estado do Rio de Janeiro é esta imensa faixa de terra que, posta ao longo do Oceano
Atlântico, em uma extensão de setecentos quilômetros, vem desde as margens férteis
7
Coelho Neto e Bilac, 1898:1.
8 Seguindo o modelo biográfico de Romero, 1890.
9 Bilac e Bomfim, 1962:v-xi.
do rio Itabapoana até o verde sopé da serra de Paraty — confinando de um lado com
Espírito Santo, Minas e S. Paulo, e do outro lado abraçado pelo mar, caminho largo e
franco que a põe em comunicação com o resto do mundo.10
Definiu-se, então, uma verdadeira tarefa ideológica de elaborar uma literatura escolar
carregada de valores nacionais, que desse ao mesmo tempo o modelo culto da língua
tradicional e o modelo adequado à jovem nação. Essa tarefa foi desenvolvida de ma-
neira marcante pela geração de escritores cuja maturidade coincidiu com a República.
Foi uma espécie de grande tarefa ideológica, ligada ao esforço educacional do novo
regime; e ela manifesta, de forma curiosa, as contradições de uma elite dominante que
precisava atingir a totalidade da nação, quando atingia os setores limitados em que se
recrutavam os seus quadros e respectivos auxiliares.11
Às três horas da tarde, de uma barca que chegava, saltou um moço dando vivas à
República, a Deodoro e a Benjamim Constant. E foi dos seus lábios que todos ouvi-
ram a grande notícia. O governo do Império capitulara. Deodoro, aclamado pelo
povo e pela tropa, era vencedor; e os populares, reunidos no Paço da Câmara Muni-
cipal, acabavam de declarar estabelecido o regimen republicano. Ouvindo isso, a mul-
tidão se agitou com entusiasmo, e um só grito delirante saiu de todas as bocas:
— Viva a República!
Então, um menino, que acompanhando o pai assistia àquela cena, perguntou:
O pai tomou-o nos braços, beijou-o, e disse-lhe com as faces coradas de júbilo e os
olhos flamejantes de orgulho:
— Viva a República!12
O Estado do Rio de Janeiro, produtor e florescente outrora, atravessa hoje a crise que
avassala o país inteiro. A sua grande lavoura tem desaparecido quase inteiramente,
jazendo abandonadas importantes fazendas, com os seus edifícios em ruína, e que
apresentam, na região de serra abaixo, o aspecto de desolação que me foi dado, dolo-
rosamente, sentir, por ocasião de minha excursão, logo depois de empossado do
cargo de Secretário de Estado, e realizada com o fim de estudar e verificar as nossas
principais necessidades materiais.13
E como agir nesse quadro? Como formar o novo homem do novo regime?
Para tanto eram necessárias duas primeiras lições: conhecer a terra e o ho-
mem.
O capítulo inaugural do livro foi dedicado ao primeiro tema: a terra. Bem
conhecê-la era o princípio básico para amar a pátria:
Para bem amar a pátria é preciso conhecê-la bem. Só quem já estudou todos os seus
recursos, só quem já admirou todas as suas belezas [é] que pode ter o coração cheio de
sua imagem e ser capaz de por ela dar a própria vida. A pátria é mais do que a família,
porque a felicidade de todas as famílias depende da bondade com que a terra alimenta
os seus filhos, e da sua segurança, que é a segurança de todos, e da sua paz, que permite
o trabalho calmo e produtivo.14
Para explorar a sua riqueza, para a amar, para aproveitar — há o homem, seu filho —
não já o homem selvagem que os navegantes de Portugal vieram encontrar, nem o
homem escravo que o sentimento do cativeiro oprimia e desmoralizava, mas o ho-
mem livre e inteligente, aparelhado para a luta e tendo a consciência do seu valor moral
e a presciência do futuro grandioso da terra que lhe foi berço.17
14 Vasconcelos, 1907:5.
15
Ibid., p. 6-7.
16 Ibid., p. 8.
17 Ibid.
É ele que traz da roça para os paióis as riquezas da terra, é ele que vai despejar nos
armazéns das estradas a colheita do lavrador, é ele que conduz os noivos ao templo, ao
alarido festivo da boda, por entre descantes e tangeres; nele também vai a criança
levada ao batismo, e não raro, a hora roxa da tarde, com um triste e calado cortejo de
rústicos, desce nele o esquife de um lavrador pobre, o mesmo carreiro às vezes dono
dos bois que outro leva para caminhos fragrantes.
18 Vasconcelos, 1907:13.
19 Vianna, 1987.
20Há no livro um capítulo dedicado a descrever um dia de trabalho numa fazenda. Coelho
Neto e Bilac, 1898:41-43.
21 Ibid., p. 15-16.
Uma nova fonte de vida se abria no Brasil: ao trabalho incerto e aventuroso das
caçadas do ouro e dos diamantes, ia suceder o trabalho pertinaz e remunerador da
lavoura; a sede imoderada dos lucros imensos e rápidos cedia o passo à nobre ambi-
ção de enriquecer pelo esforço honesto e contínuo, pela gloriosa luta de todos os dias
com a terra, pela paciente cultura do solo.
[...] o café subiu as serras que se alteiam no seio da Terra Fluminense, desceu as
encostas, alastrou-se pelos vales, tomou conta de todo este solo abençoado, onde a
vida se agita numa exuberância prodigiosa. Foi ele que fundou a vida rural do Estado,
congregou os seus filhos nos pontos em que mais ativa a cultura prosperava, criou as
cidades, e atraiu os colonos que, deixando as terras do velho mundo cansadas e
ingratas, vieram dar o esforço dos seus braços às virgens terras generosas.22
Para reafirmar que era apenas pelo trabalho que o homem conseguia a
verdadeira riqueza, os autores reproduziram a história dos “Três grãos de mi-
lho”. Essa história teria sido contada por uma velha rezadeira andarilha, que
cruzava os rincões fluminenses confortando as famílias, pois “alentava as
criancinhas que o quebranto abatia” e “rezava sobre as terras semeadas e o gado
enfermo”. De certa feita, reunidas as crianças, a velha narrara essa história.
Houve, em um momento indeterminado, um rapaz que fora criado com
todo o conforto pelos pais sitiantes. Com o falecimento dos progenitores, herda-
ra o sítio com o celeiro abarrotado de milho e não se preocupou em dar continui-
dade aos trabalhos da lavoura. Fartava-se e, indolente que era, passava os dias na
rede a dormir. Ainda no tempo de fartura, passou por ali um homem pobre
pedindo esmolas, pois possuía apenas uma cabana e dois palmos de terra. O rapaz
atirou-lhe três grãos de milho e o pobre retomou sua peregrinação. Correram os
tempos... O mato tomou o roçado e o paiol esvaziara-se. O rapaz, já homem feito,
pôs-se a esbravejar por seu destino de miséria, quando passou por ali um homem
“corado e forte, em um formoso cavalo”, que se deteve para o auxiliar:
— Morro à fome! Soluçou o infeliz. Morro à fome! Tinha um sítio fértil e as ervas más
o tomaram! Tinha um paiol de milho, e foi-se!... Nada mais tenho!23
Vede bem, meus filhos, vede bem não vos fieis na fortuna — o ouro foge e a terra é um
cofre que devolve centuplicado o que se lhe confia. Com três grãos de milho, trabalho
e perseverança, o pobre conseguiu fortuna; e o rico, porque abriu todas as comportas,
ficando em preguiçoso abandono, não viu escoar-se a fortuna, e achou-se repentina-
mente com a miséria. Aproveitai o exemplo da história que me contaram quando eu
era bem mocinha e vivia feliz como uma garça, à margem da água serena da lagoa de
Araruama...24
Uma estratégia para a construção de uma identidade rural fluminense era a nar-
ração de pequenas histórias de personagens que tinham sua vida a ela ligada,
— Você, em toda essa vida tão comprida, deve ter sofrido muito, hein, pai João?
Ele levantou para mim os olhos quase apagados, e teve um sorriso. Depois começou a
falar, como um pobre preto ignorante que era. Não guardei na memória as suas
palavras, mas guardei o sentido do que elas queriam dizer:
— Toda a gente sofre neste mundo, moço! Mas eu não tenho muita razão de queixa...
É verdade que, nos primeiros tempos, tive de chorar bastante, com saudade da minha
terra... e, depois, o cativeiro, no tempo que havia isso, era uma grande maldade. [...]
Que saudade eu poderia ter agora da África, de onde vim criança? A minha terra é esta,
onde me fiz homem, esta que conheço bem, que lavrei enquanto tive forças e que ainda
hoje, para me pagar o bem que lhe fiz, me dá a sombra das suas árvores e a comida que
me sustenta...25
Esta era sua terra e, não, a África. Fora aqui que ele construíra a vida e, por
isso, a amava como seu verdadeiro torrão.
Outro imigrante que aqui reconstruiu a vida foi um colono napolitano.
Em certa manhã de domingo, após a missa, estava o “quase velho” napolitano
com o olhar perdido na melancolia da saudade de sua terra natal. Fazia, exata-
mente naquele dia, 10 anos que havia deixado a Itália, terra de seus ancestrais e
onde sua esposa jazia no túmulo da família. Sua filha, vendo-o desse modo, inqui-
riu o porquê da melancolia.
— É por causa justamente do dia de hoje que me vês triste, filha! É possível que não te
tenhas lembrado de que foi neste dia, há dez anos, que saímos da nossa terra?
— Mas escute, pai! Por que há de ficar triste? Mais vale esquecer, e viver feliz, gozando
a fortuna que Deus e o seu trabalho lhe estão dando aqui. Olhe! Eu, por mim, estou
disposta a não pensar mais nisso: foi aqui que vi felizes todos os meus, foi aqui que
nasceu o meu filho, o seu neto... porque é que não hei de amar esta terra, como se ela
fosse a minha.
— Tens razão, filha! Esta é a terra do teu filho, esta é a pátria do meu neto... porque é
que não há de ser também a nossa?
O velho Amâncio, um lenhador, teria sido visitado por Olavo Bilac e Coelho
Neto já ao anoitecer. Viveria ele no alto de um morro e, na simplicidade do seu
casebre, esforçou-se para lhes oferecer o maior conforto possível. A sala da casa
“tinha um triste aspecto, mas a pobreza era largamente compensada pelo escru-
puloso asseio”. Em uma das paredes, “perto de vários registros de santos”, um
retrato chamou-lhes a atenção. Era o general Osório.
— Vosmecês estão olhando — disse o lenhador sorrindo. Aquele é o homem que nos
defendeu nos campos da guerra; está perto de Nosso Senhor. A gente acostuma-se a
adorar esses patrícios e acaba fazendo assim como eu faço. Lívia [esposa de Amâncio]
já quis tirar o retrato para outro lugar, porque diz que não é santo. Oh! Mas fez tanto
como se o fosse! Porque salvou a honra do povo, pois não foi? Essa é a verdade,
vosmecês não acham? Deus Nosso Senhor no céu há de aprovar o meu pensamento.
Eu sou assim: tudo por minha terra e pelos homens que fazem bem a minha terra, pois
não é assim?27
Nunca fui medroso, graças a Deus! Mas era moço, era rústico, mal sabia ler e escrever,
e nunca tinha saído da minha província, e amava muito estes sítios... Desde pequeno
que os conhecia a todos de cor: descalço, logo ao romper da manhã saía com sol por
esses campos fora, e assaltava as árvores e subia as serras, e metia-me nas águas do rio,
e deitava abaixo os ninhos, e colhia frutas, e deixava-me ficar dormindo sobre o chão
cheiroso do mato, ouvindo a cantiga dos passarinhos.
Depois, quando tive de trabalhar, ainda senti com mais força crescer no coração o amor
do lugar em que nasci. Vi quanto era boa a terra que nos dava o alimento; e quando,
dado à lavoura, comecei a cultivá-la, adorei-a, vendo-a abrir-se em plantações ricas,
para pagar com tresdobradas recompensas o esforço de que sobre ela suava.
Considerações finais
A guerra era tida, nesse livro, como um dos meios possíveis para se construir a
identidade de um grupo. Ela era citada como exemplo de formação do patri-
otismo. A guerra expressava o amor pela terra que tudo fornecia para seus habitan-
tes. Essa era uma das ideias desenvolvidas por Olavo Bilac e Coelho Neto. O amor
pela terra, por sua pequena pátria, expressão da grande pátria. Formar o cida-
dão fluminense era uma estratégia para a formação do cidadão brasileiro, mem-
bro da nova ordem que se instaurara no país e na qual se depositavam tantas
esperanças.
Os personagens que permeiam o texto bem expressam esse ideal. Eles eram
exemplares, transmitiam, por meio de suas histórias e experiências de vida, o
amor pela terra; um amor natural ou construído com a passagem do tempo. É
interessante destacar que todos os personagens são idosos, significando que eram
guardiões da experiência que só o tempo pode propiciar aos homens. E quase
todos transmitiam seus ensinamentos às crianças e aos jovens. Dessa forma os
literatos procuravam dar uma grande lição aos educandos. Os personagens re-
presentam a experiência positiva, que pode ser ensinada pelas histórias. Já os
jovens são os representantes do novo regime, que devem aprender as boas expe-
riências da história, mas são aqueles nos quais se depositam as expectativas do
futuro.
Outra questão a se destacar é a da formação de uma identidade agrária para
o fluminense. A ligação histórica da região com as atividades agropastoris lhe con-
fere uma identidade peculiar. No caso do livro de Olavo Bilac e Coelho Neto, essa
identidade forma um homem trabalhador que conhece sua terra e a ama por ser ela
o seu meio de vida. O agrarismo é temática presente entre aqueles que se dedicaram
a pensar a identidade fluminense, e gerou interpretações variadas.
No início da década de 1930, Oliveira Vianna, prefaciando a obra de estreia
de Alberto Ribeiro Lamego, A planície do solar e da senzala, retomou reflexões
dos anos anteriores e idealizou o perfil do fluminense.30 Em sua análise, o sociólo-
go criou uma identidade em contraponto aos outros grupos regionais brasilei-
ros. Ao contrário de paulistas, gaúchos e nordestinos, que, em tempos coloniais,
tiveram que conquistar, à força da guerra, suas terras dos nativos, “nós, os
fluminenses, nunca tivemos necessidade de manejar armas”. O fluminense teve
sempre “as duas mãos inteiramente livres, e as pôde aplicar, exclusivamente, no
pastoreio dos seus gados, no desbaste das suas florestas, na sementeira dos seus
campos, na ceifa dos seus canaviais, na colheita dos seus cafezais”. Construiu,
assim, “uma civilização de estrutura essencialmente agrária”, que lhe conferiu
uma especificidade, uma identidade, no conjunto das sociedades regionais que
compunham o Brasil. E essa civilização, “no sentido mais espiritual da expres-
são”, era caracterizada pela “expressão de polimento, de boas maneiras, [...] da
suntuosidade, da predileção pelas coisas do espírito, pelas belas-artes, pelas boas
30 Vianna, 1991:75-82. As citações que se seguem são desse texto, em que Oliveira Vianna
retoma argumentos de um de seus livros da década de 1920: Populações meridionais do
Brasil.
letras, pela sociabilidade amável e requintada dos salões”. Era o “mais europeizado
dos nossos tipos”, o que mais havia sofrido influência dos europeus. Algo que
permitiu que compartilhasse o fausto deles. Compartilhamento de valores que
agiu de “maneira nociva sobre as suas características etnográficas”. Uma civiliza-
ção que conheceu seu apogeu durante o Império, com a aristocracia de Vassou-
ras, e que, com a desorganização da sociedade escravocrata, entrou em declínio.
Declínio não só econômico, mas também identitário, pois
A lavoura, após o grande colapso, pouco a pouco se foi reanimando, graças ao braço
do foreiro adventício, que, espontaneamente e de boa vontade, deu-lhe o que antes lhe
era dado com constrangimento e por obrigação. A disseminação do novo elemento [o
liberto] colaborador, pelo vasto território da província, fortaleceu a luta para novas
Sua opinião sobre o íncola unia um sentimento de admiração por seu estilo
de vida e o estranhamento de um homem “urbano/civilizado”, que não vivia
naquele mundo. Em vários momentos, observa-se o uso de termos preconceituosos,
como “rude”, “ingênuo” e “supersticioso”, para caracterizar o campônio do esta-
do do Rio.
O homem fluminense não era indolente para o trabalho. Pelo contrário,
reunia seus companheiros num “mutirão ou muxirão” para preparar o solo para
o plantio. E, na lida, cantava versos em defesa do trabalho: “o pão que há de vir da
terra e o fruto que há de brotar das árvores”. Lamego batia-se contra a imagem
do Jeca Tatu, indolente e preguiçoso. O fluminense do pós-abolição era o liberto
“tão radicado no solo como aos usos e costumes, é bem um homem rude, mas de
qualidades apreciáveis: é prestativo, trabalhador e honesto. Não é o jeca que
modelaram em tipo amolentado, incapaz de uma iniciativa [...]”. Trabalhava o
suficiente para obter o sustento e o mínimo de conforto para si e para sua família.
Lutava para obter seu teto “tão desejado e ordinariamente por ele construído” de
pau-a-pique. Era um homem ligado ao seu mundo rural, “alheado inteiramente
ao que se passa fora do rincão em que vive, só interessam os afazeres a que se
dedica com pertinácia”.
E foi nesse mundo que ele construiu seus valores. Era, segundo Lamego,
“supersticioso”, acreditando em mulas-sem-cabeça, lobisomem, saci-pererê,
curupira etc. Era religioso, de uma religiosidade tipicamente rural, que unia os
símbolos católicos às práticas da medicina popular:
Para Lamego, o fluminense era cantador. “Para encher as horas com algu-
ma alegria”, buscava a viola, “que lhe conhece e que em harmoniosos acordes o
acompanha nas canções que improvisa e que, no momento, tão bem lhe expri-
mem o seu estado d’alma”, ou, então, que servia para manter os cantos usuais das
festas costumeiras: as bandeiras do Divino, a mana-chica, o samba rural.
Se, por um lado, há Oliveira Vianna, que interpreta a identidade popular a
partir de um corte aristocrático, constituída pelos barões do café do vale do Paraíba,
O tempo presente nos convida a repensar não só o que estamos ensinando, mas
como estamos ensinando, para apresentar possíveis soluções às demandas de uma
sociedade que precisa ser cada vez mais democrática e inclusiva. Seria possível
resolver os problemas da prática docente de história tendo ainda como modelo a
criatividade das instituições do século XIX, assim como as demandas e recursos
desse século? Por outro lado, não podemos esquecer que “os saberes acumulados
numa tradição de conhecimento foram histórica e socialmente constituídos e,
portanto, exprimem as soluções inteligentes que as gerações, ao longo dos tem-
pos, souberam e puderam encontrar”.1 Não se pode considerar o que foi realiza-
do no campo do ensino de história como algo descartável. Torna-se fundamental
revisitar esse campo para apontar caminhos ou para refletir sobre possíveis
descaminhos no presente.
De modo geral, as abordagens sobre o ensino de história nos grupos de
pesquisa, seminários e congressos revelam que, em quase dois séculos, a história
do Brasil permaneceu, em nossa cultura escolar, centrada na perspectiva linear
eurocêntrica. Nossa história é narrada sob o ponto de vista europeu. A explica-
ção para essa constatação nos remete a duas instituições criadas no governo
monárquico e responsáveis pela geração de tal vertente: o Imperial Colégio Pedro
II (1837) e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838). Enquanto o IHGB
propunha modelos para construir a história do Brasil, o Colégio Pedro II elabo-
4 Serrano, 1968:21.
5 Woodward, 2000:85.
6 Ortiz, 1994:139-140.
7
Cf. Vechia e Lorenz, 1998:304.
8 Oliveira et al., 1980:38.
9 Serrano, 1941:54.
O Brasil, este nosso Brasil que nasceu, em sincronismo dos mais dignos de registro,
com o ciclo mesmo da Modernidade. Sabemos perfeitamente que os Tempos Moder-
nos começaram com um vasto e complexo conjunto de grandes acontecimentos:
invenção da imprensa, Renascimento, descobrimentos marítimos portugueses e
castelhanos — lutas religiosas da Reforma e da Reação Católica. Com eles, entre eles,
na alvorada rubra de um mundo novo e num novo mundo, nascia o Brasil — nascia
para a cristandade e nascia para a civilização e para a História propriamente dita.11
10
Serrano, 1968:41.
11 Serrano, 1941:57.
12 Serrano, 1930:40.
O século XVII foi analisado pelo autor como um século de guerras: guerra
contra índios, contra os franceses, contra os holandeses, contra os negros. No
entanto, foi nesse contexto turbulento que o sentimento nativista cresceu, impul-
sionando o embrionário desejo de liberdade. No bojo dessa “luta sem tréguas, do
choque de tantos elementos, nasceu, já vitorioso desde seu berço, o sentimento
nativista. Pode-se dizer que a raça brasileira e o próprio Brasil nasceram em meados
do século XVII”.17 A nova raça brasileira, resultado da mestiçagem, tivera “a
consciência de sua força em 1640, quando, apesar das ordens do rei de Portugal,
apesar do abandono das forças da Metrópole, que se retiraram do campo de
batalha, não hesitou em continuar a luta sozinha, pois já então aspirava à liber-
dade”.18 Como defensor da ideia de que a linha evolutiva da história do Brasil
deveria ser traçada pelo branco colonizador, via este como o elemento nacional
qualificado para compor a nação.
No capítulo nove de seu livro, sobre os jesuítas, Serrano destaca a ação de
d. João III de enviar os jesuítas como “grande benefício”, pois foram os mentores
que possibilitaram a chegada à nossa pátria “da luz da civilização cristã”. Na
concepção do autor, os jesuítas foram instrumentos difusores da religião entre os
“selvagens” e ainda “ensinaram as verdades austeras da moral no meio desregra-
do dos colonos”.19 O jesuíta é visto como o “elemento moral” que dava sentido a
uma sociedade que despontava. O autor destacou os mais preeminentes jesuítas,
entre eles Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Estes foram vistos como instru-
mentos valiosíssimos na catequese dos índios, constituindo-se no mais “impor-
tante dos elementos que concorreram para a formação do Brasil”.20
Vale dizer que havia em Serrano um sentimento de gratidão em relação à
colonização portuguesa pela herança cristã e católica. A nação brasileira deveria
ser grata por ser “em grande parte um produto da vontade pertinaz e do sacrifício
contínuo e superior dos discípulos da Companhia de Jesus”.21 A Companhia de
Jesus era vista, pois, como uma das bases da construção da nação. Os padres
teriam tido, segundo sua avaliação, um papel relevante na educação brasileira.
17 Serrano, 1968:205.
18 Ibid.
19
Ibid., p. 103.
20 Ibid., p. 110.
21 Serrano, 1930:40.
22 Serrano, 1968:255.
23
Ibid.
24 Ibid., p. 253.
25 Ibid., p. 253-254.
26 Serrano, [s.d.]:20.
27 Reznik, 1992:211.
28 Ibid., p. 211.
realizaram uma obra notável de construção, permitindo que, em pouco mais de meio
século de existência, o Brasil se tornasse apto a governar-se por si mesmo, não obstante
a sua extensão imensa e o seu imenso atraso, comparada a sua vida econômica,
intelectual e política com a das outras nações livres. Vertiginoso foi o progresso reali-
zado na segunda década do século XIX — finda a agitação interna do povo e realizada,
graças a Caxias, a unificação estável e definitiva da nacionalidade. O intercâmbio
intenso com a Europa implantou logo nos grandes centros brasileiros os requintes da
Civilização. A indústria, com Mauá, tomou extraordinário incremento. No domínio
da literatura floresceu o Romantismo fecundo e livre. Foram abandonados de vez os
modelos portugueses e a França passou a exercer influência, não só em nossas letras,
como também em nosso meio de viver.31
33 Serrano, 1968:253
34 Hobsbawm e Ranger, 1984:9.
35
Motta, 1992:22.
36 Ibid., p. 20-21.
37 Ibid., p. 22.
38 Serrano, 1968:309.
39 Ibid., p. 325.
40
Ibid., p. 405.
41 Ibid., p. 330.
42 O Brasil (Arquivo Nacional, Arquivo Privado de Jonathas Serrano, caixa 13), p. 6.
Encerra-se, com a Praieira, o ciclo das revoluções, que assinala o primeiro decênio do
segundo reinado. Em todas — excetuando a última — o vulto de Caxias se impõe ao
respeito e à gratidão nacional pelo valor inestimável de sua obra de Pacificador, sal-
vando a unidade da Pátria.46
Para Bittencourt, o herói duque de Caxias sempre foi uma figura presente
no discurso do livro didático como “representante da unidade nacional”. Entre-
tanto, só a partir de 1937, no Estado Novo, Caxias passou a fazer parte das come-
morações nacionais. No calendário escolar havia um dia dedicado ao defensor
“da segurança nacional”. Em meados da década de 1930, os compêndios escolares
começaram a destacar os feitos desse soldado como “cidadão defensor da Pá-
tria”.47 Há uma valorização de Caxias como combatente dos inimigos internos,
os considerados rebeldes ou perturbadores da ordem estabelecida, mas também
dos externos, por suas atuações na Guerra do Paraguai.
43 Carvalho, 1995:51-56.
44 Serrano, 1968:335.
45 Ibid., p. 341.
46 Ibid., p. 344.
47 Bittencourt, 2000:60.
48 Bittencourt, 2000:412.
49
Serrano, 1968:383.
50 Carvalho, 1995:55.
51 Ibid., p. 39.
52 Serrano, 1968:394.
53 Ibid., p. 395.
Oswaldo Cruz. Citou ainda a reforma Pereira Passos, que muito contribuiu para
o embelezamento da cidade do Rio de Janeiro.54
Segundo José Murilo de Carvalho, o modelo americano de república im-
plantado no Brasil diferenciou-se de forma marcante em relação ao dos Estados
Unidos. A nossa versão de república era de viés positivista; em nome do progres-
so, condenava-se a monarquia. Na linha dessa corrente, era imprescindível ocor-
rer a separação oficial entre Estado e Igreja, com “a imposição de um Executivo
forte e intervencionista”. Ora, a viabilização do “progresso” estava atrelada à
concepção de “ditadura” e isso só ocorreria mediante a ação estatal.55 Para Serra-
no, a república significava progresso para a nação, parecendo-lhe natural a esco-
lha de Deodoro da Fonseca para presidente, pois “fora ele o fundador do novo
regime, o chefe do Governo Provisório e, além disso, gozava de prestígio sem
igual entre os militares que o estremeciam como a um ídolo. Imprudente era até
uma oposição à sua candidatura”.56 O autor não questiona a viabilização do
“progresso” pela via autoritária.
Em linhas gerais, o conteúdo apresentado no período republicano tam-
bém baseou-se nas ações presidenciais e em seus feitos em prol da nação, ou ainda
nos acontecimentos considerados pelo autor como marcantes e mais representa-
tivos da época. De Deodoro da Fonseca até Washington Luís, Serrano dedicou-se
a destacar os atos presidenciais considerados por ele importantes; afinal, estes
brasileiros, dirigentes do Estado, estavam comprometidos com a construção da
ordem e do progresso. Isso não quer dizer que não houvesse conflitos. Diversas
revoltas e lutas civis foram relatadas, mas o que prevalecia era um sentimento
comum de preservação da paz nacional.
No discurso didático de Serrano, pode-se observar uma certa preocupação
em resgatar uma memória histórica que promovesse determinados personagens
a modelos de brasilidade, servindo como exemplos para os jovens estudantes, que
deveriam conhecer bem o passado para defender os interesses da pátria. Voltar ao
passado e reescrever a história significava criar uma tradição, categoria essencial
na construção da nacionalidade.57 Parece-me que Serrano secundarizou os con-
54 Serrano, 1968:454.
55
Carvalho, 1995:27-29.
56 Serrano, 1968:431.
57 Oliveira, 1987:65.
flitos sociais, privilegiando as ações dos líderes estatais. Apesar de o nosso povo
ter se constituído pela miscigenação entre as “três raças”, não se configurou um
perfil homogêneo, e sua unidade só foi garantida pela dominação do branco/
português sobre as demais (a indígena e a negra). Enfim, para o autor, nossa
história foi protagonizada pelos dirigentes da nação.
Capítulo 5
O título deste capítulo é, por um lado, uma alusão a uma ideia forte presente no
texto didático eleito como objeto de investigação e, por outro, quer materializar,
como metáfora, parte dos percursos que informam e circunscrevem a construção
do que desejamos estudar. Os cruzamentos providenciais referem-se não só ao
inesperado que a própria prática de pesquisa pode ocasionar, como também à
dimensão circunstancial das histórias de trajetórias de autores e livros.
Em setembro de 2000, em pesquisa na biblioteca particular de Octávio
Tarquínio de Sousa e Lúcia Miguel Pereira, ao manusear o livro História do
Brasil, de autoria de Tarquínio de Sousa e Sérgio Buarque de Holanda, publicado
em 1944 pela José Olympio Editora, tive uma grata surpresa: um envelope con-
tendo duas cartas jazia esquecido entre as páginas 180 e 181.
Gilberto
agrícola do Brasil oferecida neste ensaio desde 1933 (Veja-se na mesma História o
capítulo “Desenvolvimento econômico”, Seção I — “A vida rural: desenvolvimento da
agricultura”, especialmente p. 139-143).
A maneira pela qual você redigiu essa nota fere menos a minha vaidade do que a minha
dignidade intelectual, visto que a História do Brasil foi publicada como de autoria
minha e do Sérgio, sem discriminação das partes feitas por ele ou por mim. Uma obra
assim, não se pode, sem amesquinhar um dos autores, atribuir ao outro qualquer prima-
zia. Acresce que o meu nome, graças à exemplar modéstia do Sérgio, figura em primeiro
lugar. Ninguém entre nós admira e respeita mais do que eu o Sérgio, hoje um dos meus
mais íntimos e queridos amigos. O mais curioso, entretanto, é que todo o capítulo a que
você se reporta é de minha inteira e exclusiva autoria, embora de responsabilidade comum.
Tenho em meu arquivo os originais manuscritos que provam essa asserção.
Não imagina você com que espanto li sua carta. Pois não se concebe que consciente-
mente eu escrevesse uma palavra capaz de ferir a “dignidade intelectual” de um amigo
tão do meu afeto e da minha admiração. Examinei(narei) calmamente o caso. O
trecho citado de História do Brasil — sua e de Sérgio — refere-se à História Colonial
do nosso país, especialidade de Sérgio. Mais do que isso: sobre colonização agrícola ou
agrária do Brasil, assunto muito de Sérgio. Era assim natural que eu atribuísse aquele
trecho a Sérgio. Foi o que fiz. De modo nenhum concordo — outro ponto — em que
dizer-se do autor de um livro — de um dos autores — que o escreveu de colaboração
com outro, importe em diminuição para qualquer dos autores. [...] Não atribuo a
Sérgio a primazia como autor da História do Brasil. Apenas julguei-o — no que errei
— autor de um trecho do capítulo que, pelo assunto, interpretei como sendo dele,
mais especializado do que você em história colonial do Brasil. Esta é a explicação
franca e honesta. Julgo o autor do excelente livro que é José Bonifácio capaz de escrever
não só o capítulo em questão, como trabalhos de importância ainda maior.
Dignidades autorais à parte, sem dúvida um sinal que guarda seu quinhão
de relevância, as cartas transcritas permitem afirmar que a história de um livro,
em especial os destinados ao mundo escolar, é, em certa medida, a história de seus
usos e apropriações sociais, no tempo presente de sua elaboração e nos tempos
outros, aqueles que, para nós, e para o caso específico do manual em questão,
apontam para seus “futuros passados”.1 Na procura destes, uma biblioteca particu-
lar, para além do lugar de coleção construída e expressão de identidades intelectuais,
pode se tornar o sítio arqueológico no qual vestígios os mais inusitados venham a
surpreender o pesquisador-leitor e alertá-lo: há aqui sinais de vida! Em outras pala-
vras, cruzamentos existenciais e providenciais que nos interessam situar.
Octávio Tarquínio de Sousa e Sérgio Buarque de Holanda, amigos íntimos
pelos idos da década de 1940, só assinaram conjuntamente um único texto: Histó-
ria do Brasil, manual didático destinado, nos termos da época, à 3a série do curso
secundário, ciclo ginasial, volume integrante da coleção Livro Escolar Brasileiro,
lançada pela José Olympio Editora.2
Restrito a uma única edição, o manual em análise se afigura como sintoma
de algumas características do ambiente intelectual onde atuavam, entre outros,
os missivistas-autores, todos, a despeito das diferenças, envolvidos com a pers-
pectiva de fundar e fazer circular novas interpretações do Brasil, em tempos de
intensas formulações acerca do moderno e da modernidade, nessa sociedade.
Nesses termos, a investida na produção de narrativa didática, destinada a
alunos do ciclo ginasial, parece-me, na qualidade de projeto intelectual, iniciativa
relevante e que merece alguma reflexão. Objetivo, nos limites deste texto, realizá-la
a partir de três eixos: i) a identificação da trajetória e da inserção dos autores do
manual nas sociabilidades de uma comunidade interpretativa e intelectual; ii) a
caracterização sucinta das políticas governamentais de controle sobre livros e pro-
gramas escolares na época; e, especialmente, iii) a análise da narrativa didática em
foco, no que se refere à centralidade do uso de alguns argumentos e conceitos.
Trajetórias e sociabilidades
Em 1944, Octávio Tarquínio de Sousa, aos 55 anos de idade, ainda um dos minis-
tros do Tribunal de Contas da União, era o diretor da coleção Documentos Bra-
perspicaz editor, qual seja, a aposta no mercado dos “manuais escolares”. A meu
ver, algo mais ali se corporificava no que respeita ao jogo de interesses e motiva-
ções entre editores, autores e leitores, a saber: a aposta em fazer circular novas
interpretações sobre a formação histórica do Brasil.
Assim, no caudal das releituras do passado brasileiro, firmaram-se e
retroalimentaram-se identidades intelectuais que, como as cartas citadas pontu-
almente registraram, não vieram apenas suscitar enfrentamentos entre dignida-
des autorais, mas também contribuíram para a formação de uma comunidade
interpretativa empenhada nas ressignificações da escrita da história.
Cruzamentos providenciais
12 Para uma interessante discussão sobre essas transformações, ver Reznik, 1992, em especial
o capítulo II: “O lugar da história do Brasil”, p. 45-149.
13 Os capítulos correspondiam a uma ordenação das temáticas a serem abordadas na série
em questão, a saber: I — O descobrimento; II — Os primórdios da colonização; III — A
formação étnica; IV — A expansão geográfica; V — Defesa do território; VI — Desenvolvi-
mento econômico; VII — Desenvolvimento espiritual; VIII — O sentimento nacional; IX — A
independência. Cf. Sousa e Holanda, 1944:7-8.
18
Sousa e Holanda, 1944:116-117.
19 Ibid., p. 139.
20
Sousa e Holanda, 1944:76.
21 Ibid., p. 11-30; Holanda, 1995:29-40.
22 Cf. Sousa e Holanda, 1944:76.
É possível que para a conquista e desbravamento das nossas terras, esses homens mais
ousados do que previdentes fossem em verdade os melhor indicados. Em país tropical
e cheio de problemas imprevistos, não existia, talvez, lugar para o trabalho tenaz e
paciente do lavrador europeu.26
A importância singular dos povos tupis no estudo da história do Brasil está em que, de
todos os grupos indígenas, foi esse o que verdadeiramente se incorporou à população
de origem européia, transmitindo-lhe muitos dos seus costumes e de seu temperamento e
caráter. O fato de terem encontrado a maior parte de nosso litoral povoado de gente de
estirpe comum, falando do Norte ao Sul o mesmo idioma, foi certamente providencial
para os colonos. Pode-se quase dizer que as migrações tupis prepararam terreno para a
conquista do Brasil pelos portugueses. Onde surgiam claros na dispersão dos tupis,
também se interrompia, não raro, a obra colonizadora. Assim sucedeu, por exemplo,
em vários pontos do sul do atual Estado da Bahia e do norte do Espírito Santo.27
À guisa de conclusão
Muito mais poderia ser dito sobre o manual didático aqui tomado como objeto
de reflexão. Espero que os eixos inicialmente propostos — “a identificação da
trajetória e da inserção dos autores nas sociabilidades de uma comunidade
interpretativa e intelectual, a caracterização sucinta das políticas governamen-
tais de controle sobre livros e programas escolares e a análise da narrativa didáti-
ca em foco” — tenham, em alguma medida, nos seus cruzamentos, configurado
uma interpretação sobre alguns dos valores e significados da História do Brasil de
Octávio Tarquínio Sousa e Sérgio Buarque de Holanda.
Se os cruzamentos providenciais que informaram chaves interpretativas
do texto e dos autores em questão me motivaram a pensar sobre estes, acredito
que ainda há o que investigar. Se isso é o álibi, como estratégia retórica, para fazer
do ponto final uma possibilidade de novas indagações, que assim seja, arrisco.
De todo, entretanto, nessa lógica, vale uma última consideração: a de que,
nos tempos de produção daquele manual escolar — décadas de 1930 e 40 —,
tempos de apostas numa possível reinvenção da escrita da história do Brasil, as
conexões e intercâmbios entre as interpretações do que hoje conceituamos como
historiografia acadêmica e historiografia didática, tratadas por vezes como sea-
ras distintas, fossem de outra natureza, com fronteiras mais porosas, ao estilo de
cruzamentos providenciais. Ao nos debruçarmos sobre essa hipótese, comprova-
da ou não, quiçá tenhamos muito a aprender.
Quem por acaso folhear a História do Brasil verá um povo cheio de esperança.
Desde criança, lutando para ser livre varonil.
* Este texto faz parte de projeto de pesquisa Viriato Corrêa: História, Memória e Ensino de
História, em início de desenvolvimento.
** Pesquisadora sênior do Cpdoc/FGV e professora titular de história do Brasil da UFF.
*** Graduanda de história na UFF e bolsista de iniciação científica da Faperj (2006/2007) no
Cpdoc/FGV.
seja, alcançara, se isso é possível, uma dupla imortalidade, pelo menos aos olhos
dos amantes do Carnaval, a grande festa do povo brasileiro. Outro fato destaca-
do fora o discurso emocionado do presidente da ABL, Austregésilo de Ataíde,
apontando para a perda inestimável do “guia da formação espiritual das gera-
ções, nas quais infundiu o sentido do livre exercício da democracia, o primeiro e
mais honroso dever do cidadão”.3
É bom então recordar que a ABL, desde sua organização no fim do século
XIX, estabelecera como norma diretiva o não envolvimento de seus imortais com
a política, assunto perigoso e claramente do gosto dos mortais, como se sabe.
Além disso, desde 1964, quando se instalara o regime militar no Brasil, a ABL
sofrera certos estremecimentos em função da conjuntura política, o que envolve-
ra, inclusive e diretamente, o próprio Viriato Corrêa. Isso porque, pelo menos
segundo notícias de jornal, aventara-se a apresentação do nome do general presi-
dente Castelo Branco a uma cadeira na Casa, o que motivara uma declaração
sintética e incisiva do autor de literatura infantil: “A ABL não é para militares”.
Até que ponto a “candidatura” tinha fundamento ou era um mero boato talvez
jamais se saiba, mas muito provavelmente Viriato não tenha falado apenas por si,
embora assumisse, pessoalmente, a responsabilidade por suas declarações.4 De
toda forma, a saudação de Austregésilo de Ataíde alguns anos depois desse episó-
dio, destacando o exercício da democracia como o primeiro e mais honroso dever
do cidadão brasileiro, não deve ser encarada como ingênua. Afinal, profissionais
da palavra e profissionais em se esquivar da política, os acadêmicos da ABL (e
também os das escolas de samba) sabiam fazer política à sua maneira. Breve e
certeiro, o presidente apontava o significado que a ABL queria dar à obra de
Viriato Corrêa em 1967: ela devia ser compreendida como uma contribuição
fundamental ao aprendizado da democracia; ela materializava a preocupação e a
contribuição dos intelectuais brasileiros com a formação das novas gerações no
respeito e amor à liberdade. Este seria o legado de Viriato Corrêa à literatura e à
cultura do país. Esta seria a memória a ser cultivada por todos, no exato momen-
to em que o velho acadêmico, não apenas metaforicamente, tornava-se imortal.
Portanto, vale igualmente notar que não era tão frequente e natural ver os
salões da ABL repletos de personalidades tão distintas, e distintas em vários senti-
dos. O clima político era difícil, embora ainda não se soubesse o quão mais difícil
se tornaria após dezembro de 1968, quando desabaria sobre o país e suas manifes-
tações políticas e culturais o Ato Institucional no 5, que acabou pondo fim às
esperanças de retorno à democracia, tão decantada em discursos no Congresso
e tão demandada em passeatas nas ruas de várias cidades durante os anos de 1967
e 1968. De certa forma, visto a posteriori, o ano de 1967 foi um ano liminar. Mas
também foi agitado e surpreendentemente glorioso, pelo menos para Viriato
Corrêa.
A razão principal, como já antecipamos, foi ter sido homenageado com a
escolha de seu livro, História da liberdade no Brasil, para tema do enredo do
Salgueiro, com tudo o que se tem direito: cenário, fantasia, canto, dança, aplausos
etc. Para um homem de teatro, como Viriato, tornar-se tema do desfile de uma
escola de samba, e de uma grande escola, era mais ou menos como encenar uma
peça de sua autoria no palco mais cobiçado e iluminado do Brasil. No caso, o
palco da avenida Getúlio Vargas, com o enorme elenco do Salgueiro. Não é pou-
co, razão pela qual a junta governativa do referido grêmio compareceu em bloco
quando seu homenageado faleceu.
O objetivo deste texto é justamente acompanhar a evolução (no sentido
carnavalesco e, não, cientificista) dos movimentos que permitiram o encontro
dessa escola de samba com Viriato Corrêa, nesse período tão tenso e denso da
história do Brasil. Com isso, desejamos dar maior destaque a esse intelectual, hoje
pouco conhecido e reconhecido, valorando a função dos “mediadores” culturais
e chamando a atenção do leitor para as múltiplas e inusitadas formas de apropria-
ção de um texto.
como era conhecido, aceitara a fórmula, mas, desde que assumira o cargo, traba-
lhava pelo retorno ao presidencialismo, o que de fato ocorreria, em janeiro de
1963.
Os anos 1960, especialmente nesse espaço de tempo que interessa à história
aqui contada — 1962-1967 —, são dignos de um narrador treinado em deslindar
conspirações, golpes, rebeliões, resistências etc. Tudo que Viriato gostava de fazer
e fazia havia décadas. História da liberdade no Brasil pode ser considerado o
último de seus inúmeros trabalhos, que alcançavam boas vendagens, como ele
mesmo reconheceu em entrevista realizada em 1966. Estamos há 15 anos inteira-
mente dedicado à literatura infantil, explicara que fazia isso “primeiro porque dá
dinheiro e, segundo, porque as crianças prestam muita atenção aos livros a elas
dedicados e a seus autores”.5 Mas, embora voltado especialmente para um públi-
co infantil, seu último livro também interessou aos adultos, como o desfile do
Salgueiro atestou tão bem. Uma recepção em tudo excepcional, que teve inúme-
ras razões, desde as editoriais, como se verá a seguir, até as que se relacionavam à
situação política de grande instabilidade.
O livro teve, portanto, uma boa trajetória e foi um lindo fecho de carreira,
pois, além de virar enredo de escola de samba com o literato ainda vivo, ganhou
uma segunda edição, em 1974, já sob o governo do general presidente Ernesto
Geisel. É importante ressaltar, portanto, que essa foi uma coedição, feita em par-
ceria com o Instituto Nacional do Livro e com o selo oficial do Ministério da
Educação e Cultura. Nesse caso, o que se visava ressaltar na obra, da ótica do
regime militar, era certamente seu conteúdo patriótico, que foi então considera-
do adequado ao público infanto-juvenil de um país que iniciava um processo de
abertura “lenta e gradual”, caso contrário sua reedição não teria o patrocínio do
INL. Um contexto bem distinto e talvez mesmo inverso do que marcara seu lança-
mento em 1962, e sua transformação em enredo de escola de samba em 1966.
Nesses anos, o que se percebia era um processo de crescente movimentação popu-
lar, a que se seguiriam eventos que, quebrando as normas da legalidade, aponta-
vam para o fechamento da participação política: primeiro, o movimento civil e
militar de 1964 e, depois, o Ato Institucional no 5, de 1968.
Contextos distintos, que evidenciam práticas de leitura e de apropriação
de um mesmo texto por atores políticos bem diversos, para fins muito dife-
6 “Viriato vai ver sua História da liberdade no samba do Salgueiro”. Diário de Notícias, 19
ago. 1966. p. 6.
7 “Enterro de Viriato sai da Academia”. Correio da Manhã, 11 abr. 1967. Primeiro Caderno, p. 1.
8 “Viriato será também acadêmico do samba”. Diário de Notícias, 2 set. 1966, p. 6. A primeira
edição de História da liberdade no Brasil, com a qual trabalhamos neste texto, foi-nos gentil-
mente cedida por Mônica de Almeida Kornis, que compareceu com seus pais a essa festa,
quando o livro foi adquirido. Ela se lembrou do livro e da ocasião, mas não da presença de
Viriato Corrêa, ao saber do desenvolvimento dessa pesquisa, dispondo-se a conosco colabo-
rar. A ela, nossos agradecimentos sinceros e públicos. Possuímos também uma edição de
1974, mas as indicações de página serão da primeira edição, alvo desta análise.
com o lançamento de uma biografia, escrita por Hércules Pinto, único trabalho
até hoje existente nesse gênero sobre o autor.9
Mas, para que esse evento seja devidamente dimensionado, é aconselhável
um olhar mais amplo sobre o panorama cultural de meados dos anos 1960, para
que se possa ter ideia dos significados que a temática da liberdade ganhava naque-
le contexto. Assim, entende-se melhor a aproximação que vinha ocorrendo entre
os mundos do samba e da arte brasileira, bem como a operação de apropriação,
realizada pelos acadêmicos do Salgueiro, do livro do acadêmico Viriato, lançado
pouco antes do movimento civil e militar de 1964. Sendo muito breve, pode-se
assinalar, por exemplo, a encenação de duas peças teatrais marcantes: Liberdade,
liberdade, de Millor Fernandes e Flávio Rangel, no Teatro de Arena, e Arena
contra Zumbi, de Guarnieri e Augusto Boal, com música de Edu Lobo, ambas de
1965. Ou seja, no teatro, na música popular brasileira — a MPB —, no cinema e
nas artes em geral, a palavra liberdade passava a ser preenchida de sentidos espe-
cíficos àquele momento, simbolizando a ideia de resistência à opressão. Tal resis-
tência, tomada em sua dimensão histórica, podia aprofundar o sentimento de
denúncia ao regime militar que acabava de se estabelecer. Liberdade, palavra,
tornava-se categoria síntese, a simbolizar, por que não, a luta do povo brasileiro.
Não por acaso, esse foi um momento-chave de aproximação entre artistas “popu-
lares”, em especial sambistas — compositores e/ou cantores — do “morro”, e
artistas de teatro, de cinema, de rádio e TV. Exemplos paradigmáticos são os dos
espetáculos Opinião, reunindo Zé Kéti e Nara Leão, e Rosa de Ouro, com a pre-
sença da grande dama Clementina de Jesus. O Teatro de Arena era um palco
preferencial para esses encontros, mas havia outros, até porque essa também foi
uma época áurea de apresentação de trabalhos do Centro Popular de Cultura, o
CPC, da União Nacional de Estudantes, a UNE. Então, os desfiles das escolas de
samba, na avenida Getúlio Vargas, e ainda sem uma parafernália midiática, co-
meçavam a ganhar a participação de jovens e não jovens do “asfalto”. Assim, os
ensaios realizados antes do Carnaval tornavam-se novos espaços para essa nova
sociabilidade, que se fortalecia com a dimensão político-cultural de “luta pela
liberdade” que orientava corações e mentes.10
11
A crise vivida pelo Salgueiro está ligada à figura de seu presidente em 1965, Osmar Valença.
12 Costa, 2003.
13 “Salgueiro canta a liberdade: em plena ditadura militar, Salgueiro mostra as revoluções do
povo brasileiro”, de Paulo Barros — matéria fornecida pelo autor às pesquisadoras, com
base em Costa, 2003.
trou grande receptividade por parte do público e dos jurados, pois foi muito
aplaudida na avenida, conseguindo a terceira colocação. Além disso, e também
importante do ponto de vista político, a escola conseguiu transmitir sua mensa-
gem, cantando a luta dos brasileiros pela liberdade em momento extremamente
adverso. Mas, afinal, que livro é esse que inspirou os sambistas? E quem foi seu
autor?
tura e história e, mais especificamente, entre uma escrita da história (como saber/
ciência) e uma escrita da história ensinável, seja explicitamente voltada para a
escola (como os manuais) ou não, como é o caso das crônicas e contos históricos
de Viriato Corrêa.
Segundo seu biógrafo e também amigo, Hércules Pinto, esse gosto pela
escrita se mostrou desde cedo.15 Ainda na época em que era menino e estudava na
capital maranhense, publicou alguns textos no periódico de seu colégio, o Liceu
São Luiz, O Estudante, assinando com o pseudônimo de Milton Larebel. Foi tam-
bém no fim da década de 1890 que escreveu sua primeira peça teatral, intitulada O
delegado da roça, e seguiu para Pernambuco, onde cursou a Faculdade de Direito
do Recife. Publicou seu primeiro conto no jornal da faculdade: A espera de um
homem — uma historieta largamente influenciada pelo estilo naturalista, então
muito em voga. Como desdobramento, conseguiu publicar alguns contos em
periódicos locais, como o Diário de Pernambuco e o Jornal do Recife. Nessa opor-
tunidade, investiu firmemente no que projetava como sua carreira literária:
Com a pensão e os estudos garantidos, Viriato escrevia cada vez mais, porque o que ele
perseguia era a fama. Queria ser um nome neste país de literatos. Não lhe pagavam o
que escrevia? Isso era o que menos importava. Que o deixassem publicar seus contos,
porque o resto, certamente viria depois. O que não desejava era perder a oportunidade
de ver sempre seu nome nas colunas dos jornais.16
Ficou pouco tempo em Recife, indo viver no Rio de Janeiro com a finalida-
de não só de concluir a faculdade de direito, como também de escrever na capital
federal. Chegou a se formar, mas nunca a exercer a carreira jurídica. Por interfe-
rência do já prestigioso jornalista Medeiros de Albuquerque,17 de quem se tornou
amigo, ingressou na Gazeta de Notícias, onde publicou alguns de seus contos,
começando efetivamente a construir uma carreira como jornalista e literato. Na
Gazeta trabalhou primeiro como colaborador, tornando-se pouco tempo
depois redator, escrevendo contos para a sétima coluna do jornal, vista como de
15 Pinto, 1966.
16 Ibid., p.37.
17 O pernambucano Medeiros e Albuquerque (1867-1934) foi jornalista, professor, político,
teatrólogo e fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira no 22. Teve
essencial importância para a inserção de Viriato Corrêa na vida jornalística do Rio de Janeiro,
sobretudo em sua carreira no jornal Gazeta de Notícias.
grande importância na época. Além dessa coluna, em pouco tempo Viriato tam-
bém estaria escrevendo para a seção infantil do jornal, intitulada “Fafazinho”, em
função do apelido carinhoso dado ao redator responsável, Rafael Pinheiro. A
entrada de Viriato, longe de abalar a coluna, cujo nome foi mantido após a saída
de Rafael, tornou-a um sucesso no gênero, ainda raro no início dos anos 1900.
Sua atividade jornalística, sem dúvida a grande responsável por sua sociali-
zação nos meios intelectuais e artísticos cariocas, incluiu também colaborações
em muitos outros jornais, como Correio da Manhã, Jornal do Brasil e A Rua ; e
em revistas das mais famosas e populares, como O Malho, Tico-Tico, Kosmos,
Noite Ilustrada, Careta, Para Todos, entre outras. Nessa atividade, destacou-se
particularmente pela redação de contos ou crônicas, com temas chamados de
folclóricos e/ou históricos.
Bases da circulação de ideias, os jornais e as revistas eram os principais
canais de divulgação da produção cultural da época. Por isso, as histórias da
literatura e do pensamento social brasileiro vêm cada vez mais reconhecendo e
valorizando essa escrita, a despeito de ela assumir um suporte de característica
efêmera e mais difícil de localizar com o passar do tempo. A importância da
imprensa como meio de divulgação cultural, portanto, tem sido crescentemente
destacada, evidenciando-se o grande número de autores que escreveram para esse
tipo de veículo, bem como a variedade de romances e ensaios que apareceram
primeiro em jornais ou revistas, para só depois ganharem o suporte do livro.
Como registra Brito Broca, em seu já clássico livro:
não se pode negar que os jornais, proporcionando trabalho aos intelectuais, mesmo
quando se tratava de simples rotina de redação, sem nenhum cunho literário, facilita-
vam a vida deles, dando-lhes um second métier condigno, no qual podiam, certamen-
te, criar ambiente para as atividades do escritor. Lembremo-nos de que a imprensa
propiciara, como continua a propiciar, a mudança para a metrópole de grande núme-
ro de intelectuais, que não conseguiriam realizar-se literariamente se permanecessem
no recanto nativo da província.18
Viriato Corrêa foi um desses literatos que viu na capital federal uma espe-
rança de realização intelectual. Dessa forma, a Gazeta de Notícias e a amizade
com Medeiros de Albuquerque foram fundamentais, mas um desentendimento
18 Broca, 2005:286.
19 Pinto, 1966:59.
20
Segundo Hércules Pinto, biográfo de Viriato Corrêa, Osmundo Pimentel era o represen-
tante do Correio da Manhã no Ministério da Guerra.
21 Sobre a revista, ver Rosa, 2002.
22 Josué Montello, no Diário da Tarde, 8 jun. 1967. Graça Aranha, patrono da Semana de Arte
Moderna, escandalizara a ABL com seu discurso Espírito moderno , em 19 de junho de 1924,
trazendo polêmica ao campo intelectual. Na oportunidade e em combate ao passadismo da
ABL, ele declarara: “A fundação da Academia foi um equívoco e foi um erro”.
23 Corrêa, 1996.
24 Diário de Notícias, 19 ago. 1966. O programa teria ficado no ar por pelo menos oito anos,
de 1958 a 1966.
Este livro é escrito com uma única intenção: mostrar a índole da gente brasileira. [...]
A história do Brasil, desde os primeiros dias da colonização até os dias presentes, é o
25 O livro era composto por diferentes contos infantis de autoria de ambos os autores. Os de
autoria de Viriato Corrêa foram escritos em dois momentos: quando era responsável pela
coluna infantil intitulada “Fafazinho”, entre os anos de 1904 e 1905, no jornal Gazeta de
Notícias, e à época da efêmera publicação da revista infantil que tinha o mesmo nome, entre
os anos de 1905 e 1907.
26 Ênio Silveira, editor e sociólogo paulista, trabalhou na Companhia Editora Nacional,
chegando a assumir o cargo de diretor editorial. A partir de 1951, tornou-se diretor da Editora
Civilização Brasileira, onde ficou até seu falecimento em 1996. Era reconhecido como homem
de esquerda que tinha ligações com o Partido Comunista e, nessa condição, foi importante
intelectual na luta contra a ditadura militar.
27
As informações que se seguem sobre Hirsch estão em “Eugênio Hirsch: um perfil especial
entre os fundadores do design brasileiro”, em Horcades e Thees, 2002:5-9.
dessa: O Jornal, Rio de Janeiro, 25 out. 1962; Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 31 out. 1962;
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10 nov. 1962, entre outras.
30 O livro foi impresso nas oficinas da Compositora Gráfica Lux Ltda., rua Frei Caneca, 224,
31
A edição de 1974 tem na capa a cabeça de Tiradentes, símbolo maior da luta pela liberdade.
A imagem do herói é a mais conhecida — Tiradentes mártir —, e o restante do livro não tem
ilustrações, sendo incomparável à beleza da primeira edição.
A independência dos Estados Unidos vem mostrar a todos os países das três Américas
que poderá cada um deles, com sacrifícios de sangue e de vida, ser também indepen-
dente. A Revolução Francesa, destruindo a Bastilha, criou e estabeleceu os direitos
humanos. O homem, até então escravo, passou a ser dono de sua vontade e dos seus
direitos. Está chegando a hora de o Brasil também fazer a sua independência. É neces-
sário que sejamos senhores do nosso país, porque, na verdade, nada do que existe no
Brasil pertence aos brasileiros. É tudo dos portugueses.32
Viriato Corrêa; exceto o 10o capitulo, denominado “O Fico”, que não fez parte do desfile.
Esta escrivaninha é móvel de grande antiguidade. Veio de Vila Rica. É peça de alto valor
histórico. Fez parte do mobiliário de um inconfidente mineiro, não sei se Alvarenga
Peixoto, se Cláudio Manuel da Costa ou Paula Freire de Andrade. Esta escrivaninha
assistiu ao drama da Inconfidência.34
Poucas linhas depois, ficamos sabendo que, por 40 mil cruzeiros, ela foi arre-
matada pelo próprio narrador do livro. O móvel era sólido, de jacarandá e, em
casa, o novo proprietário se apercebe que, além de muitos escaninhos, a escrivani-
nha tinha uma gaveta secreta. Surpresa e mistério em doses historicamente bem
adequadas e próprias ao gênero do conto. Continuando. Aberta a gaveta, desco-
brimos, junto com o narrador, que ela continha maços de cartas amareladas! To-
das elas datavam das últimas décadas do século XVIII e foram trocadas por dois
primos, ambos “brasileiros da gema” e “preocupados com a situação política que
dominava o Brasil da época”. O leiloeiro não mentira: a escrivaninha “assistira”
mesmo ao drama da Inconfidência, pois os primos patriotas contavam nas cartas o
desenrolar do movimento. Eles haviam sido “testemunhas oculares” da história.
A partir daí, nós, leitores do livro, somos também leitores das cartas escondi-
das e recém-descobertas na escrivaninha colonial. Elas têm como principais autores
os dois primos, mas não apenas eles, pois também havia, na gaveta secreta, cartas dos
inconfidentes, de Joaquim Silvério dos Reis (o traidor) e até — é de pasmar — de
Tiradentes. E as cartas eram muitas, pois este é um evento/capítulo dos mais impor-
tantes dessa luta/história/livro/desfile. Por isso, vale atentar para os títulos que nos
conduzem através da leitura/aventura da Inconfidência: A triste situação da Capita-
nia das Minas Gerais, A vaca leiteira, A sociedade de Vila Rica, A figura de Tiradentes,
O encontro de dois patriotas, A conspiração, A figura de Joaquim Silvério dos Reis,
Os planos e as forças dos inconfidentes, As esperanças de Joaquim Silvério, A traição
de Joaquim Silvério, Tiradentes parte para o Rio de Janeiro, Tiradentes chega ao
Rio de Janeiro, Embaraços no caminho de Tiradentes, Tiradentes sente necessidade
de esconder-se, As agonias do traidor, Os inconfidentes são presos.
A partir do momento da prisão, compreensivelmente, não há mais cartas e
quem toma a narrativa é um professor de primeiras letras de Vila Rica. É ele que
nos conta o restante dos “fatos”: o suicídio de Cláudio Manuel da Costa, o que
ficou de pé, os inquéritos, o julgamento e as sentenças, a comutação das penas, o
dia 21 de abril de 1792, a partida dos degredados. Como se vê/lê o percurso é
longo, mas não é cansativo, pois é misto de descrição e narração, mobilizando a
curiosidade e a emoção do leitor.
34 Corrêa, 1962:69.
Para este ano, o Salgueiro está preparando “aquele” carnaval. E promete dar uma aula
na Avenida, ensinando em ritmo de samba a difícil “História da Liberdade no Brasil”.
Com o enredo baseado num livro de Viriato Correia, do mesmo nome, o samba de
Aurinho da Ilha exalta, em 14 capítulos, os grandes nomes que lutaram pela nossa
liberdade.35
passistas da escola que desfilaram na ala “Felipe dos Santos”. Além disso, havia
Isabel Valença, que encarnou a princesa Isabel com toda a majestade, e Narcisa,
passista recentemente lançada, que marcaria a história do Carnaval, entre mui-
tos outros destaques.
Porém, as críticas feitas ao desfile não foram poucas. Entre elas, a mais
veiculada pelos jornais e revistas foi a de que a bateria da escola teria saído apres-
sada. Por estar localizada no meio do desfile da agremiação, acabou prejudican-
do a harmonia, levando seus integrantes a perder o ritmo do samba e abrindo um
grande espaço entre os participantes e a bateria. Além disso, vários comentadores
consideraram os adereços, os carros alegóricos e a letra do samba pobres e
repetitivos em relação aos anos anteriores. Um bom exemplo é o texto do Cader-
no B do Jornal do Brasil, de 9 de fevereiro de 1967, escrito por Juvenal Portela:
O tema História da Liberdade no Brasil, teoricamente muito bom, foi pouco explora-
do e quem conhece a escola sabe que ela usou retalhos de carnavais passados para
compor o grupo. Das alegorias, apenas a que mostrava a bandeira da Inconfidência
Mineira, trabalhada de modo a mostrar numa das suas faces uma das fontes de Ouro
Preto, foi a que melhor impressionou. Seu samba possuía uma boa melodia, mas a
letra não teve grandes méritos. Em matéria de fantasias os Acadêmicos do Salgueiro se
repetiram, pois os originais já eram conhecidos.
Capítulo 7
fim tudo o que se quiser derivar dessa condição. Contudo, isso não altera a sua
condição de livro e, enquanto tal, pressupõe algum tipo de autoria, existência
física e leitores.
A menção à tríade escritor (autor), obra (livro) e público (leitor) remete
ao tripé proposto por Antonio Candido no seu clássico Formação da literatura
brasileira (1959). Segundo o crítico, é a interação dinâmica desses três elementos
que possibilita a formação de um sistema literário, condição essencial para que se
possa falar em literatura — postura que esclarece e justifica o título da obra. A
proposta é plena de consequências e, por seu intermédio, pode-se distinguir, por
exemplo, entre manifestações literárias e literatura, esta última entendida não só
como um atributo intrínseco ao texto (grau de literalidade), mas também como
“[...] uma prática social chamada de literatura [e articulada] à existência consci-
ente e socialmente reconhecida de autores e leitores, tornando-se a obra um dos
veículos de diálogo entre o escritor e seu público”.1 O triângulo autor-obra-pú-
blico pressupõe, portanto, um complexo jogo de interações, que desemboca na
configuração (século XVIII) e na consolidação (século XIX) de uma literatura
denominada brasileira.
Num texto instigante, Marisa Lajolo discute o significado do conceito de
sistema literário para o trabalho crítico de Antonio Candido e ressalta a pertinência
epistemológica dessa interpretação num país como o Brasil, por séculos apartado
do objeto livro, da imprensa, com poucas escolas e altas taxas de analfabetismo.
Lajolo insiste na historicidade do tripé autor-obra-público, cujas partes não pos-
suem atributos fixos e nem atuam ou interagem sempre da mesma forma, pois
assumem diferentes configurações, que devem ser remetidas a situações sociais
concretas. Noutros termos, a condição de escritor não é estática, seu papel e suas
formas de inserção social, seus meios de sobrevivência, autopercepção e redes de
sociabilidade precisam ser remetidos a contextos específicos. O mesmo se aplica
ao objeto livro, mercadoria que se insere no circuito da produção e da circulação
capitalistas, com seus agentes específicos, como os editores. Já o ato de ler, confor-
me insistem os estudiosos do assunto, remete a práticas muito diversas no tempo
e no espaço.
A análise evidencia não só quão complexas se tornam cada vez mais as
mediações entre os elementos da tríade, mas também as mutações e peculiarida-
1
Lajolo, 2003:63 (grifos da autora). As referências subsequentes dizem respeito a esse texto.
des de cada um dos vértices do triângulo, num trabalho que ao mesmo tempo
precisa, amplia e atualiza o sentido da proposta de Candido. Esse modelo
interpretativo, concebido para os escritos literários e aqui apresentado de forma
bastante esquemática, pode ser estimulante para pensar outras circunstâncias,
como a que envolve a produção do livro didático.
É patente que a formação de uma comunidade de leitores constitui um pré-
requisito para a existência de um sistema literário, que pressupõe instituições ou
práticas de ensino capazes de difundir o letramento. Além do mais, a definição de
um conjunto de autores e obras reconhecidos como parte de um dado cânone, ou
seja, de uma tradição valorizada, cultuada, que se quer perpetuar e com a qual
diferentes gerações de escritores e leitores interagem, garante a importância da
escola na constituição, transmissão e legitimação de uma certa herança literária.
Sem negar a relevância desses aspectos, no presente texto pretendo propor um
exercício para verificar a possibilidade de se inserir o livro didático num sistema
de produção de obras que, a exemplo do que ocorre com a literatura, tem condi-
ções específicas para se instituir.
Do triângulo ao quadrilátero
2 Vale mencionar que uma possível exceção é a ampla categoria dos paradidáticos, nem
sempre produzida com o intuito de se circunscrever ao universo escolar, mas que ganhou
espaço no mercado a partir do último quartel do século XX.
de livros escolares, fornecem dados que convidam a pensar num possível quadri-
látero (autor-obra-público-poder público) subjacente à formação e ao percurso
da produção didática brasileira.
O primeiro exemplo foi extraído do trabalho de Marisa Midore Deaecto,
que estudou o espaço ocupado pelo livro na São Paulo do século XIX. Para
tanto, não pôde deixar de se referir à criação, em 1827, da Faculdade de Direito,
que tantas consequências trouxe para a vida da pacata cidade. A elaboração
dos estatutos da instituição, assunto debatido na Assembleia Geral, esbarrou
na questão dos compêndios que seriam utilizados pelos estudantes. A decisão
prescrevia que
Não posso deixar de lembrar que, pelo menos o lente do primeiro ano deve trazer os
seus compêndios das matérias que vai ensinar, sendo-lhe indispensável compor um
abreviado da análise da Constituição do Império. Esses compêndios devem ser im-
pressos em número suficiente e taxados, para serem vendidos aos estudantes.4
3 Deaecto, 2005:104-105.
4 Martins e Barbuy (1998:20-21) reproduzem a carta na íntegra. Deaecto (2005:106) traz
excerto desta.
tampouco impediu que ele publicasse várias obras no campo do direito e até
mesmo um drama histórico em três atos.
Para os nossos objetivos, o exemplo da implantação do curso jurídico em
São Paulo enseja a oportunidade de destacar o papel do poder público enquanto
mediador fundamental no percurso de realização de obras destinadas ao nascen-
te sistema de ensino superior. Nessa oportunidade, o Estado apresentou-se inves-
tido do direito de reconhecer autoria, permitir ou não a publicação e assegurar o
monopólio do mercado por anos. Note-se, contudo, que seria preciso investigar
se essa foi uma ação circunstancial e localizada ou se a referida mediação também
vigorou para as demais escolas superiores do período.
Pelo menos no que diz respeito à aprovação do trabalho, a exigência parece
ter sido necessária também para os autores que se aventuravam a produzir livros
destinados a outros níveis de escolarização, como atesta o fato de os volumes
trazerem na capa ou na folha de rosto a informação de que uma comissão, conse-
lho ou diretoria aprovou a obra, isso tanto no Império quanto no começo da
República. E aqui se abre outro caminho de pesquisa, uma vez que ainda pouco se
sabe acerca do ordenamento jurídico, da composição, do funcionamento e das
formas de atuação desses órgãos, em perspectiva sincrônica ou diacrônica.
A literatura especializada indica que a exigência de ungir o trabalho uma
espécie de certificação oficial repercutia em diferentes aspectos da obra. Num
artigo em que discute a questão da autoria dos primeiros livros escolares brasilei-
ros, Circe Bittencourt destaca que o perfil daqueles que assinavam essa produção
nas principais editoras da época — Laemmert, Garnier e Alves — pode ser apre-
endido como parte de um esforço de aproximação com o poder, uma vez que
— Apenas?
— Pois só o governo de São Paulo adquiriu trinta mil narizes...
— Como foi isso?
— O Dr. Washington Luiz estava na presidência de São Paulo. Um belo dia saiu a
correr os grupos escolares em companhia do secretário Alarico Silveira. De escola
em escola, notou que em todas elas havia um livrinho de leitura, extraprograma,
muito sujinho e surrado. Era justamente o meu Narizinho. Os quinhentos exempla-
res a mais dos 50 mil eu os havia tirado em papel melhor e mandado de presente a
todos os grupos e escolas do Estado. E como fossem absoluta novidade, a criançada
atirou-se a eles e os leu à moda das crianças — escangalhadamente. O Dr. Washing-
ton fez ao seu secretário a seguinte observação: “Se este livro anda assim em tantos
grupos, é sinal de que as crianças gostam dele. Indague de quem é e faça uma compra
grande, para uso em todas as escolas”. No dia seguinte Alarico me telefonou pedin-
do que passasse na Secretaria. Lá me contou das visitas da véspera e da opinião do
presidente. Depois: “quantos exemplares deste livro pode você vender ao governo?”
Uma pergunta assim à queima-roupa a um editor que está atrapalhado com a
maior avalanche nasal da sua vida é coisa de estontear. “Quantos quiser...” Alarico
pensou que fosse brincadeira e, para pilhar-me, disse: “pois mande trinta mil ao
almoxarifado”. Veio nesse momento o café, mudamos de assunto e logo depois saí.
Quando no dia seguinte o almoxarifado recebeu os trinta mil narizes, houve alarme
por lá. Telefonaram ao secretário, o qual também me telefonou. “Lobato então era
verdade a história dos trinta mil?” “Claro, Alarico! Onde se viu blefar para cima de
um secretário de estado como você?” E ele: “Pois só agora depois da telefonada do
almoxarifado é que estou acreditando...
— Resultado?
— Em oito meses lá se foi toda a edição e deixou um grande lucro. Esse dinheiro caído
do céu muito contribuiu para o reforço do capital da nossa editora, a qual nunca mais
parou de crescer.8
8 Lobato, 1950:213-215. A Revista do Brasil, então nas mãos de Lobato, publicou artigo
elogiando a decisão da Diretoria Geral de Instrução Pública de introduzir Narizinho nas
escolas. Ver Bruschini, 1923:64-67. Notícia não assinada sobre a versão escolar dos contos de
Lobato, adotada, entre outros, pelo Colégio Mackenzie, encontra-se na Revista do Brasil (São
Paulo, v. 25, n. 104, ago. 1924), p. 338. Em dezembro desse mesmo ano, a Revista do Brasil
estampava propaganda da Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato relativa ao volume
Contos escolhidos, na qual se lê: “Magnífico volume em que o escritor Monteiro Lobato
reuniu, para a juventude, os melhores contos dos livros que já publicou. Nele se encontra o
que de melhor se contém em Urupês, Cidades mortas e Negrinha”, ao que se seguia o sumário
do livro e, como arremate, a informação: “Para recomendar a obra, basta dizer que a direção
do Colégio Mackenzie de S. Paulo já a aprovou para leitura de suas classes secundárias, no que
foi acompanhado por vários outros estabelecimentos de ensino do Estado”. O preço do
volume era 4$000.
9 Luca, 2004:139-161.
10 Cavalheiro, 1962, v. 2, p. 146-148, para a versão da venda; p. 182 para o contrato de edição
da obra, e p. 194 para a capa do livro.
11 Em carta de 15 de novembro de 1923, Lobato parece responder a indagações do amigo
sobre subvenções recebidas: “Tudo calúnias, Rangel. Fui ao Rio e a Belo Horizonte apenas a
passeio, para descanso. Não fui cavar coisa nenhuma. Bem sabes do meu horror à cavação e
da minha orgânica antipatia para com todos os governos. Apenas tratamos de um álbum
histórico, de luxo, com o Assis Cintra e ele, por conta dele, andou a cavar subvenções. Os
jornais atacaram-me quando viram a Câmara daqui [SP] destinar 30 contos para 300 exem-
plares do Brasil de outrora. Era cavação do Cintra, só dele [...]”. Lobato, 1964, v. II, p. 258-259
(grifo do autor).
12 Bignotto, 2007. Num país em que o público é frequentemente privatizado e os arquivos são
13
Bignotto, 2007:271-272, 385. Consultar também CD anexo à tese, pasta Catálogos.
Ainda que esse fator não tenha sido mencionado por Lobato, seja no pedi-
do de falência, seja nas cartas e entrevistas em que tratou do tema, consta no
relatório do advogado Plínio Barreto que a editora havia perdido as encomendas
do seu melhor cliente, o governo.19 Não cabe retomar as causas das desavenças
entre Lobato e Bernardes, que aliás foram detidamente tratadas em Furacão na
Botocúndia,20 mas destacar a consistência da hipótese em vista das opções edito-
riais de Lobato.
No caso dessa editora, cuja vocação inicial não se centrava nos didáticos,
chama atenção o quanto a sua existência passou a depender desse setor, sobretu-
do a partir do momento em que Lobato decidiu entrar no ramo da impressão. Ele
não apenas dispunha de um parque gráfico capaz de produzir enormes tiragens
como precisava fazê-lo a fim de pagar as dívidas contraídas na importação dos
equipamentos. Se os 50 mil exemplares de Narizinho tiveram que ser contratados
junto a terceiros, agora ele mesmo poderia responder prontamente, e com quali-
dade, a qualquer demanda. E não parece demais supor que as motivações para
investir levassem em conta as potencialidades desse mercado.
Ao decidir produzir (como autor, editor e impressor) livros destinados a
estudantes de diferentes níveis, Lobato mobilizou relações de amizade e prestígio,
como atesta a proximidade com autores que ocupavam cargos estratégicos no
sistema de ensino, a realização de edições com o apoio do Executivo e a venda de
grandes montantes para as escolas públicas, o que também indica o quanto a
produção e, sobretudo, a circulação do gênero didático dependia das benesses e
da proteção do poder. Mas ao tentar medir forças com o Executivo, Lobato tam-
bém experimentou a “resposta brutal” do Catete e o quanto, pelo menos para a
sua gráfica-editora, o Estado desempenhou papel decisivo na (in)viabilização do
negócio.
Para testar a hipótese seria importante ter em conta a estratégia adotada
por Lobato na Companhia Editora Nacional, fundada em abril de 1926. Ainda
que não se disponha de dados, cabe registrar que, nos seus primeiros momentos,
o sucesso da nova casa deveu-se justamente à Gramática expositiva, de Eduardo
Carlos Pereira, como ele confidenciou ao cunhado Heitor de Moraes: “Imagina
tu que o capital social da grande empresa é só de 50 contos; no entanto, as 20.000
19 Bignotto, 2007:269.
20 Azevedo, Camargos e Sacchetta, 2001:150-156.
gramáticas que vendemos este mês [março de 1926], só elas, nos dão um líquido
de 55 contos!”,21 o que indica que o investimento de Lobato não se perdeu, como
supôs Ferraz.
23 Ferreira, 2006.
1931 com a chamada Reforma Francisco Campos, que estabeleceu novas bases
para o sistema de ensino do país como um todo, e que teve continuidade com a
Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 1942. O regime não apenas interferiu de
forma incisiva no campo educacional, mas levou a cabo, desde a subida de
Vargas ao poder, um processo de centralização e expansão da máquina buro-
crática que, aliado a um ambicioso projeto no âmbito da cultura, alterou as
relações entre intelectualidade e Estado. De fato, diversificaram-se as oportuni-
dades de emprego para a elite letrada, na medida em que o poder público de-
mandava, em diferentes escalões, contingentes crescentes de servidores públicos
qualificados.24
De outra parte, como destacou Sérgio Miceli, houve nesse período uma
vigorosa expansão do mercado editorial, favorecida tanto pelo aumento do
letramento, por reformas no ensino secundário e pela ampliação do segmento
superior, além da própria conjuntura econômica interna e externa, pouco propí-
cia à importação de livros. Esse conjunto complexo de fatores alterou as condi-
ções de exercício da atividade intelectual e chegou mesmo a permitir a existência
do “romancista em tempo integral”.
O próprio governo, por intermédio do Instituto Nacional do Livro (INL),
criado em dezembro de 1937 no âmbito do Ministério da Educação e Saúde, e
cuja direção foi entregue a Augusto Meyer, constituía-se num comprador bas-
tante significativo.25 O instituto objetivava atender aos ditames da educação
extraescolar, prevista no Plano Nacional de Educação encaminhado ao Congres-
so Nacional em setembro do referido ano, pouco antes do golpe que instaurou o
Estado Novo. Para tanto, o órgão compunha-se de três seções: a responsável pela
publicação da Enciclopédia brasileira e do Dicionário de língua nacional, projeto
no qual Mário de Andrade atuou como consultor técnico;26 a de publicações, que
deveria editar obras raras e preciosas e adotar medidas que melhorassem e bara-
teassem o livro, e que teve a participação de Sérgio Buarque de Holanda; e, final-
mente, a de bibliotecas, que visava incentivar a organização e manutenção de
24
Miceli, 2001:195-237.
25 Para um estudo sistemático do INL, consultar Silva, 1992, trabalho que subsidiou as
informações do parágrafo.
26 O projeto que o escritor apresentou encontra-se em Andrade, 1993. Edição crítica e estudo
de Flávia Camargo Toni.
27
Almeida, 1981, apud Sorá, 1998:206-208.
Rio, 10/4/1939
Dona Alzirinha
Esses livros estão chegando da Europa. Vieram sábado. Vão para o nosso presidente
aproveitar as férias que ele puder ter em Caxambu.
Tomei a liberdade de juntar três para a senhora. O romance de Foldes, o volume sobre
o Goethe e o La famille Brontë.
At. José Olympio.28
Recebi sua carta e você há de compreender que eu faria tudo para o atender. Mas as
dificuldades orçamentárias no DIP, nesse momento, são inumeráveis e não dão mar-
gem a qualquer nova despesa. A verba que tenho é a mesma do ano passado e os
serviços multiplicaram-se por dez, além de um pesado ônus que me veio do exercício
anterior e que ainda não pude desafogar-me. O pagamento de serviços já prestados,
como de radiodifusão em ondas curtas, estão [sic] atrasados. Só no segundo semes-
tre, e ainda assim realizando um grande esforço, poderei ficar em dia. É esta a maior
razão, por si só definitiva, que me impede de fazer aquisição dos livros que você editou
e de que o regime se tem tanto beneficiado. O José [ilegível] deve entregar-lhe os
Infelizmente não se sabe que obras Olympio tentou vender ao DIP, se eram
ou não didáticas, mas a tentativa, bem como a resposta de Fontes atestam a im-
portância que uma relação bem-azeitada com o poder público poderia represen-
tar em termos de oportunidades financeiras.
Editoras e o PNLD
LEITURAS
6 Chevallard, [s.d.].
7
Bowe, Ball e Gold, 1992.
8 Lopes, 2004 e 2006.
9 Canclini, 2006.
14
Lockheed e Verspoor, 1991:46-47, apud Torres, 1996:154.
15 Como resultado dessa política, a dotação orçamentária para “textos escolares” nos proje-
tos de melhoria da qualidade da educação tornou-se o segundo e, em alguns casos, o primeiro
item de prioridade em alocação de fundos dos projetos financiados. Ver Torres, 1996:154.
16 Ibid.
Ao longo das décadas de 1940 e 50, várias iniciativas foram tomadas bus-
cando dar continuidade e ampliar os mecanismos de produção, importação e
utilização do livro didático. Durante o período militar, essa política foi caracteri-
17
Em 1929, o Estado havia criado um órgão específico para legislar sobre políticas do livro
didático, o Instituto Nacional do Livro (INL), contribuindo para dar maior legitimação ao
livro didático nacional e, consequentemente, auxiliando no aumento de sua produção. Ver
<www.fnde.gov.br/arquivo/livrodidatico>. Acesso em: 23 jan. 2008.
18 Capelato, 1998, apud Miranda e Luca, 2004:125.
zada por esforços no sentido de exercer maior controle e censura, ao mesmo tempo
que incentivos fiscais e investimentos no parque gráfico nacional induziam o pro-
cesso de massificação do uso do livro didático no Brasil, a fim de atender à demanda
da população escolar, que aumentou significativamente nesse período.19
Do ponto de vista da promoção de valores e do controle da produção
editorial, o ensino de história e geografia, por exemplo, sofreu fortes pressões
político-ideológicas. A substituição dessas disciplinas no currículo do então 1o
grau pela disciplina escolar “estudos sociais”, e a inclusão das disciplinas “educa-
ção moral e cívica” e “organização política e social do Brasil” (OSPB), acabou por
representar não só sua eliminação do currículo, mas também uma tentativa de
eliminar a dimensão crítica do ensino.20 No caso do estudo da história, uma
versão “oficial”, legitimadora do regime político e dos governos autoritários en-
tão no poder, com forte caráter doutrinário, estava embutida nas novas discipli-
nas criadas.21
Na década de 1980, no bojo do processo de redemocratização do país, uma
reação a essa política oficial teve, nos livros didáticos, um de seus alvos prioritários.
Estes passaram a ser considerados os “vilões” da educação, portadores de ideo-
logias indutoras de processos de reprodução das desigualdades e hierarquias
sociais, em textos conservadores, “oficiais”, muitas vezes repletos de erros ou em
versões ultrapassadas pelas pesquisas científicas.
Essa visão teve grande expressão no âmbito do ensino de história e levou a
um movimento que defendia sua eliminação ou não utilização nas escolas. Os
livros didáticos deviam ser substituídos pelo trabalho com textos extraídos de
19
Sobre esse processo, ver Miranda e Luca, 2004:125.
20 Essa deliberação consta da Lei no 5.692, de 1971, que instituiu no Brasil o ensino de 1o e 2o
graus. O 1o grau, com oito anos de duração, substituiu os antigos cursos primário e ginasial
e implicou uma mudança na organização curricular, que substituiu as disciplinas por áreas de
estudo e atividades. A área de “estudos sociais” previa o ensino, de forma integrada, de
conteúdos de história, geografia, sociologia, em perspectiva que incorporava a tradição norte-
americana, pragmática e integradora.
21 A confusão criada por essa reforma curricular, realizada com pouquíssima ou nenhuma
orientação aos professores, acabou, em muitos casos, por criar situações de redução ou
mesmo omissão do ensino dos conteúdos a ela referentes. Por outro lado, são conhecidas
algumas experiências de professores que utilizavam o tempo das aulas dessas novas discipli-
nas, sobre as quais não se sabia exatamente o que ensinar, para discutir a história e a geografia
em perspectiva crítica, em atitude de resistência ao regime.
22
Foram muito lidos pelos docentes, e utilizados nos cursos de formação de professores de
história, textos que assumiam essa crítica radical aos livros didáticos, entre eles: Deiró, 1978;
Faria, 1989; Cerqueira Filho e Neder, 1978; Freitag et al., 1989. Essas obras resultavam de
estudos e/ou pesquisas que se debruçavam sobre o livro didático para investigar distorções,
erros, ideologias, e denunciá-los.
23 Esse processo aqui descrito expressa um contexto presente em escolas estaduais e munici-
pais do Rio de Janeiro ao longo da década de 1980 e por mim vivenciado como professora da
educação básica nesse período. Seria preciso realizar estudos para verificar se esse processo
ocorreu em outros estados do país e com outras disciplinas escolares.
24 Esse processo não ficou restrito à área do ensino de história. A busca de aproximação e
incorporação das recentes descobertas do campo científico acabou resultando na produção
de livros didáticos que utilizavam uma linguagem distante e muitas vezes inadequada ao
público a que se destinava. Sobre o ensino de ciências, ver Ferreira e Selles, 2004:63-78.
25
O livro didático Construindo a história (Faria, Marques e Berutti, 1987), para as quatro
séries finais do 1o grau, mostra claramente essa tendência. A proposta dos autores é que
alunos e professores vão construindo a história através de questões-problemas, que orientam
a leitura de trechos de obras históricas e documentos. Os alunos eram postos diante de textos
de autores como Gordon Childe, Leon Bloch, Glotz, Diakov e Kovalov, Hatzel, Perry Anderson,
Ciro Cardoso e Pérez Brignoli, F. Engels e outros. O contato com a historiografia possibilita-
ria a leitura da “verdadeira” história, por ser científica, e contribuiria para que os alunos se
tornassem sujeitos ativos no processo histórico, porque atuariam como “historiadores”.
26 Sobre esses processos, ver a discussão sobre transposição didática em Chevallard [s.d.];
com referência ao ensino de história, ver Monteiro, 2007, especialmente caps. 2 e 3.
27 Exemplos dessa linha editorial é a obra de Aquino, Franco e Pahl — História das sociedades:
das sociedades modernas às atuais (Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978) —, que em 1999
estava na 37a edição, já então pela Editora Record. Outra obra desse mesmo período, com
características similares, é História da sociedade brasileira (Alencar, Carpi e Ribeiro, 1979).
28 Esse movimento, no que se refere à história e à geografia, veio atender a uma demanda dos
estudantes e professores dessas disciplinas e foi liderada, em grande parte, pelas associações
científicas: Associação Nacional de História (Anpuh) e Associação dos Geógrafos do Brasil
(AGB). Além da reimplantação das disciplinas, possibilitada pela Resolução no 3/79 do CFE,
procedimento foi aperfeiçoado, sendo aplicado até hoje. Os livros que apresentam erros
conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo
são excluídos do Guia do livro didático. Ver <www.fnde.gov.br/arquivo/livrodidático/ histó-
rico>. Acesso em: 23 jan. 2008.
31 São eles: Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e Programa Nacional do Livro Didático para a
Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Seu objetivo é prover as escolas das redes federal,
estadual e municipal e as entidades parceiras do programa Brasil Alfabetizado de obras didá-
ticas de qualidade.
Alain Choppin32
32 Choppin, 2004.
33 Gasparello (2007) apresenta um histórico sobre o uso dos termos de referência aos livros
escolares no Brasil, oferecendo importante contribuição para a melhor compreensão da com-
plexidade desse instrumento pedagógico e objeto cultural. Para um estudo da definição, fun-
ções e tipos de livros escolares, ver também Choppin, 1991, 1992 e 1993.
pretações. Mas, em todo o caso, ele constitui o suporte privilegiado dos conteúdos
educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo
social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações.
4. Função documental: acredita-se que o livro didático pode fornecer, sem que
sua leitura seja dirigida, um conjunto de documentos, textuais ou icônicos, cuja obser-
vação ou confrontação podem vir a desenvolver o espírito crítico do aluno.34
Essas diferentes funções, que revelam a complexidade desse objeto, por tan-
to tempo e por tantos pesquisadores desconsiderado como obra de importância
histórica, têm sido estudadas e pesquisadas mais recentemente; e as pesquisas têm
revelado os interesses e recursos financeiros envolvidos, bem como sua importân-
cia do ponto de vista pedagógico e cultural.
34 Choppin nos lembra que o livro didático não é o único instrumento que faz parte da
educação da juventude: a coexistência (e utilização efetiva), no universo escolar, de instrumen-
tos de ensino-aprendizagem que estabelecem com o livro relações de concorrência ou de
complementaridade influi necessariamente em suas funções e usos. Ver Choppin, 2004:553.
35
Choppin, 2004:554.
36 Chevallard, [s.d]:16.
37 O autor utiliza o termo “deformação” que pode denotar uma perspectiva preconceituosa
em relação a este processo. O termo transformação poderia, talvez, expressar melhor este
processo.
38
Chevallard, [s.d]:16-17 (grifo meu). O conceito de transposição didática permite que o
campo científico da didática se constitua, pois, além de definir uma ruptura, ele cria um
instrumento de inteligibilidade que possibilita a realização das investigações, abrindo
caminho para que a caixa-preta em que tem estado inserido o ensino comece a ser desven-
dada. As tendências dominantes nas pesquisas educacionais dos anos 1960 e 70 focaliza-
vam os processos de aprendizagem numa perspectiva orientada pelas concepções da
psicologia e da psicogênese. Atualmente, têm sido realizadas pesquisas orientadas pelo
entendimento de que o ensino implica um processo com características próprias que
precisam ser mais bem conhecidas. Como afirma Moniot (1993:5), “a didática de uma
disciplina não é alguma coisa que vem antes dela, a mais ou ao lado, para lhe dar uma
espécie de suplemento pedagógico útil. A didática se ocupa de racionalizar, de muito
perto, o ensino. Ela envolve as operações que se realizam quando se aprende uma discipli-
na, a serviço dessa aprendizagem, para melhor focalizar e dominar os problemas que se
apresentam quando se ensina: em suma, exercer o ofício de ensinar, tanto quanto seja
possível com conhecimento de causa”.
39 Chevallard, [s.d]:45.
46 Cuesta Fernandez afirma que o código disciplinar compreende o que se diz acerca do valor
educativo da história, o que se regula expressamente como conhecimento histórico e o que
realmente se ensina no marco escolar. Discursos, regulamentos, práticas e contextos escolares
impregnam a ação institucionalizada dos profissionais (os professores) e dos destinatários
sociais (os alunos), que vivem e revivem, em sua ação cotidiana, os usos da educação histórica
de cada época. Ver Schmidt, 2004.
47 Canclini, 2006.
48 Lopes, 2006:39.
49 Canclini, 2006.
50 Lopes (1999) defende a utilização do conceito “mediação didática” no lugar de transposição
didática.
51 A perspectiva teórica de Ball permite considerar que não existe uma imposição de diretri-
zes de um contexto a outro. Os contextos dialogam, interagem, se influenciam mutuamen-
te. “A política curricular é uma produção de múltiplos contextos sempre produzindo novos
sentidos e significados para as decisões curriculares nas instituições escolares.” Ver Lopes,
2006:39.
52Na década de 1990, no Brasil, começaram a ser realizados estudos e pesquisas a partir de
novas perspectivas e que traziam para a área do ensino as contribuições teóricas dos estudos
dos no Brasil foi empregada, como metodologia, a busca nos catálogos impressos e online
das seguintes editoras: Ática, Moderna, FTD, Saraiva, Atual, Companhia Editora Nacional,
Scipione, Ao Livro Técnico, Nova Geração e Record. Após esse levantamento, procedeu-se a
uma busca na Biblioteca Nacional, no catálogo online, consultando-se também a biblioteca
do Colégio de Aplicação da UFRJ, que dispõe de um grande acervo na área de livros didáticos
de história. Outra biblioteca consultada foi a do Centro Cultural Banco do Brasil, mas esta
não acrescentou elementos à lista de livros didáticos.
56 A primeira tabela apresentava um quadro geral com todas as informações obtidas. Na
segunda tabela, foram organizadas as obras cujas primeiras edições foram lançadas no período
1994-2004. Na terceira, as obras com maior número de edições. Na quarta, os autores com
maior número de obras publicadas no período 1994-2004. A quinta tabela foi elaborada com
base no princípio de organização dos conteúdos (história geral, do Brasil, da América, inte-
grada etc.) e a sexta, agrupando as obras de acordo com a concepção de história expressa no
título. Por último, fez-se uma tabela com as obras que declaravam incorporar os PCNs, mas
verificou-se que isso era feito de forma muito superficial. Havia a informação na capa, mas no
interior da obra não foram identificadas as referências. Foi elaborada também uma tabela
com as obras que apresentavam questões das provas do vestibular.
57 O motivo de tais insucessos foi o fato de não se ter obtido acesso aos autores.
58 Trata-se da obra História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais, de
Aquino, Franco e Pahl, editada em 1978 pela Editora Ao Livro Técnico e atualmente publicada
pela Editora Record.
Uma análise preliminar faz supor que, mais do que efetivamente seguir
as orientações, os autores ou as editoras buscaram evidenciar um atendimento
das orientações oficiais. Cabe lembrar que as exigências e diretrizes do PNLEM
não foram consideradas, pois esse programa foi lançado em 2005, portanto fora
do período abarcado pela pesquisa.59
Com relação ao uso dos livros pelos professores sujeitos da pesquisa, os
professores entrevistados afirmaram utilizar os livros didáticos nas aulas como
base para o estudo pelos alunos e para consulta.60 Afirmaram também ter o hábi-
to de fazer uso de outras leituras de cunho acadêmico.
Alguns trechos dos depoimentos obtidos nas entrevistas são reveladores do
trabalho realizado com os livros e deixam clara a atuação fundamental desses
professores nas aulas, na prática docente na qual o livro está inserido e subordi-
nado à lógica e à organização didática do professor. Como afirma um deles, o livro
é referência para consulta e estudo, mas “é o caderno que permite que o aluno
realize as conexões”.
Ele tem que estudar o livro didático e usar o meu caderno [...] para que o aluno realize
as conexões. O resumo do caderno é o que normalmente cai nas provas.
Via de regra eu lanço o assunto. Vejo o que eles sabem daquilo. Depois eu digo: vamos
pegar o caderno. Notas no caderno. Define-se feudalismo como sendo e tal. Ou faço
59 Somente em abril de 2006 é que foi publicado o resultado da análise crítica que indicou os
análise de texto: que é que o autor quer dizer aqui? O que vocês não sabem sobre
estrutura socioeconômica? O que é isso? E conjuntura, o que vocês entendem sobre isso?
Para o pessoal que estuda em casa: façam listinhas do vocabulário. [...] O que vocês
não entenderem. Antes de me perguntar, peguem o dicionário em casa, vocês ganha-
ram dicionário que eu vi a escola distribuindo, ainda tem alguns que sobraram ali. A
escola deu um dicionário para cada um uns dois anos atrás. Peguem o dicionário,
procurem os termos... Aprendam a usar o dicionário. “Eu não sei”. Então a gente
ensina, tá? Usem o dicionário, encontrou a palavra: ótimo. Não encontrou, traz para
a sala de aula e a gente vai discutir o vocabulário. Já tem autor que trabalha assim. [...]
Trabalha com palavras-chaves. Tem exercícios que é palavra-chave, entendeu?
Adoto livro didático. Porque o ponto fica mais... Porque ele tem um apoio em casa.
Nem todos copiam. Você põe um esquema no quadro e sai explicando. História dá
margem para uma explicação que a gente pode pular de Costa e Silva para a Grécia
antiga. Tendo ponto eles ficam com um roteiro.[...]
O livro que eu uso é muito colorido mas é extenso. Usa muitas imagens, mas o aluno
não quer saber. O livro tem 17 capítulos. O aluno chega na 5a série sem saber ler nem
escrever. Dar dois capítulos por bimestre já é uma grande proeza.
Normalmente não uso livro didático. Não trabalho. Eles têm livro. Eu abordo o
assunto, aí eu posso dizer: olha, metade do capítulo 34 [...] Até aqui mais ou menos
vocês têm condição de responder [...] para poder fazer um questionário na próxima
aula, ou: criem dez perguntas sobre esse assunto, assim[...]61
Considerações finais
61
Trechos retirados das entrevistas concedidas por quatro professores de história no âmbito
da pesquisa por mim coordenada, intitulada A História Ensinada: Saber Escolar e Saberes
Docentes em Narrativas da História Escolar, em realização no Núcleo de Estudos de Currícu-
lo da Faculdade de Educação da UFRJ.
compreensão, pelos alunos, dos temas em estudo. Utilizados pelos alunos, pro-
piciam leituras e diferentes apropriações, que muitas vezes podem contradizer
certos consensos, como aquele que afirma a importância das imagens para a
compreensão dos textos. Como afirmou um dos professores, “excesso de imagens
pode confundir mais do que esclarecer...”.
A discussão apresentada é uma contribuição à compreensão do papel do
livro didático nas políticas educacionais, de forma a superar as análises mecanicistas,
dicotômicas, que ora superdimensionam e denunciam o poder da ação regulatória
do Estado, ora supervalorizam a instituição escolar como espaço de resistência.
O instrumental teórico aqui apresentado permite, no meu entender, dispor
de ferramentas que refinem as pesquisas e contribuam para desmistificar a visão que
atribui unicamente ao Estado e aos governos a ação política. E reconhecer que o
espaço da prática é também o espaço da ação exercida cotidianamente, não apenas
como resistência de oprimidos, mas também ao serem atribuídos sentidos e signifi-
cados às ações e decisões: lugar de desenvolvimento de política cultural.
As falas dos professores revelam que os livros didáticos certamente não
são mais considerados os vilões da história. Instrumentos de política educacio-
nal, são, no entanto, portadores de narrativas produzidas a partir de expecta-
tivas em relação ao público leitor e propiciadoras de leituras e usos diferencia-
dos.
A pesquisa apresentada, embora de caráter exploratório, possibilitou um
estudo inicial sobre a produção atual dos livros didáticos de história para o ensi-
no médio, com suas características e tendências principais. Foi interessante perce-
ber que a incorporação das diretrizes dos PCNs foi quase nula, fato confirmado
pelos professores, que afirmaram não consultá-los. A grande referência para a
seleção dos conteúdos a serem ensinados continuam sendo os programas e exa-
mes vestibulares. Das 65 obras identificadas, 30 traziam referências e questões de
exames vestibulares. Com a implementação do PNLD no ensino médio provavel-
mente teremos algumas mudanças nesse quadro. Cabe lembrar que as obras ana-
lisadas não tinham sido submetidas a avaliação, que só era feita até então em
livros do ensino fundamental.
É minha intenção dar continuidade a essa pesquisa por meio do estudo das
obras recomendadas pelo PNLEM 2007, a fim de ampliar as informações e estabe-
lecer relações que possibilitem uma melhor compreensão do processo envolvido
na produção de livros didáticos de história para o ensino médio em nosso país no
início do século XXI. Outras narrativas, novas leituras...
Julio Cortázar1
9 Entre as características do perfil social a destacar, tem-se que, na escola pública, os alunos
são originários de famílias pouco ou não escolarizadas (25% dos pais são analfabetos), em
que a ocupação profissional dos pais é predominantemente informal e pertinente ao setor de
serviços (domésticas, faxineiras, zeladores, pedreiros, comerciários). Os alunos são remanes-
centes das séries iniciais de escolas públicas da região, já que o ensino na escola pesquisada tem
início a partir da 5a série. Na escola particular, as famílias são altamente escolarizadas, predo-
minando o nível superior ou a pós-graduação. As ocupações profissionais predominantes
são no setor público (professores, petroleiros, funcionários do Estado) e em profissões libe-
rais e assemelhadas (advogados, médicos, comerciantes). Os alunos são remanescentes, em
sua maioria, da própria escola, que oferece desde a educação infantil vinculada a um projeto
de formação do leitor. Em ambas as escolas os professores têm nível superior de formação.
10 Segundo Austin (1961), haveria dois tipos de atos de fala: o performativo, em que se realiza
algo, e o constativo, que teria um caráter declarativo, pois se estaria descrevendo e, não,
realizando algo. Em seu estudo, Austin verificou que alguns enunciados precisavam ter valor
de verdade, e os chamou de constativos. Porém, existem outros enunciados que não podem
ser assim classificados por concretizarem uma ação, em vez de somente declararem: esses
enunciados ele chamou de performativos. Neste texto, apresento a denominação do ato de
fala constativo, não compreendendo necessariamente sua oposição a atos de fala performativos,
como características polares da linguagem.
tor, que saiba ouvir e ler o conhecimento estruturado na linguagem. O foco aqui
está no conhecimento. Já no narrativismo, a linguagem seria ação, constitutiva do
conhecimento, em narrativas diversas, elaboradas a partir da interpretação do
sujeito em sua relação com o mundo. O foco passa para o sujeito produtor de
sentidos, o que supõe a opacidade da linguagem, não sendo mais suficiente um
aluno dotado primordialmente da competência de recepção do conhecimento.11
Buscando a historicidade da linguagem, do sujeito e do conhecimento, o
ponto de vista em que me ancoro considera a linguagem como interação, como
resultado de negociação entre sujeitos. Ela é constitutiva, mas também constituída
historicamente, em processos que antecedem esses sujeitos. Dessa maneira, o co-
nhecimento histórico se constitui na linguagem em gêneros diversos, o que inclui
a narrativa histórica, que pode se diferenciar em gêneros expositivos de perfil
acadêmico ou escolar, em que sujeitos diversos negociam sentidos a partir de
significados já existentes. Assim, a linguagem, em sua opacidade, requer que a
compreensão do conhecimento histórico presente nos livros didáticos e apresen-
tado pelos professores ocorra na interação, nos limites da relação dos sujeitos
entre si e com conhecimentos já constituídos em gêneros de esferas diversas.12
11 A discussão apresentada implica muitos outros aspectos, mas foi reduzida aos limites deste
texto. Para maior aprofundamento, sugiro a leitura de textos com pontos de vista diversos.
Ver Falcon, 2000:41-79 e também Albuquerque Júnior, 2006:192-215.
12 Segundo Bakhtin, os gêneros se organizam em gêneros primários, ligados à cotidianidade, e
em gêneros secundários, reelaborados, que incluem desde a literatura até os conhecimentos
acadêmicos e jurídicos. Cada gênero tem forma composicional, conteúdo temático e estilo
diferentes, funcionando em contextos também diversos. Tanto a diferenciação proposta para os
gêneros em primários e secundários quanto a variedade de gêneros secundários em sua forma-
lidade podem representar uma contribuição para complexificar o debate sobre a relação entre
linguagem e conhecimento. Gabriele M. Spiegel sustenta um argumento que se aproxima deste,
ao afirmar que a solução para o debate entre o realismo e o narrativismo encontra-se na
diferenciação entre formas de uso da linguagem e espécies de textos — os literários e os docu-
mentais. Apud Falcon, 2000. Sobre a proposta bakhtiniana, ver Bakhtin, 1992a e 1992b.
13 Todos os nomes são fictícios, para preservar a identidade dos participantes da pesquisa.
nativos. A solução encontrada foi apresentar aos alunos um resumo do tema Roma
Antiga e pedir que o copiassem do quadro, aula após aula, durante o mês de março.
Como se deu o uso do resumo produzido a partir do livro didático e escrito
no quadro? Cada aluno copiou o resumo em seu caderno, houve uma leitura indi-
vidual e o uso posterior do texto para responder a exercícios de completar lacunas
e estudo para a prova. A partir desse momento, o circuito didático14 que se es-
tabeleceu nas três aulas seguintes — para a apresentação das três partes do texto —
foi a chegada da professora, a realização da chamada, a escrita do resumo no qua-
dro e a cópia pelos alunos. Ela não explicou, comentou ou fez perguntas. A turma
ficou em silêncio ou conversou entre si. Já no final do mês de março, a professora
passou no quadro exercícios baseados no resumo escrito. Foram exercícios
lacunados, ou de localização de palavras, muitas delas já sublinhadas no texto do
resumo. Sua pretensão era a da aprendizagem através da leitura do resumo.
No início da primeira aula efetiva de história, Cláudia explicou como seria
tratado o primeiro tema — Roma Antiga:
P: Roma nós vamos copiar porque o conteúdo é enorme, eu tenho o resumo pronti-
nho e esqueci de trazer. Muita correria. Esqueci de pegar no outro caderno meu. Mas,
a Idade Média, quando a gente entrar em feudalismo daqui a umas três semanas, eu
não sei, aí nós vamos... aí eu coloco com antecedência lá. Digo a vocês quanto é, dez
centavos, quantas páginas são, vou lá e tiro. [...] Vê se pra vocês fica melhor. Compra
uma pastinha e coloca as folhinhas?
P: Isso aconteceu na península Itálica. Pessoal, isso aqui é uma lenda, tá? O que é uma
lenda, hein? Pode falar.
14 Denomino circuito da aula a trama de atos, atividades ou experiências, em sua maior parte
rotineiras, que se desenvolvem entre o professor, os alunos e o conhecimento histórico escolar
em uma sequência que apresenta princípio, meio e fim, no horário escolar. Para maiores
detalhes e exemplos, ver Rocha, 2006:182.
A: É uma história.
P: É. É uma história, né? Uma ficção. Não é uma história-realidade, né? Isso aqui fala
dos deuses porque os romanos, do mesmo modo que os gregos, acreditavam em
deuses em forma humana. Então, isso aqui é lógico que é uma lenda. Na idade de
vocês, vocês já sabem que uma lenda é uma história de ficção. Não é a história que nós
estudamos através de documentação, de fontes, tá? É só para ilustrar... [...] Agora
vamos copiar o resumo.
15 Analisando o texto, descobri que a base para o resumo havia sido um livro didático. Ver
Cotrim, 1999.
16 Os professores em geral consideram que os alunos têm problemas de alfabetização, mas,
mesmo sem muita clareza, pode-se detectar aspectos da inserção desses alunos na cultura
escolar e da escrita, o que remete para o seu letramento. Magda Soares (2001) apresenta em
detalhe as características de ambos os processos. Para uma síntese das relações entre alfabeti-
zação e letramento e suas implicações para o ensino, ver Rocha, 2006.
Trecho 1 Parte 1
Roma 21 (dia 12/03)
continua
21O livro organiza as informações sobre Roma Antiga em dois capítulos. O capítulo Roma I
apresenta a localização, a origem e os aspectos políticos e sociais da Roma Antiga, desde a
monarquia até o fim do Império romano. Roma II apresenta o legado cultural da Roma
Antiga, subdividido em direito, artes, pão e circo e religião. Ver Cotrim, 1999.
Roma: origens
Por volta de 2000 a.C., os latinos — uma das tri-
bos italiotas — chegaram à Itália central e insta-
laram-se na região do Lácio, nas proximidades do
rio Tibre. Fundaram ali várias aldeias, entre elas
Roma.
Legenda: negrito: transcrição sem modificação; itálico: transcrição com alguma modificação; sublinhado: pala-
vras acrescentadas ao texto original; sublinhado e itálico: reestruturação do parágrafo a partir do texto original.
sujeito histórico da narrativa. A estratégia discursiva para obter tais efeitos foi o
uso da metonímia, que substitui um local por outro (a cidade nomeada no lugar
de um território mais amplo) e opera a personificação de Roma, o lugar substituin-
do a sociedade e a República, constituindo-se como sujeito histórico.22
Quem fundou Roma? O uso da voz passiva em textos didáticos de história
foi analisado por Orlandi como um dos recursos para a indeterminação ou apa-
gamento do sujeito histórico concreto.23 Efetivamente, foi o que ocorreu nesse
caso. Como o referente do texto era Roma, os criadores e sujeitos humanos da
cidade se tornaram secundários. A característica de focalizar Roma como sujeito
histórico acima dos sujeitos humanos já estava presente em alguns trechos do
texto do livro didático, mas na adaptação tornou-se quase absoluta.
No plano linguístico, na estrutura dos períodos anteriores e posteriores à
transformação realizada pela professora, pode-se perceber que muitos desses pe-
ríodos passam de períodos compostos a períodos simples, havendo a substituição
de vocábulos por outros supostamente mais simples:
LD: A península Itálica fica no sul da Europa, estendendo-se pela parte central do mar
Mediterrâneo.
P: [...] Agora nós vamos nos concentrar num novo assunto: Roma. E vocês coloquem,
então, o título, em letras de forma, assim como vou colocar no quadro.
[...]
P: Roma Antiga. Por que Roma Antiga? Vocês vão colocar Roma Antiga, sabemos que
estamos estudando ainda a Idade Antiga, essa é a última civilização da Idade Antiga
que nós vamos estudar. Portanto, escrevam com letras maiúsculas, né, Roma. Escre-
vam aí “Roma Antiga”. Vai ser o nosso próximo assunto. Em seguida, peguem o livro,
eu vou mostrar pra vocês. É o capítulo 8, tá?
[...]
A: Adriana, eu tenho essa figura. Esse...
P: Nós vamos folhear esse capítulo, tá, pra vocês irem se familiarizando com o que eu
falei.
[...]
P: Olhem bem, gente, presta a atenção. Eu quero que vocês deixem aberto aqui na
página que eu vou explorar esse capítulo agora com vocês, pra vocês irem, né, se
familiarizando com o assunto que nós vamos estudar.
[...]
P: Olha, agora nós vamos, nós vamos analisar as gravuras e o capítulo, na verdade, o
capítulo 8. As gravuras e a divisão, eu quero que vocês observem aí pra vocês se
introduzirem no assunto. O capítulo 8, olha o título “Roma, das origens à República”.
Então, como o título está dizendo, nós vamos começar estudando as origens de Roma,
isso quer dizer o quê?
A: De onde vem.
Alunos: Surgiu.
P: Surgiu, né. Aí tem um mapa embaixo, na página 110. Vão acompanhando, gente...
[...] Olha, a página 110 tem um mapa, olha o título. Sempre olhando o título se tiver,
tá? Península Itálica. O que é península Itálica?
A: É um país.
P: É o que é hoje...
A: A Itália.
P: Aí na sua frente, essa bota aí, tá vendo? A península Itálica, observem aí, tem o feitio
de uma bota. Olha o saltinho da bota. E nessa época que nós estamos vendo...
[...]
A: Oito.
P: Olha, século VIII a.C. Vamos lembrar aí que século VIII a.C. nós estávamos vendo
Grécia, já tinha, né, já tinham se formado as cidades-Estado. Tão pensando nisso?
Porque a Grécia arcaica é VIII, VII e VI a.C. Então, no VIII já estavam formadas as
cidades-Estado gregas, já existiam os aristois, já existiam os japoneses. Tão localizando?
Agora vamos localizar no tempo agora aqui. Roma. Aí no século VIII foi quando Roma
foi fundada, a cidade de Roma. Ô Luíza, olha bem aí, procura onde que está Roma no
mapa aí. Acharam?
Luíza: Achei.
P: Roma, olha só, tá junto dessa partezinha amarela aí. O que quer dizer isso? A
península Itálica tem várias cores. Uma parte amarela, uma roxa, uma verde, uma
marrom. Vocês estão interpretando isso como o quê? Larissa, você pode me infor-
mar? Por que que tem várias cores aí na península Itálica? [...] Olha, direitinho. Come-
ça olhando lá de baixo, que fica mais fácil. Porque a península Itálica, quando Roma
foi fundada, olha só [...] Então, eles, a península era formada, não tinha um povo só
morando aí. Tinha vários povos, inclusive os gregos, nossos conhecidos. Então olhem
bem. Tinham os gregos — quem quiser faça com lápis, tá gente — faz um círculo em
volta pra chamar a atenção. Gregos e etruscos, tem um povo de nome esquisito lá no
norte, olha, etruscos. Esse povo etrusco aí é um povo que é estudado até hoje, desco-
briram muito pouca coisa...
A: Etrúsculo?
P: Etruscos.
[...]
P: [...] Virando. Agora tem um desenho aí muito sugestivo, que é muito ligado à
história de Roma, lá embaixo, o que que vocês estão vendo aí?
P: Uma loba alimentando duas crianças. Isso aí faz parte da história de Roma de uma
forma muito forte. Porque, pelo que os historiadores falam, Roma foi fundada em
753 a.C. e, pelas pesquisas que os historiadores fizeram é que eles chegaram a essa
conclusão, foi fundada pelos italiotas, ali era uma aldeia pequenininha, primeiro, né,
na formação da cidade e com uma vida bastante simples. Mas os romanos, eles vão
criar uma história, uma história mais interessante. Então eles criaram esse mito, gente,
da loba, do Rômulo e do Remo.
A: Quê?
A: Do Rômulo.
P: Rômulo e Remo são esses dois garotinhos que estão aí mamando na loba. Já
ouviram falar?
A: Não.
A: Já.
P: [...] Depois eu vou pedir que vocês leiam a história aí, mas agora não, deixa eu
continuar na história. Os romanos criaram então esse mito de Rômulo e Remo, e depois
eu quero que vocês tomem conhecimento dele, mas continuando, os romanos funda-
ram Roma e vão viver ali numa cidade pequena. Agora continuando onde está escrito
“Os personagens de Roma”. [...] (Fragmento de transcrição de aula 5a série, Emem)
ção aos gregos, transferindo-as para os romanos. Ou seja, ela procura desenvol-
ver o raciocínio relacional e comparativo dos alunos. Para isso, faz referências,
evoca a cronologia, estabelece analogias, o que significa investir para que se che-
gue ao novo ou desconhecido (Roma) a partir do velho ou conhecido (Grécia). A
professora explicita a pretensão de que os alunos interpretem, mas se coloca per-
manentemente como alguém disponível para colaborar no ato interpretativo.
Pode-se concluir que ela assume o texto em sua opacidade, já que sujeito a inter-
pretação, mesmo que a uma interpretação desejada, e o aluno como leitor capaz
de interpretar, necessitando de orientação.
O conhecimento histórico, para ela, tem uma base, que é a de sua própria
formação e prática, e há um modelo de ciência que organiza esse conhecimento,26
que parece se aproximar do apresentado por Paulo Knauss27 como modelo das
explicações dedutivas, cujo produto é resultado de premissas. O autor o associa à
versão sistêmica da análise social que caracteriza as sociedades estabelecendo
modelos gerais. Tal caracterização apresenta cada sociedade organizada em dife-
rentes aspectos: sociais, econômicos, políticos, culturais. Daí a professora estabe-
lecer paralelismos entre a organização de uma sociedade e de outra e evocar o que
já sabem para estabelecer paralelos. Os alunos, a partir das formas de ensinar e
aprender estabelecidas na aula dessa professora, inferem o uso do modelo, fazen-
do perguntas sobre recorrências entre a Grécia e a Roma antigas.
Formato da península Compara verbalmente com Compara com uma bota, usando
Itálica uma bota. o mapa como apoio.
Importância da O texto (do resumo) não atribui Tanto o texto do livro didático
cronologia importância à cronologia, quanto a própria professora
fazendo poucas referências aos oferecem algumas datas e
marcadores temporais. referências temporais, que são
exploradas de forma singular e/
ou comparativa, situando os
eventos no tempo e entre si.
estabeleceu o seu lugar como leitores ou não leitores, definindo que texto de-
veriam ou poderiam ler.
Há ainda que se considerar o tempo de aula e a presença do professor: se o
professor tem o livro a sua disposição, este pode ser uma solução ou um empeci-
lho para sua aula, dependendo de suas pretensões e das condições anteriores. Na
aula da escola particular, a professora pretendia estar ausente da sala de aula
durante certo tempo e considerava possível os alunos fazerem uma primeira lei-
tura com autonomia. Em outras condições, especialmente em escolas públicas, o
“adiantamento de aulas” tem se mostrado uma estratégia muito utilizada por
professores e pela administração da escola para gerenciar a ausência de professo-
res. A posse do livro permite ao docente passar aos alunos a tarefa de copiar, ler
ou responder a exercícios durante sua ausência.30 Não estou avaliando aqui a
eficácia desse procedimento e, sim, registrando a prática em sua efetividade, e
como o livro didático e seu texto podem entrar no circuito da aula.
A quarta condição é a compreensão docente da leitura como um ato de
produção ou de reprodução de sentidos. Isso se relaciona diretamente à segunda
condição, pois contribui para definir a classificação dos alunos como leitores
ativos e produtores, ou passivos e reprodutores, e as escolhas que farão. No bojo
dessa compreensão está a concepção dos professores sobre o texto: se mero con-
dutor do conteúdo da disciplina e, portanto, transparente; ou se opaco, estando
a linguagem sujeita a interpretações diversas pelos alunos. Além do trabalho
interpretativo, esse aspecto acarreta a preocupação (ou não) com os protocolos
de leitura, ou seja, o “destaque” e a aprendizagem relativa a aspectos formais da
escrita, como os índices de leitura presentes no livro didático: títulos, subtítulos,
imagens, mapas, textos de boxes. Ambas as professoras evidenciaram determina-
da expectativa em relação aos protocolos de leitura: o sublinhado no resumo de
Claudia pretendia dizer “informação importante a ser fixada” e as ênfases
de Adriana, ao dizer “olhem aqui, leiam os títulos”, orientavam os alunos para a
relevância e a interpretação do texto, do tema e de suas relações.
Como última e não menos importante condição arrolada para a apropria-
ção, pelo professor, do texto do livro didático de história, destaco suas concep-
ções de história e de ensino-aprendizagem e a relevância que ele atribui aos con-
teúdos na perspectiva que privilegia ensinar as noções históricas que considera
fundamentais para a elaboração de determinada relação com o passado e entre os
Maria Lima *
3 De acordo com Weisz (2000:55), a teoria empirista — historicamente a que mais vem
impregnando as representações sobre o que é ensinar, o que e como se deve ensinar, quem é
o aluno e como ele aprende — expressa-se em um modelo de aprendizagem conhecido como
de “estímulo-resposta”. Esse modelo define a aprendizagem como “a substituição de respos-
tas erradas por respostas certas”.
4
Olson, 1997.
5 Scribner e Cole, 1981.
6 Kleiman, 2003.
7 Oliveira, 2003.
8 Freitas, 2002.
9
Bakhtin (1986:31-32) afirma que toda relação social é entendida como ideológica, e tudo o
que é ideológico possui um significado e remete a algo material que está fora de si mesmo.
Nesse sentido, tudo o que é ideológico é um signo e, dessa forma, sem signos não existe
ideologia. Pelo fato de os signos estarem sujeitos aos critérios de avaliação ideológica, o
domínio ideológico coincide com o domínio dos signos. Tudo o que é ideológico possui um
valor semiótico. O locutor serve-se, em especial, da palavra, que tem uma característica ideo-
lógica que a torna signo para a consciência.
10 Bakhtin, 1986:34.
11 Oliveira, 1992:28.
mentos que o sujeito detém não é o critério considerado mais adequado para
avaliar seu desenvolvimento. Por outro lado, quando o sujeito aprende história
para utilizá-la na análise de aspectos de sua vida prática, compreender a experiên-
cia do tempo, interpretando-a na forma de história, é possível dizer que houve
aprendizagem, pois houve desenvolvimento da consciência histórica.
A competência narrativa é definida como a habilidade de a consciência
humana realizar procedimentos que dão sentido ao passado, tornando efetiva
uma orientação temporal da vida prática no presente através da recordação da
realidade passada. Nessa perspectiva, a possibilidade de narrar é fundamental,
uma vez que a narrativa histórica é mais do que um modo específico da
historiografia. Intérpretes contemporâneos como Ricouer13 apresentam a narra-
tiva histórica como um procedimento mental básico que dá sentido ao passado
com a intenção de orientar a vida prática no tempo.14
As relações entre tempo e narrativa demonstram que a compreensão do
tempo é uma produção linguística. Simultaneamente, há um movimento em
que as operações discursivas presentes na narrativa implicam também um pro-
cesso constitutivo da compreensão do mundo pelo homem, envolvendo ainda a
constituição do próprio ser. Nesse âmbito, escrita e consciência histórica se
encontram.
A escrita, em suas potencialidades metalinguística e metacognitiva, incide
nos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem da linguagem escrita, en-
quanto media, concomitantemente, o desenvolvimento da consciência histórica.
Em outras palavras, a língua escrita apoia a constituição da ideia e o desenvolvi-
mento do pensamento, colocando o indivíduo em contato com outras ideias em
meio à apropriação das características do sistema de representação.
Considerar que, no espaço do livro didático, o estudante escreve, priorita-
riamente, para comunicar uma ideia, esperando do leitor uma atitude responsiva
torna-se crucial para a promoção de uma aprendizagem significativa. Por conse-
guinte, é importante conhecer os processos cognitivos envolvidos no ato de escre-
ver como forma de explicitar a importância de um ensino de história comprome-
tido com o desenvolvimento da competência de escrita do estudante.
13 Ricouer, 1994.
14
É importante ressaltar que a compreensão do passado — que se dá na forma de narrativa
e, portanto, se constitui na competência narrativa — está envolta nas deliberações morais que
conectam passado, presente e futuro em torno de uma realidade visível ao sujeito que a
enuncia.
18 Kramer, 2001:110.
linguisticamente o que pensa. Nesse sentido, servem muito mais como vivência do
que como experiência. Tal aspecto é reforçado por quase todos os manuais didá-
ticos, que desconsideram a língua como instrumento que permite ao aluno rela-
cionar, ampliar, contrapor, presumir, argumentar, definir ou problematizar
conteúdos.
Uma das maneiras de se romper com essa lógica é propor atividades em que
o estudante, além de tomar notas, responder a perguntas, elaborar descrições ou
relacionar informações, possa retomar determinadas reflexões em situações de
reescrita em diferentes contextos.
Na atividade de reescrita, o estudante é levado a reler sua produção com o
objetivo de avaliar o que mantém, o que muda, o que acrescenta, o que retira em
função de novos critérios adotados. Embora a constituição do processo interlocutivo
como pressuposto inerente à escrita já esteja presente logo no primeiro texto, na
atividade de reescrita a natureza dialógica da produção textual pode ganhar uma
conotação especial, já que o autor acaba necessariamente tornando-se o leitor de
seu próprio texto. Esse movimento de alternância dos papéis de enunciador/
coenunciador,19 a meu ver, está intrinsecamente ligado àquele do ajustamento da
compreensão dos conteúdos, sejam eles linguísticos, sejam relacionados a fatos,
dados ou conceitos.
Mas essa possibilidade existe tanto em situações em que o estudante revisa
e reescreve seu texto logo após tê-lo produzido quanto, e principalmente, ao ser
convidado a retomar sua produção escrita após atividades de estudo em que
ocorra contato com novas informações e pontos de vista. Promove-se, assim, um
afastamento importante, que potencializa a transformação do olhar sobre as
formas e conteúdos de dizer na expressão do que se tem a dizer a partir do forta-
lecimento do papel coenunciador do sujeito.
Quando a produção escrita pode ser retomada pelo estudante num contex-
to diferenciado, dá-se-lhe a possibilidade de, por um lado, expressar efetivamente
o que já sabe e como sabe o que sabe. E, por outro, de constituir seu saber de
forma mediada, uma vez que a escrita, como instrumento interno, reorganiza as
20 Dias, 2007.
21
Maingueneau, 2002:42.
22 De acordo com Rüsen, a consciência histórica está intimamente relacionada à consciência
moral, pois o relato estrutura-se sempre em torno das crenças desse sujeito no presente e de
suas intenções no que respeita à narrativa, incorrendo em decisões linguísticas que evidenciam
sua competência narrativa.
23 A experiência de tempo pode ser caracterizada pela maneira de o sujeito sentir, pensar e
utilizar o tempo em sua narrativa. A narrativa constitui (especificamente) a consciência histó-
rica, na medida em que recorre a lembranças para interpretar as experiências do tempo. Para
a constituição da consciência histórica, a lembrança é, por conseguinte, a relação determinante
com a experiência de tempo. Ver Rüsen, 2001.
Considerações finais
24 Importante ressaltar que não se está defendendo o esvaziamento dos conteúdos nas aulas
de História. Pelo contrário, uma boa formação inclui o domínio de dados, informações,
definições, conceitos. No entanto, acreditamos que a ênfase do ensino deva ser em possibilitar
que o sujeito apreenda esses elementos como parte de um processo reflexivo maior, em que,
a partir de questionamentos sobre o presente, ele possa revisitar o passado em suas múltiplas
temporalidades como sujeito da aprendizagem e não como mero espectador de fatos sem
sentido.
25
Isso não quer dizer que se deva ignorar essas questões e, sim, que elas precisam ser subor-
dinadas à busca de uma melhor expressão daquilo que se tem a dizer. Assim, o primeiro olhar
do professor deve se voltar para a ideia que está sendo expressa, deixando de julgar o texto do
estudante pela quantidade de “erros” ou por suas “faltas”. É a busca da melhor expressão
de sua ideia para um destinatário que esteja realmente interessado nela que apoiará o
processo de reflexão do sujeito escritor sobre o sistema de representação, e não o contrário.
26 Isso significa ler a fala das crianças dentro de determinada situação, dialogar com elas,
adotando uma postura de compreender o que foi dito. “Estamos reiterando a necessidade de
que aquele que ensina a escrever e que, portanto, é o leitor privilegiado dos textos produzidos
pelos aprendizes, possa fazê-lo com os olhos da compreensão, isto é, reconhecer que os textos,
como instâncias discursivas individualizadas, são atravessados por um conjunto de fatores
determinantes. Consideramos que saber detectar nos textos as marcas desses determinantes
é poder começar a receber a palavra do ‘outro’ (do ‘aprendiz’), para poder realizar a atitude
responsiva ativa” (Leal, 2003:56).
27 Benjamin, 1993.
Entrando no debate
Este é mais um texto sobre a disciplina escolar “história”. Mais um que, como
outros, aposta na potencialidade heurística do livro didático para pensar ques-
tões relativas ao conhecimento histórico produzido, socializado, ensinado e apren-
dido nas instâncias em que esse saber específico circula. Como as demais escritas,
esta traz a marca da autoria, do lugar de onde se enuncia. Marca comum, a auto-
ria é, no entanto, o que também o diferencia dos outros, pois só pode ser singular.
Singularidade essa expressa na forma de entrar no debate, “carregando” sentidos
disponíveis e projetando outros em disputa nos espaços discursivos em que a
temática “livro didático de história” é pensada.
Neste texto, a reflexão acerca do livro didático de história se faz do lugar do
“ensino de”, sublinhando a positividade da ambivalência presente nessa expres-
são, quando significada como lugar de fronteira entre saberes e fazeres diferencia-
dos. Falar desse lugar implica reconhecer simultaneamente um espaço híbrido de
entrecruzamento de discursos ou formações discursivas distintas — história e
educação — com o potencial subversivo, do ponto de vista tanto político quanto
epistemológico, que pode carregar esse hibridismo1 para pensar a história ensi-
nada nas escolas em nossa contemporaneidade.
2
Choppin, 2004.
exercícios de história nessa disciplina e nesse texto. Por fim, problematizo um tipo
de exercício específico nessa área disciplinar — o “trabalho com documentos
históricos” a partir da análise de alguns fragmentos de discursos sobre documen-
to que circulam em uma coleção didática avaliada positivamente pelo Plano Na-
cional do Livro Didático (PNLD) do MEC, procurando identificar as tensões e
disputas mencionadas.
3
Sobre a complexidade e a multiplicidade de funções do livro didático, ver Choppin, 2004.
4 Refiro-me particularmente a autores como Hall, 1997; e Canclini, 2005 e 1998.
5 Ver Ball, 1998 e 2001; e Lopes, 2005, 2006 e 2007.
6 Hall, 1997.
7 Ibid.
8
Canclini, 2005.
9 Hall, 1997.
10 Appadurai, apud Canclini, 2005:48.
11 Silva, 2000.
12 Macedo, 2003/2004, 2006a e 2006b.
13 Canclini, 1998 e 2005.
14 Ball, 1998; Lopes, 2005 e 2006.
15
Bernstein, 1996 e 1998.
16 Ball, 1998.
17 Canclini, 1998 e 2005.
18 Lopes, 2005:50-64.
19 Canclini, 2005.
20 Foucault, 1996.
21 Bernstein, 1996 e 1998.
22 Lopes, 2007:214.
A História acadêmica comporta simplesmente todo o passado humano, ela tem ofícios
e metodologias, ela conflui em permanência com outras ciências do homem, e com
outras figuras de conhecimento [...] A história escolar é uma enorme e polivalente lição
das coisas sociais, morais e intelectuais. Ela veicula ao mesmo tempo a conformidade
e a tomada de distanciamento, a continuidade e a reapreciação. Frágil terreno para a
definição simples de aprendizagens específicas.26
27 Chevallard, 1991:30.
28
Moniot, 1993.
29 Lautier, 1997; e Moniot, 1993.
30 Lautier, 1997:125.
A opção por centrar minha análise nos discursos sobre exercícios com documen-
tos sustenta-se pelo fato de esse tipo de exercício concentrar e potencializar vestí-
gios ou marcas textuais que propiciam a apropriação do livro didático de histó-
ria tanto como fonte para análise do seu papel na política de currículo, quanto
como “produto cultural didatizado”,31 nos remetendo ao campo da epistemologia
social escolar, que oferece elementos de reflexão sobre a especificidade do proces-
so de produção do saber histórico a ser ensinado e aprendido na educação básica.
Entre as marcas textuais presentes nos livros didáticos que permitem perce-
ber o papel por eles desempenhado na produção de políticas de currículo desta-
cam-se os discursos produzidos sobre o sentido de inovação curricular. Nas últi-
mas três décadas da trajetória de construção da disciplina escolar “história”, a
tensão entre antigo e novo, conservador e inovador, referente tanto ao conteúdo
quanto aos procedimentos didáticos recontextualizados e hibridizados nos dis-
32 Lautier, 1997.
33 Ibid., p. 113.
34 Bittencourt, 2005.
35 Ibid., p. 327.
38
Montelato, Cabrini e Catelli, 2000b, seção “Estrutura dos capítulos”.
39 Bittencourt, 2005:327.
40 Chevallard, 1991:65.
* Este texto recebeu a contribuição crítica dos componentes do grupo de pesquisa de Oficinas
da História, quando de sua apresentação no seminário Os Livros de História na Escola: Traje-
tórias e Usos. Posteriormente, foi agraciado com considerações pontuais de Helenice Rocha e
Marcelo Magalhães. Wilma de Nazaré Baía Coelho o leu e sugeriu ajustes. Agradeço a todos.
** Professor adjunto da UFPA.
1 Ver, entre outros, Nosella, 1979:181-184; Menezes, 1983:51-58; Faria, 1984:34-37; Guima-
rães, 1989:47-54; Lima, 1995:407-419; Bittencourt, 1997:81-84; e Rodrigues, 2005:287-296.
2 Sobre cultura histórica, ver Le Goff, 1996:47-76.
3 A escolha se deve ao recorte estabelecido para uma outra pesquisa que realizo, juntamente
com as doutoras Rosa Elizabeth Acevedo Marin e Wilma de Nazaré Baía Coelho, professoras
da Universidade Federal do Pará, e com o doutor Jonas Marçal de Queiroz, da Universidade
Federal de Viçosa. A pesquisa tem por título Etnia e Diferença no Universo Escolar: um Estudo
sobre os Conteúdos Étnico-Culturais na Educação e o recorte busca priorizar as séries que
mais discutem questões relativas à identidade.
4 Guimarães, 1988:6.
5 Ibid., p. 11.
6
Quintanilha, 1990:18-33.
7 Ver Alencar, 1964/1965.
8 Sobre essa questão, ver especialmente Bosi, 1992:176-193.
9 Sobre esse aspecto do romantismo brasileiro, ver Silva, 1994:57-60; e Carrizo, 2001:39-43.
10 Sobre a emergência das teorias raciológicas no Brasil e sua apropriação nas análises sobre
11
Freyre, 1996:242-243; Prado Júnior, 1999:26-27; e Holanda, 1979:17.
12 Letra e música de David Nasser e Alcir Pires Vermelho.
13 Letra de Ary Barroso.
Perrone-Moisés, 1992.
18 Como em Franco, [s.d.]; Pinto, 1991:49-72; Belluzo, 1995:47-58; e Raminelli, 1996. Estes
últimos trabalhos estão relacionados a uma forte linha de pesquisa de matriz europeia, com
grande repercussão no Brasil, por meio de dois autores em especial: Gerbi, 1993; e Letringant,
1997.
19 Como em Schwartz, 1999; Monteiro, 1994; e Kern, 1994:32. Sobre a denúncia do etnocídio,
ver Dean, 1984; e Monteiro, 1991a:137-167. Sobre os processos de resistência e a consideração
da política indígena, ver Monteiro, 1991b:130-135; Vainfas, 1990/1991:105, 123-124 e 1995;
Domingues, 2000; Sommer, 2000; Sampaio, 2001; e Dreyfus, 1993:31-36.
20Por livro didático entendo o livro adotado pelo professor, com vistas ao acompanhamento
do conteúdo curricular, de forma sistemática e cotidiana.
21 Oliveira, 1972:14; Franco, 1982:17-19; Lima, 1995:407; Zamboni, 1996:246-248; Villalta,
1996:223-224; e Bittencourt, 1997:71-73.
28
Zamboni, 1996; Furtado, 1996:238-242; e Bittencourt, 1997.
29 Franco, 1982:22.
30 Ibid., p. 36-38.
31 Abud, 1984:83.
32 Baldissera, 1997a:82-94, 100-102.
lho, o mesmo autor considerou que o conteúdo histórico era apresentado como
algo pitoresco, como um conjunto de ideias e fatos inquestionáveis.33 Flávia Eloísa
Caimi indicou que a maior parte dos livros analisados por ela apresentava uma
abordagem isenta de conflitos, na qual a multiplicidade da leitura historiográfica
não tinha lugar; ainda segundo ela, poucos autores apresentavam concepções de
história que permitiam aos alunos e professores se perceberem como sujeitos do
processo de conhecimento.34 O que, por extensão, implica considerar-se como
sujeitos do processo histórico.
Sonia R. Miranda e Tânia R. de Luca apontam para o fato de que, a
despeito das inovações introduzidas desde a instituição das análises dos livros
didáticos, grande parte deles reproduz a cultura histórica posta, com aborda-
gens acontecimentais e informativas.35 A confrontação das análises relativas ao
período anterior à formalização das avaliações oficiais com aquelas realizadas
sobre um material analisado pelo PNLD coloca o problema da permanência de
uma visão de história distanciada do conhecimento histórico produzido nas
últimas décadas.
Para Araci R. Coelho, o descompasso verificado entre abordagens e con-
teúdos presentes nas reflexões acadêmicas e o que se apresenta no livro didático
deve-se à natureza distinta de uma e outra produção. Enquanto a primeira apro-
xima-se do discurso da ciência, a segunda deve “gerar aprendizagem”.36 A primei-
ra promove um saber que não é o saber escolar — aquele formulado para ser
apropriado por crianças e adolescentes em diferentes estágios de formação. Se-
gundo Araci Coelho, o saber escolar seria aquele voltado para a formação
cognitiva do aluno, daí a necessidade de cortes e simplificações, de modo a permi-
tir sua emergência.37
Sobre essa questão, Paulo Knauss elabora crítica importantíssima: ao
desvincular-se do pensamento científico, o ensino de história — e seu livro didá-
tico — viabiliza a permanência de um aporte moral na abordagem da disciplina.
33 Baldissera, 1997b:95-104.
34 Caimi, 1999:86-87.
35
Miranda e Luca, 2004:136.
36 Coelho, 2005:239.
37 Ibid., p. 241.
Analisei, para este trabalho, 12 livros didáticos publicados entre 1992 e 2005. A
seleção das obras respeitou duas ordens de problemas: primeiro, terem sido
adotadas em escolas (públicas ou particulares) do município de Belém, no estado
do Pará; segundo, permitirem uma visão inicial sobre as possíveis transformações
das obras didáticas em um processo de consolidação da avaliação instituída pelo
PNLD. Privilegiei os livros destinados à 5a e à 6a séries, notadamente os que mais
fazem referência às populações indígenas.
De imediato, pude perceber uma enorme inflexão no tocante a como as
populações indígenas são introduzidas nas abordagens, caracterizada pelo espa-
ço que lhes era dispensado. Livros produzidos na década de 1990 reservavam
poucos capítulos para a história das populações indígenas. No mais das vezes, o
analista encontra nos volumes destinados à 5a série um único capítulo, relativo
aos impérios americanos — astecas, incas e maias — e/ou à pré-história [sic]
brasileira, e outro relativo aos desdobramentos da conquista.39 Já com relação
aos livros da 6a série, verifica-se que as populações indígenas não eram objeto de
qualquer capítulo, tema ou conteúdo específico; encontravam-se referidas em
meio a outras temáticas, como o comércio do pau-brasil e a expansão bandeiran-
te. Nesta primeira década do século XXI, os espaços destinados às populações
duplo descobrimento” e “Os portugueses na América” (Piletti e Piletti, 2001b); Silva, F., 2001a
e 2001b.
41 Sobre saber escolar há uma imensa produção. Remeto os leitores a dois textos que situam
43Valadares, Ribeiro e Martins, 1992a:55 e 1992b:123, 151-152; Silva, F., 1994:20 e 2001b:150-
151; Cotrim, 1996:55; Schimidt, 1999:141, 192; e Piletti e Piletti, 2001b:82-87 e 2005:124, 126-
127.
44 Valadares, Ribeiro e Martins, 1992a:83-87; e Piletti e Piletti, 2001b:74.
45 Valadares, Ribeiro e Martins, 1992b:126; Silva, F., 1994:34; Schimidt, 1999:154; Silva, F.,
2001a:154; e Piletti e Piletti, 2005:124.
46 Cotrim, 1996:75.
47
Valadares, Ribeiro e Martins, 1992a:56.
48 Cotrim, 1996:109. Nesta obra, uma seção tem os seguintes subtítulos: “A matança dos
povos da América”, “A conquista sangrenta da América” e “Formas de violência contra o
índio”, p. 47-51.
49 Piletti e Piletti, 2001b:75.
Na história de uma pessoa ou de um povo, nada acontece por acaso: tudo tem uma
razão de ser. [...] Compreender o presente e planejar o futuro é parte da missão da
História: quando conhecemos o passado e o reescrevemos, evitamos os erros e valo-
rizamos os acertos, na construção de um futuro melhor, mais justo e mais pacífico
para a humanidade. Por tudo isso, a História é também a investigação das leis de
organização e mudança das sociedades humanas.53
O estudo da história nos proporciona maior capacidade para perceber de que manei-
ra, há milhares de anos, o homem vive da exploração do trabalho de outro homem e,
com isso, vem criando profundas desigualdades sociais. [...] Em síntese, sendo uma
disciplina cuja preocupação fundamental é o desenvolvimento da reflexão, do pensa-
Para que o passado da humanidade seja realmente entendido como história, o seu
estudo e a sua interpretação devem ser feitos através de uma análise crítica e reflexiva.
[...] a simples narrativa do passado [...] não é história [...] porque não analisa as
sociedades [...]. E, se não é história [...] deve ser condenada pelos professores e autores
que têm a preocupação de desenvolver no jovem estudante o espírito crítico e reflexivo.
Se usarmos esse espírito crítico e reflexivo ao analisar o passado, poderemos contri-
buir para transformar a sociedade, tornado-a mais humana, mais justa, menos esfo-
meada e miserável.56
54
Silva, F., 1994:10.
55 Cotrim, 1996:9.
56 Silva, F., 1996a:24.
59 Valadares, Ribeiro e Martins, 1992b:140-141; Silva, F., 1994:70; Cotrim, 1996:93-94; Silva,
Palavras finais
65
Piletti e Piletti, 2001b:72.
66Silva, F., 1994:21-22; Cotrim, 1996:96; Schimidt, 1999:156-157; e Piletti e Piletti, 2001b:123 e
2005:116, 143.
Nesse ponto, creio que possa expor a conexão que animou a junção dos
conceitos de representação, sujeitos e cidadania, tal como indicado no título, e
que minimamente nos servem de baliza nessa empreitada. Para expressar a cone-
xão, usarei como chave a generalidade que assusta: “a sociedade que queremos”.
A cidadania — o ideal de igualdade, de participação e articulação entre
partes — compõe a sociedade que desejo. Junto com a minha experiência, ela é
um horizonte a ser perseguido. Seguindo Roger Chartier, seja como experiência,
seja como horizonte, minha utopia de sociedade é uma representação: um “es-
quema intelectual incorporado que cria figuras, nas quais o presente pode adqui-
rir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado”.1
Se as representações conferem sentido, tornando a vida inteligível, é neces-
sário considerar que é a partir delas que tomamos nossas decisões, consciente-
mente ou não. E aqui está um ponto nodal para este texto, tanto por encaminhar
os conceitos de sujeito e cidadania, quanto por já sugerir papéis para a escola e o
livro didático. Muitas vezes fazemos uso de valores, critérios e conteúdos — nos-
sos modos de ver e pensar o mundo —, sem identificá-los ou refletir sobre eles.
Nossas ações, assim, se fragilizam porque desconhecemos seus sentidos e possíveis
alcances. Somente quando cônscios das representações é que podemos potencializar
nossas ações, pois nos tornamos aptos a escolher.
De modo geral, nomeia-se sujeito àquele que detém a ação, mas aqui estou
nomeando como sujeito aquele que age de modo consciente, compreendendo tal
consciência uma percepção histórica de si e dos outros sujeitos, permitindo a
elaboração de uma perspectiva entre alternativas e a definição de uma para si, ou
seja, o sujeito como aquele que se habilita a identificar e refletir sobre as represen-
tações — suas e alheias — e que, exatamente por isso, qualifica suas decisões. O
sujeito é aquele que se torna senhor de suas ações, não por controlar o resultado
delas, mas por estar alerta aos seus sentidos particulares e/ou compartilhados.
Com tais pressupostos, falar da “sociedade que queremos” é indicar não só
a sociedade como um modo de ver e pensar, mas também os sujeitos que a produ-
zem, assinalando o querer a ação consciente e selecionada. E é aqui que minhas
inquietações começam e certas perguntas podem ser direcionadas para o livro
didático. Como “vemos e pensamos” a sociedade? O que escolhemos? Em que
medida somos sujeitos na sociedade em que vivemos?
1 Chartier, 1990:17.
Reservas indígenas. Creio que a criação das reservas indígenas foi efetuada para
dar sustento e bem-estar aos índios, conservando-os em seu ambiente de origem.
Com a proximidade das cidades, porém, esta ambientação fica prejudicada. Então, a
assistência governamental teria que supri-los de várias necessidades, inclusive orientá-
los tecnicamente, criando projetos agropecuários. Nada disso é feito e o que temos são
terras interditadas se enchendo de mendigos assistidos por cestas básicas. Algo deve
ser repensado; índios convivendo com civilizados têm de ser preparados para se inte-
grarem, e não para viverem miseravelmente isolados. De nada adianta assistência
ocasional e demagógica em horas de crise. Índio não é bicho de estimação, que só
precisa de sossego e floresta. É gente e precisa evoluir.2
Sem dúvida o leitor se coloca como defensor dos índios, criticando aqueles
que os aproximam dos animais, bem como a ausência de ações de governo. Entre-
tanto, o discurso de defesa sentencia que eles são inferiores, tanto por “terem que
evoluir”, como por precisarem “ser preparados”, “orientados” e mesmo “serem
supridos em suas necessidades”, como se não possuíssem autonomia e suas esco-
lhas nunca fossem satisfatórias. Afirma-se que “índio não é bicho”, mas tampouco
é considerado “civilizado”, possui um “ambiente de origem” identificado com a
“floresta”, que o afasta dos não índios habitantes das cidades e, na obrigatoriedade
de uma convivência, o coloca numa situação desclassificada de “mendigo” que
precisa “ser assistido”.
Alguém que escreve para um jornal é alguém alfabetizado e que lê jornal,
conhecendo não só o veículo em si, mas exibindo um envolvimento com as temáticas
por ele apresentadas. Sabendo que a carta foi enviada online, qualifiquei ainda
mais seu autor, restringindo o universo daqueles que poderiam assim se manifes-
tar num rol de pessoas com instrução e acesso, pois o número de excluídos digitais
2 Carta de Iovanda Campos, publicada em 3 de março de 2005 na seção Cartas dos Leitores
do jornal O Globo.
3 Grupioni, 1995.
4 A democratização não só abriu portas para a crítica da história ensinada, como, pontual-
mente, certas questões foram direcionadas para a escola, como a sociodiversidade. A obra A
temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1o e 2o graus (Silva e Grupioni,
1995) apresenta, na introdução de seus organizadores e no primeiro capítulo, a temática da
diversidade.
singular. Não foram os povos indígenas na sua variedade, mas “o” índio. O Impé-
rio atualizou a homogeneização que o termo dado por Colombo fizera, e sob
penas, arcos e flechas constituiu-se-lhe uma alegorização na murça imperial, em
medalhas, estátuas, litogravuras, pinturas.5
Esse índio alegorizado e genérico povoou os livros didáticos desde aquele
momento. Através de imagens e textos, costurou-se historicamente a compreen-
são dos índios como os ancestrais brasileiros, o que em muito não se alterou:
ainda hoje é comum o primeiro capítulo dos livros de história do Brasil ser desti-
nado a eles, numa mítica de origem. Desse modo consolidado, não seria inade-
quado dizer que a pertinência da manifestação pró-índio do leitor do jornal pode
ter sido fermentada com uma preocupação com essa ancestralidade identificadora
da brasilidade.
E o que teria definido para ele que o índio vive na floresta e é inferior aos
não índios? A escola aqui também pode ter tido um papel preponderante.
Registrados por Circe Bittencourt como “característica marcante dos li-
vros de História do Brasil a partir de 1860”,6 os índios foram apresentados funda-
mentalmente como “selvagens”, valorizando a ação catequética e civilizadora dos
europeus. Se o discurso de selvageria não alimentou necessariamente todas as
obras até o século XXI, por outro lado, a sistemática apresentação dos índios
apenas quando da chegada dos europeus à América ou ao Brasil nos livros de
história define, segundo Luís Donisete Grupioni, duas desclassificações: (a) eles
são assunto do passado; e (b) sua existência depende da sociedade europeia, pois
foi através dela que se tornaram visíveis para o mundo.7 Ser pretérito e coadju-
vante expressa características inferiorizantes, que, somadas a uma perspectiva
evolucionista ainda pujante em nossa sociedade, são facilmente encontradas no
discurso das carências e impossibilidades visto no fragmento.
A maior parte da população brasileira continua falando “índio” no singu-
lar, assim como compreende que só são índios aqueles que vivem nas matas, em
idílica sintonia com a natureza, e rejeita a possibilidade de índios se manterem
como tais vivendo entre não índios. Para o exercício da cidadania, tais pressupos-
tos são fatais, pois a homogeneidade é simplificadora e a proximidade à natureza
5
Cf. Schwarcz, 1998.
6 Bittencourt, 1997:80.
7 Grupioni, 1995:487-488.
animaliza. Quando os grupos indígenas são confrontados por sua alteridade aca-
bam identificados como inferiores em relação ao “nós” de quem fala e, desse modo,
onde se espera igualdade, hierarquias são construídas; onde se espera participa-
ção, uma incapacidade é criada.
Uma pesquisa realizada pelo Ibope em 2000, solicitada pelo Instituto
Socioambiental — uma ONG dedicada a temas de interface social e ambiental e
com grande atuação junto aos povos indígenas —, evidenciou que a maioria dos
brasileiros seria “pró-índio”, mas essa maioria teria compreensões estereotipadas
e não se consolidaria como força político-institucional, fazendo com que a “mi-
noria aguerrida que contesta [desde a] sua existência ao reconhecimento dos seus
direitos especiais ou originários”8 se tornasse decisiva.
Significativa dessa situação apresentada por Márcio Santilli foi a avaliação
da composição do Congresso Nacional:
Há, no Congresso, parlamentares convictos na defesa dos índios, embora não haja
parlamentares indígenas. Há, também, os que se contrapõem aos seus direitos. Há,
sobretudo, uma maioria parlamentar desinformada e pouco interessada na questão.
Nem sequer os partidos, na sua quase totalidade, dispõem de definições programáticas
claras a respeito dos índios. A depender das circunstâncias, essa maioria parlamentar
disforme pode se posicionar sob maior ou menor influência de cada posição.9
8 Santilli, 2000:94.
9 Ibid., p. 95.
10 Bittencourt, 1997:71.
Como explica Pierre Nora, entre as inúmeras especificidades da memória, ela “se
enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”. Dessa forma, os
livros também são lembrados por suas materialidades (como seus aspectos físicos
cor, grossura, capa dura etc.), pelas disciplinas a que se referem (português, história,
admissão etc.) e por terem formatos distintos de acordo com a série [...]
E eu me lembro muito bem da escola, da cartilha, tinha uma menina de trança dese-
nhada na capa, não era foto [...] E aí em outubro a gente recebia o primeiro livro de
leitura. Desse eu tenho uma vaga lembrança dele... não sei se era da mesma autora ou
não. As gravuras eram geralmente bico-de-pena, não eram fotografias e não eram
coloridas. Mesmo os do ginásio, que depois você me perguntou, das gravuras. O livro
de ciências era bastante ilustrado, mas geralmente com desenhos mesmo, que eram
feitos com nanquim e depois para editar e tudo. E a gente não tinha essa coisa de livro
colorido de fotografia, nada assim. (Entrevistado 3)
Essa era preto-e-branco... a história de uma família chegando em Porto Alegre, num
navio, pelo Guaíba. Então era a família, você via o navio, a família no convés do navio,
Porto Alegre e a ponte. (Entrevistado 5)11
11 Fernandes, 2004.
Trago essa dimensão da memória para dizer que, além dos conteúdos
textuais, os conteúdos imagéticos alicerçam referências nos sujeitos. As imagens
dos livros didáticos se transformam num repertório ativo de significados possí-
veis.
É interessante perceber que o primeiro depoimento constrói seu sentido na
comparação com um material inexistente em sua época, o atual livro colorido e
com fotografias. Essa comparação materializa um ponto que me inquieta e esti-
mula na compreensão das imagens do livro didático: a consciência de apropria-
ções que não estão regradas pelos conteúdos do livro didático, mas pela experiên-
cia. É fundamental termos em conta que a experiência de um dado momento é
que constrói a lembrança e lhe dá sentido, organizando um julgamento e possi-
velmente uma ação.12
Já o segundo depoimento, falando de atividades que ocorriam em um mes-
mo tempo, materializa o esgarçamento de sentidos e usos, pois o material do livro
didático ganhava o artesanato popular, descolando a imagem de seu propósito
pedagógico e atuando numa percepção estética e de consumo de grupos que não
se resumiam ao grupo escolar.
Pode-se questionar que não se tem como averiguar a suposta simplicidade
das correlações entre “imagem livro” e “imagem artesanato”, como fez supor o
depoimento, e há ainda uma outra inquietação. Considerando a existência de
uma iconosfera — o conjunto de imagens que, num dado contexto, está social-
mente acessível13 —, é imperativo, quando da elaboração e uso do livro didático,
avaliar as correlações entre as imagens, sejam elas as do conjunto do livro ou dele
com a sociedade.
Circe Bittencourt tocou na questão quando recuperou a importância das
imagens como recurso pedagógico, lembrando a proposta de Ernest Lavisse, ain-
da no século XIX, segundo a qual “ver as histórias” serviria à memorização dos
12 Aqui cabe a junção de duas reflexões. A de Henry Rousso, que afirma que a memória “[...]
é reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passa-
do”, e a de Alessandro Portelli, que afirma que “representações e fatos não existem em esferas
isoladas. As representações se utilizam dos fatos e alegam que são fatos; os fatos são reconhe-
cidos e organizados de acordo com as representações; tanto fatos e representações convergem
na subjetividade dos seres humanos e são envoltos em sua linguagem”. “A memória não é
mais o que era” e “O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito
e política, luto e senso comum” se encontram em Ferreira e Amado, 1996.
13 Meneses, 2003.
14 Bittencourt, 1997:75.
15 Certeau, 1982.
16 Segundo Ulpiano Meneses (2003), apesar de a década de 1960 ter aproximado os his-
toriadores da imagem como fonte a partir da ampliação da noção de documento, a história
mantém-se à margem no que se refere às fontes visuais e à problemática da visualidade.
17
Monteiro, 2002.
18 Hipólide, 2004.
19 Meneses, 2003:15.
20 Nadai, 1992/1993.
21 “Os objetivos do ensino de História abrangem uma expressividade emancipadora, baseada
na autodeterminação e na autonomização do educando” (Pedro Paulo Funari, apud Nadai,
1992/1993).
23 Schmidt, 1999.
Ele começou a fazer muitas fotografias. De uma certa forma, abandonou a literatura
pela fotografia. Foi um sinal desta derrota do pensamento diante da globalização e o
que se chama de progresso técnico. A fotografia virou, para ele, a imagem da realidade,
já que esta realidade não é mais descrita por palavras, mas pela imagem.24
25 Sentença de pronúncia proferida pela juíza do Tribunal do Júri de Brasília, Sandra de Santis
Hebe Mattos *
Martha Abreu **
Carolina Vianna Dantas ***
Renata Moraes ****
Nosso objetivo neste capítulo foi unir reflexões e histórias de pesquisa a partir de
um eixo comum de indagação: como determinados sujeitos históricos — escra-
vos, libertos e afrodescendentes — foram representados em alguns livros didáti-
cos selecionados. Partimos do princípio de que tal presença se relaciona direta-
mente com as mudanças da produção historiográfica e, especialmente, com as
questões políticas que envolveram, ao longo do tempo, a percepção da identida-
de negra no país. Fazer um histórico dessa presença é também historicizar o lugar
do racismo (e do antirracismo) no pensamento social brasileiro.
Para concretizarmos nossa discussão, analisaremos, na primeira seção des-
te trabalho, uma produção didática mais antiga sobre os líderes negros Zumbi e
Henrique Dias, e também sobre a abolição da escravidão. Na segunda seção,
vamos considerar duas coleções didáticas atuais: História temática, de Andréa
Montellato, Roberto Catelli Júnior e Conceição Cabrini, publicada pela Editora
1 Lima, 1843.
2
Melo, 1986.
3 O livro de Southey foi publicado na Inglaterra entre 1810 e 1822. Só foi traduzido para o
português e publicado no Brasil em 1862, após a publicação da História geral do Brasil, de
Adolfo Varnhagen, em 1854.
4 Macedo, 1865.
nual foi adotado no Colégio Pedro II, no qual Macedo lecionava — e continuou
sendo adotado e atualizado até pelo menos 1916. Nele, a “Guerra Holandesa”
mereceu seis lições, nas quais Henrique Dias foi rapidamente citado em apenas
duas. De forma ainda mais restrita, o herói só apareceu uma vez no quadro
sinóptico, com a seguinte definição: “Henrique Dias, chefe dos negros”. A abor-
dagem sobre Zumbi acentua ainda mais essa tendência. Na lição XXV, “A destrui-
ção dos Palmares, as guerras civis dos mascates em Pernambuco e dos emboabas
em Minas”, o Quilombo dos Palmares é citado uma única vez, como uma ameaça
à ordem produzida pelos malefícios da escravidão. Numa perspectiva já
abolicionista, Zumbi é definido como um negro que preferiu a morte à escravi-
dão. Mas não havia elogios à civilização de Palmares. Para Macedo, o quilombo
reunia escravos fugidos, bandidos e desertores. Em suas lições de história do Bra-
sil, o herói era Domingos Jorge Velho, bandeirante que destruiu o quilombo.
Essa versão de Macedo dos dois heróis ainda é claramente pautada pelos
parâmetros do liberalismo oitocentista, em versão elitista e racializada. A cor
não significava muita coisa em si mesma, mas a experiência da escravidão sim.
Macedo temia os escravizados e seu potencial desagregador para a sociedade bra-
sileira, do qual a cor era símbolo e estigma.
Contudo, os novos ares trazidos pela abolição da escravidão (1888) e pela
proclamação da República (1889) modificaram o lugar conferido aos afrodes-
cendentes na história nacional do momento. A própria forma de os intelectuais
pensarem a formação do Brasil agregou novas referências: o enfoque cultural e/ou
racial passaria a predominar, em lugar dos termos sociais e políticos das aborda-
gens anteriores. Era a construção de uma raça brasileira, que incorporava negros e
indígenas sob a liderança portuguesa que se afirmava como base das novas aborda-
gens. Assim, junto à predominância do mito das três raças, destacar-se-ia a signifi-
cativa presença de Henrique Dias (um afrodescendente inserido na sociedade colo-
nial). Em alguns importantes livros didáticos (no sentido de que tiveram várias
edições), publicados entre o final do século XIX e início do XX, como A história do
Brasil ensinada pela biografia de seus heróis (1890), de Sílvio Romero,5 e Revolu-
ções brasileiras: resumos históricos (1898), de Gonzaga Duque,6 ele ganharia desta-
que como herói do que se selecionou como a “história pátria”.
5 Romero, 1908.
6 Hardman e Lins, 1998. Ver Mattos, 2007; e Dantas, 2007.
7 De acordo com Silvia Lara (1995:9), foi a partir da criação do Movimento Negro Unificado
(MNU), em 1978, que se instituiu o dia da morte de Zumbi — 20 de novembro — como o Dia
Nacional da Consciência Negra.
8
Hardman e Lins, 1998.
9 Behring, 1906.
10 Ibid.
em 1903, retratando-o como uma figura altiva e valente. Curiosamente, essa ima-
gem é encontrada em muitos livros didáticos de história atuais.
Como vimos, durante a Primeira República, Henrique Dias e Zumbi fo-
ram personagens históricos retomados de um passado já distante (o período co-
lonial) e, ainda assim, estiveram envolvidos em várias disputas sobre que papéis
ocupariam na história a ser ensinada. Sem dúvida, a abolição foi crucial para essa
retomada, mas ela própria também teve que ser incorporada à história do Brasil.
Na Primeira República, a abordagem da abolição — processo então recen-
te — envolvia diretamente os afrodescendentes e o estabelecimento de novas rela-
ções entre “populus e plebe”.11 Ao acompanhar as interpretações do 13 de Maio a
partir de alguns dos manuais didáticos mais difundidos nas primeiras décadas do
século XX, pode-se afirmar que seus autores pautaram suas análises pela adesão à
matriz política monarquista ou republicana.
Na obra História do Brasil — curso superior, de João Ribeiro (1900),12 a
ação da princesa Isabel e, principalmente, a contribuição das leis emancipadoras
no fim da escravidão ganharam destaque. Segundo o autor, a lei de 1871 (do
Ventre Livre) representou por si só a abolição definitiva do cativeiro e, por isso
mesmo, não seria necessária qualquer outra lei, uma vez que a escravidão acaba-
ria no prazo breve de duas gerações. Contudo, 17 anos depois, a princesa Isabel,
ao assinar a Lei Áurea, desferiu um grande golpe contra os fazendeiros que ainda
tinham um grande número de escravos, desestruturando o trabalho e trazendo
grandes prejuízos aos agricultores. Ribeiro, assim, acabou privilegiando as leis
emancipadoras, a atuação da princesa no processo da abolição e “os efeitos nega-
tivos da Abolição”, solidarizando-se — em pleno período republicano — com a
perspectiva senhorial do processo.13
Quase 20 anos depois, Osório Duque-Estrada, autor de História do Brasil
(1918),14 destacou em seu manual a participação de outros agentes, minimizando
a ação do governo imperial — principalmente da princesa e de seus ministros —,
diante da pressão que os abolicionistas teriam feito nas discussões em torno das
11 Mattos, 1989.
12
Ribeiro, 1955.
13 Ibid., p. 408.
14 Duque-Estrada, 1918.
15 Duque-Estrada, 1918:208.
16 Coutto, 1920.
17
Ver Moraes, 2007a e 2007b.
18 Coutto, 1920:216-217.
19 Ibid., p. 224.
20 Gomes, 1996.
21 Abreu, 1954.
[...]
pode-se dizer com segurança que o negro não africanizou o brasileiro. Deu-se o con-
trário. O português, tronco da raça, abrasileirou o africano que, dia a dia, foi abando-
nando os costumes, envolvendo, melhorando, progredindo.
[...]
Todo brasileiro, mesmo alvo, de cabelos louros, traz na alma, quando não na alma e
no corpo [...] a sombra ou, pelo menos, a pinta do negro (segue citação de Gilberto
Freyre).24
22
Cf. Silva, 1950.
23 Cf. Tapajós, 1956.
24 Cf. Taunay, 1953.
A historiografia, a partir dos anos 1960, começou a colocar em relevo a luta dos
escravos e a abandonar a antiga escrita da história assentada na figura do herói.
Mas até recentemente, quase não problematizou o racismo como temática pe-
dagógica.
Com a publicação dos PCNs, em 1996, esse quadro se alterou. Desde
então, ocorreram importantes mudanças nos livros didáticos de história, com
a incorporação do conceito de pluralidade cultural e a denúncia do racismo na
sociedade brasileira. As novas Diretrizes curriculares nacionais para a educa-
ção das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasi-
leira e africana, aprovadas em 2003 e incorporadas rapidamente às reflexões
dos cursos de formação de professores, indicam que os caminhos abertos pelos
PCNs terão vida longa.
As conexões entre esses dois textos-documentos — a pluralidade cultural
dos PCNs e as Diretrizes 26 — produzidos por governos de orientação política
distinta, revelam muito nitidamente como esse tipo de intervenção pode ser visto
como desdobramento de um movimento social evidente e mais amplo. Resultou
principalmente do crescimento da força política dos movimentos negros na socie-
dade brasileira após a redemocratização e da formação de um novo consenso no
campo pedagógico em relação ao chamado “mito da democracia racial” no Bra-
sil. A partir desses documentos, fica evidente que não é mais possível pensar o
Brasil sem uma discussão sobre a questão racial. Essa mudança talvez tenha sido
o maior ganho das coleções didáticas que se declaram seguidoras dos PCNs.
Os livros didáticos que procuraram acompanhar a perspectiva de trabalho
com pluralidade cultural e combate ao racismo sem dúvida se esforçaram para
cumprir os novos objetivos. Introduziram conteúdos e atividades que estimulam
a convivência entre tradições e práticas culturais diferenciadas, sejam elas cultu-
29
Ver Lara, 1995.
30 Montellato, Cabrini e Catelli Jr., 2002a.
lo 10: “A Era Vargas: retratos de uma nova ordem”), pela ditadura militar e a
abertura política (capítulo 11: “Brasileiros, mostrem suas caras”), os afrodescendentes
desaparecem das temáticas tratadas. Nem uma única palavra sobre racismo, di-
reitos civis e políticos aparece nesse volume, cujo tema é “O mundo dos cidadãos”,
apesar de as relações entre questão racial e direitos terem sido cruciais durante os
séculos XIX e XX no mundo atlântico, em meio às lutas pela libertação das nações
e dos escravos. A organização das novas nações independentes das Américas en-
volveu, ao longo do século XIX, uma série de lutas em torno dos direitos dos
afrodescendentes, escravos ou libertos.42
Os afrodescendentes, portanto, na coleção História temática, como em
várias outras, foram incorporados à história do Brasil majoritariamente no perío-
do colonial, a partir do duro trabalho escravo, da resistência à escravidão e de sua
contribuição cultural para a sociedade brasileira. Nessa perspectiva, a ação polí-
tica desses atores históricos não teria ultrapassado os limites das lutas contra os
senhores, no período colonial.43
51 É claro que muitos outros grupos sociais também não têm reconhecido seu protagonismo
Conclusão
língua, pela música e pela festa. As presenças e ausências dos afrodescendentes nas
coleções analisadas — e em outras ainda por serem investigadas — revelam mui-
to sobre a construção da história e do passado nacionais nos livros didáticos.53
Os livros didáticos destacados demonstram o quanto as representações
sobre os afrodescendentes estão vinculadas às questões e aos dilemas de seu pró-
prio tempo. Entretanto, em comum, como vimos, reforçam uma determinada
visão, associada à figura do escravo. Quando reconhecem a ação política dos
afrodescententes, esta também é restrita ao período colonial e, consequentemente,
à luta e à resistência contra a escravidão.
A publicação das Diretrizes curriculares nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e afri-
cana demonstra exemplarmente a emergência de uma outra luta política, muito
depois da abolição, que coloca em pauta, entre outras questões, a própria escrita
da história dos afrodescendentes. O documento abre, oficialmente, caminho para
a construção de outras memórias e histórias sobre as lutas políticas dos afrodes-
cendentes para além da escravidão. Estimula que se busque a história dos
afrodescendentes no século XX, suas associações, trajetórias, estratégias políticas
e lutas culturais de combate ao racismo.54
Um caminho promissor, como nos sugere Stuart Hall, é dirigir “a nossa
atenção criativa para a diversidade e não para a homogeneidade da experiência
negra”, apesar da evidente distinção de um conjunto de experiências negras histo-
ricamente datadas,55 como a diáspora e a escravidão.
Já há munição historiográfica para a tarefa. As relações entre práticas cul-
turais e a criação de identidades políticas negras têm sido problematizadas em
diversos círculos de pesquisa e precisam ser incorporadas ao ambiente do ensino
de história, levando-se em conta as culturas como processo e as identidades cole-
tivas como construções culturais e políticas, por isso históricas e relacionais. Des-
sa forma, as identidades culturais passariam a emergir no texto didático como
literalmente construídas e disputadas no processo histórico. Não existem antes
ou além dele.56
Assim, ainda durante a escravidão, podem ser mais conhecidas outras lu-
tas, como a dos escravos por direitos, ou dos libertos por representação política.
Mas torna-se importante também construir uma escrita da história que inclua
muitas outras experiências e trajetórias políticas e culturais. Por exemplo, a dos
trabalhadores negros no movimento operário organizado nas primeiras décadas
do século XX; a dos jornais negros, que já na Primeira República buscavam repre-
sentar-se e incluir-se na nação em termos políticos e culturais; a dos movimentos
negros formalizados, como a Frente Negra dos anos 1930, o jornal O Quilombo,
de Abdias do Nascimento, no final dos anos 1940, e o Movimento Negro Unifica-
do (MNU) dos anos 1970; a de diversos músicos do Black Rio e dos carnavais
baianos da década de 1970, que inventaram outras Áfricas e Américas negras; a
das comunidades negras (rurais e urbanas) e sua luta pelo reconhecimento de
suas práticas culturais, como o jongo ou o samba de roda, como patrimônio
cultural do Brasil, além dos variados grupos musicais, de hip-hop, funk e reggae,
que, em vários locais do Brasil, mobilizam jovens e afirmam novas identidades e
culturas políticas negras.
Tais movimentos e associações expressam — e sempre expressaram — lutas
políticas mais amplas, pela liberdade, pela terra, pelo voto, pela tradição e pela
própria identidade negra. Nesse contexto, revisitar as experiências de vida de
personagens históricos negros, alguns já bem conhecidos, como Zumbi, Henrique
Dias, Patrocínio, Tia Ciata e Pixinguinha, outros nem tanto, como o capoeirista
Prata Preta, o deputado Monteiro Lopes, o músico Eduardo das Neves ou o flau-
tista Patápio da Silva, pode ajudar a trazer a tona como, apesar de todos os
limites, homens e mulheres negros encontraram oportunidades de modificar e
romper com os destinos que lhes tentaram impor a história e, principalmente, a
escrita da história,57 para muito além da experiência da escravidão.58
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