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Bibliografia.
ISBN 978-85-221-0794-0
09-09842 CDD-362.11019
CENGAGE
Learning"
Australia • Brasil • Japao • Coteja . M éxico • Cingapura • Espanha • Reino Unido • Estados Unidos
; CENGAGE
Learning'
Psicologia Hospitalar - Teoria e Prática - 2- edição © 2010 Cengage Learning Edições Ltda.
revista e ampliada
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro
Valdemar Augusto Angerami - Camon (org.) poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios
Fernanda Alves Rodrigues Trucharte empregados, sem a permissão, por escrito, da Editora,
Rosa Berger Knijnik Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos
Ricardo Werner Sebastiani artigos 102,104,106 e 107 da Lei n° 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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Os Autores
V a ld e m a r A u g u s to A n g e r a m i — C a m o n
Psicoterapeuta existencial, professor de pós-graduação em Psicologia da Saúde na Pl >( l-SP,
ex-professor de psicoterapia fenomenológico-existencial na PUC-MG, coordenador do ( leni n )
de Psicoterapia Existencial e professor de psicologia da saúde da Universidade Federal tin
Rio G rande do N orte (UFRN). Autor com o m aior núm ero de livros sobre Psicologia pu
blicados no Brasil. Suas obras tam bém são adotadas em universidades de Portugal, México
e C anadá.
F e r n a n d a A lv e s R o d r ig u e s T r u c h a r t e
Psicóloga Clínica. Especialização em Psicologia H ospitalar pelo Instituto Sedes Sapiculiac
R o s a B e r g e r K n ijn ik
Psicóloga C línica. Psicopedagoga. Especialização em Psicologia H ospitalar pelo 11ísi ii ui< >
Sedes Sapientiae.
R ic a r d o W e r n e r S e b a s t i a n i
Ex-coordenador do Serviço de Psicologia H ospitalar do Hospital e M aternidade Pan-amc
ricano. C oordenador do Nêmeton Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saútlc.
Professor universitário.
Cam inho...
os corredores são som brios, frios...
sem vida, sem cor, sem calor...
os corredores são longos, estreitados com a dor...
são longos mas não o suficiente para acolher a todos os pacientes...
os gem idos são ensurdecedores, am edrontadores com o o silvo da serpente...
são gem idos de desespero, de dor, de sofrimento. É o uivo dos umbrais...
Lá d e fora ecoam sirenes de ambulâncias, de viaturas policiais...
sirenes de desespero, sirenes de esperança, sirenes apressadas, angustiadas.
Lá d e fora brotam cores de harmonia, de luz, de amor...
cores trazidas pela esperança nesse m om ento de dor.
A saúde também agoniza junto com o paciente, exaurida...
as necessidades do paciente não podem ser supridas...
faltam condições mínimas de atendimento, de unguento...
faltam m édicos, profissionais burocráticos, enferm eiros...
falta tudo; e na falta de todos p adece o doente.
A doença no Brasil é vexatória...
a doença torna-se constrangedora, predatória...
a doença faz do paciente uma vítima; vítima da falta de condições do sistema de saúde.
O bservo...
vejo a saúde padecen do juntam ente com um am ontoado enorm e de doentes...
assisto à saúde enraizando-se com o um privilégio de po u co s...
vejo a luz da esperança carreada apenas pelas cores da utopia...
a saúde não existe... existe apenas uma maneira paliativa de assistência para alguns
po u co s doentes em seu desatino...
O lixo hospitalar mistura-se aos escom bros da dignidade humana...
Saúde é dejeto que não p o d e ser reciclável.
Saúde é bem p recioso apenas nas em presas hospitalares.
Quando proporcionam lucros. Grandes lucros...
A mercantilização da saúde exclui aqueles que já foram anteriorm ente excluídos.
Exclui aqueles que já perderam a dignidade p o r um nada no mundo.
Lam ento...
observo o ritual lento e aterrorizante de todos os envolvidos na saúde... um ritual macabro
feito de desalento e que piora a cada m om ento...
E observo a tentativa tênue de transformação dessa realidade
p o r um punhado de idealizadores...
Espectadores dessa vergonha intitulada sistema de saü> e...
vergonha nacional tida com o prioritária em qualquer planejam ento social...
A realidade, a triste realidade, é o escarro da podridão social na dor do doente.
A vergonhosa situação dessa realidade é a constatação odienta de que não existe nenhum
sistema de saúde no Brasil...
Para Karlinha,
Uma nova guerreira das lides hospitalares
a preservar a luta pela dignidade do
paciente...
Sumário
A presentação..................................................................................................... XI
ez anos nos separam da nossa prim eira publicação em form a de livro. D ez anos da
prim eira publicação de Psicologia Hospitalar. As cãs dos nossos cabelos estão a mos
tra r que, ap esar de todas as dificuldades encontradas ao longo dessa jo rn a d a , m uito foi
conquistado, muito foi alcançado.
A Psicologia H ospitalar nesse período deixou de ser um sonho, um a aventura de um
punhado de pessoas que acreditavam em u m a perform ance profissional, ao m esm o tem po
em que sonhavam com outra concretitude, algo muito além do próprio sonho. Talvez ainda
sejamos sonhadores. M as em núm ero m uito maior.
O s sonhos de então tornaram -se realidade ou simples abstrações que o indelével não
consegue tocar. Sem pre é prazeroso saber que fazemos p arte dos processos de transform ação
social e o simples fato de estarm os em busca de um novo a m a n h ã na Psicologia H ospitalar
é alento de novas buscas e esforços.
E praticam ente impossível a rro la r o núm ero de quilôm etros percorridos na divulgação
d a Psicologia H ospitalar. U m sem -núm ero de horas de espera em saguões de aeroportos,
em antessalas de conferência e em noites e pernoites distantes do próprio canto. Q uantos
am igos fizemos ao longo desses percursos é outra questão que jam ais poderem os detalhar.
Q u a n to aprendem os com todos esses am igos é nuance que nunca poderem os atingir. E
até mesmo o enriquecim ento d a nossa p ró p ria vida a p a rtir dessas experiências é privi
légio que nem todas as elegias c cânticos de agradecim entos poderão retribuir. T antos
acontecim entos tão significativos ficaram n a m em ória que a simples ideia de ten tar des-
crevê-los é tarefa inconcebível. U m a d écada é um a vida. V ida vivida em intenso frenesi
de em oção e paixão. D e tan tas coisas faladas, efetuadas e apreendidas no farfalh ar das
nossas trajetórias.
P sico lo g ia H o sp itiil.il
A ssum ir que o verdadeiro ap ren d izad o li>i ac|uele realizado com o paciente em seu
leito hospitalar é talvez a nossa m aior conquista. N ão estam os desprezando o aprendizado
acadêm ico, tam pouco as tantas horas de reflexão e leitura, apenas querem os enfatizar que
se existe algo p a ra ser propagado, é o fato de que aprendem os apreendendo a angústia, a
dor e tantas outras coisas e sentim entos de nosso paciente. Esse paciente que nos ensina
sobre a força de enfrentam ento d a dor e do desespero da m orte; que nos ensina a tolerar
as próprias vicissitudes da vida; que nos ensina um a nova form a de entender o significado
d a existência; que nos ensina sobre a suavidade d a doce frag rân cia existente em cada
m om ento, em cada encontro.
Não houve em m om ento algum a pretensão de sermos pioneiros, precursores; apenas
sem pre fomos sonhadores que idealizaram u m a p rática alternativa. E assim esperam os
continuar. A prendendo e crescendo sem nunca esquecer as nossas reais limitações.
XII
0 Psicólogo
no Hospital
V aldem ar A u g u sto A n g e ra m i - C am on
Introdução
intenção deste trab alh o é levantar alguns pontos de reflexão sobre o significado da
Psicologia no H ospital e a atuação do psicólogo nesse contexto. A evidência que nu
ocorre inicialm ente é que, apesar dos inúm eros trabalhos e artigos que hoje norteiam .1
prática do psicólogo no hospital, ain d a assim é notório o fato de que apenas tartam udeam os
as prim eiras palavras nesse contexto. A p rópria d inâm ica da existência parece encontrai
no contexto hospitalar um novo p a râm etro de sua ocorrência, dando-lhe um a dim ensão
na qual questões que envolvem a doença, a m orte e a própria perspectiva existencial ap re
sentam um enfeixam ento inerentem ente peculiar.
A Psicologia, ao ser inserida no hospital, reviu seus próprios postulados adquirindo con
ceitos e questionam entos que fizeram dela um novo escoram ento na busca da comprecnsài >
da existência hum ana. Assim, p o r exemplo, não m ais é possível pensar-se em um curso
de graduação em psicologia no qual questões com o m orte, saúde pública, hospitalização e
outras tem áticas, que em princípio eram pertinentes apenas à Psicologia H ospitalar, não
tenham p rioridade ou não sejam exigidas como necessárias p a ra a form ação do psicólogo.
O atual q u ad ro da form ação do psicólogo difere do que colocamos em texto anterior1 de
1984, quan d o afirm am os que a atuação do psicólogo no contexto hospitalar, ao menos no Brasil, /
uma das temáticas mais revestidas de polêmicas quando se evocam discussões sobre 0 papel da Psicologia
1 - Angerami, V.A. Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar. São Paulo: Traço, 1984.
P sico lo g in H o sp ita la r
na realidade institucional. A pimun ão m adêmica du psicólogo é falha nn relação aos subsídios teóricos </in
possam embasá-lo na prática institucional. F.ssaformação acadêmica, sedimentada em outros modelos dt
atuação, não provê o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade, l i praticam ente
prevendo u m a m udança nesse quadro, o m esm o texto coloca que apenas recentem ente a
p rática institucional m ereceu preocupação dos responsáveis pelos program as acadêm icos
em Psicologia.2 E d entro dessa perspectiva que se abre ao psicólogo no contexto hospitalar
que irem os tecer nossas reflexões na busca de um m elhor dim ensionam ento dessa prática.
É n a fé inquebrantável que o psicólogo adquire cada vez com m ais nitidez um espaço no
hospital a p a rtir de sua com preensão da condição hum ana. Irem os cam in h ar por trilhas
e cam inhos que nos conduzirão a novos horizontes profissionais.
A D espersonalização do Paciente
2 - Berscheid, E.; Walster, E.H. Atração Interpessoal. São Paulo: Blücher, 1973.
3 - Ibid. Op. cit.
4 - Idem, Op. cit..
5 - Goffman, E. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
2
O Psicó lo g o no H o sp ital
características. I. o simples lain de si im nai “hospitalizada” I'az com <|iir a pessoa adquira os
signos que irão enquadrá-la iiiiina nova performance existencial, sendo que até mesmo seus
vínculos interpessoais passarão a existir a partir desse novo signo. Seu espaço vital não é mais
algo que dependa de seu processo de escolha. Seus hábitos anteriores terão de se transform ar
diante da realidade da hospitalização e da doença. Se essa doença for algo que a envolva apenas
tem porariam ente, haverá a possibilidade de um a nova reestruturação existencial quando do
restabelecimento orgânico, fato que, ao contrário das doenças crônicas, implica necessariamente
um a total reestruturação vital. Sebastiani6 explica que “a pessoa deixa de ser o José ou Ana
etc. e passa a ser o ‘21A’ ou o ‘politraum adzado de leito 4’, ou ainda ‘a fratura de bacia de (>u
andar”’.7 E, tentando aprofundar ainda mais tais colocações, afirm a cjue “essa característica,
que felizmente notamos em grande parte das rotinas hospitalares, tem contribuído muito para
ausentar a pessoa de seu processo de tratam ento, exacerbando o papel de ‘paciente’”.8
A despersonalização do paciente deriva ain d a d a fragm entação ocorrida a p a rtir dos
diagnósticos cada vez m ais específicos que, além de não abordarem a pessoa em sua am
plitude existencial, fazem com que apenas um determ inado sintom a exista naquela vida.
A pesar disso, assistimos cada vez m ais ao surgim ento de novas especialidades que reduzem
o espaço vital de u m a d eterm in ad a pessoa a um m ero determ inism o das implicações de
certos diagnósticos, que trazem em seu bojo signos, estigm as e preconceitos. Tal carga de
abordagem e confrontos teórico-práticos faz da pessoa p o rtad o ra de determ inadas pato
logias alguém que, além d a p ró p ria patologia, necessitará de cuidados com plem entares
p a ra livrar-se de tais estigmas e signos. A especialização clínica, na m aioria das vezes, ao
aprofun d ar e segm entar o diagnóstico, deixa de levar em conta até mesmo as implicações
dessa patologia em outros órgãos e m em bros desse doente, que, em bora possam não ap re
sentar sinais evidentes de deterioração e com prom etim ento orgânico, estarão sujeitos a um
sem -núm ero de alterações.
A situação de hospitalização passa a ser determ inante de m uitas situações que serão
consideradas invasivas e abusivas na m edida em que não se respeitam os limites e imposições
dessa pessoa hospitalizada. E, em bora esteja vivendo um total processo de despersonali
zação, ain d a assim algum as práticas são consideradas ainda m ais agressivas pela m aneira
com o são conduzidas no âm bito hospitalar. Assim, será visto com o invasivo o fato de a
6 - Sebastiani, W .R. Atendimento Psicológico e Ortopedia. Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto
Hospitalar, Angerami, V.A. (org.). São Paulo: Traço, 1984.
7 - Ibid. Op. cit.
8 - Ibid. Op. cit.
3
P sico lo g ia H o sp ita lar
enlcrm eira aco rd ar o paciente para aplicar injeção, ou a atendente que interrom pe utna
determ inad a atividade p a ra servir-lhe as refeições. Tudo passa a ser invasivo. Tudo passa
a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação desse processo'. E até mesmo a
presença do psicólogo, que, se não se efetivar cercada de alguns cuidados e respeito à própria
deliberação do doente, im plica ser m ais um dos estímulos aversivos e invasivos existentes
no contexto hospitalar, e, em vez de propiciar alívio ao m om ento da hospitalização, estará
contribuindo tam bém p a ra o aum ento de vetores que to rn am o processo de hospitalização
extrem am ente penoso e difícil de ser vivido. O hospital, o processo de hospitalização e o
tratam ento inerente que visa ao restabelecim ento, salvo aqueles casos de doenças crônicas
e degenerativas, não fazem p arte dos projetos existenciais da m aioria das pessoas. Nesse
sentido, toda e qualquer invasão no espaço vital é algo aversivo que, além do caráter abu
sivo, apresenta ain d a com ponentes de dor e desalento. E até mesmo evidencia que muitos
processos de hospitalização têm o reequilíbrio orgânico prejudicado por causa do processo
de despersonalização do doente, que, ao sentir sua desqualificação existencial, pode conco-
m itantem ente, m uitas vezes, aban d o n ar seu processo interior de cura orgânica e até mesmo
emocional. Ao trab alh ar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito
hospitalar, o psicólogo estará ajudando na hum anização do hospital, pois seguram ente esse
processo é um dos m aiores aniquiladores d a dignidade existencial da pessoa hospitaliza
da. Um trabalho de reflexão que envolva toda a equipe de saúde é um a das necessidades
mais prem entes p a ra fazer com que o hospital perca seu caráter m eram ente curativo p ara
transform ar-se em um a instituição que trabalhe não apenas com a reabilitação orgânica,
mas tam bém com o restabelecim ento d a dignidade hum ana.
A Psicologia H ospitalar, assim com o a Psicoterapia, tem seu instrum ental teórico de atu a
ção calcado n a área clínica.9 A pesar dessa convergência, haverá pontos de divergência que
m ostram os limites de atuação do psicólogo no contexto hospitalar, bem como questões
que tornam totalm ente inadequada a intenção de muitos profissionais da área de tentarem
(>- Kxisiem muitos profissionais cia área que defendem que a Psicologia Hospitalar, mesmo tendo como referencial
os princípios da área clínica, seja considerada uma nova ramificação da Psicologia. Assim, além da clássica
divisão cm Clínica, Educacional e Organizacional, haveria também um a quarta ramificação: a Psicologia
I Iospilnlar. I , m ilKn a seja uma questão que envolva bastante celeuma quando de seu aprofundam ento, evi-
dem ia-se lambe m a necessidade de uma nova ótica sobre a Psicologia Hospitalar, seja pelo seu crescimento,
seja ainda pela sua diversidade teórica.
4
O P sicó lo g o no H ospital
definir .1 atuação nu eontexlo hospitalar t 01 1 1 0 sendo prática psicotcrápica, ainda que rea
lizada no contexto institucional. A seguir descrevemos alguns desses pontos.
O bjetivos da Psicoterapia
A Psicoterapia, independentem ente de sua orientação teórica, tem como principais obje-
t ivi >s levar o paciente ao autoconhecimento, ao autocrescimento e à cura de determinados sintomas. O
enfcixam ento desses objetivos, ou ain d a de algum deles isoladam ente, desde que leve esse
paciente a um processo pleno de libertação existencial, é, por assim dizer, o ideal que norteia
11 1>roeesso psicoterápico. A Psicoterapia, adem ais, tem como característica principal o fato
di' ser um processo no qual a procu ra e a determ inação de seu início se d á pela mobilização
do paciente. Assim, um paciente, ao ser en cam in h ad o p a ra um processo psicoterápico,
m uitas vezes dem ora um período bastante longo entre esse encam inham ento e a procura
propriam ente dita desse processo. Chessick1" adverte que a psicoterapia falha quando não
existe um a afinidade precisa entre aquilo que busca o paciente em sua psicoterapia e aquilo
que o psicoterapeuta tem condições de oferecer-lhe. Até mesmo a falta de definições precisas
dos objetivos do processo pod erá d eterm in ar implicações que seguram ente em perrarão o
processo, além de arrastá-lo ao longo de um período de m aneira indevida.
Ao decidir pela psicoterapia, o paciente já realizou um processo inicial e introspectivo
da necessidade desse tratam ento e suas implicações em sua vida. Isso tudo evidentem ente
além da inserção de suas necessidades aos objetivos da psicoterapia.
O Settin g Terapêutico
Ao p rocu rar pela psicoterapia, o paciente será então enquadrado no cham ado setting tera
pêutico. Assim as norm as e diretrizes do processo serão colocadas de m aneiras bastante
claras e precisas pelo psicoterapeuta, form alizando-se assim as nuances sobre as quais se
n o rteará esse processo. D etalhes com o horário de duração de cada sessão, eventuais re
posições de sessões, prazo de aviso p a ra eventuais faltas etc. são esboçados e o processo se
desenvolve então em perfeita consonância com esses preceitos. E até mesmo algum a eventual
resistência inicial do paciente em pro cu rar pela psicoterapia, bem como outras implicações,
serão resolvidas em um processo cujo contrato é estabelecido em acordo com as duas p ar
tes envolvidas. E m bora seja notório o núm ero de casos encam inhados à psicoterapia que,
10 - Chessick, D.R. Why Psychotherapists Fail. Nova York: Science House, 1971.
5
P sico lo g iü H o sp itn l.ir
[>(»' algum a form a de resistem ia, dem oram muito p ara p ro cu rar por tal processo, ainda
assim é conveniente estabelecer (|iic, pelo fato de o paciente estar totalm ente fragilizado e
necessitando desse tipo de tratam ento, a busca por tal processo se d ará única e tão somente
q uan d o esse paciente rom per com d eterm inadas am arras emocionais. A inda que surjam
outras dificuldades e resistências ao longo do processo, a resistência inicial ao tratam ento
é transposta pelo simples fato de o paciente p ro c u ra r pela psicoterapia.
A psicoterapia a in d a tem o u tra característica bastan te p ecu liar de ser um processo
em que o psicoterapeuta tem no paciente alguém que cam in h a sob sua responsabilidade,
mas que de form a simples tem nesse vínculo seu objetivo em si. Assim, um psicoterapeuta
não precisará prestar conta de seu paciente a nenhum a entidade, salvo naturalm ente aqueles
casos nos quais o atendim ento é vinculado a algum processo de supervisão. O processo em
si é conduzido pelo psicoterapeuta com anuência do paciente e, no caso de algum im pe
dim ento, a relação se resolve apenas e tão som ente pelas partes envolvidas nesse processo.
O setting terapêutico im põe ain d a u m a privacidade ao relacionam ento que to rn a toda e
qualquer interferência extern a ao processo plausível de ser analisada e e n q u a d rad a nos
parâm etros desse relacionam ento.
Chessick11 salienta que o psicoterapeuta descende diretam ente do confessor religioso
ou en tão do m édico de fam ília, aquele profissional que, além de c u id ar dos m ales do
organism o, escutava as angústias e dificuldades do paciente. O psicoterapeuta em sua
lin h ag em a p resen ta ta m b é m resquícios do c u ra n d e iro das an tig as form ações tribais,
encarreg ad o de tra z e r b em -estar e alívio aos m em bros dessa com unidade. A proteção
sentida pelo paciente nos limites do setting terapêutico m ostra ain d a que essa origem não
é apenas p erp etu ad a, m as apresenta requinte de evolução no resguardo dos aspectos en
volvidos nesse processo. E até mesm o um “quê” de sam aritanism o presente no processo
psicoterápico é tam bém resíduo dessas m arcas que o psicoterapeuta traz de sua origem e
desenvolvimento. A em oção presente n a atividade psicoterápica é outro fator que faz com
que nenhum a outra form a de relacionam ento possa ser co m parada com sua perform ance.
E nesse sentido tem os tam bém a colocação de m uitos especialistas de que a psicoterapia
é o sustentáculo do hom em contem porâneo dentre outras tan tas form as buscadas p a ra
alívio e crescim ento em ocional.
A inda no cham ado setting terapêutico vamos encontrar a peculiaridade de que a m aioria
dos processos jam ais tem suas sessões interrom pidas, seja p o r solicitações externas, seja
6
O P sicó lo g o no H o sp ital
.iinil.i por outras variáveis decorrentes, m uitas vezes, do próprio processo em si. Assim,
« pralit aiucntc impossível, por exemplo, (|iie um psicoterapeuta interrom pa um a sessão
estant ando o choro de angústia do paciente p a ra sim plesm ente atender um a ligação tele-
|i >iIi( a. ( )u ain d a que um a sessão seja igualm ente interrom pida p a ra que o psicoterapeuta
IKissa recepcionar algum am igo que eventualm ente vá visitá-lo. O setting terapêutico assim
resguarda a sessão p a ra que todo o m aterial catalisado naqueles m om entos seja apreen
dido e elaborado de m aneira plena e absoluta. Tais características fazem, inclusive, com
que seja m uito difícil avaliar-se um processo psicoterápico que não seja fundam entado
nesses moldes.
A Realidade Institucional
I Jma das prim eiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psicólogo na
realidade hospitalar é sua inserção na realidade institucional. J á afirm am os que:12
a formação do psicólogo éfalha em relação aos subsídios teóricos que possam embasá-lo na prática
institucional. Essa formação acadêmica, sedimentada em outros modelos de atuação, não o provê com o
instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade. Torna-se então abismático o hiato que
separa o esboço teórico de suaformação profissional e sua atuação prática. Apenas recentemente a prática
institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas acadêmicos em Psicologia.
A inda que hoje em dia seja notório o núm ero de cursos de graduação em Psicologia
que têm dedicad o g ran d e espaço p a ra o contexto institucional em seus p ro g ram a s de
form ação, estam os distantes daquilo que seria o ideal em term os de sedim entação teóri-
co-prática. E na m edida em que o hospital surge como um a realidade institucional com
características bastante peculiares, em bora reproduzindo as condições de outras realidades
institucionais, apresenta sinais que evidenciam tratar-se de am plitude sequer im aginável
em um a análise que não tenha um real com prom etim ento com sua verdadeira dim ensão.13
7
Psico lo g ia H o sp ita la r
T am bém é inegável que, a p a rtir rio surgim ento das reflexões realizadas priucipalm enti
pelos profissionais da A rgentina sobre a realidade institucional, esse aspecto ganhou iiin.i
corporeidade bastante precisa e im portante na esfera contem porânea da Psicologia. Assim,
o term o “análise institucional” deixou de ser um a m era citação abstrata de alguns textos
p a ra tornar-se realidade, ao menos de discussão teórica, p ara um sem -núm ero de acadé
micos que, a p a rtir de então, p assaram a interessar-se pela tem ática.
E apesar do psicólogo ainda estar iniciando uma prática institucional nos parâmetros da
eficácia e respeito às condições institucionais que delimitam sua situação nesse contexto, a busca
de determinantes nessa prática o levou de encontro a convergências bastante significativas na
estruturação teórica dessas atividades, 14
E fato que a realidade hospitalar apresenta celeum as e condições que exigirão do psi
cólogo algo além d a discussão m eram ente teórico-acadêm ica. Valores éticos e ideológicos
surgirão ao longo do cam inho e exigirão perform ances sequer im aginadas antes de sua
ocorrência. C om o ilustração dessa afirm ação cito o grande núm ero de crianças que pade
cem nos hospitais de São Paulo de insuficiência hepática causada por inanição. D ep arar
com crianças que padecem vitim adas pela fome em plena cidade de São Paulo é algo que
nenhu m acadêm ico im ag in a q u an d o idealiza efetivam ente u m a atividade no hospital.
O u então, que dizer dos casos de crianças atacadas por ratazanas enquanto dorm em , em
u m a evidência da precariedade e da falta de condições m ínim as de dignidades existencial
e habitacional em que a falta de saneam ento básico é tão abism ante que conceituá-lo de
absurdo n ad a m ais é do que aproxim ar-se da verdadeira realidade dessa população?
0 psicólogo, no contexto hospitalar, depara-se deforma aviltante com um dos direitos básicos
que estão sendo negados à maioria da população, a saúde. A saúde, em princípio um direito de
todos, passou a ser um privilégio de poucos em detrimento de muitos. A precariedade da saúde da
população é, sem dúvida alguma, um agravante que irá provocar posicionamentos contraditórios,
e, na quase totalidade das vezes, irá exigir do psicólogo uma revisão de seus valores acadêmicos,
pessoais e até mesmo sociopolíticos,15
8
O Psicó lo g o no H o sp ital
( ) contexto hospitalar dista d<' lom ia significativa dac|iicla idealização feita nas lides
acadêm icas. Assiste-se, nesse contexto, â condição desum ana a que a população, j.i has
tante cansada de sofrer todas as formas possíveis de injustiças sociais, tem de se snhmetei
em busca do recebim ento de u m tratam en to adequado. C enas ocorrem fruto das mais
lam entáveis situações a que um ser hum ano pode submeter-se. E o que é mais agravante
tudo passa a ser considerado norm al. O s doentes são obrigados a aceitar como norm ais
todas as formas de agressão com as quais se d ep aram em busca de saúde.
Tudo é visto com o norm al; passa a ser norm al ficar seis horas em um a fila de espera em
busca de atendim ento m édico, e m uitas vezes após vários retornos à instituição hospilalai,
derivados de encam inham entos feitos pelos especialistas, por sua vez decorrentes de exames
realizados especulativam ente. T am bém passa a ser norm al o fato de ser atendido um nu
mero im enso de pacientes em um período de tem po absurdam ente curto. T udo passa a sei
norm al. E os profissionais que atu am na área de saúde assistem desolados e conform ados
a esse estado de coisas. T ornam -se praticam ente utópicas outras form as de atendim ento
que não essas que im piedosam ente são im postas à população.
O psicólogo está inserido nesse contexto da saúde de form a tão e m aran h ad a quanto
outros profissionais atuantes n a área da saúde e, m uitas vezes, sem um a real conscient i.i
dessa realidade.
C ontradições inúm eras sucedem em todos os níveis no contexto hospitalar. 1, se pin
um lado os hospitais ap resen tam essas enorm es filas de pacientes que, p adecendo em
corredores, m inguam p o r algum tipo precário de atendim ento, por outro encontrarem os
algum as instituições nesse mesm o contexto que apresentam alta especialização resultante
do enorm e processo do conhecim ento na área das ciências hum anas.
D escobrirem os, nessa realidade, profissionais altam ente especializados. Sem pre muito
bem inform ados das técnicas existentes, estão constantem ente aprim orando-as cm cursos
e congressos nos centros m ais desenvolvidos da E uropa e Estados Unidos. E possível, por
exemplo, a utilização do m étodo Sahling de análise do m etabolism o do feto, bem como o
acom panham ento eletrônico do eletrocardiogram a fetal. Os avanços na área da O bstetríeia
perm item ain d a a previsão do sexo do feto ou u m a possível m alform ação congênita. No
entanto, em term os de realidade, temos, segundo relatórios sobre estudos realizados em
várias regiões brasileiras, dados alarm antes inform ando que 95% dos partos são realizadt >s
em casa e sem o m enor acom panham ento pré-natal. E o núm ero de pessoas que recebem
algum tipo de assistência é quase nulo. Esse contexto contraditório e incongruente recebe
o psicólogo, que tem sobre si outras contradições que o envolvem diretam ente desde a s
lides de sua form ação acadêm ica. E o psicólogo percebe no contexto hospitalar que os ensinamentos
9
Psico lo g ia H o sp ita la r
e leituras teóricas de sua prática acadêmica não serão, por maiores que sejam as horas de estudo e reflexão
teórica sobre a temática, suficientes para embasar sua atuação. E aprende que terá de aprender apreendendo,
como os pacientes, sua dor, angústia e realidade. E o paciente, de modo peculiar, ensina ao psicólogo sobre
a doença e sobre como lidar com apropria dor diante do sofrimento
A Psicologia H ospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pela
hospitalização. Se outros objetivos forem alcançados a p artir da atuação do psicólogo com o
paciente hospitalizado - inerente aos objetivos da própria psicoterapia antes citados - , trata-sc
de simples acréscimo ao processo em si. O psicólogo precisa ter muito claro que sua atuação no
contexto hospitalar não é psicoterápica dentro dos moldes do chamado setting terapêutico. Como
m inim ização do sofrimento provocado pela hospitalização, tam bém é necessário abranger
não apenas a hospitalização em si - em term os específicos da patologia que eventualmente
tenha originado a hospitalização —, mas principalm ente as sequelas e decorrências emocio
nais dessa hospitalização. Tomemos como exemplo, arbitrariam ente, um a criança de 3 anos
de idade que nunca tenha vivido longe do seio familiar. Em dado momento, simplesmente
coloquemos essa criança em um a escola m aternal durante apenas um período do dia. Essa
criança, em que pese a escola ser um am biente em princípio agradável e repleto de outras
crianças, se desarvorará e entrará em um processo de pânico e desestruturação emocional ao
se perceber longe da proteção familiar. E tantos casos ocorrem nesse enquadre que a maioria
das escolas possui o cham ado período de adaptação, no qual algum dos representantes desse
núcleo fam iliar se faz presente na escola p a ra acudir essa criança nos momentos agudos de
dificuldade. E isso tudo em um am biente agradável de escola onde muitas vezes a criança
irá se d eparar com estimulações e recreações sequer imagináveis sem seu universo simbólico.
O que dizer então de um a criança que em um determ inado momento se vê hospitalizada17
sem a presença dos familiares e em um am biente na m aioria das vezes hostil?! Certam ente
ela entrará em um nível de sofrimento emocional e muitas vezes até físico em decorrência
dessa hospitalização. Sofrimento físico que transcende até mesmo a patologia inicial e que
se origina no processo de hospitalização.
10
O P sicó lo g o no H o sp ital
18 - Nesse sentido, é muilo im portante que o psicólogo seja inserido na equipe de profissionais de saúde que atuem
em um determinado contexto hospitalar. Tal inserção determ inará que sua abordagem seja fruto d«- cn< a-
m inham ento realizado por intermédio de outros profissionais com esse paciente com a anuência dele paru
que, acima de qualquer outro preceito, seu arbítrio de querer ou não essa abordagem seja respeitado. Kssr
é um aspecto im portante a ser observado, pois determ ina muitas vezes até mesmo o êxito da abordagem «In
psicólogo. Ainda que o paciente necessite de m aneira premente da intervenção psicológica, seu arbítrio devi
ser considerado para que a condição hum ana seja respeitada em um de seus preceitos fundamentais.
11
P sico lo g ia H o sp ital.ti
1)i‘ssa Ion m;i , é miiilo import aille que o psicólogo entenda os limites de sua atuação para
não se to rn ar ele tam bém m ais um dos elementos abusivam ente invasivos que agridem o
processo de hospitalização e que perm eiam largam ente a instituição hospitalar. A inda que
o paciente em seu processo de hospitalização esteja m uito necessitado da intervenção
e seguram ente m uitos dos pacientes encam inhados ao processo de psicoterapia tam bém
estão necessitados de tratam ento, m as preservam a si o direito de rejeitar tal en cam in h a
m ento -, a opção do paciente de receber ou não esse tipo de intervenção deve ser soberana
e deliberar a p rática do psicólogo. B alizar a sua necessidade de intervir em determ inado
paciente, a p ró p ria necessidade desse paciente em receber tal intervenção, é delim itação
im prescindível p a ra que essa atuação cam inhe dentro dos princípios que incidem no real
respeito à condição hum ana.
De outra parte, é tam bém muito im portante observar-se o fato de que, ao atu a r em um a
instituição, o psicólogo, ao contrário da prática isolada de consultório, tem que ter bastante
claros os limites institucionais de sua atuação. N a instituição o atendim ento deverá ser nor
teado a p a rtir dos princípios institucionais.19 Esse aspecto é, por assim dizer, um dos deter
m inantes que mais contribuem p a ra que muitos trabalhos não sejam coroados de êxito na
instituição hospitalar. R ibeiro20 pontua que o doente internado é, em síntese, o doente sobre
o qual a ciência m édica exacerba o seu positivismo, e pode afirm ar a transposição da linha
dem arcatória da norm alidade. Sua patologia reconhecida e classificada precisa ser tratada.
Ao contrário do paciente do consultório que m antém seu direito de opção em aceitar ou não
o tratam ento e desobedecer à prescrição, o doente acam ado perde tudo. Sua vontade é apla
cada; seus desejos, coibidos; sua intim idade, invadida; seu trabalho, proscrito; seu m undo de
relações, rompido. Ele deixa de ser sujeito. E apenas um objeto da prática médico-hospitalar,
suspensa sua individualidade, transform ado em mais um caso a ser contabilizado.21
Esse aspecto inerente à institucionalização do paciente enfeixa um dim ensionam ento
de abrang ên cia de intervenção do psicólogo rum o à h u m an ização do hospital em seus
aspectos mais profundos e verdadeiros. A Psicologia H ospitalar não pode igualm ente p er
der o p arâm etro do significado de adoecer em nossa sociedade, em inentem ente m arcado
19 - No caso de divergência dos princípios e preceitos da instituição onde o psicólogo desenvolve sua atuação, po
derá haver um trabalho de direcionamento de transform ação desses princípios. A transformação da realidade
institucional, muitas vezes, pode ser determ inante de um a reformulação rum o à própria hum anização da
instituição. O que não pode ocorrer é, diante da discordância, negar-se os princípios institucionais e tentar a
efetivação de um trabalho sem levar em conta tais especificidades.
20 - Ribeiro, H.P. 0 Hospital: História e Crise. São Paulo: Cortez, 1983.
21 - Ibid. Op. cit.
12
O P sicó lo g o no H o sp ital
pelo as|)C( l(i pragm ático de prnduçào m n can lilista. O u nas palavras dc P itta,22 o adoecer
nc\t<i sociedade é, consequentemente, deixar de produzir e, portanto, de ser; é vergonhoso; logo, deve ser
m ultado e excluído, até porque dificulta que outros, familiares e amigos, também produzam. 0 hospital
perfaz este papel, recuperando quando possível e devolvendo sempre, com ou sem culpa, o doente à sua
util ação anterior. Se um acidente de percurso acontece, administra o evento desmoralizador, deixando que
o mito da continuidade da produção transcorra silenciosa e discretamente A intervenção do psicólogo
nesse sentido não pode prescindir de tais questionam entos com o risco de tornar-se algo
( Icsprovido d a profundidade necessária p a ra ab raçar a verdadeira essência do sofrimento
do paciente hospitalizado. E a p ró p ria direção contem porânea de desospitalização do p a
ciente tem no psicólogo um de seus grandes aliados na m edida em que p o derá depender
desse profissional um a avaliação m ais precisa sobre as condições emocionais desse paciente.
N ão se pode, no entanto, p erd er o p arâm etro de que a psicologia deve se aliar a outras
Ibrças transform adoras p a ra não se incorrer em m eram ente ilusionistas. O u nas palavras
de Ribeiro:23 há, no entanto, váriosfatores quefavorecem a desospitalização, além daqueles apontados
séculos antes. 0 intervencionismo e a onipotência da medicina são olhados com maiores reservas. Cada vez
mais é contestada por doentes, familiares, instituições seguradoras e pelo Estado a abusiva utilização dos
recursos tecnológicos hospitalares. Novos conhecimentos nas áreas dafisioterapia, propedêutica e terapêutica
vêm permitindo diagnósticos e tratamentos que tornam prescindível a intervenção ou a encurtam.
A Psicologia Hospitalar não pode se colocar dentro do hospital como força isolada solitária
sem contar com outros determ inantes p a ra atingir seus preceitos básicos. A hum anização
do hospital necessariam ente passa p o r transform ações da instituição hospitalar como um
todo e evidentem ente pela p ró p ria transform ação social. O psicólogo, assim, não pode ser
um profissional que despreze tais variáveis com o risco de tornar-se alijado do processo
de transform ação social.
O u ainda, o que é pior, ficar restrito a teorizações que isolam e atom izam o paciente
de conceituações e conflitos sociais m ais amplos. O hospital, assim como toda e qualquer
instituição, reproduz as contradições sociais, e toda e qualquer intervenção institucional
não pode prescindir de tais princípios.
O psicólogo reveste-se de um instrum ental m uito poderoso no processo de hum aniza
ção do hospital n a m edida em que traz em seu bojo de atuação a condição de análise das
relações interpessoais. A p ró p ria contribuição d a psicologia p a ra clarear determ inadas
22 - Pitta, A. Hospital, Dor e Morte como Oficio. São Paulo: Hucitec, 1990.
2 3 - 0 Hospital: História e Crise. Op. cit.
13
P sico lo g ia H o sp ita lar
m anifestações de som ati/.ação é, igualm ente, decisiva p ara l'a/.er com que sen lugar na
equipe de saúde da instituição hospitalar esteja assegurado. As som atizações cad a ve/
m ais são aceitas no bojo das intervenções m édicas e a atuação do psicólogo nesse sentido
é determ in an te de u m a nova perform ance na própria relação m édico-paciente. E notória
tam b ém a evidência c a d a vez m aio r de que m uitas patologias têm seu q u a d ro clínico
agravado a p a rtir de com plicações em ocionais do paciente. In terv ir nesse ponteam ento
é o u tra perform ance que faz d a psicologia u m a força m otriz até mesmo no diagnóstico e
com preensão de patologias p a ra as quais a p ró p ria M edicina não tem explicação absoluta.
Assim, não se pode negar, p o r exemplo, a im portância das variáveis em ocionais em um
quadro diagnosticado de câncer ou de algum a cardiopatia. C om o tam bém é inegável a
presença de determ inantes em ocionais quando abordadas patologias não diagnosticadas
com precisão... até m esm o pela falta de sintom as específicos e variados. Podem os incluir
nesse rol aqueles casos em que o paciente queixa-se ora de cefaleia, ora de náuseas, ora de
com iseração estom acal etc. O u ain d a daqueles casos em que o paciente apresenta diversos
sintom as concom itantes a diversas patologias sem, no entanto, apresentar tais patologias.
O s exames clínicos nesses casos não conseguem fazer um diagnóstico preciso e absoluto,
pois a próp ria alternância de sintom as do paciente é algo apenas diagnosticado quando se
tenta com preender, além dos sintomas, a dor d ’alm a que acom ete tais pacientes.
Nesse sentido, é interessante observar que o avanço d a m edicina, com todo o seu apa
rato tecnológico, não consegue prescindir do psicólogo pela sua condição de escuta das
m anifestações d ’alm a h u m an a, im perceptíveis à p ró p ria tecnologia m oderna.
Considerações Finais
14
De Como o Saber
Também é Amor
V aldem ar A u g u sto A n g e ra m i - C am on
Introdução
Kste trabalho e um sondo <lr amor, uma elegia da alma para deeantar um a das mais Im
Miaules psicólogas brasileiras, seguram ente u m a das m ais queridas em nossa realidade.
E simples, sem o u tra preocupação que apenas e tão som ente m ostrar o u tra M athilde
N eder aos olhos de seus adm iradores, pessoa que se m ostra de um a generosidade ím par e
que, no entanto, poucos têm o privilégio de conhecer e conviver. Sua trajetória profissional
foi descrita em livro anterior,1no qual seu pioneirism o está detalhadam ente narrad o , con
figurando-se assim n a verdadeira história d a prática d a psicologia hospitalar no Brasil.
O objetivo aqui é m ostrar outra figura, distante do academ icism o e da vivência hos
pitalar. U m a M athilde N eder que tive o privilégio de conhecer e de conviver. E a p artir
de convivências com o essa é que tenho certeza de que se tra ta de alguém m uito especial,
pois tal convívio só m e fez crescer com o pessoa em todos os sentidos da m inha experiência
hum ana. N ão é m inha pretensão esgotar os detalhes que possam ser atribuídos à M athilde,
tam pouco colocar-m e com o o único que os conhecesse e que, portanto, se não estiverem
aqui registrados, não existem. T rata-se apenas de u m a pequena descrição, reduzida em
seu espaço de escrita, e estabelecida em um tem po m uito curto em razão da nossa própria
dificuldade de tantos e dem asiados comprom issos profissionais. Enfim , um trabalho em
que o am or é balizam ento principal, e o afeto de seu ser é a estrutura m aior de seu bojo e
de seu com prom isso editorial.
A inda era acadêm ico de psicologia, e ela notória professora na PUC-SP, quando ouvi falar
de M athild e N ed er pela p rim e ira vez. Nesse período n ão p o d ia im ag in a r que po d eria
conviver com ela de m odo tão estreito, p artilh an d o m om entos dos m ais diferentes matizes.
A inda acadêm ico, comecei a d espertar m eu interesse p a ra a área hospitalar e p a ra todos
os lados p a ra os quais me direcionava, a proem inência m aior de referência teórico-prática
sem pre era M athilde Neder.
Nesse m om ento ela era p a ra m im apenas u m a figura m itificada pelo seu desenvolvi
m ento acadêm ico e p o r sua perform ance profissional. A lguém que veneram os, m as que
acreditamos ser distante daqueles que apenas estão com eçando a d a r os prim eiros passos
em suas trajetórias profissionais. Frisa-se o term o “acreditam os”, pois essa é a verdadeira
definição p ara expressar a redom a em que m uitos acreditam que M athilde N eder se en-
1 - Angerami, V.A. Tendências em Psicologia Hospitalar. São Paulo: Cengage Learning, 2004.
16
D e C o m o o S a b e r Tam b ém é A m o r
17
Psico lo g ia H o sp ita la r
D a m esm a form a, tam bém passei a falar p ara os alunos tios cursos de aperfeiçoam ento da
unidade de psicologia hospitalar do H ospital das Clínicas da FMUSP.
O utro s Tempos
18
D e C o m o o S .ilio r la m b é m é Am or
A sua hum ildade atropela a grandiosidade de suas realizações, pois, por mais iiu ri-
M I c|ue possa parecer, nem mesmo suas prim eiras publicações ela m anteve guardadas e
I ousei vadas. I', isso posso afirm ar sem titubeio, pois p a ra escrever a história de sua Iraje-
loiia prolissional tive de lapidar m uito m aterial que se achava m isturado a outras tantas
publicações, bem com o g a rim p a r trabalhos que se achavam perdidos nos lugares m ais
inimagináveis. Para se ter um a ideia da dim ensão dessas colocações, cito um a ocasião, poi
volta de 1991, q uando estava trab alh an d o na descrição de sua trajetória e precisava de uma
I ouferência que ela havia proferido no início de seu desem penho profissional. Fui até sua
I asa, e depois de m uito p ro c u ra r e n ad a encontrar, levei-a para assistir a um concerto que
para m im era im perdível. Q u an d o voltamos à sua casa, procuram os por toda m adrugada
ati- finalm ente encontrá-la.
K assim foi d u ran te toda a elaboração desse trab alho, um incessante garim po no qual
I ada peça en contrada era fartam ente com em orada pelas dificuldades apresentadas. I . nào
pense o leitor de m odo precipitado que isso possa ser evidência de um a desorganização 1 1<
sua parte, pois outros trabalhos indispensáveis à sua prática profissional estão devida menti
guardados e com fácil acesso em seu escritório de trabalho. O registro de suas atividades
li ii deixado de lado por sua característica de hum ildade, que a im pede de se rcconhei et
como alguém cujos passos são de extrem a im portância p a ra a própria história da psi< o
logia no Brasil.
Em um a ocasião ela simplesmente falou: “Q uem vai se interessar por um a conlcrêiH ia
que proferi no final(fim) dos anos 1950?” E, na verdade, fazia referência a um a conferem ia
que registra a prim eira participação de um psicólogo em um evento organizado por mediu is
no Hospital das Clínicas da FMUSP e no qual estavam registrados os seus primeiros passos,
bem como o nível de aceitação ao seu trabalho por outros profissionais da saúde. ( )u de otilt a
situação em que simplesmente falou: “Não sei p ara que você está interessado em saber os de
talhes do meu trabalho no hospital”. E novamente estávamos diante de um a situação em <|iic
tais detalhes colocavam em evidência um pouco da história da psicologia no Brasil.
Até m esm o u m a foto de um congresso realizado n a E uropa, quando ainda era jovem ,
e que tin h a grandes personagens d a psicologia m undial, com o M elaine K lein e Ft nest
Becker, entre outros, só é m ostrada depois de m uita insistência. Do contrário, guardada
está, g u a rd a d a perm anecerá. Im agino de outra p arte que se essa foto pertencesse a iiní-
meros outros colegas, estaria em destaque em suas salas de visitas, como um dos maiores
triunfos d a p ró p ria trajetória profissional.
U m a das faces m ais m arcantes de sua generosidade é o m odo como acolhe colegas de
outros Estados, hospedando-os em sua própria residência. Assim, é muito comum encontrai
19
P sico lo g ia H o sp ita lar
colegas dos m ais diferentes cantos <|iie, ao passarem por São Paulo, sào recepcionados poi
M athilde, tendo então em sua residência o local de referência e proteção. E não pense <|in
se tra ta apenas de notórios de outras localidades, mas de qualquer colega, acadêm ico <|in
seja, e que simplesmente necessite de um a acom odação por esses cantos. E com o já ouvi
de um colega de M aceió que lá estava hospedado: “Além de tudo, ainda tenho o privilégie i
de conviver com o dia a dia de M athilde N eder”.
M athilde, em sua generosidade, g u a rd a hábitos de extrem a valorização do convívio
familiar. É frequente ouvir-se dela sobre a necessidade de ir até o interior p a ra cuidar <l<
parentes. E la tam bém é m uito religiosa, e um de nossos passeios frequentes é levá-la para
assistir à missa do canto gregoriano no M osteiro de São Bento, no centro histórico de Sâ< >
Paulo. E de q ualquer m an eira ela é sem pre g ra ta a qualquer gesto que façam os em seu
benefício. Tudo é m uito considerado e não há ação em que não se derram e em agradeci
m entos quando se sente a c a rin h a d a pelos nossos gestos.
Sem m edo de erro é possível afirm ar que o grande e, por assim dizer, o seu principal
defeito é a sua escassez de publicações. Pela m agnitude de sua vivência é um a perda irre
parável um núm ero tão reduzido de trabalhos acadêm icos. E m bora esteja constantem ente
orientando as m ais diferentes dissertações e teses acadêm icas, certam ente teríam os um a
grande contribuição se ela dedicasse um tem po de suas atividades p a ra a publicação de
sua vasta experiência profissional. M as os ensinam entos que ela nos lega a cada encontro
nos tornam responsáveis pela sua difusão. E tam bém não podem os perder de vista que dois
dos m aiores pensadores da h um anidade - C risto e Sócrates —nad a publicaram , chegando
suas ideias e ensinam entos até os dias de hoje graças àqueles dentre os seus discípulos que
recolheram um vasto m aterial de seus ensinam entos e os publicaram . E assim, o saber pode
se transform ar em u m a das m ais belas m anifestações do amor...
20
Atendimento Psicológico
no Centro de Terapia Intensiva
R icardo W e rn er S e b a stia n i
Introdução
C TI traz como sério estereótipo vinculado à sua ideia a imagem de sofrimento e tnoi ic
O iminente. N a verdade, por ser um a unidade no hospital que se dedica ao atendim ento
de casos em que o cuidado intensivo e a gravidade dos problemas exigem serviços constant«
e especializados, esse tipo de im agem acaba tendo um bom cunho de realidade.
As características intrínsecas ao C T I, como a rotina de trabalho mais acelerada, o <liin.i
constante de apreensão, as situações de m orte im inente, acabam p o r exacerbar o estado
de “estresse” e tensão que tanto o paciente q u an to a equipe vivem nas 24 horas do di.i
Esses aspectos, som ados à dim ensão individual do sofrimento d a pessoa nela inlet uad.i
tais como a dor, o m edo, a ansiedade, o isolam ento do m undo, trazem , sem dúvida, \ .11 ins
e fortes fatores psicológicos que interatu am de m an eira m uitas vezes grave por sol 11 e .1
O C T I é m ais um dos frutos do ex traordinário avanço que as ciências m édicas e sua teem >
logia atin g iram no século X X . O bjetivado p ara um tratam ento intensivo do enfermo, vei< >
se evidenciando com o u m a unidade indispensável p a ra o tratam ento de doentes graves.
Psico lo g ia H o sp ita lar
Kquipamcnlos sofisticados, pessoal ici nico qualificado, atenção ('(instante, 21 horas diai i.e.
de m edicações, exam es, testes, tensão, rotina, visando a um só fator: a pessoa enferm a.
N ão obstante essas conotações e todo aparato científico e tecnológico, observa-se um
fato que se repete nas centenas de C T Is espalhados pelo nosso País.
Existe, n a m aio ria das pessoas, um estereótipo b astante arraig ad o , associado ou tu
locado com o sinônim o de C T I: A M O R T E IM IN E N T E . O fator m orte, controvertida
realidade de nossa existência d entro d a cu ltu ra ocidental, é, por paradoxal que pareça,
vivido todo o tem po n a ro tin a d iá ria do C T I, exigindo das pessoas que nele tra b a lh a m <
lutam pela vida um posicionam ento m uito d uro p eran te este, m uitas vezes obrigando-as
a refugiar-se em um universo racio n alista p a ra a g u e n ta r a pressão em ocional que ist« i
tudo causa.
A história d a M edicina tra z situações que se repetem com o passar dos séculos, sem
pre questionando o fator m orte e a im p o rtân cia da atenção afetiva do terap eu ta diante
do enferm o.
Asclépio, m édico da b atalh a de T roia (2), citado po r H om ero e glorificado depois como
deus da M edicina, preconizava em seus ensinam entos a im portância de um a boa acolhida
ao enfermo, interessando-se po r seu todo; am biente, interesses, família, cultura, motivações
e sintom as eram condições básicas p a ra sua recuperação.
Firm ado neste código de respeito à pessoa h u m ana, levanta-se então a necessidade im i
nente de um a am pliação na abordagem à pessoa enferm a, quebrando a defesa racional e,
ao lado dela, vivendo o conflito entre vida e m orte. N ão se trata de um a entrega im ediata
ao sofrimento, pois se cairia então no mesm o prism a extrem ista da racionalização, mas
sim de um “estar com ” em que se pode, como m ediador, aco m p an h ar a vida e a m orte,
lutando por aquela ou com preendendo, nesta, nossa lim itação, abandonando a onipotência
que m uitas vezes nos assola com o um dom divino de “senhor da existência”.
Tem-se, po rtan to , com o objeto da atenção do psicólogo no C T I, um a tríade constituída
de: paciente, sua fam ília e a p ró p ria equipe de saúde, todos envolvidos na m esm a luta, mas
cada um com pondo um dos ângulos desse processo.
O sofrim ento físico e emocional do paciente precisa ser entendido como coisa única,
pois os dois aspectos que o constituem interferem um sobre o outro, criando um círculo
vicioso do tipo: a dor aum enta a tensão e o m edo que, p o r sua vez, exacerbam a atenção do
paciente à p rópria dor que, aum entada, gera m ais tensão e medo, e assim sucessivamente
(9). Essa com preensão ajuda o psicólogo a queb rar esse círculo vicioso de form a a tentar
resgatar, com o paciente, um cam inho de saída p a ra o sofrimento, em que, de um lado, as
manobras médicas, m edicamentos, exames, introdução de aparelhos intra e extracorpóreos
22
A tiiix lim u n to P sico ló g ico no C o n tro du Te rap ia Intensiva
V,iu se som. h .Is do psicólogo, (|iir l.iMiriM e a m anilcstaçào dos medos e fantasias do pacien-
ii I .liinula sna participação no tratam ento, ouve e p o ndera sobre questões (jue o aflijam
lan^úsli.i, desesperança, m udanças estruturais na sua relação com a vida, expectativa da
mol le etc.). I odos esses esforços visam m ais do que a um fim puro e simples: visam a um
I .mmilio de enfrentam ento da dor, do sofrimento, e eventualm ente da própria m orte, mais
digno e o m enos sofrido possível.
Nunca se pode esquecer que do lado de fora do C T I, no corredor, n a sala de espera,
existe um a fam ília igualm ente angustiada e sofrida, que se sente im potente p a ra ajudar
■.eu familiar, que tam bém se desorganizou com a doença e que tam bém se assusta com o
espectro d a m orte que m uitas vezes ron d a seus pensam entos.
Kssas pessoas tam bém precisam da atenção do psicólogo e constituem -se em um a po-
lenle força afetiva que pode e deve ser envolvida no trabalho com o paciente, pois são os
representantes principais de seus vínculos com a vida e, não raro, u m a das poucas fontes
de m otivação que este tem p a ra enfren tar o sofrimento e a virtualidade da m orte.
Sabe-se m uito bem que o palco principal do tratam en to no C T I acontece no plano
biológico; a infecção sendo com batida pelos antibióticos, as falências dos sistemas sendo
( (impensadas p o r m áquinas e fárm acos, a vigilância do funcionam ento do organism o feita
I » >r exam es e testes laboratoriais; às vezes esse processo nos faz esquecer de que tudo isso
tem um único objetivo: preservar a vida. E o que é essa vida senão esse intrincado sistema
de emoções, afetos, vínculos, m otivações que sentimos em nosso corpo e de nossa alm a,
que acontece d entro de um am biente que nos cria e criam os cham ado fam ília, relacio
nam entos, trabalho, m undo, enfim...? É, portanto, pela qualidade desta vida que se luta,
às vezes gan h an d o , às vezes perdendo. Nesse ponto a equipe de saúde, que, antes de mais
nada, é tam bém com posta de pessoas, vivência no seu cotidiano esse significado de viver e
de m orrer. O profissional de saúde não deixa de ser assolado po r sentim entos ambivalentes
de onipotência e im potência, a p ró p ria finitude que é denunciada a cada m om ento, as ex
pectativas de todos (família, paciente, colegas...) são jogadas sobre eles. P ara suportar isso,
m uitas vezes se refugiam em suas defesas, o racionalism o, o não envolvimento, a própria
onipotência, m as mesmo assim todos esses estímulos estão ali, presentes no seu dia a dia.
O psicólogo pode então a tu a r com o facilitador do fluxo dessas emoções e reflexões, detec
tar os focos de “estresse”, sinalizar quando suas defesas se exacerbaram tanto, a ponto de
alienarem -se de si mesmas, de seus próprios sentim entos, e favorecer a com preensão de
sua onipotência (que é falsa).
Esse trinômio merece atenção, merece respeito; o psicólogo o compõe sendo ao mesmo tempo
agente e paciente de tudo que se mencionou anteriormente; sua presença pode ser inestimável
23
Psico lo g ia H o sp ita la r
nesse momento, quase sempre cronicam ente erítieo, e cabe também a ele estar atento nào mi
ao outro, mas a si mesmo, p ara poder atuar sempre que puder, respeitando seus limites.
enferm o, que procu ra possibilitar um a dim inuição e/ou am enização das intercorrências
que poderão v ir a com plicar ou re ta rd a r a recuperação e a reabilitação dele.
Para que se possa com preender com mais clareza o processo psicofisico do enfermo, é de
extrem a im portância que sejam abordados os grupos de fatores que intervêm de forma direta
ou indireta n a evolução do q uadro psico-orgânico do paciente, como será visto a seguir.
O bservam os que a situação do paciente não tem somente o ângulo de vida e morte,
mas tam bém o sentim ento de abandono e dicotom itização, pois é regra com um , na m aior
p arte dos C T Is, a proibição das visitas, e é “regra” em hospitais, por um provável vício do
cotidiano, tra ta r as pessoas com o sintom as, órgãos ou núm eros (o “202 A”, a “esterosc”
do leito 01, o “neuro” do 5a andar...), resultando na despersonalização, o que evidencia a
im portância do trabalh o do psicólogo, ressaltando “o tem po e o interesse hum anos” como
preponderantes p a ra o auxílio n a recuperação am pla d a pessoa enferm a.
Para tanto, o trab alh o do psicólogo hospitalar baseia-se nos seguintes aspectos:
1. A tender integralm ente o paciente e a sua fam ília, considerando-se os parâm etros
de saúde da O rg an ização M undial de Saúde (3):
a) total bem -estar biopsicossocial do paciente;
b) atenção p rim ária, secundária, terciária à saúde.
Logicam ente, u m a pessoa in tern ad a no C T I não tem como principal necessidade a
atenção p rim ária, m as a preocupação com a profilática de um a orientação adequada
antes da alta; um prep aro p a ra que as lim itações advindas da doença (tanto físicas
quanto psíquicas) não trag am à pessoa sentim entos de inutilidade p a ra si e p a ra o
m undo são muito im portantes.
2. Desenvolver as atividades sob um a visão interdisciplinar (médico, enferm eira, assis
tente social, fisioterapeuta, biom édico, nutricionista etc. ), baseadas na integração
dos serviços de saúde voltados p a ra o paciente e sua família.
24
A tiin d h m in to P sico ló g ico 110 C u n tro do Tornpla In ta n iiv n
O Paciente Cirúrgico1
I . realm en te notável a q u a lid a d e das reações dos pacientes d ia n te d a ciru rg ia. Nessa
situação, as pessoas tendem a m udar. Elas se refazem , refinam seu autocontrole, delibei.i
dainente lim itam suas percepções e sentim entos, negam o perigo, aceitam com estoii isiiio
o inevitável e conseguem , até mesmo, um a aparência de satisfação. A considerável valia
dessa m udança interna, em bora não seja universal, é talvez m aior do que se petisa. < loin
sua ajuda, o paciente não apenas se protege contra um m edo e sofrim ento avassaladores,
mas se entrega tam bém a um papel m ais passivo, cooperativo e tratável.
Q ue ninguém se deixe en g an ar pela contenção emocional de 11111 paciente eirúrgii o
Não im portando o grau de im perturbabilidade de sua aparência, subjacente a ela, há um
medo e um pavor terríveis. O paciente subm etido a procedim ento cirúrgico apresenta
aspectos psicológicos im portantes principalm ente com relação ao medo. Tem m edo da
dor, d a anestesia, de ficar desfigurado ou incapacitado. Tem m edo de m ostrar medo, c
medo de mil e um a coisas. Sobretudo, tem m edo de m orrer. E, diferentem ente de algum as
outras coisas tem idas pelas pessoas, o m edo da cirurgia tem, pelo menos em parte, uma
base concreta. E m bora a realidade seja sem pre enriquecida pela im aginação, o modo da
cirurgia nunca é totalm ente im aginário.
O tipo de freio que os pacientes exercem sobre o seu m edo faz m uita diferença 1 m
relação ao seu bem -estar. A lguns o têm firm e, relativam ente inquebrável c m uito util.
( )utros o têm tão frágil que precisam de reforço, em geral, por meio de acom panham ento
psicológico e eventualm ente drogas. O u tro s a in d a dispõem de m étodos especiais paia
co n tro la ra ansiedade, e nem todos são benéficos. Um modo particular é aquele do paciente
f|ue, te n ta n d o aliv iar a ansiedade con cen trad a sobre a p a rte do corpo cirurgicam ontc
1 - E x tra íd o , a d a p ta d o c co m p lem en tad o a p a r tir de B ird, B. (1), Conversando com o Paciente. São Paulo: M anolc, l!)7H.
25
P sico lo g ia H o sp ita lar
afetada, torna-se preoc upado com outras partes de seu corpo, ou cria problem as ariilii iah
em outras regiões orgânicas. Se esse deslocam ento de um a p arte p ara o u tra p a rère nau
ser prejudicial, n ão h á necessidade de in terferência. E m alguns casos, p o rém , o bem
-estar do paciente é m ais bem preservado se a equipe o ajuda a devolver a ansiedade au
seu lugar originário.
O fato de um paciente em particu lar ten tar deslocar a preocupação de um órgão aíêladu
p a ra outro norm al depende norm alm ente do valor que atribui ao órgão afetado. A cirurgin
d a face e das m ãos pode causar grande ansiedade entre pacientes cujo talento depende <l.i
integridade dessas extrem idades. É óbvio que os órgãos vitais são m ais cotados. Em geral,
quanto m ais valorizado for o órgão, m aior será a ansiedade do paciente diante da cirurgia e,
portanto, quando esses órgãos forem operados, será muito provável que o paciente desloque
sua ansiedade deste p a ra outros órgãos saudáveis e m enos im portantes.
Tanto o paciente quanto o cirurgião devem ser providos de um representante pessoal o
psicólogo - cujas funções seriam, de um lado, representar o paciente que, em seu estado menl.il
e físico afetado, não tem condições para representar a si mesmo e, por outro lado, o cirurgião,
que nem sempre consegue ser tão útil quanto gostaria ao lidar com os medos e fantasias do
paciente em relação ao que vai acontecer. O representante seria alguém que nada faria - como
cortar ou suturar - , caso contrário tam bém ele se veria obrigado a esconder e reprim ir seus
sentimentos e angústias. É o que se entende como “privilégio” do psicólogo no hospital, na
medida em que ele não representa am eaça (organicamente falando).
Essa po n te, ou facilitação de vínculos, tem g ra n d e im p o rtân c ia, sobretudo p a ra o
paciente, pois ela é u m a das possibilidades concretas de se desenvolver dois sentim en
tos im prescindíveis p a ra o bom prognóstico em ocional d a relação do indivíduo com a
ciru rg ia e o processo, m uitas vezes longo, de p ó s-o p erató rio e reab ilitação , que são a
confiança e a autorização. Essa ú ltim a nem sem pre considerada com o fator im p o rta n
te, m as sabe-se que, se não h ouver p o r p a rte do paciente u m a au to rização explícita e
im plícita p a ra que se in terv en h a sob seu corp o e, em u m a instância m ais p ro fu n d a, em
sua p ró p ria vida, os riscos de in terco rrên cias e pi blem as no tran scurso de tratam en to
au m en tam significativam ente.
A questão da confiança e da autorização rem ete-se a um dos aspectos mais im portantes
na relação entre a equipe de saúde e o paciente que se pode denom inar de “entrega p a rti
cipativa”: ou seja, ao mesmo tem po em que confia n a equipe e a “autoriza” a cuidar dele,
m anipulá-lo, m esmo em um m om ento em que está inconsciente, p o rta n to sem nenhum
controle, age p o r outro lado m ostrando-se interessado pelo seu estado, sua evolução, e
esforça-se p a ra ajudar-se no tratam en to e recuperação.
A lu n d im e n to P sico ló g ico no C o n tro do Te rap ia Intensiva
I ,',sa aparentemente pequena prem «i| >a<,ã<>que a equipe deve terem relação à estruturação
di it'll víiietilo eom o paeienle, a despeito de colocações adversas com o “falta de tem po”,
”pi idiidades m aiores” etc., não só otim iza as respostas ao tratam ento tanto do ponto de
VIiia psíquico quanto físico, com o tam bém reduz o tem po de reabilitação e reintegração
d< I paciente, o que, em últim a instância, acaba po r co ntradizer os próprios obstáculos que
a equipe coloca p a ra em penhar-se nesse vínculo.
I ,'ise g ru p o de fatores pessoais, individuais, pode ser dividido em dois m om entos bem
distintos, cad a um com características próprias.
No prim eiro m om ento, considera-se:
( ) P ós-O p erató rio Im ediato, q u an d o o paciente p ode apresentar, den tre outras, as
seguintes reações:
a) reação à cirurgia;
• letargia
• apatia
b) agressividade;
c) depressão reativa;
d) reações de perda.
A pesar de esses fatores pessoais estarem ligados diretam ente com o ato cirúrgico em
si, isso não elim ina nem desvaloriza a im portância dos aspectos am bientais como interve
nientes p a ra a boa evolução e recuperação do paciente.
27
Psico lo g iii H o sp ita la r
C om plem entando, pode-se dizer <|ue am bos os fatores se interligam e se interpõem , ■l<
form a que o trabalho a ser desenvolvido com esses pacientes é bastante complexo e delicado,
precisando os profissionais terem “feeling” bastante aguçado p a ra detectar, compreende i
e ten tar resolver os fatores conflitantes do paciente.
In in 11h*ih h , c ( uni issu air m rsmu us riscos orgânicos dim inuem (note brin: rxemplificando,
lima pessoa cm agit ai,au nu pús-opri atôrio de cirurgia cardíaca, além de com prom eter seu
( aliiiliI pela vontade dc livrar-se da aparelhagem , tentando, por exemplo, a rra n c ar a cânula
dl I Iit iibaçào, terá, pelo estado dc agitação, um fator agravante ã sua pressão arterial e às
demais funções m etabólicas, que poderão ser afetadas p o r esse quadro).
I >u ponto d r vista psicológico, esse m om ento tem im portância ím par. J á se teve oportu-
iiidai le dc viveneiar o misto de alívio da pessoa no m om ento do pós-operatório, posto que
,i ansiedade m aior que repousava no enfrentarnento d a cirurgia passou, m as a vivência de
Indu o processo de recuperação, m uitas vezes m ais doloroso que o pré-operatório, soma-
du a queda de defesas que norm alm ente a pessoa desenvolve p a ra su p ortar a ansiedade
t apreensão pré e perioperatório, acabam acarretan d o quadros psicorreativos altam ente
( om prom etedores ao seu restabelecim ento.
I )entre eles, destaca-se a depressão, muito com um , principalm ente em cirurgias car-
diacas (outros quadros m ais com uns derivados desta: anorexia, astenia, apatia, até outras
respostas que vão desde agitação propriam ente dita até quadros confusionais de origem
psico-orgânica).
Cabe aqui ressaltar que, em m uitos momentos do pós-operatório im ediato, o paciente
pode ex p erim en tar alterações psicológicas m ais graves associadas a intercorrências na
I irurgia ou deficiências secundárias que, a p a rtir d a cirurgia (desencadeadas por toxemias)
c de quadros psicóticos exógenos relacionados a déficits n a oxigenação (por exemplo, após
longo perío d o de p e rm an ên cia em circulação ex tracorpórea), são os m ais com um ente
observados. A atitude ante esses quadros depende de intervenção m últipla. D e um lado,
o médico, buscando elim inar as causas exógenas que provocaram o desencadeam ento do
surto, de outro, o psicólogo, atu an d o com o paciente na reorganização das vivências, e,
após a rem issão do quadro, aco m p anhando o redim ensionam ento da pessoa, posto que a
consciência de um a experiência de ru p tu ra causa com prom etim entos ao equilíbrio personal
do indivíduo. Sob esse aspecto discutir-se-á mais adiante.
No sentido mais am plo do trabalho do psicólogo, acredita-se ser fundam ental ressaltar a
im portância da presença de um elem ento mais voltado à atenção a pessoa, que possa ouvir
o outro lado de suas queixas e colocações sem p recisar preocupar-se com o tratam ento
clínico. T an to p a ra o m édico q uanto p a ra os dem ais m em bros da equipe a presença do
psicólogo aux iliará a redução do estresse desta e do paciente.
O fato de a atitude do psicólogo diante da pessoa enferm a estar descontam inada do
cunho invasivo e agressivo que é visto pelo paciente nos dem ais m em bros do serviço é
grande ponto a seu favor. Vale frisar que a exigência técnica de condutas invasivas e agres-
29
Psico lo g ia H o sp ita lar
sivas (interpretadas como) é p arte integrante do tratam en to , não sendo possível alteiat
essas características. Ao d a r u m a injeção, tro car um curativo on introduzir u m a sonda .1
sensação de invasão denunciada pelo paciente está presente, m as nestas condutas repot 1 ,1
a possibilidade de sua recuperação. Sendo assim, a posição do psicólogo é privilegiada,
como já se disse, n a relação com o paciente, perm itindo a b rir um canal de contato no qual
a participação deste será im portante p a ra o todo quanto à sua reabilitação.
No atendim ento ao paciente pós-operado, a atenção ao seu retorno ao cotidiano con 111
reabilitação e reintegração será tam bém um dos pontos de trabalho psicológico. Um a ava
liação minuciosa de toda a equipe sobre as possibilidades e limitações que a pessoa terá em
sua vida a curto, m édio e longo prazos precisará ser trazida a ela e a sua fam ília de forma a
evitar atitudes inadequadas de negação das limitações (provocando a recidiva ou agravameii
to da enfermidade), ou, por outra parte, a exacerbação do estado de lim itação, truncando
potenciais de vida da pessoa, que passa a ser tratad a como um inválido absoluto, quando
muitas vezes possui amplas condições de reciclar sua vida de form a produtiva e criativa. Ai 1
psicólogo cabe, portanto, orientar sob este aspecto os fam iliares e o paciente, procurandi >
observar essas expectativas e atitudes de ambos perante a evolução da pessoa, desmistificando
os aspectos fantasmáticos elaborados a respeito da dinâm ica Limite x Possibilidade.
A lguns pacientes cirúrgicos, em sua tentativa de controlar o m edo crescente, inibem a fun
ção m ental de form a tão extrem ada que caem em um estado letárgico ou apático. Os casos
pouco graves, muito m ais com uns, parecem consistir em algo m ais do que um a extrem a
am nésia, acom panhada de um baixo nível de reatividade em ocional e de um a falta geral
de interesse.
Talvez o paciente pareça cansado e lânguido, mas, em um exame mais atento, revelar-se-á
que quase não se move, fala, sorri ou mesmo se queixa.
Q uando o processo é mais profundo, o paciente se torna definitivamente m ais indolente,
m ental e fisicamente. O s movim entos e a conversa voluntários podem ser m ínim os, e as
perguntas e pedidos precisam ser repetidos várias vezes.3 O paciente tende a perder o inte
resse mesmo po r coisas básicas, como aparência, conforto, alim entação e diálogo. Tudo que
lii/ I pci m anccer dcitado, on sciii.ulu, i mini sc estivesse dorm indo ou desligado do que o
Iin .1 Mesmo um a apatia c Iciaigia acentuadas com o essas podem passar despercebidas.
IS idem dever-se ao lato de a equipe prelérir pensar que se trata de reações “cirúrgicas” à sua
ill In iildadc no trato de perturbações emocionais e ao seu desejo de não observar evidências
■li ansiedade.
A causa ap aren te dessa le ta rg ia /a p a tia p ó s-o p eratória é a em oção p rim á ria , m as a
,ijj(icssividade a segue de perto. Acossado pelo pânico, o paciente, em um a m anobra de-
... iperada, p aralisa seus sentim entos. E lim ina de sua consciência não som ente os perigos
que o am eaçam de fora sobretudo os perigos cirúrgicos - , como tam bém não se perm ite
perceber sua vida inteira em p articu lar suas lem branças dos perigos e injúrias do pas
sado, e suas im aginações alim entadas e insufladas p o r essas m em órias. Em certo sentido,
Itr liando-se, fazendo com que ele próprio desapareça, transform ando-se em nada.
Q u an d o o paciente volta ao norm al, mesmo q u an d o seu norm al é irritável, im perti
nente, difícil, queixoso, ansioso ou tem eroso, a m udança é sem pre recebida com alívio por
parte da equipe. Sente-se que, agora, o paciente está se recuperando. Esta crença pode ser
mais que inocente. U m paciente que m atou suas em oções m atou tam bém suas esperanças
I vontade de viver, e um paciente sem vontade de viver representa um grande obstáculo a
suas possibilidades de recuperação, mesmo quando o prognóstico biológico é bom.
Exemplo de u m a acentuada reação apática à ansiedade intensa deu-se em um a m ulher
I le m eia-idade, que sofrera u m a colostom ia de em ergência. Nos quatro ou cinco dias pos
teriores à intervenção, ela perm aneceu inerte, deitada de costas, com os olhos fechados,
aparentem ente dorm indo. A paciente não se queixava, não exprim ia desejos de qualquer
espécie e, em geral, p arecia u m a m ulher estupidificada, insensível. C om o fora um caso
de em ergência e ninguém sabia com o era antes da operação, a equipe supôs que este era
seu estado norm al. Vários dias depois, quando chegou a época de aprender a cuidar de
si mesma, a paciente não conseguiu cap tar nada, e esta dificuldade - ao lado dos outros
indícios de seu estupor - levou a equipe a concluir que a paciente tin h a características de
retardo m ental.
Depois de um a sem ana, porém , p a ra surpresa geral, a paciente começou a se manifestar.
Descobriu-se então que sua apatia servira p a ra inibir um estado agudo de terror. Q uando
entrou no hospital, em um a crise de dor, não esperava sair dali com vida. Pensava que a
anestesia era a m orte e quando acordou, e por m uitos dias ainda, acreditava que estava
m orta. C uriosam ente, ao saber que passara por u m a colostomia, seu m edo da m orte não
aum entou, m as exerceu um efeito m ental estim ulante sobre ela. Em várias tentativas das
enferm eiras de lhe m ostrar com o cuidar-se, a paciente vagarosam ente começou a perceber
31
P sico lo g i.i H o sp iU il.ir
que, como lhe estavam ensinando o que lazer quando retornasse para sua casa, cias rcalim iiit
acreditavam que ela se curaria. Este (oi o prim eiro sinal de esperança que se perm itiu v< i
e daí p a ra a frente recuperou-se com rapidez.
A lgum as vezes esse estado pode sugerir um a enferm idade cerebral, u m a possibilida
de que sem pre deve ser levada a sério em qualquer reação letárgica prolongada. ( )ulta
dificuldade diagnostica pode se apresentar pelas sem elhanças entre letargia e deprossãu
O paciente d ep rim id o , a m enos que esteja em estu p o r profundo, em geral fala de sua
depressão, adm ite que se sente triste (estes são geralm ente os casos de depressão realixa,
que serão discutidos m ais adiante). O s pacientes m ais gravem ente deprim idos (depressão
m aior ou patológica) m uitas vezes expressam sentim entos de culpa e de baixa estim a, c u
fazem com o se realm ente tivessem com etido algum erro grave. P ortanto, culpa, fantasia .
m órbidas, não ra ro ideias de autoaniquilação, aco m panham o paciente deprim ido, po
dendo essa sintom atologia ser acrescida de insônia, anorexia e am orfism o afetivo - nesse
últim o caso sente pouca ou n en h u m a em oção, é um estado no qual se observam atitudes
de autoabandono e ensim esm am ento. E im po rtan te destacar nesses casos que essa pode
ser u m a das reações do paciente d ian te da m orte, que não deve ser co nfundida com o
m ovim ento de desapego da fase de depressão p rep arató ria que antecede a aceitação d.i
m orte, com o destaca E. K . Ross (4,5). A in d a sobre esses aspectos h á outros que serão
vistos m ais à frente.
I iiailu c, I)ci(cl><‘ii( 1«> mi nào, im na si- a^icssivo. Alem disso, em bora a ciru rg ia em si seja
In nein a, a causa de sua necessidade nào o é.
Nesse sentido, nenhum paciente está preparado p a ra um a operação. C om efeito, o pa-
I h ni I-1- salvo dc algo pior, salvo talvez da m orte, mas de qualquer m odo teria sido m elhor se
111 h ui iln n a nunca tivesse surgido. Assim, tam bém sob este aspecto, p o r causa da desgraça
I il IIV«ica<la pelo “destino”, pode-se esperar que o paciente cirúrgico se torne agressivo.
Alguns pacientes, n atu ralm en te, têm razões m ais explícitas p a ra sua agressividade:
in ui todas as operações têm êxito “com pleto”. E m esm o os pacientes cuja intervenção seja
um sucesso p odem ligar sua agressividade ao que consideram com o m otivos reais. Por
exemplo, um paciente pode sentir dor p o r um tem po m aior do que ele próprio esperava,
na cicatriz pode ser m aior, m ais fria, ou estar m ais exposta do que pensara, ou talvez a
u i uperação seja m ais lenta do que o esperado. P ortanto, não só fantasias m órbidas em
relação à cirurgia, mas tam bém outras m odalidades aparentem ente “positivas” de fantasias,
podem gerar frustração e agressividade.
M ais prejudiciais são aquelas reações que interferem 110 bem -estar do paciente. Por
exemplo, a agressividade do paciente pode m anifestar-se sob a form a de negativismo em
relação aos cuidados pós-operatórios. Passa então a resistir a tudo que é feito por ele, re
cusa-se a fazer tudo que lhe dizem e insiste em fazer o que pensa ser o melhor.
Sem pre que se suspeita de agressividade escondida como causa de perturbação no pro
gresso ou cuidados do paciente, deve-se conversar com este sobre a sua agressividade. Deve-se
encorajá-lo a expressar a sua agressividade ou, então, descobri-la. Q uem quer que seja que
fale com ele pode dizer-lhe que a sua agressividade j á era esperada; e, se o paciente se cala,
é necessário contar-lhe algum as coisas que despertam a agressividade em outros pacientes,
usando a projeção com o fator de m anifestação e elaboração do sentim ento agressivo.
Infelizmente, sabe-se que, muitas vezes, esse sentimento pode ser desencadeado por fatores
externos, com o, p o r exemplo, o adiam ento da cirurgia, a suspensão d a alta tão desejada, a
ausência das visitas ou proibição destas etc. São situações que, sem pre que possível, devem
ser evitadas pela equipe; no entanto, quando ocorrem , é im prescindível que se auxilie o
paciente a expor sua raiva e frustração, de form a a elim inar o efeito extrem am ente nocivo
que esse sentim ento reprim ido pode causar tanto n a sua esfera em ocional quanto física.
É im portan te salientar, tam bém , o cuidado que a equipe deve ter em relação à postura
diante do paciente, buscando não e n tra r em um processo pessoal de envolvimento com a
agressividade do paciente (contratransferência), fato esse não tão raro assim, que m uitas
vezes acaba p o r g erar conflitos no vínculo entre equipe-paciente, ou até mesmo atitudes
de evitação em relação ao paciente.
33
Psico lo g ia H o sp ita la r
L ib ertar ab ertam ente p arte da agressividade pode ser de gruiu le alívio e provocar tiiii.i
m elhora significativa nos cuidados c tratam entos do paciente, e até mesmo na rapide/ di
sua recuperação pós-operatória.
A m aior p a rte das depressões pós-operatórias é “reativa”,5 que v aria em grau de leve .1
• imensidade determ inadas exatam ente pelo desgaste íísico e em ocional experim entado,
Mihieiudo no pre-operatório.
Pude-se esquem atizar o processo observando-se o seguinte gráfico:
- Medo
- Raiva
- Agressividade
- Fantasias Mórbidas
- Insegurança
35
P sico lo g ia H o sp ita lar
As depressões têm sido alvo de estudos, discussões e reclassiíicações ao longo dessas úllim.is
décadas, sendo em alguns casos alvo de polêmicas im portantes no que tange ao diagnóst ici i
diferencial e às estratégias terapêuticas p a ra com batê-las.
Aterem o-nos aqui a discutir o fenôm eno depressivo, quando ocorre em circunstâncias
específicas de internação hospitalar, e às diversas situações que ela deflagra.
P ara tanto, classificaremos as depressões em dois grandes grupos, que denom inarem os
D epressão Patológica (D epressão M aio r D SM III-R ) e D epressão R eativa (Luto sem
C om plicação - DSM III-R) (6).
No Ia grupo (Depressão Maior), destacam -se como sinais e sintom as predom inantes:
J á no 2Qg ru p o (Luto sem Com plicação), observam os situações m ais atenuadas, das
quais se destacam :
36
A ten d im en to P sico ló g ico no C e n tro d e Te ra p ia Intensiva
Nu 11<>s|>it.11( íeral, d sfjbÇiiiKI«»griipo aparece com lim a frequência bem m ais alta que o
Ih iineiro, no qual algum as circunstâncias específicas d a situação de relação do indivíduo
I mil a doença c internação se destacam :
depressão de pós-operatório;
depressão reativa de pós-parto (não confundir com depressão puerperal);
depressão em situações criticas de m orte im inente [E .K . Ross (4,5)];
sintom as da angústia de morte;
depressão d iante da p erd a definitiva de objetos (am putação, diagnóstico de doença
crônica);
depressão por estresse hospitalar, ligada à fase de exaustão dentro do critério do
S.(î.A . de Selye e/ou Hospitalism o [Spitz (10,26)].
37
Psico lo g ia H o sp ita lar
paciente, falsas inform ações que podem ser contraditadas, distanciam ento e frieza
no contato devem ser detectadas e discutidas entre os com ponentes.
Não podem os esquecer que a hospitalização traz, em seu bojo, situações claras de perda
(saúde) e luto, e que os quadros reativos são de frequência bastante alta. Im portante ressaltai
que as m obilizações geradas p o r situações graves de p erd a nas quais a elaboração do luto
m ostra-se com prom etida podem desencadear um processo de depressão maior.
O fenôm eno depressivo vivido pelo p acien te in te rn a d o no H ospital G era l, se não
con sid erad o e a c o m p a n h a d o , p o d e to rn a r-se o d iv iso r de ág u as e n tre a o p ção pela
v id a ou a en treg a à m orte. Pode-se o b serv ar inúm eros casos em que, em b o ra o prog
nóstico do p aciente fosse bom , a depressão que se instalou funcionou com o agrav an te
seriíssim o de seu estad o biopsicológico, d e riv a n d o p a ra ag rav a m en to s som áticos do
q u a d ro clínico, e ev entualm ente levando à m orte. E , m esm o naqueles casos em que a
m o rte é inexorável, a elab o ração d a a n g ú stia de m o rte é que possibilita a estru tu raç ão
do desapego com o condição p a ra aceitação de um m o rre r p erm ead o p o r serenidade e
A lu n d im u n to P sico ló g ico no C e n tro d e Te rap ia Intensiva
in I il.h,.tu, ou, ras«I «ouïrai in, o aiildaliantldiio que- inevitavelm ente re d u n d a em solri-
•iii*i ill ï, desespero e dor.
Nossa lunção no acom panham ento dessas pessoas pressupõe: continência, solicitude,
| m I .rv rran ça e, sobretudo, um estado pessoal bem equacionado pa ra que não caiam os nas
I ni h rs Ibrmas de postu ra que são caracterizadas pelos dois extremos: frieza e indiferença
Ih li um lado; desespero, dor e sofrim ento p o r outro.
I ui geral, pensa-se nas reações de perda em cirurgias m utilatórias, quando, principalm ente
|iiii Ir do corpo, im p o rtan te, g ra n d e ou desejável, foi retira d a; p o r exem plo, um braço,
um a p ern a, estôm ago, olhos ou pulm ão. Talvez a resposta m ais d ra m á tica desta espécie
d r vivência de p e rd a seja o conhecido “m em bro fan tasm a”, quando, após a am putação,
h paciente c o n tin u a tendo a sensação de possuir o m em b ro perd id o . N ão se sabe até
I|iir ponto esta resposta é d evida à estim ulação c o n tin u ad a de fibras nervosas cortadas,
mas parece que tem papel im p o rta n te u m a tentativa psicológica de não desprender-se
■la p arte perd id a.
Nesse ponto tem-se claram ente denunciado que esquem a corporal, como evento neuros-
sensorial [destaca-se aí a existência d a percepção sometésica do H om únculo Sensitivo de
IVnfield e Rasm unsen (7)] e autoim agem como evento basicam ente psicológico associam-se
r mesclam-se de form a quase indissociável. A p ro p ria estruturação d a consciência do EU
sc dá pelas experiências corporais d a criança associadas a interpretações das sensações
r vivências pessoais. Tem-se o que teoricam ente é cham ado de EU físico e EU psíquico
integrando-se e originando então a Consciência do EU (9).
Nesses casos m ais graves, em bora a equipe esteja quase certa ao perceber que seu p a
ciente sofrerá um sentim ento de perda, ela talvez não tenha consciência do efeito grave que
lais reações podem ter sobre a recuperação im ediata ou sobre um a adaptação eventual à
perda. Talvez não perceba que levando o paciente a falar livremente sobre seus sentimentos,
muito pode ser feito p a ra im pedir um resultado desfavorável.
Nas operações menores, com rem oção de partes menos im portantes e menores do corpo,
e, sobretudo, com a exérese de partes indesejáveis ou afetadas, em bora se verifiquem reações
mais suaves, tam bém estas podem ter um efeito significativo sobre a convalescença.
39
P sico lo g ia H o sp ita lar
O mais difícil de com preender é que, mesmo durante a i it urgia, quando absolut,um nii
n ad a é retirado, pode haver u m a p e rd a real, um a p erd a à qual alguns pacientes reagi m
desfavoravelmente. O que sem pre se perde em qualquer cirurgia é a integridade do n h | »>
A pele é co rtad a e nunca m ais será a m esm a. Parece ridículo que um paciente reaja a .iln
tão pequeno, m as acontece.
C aracteristicam en te, as reações de p e rd a são imprevisíveis. Um paciente pode u.m
ter um sentim ento de p erd a em resposta a um p rocedim ento m aior, em contrapartida,
sofrendo u m a intervenção m enor, pode sofrer um sentim ento de p erd a acentuado. I . ,i
inconsistência em geral pode ser creditada ao fato de que tais reações não se devem apin.n
à realidade do que se perde. São altam ente pessoais e dependem em larga escala do s11»
nificado específico que o paciente atribui à p arte afetada e à sua função. Por exemplo, um
paciente cuja vida gire ao redor do prazer p o r sua habilidade física pode sentir-se arrasai li i
pela p erd a do m ovim ento livre de um m em bro, m esmo que este não seja removido. I.in
tais pacientes, a fixação, rigidez ou disfunção do m em bro pode constituir a p erd a maim
Em outras palavras, m ais im portante que o ato cirúrgico, a interpretação que o paciciiii
d á a este é que determ ina suas reações e relação com o evento.
A cirurgia que implica os olhos ou os órgãos genitais quase sempre evoca reações de perda
que podem ter pouca relação com prejuízo físico. A cirurgia que afeta todas as partes visí
veis do corpo - face, escalpo, orelhas, nariz... - quase sempre é seguida por reações pessoais
exclusivas de perda. Porém, nunca é inteiram ente seguro inferir quais operações provocarão
tais reações, sendo muito m ais proveitoso tentar descobrir a avaliação que cada paciente
atribui à perda que vai sofrer.
N ão se pode deixar de ter em m ente que, com o se disse, o universo de símbolos, valores
e vivências pessoais do paciente é que vai influenciar m uito sua interpretação e reação à
perda. No entanto, principalm ente na cultura ocidental, sabe-se que existe um a correlação
íntim a entre o sentimento de perda e a relação do indivíduo com a morte, esta representando
a perd a m ais absoluta e irreversível que alguém pode ter e que é denunciada em todas as
situações em que outros tipos de perdas acontecem n a vida da pessoa. N o caso do paciente
pós-operado em C T I, é de supor que a questão d a m orte esteja intim am ente presente em
suas vivências, sejam internas, sejam am bientais, exacerbando assim essa correlação. Daí
o agravam ento do risco de processos dissociativos, depressivos, ligados a essa vivência.
As reações de p erd a pós-operatórias, m uitas vezes, exercem um papel ativo em outras
reações cirúrgicas, em p articu lar n a depressão e no estado delirante. Essa conexão é tão
comum e im portante que todos os pacientes deprim idos e com delírio devem ser suspeitos
de estar sofrendo sentim entos grandes de perd a, dos quais talvez não tenham consciência.
40
A lu iu llrrm n to P sico ló g ico no C o n tro <l<> Turtipia Intensivo
I i mm p.u ic dn trabalho do psicólogo, pm la ulo, c sempre Ixiin lei c m mente que a depressão
nu h I si.idn delirante podem se i, pelo menos em parte, um a lentaliva do paciente de negar
I h 1 1 nm pensar os sentim entos de perda.
41
P sico lo g ia H o sp ita lar
Sabe-se que o C entro de Terapia Intensiva possui algum as características específicas <pi«
interferem diretam ente no estado em ocional do paciente.
Situações com o as descritas a seguir provocam alterações no estado do paciente, laniu
no nível físico (orgânico) com o psíquico (emocional):
a) agitação;
b) depressão;
c) anorexia;
d) insônia;
e) perd a do discernim ento.
42
A u in d lm *n to P sico ló g ico no C o n tro do Te ra p ia Intensiva
43
P sico lo g ia H o sp ita lar
[segundo Jasp ers (9)], de tal form a que com portam entos estranhos com eçam a aparecei
Frases desarticuladas, fuga de ideias, atitudes obsessivas, ocorrendo não raro derivações pai ,i
quadros delirantes e desconfigurações da im agem perspectiva real. Nota-se que a alterar,u i
sensoperceptiva inicia-se pela ausência de estímulos simples, como o contato com o dia <
a noite, e vai se agravando à m edida que o próprio ciclo circadiano do paciente passa poi
processo de desorganização em função da ausência de atividades, da ação de fármacos,
das oscilações de consciência, da falta de estímulos específicos à pessoa etc.
Esse qu ad ro , que se d enom inava de Síndrom e de C T I, carece de atenção especial,
cuidado este sem pre que possível preventivo, buscando a integridade psíquica do enfermo
por meio dc um contato e orientação constantes, trazendo-lhe a im portância de sua cola
boração na evolução produtiva de seu quadro.
Estim ulação visual, reforçar o paciente a executar atividades de que goste e ten h a con
dição de desem penhar, visita orientada de fam iliares, inform ações sobre o m undo externo
que lhe possibilitem contato com outras coisas que não a doença são pequenas m edidas que
podem prevenir esse quadro.
O Paciente Ansioso7
44
A tend im o nto P sico ló g ico no C e n tro do Te ra p ia Intensiva
lliti I pode viver inn 111.11111c 111<' sem scnlii ansiedade. liste sentido de ansiedade, em geral
i ii|ii,i<l<>apenas com o uma sensação, se m anilesta, deixando-nos inquietos, preocupados,
a nir.lados, ou de algum modo am eaçados.
I)csso modo, incapa/es de rem over na prática a enferm idade ou a ansiedade, procura-se
........ saída: tenta-se elim inar am bas m entalm ente. O u tra coisa que se pratica, quase
..... pro com algum êxito, é desligar a ansiedade d a enferm idade e transferi-la p a ra um
problem a menos im portante ou p a ra outro no qual se possa fazer algum a coisa.
r.ssa distorção, negação e deslocam ento de sintom as físicos pode fazer um paciente
•icntir-sc melhor, m as no processo evolutivo o quadro clínico pode ser de tal m odo alterado
que li médico se perderá. Este é o motivo pelo qual, conversando com o paciente ansioso,
.h e possível levantar um q u ad ro verdadeiro da doença quando a ansiedade do paciente é
m i olocada em u m a perspectiva ad equada à sua enferm idade.
I ,embre-se tam bém de que a resposta ansiosa do paciente à enferm idade atual nunca se
deve apenas àquela afecção. A ansiedade é histórica. Todas as experiências passadas com
I li ici iça ou outros perigos, sim ilares ou não, tendem a acum ular-se n a atual. É deste modo
que cada pessoa gradualm ente constrói sua m aneira característica de reagir à enferm idade
c a ansiedade que ela provoca.
( ) conhecim ento das reações características dos pacientes pode, com frequência, ajudar
a equipe a ju lg a r rápida e precisam ente a seriedade de suas afecções.
O fato de que a ansiedade tenha raízes históricas tam bém possibilita explicar um pâ
nico “inexplicável” do paciente em resposta a u m a enferm idade ou a um procedim ento
medico m enor; o problem a atual e sem im portância assumiu o lugar de um a experiência
m ais terrível de u m a época anterior, talvez de um período esquecido d a infância, um a
experiência que há m uito está encapsulada e que, exceto p o r ocasião d a am eaça atual,
assim perm aneceu d urante anos. E m vista da ligação d ireta d a ansiedade com o passado,
c sempre útil suspeitar, no caso de qualquer ansiedade inexplicável, que a reação presente
do paciente está sendo influenciada p o r algum a coisa que aconteceu h á muito tem po, ou
que o paciente está reagindo assim porque está repetindo o m odo como reagiu antes.
Falar com o paciente sobre suas ansiedades e sentim entos não expressos ou mesmo des
conhecidos reduz im ediatam ente o pod er nocivo destes. As ideias que p airam m udas no a r
são trem endam ente am eaçadoras porque não conhecem limites. Colocadas em palavras,
podem ser exam inadas com o um objeto, no qual equipe e paciente podem enxergar seu
perigo e, assim, ficar bastante neutralizado.
A ansiedade é profundam ente rica em m áscaras. U m de seus disfarces com uns é um a
simples tro ca de nom es, com o, p o r exemplo, “sinto-m e nervoso, tenso, fraco, assustado,
45
P sico lo g ia H o sp ita lar
apreensivo, instável, deprim ido, aborrecido, inquieto, preocupado, ou, então, fico aronl.nln
de noite, não consigo comer, d o rm ir ou to m ar um a decisão”. ( ) paciente usa ernten.i ■li
palavras em lugar de ansiedade, e alguns profissionais estão prontos a acreditar que qui ni
usa essas palavras não está ansioso, apenas um pouco nervoso, tenso, aborrecido. N.m i'
verdade, a ansiedade inclui todas.
Talvez o outro disfarce com um d a ansiedade é sua representação como um sinal mi
sintom a corpóreo. Esse disfarce pode tra z e r problem as, sobretudo p ara o m édico que....
sente m ais à vontade com as queixas físicas do que com a ansiedade.
Contudo, ro tu lar esses sintomas físicos m eram ente como “em ocionais” ou “funcionar. 1
ou “ansiedade” é um erro de igual proporção. P ara o paciente, esse tipo de rótulo r iiiim
acusação que se sente obrigado a refu tar e da qual se defende.
Por que não pensar nesses sintomas físicos como o medo de expressar e m ostrar ansiedai li
do paciente? Por que não im ag in ar que o fato de ele co ntar ao médico essas reações lisii ,r
a situações tensivas é seu m odo de lhe dizer que se sente ansioso diante delas? (Salient a-sr
aqui o uso do m ecanism o de conversão, muitas vezes utilizado como forma de manifestaçau
do sentim ento de ansiedade e am eaça.)
A ansiedade tam bém se esconde p o r trás de outras emoções: os pacientes que se toi
nam extrem am ente irritáveis, agressivos, podem estar reagindo a um a situação subjacent!
produtora de ansiedade.
O utros pacientes, em resposta a situações assustadoras, recolhem-se e tornam -se frios,
paralisados e mudos. Essa reação ao perigo em geral significa um conflito entre a depen
dência passiva da pessoa e sua agressividade violenta: um conflito que o leva a um estado
de paralisia.
O CTI, por todos os aspectos já descritos, destina-se a ser um grande gerador de situações
ansiógenas, a com eçar pelo seu próprio estereótipo, como mencionou-se anteriorm ente.
Pode-se então deduzir que todos esses com ponentes gerados pela ansiedade, descritos
pelo Dr. Bird (1), têm , no C T I, condições absolutam ente exacerbadoras, gerando com isso
reações emocionais das mais variadas. Mister salientar que vivências ansiógenas intermitentes
de longa duração e/o u grande intensidade são um a das principais causadoras da Síndrom e
G eral de A daptação (SGA) e das D oenças de A daptação (DA) tão bem identificadas por
Selye (10). A experiência de internação no C T I pode g erar no paciente, por causa desses
fatores, prejuízos físicos e em ocionais enorm es que, quando não considerados, pois reações
aparentem en te secundárias ao q u a d ro m órbido que deu origem à sua in tern ação , vão
gerando um estado geral de falência diante do sofrim ento de tal m onta que acabam por
entrem earem -se com a patologia de base m esm a do paciente. C onsiderando os conceitos
46
A tondlrruinto P s ico ló g ico no C im tro d e lo r.ip id Intensiva
ili Si I\ i (10), o CI'l l lavorct <■sobrem aneira n evolução do cslado de alarm e p a ra o de es-
Ih 11.11111-ni< »muilo rapid.m im ic, lain (|ue pode passar despercebido pela equipe em função,
ali de ioda atenção que o q u ad ro de base exige desta.
O Pnciente A g ressivo8
A agressividade, deve-se lem brar, não é um a ocorrência patológica, nem rara: todas as
pi v.oas algum as vezes se to rn am agressivas.”
I la um aspecto d a agressividade muito im portante, sobretudo ao considerar a saúde e
a cnlcrm idade: a agressividade pode estar im plicada em todos os atos e incidentes da vida
hum ana. N enhum a situação vital elim ina a possibilidade de um sentim ento, pensam ento
«hI alo de raiva. Desde o nascim ento até a m orte, n ão h á nada que não possa despertar em
nos um sentim ento de raiva. N ão h á n ad a que possamos fazer que não tenha, pelo menos
parcialm ente, u m a m otivação agressiva.
A agressividade, basicam ente, é u m a proteção. E a força que, m uito m ais que apenas o
medo, perm ite progredir. O m edo ou a ansiedade é um sinal, um a experiência sensorial,
um aviso de p erigo e, assim , é essencial p a ra q u alq uer atitude autoprotetora. Em si, o
medo não protege. O que o faz é um a ação ofensiva ou defensiva. Tal ação não é suficiente,
exceto na m edida em que o acesso à agressividade é significativo. A agressividade é que
(lá ao ato sua energia.
Tudo que pode e deve-se saber, em regra, é que, em larga m edida, a agressividade é
histórica e não “causada” pelos procedim entos e palavras d a equipe, pelo que esta diz ou
láz. A lguns pacientes têm reações físicas: balan çam a cabeça, se contraem , ou às vezes
m ergulham em um silêncio ou respondem com m onossílabos guturais. O utros pacientes
apresentam poucas alterações físicas e descarregam tudo pelas palavras.
Os detalhes de como os pacientes exprimem a agressividade e do que os leva a isso não são
tão importantes para a equipe como seu reconhecimento de que boa parcela da atual agressivi
dade se origina do passado e se dirige contra a equipe apenas porque estes agora representam
alguém ou algum a coisa desse passado que os am eaça. Basicamente um a atitude projetiva.
A agressividade dirigida ao am biente poderia, então, ser interpretada como um a form a
de o paciente ten tar proteger-se não só das agressões que sente que o meio lhe im põe, mas
tam bém das agressões que a doença e seus sintom as estão lhe causando.
E de sum a im portância destacar aqui dois pontos relevantes nos quais a m a u ile si.n ,m
d a agressividade tem características peculiares.
O primeiro, que desafortunadamente aparece com uma frequência bastante alta nos Ix >.| >it>il*
do Brasil, está ligado à manifestação agressiva como atitude reativa à situação de profitn<l.i .m
siedade, tensão e frustração; refere-se aqui principalmente àquelas situações em que o paciente,
por exemplo, aguarda um exame im portante ou cirurgia (com fantasias, medo, expectativas •,
após tricotomia, enteroclisma ou um longo período de jejum , descobre que o procedimento li il
adiado ou cancelado. M uitas vezes o aviso é dado tardiamente, sem outras explicações, e sem,
sobretudo, permitir-se que o paciente manifeste suas emoções em relação ao ocorrido. Ne v.i 1
casos, explosões de raiva, acom panhadas de gritos, palavrões, ofensas dirigidas ao Hospilnl,
equipe ou ao profissional que está à sua frente são comuns, ressalte-se aqui, mais saudáveis ilu
que aquela pseudorresignação, que, embora não incomode a equipe, processa estragos de fonii.i
sub-reptícia, importantíssimos, na autoconfiança do paciente, em sua confiança e aceitação il.i
equipe, do tratam ento, e em sua disponibilidade e vontade de tratar-se e ajudar-se.
O u tra manifestação específica de agressividade está ligada à fase de revolta, apresentada
por E.K . Ross (4,6) em seus estudos sobre as reações do paciente diante d a morte: inconlói
mismo, isolamento, acusações, refratariedade ao contato são algumas das manifestações dessa
fase, e cabe ressaltar-se aqui que ela pode aparecer em outras situações críticas específicas
além da de m orte im inente: por exemplo, no processo de elaboração do luto pela amput.i
ção de um m em bro ou extirpação de órgão do corpo, situações igualm ente frequentes 110
C TI. M ais um a vez, orienta-se aos interessados que consultem o roteiro bibliográfico de
estudos, no fim do presente capítulo, p a ra aprofundam ento no tem a.
N unca é dem ais lem brar que toda e qualquer reação do paciente tem, como elemento
básico, seu universo simbólico, suas vivências e principalm ente a form a particu lar como ele
está encarando e elaborando o episódio conffitivo de doença, internação e tratam ento, que
vive no seu aqui e agora, determ inado pela sua historicidade, pelas variáveis socioambientais
que o cercam e pelas relações entabuladas entre a equipe, a fam ília e o próprio paciente.
48
A tan d lm an to P sico ló g ico no C e n tro d e Te rap ia Intensiva
I ui i l h in 1.1 .’ K mais lat il, de rei in im )(liI, fazer algo perante um a agressividade aberta. Não
( ti ui la /.io c|ue se evita d espertar um cão adorm ecido; além disso, os próprios pacientes
Id>ili ui mio q u erer reconhecer a p ró p ria agressividade. C ontudo, quan d o se vê algum a
I •h i.i que parece agressividade em um paciente, u m a tentativa de conduzi-la p a ra um a
I s Ili i- .sào clara pode ser de grande valor. E isto porque os sentim entos fortes, de qualquer
iinliirc/.a, q u ando não expressos, podem p e rtu rb a r o pensam ento lógico e o com portam en-
.......... e, assim , co n tu rb ar as tentativas de diagnóstico da equipe e de como tra ta r
t il paciente. C om frequência talvez m ais do que se im agina - , esses sentim entos estão
I ui lal profundidade que escapam ao pod er da equipe de alterá-los, m as, algum as vezes,
....... as palavras funcionam . M ostrar-se disponível e interessado pelos sentim entos do pa-
I h nie auxilia a manifestação destes, favorecendo assim o afloramento daquela agressividade
que de form a latente pode g erar alterações im portantes, como episódios de som atização
■hI crises conversivas. Salienta-se aqui que a atenção ao conteúdo do discurso do paciente
I fundam ental, pois não é raro esse discorrer sobre seus medos, raivas, ressentim entos de
li m ua figurada, p o r exemplo, falando d a situação do país, contando um caso que ocorreu
■*>111 outrem e que aparentem ente não tem n ad a a ver com ele ou seu estado de saúde, mas
que conta de form a cifrada a m anifestação desses sentim entos latentes.
( )u tra form a de agressividade latente é a do tipo em que m elhor seria cham á-la de
"fúria”.
Kntre adolescentes e jovens adultos, é bastante comum esse tipo de fúria interior, a qual
parece estar por trás de alguns de seus inexplicáveis comportamentos e problemas pessoais.
Km alguns casos, a expressão do sentimento é clara, ao passo que, em outros, é reprimida.
Alguns fatores com portam entais podem contribuir p ara a repressão da agressividade em
pacientes internados, onde se destaca tam bém o receio de não ser aceito pela equipe. A ne
cessidade de apoio e aceitação leva o paciente, não raro, a evitar dem onstrar seus sentimentos
á equipe, principalm ente os sentim entos ligados à raiva e à hostilidade p o r temer, em suas
fantasias, represálias p o r parte desta. Essa atitude contribui para o agravam ento do quadro
em ocional do paciente, e em alguns casos a equipe é corresponsável pelos sentimentos, pois
se coloca distante do paciente ou inconscientem ente reforça as atitudes inacertivas dele. Os
sentim entos que o paciente pode suscitar n a equipe tam bém devem ser alvo de observação
e reflexão, p a ra que se evite a tu a r contratransferencialm ente n a relação.
Aqueles jovens que p ro cu ram o m édico em geral têm um a agressividade reprim ida ou
latente, aqueles que fazem tudo p a ra não agir segundo seu im pulso agressivo ou, quando
agem , tendem a atacar-se. São esses jovens que adoecem fïsica e m entalm ente e pedem
a atenção do m édico. Procuram -no p o r várias razões. M uitos são autodestrutivos e isso
49
P sico lo g ia H o sp ita lar
sem pre é u m a pista p a ra a existência da agressividade reprim ida. Assim, qualqiiei ju\t ni
que, de algum a form a, parece fadado ao fracasso, que parece inclinar-se p ara <>iusn........
d eg rad ação ou autod estru ição , é suspeito de agressividade. A suspeita justifica st imn
im portando o que diz, faz ou os sintom as que apresenta à equipe.
A outra form a que esses jovens agressivos encontram pa ra controlar sua agressivii la<li r
adoecer. Parecem ser m ais suscetíveis às enferm idades orgânicas que os jovens comum« in<
saudáveis e, neste p a rtic u la r aspecto, desenvolvem sintom as psicossom áticos e rc.n,m .
histeriform es e depressivas.
50
A tu n d im en to P sico ló g ico 110 C m itro du T e ra p ia Intensiva
I .... alençao c limito im portante older dados do paciente por interm édio d a fam ília e/ou
h oi11|i.iit Ilanli-s, e assim que possível iniciar contato com o próprio paciente. O s dados da
lii iini ia ila pessoa já possibilitam 1er um a prim eira hipótese sobre o perlil psicológico desta
I o c i aii de riscos que irem os en fren tar caso ela retom e a consciência e venha a recuperar
... r. funções vitais tanto físicas quan to psicológicas. O que significa, nesse prim eiro mo-
• Ih ntn, a tu a r preventivam ente sobre o risco de nova tentativa ainda no C TI.
Vários fatores podem levar o indivíduo a aten tar contra a própria vida, desde distorções
h m i as na estru tu ra da personalidade, em que as pulsões tanáticas são fortíssimas, encai-
Niiiido-se nesses casos distúrbios de ordem psicótica, até questões psicopatologicam ente
li ic i h is graves, mas nem por isso menos críticas, com o o suicídio de balanço, como salienta
\ <i.u ma ( 1 2 ), ou a tentativa de suicídio p o r intenções m anipulativas histeriform es, muito
In quentem ente observadas em adolescentes.
No prim eiro caso, o g rau de m orbidez d a e stru tu ra psíquica do paciente é bastante
I iim prom etido, seus antecedentes pessoais apontam claram ente p ara um perfil psicótico,
I aliendo então à equipe vigilância m ais atenta ao paciente durante a internação, e enca
m inham ento e acom panham ento psiquiátrico tão logo seja possível. Nos casos de pacien
tes portadores de depressão m aior, o diagnóstico diferencial d a depressão c intervenção
m edicam entosa e psicoterápica são fundam entais. Im p ortante frisar nesse p articu lar que
0 período entre o início da m edicação antidepressiva até aproxim adam ente 30 dias após
este é o m ais crítico. Estatísticas indicam um aum ento no risco de tentativa de suicídio
nesse período da ordem de 80% .
J á nos grupos de indivíduos que podem ser enquadrados nas duas últim as m odalida-
1les supracitadas, cabe ressaltar que, inúm eras vezes, a vivência de m orte im inente e toda
m obilização, tanto pessoal quanto fam iliar que o ato gera, pode levar a um a reavaliação
de sua opção. O bserva-se com o processo frequente nesses casos um a profunda angústia,
sentimentos de fracasso, culpa, revolta, autopiedade. Processo esse que deve receber im e
diatam ente atenção psicológica, com o objetivo principal de auxiliar o paciente a reela-
borar suas vivências, valendo-se o terapeuta inclusive do m om ento de grande fragilidade
c ausência ou enfraquecim ento de suas defesas, de m an eira a buscar-se novas alternativas
de vida com a pessoa. Im prescindível lem brar que o processo de acom panham ento não
pode lim itar-se ao período de internação no C T I e que, na m aior parte das vezes, deve ser
extensivo ao grupo fam iliar do paciente.
Este tam bém se encontra m obilizado experim entando sentim entos dos m ais diversos,
como culpa, im potência, raiva, conflitos interpessoais etc. Sabe-se que em grande parte
dos casos a fam ília teve e terá p articipação im portante no processo de relação do paciente
51
Psico lo g ia H o sp ita la r
com a vida. A intervenção psicológica o mais breve possível lorna-sc ciilào parle illicit anii
do tratam ento. E im portante, igualm ente, nesses casos ressaltar lam bem <|iic o p e r unloi oil
que o paciente perm anece no hospital, norm alm ente determ inado unicam ente pelo a | >1 i ml
biológico, deve ser aproveitado ao m áxim o, inclusive n a detecção dos focos conllitivi >\ <pu
levaram a pessoa a o p ta r pelo suicídio e n a sensibilização desta e de sua fam ília pai ,i ii
continuidade do acom panham ento psicológico pós-alta. É relativam ente alta a incidem i >i
de casos em que após a alta tanto o paciente quanto a fam ília buscam negar e ocultar 1>lain '
dos outros e de si mesmos, gerando u m a espécie de “pacto de silêncio” sobre o ocori nln,
m as nem p o r isso os fatores desencadeantes do evento são resolvidos, o que faz com que .
m antenh am os mesmos com ponentes conflitivos, no paciente e em seus núcleos vinculai 11 ,
m antendo assim o risco de nova tentativa bastante evidente.
A segunda m odalidade m encionada é a do suicídio passivo.
A qui se e n c o n tra m aqueles pacientes que literalm ente desistiram d a v ida, pessoa
desesperançadas, n ã o ra ro depressivas, que não enxergam possibilidades quantitativ,n
e qualitativas p a ra a sua existência. Esse tipo de paciente é encontrado em m aior grau
naqueles portadores de patologias crônicas.
O suicídio passivo é observado pelas atitudes autodestrutivas indiretas, como: a negli
gência ao tratam ento, a não observância das orientações médicas, a insistência em real i/a i
atividades ou outras ações contraindicadas p a ra seu qu ad ro clínico e frequentem ente o
abandono p uro e simples do tratam ento. São pessoas cuja atitude de autoabandono pei
m eia o cotidiano. Em alguns casos, independentem ente das perspectivas prognosticas, essa
atitude passa a d o m in ar o indivíduo, dificultando sobrem aneira a intervenção d a equipi
de saúde.
São indivíduos que precisam muito da atenção e da solidariedade da equipe e da família
mesmo que dem onstrem indiferença ou revolta d iante dessas tentativas de aproxim ação
O psicólogo deve estar atento a q u alq u er m anifestação m otivacional do paciente para
utilizá-la com o elem ento de estím ulo. É im po rtan te estar consciente de que a pior arm a
dilha pa ra a equipe de saúde é e n tra r n a m esm a sintonia do paciente e, p o r consequência,
“abandoná-lo” tam bém . O trabalho com esse paciente mostra-se na m aioria das vezes árido
e pouco com pensador, não obstante os esforços dos que o cercam . N o entanto, a busca
de u m a relação qualitativa m elhor com a existência não pode a b an d o n ar as intenções da
equipe, independentem ente do tem po suposto de sobrevida do paciente ou do péssimo
prognóstico que seu q u ad ro tem.
Sabe-se, pela prática clínica, que um paciente que desiste de ajudar-se, independente
mente de seu quadro clínico, tem reduzidas, em muito, suas perspectivas reais de sobrevida.
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A tondln m nto P sico ló g ico no C e n tro do Te rap ia Intensiva
t h I {im 1.11 iio, o alcrla a toda équipe que ii alia Ilia com pessoas que entraram nesse estágio.
I1' iievciança, solieiliide e com preensão são instrum entos indispensáveis p a ra a tentativa
di ajuda a pessoa que por tanto sofrer desesperançou-se de si mesma.
I • rom pim ento com a realidade e alterações na capacidade senso-perceptiva e/o u de in-
III p rrtação do percebido provoca os delírios e as alucinações.
( >s delírios e alucinações do delírio, não im portando o seu grau de b izarria, tendem a
m i simples, diretas tentativas simbólicas de negar o conflito real do paciente. Seu conteúdo
simbólico, cm geral, tem um objetivo direto de satisfação de um desejo, que serve não apenas
,ii is problem as atuais obscuros, m as p a ra c ria r falsas curas e crenças que são o oposto, em
algum a form a, da situação atual. Por exemplo, um paciente intoxicado, que está confuso
I desorientado, e cuja capacidade intelectual sofreu u m a interferência tem porária, pode
experim entar delírios de que é um gênio m atem ático.
Mesmo quando os delírios e alucinações do estado delirante são desagradáveis, eles ten
dem a ser um a tentativa de encobrir problem as reais que são ainda m ais desagradáveis.
Sempre se deve supor que há problem as reais, do aqui e agora, em um paciente delirante.
Problemas que são físicos, quím icos ou psicológicos, ou um a com binação dos três.
Não desanime ante a complexidade e a falta de sentido do estado delirante. Com algum tempo
e um pouco de habilidade, o sentido pode ser encontrado mesmo nas aberrações graves.
Não procure causas isoladas. R aram en te há apenas um a. H á, em geral, vários fatores
em jogo p a ra trazê-lo à tona. A febre é um agente com um , tão com um que a m aior parte
de nós, d u ran te u m a febre alta, sofre pelo menos alg u m a interferência no funcionam ento
mental. As toxinas produzidas p o r algum as moléstias são outra causa, e todas as enfer
midades “tóxicas” tendem a afetar a m ente, provocando delírios. As substâncias tóxicas
introduzidas no organism o podem igualm ente p ro d u zir alterações no juízo d a realidade
(pensamento) e/o u no senso-percepção. O álcool, p o r exemplo, talvez seja um dos agentes
mais com uns do estado delirante, e o “delirium trem ens” talvez seja a form a do estado
de delírio m ais espetacular e letal. A fadiga, os tra u m as orgânicos e a fome são outros
agentes im portantes.
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Psico lo g ia H o sp ita lar
vale sempre a pena procurar choques psicológicos, tensões e sentimentos de perda. Talv«/ >|
situações psicológicas mais dignas de atenção sejam os fatos que am eaçam ou interrompi im
o contato do paciente com seu próprio m undo particular, sobretudo aquilo que o afasia i l.il
pessoas, lugares e objetos fam iliares, e do fluxo de seus estímulos próprios.
M uito significativo o fato de ter-se observado inúm eros casos de pacientes portai Im n
de patologias graves, com prognóstico reservado, que, após passarem p o r um perimiu
anterior de extrem o sofrim ento físico e em ocional, en traram em quadro de dissociaç.m,
com alterações prim árias im portantes na afetividade, consciência do EU e Pensanie.... ,
seguidas de alucinações, em que o surto aparece como um a form a de defesa derradeira ilu
paciente diante da am eaça real e inexorável de aniquilação (13).
Nesses casos, deve-se observar principalm ente dois aspectos fundam entais, a sabei
Nesses casos, sem pre é im perativo o diagnóstico diferencial feito pelo com ponente de
saúde m ental da equipe ou, na ausência deste, a solicitação de interconsulta.
A ausência dessas condutas desafortunadam ente gera m ais sofrimento, m ais conflito,
por conseguinte o agravam ento do quadro, criando assim um círculo vicioso em que, em
últim a instância, todos sofrem.
Por este motivo, os hospitais podem ser nocivos para esses pacientes. Entretanto, no hospital,
o paciente fica afastado de todas as coisas das quais muitos de nós dependemos para a manu-
54
A U n d im a n to P sico ló g ico no C e n tro do Te rap ia Intensiva
h im .h >du bcm-cstar menial. ( ) mesmo vale para a perda do contato com pessoas que lhe são
ijiii I ul.is, assim como para a ausência do lar, da cam a, do quarto, das roupas, dos alimentos,
• iii mesmo dos objetos pessoais. Km lugar da rotina estável e familiar, ligada às pessoas e às
iiih.iv o paciente é jogado no meio de estranhos e de circunstâncias completamente novas. Ele
IhHli' ainda m anter seu controle, mas todos os seus pontos de referência não estão lá.
Além disso, o fu n c io n a m e n to m e n ta l do p a c ie n te h o sp italizad o p o d e ser afetado
pi I.is drogas e, q u a n d o isto se d á , p o d e h av er m esm o u m a p e rd a de controle. As drogas
■h I l.it ivas, hipnóticas e analgésicas, ad m in istrad as p a ra m a n ter o paciente calm o, podem
mi I Iicrigosas p a ra aqueles que possuem tendência ao estado delirante. Em lugar de pro-
.....verem o sono e o relax am en to , elas po d em re d u z ir o nível do im p acto sensorial dos
I ni Imulos externos, dim in u in d o assim a capacidade do paciente dc m an te r a orientação e
0 contato com o que o cerca, fatos que podem lev ar a u m estado d elirante ou a episódios
1mi fusionais, com deso rien tação no tem p o e no espaço, lapsos de m em ó ria e outros.
I )c q u alq u er m an eira, q u an d o o co rrer um estado delirante, deve-se p ro c u ra r um a
I nm hinação de causas que, em conjunto ou hierarquicam ente, tenha afetado criticam ente
a capacidade m ental do paciente.
A proposta original do presente trab alh o tem com o principal pressuposto um a leitura
multifatorial e interdisciplinar da pessoa que está à frente da equipe, e sua doença. É exata
mente a som a dos conhecim entos e observações de todos os m em bros d a equipe, médicos,
enferm eiros, auxiliares, atendentes, técnicos, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas,
assistente social e até m esm o (im portante ressaltar) o pessoal de apoio, com o copeiras,
làxineiras etc., que na sua observação e contato com o paciente podem d a r pistas im por
tantes p a ra u m a boa com preensão do fenômeno que assola o paciente e, consequentemente,
nortear a conduta m ais adequada p a ra auxiliá-lo.
Nos H ospitais G erais, c cm p a rtic u la r nos C T Is, tem -se notado certa dificuldade que a
equipe apresenta p a ra lidar com pacientes de distúrbios psicopatológicos.
A pró p ria estigm atização que a pessoa po rtad o ra desse tipo de distúrbio vem sofrendo
ao longo dos anos som ada ao fato de esses distúrbios terem um curso subjetivo, que foge dos
conceitos cartesianos norteadores das avaliações e intervenções clínicas, acabam por agravar
essas dificuldades, gerando, não raro, sérios problem as p a ra a equipe e o paciente.
D estacar-se-ão neste capítulo alguns dos quadros psiquiátricos m ais frequentem ente
observados no C T I.
55
P sico lo g ia H o sp ita lar
I - PSICOSES ENDÓGENAS
Destacam-se nesse grupo principalm ente as Esquizofrenias, a PM D, a Melancolia Involulix .1
e a Personalidade Psicopática.
Nas esquizofrenias, p artic u la rm en te em suas subform as P aranoico A lucionatória r
H ebefrênica, a exuberância dos sintom as produtivos é m uito frequente, com delírios pei
secutórios, delírios de referência, alucinações auditivas (predom inantem ente) e visuais,
confusão m ental, salada de palavras e outros distúrbios graves envolvendo pensamentos,
aíetividade e consciência do EU tam b ém estarão presentes. R a ram en te esses episódios
ocorrem com o prim eiro surto no C T I; temos história pregressa de paciente com outros
surtos, não raro internações psiquiátricas, n arrativ a da fam ília e /o u acom panhados de
estranhezas de com portam ento do paciente.
A obtenção desses dados é fundam ental p a ra fornecer as prim eiras pistas p a ra o diag
nóstico diferencial. Im prescindível tam bém na anam nese saber-se do uso de psicofármacos
p or p arte do paciente, que, caso sejam suspensos, podem reincidir o surto. C abe aqui à
equipe médica avaliação dos riscos e, sobretudo, de como com binar o tratam ento clínico
de urgência que motivou a internação no C l I com a psicopatia que interinfluencia o com
p ortam ento do paciente e/ou a p ró p ria patologia que e o alvo das atenções.
O utros quadros de psicoses endógenas, como a fase m aníaca da PM D e a Personalidade
Psicopática, quando presentes no paciente internado no C T I, trazem algum as vezes p ro
blemas, sobietudo na esfera do relacionam ento entre equipe e paciente. Por se tra ta r de
processo em que existe elação do humor, grandiloqüência, delírios de grandeza (em alguns
56
A to nd im ento P sico ló g ico no C e n tro de Te rap ia Intensiva
II - PSICOSES EXÓGENAS
I Ima gam a bastante significativa de eventos sobre o m etabolism o ou a fisiologia do corpo
I hi<Icm gerar, como sintoma complementar, alterações de com portam ento, senso-percepção,
lininor, pensam ento, consciência do EU, m em ória etc.
Q uadro s toxêmicos, infecciosos, obstrução hepática, septicemias, alterações abruptas
da PA, descom pensações do equilíbrio hidroeletrolítico, com prom etim entos na absorção
de O no SNC são algum as causas possíveis dessas alterações.
Temos ain d a intoxicações exógenas p o r produtos quím icos diversos e com prom etim en-
los gerados p o r reações a determ inados tipos de fárm acos, alguns inclusive utilizados no
próprio tratam en to do paciente.
Esses quadros são classificados em três subgrupos:
58
Atend im ento P sico ló g ico no C o n tro dt» lin .ip ia Intonsiva
59
P sico lo g ia I lo jp ita la r
D u ran te m uito tem po, e talvez a in d a hoje, considerou-se que, sol) o ponto de visia da
intervenção psicológica no paciente com atoso, quer p o r com a traum ático, quer por coma
anestésico, havia m uito pouco ou n ad a a se fazer.
P artin d o -se do pressuposto de que o com a era igual à ausência de vida psíquica, o
universo m ental do paciente passou a ser simplesmente desconsiderado nos casos em qm
este se encontrava nesse estado.
No entanto, um a coletânea cada vez m aior de relatos, no mínimo inquietantes, fornecú l<i-
por pacientes que saíram do coma, sobre suas vivências, ou mem ória de vivências, no perí< « li ■
de com a, acrescida de pesquisas recentes sobre respostas em ocionais e com portam enlah
do paciente com atoso, com eçam a ap o n tar p a ra outra realidade, ainda pouco conhecida,
sobre a atividade m ental do paciente d u ran te o processo de coma.
O fenôm eno da vida psíquica tem sido alvo de atenção m ais detalhada de pesquisadt>
res do m undo inteiro, particularm ente a p a rtir da década de 1990, considerada a década
do cérebro no que tange a investim entos em pesquisas nos grandes centros de estudos do
m undo, p articularm ente nos Estados Unidos.
Avanços significativos, que com provam a existência de vida psíquica já no feto de (>
meses de idade gestacional, até o m ap eam en to tridim ensional d a atu ação de sistemas
intrapsíquicos no cérebro hum ano através do PET S canner e do Squid, têm possibilitado a
estudiosos das neurociências do m undo inteiro desvendar alguns dos incontáveis mistérios
que envolvem o funcionam ento do cérebro hum ano, e sobretudo com eçar a construção dc
u m a ponte confiável cientificam ente entre cérebro e m ente. A lgum as subespecialidades
novas com eçam a surgir, com o a psicologia p ré-n atal (19,20,21) e a neuropsicologia (22,
23, 24). U m dos segm entos desses estudos a b arca o tem a que ora se desenvolve e passa
pela inquietante p ergunta: há vida em um paciente com atoso, e se há, com o detectá-la
e acessá-la?
O fenômeno da consciência, que segundo Jaspers (9) pode ser considerado como “Todo
o m om ento da vida psíquica”, tem sido alvo de discussões e controvérsias entre diversos
estudiosos, médicos, psicólogos, filósofos, fisiologistas, dentre outros tantos, não raro gerando
muito m ais perguntas do que respostas.
O fato de observ ar-se inú m ero s relatos de pacientes saídos do com a descrevendo
conversas tidas en tre equipe, visitantes ou o u tras pessoas à volta dele, em u m período
em que este estava sendo considerado com o inconsciente, ou de dados científicos m ais
contundentes, como os apresentados pelo psicólogo norte-am ericano H enry Bennett em
60
A ten d im en to P sico ló g ico no C e n tro du Terap ia Intensiva
1 'líl‘l (2 .1)), dem onstram dc lórm a bastante ( Iara que o paciente sob efeito de anestesia geral
li.h ) só pode cap tar o que ocorre a sua volta no centro cirúrgico, mas tam bém encontra-se
particularm ente sugestionável ás eventuais inform ações que absorve. Isso tudo tem levado
inúm eros profissionais intcnsivistas a considerar outros fatores na relação com o paciente
I om atoso que não só o estritam ente biológico.
Sob esse aspecto algum as considerações devem ser feitas:
( ) fenômeno que ab arca o processo S —»R , qual seja, a p a rtir da en trad a de determ i
nado estím ulo ou grupos de estím ulos no SNC até a efetivação da resposta, tem sido alvo
de atenção dos pesquisadores, na tentativa de explicar o que pode estar ocorrendo com o
paciente com atoso, algo como a possibilidade de se absorver e com preender o estímulo.
Não conseguir acessar os meios p a ra a efetivação explícita da resposta pode estar no cerne
das avaliações inexatas que às vezes se faz do paciente em coma, até porque se obtêm dados
da consciência pelas respostas e grau de sofisticação destas.
De form a esquem ática tem-se:
Interno Significante
Externo
/ ©
Significado
— ►- Recodificação — El ei ção dos meios de resposta — >■ Ativação destes — ►- Emissão da Resposta R
(D (D
Esse processo, que se inicia a p a rtir do acontecim ento do estímulo, vai gradativam ente
acessando processos m entais que se iniciam p o r meio das A tividades M entais Básicas,
particularm ente a senso-percepção: 1 - prosseguindo com a solicitação de intervenção de
outros com ponentes do aparelho psíquico, já pertencentes ao grupo de atividades mentais
superiores, com o pensam ento, m em ória, inteligência, afetividade, m otivação e volição; 2 -
até cu lm in ar com a ativação dos m ecanism os específicos p a ra resposta, linguagem (verbal
e não verbal), respostas psicom otoras etc.; 3 - o cam inho que o evento percebido e conscien
tizado percorre pode estar com prom etido em algum nível pela patologia ou situação que
gerou o com a, mas não necessariam ente no m om ento prim eiro da percepção. Pelos fatos
narrados, sobre pacientes que descrevem as vivências e m uitas vezes até sua angústia em
61
Psico lo g ia H o sp ita lar
não conseguir responder, tudo lova a crer que, pelo menos nestes < asos, o evento per« oi n u
seu cam inho ate no m ínim o a com preensão dos estímulos, mas «|ue não houve coihIímii <
de efetivar-se a resposta. Pela ausência desta, p o r m enor que Ibsse, os m em bros da e«|iiípi
foram levados a in terp retar, erro n eam en te, a ausência de consciência, vindo esta .1 1
denunciada por alguns pacientes tem pos depois, quando estes recobram não a cons« n n
cia, como com um ente se diz, m as a capacidade de responder aos estímulos. O bviam rnti
tenios inúm eros outros casos nos quais essa n arrativ a não aparece no discurso do pai iciiti
pós-com a, e outros ain d a em que a m orte sobrevêm antes mesmo de um a retom ada <l.i
capacidade responsiva p o r p arte deste.
Está-se muito perto, pela evolução dos meios de avaliação do funcionamento cerebral, ■l<
se chegar ao ponto de poder avaliar de form a clara e objetiva até que ponto a vida psí«|uic .1
do paciente em coma está ativa. Não obstante, enquanto esses recursos não estão disponívci.
acredita-se ser bastante adequado considerar que a possibilidade de se m obilizar o paciente
p or meio de com entários, visitas ou outras form as de estim ulação direta pode acarrel.it
tanto reações positivas quanto negativas neste. Esse tipo de cuidado é possível, e caberá .1
equipe aten tar p a ra ele. Assim como caberá especificam ente ao psicólogo propiciar ao pa
ciente estímulos positivos, possibilidades de contato com o m undo externo, particularm enii
com coisas que lhe são significativas (obtém-se esse dado com os familiares) e sobretudo ,1
fam ília, que, devendo ser orientada adequadam ente antes d a visita, pode e deve participai
do trabalh o de estim ulação. N otam -se aqui alguns dados com plem entares significativos
que aparecem em alguns pacientes p o r meio d a leitura do seu estado clínico geral, como
p o r exemplo: aum ento d a PA em m om entos m ais críticos em ocionalm ente dentro do CTI
alteração da FC quando da visita de fam iliares ou de com entários inadequados ao lado «l<1
paciente; m anifestações m otoras “autom áticas” im ediatam ente após algum evento mobili
zante; e alguns casos até o choro, lágrim as escorrendo do rosto inerte de um a pessoa nã< >
tão inconsciente, tam pouco insensível ao grande d ra m a que a cerca.
G ostaríam os de falar neste parág rafo usando a p rim eira pessoa, p a ra colocarm os qui
tem sido tam b ém experiência nossa to d a g a m a de eventos m encionada. A creditam os,
portanto, que considerar a possibilidade de existência de vida psíquica no paciente coma
toso, respeitandó-o, estim ulando-o, estando a seu lado e daqueles que lhe são caros, pocle
não ser, como muitos ain d a acreditam , um gesto vão, um a p erd a de tem po. Pode talvez
representar o elo entre o lim bo de incom unicabilidade e a vida de relação e interação.
Pode representar tam bém um m o rrer sentindo-se acolhido e respeitado n a sua dignidade
de pessoa, no seu antigesto silencioso de adeus aos que ficam...
A to n d lm iin to P s ico ló g ico no C o n tro do T e ra p ia Intensiva
Koferências Bibliográficas
(23) LURIA, A.R. Fundam entos d e Neuropsicologia. São Paulo: Edusp, 1984.
63
Psico lo g ia H o sp ital.tr
64
Estudos Psicológicos
do Puerpério
Fern a n d a A lv e s R o d rig u e s Trucharte | R osa B e rg e r Knijnik
Introdução
O bjetivos
O atendimento de puérperas teve como objetivo com preender as emoções, sentimentos, lani.i
sias e temores decorrentes desse período de transição, aliviando as ansiedades presentes
Visa tam bém estim ular u m a ligação m ais saudável entre m ãe e bebê, esclarecendo i
inform ando acerca dos aspectos referentes ao puerpério.
Sobretudo, prevenir a saúde m ental de ambos: m ãe e bebê.
M etodologia
ri ili h i.i c ;i depressão ;ill(Tii.im st- 1 ,i| iiil.iiiitnii -, | mit It-1it l<■fsta última atingir grant le intci isi-
il.itIt*. Alguns autores consider.mi que esses sintom as são devidos às m udanças I>it><|iiínii< as
<11ti- se processam logo após o parlo, lais como aum ento da secreção de corlicoesleroitles e a
súbita (|ueda tios níveis horm onais. Supõem tam bém a atuação de outros latorrs, lais como
as frustrações e m onotonia cio período de internação e a passagem da situação de espera
ansiosa lípica do fim da gravidez p ara a conscientização da nova realidade, que, ao lado d.i
sai isfação da m aternidade, significa tam bém a responsabilidade de assum ir novas ta rd a s e
,i lim itação de algum as atividades anteriores. Às vezes é difícil determ inar a linha divisói i.i
entre a norm alidade e a patologia no caso da depressão pós-parto. De todo modo, a inlcn
silicação ou perm anência dos sintom as depressivos algum as sem anas pós-parto merecem
ser vistas com mais cuidado.
O bservam o s, neste p erío d o (conform e Soifer), estados de confusão na p.u liu icnlr,
ansiedades de esvaziam ento e de castração, ou seja, a am bivalência entre o perdido (a
gravidez) e o adquirido (o filho).
Um aspecto im portante é que, p a ra a mãe, a realidade do feto “in utero” não é .1 mesma
realidade do bebê recém -nascido, e p a ra m uitas m ulheres é difícil fazer essa transição
especialm ente as que apresentam forte dependência infantil em relação à própria mat
ou ao m arido. Podem facilmente gostar do filho enquanto ainda está dentro delas e .1111.11
um a im agem idealizada do bebê, m as não a realidade do recém -nascido. As observai,oe\
da autora m ostram que isso ocorre principalm ente nas m ulheres que tendem a at redil . 11
que seu bebê será “diferente” —tranquilo, que chora pouco, dorm e à noite desde o início
etc. - , negando antecipadam ente a realidade de um bebê nas prim eiras sem anas tie vid a,
diante do qual se sentem frequentem ente assustadas e confusas com a responsabilidade
dos cuidados m aternos.
K itzinger (apud M aldonado) com enta que, n a gravidez, o filho é m uitas vezes sentido
como p arte do corpo d a m ãe e, p o r essa razão, o nascim ento pode ser vivido como uma
am putação. A pós o p arto , a m ulher se dá conta de que o bebê é o u tra pessoa: torna-se
necessário elaborar a p erd a do bebê da fantasia p a ra e n trar em contato com o bebê real.
Essa tarefa se torn a particularm ente penosa no caso de crianças que nascem com problemas
graves ou com m alform ações extensas.
A credita-se que u m a intervenção no puerpério, considerado com o crise vital para .1
67
Psico lo g ia H o sp ita lar
Em caso de m ães m ultíparas, observa-se tam bém um grande im pacto do puerpério m >s
outros filhos. O s sentim entos m ais típicos são de ciúme, traição e abandono. Enfrentam
tam bém u m a situação de crise, com m uitas m udanças: a m ãe um dia sai de casa e nâ< >
volta, ausenta-se p o r alguns dias e ao voltar traz com ela um bebê que passa a solicitar a
m aior p arte de seu tem po e de sua atenção.
São com uns os sintom as regressivos p o r p a rte dos outros filhos, tais como: voltar a
m olhar a cam a, q uerer m am adeira ou chupeta, solicitar atenção e cuidados etc.
Conform e V idela (1973): “U m irm ão é a m aior riqueza psicológica que os pais podem
d a r ao filho. Será o cam inho que o conduzirá à socialização hum ana, o m odo m ais simples
onde aprenderá a com partilhar, a receber e dar, a querer e ser querido por alguém de seu
mesmo sangue e /o u outro ser sem elhante”.
O u tro fator im portante a considerar são as influências culturais, sociais e econômicas
relacionadas ao puerpério.
E stu d o s P sico ló g ico s do P u e rp é rio
Segundo I lelene I )eulcli ( 1'MpO), o |)id( esso psíquico do puerpério, em seu conjunto, depende
naturalm ente do ambiente, «la situação real de vida, dos costumes dos pais, da família etc.
l*or lim, V idela (1973) explica (|ue a m ulher não necessita que lhe digam os como o bebê
deve ficar no peito, nem quando e nem quanto tem po de cada lado. O que deve acontecer
e um m étodo de ensaio e erro p o r meio desta delicada aprendizagem tan to d a criança
como da mãe.
3. O Puerpério e a Amamentação
Após o parto, os pais se defrontam com a percepção das diferenças entre o “bebê im agi
n ário ” (gestação) e o “bebê real”, com suas características e peculiaridades.
O período do puerpério traz m uitas transform ações decorrentes do ajustam ento a um a
realidade nova.
69
Psico lo g ia H o sp ita lar
A interação m ãe-bebê e o início dessas m am adas logo após o parlo nos com provam i
existência de u m a sintonia sutil entre a dupla.
Q u an d o existe um entendim ento e h arm o n ia entre a m ãe e seu filho no m om ento du
am am entação, o leite flui norm alm ente e vai acontecendo um a regulação entre a sueç.m
da criança e a liberação do leite produzido.
Por outro lado, quando há desarm onia no contato da m am ada, surgem várias dificuldade»
e problem as que bloqueiam a lactação, inibindo a produção e/o u a liberação do leite.
Além de um a falta de sintonia entre boca e m am ilo, dificuldades d a m ãe, da criança,
e boicotes fam iliares, a instituição hospitalar com sua rotina rígida e falta de alojamento
conjunto contribuem p a ra m aiores problem as nesse período.
O utra questão importante é que o leite é um produto interior do corpo, assim como a mens
truação e o gozo sexual. Assim, se predomina um a autoimagem de que o interior do corpo é ruim
e seus produtos, contaminados (essa autoimagem é oriunda de vivências relativas à culpa sexu.i I
doenças, infertilidade, abortos etc.), a am am entação pode ser “sabotada” desde o início.
A ligação sexo e am am entação tam bém deve ser considerada, pois há um a dissocia
ção entre m aternidade e sexo, tornando difícil esta integração p ara hom ens e mulheres;
muitos hom ens se unem ao “não querer am am e n ta r” d a m ulher, desestim ulando-a para .1
4. O Nascimento de A pego
M uitos autores afirm am que o processo de form ação do vínculo mãe-filho inicia-se durante
a gravidez.
Em algum as m ulheres, os vínculos afetivos com seus bebês se iniciam ou se intensificam
ao aparecer os movim entos fetais.
K laus e K ennell (1978) relatam que esse sentim ento de apego com eça em um pós-parto
im ediato, ch am ando-o período sensível.
Bowlby (1981) salienta que existem condições necessárias para que o apego se dê entre mãe
e filho. E ntre elas seria a sensibilidade da m ãe diante dos sinais do bebê, com o tam bém
70
E stu d o » P sico ló g ico s do Puurpcirio
.1 I apacidade (In bebê p aia sriilii i|iic suas inii iativas sociais levain à troca afetiva com
sua mãe.
Esse autor acredita <|ue ao téi m ino do prim eiro ano a dupla m ãe-b eb ê já tenha desen
volvido um pad rão próprio de interação.
De acordo com estudos realizados nesta área, ocorre nas mães um a dupla identificação:
com o feto e com sua p rópria mãe.
E im portante salientar neste sentido que as relações estabelecidas pelas m ães em sua
família de origem podem influenciar a ligação com seu filho.
Assim com o tam bém o desejo de gravidez, a expectativa do sexo do nenê, as fantasias
anteriores ao nascim ento deste, as frustrações e sentim entos ocorridos neste período têm
ligação d ireta na interação da dupla m ãe-bebê.
D en tre os sentim entos que surgem nas m ulheres, a tristeza pela sep aração e perda
ocorre em todos os partos com significativa frequência.
Essa sensação deperda ocorre em todas as mulheres depois de qualquer tipo de parto, a consequência
do período realmente gratificante em que carrega o bebê dentro de si (Brazelton, 1988, p. 95).
Em todo p a rto existe um curto período em que sobrevêm a sensação de perd a e sepa
ração de u m a p arte muito am ad a do próprio corpo.
A lgum as instituições hospitalares sentem que a separação entre a m ãe e seu filho é
desnecessária e tóxica p a ra am bos.
Segundo K laus-Kennell (1978), “este vínculo entre m ãe e filho é a fonte de onde em anam ,
depois, todos os vínculos que haverão de ser estabelecidos pela criança e que constituem a
relação que se form ará durante o curso da criança. Para toda a vida, a força e a qualidade
deste laço influi sobre a qualidade de todos os futuros vínculos que serão estabelecidos com
outras pessoas”.
C om isso é im po rtan te concluir que a qualidade da relação entre m ãe e filho influen
cia diretam ente o desenvolvimento físico e em ocional do bebê, form ando a base p a ra um
progresso adicional posterior.
71
Psico lo g ia H o sp ita lar
A rotin a em um hospital pode ser nociva p ara a m ãe e sen bebê. Uma delas seria di
trazer o recém -nascido p a ra a m ãe som ente 24- horas após o parto, quando vários csludoi,
entre eles de K laus e K ennel, dem onstram que essa separação interfere negativam ente nu
consolidação do vínculo m ãe-bebê, intensificando a depressão pós-parto e prejudiean«I"
a am am entação.
O utro fator que nos faz pensar como nocivo seria o berçário, pois implica um a separaçnn
m ãe-bebê e em u m a ro tin a “artificial”, sabotando a am am entação. O bebê, quando loniii
m am adeira no berçário, chega ao q u arto d a m ãe já sem fome, prejudicando a produç.hi
de leite. Faz-se necessária aí a ação tanto do obstetra quanto do pediatra, suspendendo .r
m am adeiras.
O alojam ento conjunto traz m uitas vantagens p a ra m uitas mulheres. U m m aior contai« i
do bebê com seus pais dim inui a ansiedade d a saída p a ra casa, um a vez que a m ãe já sat
da m aternidade sabendo lidar com seu filho.
O am biente d a m atern id ad e deveria ser m ais caseiro do que h o spitalar p a ra que .1
C aso s Ilustrativos
Solicitam os desenhos de oito p u érp eras cujas idades v ariavam de 19 a 45 anos. Foram
pedidos dois desenhos: o prim eiro de figura h u m an a e o segundo de como elas estavam se
sentindo naquele m om ento.
A partir desses dados, juntam ente com as entrevistas, pudemos traçar algumas caracterís
ticas gerais dessas puérperas em um trab alh o em que teoria e prática se com plem entam .
72
Interpretação dos Desenhos
I. A nálise Individual
D esenho 1
Dados de Identificação
Nome: M.K.
Idade: 23 anos
Kstado Civil: casada
Nu de filhos: 2 “ filho
T ipo de parto: norm al
In te rp re ta ç ã o
( ) desenho da figura h u m an a apresenta falta
de m ãos e pés, o que indica u m a dificuldade
de contato com o m undo.
A falta de base sugere certa insegurança
(“sem chão”).
O círculo desenhado acima da cabeça pode
refletir um “peso” em relação à m aternidade: a
paciente pode estar am ed ro n tad a com a nova
situação de vida.
N o seg u n d o d esen h o a p a re c e m p e rn a s
e braços quebrados, o que novam ente pode
indicar certa dificuldade de contato. Sente-se
“am p u tad a” p a ra a b ra ç a r e crescer.
O corre novam ente a ausência de base.
N este m e sm o d e se n h o d e n o ta -se u m a
a m b ig u id a d e em relação aos sentim entos,
ao m esm o tem po em que aparece u m a sen
sação de felicidade. Percebe-se tam b ém um a
sensação de choro e tristeza.
Além disso, é um desenho infantilizado.
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P sico lo g ia H o sp ita la r
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74
E stu d o s P sico ló g ico s do PunrpA rio
D esenho 2
Dados de Identificação
N om e: S.R.
Idade: 23 anos
Estado Civil: casada
Nu de filhos: lu filho
T ipo de parto: norm al
In te rp re ta ç ã o
( ) desenho da figura hum ana aparece envolto,
protegido, o que pode d enotar certa confusão
entre ela (mãe) e o bebê. O seu desejo de p ro
teção é m arcante.
A face h u m an a não apresenta orelhas, o
que po d e in d ic a r passividade e dificuldade
de contato.
A ausência de braços corrobora esta ideia.
N ão ap arecem no desenho os m em bros
inferiores e som ente p a rte dos superiores, o
que nos m ostra um profundo desconhecimento
do próprio corpo.
O segundo desenho aparece muito infan-
tilizado.
Não há um a distinção entre casa e telhado,
o que p ode sugerir a falta de diferenciação
entre vida instintiva e vida em ocional.
A casa, a árvore e a flor m ostram -se “sol
tas”, apesar da tentativa de base, o que pode
indicar certa insegurança.
7!
D esenho 3
Diiiliis ilr Id en tifica çã o
Nome: ( ’.F.
Idade: 19 anos
listado ( Jivil: casada
Nu dc filhos: 1“ filho
T ip o dc parto: cesárea
In te rp reta çã o
N<> d e s e n h o d a fig u ra h u m a n a , os olh o s
apresentam -se fechados, o que pode indicar
im aturidade p a ra enfren tar a nova situação
dc vida.
C) nó no pescoço e o cin tu rão podem su
gerir que a paciente sente-se “fechada” p ara
a vida sexual.
N ovam ente aparece a ausência dc base, o
que pode in d icar certa insegurança.
No segundo desenho aparecem três coquei
ros em tam an h o s diferentes, que podem ser
vistos como a mãe, o pai e a filha recém-nascida.
E interessante observar o mesmo traçado em
dois dos coqueiros, o que p ode dem o n strar
identificação com o mesmo sexo.
O s cocos podem sim bolizar a capacidade
de gerar.
O corte vertical que aparece desenhado na
folha pode dem onstrar que a paciente sente-se
fechada p ara outras coisas; é como se um a de
term inada fase tivesse acabado e outra prestes
a se iniciar.
O sol representa u m a figura superegoica.
'H u s u m
D eisenho 4
/ )iii/in de Identificação
Nome: A.C.
Idade: 157 anos
r.siado ( ’ivil: casada
IN" de filhos: 3“ filho
l'ipo de parto: cesárea
In te rp re ta ç ã o
( )bservando o desenho d a fig u ra h u m an a,
in »Ia-se que o braço direito aparece quebrado
<• liá a ausência dc mãos, o que pode sugerir
dilieuldade de contato e talvez pouca dispo
nibilidade p a ra a m aternidade.
No segundo desenho aparecem duas monta
nhas que podem sim bolizar os seios. Tam bém
aparece um cam inho levem ente tortuoso, o
I (uc po d e rep resen tar a chegada desse novo
lilho e a necessidade de m udanças.
Psicologia Hospitalar
E stu d o s P sico ló g ico s do P u a rp é rlo
D esenho !»
I )ndns th■Itlentificaçtln
Nome: M .(!.
li hule: 24 anos
l istado ( !ivil: casada
Nu d r filhos: lu Hlho
l ipo dc parto: cesárea
In te rp reta ç ão
\ ligura hum an a m ostra-se não identificada
I oui .1 figura fem inina, podendo nos indicar
i|iic a paciente não se sente identificada com
0 p ró p rio sexo. A parece, sim , u m a g ran d e
identificação com o bebê.
I’a re c e n ã o sa b e r re p re s e n ta r sim boli-
1 am ente seus sentim entos, utilizando-se da
escrita p ara isso.
No segundo desenho aparece tam bém a
escrita com o u m a form a de não sim bolização
adequada de seus sentimentos.
81
P sico lo g ia H o sp ita lar
I /
/ 0 f CW
82
Desenho (>
D m lu s ili ' lilen tijicu fâu
Nome: M.D.
Idade: 30 anos
Kstado Civil: casada
N” de filhos: 3Ufilho
T ipo de parto: cesárea e ligadura tu b ária
In terp re ta ção
No desenho da figura humana aparece nos olhos
.1 ausência de pupila, podendo d enotar certa
dificuldade interna de visualizar as coisas.
Aparece uma transparência na área genital,
o que nos faz pensar em um a dificuldade nesta
área, principalm ente com a procriação.
Parece um a pessoa sofrida, m arcada pela
vida. Podemos observar isto pela face da figura
hum ana, bem como pela dureza do desenho.
( ) desenho aparece sem base, indicando
certa insegurança.
No segundo desenho a perspectiva da ma-
lernidade é vista como um a castração. Parece
que a “aleg ria” d a lig a d u ra tu b á ria está se
sobrepondo à situação da m aternidade.
s<coA
o g i a H ° > P ita ia
C o S T f lR t
q S doi s
6 s f 0u -S/A/ SeTdW be
PoR^ue n a o Wo t e p
MA/S
I s tu d o i P ilc o ló g lc o t do I ’not
D esenho 7
I )ath>.\ ilr Identificação
Nome: K.S.
Idade: 45 anos
l .slado ( livil: separada
Nu dc lilhos: 6 “(ilho
T ip o dc parto: norm al
In te rp re ta ç ã o
A ligura h u m an a aparece bastante com pro-
mclida, pois não há um a discrim inação entre
I 77) i - ••
as pessoas e os anim ais. (( 7 -7
D csoiilio H
Dados de Identificação
Nome: E.I,.
Idade: 2 .r>anos
Kstado ( livil: casada
N" de fiIlios: 3“ filho
1‘ipo de parto: cesárea
I n te rp re ta ç ã o
A ligura hum an a desenhada c do sexo m ascu
lino, o que pode sugerir a falta de identificação
I oi n o p ró p rio sexo e q u an to a experiência
da m a te rn id a d e p o d e ser difícil p a r a esta
paciente.
C) desenho aparece de perfil, o que pode
representar certa dificuldade de en frentar o
meio.
A parece a ausência de base, o que pode
in d ic a r c e rta in s e g u ra n ç a d ia n te d a nova
etapa de vida.
No segundo desenho, aparecem cinco pei
xes, que podem indicar sua situação fam iliar
atual (ela, o m arido e os três filhos).
Este desenho d enota certa regressão em
função do meio líquido que aparece.
P sico lo g ia H o sp ita la r
I stu d o s P sico ló g ico s do P u e rp é rio
Conclusão
89
P sico lo g ia H o sp ita l.ir
Km terceiro lugar, acred il amos c|i i<- a p u érp era soiilo-se m uitas ve/.es desprotogidli >
desacom panhada perante um a relação form al com o médico, contribuindo para uui.i fallut
da com unicação entre am bos, inibindo-a de expressar claram ente suas dúvidas.
E im portante salientar que em um hospital geral congregam -se profissionais cle divn
sas especialidades, beneficiando o paciente em um atendim ento m ais global e eficiente, ■
contribuindo p a ra um a troca de inform ações significativa entre psicólogo e outros prolr
sionais. Ao m esm o tem po, u m a equipe dissociada prejudica a qualidade do atendim ento
Podem fazer p arte desta rotina de atendim ento carência de núm ero de profissionais, <1«
equipam entos e m edicações, tornando o trab alh o do psicólogo limitado.
Por outro lado, em alguns momentos médicos, enfermeiras e pacientes im aginam e veem
o psicólogo com o “Salvador”, “um m ágico”, capaz de solucionar todos os problem as.
C abe ao psicólogo desm istificar essa fantasia, m ostrando-se tam bém lim itado dianlt
de várias situações.
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90
Pacientes Terminais:
Um Breve Esboço
V aldem ar A u g u sto A n g e ra m i - C am on
D e d ic a d o a Regina D 'A q u in o
Introdução
ste trab alh o foi publicado em m eu prim eiro livro . 1 N a m edida em que essa publicação
E se esgotou e sua reedição carece de propósitos m ais atualizados, curvei-me à insistência
com que m uitos colegas, reiteradas vezes, ped iram p o r um a nova edição deste capítulo em
publicação específica de Psicologia H ospitalar. E, assim, depois de recusar nova publica
ção em diversas revistas e anais especializados, ei-lo reescrito e m antido em sua estrutura
básica, fator im prescindível p a ra que a essência não fosse alterada, isso sem pre segundo a
ótica desses colegas.
Este trabalho é apenas um a tentativa de relato sobre um a problem ática específica, o p a
ciente term inal, o definhamento corpóreo e suas implicações. Não houve a intenção de criticar
os postulados existentes, tam pouco de compará-los, assumi-los ou refutá-los; simplesmente
houve um a tentativa de questionam ento da problem ática do definham ento corpóreo.
Assim, tentou-se a elaboração de um trabalho em que as principais proposições e ce
leumas existentes no seio das discussões teóricas sobre a problem ática do paciente term inal
fossem arroladas. R esta ainda, p o r outro lado, a certeza de que m uitos dados poderiam
ser aprofundados e explorados. Igualm ente outros ficaram omissos p o r não terem sido
considerados im portantes ou até mesmo necessários p ara a elaboração deste trabalho.
Seguram ente, muito resta a ser dito e explorado, mas o im portante é o questionam ento
e o despertar de consciência sobre latos e coisas mitificadas, principalm ente pela omixt.in
social e até m esm o acadêm ica. E lato, porém , que a p a rtir do trabalho de colegas que
dedicam interm itentem ente ao estudo d a tem ática da m orte2, esse quadro está em pleno
processo de alteração, havendo cada vez m ais lugar p a ra um a com preensão m ais luunaiiii
e digna das questões que envolvem a m orte.
2 - Nesse sentido, gostaria de registrar o trabalho pioneiro das colegas Regina D’Aquino e W ilma C. Torres, e
mais recentemente de M ariaju lia Kovacs e M arisa Decat de Moura. E em que pese o fato de que ao citá-las
cometo enorme injustiça com outros tantos profissionais que igualmente trabalham nessa mesma direção, o
determinismo, o arrojo e o pioneirismo desses profissionais tornaram a temática da morte presente de m aneira
indissolúvel nas lides acadêmicas e hospitalares.
3 - Em nosso trabalho estamos fazendo referência ao paciente term inal portador de doença degenerativa.
4 - Torres, C.W. A Redescoberta da Morte. In: A Psicologia e a Morte, Torres, C.W., Guedes G.W. e Torres C.R.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1983.
5 - Ibid. Op. cit.
P a cie n te s Te rm in als: Um Hrovo E sb o ço
I )cssa m ancii a, c net ml ra remos pai ici il es p<irladi ires de ( loetiças degenerativas que,
mesmo nào se eneonlraiido no aspei lo term inal de suas vidas, nem apresentando sinais
visíveis dc definham ento corpóreo, e inclusive não apresentando sinais de com prom eti
m ento cm sen pragm atism o, nào conseguem voltar às atividades anteriores ao surgim ento
da doença. ( ) próprio hospital é conivente com essa discrim inação. R ibeiro 6 coloca que o
hospital acaba sendo um a oficina, e o m édico, seu principal m ecânico. C um pre a ele fazer
com que a m áq u in a hom em retorne o m ais depressa possível à circulação como m ercado
ria am bulante. Interessa consertá-la, m as interessa m enos evitar que se quebre. Ela tem
que ter, com o qualquer m áquina, um tem po útil, d u ran te o qual produza m ais e melhor;
todavia, há outros hom ens-m áquina sendo produzidos e que precisam ser consum idos, e
c bom , po r isso, que ela vá assim aos poucos...'
A presença d a doença degenerativa faz com que o paciente seja discrim inado e até
mesmo rejeitado nas situações m ais diversas, que podem v a ria r desde situações fam iliares
até situações em que se exercem atividades produtivas. O paciente p o rta d o r de doença
degenerativa, além da debilidade o rg ân ica inerente à p ró p ria doença, carreg a o fardo
dc alguém “desacred itad o ” socialm ente, seja em term os de capacidade produtiva, seja
em term os d a m itificação de que se reveste a problem ática d a doença. E a instituição
hospitalar $urge no bojo das contradições sociais de exigir produção com o sinônim o do
próprio restabelecim ento orgânico. Saúde-produção é um binôm io invisível, que insere o
doente em u m a condição de significação apenas e tão som ente a p a rtir de sua condição
produtiva. O u ain d a, nas palavras de R ib eiro :8 “O hospital, seja público ou privado, re
presenta a em ergência de interesses submersos d a produção industrial em saúde. O que
aparece, todavia, é o seu resultado m ais brilhante e socialm ente aceito: o cuidado com o
enferm o. Sem em bargo, é bom que a recuperação aconteça, m as é m elancólico saber que
outros tantos adoecidos dos mesmos m ales e de outros socialm ente provocados e evitáveis
ocuparão os m esm os leitos, repetindo o suplício de T ân talo , que acaba sendo a função
do hospital”.
Em u m a sociedade que escraviza o hom em , v alo rizando os meios de p ro dução em
detrim ento dos valores de dignidade h u m an a, a saúde passa a ser algo valorizado apenas
q u an d o está em risco a capacid ad e funcional do indivíduo. Este, com o ser biológico e
tam bém social, vive essa in teração de m an eira to tal e consequentem ente sofre em níveis
93
P sico lo g ia H o sp ita lar
organísm icos todas as contradições d a problem ática social, d a <|iial faz p arte ineronli
e indissoluvelm ente.
Adem ais, existe toda um a propulsão social de negação da m orte com o fenômeno. Essa
negação de forma constrita cerceia toda e qualquer tentativa de compreensão das implicações i la
morte no cotidiano das pessoas. Torres9 afirma que o moribundo só tem o status que lhe é conlei i<li i
pelo universo hospitalar, isto é, um status negativo, o de um homem que, por não poder voltai
à norm alidade funcional, encontra-se à espera. O moribundo é algo que incomoda. Uma ve/
que a própria m orte é oculta, m ascarada, esvaziada, e que sobre ela se fixa o conjunto de va
lores negativos da sociedade, a agonia não pode ter status autônomo. Não pode ser valorizada
E preciso que ela desapareça na patologia, submersa, perdida, irreconhecível . 10
Tam bém é no paciente term inal que toda sorte de preconceitos, independentemente d.i
patologia que possa acometê-lo, encontra-se enfeixada e direcionada para atitudes que pr< >
pulsionam muito mais a dor do tratam ento em si p ara aspectos pertinentes a tais preconceitos.
Assim, um paciente, ao ser rotulado como aidético, por exemplo, tra rá sobre si, além de tod< i
o sofrimento de sua debilidade orgânica, um a série de acusações sobre a m aneira distorcida
como a sociedade concebe sua patologia. O mesmo ocorrerá com o paciente portador de
câncer, ou ainda de qualquer outra doença degenerativa. O preconceito faz com que toda r
qualquer patologia associada diretam ente à ideia de morte seja considerada infectocontagiosa
e seus portadores, pessoas que necessitam ser alijadas do convívio social. Evidência disso c
a própria denom inação das doenças em um a configuração direta com a ideia da destrutivi-
dade. O termo câncer, como m era citação, foi associado à doença pela semelhança desta ao
caranguejo (no Brasil, quando se pronuncia a palavra câncer, não se associa de imediato à
figura do crustáceo, tal qual ocorre n a Europa, onde essa definição teve lugar ) . 11
Assim, o “cân cer” aprisiona sua vítim a tal qual o crustáceo que lhe em presta o nome
até a m orte. E m bora o progresso da M edicina seja notório n a área de oncologia, havendo
inclusive casos em que é possível um a atuação bastante eficaz quando de seu descobrimento
precoce, ain d a assim é difícil não se ver no “cân cer” u m a enferm idade im ediatam ente
associada ao espectro da m orte. E, d a m esm a form a com o ocorre com outras doenças que
igualm ente estirpavam e ceifavam m uitas vidas hum anas - um exemplo disso é a lepra: tão
logo passou a ser dom inada pela m edicina, teve sua designação m udada p a ra hanseníase,
94
P a cie n te s T e rm in a is: Um B re ve E sb o ço
inclusive em uma hom enagem a Ai mutier ( ieharcl I latise, m édico que descobriu o bacilo
especifico que provocava .1 doença , o 1 .nicer certam ente ganhará outra denom inação
qnando for totalm ente d om inado pela m edicina.12
( ) paciente term inal está afrontando todos os preceitos de negação da morte. K como se
mostrasse a cada instante que a m orte, em bora negada de form a irascível pela sociedade, é
algo existente e inevitável. Kubler-Ross 13 salienta que a m orte é um tem a evitado, ignorado
|)or nossa sociedade ad oradora d a juventude e orientada p ara o progresso. E quasi' como
se a considerássem os apenas m ais um a enferm idade nova a ser debelada. O fato, porém , e
(|ue a m orte é inegável. Todos nós m orrerem os um dia; é apenas um a questão de teiiij><>. A
morte, na verdade, é tão parte da existência h u m ana, do seu crescim ento e desenvolvimen
to, quanto o nascim ento. É u m a das poucas coisas na vida dc que temos certeza. Kla não
é um inim igo a ser conquistado nem um a prisão de onde devemos escapar: é um a parle
integral de nossas vidas que realça a existência hum an a. A m orte estabelece um limite em
nosso tem po de vida e nos im pele a fazer algo produtivo nesse espaço de tem po, enquanto
dispuserm os dele . 14
A som a de to d a a incongruência social, os conflitos de valores, de esteio da digni<lade,
fazem com que o paciente term inal seja depositário de um a série de incertezas que irão
culm inar,torn an d o -o alguém vitim ado não apenas p o r um a determ inada patologia em si,
mas, e principalm ente, p o r toda um a incom preensão de sua real situação. H um anizai as
condições de vida do paciente term inal é, acim a de tudo, buscar um a congruência inai< 11
em todo o seio d a sociedade, h arm o n izan d o a vida e a m orte de m an eira indissolúvel.
Somente assim poderem os assegurar aos nossos descendentes a condição de m orte e vida
dignas. A m orte precisa ser vista com o um processo no qual a esperança se funde com uma
perspectiva existencial sem exclusão de qualquer u m a das possibilidades da existência.
O m orrer é p a rte inerente d a condição h u m an a e o apoio a alguém que se encontra
no leito m ortu ário é, antes de tudo, o reconhecim ento d a nossa própria finitude. D a nossa
condição de seres m ortais e, p o rtan to , passíveis das m esm as vivências e ocorrências do
paciente term in al . 15
95
Psico lo g ia H o sp ita la r
cum prir: eles sim plesm ente n ad a têm a ver com os doentes e os que estão p a ra m orrei < •
m orrer é u m a am eaça às funções desses profissionais e cria sentim entos de improprieda« li
incompatíveis com suas funções definidas - de pessoas que efetivamente podem lidar com
doenças. N ão h á lugar nas funções prescritas desses profissionais p ara que se comportem
com o seres hum anos no atendim ento a seus pacientes que se encontram à m o rte . 17
Esse paciente vive um momento do qual seus familiares e o ,rfß//Tiospitalar tam bém fazem
parte. Essa participação m uito vai influir no estado desse paciente, determ inando inclusiv«
os aspectos de rejeição ou aceitação do tratam ento, e até mesmo d a pró p ria doença.
Q u an d o um paciente é adm itido no hospital, a equipe delineia a cham ad a “trajetória
hospitalar”. Essa trajetória se d á p o r meio de encam inham entos realizados pelo pronto
-socorro ou ain d a p o r interm édio de diagnósticos realizados fora do hospital. U m a ve/
hospitalizado, o paciente é encam in h ad o p a ra o setor específico de tratam ento, onde, a
p a rtir de intervenções necessárias - cirurgias, tratam entos m edicam entosos, infiltrações
etc. - , são delim itados os itens de sua p erm anência em um determ inado setor . 18 Essa traje
tória, de um a form a geral, além do diagnóstico, consiste até mesmo nas expectativas dessa
equipe peran te esse paciente. As variações dessa trajetória irão influir no com portam ento
da equipe, havendo sem pre a possibilidade do surgim ento de inúm eras contradições 11a
qual a morte surja como possibilidade real, terá de adquirir as condições necessárias para tal abordagem de
m aneira intuitiva, e muitas vezes sequer tem condições emocionais para tal. E fato que a m orte sempre é uma
vivência única, pessoal e intransferível, e que os sentimentos diante de sua ocorrência são igualmente peculiares
a cada indivíduo, mas a ausência total de um a discussão sistematizada sobre a morte e suas implicações na
existência hum ana é, no mínimo, um total acinte a essas formações acadêmicas.
16 - Mauksch, O.H. O Contexto Organizacional do Morrer. In: Morte, Estágio Final da Evolução. Op. cit.
17 - Ibid. Op. cit.
18 - Angerami, V.A..4 Psicologia no Hospital. São Paulo: Traço, 1984.
1 9 - 0 Contexto Organizacional do Morrer. Op. cit.
96
P a c ia n ta i Turmin<iis: Um Brovci E lb o ç o
97
Psico lo g ia H o sp ita lar
longa agonia desse relacionam ento. M auksch22 afirm a que o paciente hospitalizado i.mi
bém p ro cu ra descobrir quais são as recom pensas e as punições para o com portam ento 1■<>
hospital. E n tretanto, é m ais difícil p a ra o paciente descobrir isso porque as regras não sài >
claras, variam as definições e não existe com unidade inform al de pacientes. Esse clima 1 li
dependência ante o pessoal da instituição esgota no paciente o senso de individualidade 1
de valor hum ano. Em tal am biente é possível apresentar um de meus órgãos p ara conserto,
porém é m uito m ais difícil e n carar o fato de que estou m orrendo.23
Por outro lado, quando o paciente deseja m orrer, não suportando m ais fisicamente, ossi
profissional inconform ado intensifica o tratam ento e irrita-se quando ele se recusa a alguma
m udança terapêutica, pois essa recusa significa, de m aneira muito clara, que o paciento
está apenas e tão somente m anifestando o desejo de rendição, o que em últim a instância
significa desejar o “alívio de m o rrer”. Kubler-Ross24 coloca que esses pacientes representam
um fracasso da instituição no seu papel de apoio à vida, e não há n ad a nesse sistema quo
supra a carência do espírito hum ano quando o corpo necessita de cuidados.25
D e outra form a, assume o papel de esclarecedor, inform ando o paciente sobre o que
realm ente está acontecendo, não no sentido de dar-lh e o diagnóstico d a d oença,26 mas
esclarecendo dados sobre a internação hospitalar, bem como o estigm a que envolve esses
aspectos, e o que é m ais im portante, deixa de ver no paciente um a enferm idade que está
pondo em risco sua eficácia profissional.
M uitas vezes o paciente em sofrim ento desalentador está necessitando de apoio exis
tencial, palavra, conforto, enfim, de sentir-se um a pessoa com significação existencial pró-
98
P a cie n te s T e rm in a is: Um B re ve E sb o ço
pi ia. Kin alguns casos essa ne« essidade sobrepõe-se inclusive à necessidade da tcrapcutii .1
m edicam entosa.
K necessário que cada profissional envolvido nessa problem ática tom e consciência
dc sua atu a ç ã o com esse tipo dc paciente, pois de n a d a a d ia n ta rá u m a real sensibilidade
na co m u n id ad e d a v erd a d e ira e d esoladora p ro b lem ática d a d o en ça degenerativa, se
no am biente hosp italar esse p aciente co n tin u a r a sofrer toda a intensidade da rejeição
social de que se reveste a p ro b lem ática.27 A tem ática d a m orte precisa ser incluída no
referencial das questões existenciais. O u ain d a nas p alavras de K ubler-R oss:28 “m orrei <
parte integ ral d a vida, tão n a tu ra l e previsível com o nascer. M as enq u an to o nascim ento
é motivo de com em oração, a m o rte transform a-se em um terrível e inexprim ível assunto
a ser evitado de todas as m an eiras n a sociedade m o derna. Talvez porque ela nos relem
b ra nossa v ulnerabilidade h u m a n a , apesar de todos os avanços tecnológicos. 1'odemos
retardá-la, m as n ão podem os escapar dela”.
com unicação não verbal, estam os abertos em um a dim ensão m uito m ais intensa aos mais
variados sentim entos, que, na m aioria das vezes, não são passíveis de verbalização. Muitos
sentim entos são inefáveis, e, portan to , com unicados apenas e tão somente pelo expressio
nismo corporal.
N a relação terapêutica com o paciente term inal, o contato e a dim ensão do exprès
sionismo corporal existem , inclusive, n ão apenas com o opção de atuação, mas tam bém
como altern ativ a ao definham ento corpóreo progressivo do paciente, que m uitas ve/es,
inclusive, o im pede de m anifestar-se verbalm ente. Dessa m aneira, vam os encontrar alguns
pacientes que, em certos m om entos, em consequência do defin h am en to co rp ó reo em
que se encontram , além da dor e do torpor provocado pelo tratam ento m edicam entoso
a que são subm etidos, não conseguem expressar-se de outra form a a não ser pelo afagai
27 - É importante ressaltar-se que, ao se fazer referência à comunidade como abrangência de toda uma rrtlrxào sol>ri
a realidade do paciente terminal, estamos fazendo referência à totalidade do tecido social, aí incluindo-se dmclr
aqueles segmentos mais distantes da problemática em si, até aqueles que diretamente lidam com a lcm.il it .1
28 - Morte, Estágio Final da Evolução. Op. cit.
99
Psico lo g ia H o sp ita lar
de mãos, ou pela com unicação estabelecida pelo olliar. ( ) olhai angustiado o suplicante
de um paciente term in al possui a im ensidão da d o r e do desespero presentes no exist 11
hum ano. M esm o em situações nas quais o paciente consegue expressar-se verbalm ente, o
relato sem pre vem acom panhado de um forte expressionism o corporal. Gom o ilustração,
tem os o caso de N.G.L., casado, 36 anos, em estado b astante avançado de definham ento
corpóreo. N.G.L., após referir-se a situações de sua vida, relata: “... era preferível morrei
a ter que viver de form a tão degradante, absurda. As pessoas não me olham , m in h a mu
lher repete a cada instante que eu estou pod re e que precisa tra ta r da docum entação do
inventário. Até meus filhos, que são a razão do m eu viver, agora me evitam ; eu acho que,
além de tudo, a in d a devem sentir verg o n h a do estado do pai... é horrível, seria m elhor
m orrer e acab ar logo com isso tudo.... eu não aguento m ais (sic)”. Em seguida, chora um
choro com pulsivo, to talm en te incontrolado. Ao m anifestar-se nesse com ovente depoi
m ento, N.G.L. m ostra gestos de desespero, ap ertan d o as m ãos de tal form a que parece
ter a intenção de destruí-las. C oncom itantem ente, leva as m ãos até o rosto, procurando
esconder-se, parecendo evitar todo e q ualquer contato, lem brando através de seus gestos
a rejeição dos filhos e d a m ulher.
Por outro lado, a vivência com o paciente term inal possui sem pre presente o espectro
da m orte, ain d a que ele não manifeste verbalm ente essa presença. O próprio definham ento
corpóreo é um indício m arcante e verdadeiro da m orte em inentem ente presente na relação,
o que, por si só, estabelece u m a vibração energética no sentido físico do term o, e que tran s
cende o lim iar da razão e, po rtan to , da não razão, e que caracterizará a pró p ria relação.
Existem casos em que a relação inicia-se desde a internação do paciente no hospital,
quando esse ain d a não apresenta sinais visíveis de com prom etim ento orgânico. Nesses ca
sos, é possível perceber todo o processo corpóreo, suas implicações e consequências. Existe
d urante esse processo a certeza de que to d a a relação que term ina leva consigo um pedaço
m uito grande da vida das pessoas envolvidas nessa relação. Assim, e levando-se em conta
que a relação certam ente te rm in a rá com a m orte de u m a das pessoas envolvidas nela, a
proxim idade do m orrer é sentida de form a m uito intensa, como se fosse algo que deixasse
um leve aro m a no espaço e que fosse perceptível apenas n a vivência do envolvimento dessa
relação; algo indescritível pela razão, algo sentido apenas na vivência e na em oção exaladas
dessa relação. O exaurir da m orte traz à tona o processo, bem como todas as fases pelas
quais tal processo se desenvolveu, m o stran d o a irreversibilidade do tem po e do espaço
nas coisas que se deix aram p o r fazer, ou que foram preteridas ou postergadas p a ra outro
momento. As razões do existir e a p ró p ria razão sofrem constantes revisões, transcendendo
m uitas vezes até o lim iar da existência.
100
Pa cltn t«» Terminal»: Um Brava I sbo<,<>
( ) olhar, dentre as liimins dc r \ |i i cssionisinos <los sentim entos, é, segura meule, ;i niiiis
abrangente em lerm os de diiiieiisioiiainento absoluto, ainda (|iie tenha em si a presença da
própria subjetividade hum ana. Uni olhar de dor m ostra o sofrim ento dc um a m aneira que
•is palavras sequer podem conceber. I lin olhar dc desejo desnuda m uito além de (|iiali|iiei
outra forma de insinuação. Um o lh ar meigo transm ite u m a doçura perceptível c inegável.
Um o lh ar de ódio fulm ina m ais que o punhal m ais cortante.
A vivência com o paciente term inal traz m uito presente o olhar, seja talvez por ser o
mais puro dos expressionismos, seja ain d a por conseguir transm itir os verdadeiros senti
mentos daquele m om ento desesperador. E diante dessa m anifestação do olhar, c como se
outras formas de expressionismo perdessem o sentido e até mesmo sua condição na esséni ia
hum ana. Exemplo dessa citação é o caso de M .C.C., 64 anos, com prom etida por mciásiasc
óssea, o que a deixava totalm ente transtornada não apenas pela dor como pela ...... lição de
imobilismo. Depois de vários atendim entos, e p o r causa de seu definham ento progressivo,
M.C.C. praticam ente não se expressava verbalmente. Assim, o atendim ento era totalmente
direcionado p a ra outra form a de expressão. D urante esse período, tão logo a cumpi iinentava
em seu leito, colocava m in h a m ão direita sobre a sua m ão esquerda, gesto que lá/ia .......
que M .C.C. respondesse im ediatam ente colocando sua m ão direita sobre a m inha. E a im
ficávamos algum tempo: suas mãos segurando m inha m ão direita e o olhar transm itindo tudo
o desespero de quem tentava de todas as m aneiras continuar vivendo ou ainda libertai m
daquela situação de sofrimento. Em nosso últim o encontro estava novam ente com a m inha
mão direita entre suas mãos quando percebi um brilho em seu olhar até então dcscoiilm i<li >
O lhei fixam ente p a ra esse olhar tentando decifrar o significado daquele estranho lirillio I
assim passaram -se alguns segundos, instante eterno d ’alm a. Em seguida coloquei a minha
m ão esquerda ju n to daquelas m ãos. E então constatei: M .C.C. havia m orrido naquela Ira
ção de segundos. A m in h a m ão esquerda constatou que a vibração energética das outras
mãos se m isturava com o ard o r da m orte. Aquele brilho estranho em seu olhar era o brilho
da m orte. M .C.C. m orreu segurando m inha m ão tentando agarrar-se à vida. M ostrou no
brilho do olhar as luzes do m orrer. Tentou em vão suplicar por m ais alguns instantes de
vida. M orreu e seu olh ar transm itiu toda a im ensidão do momento.
A relação com o paciente term in al tem de ser entendida e abordada de form a própria,
além das im plicações inerentes ao fato de o atendim ento ser realizado ao lado do leito, na
“cam a m o rtu ária” do paciente, ou seja, no lugar onde o paciente se vê definhando, onde
sofre a intensidade d a dor causada pela doença. Temos ainda outras variáveis que incidem
sobre o paciente, com o o cuidado m edicam entoso, a d or progressiva que aniquila toda
e q ualquer resistência orgânica, bem como as implicações em ocionais do definham ento
101
P sico lo g ia H o sp ita lar
que expcricni'iavii. A <*<| i i i | «If Nantit- i 0 1 1 1 0 inn todo m ostrava-sc indignada «liaiHt- tin
depoim en to tit- I-.A .I p r a t i i a n ifiilt- considerado t in uníssono com o absurdo. A<|iiel<-
dcpoim enlo representava o tot.il despre/.o pelos avanços d a m edicina e um a total entrega
ao descanso da m orte. A sua tenra idade deixava a todos m uito m ais perplexos, como se .1
aceitação da m orte fosse p ertinente aos mais velhos. M uitas reuniões e discussão de caso
entre a equipe apenas dem onstravam com u m a clareza cada vez m ais nítida que KA.I.
recusava-se a continuar cercado de todo aquele aparato sem ter, no entanto, a proxim idade
da fam ília. F.A.L. recusava-se a continuar aquele corolário de sofrim entos e mostrava-se
indignado d iante da recusa da equipe de saúde em aceitar o seu desejo. O s nossos contatos
estreitaram -se e serviam cada vez com m ais intensidade p a ra que ele mostrasse quanto
tlesejava o b te r o direito de m o rre r ao lado de seus fam iliares, “naquele p ed acin h o tie
canto do interior de M inas G erais (sic)”. Era difícil p a ra ele aceitar qualquer contraponto
que não fosse a sua transferência p a ra perto da fam ília. A rgum entava, inclusive, sobre a -,
dificuldades d a m ãe em visitá-lo, tan to pela distância em si como pelo custo linant « iro
de tais viagens. EA .L. tocava violão antes d a hospitalização e esse detalhe fez com qut
o nosso relacionam ento se estreitasse ainda m ais, em virtude tam bém da minli.i intensa
ligação com a música. V ários de nossos encontros foram perm eados apenas e tão somenlt
pela música. Ele a contar quanto queria ter estudado m úsica de m aneira mais prtifuntla, c
eu a co n tar dos tem pos em que m in h a atividade principal era de musicista envolvido em
concertos e recitais. Estabelecem os um vínculo m uito forte, no qual, além da com preensão
de seu desejo de m orrer, tínham os tam bém a m úsica como ponto de união e afinidade
A equipe de saúde, depois de m uitas discussões, finalm ente resolveu liberar I A I,
p a ra que ele voltasse p a ra ju n to de seus fam iliares em M ariana. Foram tom adas todas as
providências - desde am bulâncias p a ra locom oção até detalham ento dos cuidados para
que a prescrição m edicam entosa fosse seguida - p a ra que F.A.L. pudesse então voltar para
o seu canto cercado dos cuidados m ínim os necessários p a ra sua nova fase de vida. Após
essa decisão, era im pressionante o sentim ento de fracasso estam pado n a face de todos os
membros da equipe de saúde. Em cada narrativa, em cada gesto, em cada explicação, enfim,
em qualquer detalhadam ento em que o caso era exposto, o prim eiro que se evidenciava
era a sensação de fracasso pela deliberação de F.A.L.
No últim o encontro que tivemos em São Paulo, F.A.L. chorou m uito ao relatar a alegria
de p o der voltar p a ra o seu canto. Nessa ocasião, eu disse a ele que em algum as sem anas
estaria em O u ro Preto, cidade próxim a à dele, p a ra realizar um trabalho com um grupo
de colegas de Belo H orizonte. Disse ainda que n a terceira noite de m in h a estada naquela
cidade realizaria um recital de m úsica p a ra o grupo, além de alguns convidados. F.A I
103
P sico lo g ia H o sp ita lar
entusiasmou-se de im ediato o perguntou sc ele tam bém poderia assistir a esse recital. I )i;m(<
d a m in h a anuência ele licou muito feliz e exultante, cham ando-m e a atenção o cuidai In
que teve p a ra situar-se espacialm ente em relação ao lugar onde faríam os o nosso rei iro
profissional. E em bora fosse um lugar de difícil acesso, situado nas cercanias de ( )uro Preto,
foi-lhe fácil o entendim ento tan to pelo interesse dem onstrado como pelo conhecim ento
que tin h a da região.
D espedim o-nos e a sensação p rim eira que me invadiu era que aquele encontro talvc/.
fosse a últim a vez que nos víamos. A d o r da despedida estrangulava no peito, esquecendo
todas as circunstâncias que determ inavam o seu afastam ento.
N a sequência fui p a ra O u ro Preto, como estava previsto. E na noite do recital, noite
fria, com o lu ar envolvendo a cidade de form a m agistral, enquanto conversava com alguns
amigos nos m inutos que precediam o início d a música, fui avisado de que havia um grup< >
de pessoas querendo me dirigir a palavra. Q uando fui ao encontro desse grupo deparei com
F.A.L. e seus familiares. U m a cena emocionante: os fam iliares providenciaram um a cadeii ;i
de rodas p a ra transportá-lo, pois em que pese a distância das duas cidades ser pequena, <>
seu estado de saúde inspirava bastante cuidado. M as lá estava ele envolvido em um cobertor
de lã xadrez, como que a m ostrar que, apesar de todas as dificuldades, lá estava ele ansioso
p a ra me ver e me ouvir. N ão houve com o conter as lágrim as, era m uito prazeroso vê-lo
novamente. Em seguida ele se acom odou na sala onde se realizou o recital e ali perm aneceu
até o fim, o ra aplaudindo, ora sorrindo, ora com penetrando-se na profunda introspecção
da música. T erm in ad a a audição, F.A.L. agradeceu de m odo comovente pela “alegria e
paz (sic)”, e pediu-m e que fosse visitá-lo em sua casa antes de reto rn ar a São Paulo. E assim
ocorreu. N a tard e do dia seguinte estávamos novam ente juntos, agora em sua casa. E ele
pediu então que eu tocasse um a peça de que havia gostado muito. Incontáveis vezes repeti
aquela peça. Em dado m om ento ele falou que aquela m úsica era m aravilhosa, repousante,
ideal como acalanto p a ra “do rm ir e até mesmo m orrer em paz (sic)”. E ra dilacerante ouvir
aquele depoimento de busca de alívio na m orte, sensação que se tornava ainda mais cáustica
diante da constatação de que o depoente, em bora adolescente n a idade, ainda m antinha no
coração a pureza e a inocência de um a criança. E ra m ais um a vez a presença da dificuldade
de aceitação do “alívio da m orte”, era a constatação de que aceitá-lo no desejo de m orrer era
algo inconcebível, mesmo p a ra pessoas que teoricam ente até aceitavam tal posicionamento.
M as ele era bastante determ inado e ressaltava após cada execução que aquela m úsica era
acalanto p a ra se m o rrer em paz. N o início da noite voltei a O u ro Preto, depois de um a
comovente despedida. E após o ja n ta r fiquei isolado do grupo de colegas que se divertia
muito, a festejar a últim a noite em que estávamos reunidos naquele espaço. Suas algazarras
e alegrias dem onstravam que naquele m om ento n ad a m ais queriam d a vida a não ser um a
104
P a cie n ta s Toim in nis: Um llrovii I slio^o
li-licidadc igual à sua vida. Eu, im fiil.iiiU), eslava isolado, srnlado na varanda. E na(|iicla
noilc Cria olliava para i i i t i i estrelado com o luar estam pando a dclicadr/.a da Nalurc/.a cm
esplendor. Na<|uela noilc não consegui d o n n irc o m tranquilidade. U m a turbulência intci ioi
muito grande prejudicou-m e o sono. A imagem de F.A.L. era presença constante 110 meu
im aginário. No início da m an h ã, com os prim eiros raios de Sol colorindo a m adrugada,
fui a Belo H orizonte, onde a p a n h a ria o avião que me tra ria a São Paulo. No aeroporto,
um a força im periosa me fez ligar p a ra obter notícias de F.A.L. E o fam iliar que me atendeu
ao telefone, aos prantos, n arro u que naquela noite ele dorm iu como fazia habitualm ente,
mas havia am anhecido morto. H avia m orrido em paz, talvez ainda sob o som daquela sua
m elodia. C usto a crer que esse caso seja real. T enho a sensação de que se traia de uma
criação da m in h a alm a em um m om ento de psicotização com a própria realidade. A mim
me parece, m uitas vezes, impossível ter vivido esse enredo de fatos e acontecimentos. < ) que
me traz ain d a um pouco p a ra a realidade é pod er executar essa peça musical e 111c Icmhi .11
de F.A.L., definindo-a com o acalanto p ara se m o rrer em paz.
O sentim ento de abandono que experim entam os quando m orre um paciente que ateu
demos é desolador. E som ado ao fato de estarm os alquebrados com a dor da perda em m,
temos ain d a u m a fam ília que ag u a rd a ansiosa p o r algum a form a de conforto e .u 11| >.11 <> I
a sensação que m uitas vezes m e invade é a de que o paciente, após a m orte, é quem passa
a cuidar de nós, com as coisas deixadas e ensinadas d urante o período de convivência.
O contato com o paciente term in al questiona, de m aneira profunda e crucial, muitos
valores d a essência hum ana. Tudo passa a ser questionado por outra ótica, e m uitas c<tisas
tidas como verdadeiras e absolutas passam a ser consideradas sem a m enor im portam ia;
e outros fenôm enos, tidos com o m uito pouco significativos, tornam -se verdadeiram ente
significativos, ocupando de form a globalizante o sentido existencial, de tal form a que se
transform am n a essência e no sentido da própria vida. O m ais significativo nessa vivência
é a constatação de que o paciente term inal nos ensina um a nova form a de vida, um a nova
m aneira de en carar as vicissitudes que perm eiam a existência, um a form a de vivência mais
autêntica, n a qual os valores decididam ente sejam preservados em detrim ento de aspectos
m eram ente aparentes, que, n a m aioria das vezes, perm eiam as relações interpessoais.
A vida g a n h a novo significado ao se p erceber a am plitude d a im portância de cada
segundo, de cad a encontro, do Sol rom pendo a neblina em um a m a n h ã de outono, d.i
fiorada do ipê-roxo e da suinã no inverno, da em oção do am or contida em um beijo e em
um afagar de mãos.
É como se tivéssemos de conviver estreitam ente com a m orte p a ra ressignificar a p ró
p ria vida, p a ra ressignificar cad a detalhe da existência. A m orte torna-se um processo
105
P sico lo g ia H o sp ita lar
Referências Bibliográficas
TORRES, C.W.; GUEDES, G.W.; TORRES, C .R. A Psicologia e a M orte. Rio de Janeiro: Fundação
G e tu lio Vargas, 1983.
106
• CENGAGE
• • Learning*
compreensão dos aspectos emocionais, presentes no processo de adoecer. E uma das mais brilhantes
(lescrições de como a Psicologia se inseriu no contexto hospitalar. Esta obra está na vanguarda das
temáticas contemporâneas, apresentando um a das mais notáveis performances da Psicologia.
A p lic a ç õ e s
Leitura recom endada para as d isciplin as p sicologia hospitalar e p sicologia
da saúde n o s cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia.
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