Você está na página 1de 200

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL PUCRS

FACULDADE DE DIREITO
MESTRADO EM DIREITO

CARLOS ALBERTO MOLINARO

RACIONALIDADE ECOLÓGICA E

ESTADO SOCIOAMBIENTAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO

PORTO ALEGRE
2006
2

C A RL O S A L BERT O M O L I N A RO

RA C I O N A L I DA DE EC O L Ó G I C A E

ESTADO SOCIOAMBIENTAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO

D is s e rt aç ão a pre s e n t ad a co m o re qu is it o
p ar c ial p ara a c on c lu s ão e obt e n ç ão d o
t ít ulo d e M e st re e m Dire it o – Cu rs o de
M e s tr ado e m Dir e ito – Pó s -Gra du aç ão e m
D ire it o – F ac uld ad e de D ire it o – Pon t if ícia
U niv e rs idad e Cat ó lica d o R io Gran d e do
S ul – PUC RS

APROVADA EM 28 DE JUNHO DE 2006 PELA BANCA EXAMINADORA

O RI EN T A DO R: Pr of . Dout or J UA REZ F REI T A S

Pr of . Dout or I N G O W O L F G A N G SA RL ET

Pr of . Dout or J O A Q UÍ N HERRERA F L O RES

PORTO ALEGRE
2006
3

Para Teresinha, como prova de meu


respeito, imensa admiração e amor.
(Companheira querida nesses mais de trinta
anos de convívio. Como tantos outros, este
trabalho só foi realizado mercê da tua
permanente e silenciosa presença. Um silêncio
eloqüente que tem preenchido, amorosamente,
todos os meus dias.)
4

A G RA DEC I M EN T O S

E xp re s sa m os n o ss o agr ade c im e n t o à Pont i f í ci a Uni ver s i dade C at ól i ca do


Ri o G r ande do Sul – PUC RS p e la d e fe rê n c ia e m a dm it ir-n o s n o s e u c orp o
d is c e n t e .

A grad e c e mo s a os e n s in am e n t os e a a m izad e co m qu e n os brin d ou o


Pr of . Dout or I N G O W O L F G A N G SA RL ET , ex e m p lo de ju ris t a co m p ro me t id o
c om a s o cia lidad e d o d ire it o e , e m s e u n o m e , h om e n a g eam o s ao co rpo
d oce n t e qu e c o m gra n de am ab ilidad e e c om p e t ê n cia d e dic o u-n o s
t od a a s ua a t e n çã o.

A t o do s o s c o le gas de s t a jo rn ad a e x pre s s am os n os s a gra t idão pe las


a te n ç õe s qu e n o s d e dic ara m e o c arin h o q ue re c e be m os .

N a p e ss o a d e Pat r í ci a de O l i vei r a – qu e rid a a mig a – h o m e n a g eam o s a


t od os os fu n c io n ário s d a s e cre t a ria pe la af abilid ad e e e fic iê n c ia q ue
s e mp re d e m on s t rar am n o at e n dim e n t o d e n o s s as n e c e s s idad e s .

Por f im, e e s p e cia lme n t e , n os s o re c on h e c im e n t o e g rat i d ão


a o Pr of . Dout or J UA REZ F REI T A S, a m igo e orie n t a do r, f on t e d e
in s piraç ão p ara c on c re t iza çã o de s t a in v e st ig aç ão, m agis t e r
q ue a pre e n d e mo s a a dm i ra r, n ão só pe la s ua a gu da in t e li­
g ên c ia e re f in ad o c on h e c im e n to j uríd ic o, m a s t am bé m po r
s ua g ran d e d e dic aç ão n o e n sin o e n a pr át ica d o d ire it o, u m
m od e lo de pro fe s s o r q ue pre t e n d em o s im it ar n a m e did a de
n os s as lim it aç õe s .

M UI T O O BRI G A DO
5

RAZÕES JUSTIFICATÓRIAS

A educação está no centro de nosso futuro. O futuro é estru ­


turado pela educação que é dispensada no presente, aqui e agora...
Aprender a conhecer significa, antes de mais nada, a aprendizagem
dos métodos que nos ajudam a distinguir o que é real do que é
ilusório, e a ter assim um acesso inteligente aos saberes de nossa
época. Neste contexto o espírito científico, uma das maiores aqui­
sições da aventura humana, é indispensável. [...] No entanto, ensino
científico não quer dizer de modo algum aumento desmedido do
ensino de matérias científicas e construção de um mundo interior
baseado na abstração e na formalização. Tal excesso, infelizmente
comum, só poderia conduzir àquilo que é oposto do espírito científi­
co: as respostas prontas de outrora seriam substituídas por outras res­
postas prontas (desta vez com uma espécie de brilho "cien tífico") e,
no fim de contas, um dogmatismo seria substituído por outro.

BASSARAB NICOLESCU1

O agi r hum ano s e m an if e st a fu n da m e n t alm e n t e de s d e qu at ro gran d e s


v ia s c om u n ica t ivas : o s ent i r , o s aber , o deci di r e o f az er . To do h o m e m e
m ulh e r pe lo s e n t ir sã o t am bé m in flu e n cia do s p e los se n t im e n t o s e x t e rio re s d o
s e u e n t or n o, a o m e s mo te m p o e m qu e , n o s e us in t e riore s , se ( c on ) fo rm am
s e us pró prio s s e n t im e n t os , e m o ç õe s e pa ix õe s ; a de m ais , é pe lo s ab e r que
e s se me s m o par, a prop ria o c ot id ian o e o e s pe c ializ a, d e sd e as d im e n s õe s
in t e riore s do ima gin ário e d o c on t e ú do d e su a m e m ória ; s ua a çã o s e e x t e ­
rioriz a p e lo d e cid ir e pe lo faz e r; ao d ec idir , imp re s cin d íve l à au t on o m ia d a
v on t ade e a co n diç ão d e libe rd ade qu e de s fru t am , e ss e s s ão t e rm os in dis ­
p en s áv e is para o v ôo d a c riat ivid ad e , qu e e n co n t ra c o n cre t iz aç ão n o f az e r :
um f az er que na or i gem é i ndi vi dual e l ogo s e col et i vi z a , d e sd e as d im e n s õe s
d o e s t é t ic o, do é t ic o e do t é c n ic o.
É o m undo s ens í vel que s e conect a ao s ent i r do hum ano, é a t ravé s d a
s e n s aç ão, qu e o s e s t ímu lo s e x t e rn os e n c on t ra m ac olh id a n o s ce n t ro s n e rvo s os
d o a n t rop os , e pro pic iam a a da pt aç ão n e c e s s ária ao m u n d o. A s s im , é a s e n ­

1
Manifesto da Transdisciplinaridade. S. Paulo: Triom, 1999, p.132.
6

s aç ão ( ma n ife s t aç ão do s e n t ir) o m o do m ais e s po n t ân e o da co n s c iê n c ia;


c on t u do , at e n t e -s e qu e a c o n sc iê n c ia n ão é s ó a s e n s aç ão, po is e la t am bé m
s e m an if e s t a n o encont r o co m o out r o e se s oc ializ a, e me r ge n u m a cons ­
ci ênci a pl ur al . Port a n t o, s e n t im e n t os , e mo ç õe s e pa ix õe s ( por v e ze s ra ­
c io n ais , n a m a ior par te d e las , o u m e s m o irrac ion a is ) s oc ializ ad os , in d u z em à
c ult u ra, pr e n h e de m it o s e cr e n ça s, m as t a mb é m de p rod ut o s ( cu l t ura is )
d eriv ad os d e u ma rac ion a lida de e s t rit a, qu e e m m u it as o ca siõ e s fo i ge ra do ra
d os m aior e s de s as t re s c ult u ra is da h um an id ad e ( ide o log ias rad ic ais de
q ualqu e r t ipo ). A c o n e x ão s e dá pe lo s aber , ou me lh o r, s e dá p e la p os s ibi ­
lida de do s a be r.
O s aber é s e m pre pl ur al , po is é o pro du t o d e s abe re s e de s abor es .
R ec o rd em o s qu e n a orig e m o é t im o é c om u m, t odo s aber é s abor ( s apo r) , e
s abo r, n o s e n s in am os lé x ic os , é a s e n sa çã o qu e ce rt o s c or pos ou s ub st â n cia s
e x e rc e m so bre o s órg ão s do pala dar ; e , p alad ar é um s u bs t an t iv o q ue d e n o­
t a t o da e qu alqu e r c ap ac id ade d e ap re cia r as qu a lidad e s e o s de fe it o s d os
e s t ím ulo s qu e pro vo ca ram as s e n s aç õe s . O s sa be re s c om o os s ab ore s s e s in ­
g ulariz am n a co n s ciê n c ia do su je i t o qu e os in te r roga o u o s c on f ron t a . O
s abe r alé m de plu ral é co m p le x o , po is e le s e mp re s e ap re se n t a c o mo um a
t ot al i dade at r i but i va m ais o u me n o s c oe re n t e , co m pos t o de r e laç õe s in t e r ­
d ep e n de n t e s , ma s , p or v e ze s , s u bord in ad as . Com o t ot a li d ade , o sa be r s e
f ra cio n a e m d im e n s õe s mu it o b e m d e fin ida s n o c ron o to po s in v e s t igad o: (a )
s abe re s do co t idian o , t ra dic i on a is (e s t át ic o s, fru t os im e m oriais , t ran s g e rac io ­
n ais ) e a dqu irid os ( d in âm ic os , t ran s m it id os e t ra n sf orm a do s, in t e rge r ac ion ais ) ;
( b) s abe r e s e sp e cia liz ad os , t e óric os e p rát ic os , os prim e iro s , de n o min a do s de
c ie n t íf ico s q ue po de m s e r f orm ais ou e m píric o s, ao lad o d aqu e le s a lcu n h a do s
d e m e t af ís ico s , co m o o s t e o lógic o s e os o nt o lógic o s e m g e ral; os s e g un d os ,
o s s abe re s p rát ic os , ou re s ult a m d e t é c n ic as , o u d e rivam da m ora l ; f in al­
m e n t e ( c) o s s abe re s c rític o s r e su lt a n te s d as cr i s es do s uj ei t o cognos cent e
f r ent e ao obj et o cognos ci do, aí se ut iliz a a m e t alin gu age m p ara rom pe r a
t e n s ão e n t re crít ic a e cris e pe la d is tin ç ão e p e la in te r pre t aç ão d o ob je t o
in t e rrog ad o 2 .
O s s abe re s c rít ic os fa ze m d e s e u obj e t o m il p e daç o s, v isib ilizan d o e
in vis ibiliz an d o a s ub st a n cia lida de fát ic a qu e lh e s re m an e s c e su bj ac e n t e . Po r
is so , ao in t e rpre t arm o s o m u n d o e s t á c o loc ad o f or a, n ão é in v e n t o d o s u je it o .
O m un d o vai sit u an d o- se , s e m re po u s o, e n t re o co rpo qu e v ê , e as c ois as v isí ­
v eis , e o qu e pe rm a n e ce ain d a in vis í v el. En t re o lu gar d o co rpo e o lu ga r d as

2
Observe-se que Crítica (de critiké, κρτική ou o que julga, o julgador para κριτικός, o que
é capaz de julgar) e crise (κρίσις) tem fundamento étimo comum: do verbo grego kríno
(κρίνω) que é separar, distinguir, discernir e interpretar.
7

c ois as pe rc e be - se um a fra t ur a in s u pe ráv e l. To dav ia, a vis ão n ão é as s u n t o


e x clu s ivo n e m d o q ue v ê n e m t am po u co do v isív e l e , t od avia , a v isã o é “ at o
de ver ” , e é t a mb é m “apar i ção ” ( M e rle au -Po n t y) , com a educação o m es m o
s e dá . D e on d e pro v é m a ru pt u ra e n tr e o in t e rio r e o e x t e rior ?, p e r g un t a o
f iló s ofo . “V e jo o m u n d o. ” – De ac ord o. O m u n do n ão é m ais d o qu e aqu ilo
q ue ve m o s . S e rá ? O fa t o d e ap are c e r-s e -n os o m u n do co n s t it ui a e n t ida de
d es t e . M as n ã o s ó n os p as m am os a n te o m u n do , ade m a is, e n c on t ra m o-n o s
p as m ad os dia n t e d e n os s o pró prio pa s mo , co m o algu é m já af irm ou . A í c rit i ­
c am os , dis c e rn im os . O m i s t ér i o não é uni ca m ent e o m undo, m as , i gual m ent e,
a m ar avi l ha que expe r i m ent am os di ant e del e . O educar não é o m es m o? A
b es t a viv e e s t i m ula da pe lo mu n d o – n ão d ist in g ue , n ão s e pa ra; o s e r h u m a n o,
a de ma is , p od e viv e r o mu n d o s e m m o tiv os , m as s e m pre c o m a c apa ci d ad e
d e qu e s t ion á -lo. A o ques t i oná- l o s e educa. A i nt er r ogação vai m ai s al ém da
pr es ença m undanal .
Qu e o m u n d o po s s a f ica r s ub me t id o a qu e s t ion a me n t o s n ão s ign ific a
q ue n ã o s e id e n t ific a c on o sc o m e s m o, qu e s e u “ apar ecer ” n ão e s go t a s e u
“s er ” . Con t u d o, da qu i n ão s e po de d e du z ir qu e fic am o s re m e tid os a ou t ro
m un d o. A p e rce p çã o ac aba e m u ma f orm a d e in t e rr o g ar. O vis ív e l e n c e rra
e m s i m e sm o o in apre s e n t áv e l. O s e r s e de s bo rda d e su a m an if e s t aç ão. O
in vis íve l n ão é “o u t ro po ss ív e l”, a go ra au s e n te ; é , c om o a firm av a M e rle au -
Pon t y 3 , po rve n t u ra re le n d o He id e gge r, Ver bogenhei t 4 f undam ent al . O v isív e l
n ão é m ais qu e “r uín a ” e q ue b ra do in v is íve l. O in vis ív e l é in vis ív e l d o vis ív e l, é
o “n ã o a pre s e n t áv e l”, a lgo as s im c om o um e s t u ário d o n ã o- s e r 5 . A í n o s e n ­
c on t ram o s, d e s de n o s so o bje t o : e n t re a cr í t i ca vi s í vel do s aber s obr e um a
cr i s e i nvi s í vel dos s aber es , v ale diz e r, n os e n c on t ram o s n u m pós -m o de r n is m o
m un d an al on d e as s it ua çõ e s -lim it e ( n a lin g ua ge m de Jas pe rs ) s e e n c on t ra m
n a le it ur a do m u n do c o mo um c on ju n t o d e s ím bo los de ou t ra re a lidad e qu e
j am a is po de re m o s a lca n ça r, po is “ s o mo s n ó s m e s m os e n t ran d o n as s it ua çõ e s -
lim it e [. . .] E x pe rim e n t á-las e e x ist ir s ão u m a m e s m a co is a” 6 . Po is, e x plic a
Jas pe rs , os ac on t e c im e n t os , a o rde m ob je t iva d as co is as e as fig ura çõ e s p re ­
c is am s e r de c ifra das . A s s i m , t oda a f i l os of i a, e com m ai s r az ão a f i l os of i a da
ci ênci a, cons i s t e em es cl ar ecer a exi s t ênci a pos s í vel , não aquel a j á dada .

3
Le visible et l’invisible. Paris: Gallimard, 1964, p. 32

4
(O) segredo, vale dizer, o sentido, o significado oculto de algo que se descobre no
recolhimento.

5
Merleau-Ponty, ob. cit., loc. cit.

6
Jaspers, K., Philosophie (1932), trad. Filosofía. Madrid: Revista de Occidente, 1959, p. 79
8

C omo se r e s h u m an os t e m os de es col her en t re s ab e re s e re f in ar n os s a


p erc e pç ão do s s ab ore s . A í e s t á o t rág ico de n os s os d ias . A í e s t á a di f icu l ­
d ade da c rít ic a. M e s m o, aí s e e n c on t ra a c ris e de n os s as e s co lh as . E s co lh as
f un da da s n a pe rs p e ct iv a do s ab e r de s de t rê s f u n dam e n t o s be m de f in ido s : ( 1)
u m fu n d am e n t o o n t oló gic o, ( 2 ) u m re fle x ivo , e ( 3) u m e m píric o. Em ( 1) n os
e n co n t ram os c o m as idé ia s e a p os s ibi lida de d e c on c re t u de d e las n o m un d o
re al ( u m c on f ron t o e n t re Plat ã o e A rist ó t e le s ) ; e m ( 2 ) a fro n t am os a raz ão
m od e rn a: in d e c iso s p e las c o n diç õe s a p riori do co n h e ce r , abr aç am os a in o ­
v açã o m as p e rs ist im o s n o pr e su n t ivo ( Sc h e llin g c on t ra Ka n t 7 ) ; e m ( 3) u m
f un da m e n t o e m piris t a, o n de o qu e p re t e n de m o s é um p ac t o e n t re c re n ç as e
o s da do s d a e x pe riê n c ia ( Loc ke dia lo ga c om Hu m e ) j á qu e s ó o c o n h e ci m e n ­
t o s e n s í ve l n os põ e e m c on t at o c om a re a lid ad e . C om e s s e s in s t ru me n t o s n os
o cu pam o s d o s abe r; de s de u m a pe rs p e ct iv a, s ó n o s in t e re s s a a c oe rê n c ia do
d is c u rso , re le va n do a s e gu n d o p lan o o qu e s t ion a m e n t o s obre o s e u va lor
o bje t ivo ; d e sd e ou t ra, s ó n o s in t e re s s am o s p e lo at o m e s m o da a pre n diz ag e m
( co m pe t ê n c ia para .. . ); m as , quando o s aber com pr om et e, nos i m por t am os ,
ver dadei r am ent e, com i ndagar as r el ações que exi s t em ent r e as es t r ut ur as
s oci ai s e os t i pos de conheci m ent os envol vi dos .
O deci di r é se m p re u m cons eqüent e . N as c iê n cia s m at e m át ic as , o c on ­
s e qü e n t e é s e m pre o s e gu n do t e rm o d e um a ra zã o, por is s o, e le é , t am bé m o
n om e da do a os de n o min a do re s d e um a pr opor ção . O deci di r é s em pr e pr o ­
por ci onal ao pr odut o do s ent i r e do s aber . R e ve la u m s e n t im e n t o e s t é t ico de
equi l í br i o. E s sa d im e n s ão d e pr opo rç ão, ou a d ie t a pit agó rica ( e m gre go
διαιτα , i.é . , ju s t a m e did a o u m o d era çã o) , é o qu e pe rm it e , po r ve z e s , a “ pr o­
vi s ão” 8 da deci s ão, po is s e m pre qu e m enor a r az ão, m ai or a l i ber dade , co m o
n os e n s in am a s m at e m át ic as : se m p re qu e h á u m m áx im o de razã o, aí e n co n ­
t ram os u m m ín im o d e libe r dad e (a s p rogre s s õ e s m at e m át ic as s ão pro va s irre ­
f ut áv e is) . S e mp re q ue d e cid im os n os ar r i s cam os , po is a fro n t am os o re s u lt ad o
d e u m a “s epar ação” do s e f e it os do s ab e r e d o s e n t ir que o rigin ara m a n o ss a
a ção . Da í, a pro po rcio n alid ad e d e t o da d e cis ã o, e re la tiv am e n t e ao f át ico
re ve la u m a rac ion a lida de c on s e qü e n t e . A r aci onal i dade cons eqüen t e é um
e s t ado de ac olh e o r az oável , pois é próp rio do razo áv e l a pr obi dade, is t o é ,
a r et i dão na apr eens ão cogni t i va da r eal i dade . T om am o s d e cis õ e s a pa rt ir do
raz oá v el, ao pa rt ir d e s t a rac ion a lida de c on s e qü e n t e q ue ac olh e a ju s t a

7
Schelling, F. W. J. ., Philosophies de l’Université, Paris: Payot, 1979, p. 88: devemos a
Schelling, a afirmação que todo o conhecimento deve ser um ultrapassar a forma , uma
ars inveniendi que força o original.

8
Utilizamos o termo por metonímia como prescrição, ordem, disposição, desde a perspec­
tiva estética do “olhar por...”
9

m e did a ( qu e pr oc e de co e re n t e m e n t e ). A educação é um exer cí ci o de


r az oabi l i dade , po r iss o p rop orc ion a l n o s s e u s d é fic e s e n a s u a s uf iciê n c ia,
a in d a as s im t o do deci di r , se j a n a e du c aç ão , s e ja n a v ida e m ge ral, pro du z o
s ent i r de um a in s at is faç ão : u ma pe rs p e ct iv a n e ga t iva do s e n t ir e d o s ab e r .
E st a pe rs p e ct iv a n e gat iva d o s abe r e do s e n t ir e s t á n um a t e n s ão dialé t ic a de
d ois dis c u rso s : um , qu e a pon t a para a c o e rê n cia in s e rt a e m t o das a s de c i ­
s õe s ; o u tr o, q ue n e ga q ua l q ue r c oe rê n c ia. A ra cio n alid ad e c on s e q üe n t e , o
raz oá ve l, e s t á n a as s e rt iva d e qu e h á ra zõ e s s u fic ie n t e s p ara c re r q ue t o das
a s de c is õe s sã o e m part e c oe re n t e s e in c oe r e n te s , pe n de n t e do s s u je it o s p os ­
t os e m re la çã o.
O s e n t ir, o s abe r e o d ec idir s ão t ribu t ário s do f az er . O faz e r é s e m pre
u m prod u zir e um p rov oc ar: ob je t ivo s fu n d am e n t ais n a e d u ca çã o. T odo f az er
r evel a- s e num a ação t r ans eunt e que pr oduz at ual i dade e pr ovoca t r ans f or ­
m ação, por i s s o é poí es i s e pr axi s . Poíe s e s n o s e n t ido gre go m ais am plo : u m a
v on t ade ( um conat us dir ia S pin o za) de c riaç ão , at é m e s m o d e an t e c ipaç ão
d o de v ir, u m proc e s s o d e t ran s f orm aç ão in fo rm ad o p e lo t ra b alh o h um an o , e
a í s e m e t am o rfo s e ia n a p rax is , n a pro du ç ão q ue ( de ) c om põ e e c ria, e re ­
c ria, qu e in t e rpre t a, e re in t e rp re t a, qu e art i c ula , d e s art ic ula e t o rn a a re ar t i­
c ula r s e m ma is ce r te z as p ré vias s e n ã o a co n s t an t e p oíe s is : de f az e do r, d e
in ve n t o r o u c riad or de noem as 9 : s e n t ido s e s ign if ica çõ e s ; e n fim , o f az e r pe r­
m it e ao s e r h u ma n o c o n st ru ir a s i m e s mo e o s e u mu n d o, d e fo rm a livr e e
a ut ôn o m a, n o s â mb it os do c u lt ura l, d o po lític o , e t c .
D es d e o a rt icu lad o ac ima af irm am os q ue t o do o agi r hum ano é um
m ovi m ent o cons t ant e de educação: do s ent i r , no s aber e no deci di r par a
f az er . To do o agir s u põ e , port a n t o, o se n t ir para s abe r, o s abe r p ara de c idir e
o d e c idir p ara fa ze r. Educar - s e, poi s , é um m odo de es t ar no m undo : f az endo,
deci di ndo, s abendo e s ent i ndo, n um pe rm an e n t e ci r cui t o de r eação cul t ur al .
H om enageando a d ois g ran d e s in t e le ct u ais e e d u ca d ore s , in t ra n si g e n ­
t e s de f e n so re s d os di r ei t os hum anos , n o ss o s qu e rido s irm ão s, u m s e vilh a n o e
o ut ro c oim br ão, J oaquí n Her r er a F l or es e Boavent ur a de Souz a Sant os , o qu e
in t e n t am os n e s t a dis s e rt a ç ão f oi educar - nos par a educar , um p roc e s s o c on ­
c re sc e n t e n e s t e “l ugar de encont r o ” qu e é o am bi ent e .
C ar l os A l ber t o M ol i nar o

9
Do grego νοεμα (noema) uma percepção mental, um pensamento, de nous (νους) men­
te; vale dizer, as faculdades para perceber e para sentir, para estimar, para determinar.
Falamos portanto, da faculdade humana para superar as faculdades para perceber e
para sentir, para estimar, para determinar Falamos, portanto, da faculdade humana de
superar o “lugar comum”, e postular novos sentidos ou finalidades à própria ação de
refletir e de atuar.
10

RESUM O

N e s t a dis s e rt aç ão s e qu e s tio n am algu n s as pe t os m u ito e sp e cíf ico s d a pe rs ­


p ec t iva an t rop oc ê n t rica da s t e oria s am bie n t ais . À pe rs p e ct iv a an t ro p oc ê n ­
t rica , crit ic am o s so m e n t e de s d e u m pon t o de vis t a e le m e n t ar pois n ã o é o
p rin c ipal o bje t ivo de s t e tr abalh o e , ad e m ais , é po ss ív e l a t ua lme n t e d isp or de
re vis õ e s t é cn ic as m u it o m a is prof u n das d e s de u m a c o n ce p çã o e c oc ê n t ric a.
O e ix o ce n t ra l de s t e t rab alh o é u ma c rít ica re fle x iv a d as c on c e pç õe s a n t ro­
p ocê n t ric as e d as a n tr opo m órf ica s co m o p arad igm a e p ist e m oló gic o. N ão
a po s t am os n os para dig ma s , e le s s ã o in co m e n s urá ve is , n ã o po de m se r m e di ­
d os ou a valia do s por mo t ivo de su a ord e m de g ran d e za ou d e s ua im por ­
t ân c ia, p or is s o, p re fe rim o s o c on t e x t o h u m an o ( d in âm ic o) ao p arad igm a
t e óric o ( e s t át ic o) u m c on t e x t o d e ra cio n alid ad e ( e c oló gic a) qu e c o n st ró i
p erm an e n t e m e n t e ( c on a t us ) a h arm o n ia e n t re o bió t ico e o abió t ico d o
m un d o. Pro po m os u m a pe rs p e ct iv a e c oc ê n t ric a e u m a ra cio n alid ad e e co ló­
g ic a fu n da da n u ma v is ão h o lís tic a d o m un d o e qu e n ã o c in da n at u re z a e
c ult u ra, pois e n t re e las n ã o h á dis t in ç ão , as s im c o mo n ão c in da a re a lida de
e x is t e n te e n t re os s e re s h u m an o s e o m u n do c om o u n id ade in t e gra l . E m
d ef in it ivo , u m a r ac ion alid ad e e c oló gica n ão pe n s a um d ire it o a m bie n t al
c om o u m pr od ut o c u lt ur al e sp e cíf ico para a ss e gu ra r a s re la çõ e s h um a n as
n u m c ron o t opo s s o cia l e am b ie n ta l d e fin id o as s im co m o a s e r d e fin id o
( ge raç õ e s fu t u ras ) , u m dire it o c om o r e gu laç ão co m o re gu laç ão e ga ran t ia
d as co n qu is t as s oc iais o bt ida s n os e s pa ç os d e lu t as pe lo s dire it o s h u ma n os ,
n o c as o dir e ito s h u m an o s a m bie n t ais , s im qu e o p e n sa , c om o u m dire it o d a
n at u re za e d a c ult u ra ( um p rod ut o c ult u ra l ad je t iva do da n at u re za /c u lt ura ) ,
o nd e a j u st if ica çã o e n c on t ra- se n o c u mp rim e n t o do s d e ve re s e o briga çõ e s
c om a d ign id ad e da vid a. Co m e st e s p re s su po s t os d e se n h a m os n o ss a co n ­
c ep çã o de u m E s t ado So c ioa mb ie n t al e D e m oc rát ic o de Dir e ito .

PA LA B RA S -C HA VE : T EO R IA CR Í TI CA A M BI EN T A L. D IR E IT O A M B IE N TA L .
PE RS PE CT IV A A N T RO P OC ÊN T R IC A . PE RS PE CT IV A E CO CÊ N T RI CA . PRI N CÍ PI O S
A M BI EN T A IS . ES T A DO A M BI EN T A L.
11

A BST RA C T

I n th is d is s e rt at ion , s o me sp e cif ic as pe c t s of t h e an t h ro poc e n t ric pe rs pe c t ive


o f t h e e n viro n m e n t al t h e orie s are qu e s t ion e d . Th e an t h ro po ce n t ric pe rs ­
p ec t ive , we o n ly c rit iciz e it fro m a n e le m e n t a ry po in t o f vie w be c au s e it is n ot
t h e m a in o bje c t ive of th is wo rk a n d it is po s sib le n o w t o h ave m u ch d e e pe r
t e ch n ic al re vis ion s f rom t h e e c o ce n t ric c on c e pt io n . T h e c e n t ral a x is of t h is
work is a re fle x iv e c rit ic o f t h e an t h rop oc e n t ric an d an t h rop om o rph ic
c on c e pt ion s like an e pis t e m olo gic al p arad igm . W e do n ' t be t f or t h e
p ara dig ms , t h e y are in c om m e n s u rable , t h e y c an n ot b e m e as u re d o r e v a ­
lu at e d f or re as on s o f t h e ir ord e r of gre a t n e ss o r o f t h e ir im p ort an c e , fo r t h at
re as o n , we pre fe r t h e h um a n c on t e x t ( dy n am ic ) t o t h e t h e or e tic al pa rad igm
( s ta t ic) , a co n t e x t , wh e re t h e ra t ion a lity ( e co log ica l), bu ilds pe rm an e n t ly
( c on at u s ) h arm o n y b e t we e n t h e bio t ic a n d a biot ic o f t h e wo rld . W e prop os e
a n e c oc e n t ric pe rs pe c t ive an d an e c olo gic al ra tio n alit y wh o se fou n d at ion is
a h olis t ic v is ion of t h e wo rld, a n d t h at it d oe s n ' t divid e n at u re a n d c ult u re ,
b ec au s e a mo n g t h e m t h e re is n o t dis t in ct io n , a s we ll as it d oe s n ' t d ivid e t h e
e x is t e n t re alit y be t we e n h u m an be in g s an d t h e world like in t e g ral u n it . I n
d ef in it ive , a n e c o logic al rat io n alit y d oe s n ' t t h in k a n e n v iron m e n t al righ t as a
s pe c ific c u lt ura l p rod u ct t o as s u re t h e h u m an re lat ion s h ips in a de f in e d s oc ial
a nd e n viro n m e n t al c ron o to po s as we ll as t o b e de f in e d ( f u tu re g e n e rat io n s) ,
a righ t as re gu lat ion an d gu aran t e e of t h e s oc ial ad va n t age s obt a in e d in t h e
s pac e s of fig h t s by th e h um a n righ t s , in t h e c as e e n viro n m e n t al h u m an rig h ts ,
b ut rat h e r t h in k s it as a r igh t of t h e n at u re a n d t h e c u lt ur e ( a pro du c t c ult u ral
re s ult o f t h e a dje c t iva l u s e of t h e re lat io n sh ip n a t ure / c u ltu re ) , wh e re t h e
j us t ific at ion is in t h e e x e c ut io n of t h e d ut ie s a n d o bliga tio n s wit h t h e d ign it y
o f t h e life . F rom t h e s e s u ppo s it ion s , we d raw o ur co n c e pt ion o f a S oc ial-
E nv iron m e n t al an d De m oc rat ic S ta t e o f Law .

KEY W O R DS : E N VI R ON M E N T A L C RI T ICA L T HE O RY . A N TH RO P OC EN T R IC VI E W .
E CO CE N TR IC V IE W . EN V IR O N M EN T A L LA W . E N VI RO N M E N TA L PR I N CIP LES .
E NV IR O N M EN T A L S TA T E.
12

SUMÁRIO

I N T R OD U Ç ÃO ............................................................................................... 13

P RI M E I RA P AR T E – R A CI O N ALI D AD E E C O L Ó GI C A ......................................... 19

1 . D A RE L AÇ Ã O N AT U RE Z A/ C U L T U R A ........................................................... 22

3 – D A RAZ ÃO M OD E RN A – LI N GUAGE M E C ON SCI Ê N CI A: D A E X AU STÃO D A


R AZ ÃO M OD E R N A C O N DI Ç ÃO P AR A A R A CI O N ALI D AD E E C O L Ó GI C A ........ 37

4 – O SE R H U M AN O E S U A RE L AÇ ÃO C OM O AM B I E N TE ............................... 55

5 – A D I AL É TI C A P O SI Ç ÃO - D I S P O SI Ç ÃO ....................................................... 66

6 – S I S TE M AS D E AD A PT AÇ ÃO , P RO D U T O S C U L T U R AI S E O D I RE I T O .............. 84

SE GUN D A P ARTE – E ST AD O SO CI OAM B I E NTAL E DE M O CRÁTI C O D E D I RE I TO


E O S P RI N CÍ PI O S I U S AM B I E NT AI S ................................................................ 102

7 – C OM O NO S I N SERI M O S N UM E ST AD O SO CI OAM B I E NTAL E DE M O CRÁTI C O


DE D I RE I T O ................................................................................................. 108

8 – E ST AD O SO CI OAM B I E NT AL E DE M O CRÁTI C O D E D I RE I TO – E CO LOGI A,


E XI STÊ N CI A E DI RE I TO . A P ROI B I ÇÃO D E RE TRO GRAD AÇ ÃO E O S D I RE I TO S D E
C O N T AM I N AÇ ÃO ....................................................................................... 124

9 – E ST ADO SO CI OAM B I E NTAL E DE M O CRÁTI C O D E D I RE I TO E A V E D AÇ ÃO


D A D E G R AD AÇ Ã O A M B I E NT AL ................................................................... 132

10 – M Í N I M O E X I STE N CI AL E CO LÓ GI CO , P RO I B I Ç ÃO D A RE TRO GRAD AÇ ÃO E


E STAD O S OCI O AM B I E N TAL E D EM OC RÁTI C O DE D I RE I TO – N UM A
PE RS P E C TI V A I U S C U L T U R ALI ST A .................................................................. 155

C O N C L U S ÃO .............................................................................................. 1173
78

Í N D I C E O N O M ÁS TI C O ................................................................................. 182

RE FE RE N CI AS B I B LI O G R ÁFI C AS ................................................................... 184

Í N D I C E GE R AL ............................................................................................ 196
13

I N T RO DUÇ Ã O

[...] de qualquer modo, tudo o que de


fato é contra à natureza é contrário à razão,
e o que contraria à razão é absurdo e assim
pois deve ser refutado
Spinoza10

– Devemos refutar o que contraria à razão?

S pin oz a c on c e bia qu e t ud o o qu e e x is t e , t u do o q ue c on f orm a a re a li­


d ade , e s t á o rgan iz ad o s e gu n do u m a c on c at e n aç ão ( c on c at e n at io ) d e ca u ­
s as e e f e ito s . Por iss o m e s mo , afir ma va qu e a a ce s s ibilid ad e do “re al” s om e n ­
t e é po s sív e l qu an do so m os ca paz e s d e e n t e n d e r as in t e ra çõ e s e s t ru t u ran t e s
e n t re a r azã o e a prop orç ão d o “re a l” n e la in c o rpora da .
D ev e mo s p ois in t e ligibiliz ar o “re al” , o q ue le vo u S pin o za a a firm ar :
“[. .. ] Para c ad a c ois a de v e s e r at rib uíd a u ma c au s a o u raz ão d e t e rm in ad a,
t an t o qu an d o e la e x is t a ou n ão e x is t a” 1 1 . É de s d e e s t e pre s s u pos t o qu e n os
p ro pom o s a d e lim ita r a rac ion alid ad e e c o ló g ica d e n o s s os dias e in te n t a r
d es e n h ar a f igu ra de u m E s ta do S o cio am bie n t a l e De m o crá t ico de Dire it o ,
d es d e u m e x e rcíc io c rít ico do d is cu rs o ju ríd ico so c ioam b ie n ta l.
R azã o e p rop orç ão n os a n ima m a t o rn ar in t e lig íve l u m a c rít ic a d o
“re al” c o n t ido n o A m bie n t e , vale d ize r, e st e “lu gar d e e n c o n tr o” c om o
a lh u re s o co n ce it u am o s 1 2 . N os s a d is se r t a çã o, po r t an t o , vai c o loc ar a ra t io

10
SPINOZA, B., Tractatus Theologicus Politicus, in, Opera, vol. III, p. 91, a cargo de Carl
Gebhardt, Heidelberg: Carl Winter, 1972: [...] quicquid enim contra naturam est, id contra
rationem est, & quod contra rationem, id absurdum est, ac proinde etiam refutandi (obra
consultada na Biblioteca Central da Universidade de Coimbra, primeiro semestre de 2003 -
tradução livre de nossa autoria).

11
SPINOZA, B., Ethica, in, Opera, vol. II, p. 52, a cargo de Carl Gebhardt, Heidelberg: Carl
Winter, 1972: Cujuscunque rei assignari debet causa seu ratio, tam cur existit, quam non
exist (destacamos. Obra consultada na Biblioteca Central da Universidade de Coimbra,
primeiro semestre de 2003 - tradução livre de nossa autoria).

12
Cf. MOLINARO, C. A., Mínimo existencial ecológico e proibição de retrocesso ambiental,
monografia de conclusão do curso de especialização em Direito Público Coordenação do
14

j urídic o -s oc ioa mb ie n t al n o agir h um a n o – o u n as pa lavr as de Sp in oz a u m a


“re c ta r at io viv e n di ” 1 3 – e na pro porç ão e n t e n did a n ão no a n álog o
14 15
( ‘α νάλο γο ς ) a ris t ot é lic o , s im na d ie t a ( δίαιτα ) p it ag órica ou a ju s t a
m e did a ou mo de ra çã o ( m e s mo n um a as s e m blé ia po lít ic a) q ue d e ve
c on fo rm ar e s s e a gir h um an o 1 6 .
C omo d izia W arre n M o n t ag 1 7 , S pin o za de s e n v olv e u um a e st ra t é gia
re t óric a qu e de n o m in ou d e “op e raç ão d o s iv e ” . Com o s a be m os , s iv e é u m a
c on j un ç ão lat in a , c om o n o lé x ic o pá t rio “ o u ” , e S pin o za a u t ilizo u c o mo um a
e s t rat é gia c rít ica d e “ t radu ç ão o u d e d e s loc am e n t o ”, p or ve z e s a e m pre g ou
c om o s u bo rdin a t iva co n dic ion a l, ou t ras c om o co or de n at iv a d is ju n t iva.
M on t ag no s r e ve la qu e Sp in oz a de la s e rv iu-s e de m od o m ais re c on h e c ido n a
f ra se “D e us , siv e N at u ra” ( D e us , ou N at u re za) aí, e le , s im ult a n e am e n t e , af ir ­
m a e n e g a a abo liçã o rad ica l d a t ran s c e n dê n c ia 1 8 .
E m o u t ras pa lavra s , c o n ta t rê s h is t ória s ao me s m o t e m po: a h ist ó ria d e
D eu s , a h is t ória da N at u re z a e a h is tó ria de D e us -c o mo -N at u re z a, ou a
h is t ória d a t ran s ce n d ê n c ia, a h is t ó ria da im an ê n c ia e a h ist ó ria da t ra n s c e n ­
d ên c ia c o mo im an ê n c ia. M u t at is m ut a n di , po de m o s dis c orre r so bre o

Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, promovido pela Faculdade de Direito da PUCRS, orientada
pelo Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet.

13
Cf. SPINOZA, Ethica, Opera..., vol. II, p. 137

14
Cf. ARISTÓTELES, Metafísica, XII, 4, q. 1070a, in, Obras Completas, Madrid: Aguillar, 1977,
p. 1051

15
Cf. SOTO RIVERA, R., Kairo-teo-ontología en algunos pensadores grecorromanos, in, Kon­
vergencias, Bayamón [Puerto Rico]: Impresos GLAEL, año II - Edición Diciembre 2003/Enero
2004, p. 2

16
Aqui cabem três esclarecimentos: o que entendemos por “racionalidade ecológica”, por
“teoria crítica”, e por “agir humano”. Por “racionalidade ecológica” estamos muito próxi ­
mos do pensamento de Boaventura de Souza Santos em seu trabalho A crítica da razão
indolente. Contra o desperdício da experiência (Porto: Afrontamento, 2000; São Paulo:
Cortez, 2000), vale dizer, uma razão substantiva, preocupada com o outro como um igual e
não como um objeto. Uma racionalidade que se credita de provisoriedade e, por isso
mesmo, reconhece a complexidade de todas as coisas. Fundada numa razão que não
antecipa e que intui a inevitável convivência da ordem com o caos (Boaventura de Souza
Santos, op. cit., p. 75), logo, é prudente e dialogal, ademais de cosmocêntrica. Uma ra ­
cionalidade que sabe da influência do ambiente e suas transformações sobre a sociedade,
bem como leva em consideração outras dimensões da realidade social notadamente a
cultural, e aí cabe tudo: organização socioambiental, valores, conhecimentos, tecnologias,
etc. Por “teoria crítica” creditamos todo o conhecimento sistematizado cujo fundamento se
assenta seja em observações empíricas, seja em princípios ou postulados racionais, cujo
objetivo é desvelar um conjunto normativo ou de categorias gerais com o fim de ordenar e
classificar os fatos dados desde uma apreciação episte mológica, estética, ética, econô­
mica, jurídica ou política sobre o objeto da investigação. Por “agir humano”, tributamos
todo o ato do ser humano objetivando provocar uma reação ou produzir um efeito no seu
entorno, assim mesmo, todo o agir humano está impregnado pela construção das necessi­
dades (abundância ou insuficiência são os limites, dados os bens) e por narrações (mitos,
crenças, saberes e pré-compreensões pré-científicas, científicas, etc.).

17
MONTAG, W., Bodies, Masses, Power: Spinoza and his Contemporaries , London/New York:
Verso, 1994

18
MONTAG, W., Bodies, Masses…, p. 4
15

A m bie n t e d e s de u m a pe rs pe c t iva t e oló gic a, o u b ioló gic a, o u ain d a de s d e


u ma p e rs pe ct iv a co s m oló gic a; v ale diz e r, po de m o s pe rc e bê - lo co m o s up e ra­
ç ão d a r e alida de m a te r ial qu e po de m o s co m pre e n d e r, ou s e n t i-lo e m su a
c on c re t ud e e , ain d a, e n t e n d e -lo c om o u m a re laç ão c o m p le x a do qu e
p ode m os p e rce b e r e d o qu e p od e mo s in t u ir c on fr on t ad os c om o at é e n tã o
d es c on h e c ido .
A m bie n t e , pois , é u m “lu gar de e n c o n tr o”, u m lu gar on d e n os e n c on ­
t ram os c om o n os s o am b ie n te in t e rio r, o n de n os e n co n t ram o s e x t e rio rme n t e
c om o s d e m ais e a n a t ure z a, e o n de s om o s o “e n c o n tr o” 1 9 , o n de t e m lu ga r a
n arra çã o da h is t ó ria mu lt it u din á ria do p lan e t a, vale diz e r, a h is t ó ria do s s e re s
( pe s s oas , an im a is ou c ois as ) c on s id e rad os o u n ão e m se u c o n ju n t o, e a h is ­
t ória da s o be ran ia -an t ro pom ó rfic a-c o mo -m u lt idão ( as s e m e lh ad a aq ui às
e s pe c ula çõ e s de D e le u ze , Gu at t a ri , N e gri e Ha rdt ) , va le diz e r, t od o o c on ­
j un t o de in d iv íd u os h um an o s , ag ru pam e n t o h e t e ro gê n e o e plu ral qu e re age
n os div e rs os círc u los s oc iais on d e e s t ão dis po st o s o s in d ivíd u os , d e m o do
im pu ls ivo o u n ão , p re mid os po r u m a c on j ug aç ão d e e s t ím u los : c on t a t os
f ís ic os , id e olo gias , su bo rd in aç ão, e t c.
E st a m u lt idão an t rop om ó rfic a e t a mb é m , n ão -an t ro po m ó rfic a ( co n ju n ­
ç ão b iót ic a e a bió tic a) , c on s t it u ída pe lo “e n c on t ro ” e re u n id a e m u m lu gar
d e e n c o n t ro, va i re fle t ir, n a s ua an t ro pom o rfia co n c e ito s t an t o m at e ria is
f ís ic o-q uím ic os , co m o filo só fic o s e polít ic o s. Re v e la-s e n u m c orp o s e m ó rgão s
p olític o s e dif e re n cia -s e d o E s ta do .
S e a m u lt idã o e x is t e d e n t ro do Es t ad o, e e m co n t ra o E st a do , s e m pre
v ai e x is tir um e x c e d e n t e : u m a e s t ru t ura ju ríd ica e u m pod e r c on s t it u ído ,
c riado pe la m áqu in a d o ma n do bio -po lít ico ( Fo u ca ult ) . E st e é o p od e r s obe ­
ran o c on t e m p orân e o. A m u lt idã o d e s bo rdad a n u m plu ra l de s u bj e t iv idad e s
p ro du t iva s, cria do ras do s c írc ulo s s o cia is d e s de loc ais at é glob ais , e s t á e m
m ov ime n t o p e rpé t u o e co n fo rm an do um a c on s t e laç ão d e s in gu la rida de s e
e ve n t o s qu e im põe m re s ign ific aç õ e s e re c on fig ura çõ e s c o n tín u a s ao sis t e m a.
E la n ã o é um po de r n e gat iv o, e la se d e se n v olv e p os it iva me n t e e m se u s
p ró prios pro je t o s c on s t it u in t e s, at u a co m o obj e t ivo d a libe raç ão . Po r ve ze s
e s t á se m pr e in v isib ilizad a, pois a m ult id ão é o pod e r polít ic o ( h is t oric am e n t e )
d om in an t e , e o Es t ad o é ape n as u m a “re de d e c ap t u ra” qu e v ive d a v ita li ­
d ade qu e e n c o n t ra n a m ult id ão .
Por ta n t o, vê - se aí, qu e ao E st a do fa lta ve rd ad e iram e n t e u m s up ort e
o nt o lógic o , p ois c om o “po de r co n s tit u íd o” , e le re ve la- se ape n as a bs t ra­

19
Estamos nos referindo ao substantivo “encontro”, mas não podemos esquecer a flexão do
verbo “encontrar”: tomo consciência de...; estou em um lugar, sob condição, em uma
situação ou estado de...; me situo, me localizo...
16

t am e n t e n o pod e r c on s t it u in t e co n c re t o d a m u lt idã o. De le u z e e Gu at t ari ,


b em pod e riam agre g ar, a qu i, s u a “ve rs ão do f e t ich is m o” , s u ge rin d o qu e o
p ode r do E s t ad o t am bé m se re d obr a so bre a m ult id ão p ara “c riá-lo mila gro ­
s am e n t e ”, va le diz e r, e s cre v e r s e u s e st a n da rt e s ju rídic o- polít ic os e as s im
“on t o log izar -s e ” n a apro priaç ão e t ra n sf orm aç ão d o p od e r co n s t it uin t e d a
m ult id ão n a c on s t it uiç ão do bio -po de r e s t at al 2 0 . Po is , de pa s so e m pa ss o ,
q uan d o s e d e s e n vo lve a A dm in is t raç ão , s e in v e rt e a re laç ão e n t re s oc ie d ade
e p od e r, e n t re a m ult id ão e o E s ta do -s ob e ran o , t an t o q ue ag ora é o po de r e
o E st a do q ue pro du z e m a s oc ie d ade .
E st e é o dile m a e m q ue n o s e n c on t ra mo s . A s obe ra n ia da m u lt idã o
t ras pa ss o u- se 2 1 para o E s t ado . C om o re a prop riar o po de r c on s t it u in te d a mu l ­
t idã o? Co mo re s cre v e r a h is t ó ria da t ra n sc e n d ê n cia c om o im a n ê n cia ? U m a
re le it u ra, d e s de ou t ro s pa râm e t ros e co n t e x t ua lizad a de S pin o za m u ito n os
v ai e n s in ar, e s pe c ialm e n t e d e s de do is g n om as : ( 1 ) d o c orpo co le t ivo o u d a
m ult it u din is p ote n t ia (a m u lt idã o c om o m od alid ad e e s pe c ífic a d a re alida de
p olític a n a t e n s ão po r c on s t it uir -s e co m o “ pov o” , c o mo “n a çã o” ou c om o
“E st a do ”) ; e ( 2) a e s t rat é gia do c on at u s 2 2 , v ale d ize r, o e sf orç o de p e rs ist ir
e m s u a pró pria n at u re z a, e m pe rs is t ir n o se r , de pe rs e v e ran ç a e re s is t ê n c ia
q ue e s t á e m t ud o o qu e e x is t e e h om o ge n e iz a o re al.
E st e s pe n s a me n t o s e x pre s s ivo s pre t e n de m o s in ve s t iga r, n e s t a dis s e rt a ­
ç ão, d e sd e o de s e n h o de u m a pre t e n did a rac ion a lida de e c oló gic a n u m
e x e rc ício c rít ic o e m d ire it o am bie n t a l.
I nt e n t a re mo s c arac t e riz ar o s dif e re n t e s s e n t ido s “do ” j uríd ic o e m s e d e
s oc ioa mb ie n t al, c on t ra s t á-lo s e e x t rair c on c lu sõ e s m e d ian t e um a c rít ic a qu e
in clu a o m a n e jo de “s it u aç õe s e x e m pla re s ” c on t ra ou t ra s “s itu a çõ e s e x e m ­
p lare s ” o u c an ô n ica s n u m a au t ê n t ica d iat o pia p ara dig m át ic a.
Pe n s am os n u m E st ad o So c ioam b ie n ta l e D e mo c rát ic o d e Dire it o , o qu e
im plic a n a re ve laç ão d e u m dire it o im pu ro , pe rif é ric o, m a s pa rt icip at ivo ,
p lu ralis t a e abe rt o , fu n d ad o n um a C on s t it u içã o s ist e m át ic a, cu jo s s u b s is ­

20
DELEUZE, G., e GUATTARI, F., Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, New York, (1972)
1977, p. 10 e 11

21
Aqui no sentido jurídico stricto, isto é, ceder a favor de outrem o direito ou o domínio de
alguma coisa.

22
Termo latino que significa esforço de, ou esforço para; na filosofia do século XVII, é
utilizado a partir da nova física que, ao demonstrar o princípio de inércia (um corpo
permanece em movimento ou em repouso se nenhum outro corpo atua sobre ele modi ­
ficando seu estado), torna possível a idéia de que todos os seres do universo possuem a
tendência natural e espontânea para a autoconservação e se esforçam para permanecer
ou persistir como existentes (Cr., Marilena Chauí, Spinosa, uma filosofia da liberdade. São
Paulo: Editora Moderna, 1995, p. 106; cf. também, A nervura do real. Imanência e
Liberdade em Spinoza, Vol. 1 Imanência, São Paulo: Companhia das Letras, 1999).
17

t e m as albe r gam a a lo poie s e n e c e s s ária para a s u a c o n cre t iz aç ão n os


e s paç os qu e re gu la 2 3 . N e s se pa rad igm a, a re le v ân c ia re s ide n os c h am ad os
in t e re s se s ou dire it o s d ifu s os , co m o os dire it o s a mb ie n t ais .
A c ar ac te r íst ic a prim o rdia l d o E st ad o S oc io a mbie n t al e De m o crá t ico
d e D ire it o, n a pe rs pe c t iva da te o ria dis c ur s iva e cu lt u ralis t a d o dire it o
a mbie n t al e da d e m oc rac ia, é a in s t it u c ion a liza çã o da s v ias d e co m un i ­
c açã o pú blic o/ priv ad a at rav é s d as qu ais o s c id adã os , d e fat o , pa r t icip am
d as d e cis õ e s qu e irão lh e s af e t ar 2 4 , e s pe c ialm e n t e aqu e las re lat iv as a o
m ín imo e x ist e n c ial e c oló gic o e a v e da çã o da d e gra daç ão am bie n t al.
A s su m in d o u m v ié s proc e d i m e n t al, a C on s t it uiç ão d o E s t ado po de se r
e n t e n d id a co m o u m in s t ru m e n t o qu e c o n f orm a as c o n diç õe s para o e st a be ­
le cim e n t o d e um a h e t e ro n om ia da v on t a de po pu lar, n a t o m ada d e de c is õe s
p úblic as , e s pe c ialm e n t e , t a mb é m , c om re laç ão ao s p rob le ma s a mb ie n t ais ,
n ot a dam e n t e p orqu e t ra z n o rm as ( prin c ípio s e re gra s) re lat ivo s ao am bie n t e ,
e m t e x t o e x p re ss o n a C F/ 88 , n o a rt igo 22 5, ca be ç a:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equili­


brado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Por ce rt o , o d ire it o mo de rn o , n o p arad igm a do Es t a d o De m o crá t ico d e


D ire it o , e s go t a-s e n a for ma lida de le galis t a e pos it iv ist a d o o rde n am e n t o
j urídic o e s t at al, t al c irc u n st â n cia apo n t a, de s d e log o, a su a limit a çã o pa ra a
re s olu ç ão do s prob le m as e c on f lit os ge ra do s n o â m bit o s o cio a mbie n t al, s e ja
n o n ív e l in s t it uc io n al d o p od e r ju dic iário , s e ja n o n ív e l da le gis laç ão po sit iv a
e s t at al.
A id e olo gia libe r al-c apit a list a ( e n c e rrad a n o prin c íp io da a cu m u laç ão
e s e u co rolá rio da e fic iê n cia ) qu e s us t e n t a e ss e p arad ig m a ac re d it a n u m
t ipo de d e m oc rac ia e x c lu s ivam e n t e re p re s e n ta t iva, d o m e s m o mo do , cr e dit a

23
O que pretenderemos defender é uma posição que se afaste da lógica binária clássica
de Aristóteles A(~A), e se aproxime da lógica da “teoria dos conjuntos” (como coleção de
objetos, definidos ou definíveis, numa totalidade atributiva), cujo objetivo está em
desenhar uma estratégia que melhor atenda a resolução de conflitos, sempre presen tes
entre os atores que atuam com diferentes objetivos, nos diversos subsistemas do sistema
jurídico. Assim, a concepção de Hart sobre a relativa indeterminação das normas gra­
duando esta incerteza numa relação interescalar de princípios e regras (cf. Positivism and
the Separation of Law and Morals, in, Essays in Jurisprudence and Philosophy. Oxford:
Clarendon Press, 1983, p. 61 e s.; e, The Concept of Law. 2ª ed. Oxford: Clarendon Press,
1994, p. 259 e s.)

24
HABERMAS, J., Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997
18

à cid ad an ia ap e n as o pod e r de re pre s e n t aç ão , a ss e gu ra n do a os in div í du os


d ire it o s a bs t rat am e n t e co n s ide ra do s.
Por is s o, pe n s am os n u m E st ad o S oc ioa m bie n t al e D e m oc rát ic o d e
D ire it o – n u m a pe rs pe c t iva pó s -po sit iv is t a – d o qu al flu i a e m e rgê n c ia de um
n ov o s e n t id o d e c idad an ia , q ue apo n t a pa ra u m a d e m oc rac ia s o cio ­
a mbie n t al fu n d ad a e m dire it o s e de v e re s c on c re t os , n a p art ic ipaç ão re al e
c on s cie n t e d os in di v íd uo s s in g ula re s e plu rais , c o n fo rma n do u ma eco­
c id ad an ia re s po n s áve l e m as s e gu ra r a s c on d içõ e s q ue po s s ibilit e m a firm ar
q ue u m m ín imo e x ist e n c ial e c oló gico , n ú c le o m at e rial d o prin c ípio d a
d ig n idad e h um an a d e ve s e r um m áx im o d e c on c re tiz aç ão d os dir e ito s f u n da ­
m e n t ais .
U ma po rt a abe r ta p ara a re gu la çã o e g aran t ia d as co n qu is t as s o cia is
( lut a s pe lo s d ire it o s h u m an o s) , e n fim , uma af irm aç ão c on s c ie n t e da
s up re m ac ia do pr in c íp io da d ign id ade h u m an a, in du zin d o a c on c re t iza çã o
d e u m d ire it o fu n d am e n t al à se g ur an ç a qu e e s t e Es t ad o de A m bie n t e de v e
p ro du zir para as pre s e n t e s e f u tu ra s ge raç õe s , e n t e n d en d o, e s t a ú lt im a,
c om o u m d os re s u lt ad os d a ga ran t ia de re g ula çã o e f ica z q ue at e n da a
s up re m ac ia d os in t e re s s e s co n s tit u c ion a lm e n t e a lbe r g ad os ; de m od o
e s pe c ial, o p rin cíp io d a d ign id ade da pe s so a h u m an a , qu e s ó s e re a liza co m
a pro t e çã o de um m ín imo e x ist e n c ial e c oló gic o, f ort e n a ve d aç ão d a
d eg rada çã o am bie n t a l.
U ma ra zão as s im art ic u lad a, n ã o po de s e r re f u ta da .
19

PRI M EI R A PA RT E – RA C I O N A L I DA DE EC O L Ó G I C A

Não apenas cada parte do mundo se faz cada vez mais parte
do mundo, mas o mundo enquanto um todo está cada vez mais
presente em cada uma de suas partes. Isto se verifica não só para as
nações e para os povos, mas também para os indivíduos. Da mesma
forma que cada ponto do holograma contém a informação do todo
de que faz parte, de agora em diante, cada indivíduo também
recebe ou consome as informações e as substâncias vindas de todo
o universo.

Edgar Morin25

Pe n s am os u m m o de lo de ra cio n alid ad e e co lóg ica , de s de um a pe rs ­


p ec t iva e co cê n t ric a mo de ra da 2 6 , co m o o bj e tiv o de c on s t ru ir u m a c rí t ic a
j urídic o -am bie n t alis t a .
E nt e n d e m os po r ra cio n alid ade e co lógic a, t o do o e x e rcíc io da raz ão
q ue priv ile gia a s fo rm as im pu ras e p e rifé ric as d o p e n sa m e n t o 2 7 , d e sd e f orm as
a rgu m e n t at iv as , e m píric as , e pr oc e dim e n t os in du t iv os para a in d aga ç ão e
c om pre e n s ão da re alid ad e s oc ioa m bie n t al, priv ile gian d o a in t u içã o e a
e m oç ão , ide n t if ica n do -a c om a re laç ão s u bs t an t iva n a t ur e za/ c ult u ra , im a ­
n e n t e e m t od o o v ín cu lo pre s e n c ial bió tic o /a biót ic o.
Pe rc e be r-s e -á , as s im , qu e um a ra cio n alid ade e c oló gic a e s t á, na
v erd ad e , in t e gra da po r mu it as vis õ e s m e s oló g ic as : u m a e co log ia qu e p od e
a ce de r ao irrac ion a l 2 8 ; um a e c olo gia d os sa be re s , c ie n t ífic os ou n ão c ie n ­
t ífic os , do s t rad ic ion a is , m e s m o daq ue le s e m e r g en t e s de cre n ç as e prát i c as

25
MORIN, E., Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 35

26
Uma perspectiva ecocêntrica moderada não refuta um antropologismo de meios, empre­
gando-se aqui antropologismo, não como o faz o materialismo que considera o homem
apenas como uma parte da natureza, sendo dela um produto; não, o que pretendemos
com a expressão antropologismo de meios é significar os meios racionais do homem ao
perceber a realidade que pode compreender; assim, um antropologismo de meios, não
supõe um antropocentrismo de resutados, antes, afirma uma holovisão do mundo da na ­
tureza e da cultura. Vamos desenvolver esta idéia mais adiante.

27
Uma razão que privilegia as formas impuras e periféricas do pensamento, revela um
compromisso de aprender a apreender, penetrar na dimensão estética e na dimensão
paidética do pensar e do agir, com a possibilidade singular de desenvolver a passagem do
pensamento linear ao pensamento sistêmico e complexo por intermédio do uso de recursos
expressivos que nos fornece a razão sensível, vale dizer, a capacidade humana em captar
e representar as formas cognitivas da realidade, desde uma proporção que reconheça
similitudes e diferenças, diria Aristóteles, a percepção que nós percepcionamos –
atualidade do sensível e do sensitivo ( cf., ARISTÓTELES, Del Alma, 425b, in, Obras
Completas. 2a ed. Madrid: Aguilar, 1967, p. 860).

28
Atente-se, na realidade não há o racional e o irracional fora do conhecimento, pois como
dizia Pontes de Miranda, “a irracionalidade já é conhecer, e há caminhos para conhe cer-
se o irracional como tal: o que não conhecemos é o conteúdo, digamos, do irra cional, mas
por vezes e provavelmente sempre é o que ocorre com o nosso conhecimento” (O
problema fundamental do conhecimento. 2.a ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972 p. 93).
20

a nc e s t rais ; um a e co log ia d a re la çã o n a tu re z a e c u lt u ra e d a re la çã o a dj e ti­


v ada: n at u ral e c u lt u ral; um a e c olo gia d a re ligião , d a e s té t ic a, da é t ic a, d a
p olític a, d a e c on o m ia, do d ire it o, e d a c iê n cia ; um a e co log ia glo bal,
re gio n al, lo ca l; u m a e co log ia urb an a, ru ral; u m a e c olo gia do in d ivíd u o, d o
g re m ial, do s o cia l; uma e co logia e n e rgé t ic a, in d us t rial, c om e r c ia l e
in cr us t ad a n os s e rvi ç os d e qu alq ue r t ipo ; u m a e co log ia h um an a , in t e rior, e
q ue p ri vile gia o a lt e r; um a e c olo gia pro fu n d a, t ra n s pe s s oal e co m a gu d a
c on s ciê n c ia h o líst ic a.
U ma ra cio n alid ade e c oló g ic a de s t e t ipo ap os t a na co n viv ê n cia
h arm ô n ica c om a n at u re za , in t e n t a po r t o do s o s m e io s pr e se rv ar as e s pé c ie s
( am e aç ad as ou n ã o) , já qu e e ss a s s ão v alo re s h u ma n os .
D e ou t ro m o do , n in gu é m m a is d uv ida q ue viv e m os n um a c ris e e c o ló ­
g ic a qu e p õe e m s é rio ris c o o a gora f rág il e qu ilíbr io n at u ral e c u lt u ral de
t od as as f orm a s biót ic as e a biót ic as 2 9 , fat o qu e af irm a a n e ce s s id ade de u m a
rac ion a lida de e co lóg ica c on s e q üe n t e .
A t e n t e -s e ain d a, qu e u m a ra c ion a lida de e c oló gic a, ain d a q ue se dirija
n u ma pe rs pe c t iva e co c ên t ric a, n ão re pu d ia o an t ro poc e n t ris m o e o
a nt ro pom o rfis m o para faz e r s u a, a d e fe s a da div e r s id ade n o s e u m ais a mp lo
s e n t ido .
A de m ais , um a ra cio n a lidad e e co lóg ica pr ivile gia o f ato r h u ma n o re ve ­
lad o p e la “d ign ida de ” e m pre s t ad a ao s e r h u m an o , v alo r e s t e qu e s e e s t e n de
a t o da s as c ois as e a s cria t ur as viv as , pois t o da s e s tã o p re s e n t e s n o h u m an o
do ser30.

29
E aqui não falamos dos riscos produzidos pela probabilidade de perigo criada pelo
“imaginário” individual ou social.

30
Por fator humano entendemos a multiplicação do que é próprio do ser no jogo humano na
perspectiva de Gadamer (La actualidad de lo bello. Barcelona: Paidós, 1977, p. 66-68 – a
lição de Gadamer vem a calhar pois todos sabemos que o “jogo” veste um símbo lo de
universalidade, pois associa as noções de regra, liberdade e totalidade, qualquer que seja
a ordem destes termos, ao mesmo tempo, no “jogo” substituímos um estado anárquico por
um estado de ordem, metaforicamente se pode dizer que vincula um estado de natureza a
um estado de cultura, ou de um estado expontâneo para um estado de ordem. Talvez a
idéia mais importante de Gadamer nesta obra seja a de que não podemos pensar o
cultural humano sem pensarmos no lúdico. De outro modo, através do “jogo” encontramos
uma história do “movimento”, um automovimento como diz Gadamer, que revela-se no
“jogo” e na “arte”. Ademais, Gadamer nos ensina que na prá tica humana o “jogo” inclui a
“razão”, pois o homem disciplina e ordena seus próprios movimentos “como se tivessem
fins”, diz ele; isto é, uma racionalidade livre de fins. No “jogo” – afirma Gadamer – se exige
um “jogar com...” numa manifestação comunicativa), vale dizer, um jogo que pode incluir
em si mesmo a razão, o caráter distintivo mais próprio do ser humano, consistente em poder
dar-se fins e aspirar a eles conscien temente, e poder ironizar o característico da razão
conforme a fins. Pois a humanidade do jogo humano tem sede em que esse jogo de
movimentos ordena e disciplina, por dizer assim, seus próprios movimentos; movimentos
esses expletivos na combinação de dois outros fatores, o abiótico e o biótico, o primeiro,
representando os agentes físicos, químicos, geológicos, etc., do ambiente; o segundo,
relativo a cada um dos seres vivos da ecosfera; ademais, o fator humano revela-se num
processo cujos pressupostos físicos, bioquímicos e fisiológicos vão integrar mecanismos que
estão na base de um processo histórico e cultural, este essencialíssimo do homem e da
mulher, não encontrado em qualquer outro ser vivo.
21

U ma rac ion a lidad e e c oló gic a, po r pre o c upa r-s e e m m an t e r c o n tr a­


b ala n ça da a re la çã o b iót ic o/ abió t ico , de s d e u ma s ub s ta n t iva re laç ão in t e ­
g ral n at u re z a/ c ult u ra, co m pr om e t e -s e c om as f u tu ra s ge ra çõ e s a m e aç ada s
c om u m a fu n e s t a h e r an ç a, co n s is te n t e e m re ce b e r u m pla n e t a in a b it áv e l
p ela agre s s ão s is te m á t ica ao am bie n t e : e n ve n e n a m e n t o d a bio s fe ra co m
s ua s c on s e qü ê n c ias , d e s e q uilíbrio s c lim át ic os e e f e it o e s tu f a, d e t e rio ra ç ão
d a c am ad a de o zô n io, d e s f lo re s t am e n t o, co n t am in aç ão d as águ as , e x t in ç ão
d e e s p é cie s v ivas , d e so rga n iza çã o u rba n a, e n fim , u m e n t orn o de p re c iad o à
v id a, e m qu alqu e r de s u as ma n ife s t aç õe s .
22

1. DA REL A Ç Ã O N A T UREZA / C UL T URA

Não só a Humanidade, como todo o indivíduo, ao despertar da


plena consciência, já encontra visão pronta do mundo, para a qual
voluntariamente não contribuiu. Toma-a como a um presente da na ­
tureza e da cultura.
Er ns t M ach 3 1

C omo pre s s u po st o e pis t e m oló gic o p ré vio , de s de já n o s po sic io n a m os


n u ma pe rs pe c t iva m on ax ia l, vale diz e r, a c on f orm aç ão de um a at it u de q ue
a firma in e x is t ir qu alq ue r cis ão e n t re n a t ure z a e c u lt ura ( s ub s ta n t ivad as 3 2 ) –
c on s t it uíd a p or u m s ó e ix o e p ist ê m ic o, o qu e já n ão oc o rre c om as a dj e ti v a­
ç õe s : n a t ura l e c ult u ral, pe lo c on t e ú do das re pre s e n t aç õe s me n t a is d e co r ­
re n t e s qu e po de m s e r o bje t o de in te r pre t aç ão s e gu n do a p art ic ula r v is ão d e
m un d o do su j e ito in t e rroga n t e .
N at u re za p od e s e r e n t e n did a co m o u m a p ar c ela do e x is t e n t e n o
c os m os se m a im plic aç ão c on s c ie n t e e e s pe cu lat iva d o pe n s am e n t o h um an o
( m uit o e m b ora o n a t ura l d o c os m os adm it a plu ralid ad e d e s e n t id os ) . A liá s ,
e n t e n de m o s c os m os n a m a is pu ra d ialé t ic a gre g a, va le diz e r, um a co n fro n ­
t aç ão e n t re u ma o rd e m vis ív e l ( kos m o s ais t h e t o s) e um a o rde m in t e ligíve l
( kós m o s n oe t o s) 3 3 . E s t e e n t e n d i m e n t o, de lim it ad or , p or c e rt o , d a n a t ure z a,
n ão p od e s e r aplic ad o s e m a s re s e rv as pe rt in e n t e s 3 4 .

31
Citação e tradução colhida em PONTES DE MIRANDA , F. C., Sistema de Ciência Positiva do
Direito, vol. I. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 205, nota de pé de página 28:
“Nicht nur die Menschheit, sondern auch jeder einzelne findet beim Erwachen zu vollen
Bewusstsein eine fertige Weltansicht in sich vor, zu deren Bildung er nichts absichtlich
beigetragen hat. Diese nimmt er als ein Geschenk der Natur und Kultur hin”

32
Não tratamos, por ora, dos adjetivos: natural e cultural.

33
A respeito cf. PLATÃO, Timeo, in Obras Completas. 2ª ed. Madrid:1969. Platão vincula
kósmos a um “Deus visível” no Timeu 92c (p. 1179), não atraído por um vitalismo, antes pelo
caráter ético que representa; de outro modo, postula, ( Tim. 30c-d) por um kosmos que não
pode ser compreendido pelos sentidos, sim pela inteligência (p. 1134-1136). Aí importante
para a compreensão da dialética platônica a noção de eidos, termo já corrente no
pensamento grego, como “aquilo que se vê”, aparência, natureza constitutiva, idéia,
forma. Platão o consagra, onde os eide estão implícitos e organizados no interior do “ser
vivo e inteligível” (Timeo, 30b, p. 1134).

34
Uma das reservas, com a correção de Platão, está na postura de Protágoras, no repetido:
o homem é a medida de todas as coisas, das que são o que são, e das que não são o que
não são (Pré-Socráticos, in Os Pensadores. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996, p.32);
contudo tal afirmação não nos leva a um antrocentrismo radical, pelo contrario, ao ser
“metro” (metrón) ele é um instrumento para uma medida das coisas ( o humano além do
Homem, um humano que se coletiviza, que se torna tributário do kósmos (mais tarde do
social). Esta consagração humanizante alcança a todas as coisas, especialmente a
fabulação que incorpora todas as narrativas do (co)existir, pois humanus é o que “convém
ao homem”, pois como ensinava Platão, a teoria do homo mensura protagoriana, deve
expressar, Deus é a medida de todas as coisas (theios nomis – cf. Las leyes, in, loc. cit.,
716c, p. 1340); vale dizer, deus como hólon, expressando todo organismo vivo, universo,
23

C omo h o me n s e mu lh e re s , e m vo lt a d e u m e n t or n o s o cia l s u pe ram o s a


n at u re za m as n ão o in t e i ram e n t e n a t ura l , dif e re n c iam o-n o s do pu ram e n t e
a nim al, dad o qu e e s t e s e re lac ion a im e d ia t a e in s t in t iva me n t e c om o
e n t orn o ; ao co n t rário , n ós , os h u m an o s , n o s im o b iliz am os n o e n co n t ro c o m o
o bje t o do e n t orn o .
N ós t am b ém n os dis t in g uim os do s an im ais , porq ue n o ss a s po s s ibilida de s
d e s o bre v ivê n c ia im plic am o do m ín io d a n a t ur e za e de s u a t ra n s f orm aç ão,
a go ra, já s oc ial, aju s t ad a por u m c o n ju n t o de re laç õe s . Re la çõ e s e s s as qu e
p oss ibilit a m n os s o e x ist ir co m u n it ário , e fa ze m d o t ra balh o ( in s t ru m e n t o d e
p ro du ç ão do s me io s de su bs is t ê n c ia) o mo n ólit o fu n d am e n t al d a t ra n s f or­
m aç ão d a n at u re z a 3 5 ; e , m ais t arde , da p rópria s o cie d ad e .
T ud o is s o imp lica a c riaç ão d e u m n ovo e n t o rn o, de um o u tr o m u n d o
d is t in t o da n at u re za m as n ão d o n at u ral, e d a a pariç ão de um o u t ro a ge n t e ,
u m s u je it o qu e t ran s f orm a e s e p rod uz a si m e s m o. E le , n ã o ob st a n t e s e r par t e
d a n at u re za , é e cria c ult u ra, qu e é n a t ura l m as qu e c om e la n ão s e
c on fu n d e , n ad a ob st a n t e d e l a s e r p art e in te g ral.
O pro ce s s o de c riaç ão é c on t ín u o , p ois n a m e did a e m qu e n o s cria m os
d if e re n t e s do s de m ais ( d os o ut ro s) , s om o s t am b ém c riad ore s d o m u n d o c ir ­
c un d an t e : d e u m m un d o h is t ó ric o e s o cia l q ue s e co m ut a in s t an t e a in s t an t e ,
e s e t ran s f orm a n as ( in ) ce r t e z as e n as im ag e n s e re pre s e n t aç õe s d e u m
a mplo c am po , a gora s o cio -c u ltu ra l-n at u ral.
Por ta n t o, d ua s vias n o s s ão of e re cid as pa ra p e n s ar n a ad je t iva çã o d a
n at u re za : co m o o bj e t o e co m o s u je it o , n um a re laç ão ca m bian t e de
o bse rv ad o e / a obs e rv ado r.
A t ra n s fo rma çã o da n a t ur e za, da do s e u p roc e s s am e n t o pe lo s u je it o
( age n t e t ran s fo rm ad or) , re su lt a qu e já n ão é p ura , f oi c ult iv ada his t ó rica e
s oc ialm e n t e , f oi do m in ad a ou so fre u o pro ce s s o d e d om in a çã o, f oi e x plic ad a
o u s e in t e n t o u e x p licá -la. A í r e s id e , e m g é rm e n , a s orig e n s do s mit o s , das re li ­
g iõ e s, d a m o ral, da e s t é tic a, d a p olít ic a, da e co n om ia , d a c iê n c ia , do
d ire it o , e de ou t ro s pr oc e dim e n t os a dapt at iv os 3 6 .

depois estudado no panteísmo spinoziano de Deus sive Natura.

35
Esclareça-se que em nossa visão axial natureza/cultura, tomamos em consideração a in ­
derrogável relação que se estabelece entre natureza como existência física, cosmológica
e positiva, e natureza como representação, já que a metodologia que dispomos para
aceder aquilo que nossos sentidos percebem se dá por meio de representações mentais
que são construídas e reconstruídas a cada momento, segundo o ambiente cultural a que
estamos submetidos, é nesta perspectiva que conceitos como natureza e cultura, ser
humano e sociedade, podem variar e efetivamente variam pendente o sistema cultural
relacionado.

36
PONTES DE MIRANDA, F. C., Introducção á Sociologia Geral. Rio de Janeiro: Pimenta de
Mello & C., 1926
24

N ós , c e rt am e n t e , co n t in ua m os se n d o an im a is, an im ais s oc iais ; t o da via,


q uan d o c riam o s a c u lt u ra ( n at u ralm e n t e ) , n o p roc e s s o d e ac e r c am e n t o a o
c ult u ral , n os dis t in g uim o s d os se r e s pu ram e n t e n at u rais , d os an im ais ou de
o ut ra for ma de vida ; é a n o s sa rac io n alid ade ( ma s n ão s ó e la ) o f at or in du t or
d a m e t am o rfo s e c u lt ura l.
T oda s as c arac t e rís t ic as an im ais e n co n t ram -s e pre s e n t e s em n ós ,
s om e n t e a me t a mo rf os e do c u lt ura l, qu e e s t á faz e n do h is t ó ria, é pro pria ­
m e n t e n o s sa . É im plic an t e e imp lica do ra de u m m u n do n o vo cu ja s f ron t e iras
n ão s ão vis íve is d e im e dia t o, m as vis ib ilizad as po r u m a p rod uç ão o bje t u al 3 7
q ue s e re aliz a h is t óric a e so c ialm e n t e .
A s sim , t o d o e s s e pro ce s s o re pre s e n t a um a s ín t e se de v alor e s qu e n ós
a cu mu lam o s q ua n do t ra n sf orm a mo s a n a t ur e za e ge ram o s a c u lt ura ( c om o
u m pro c e ss o q ue s e f az . .. c o n t in u am e n t e ) a dje t iv an d o-lh e se n t id os e s ign if i­
c açõ e s div e rs as e re p re s e n t at iv as , e s cre v e m os n o ss a h is tó ria, e p araf ra s e an ­
d o M a rx , po de m o s a firm ar qu e so m os a ut ore s e at ore s de n o ss o p rópr io
d ra m a 3 8 .

1. 1 – A r el ação s ubs t ant i va nat ur ez a/ cul t ur a

A re laç ão n at u re z a/ cu lt u ra re v e la-s e num vín c u lo su bs t an t iv o de


s e n t ido un ív oc o e qu e n ão ad m it e cis ã o. T od avia , q ua n do af irm am os q ue a
re laç ão n at u re za /c u lt ur a é u m a re la çã o s u bs t an t iva c om t ais c ara ct e rís t ic as ,
p re v iam e n t e de v e mo s e x plic ar s o bre q ue c o n ce p çã o d e “re laç ão ” tr at am os ;
m ais ain d a, o qu e e n t e n de m o s por “re laç ão n at u re za /c u lt ur a e m s e n t ido
s ub st a n t iv o, u n ívo c o e n ã o cin d íve l” .
Por ta n t o, tr at e m os , d e s de log o, d e ac larar o s t e rm os qu e ut i liz am os e
c om o o s e m pre ga m os . A prim e ira ac la ra çã o d iz re s p eit o a c on c ep ç ão d e
re laç ão .
O s u bs t an t iv o re la çã o ac olh e in ú m e ras sig n ifi c aç õe s s e g un d o o âm bi t o
e pis t e m oló gic o e m qu e e s t á in se r ido 3 9 .
37
Não objetal, mas objetual, neologismo criado com a intenção de adjetivar o substantivo
objeto, diferentemente de objetivo, para enquadrar a relação com o su jeito que apreende
com o outro, e sempre com a finalidade de demostrar relação de pertença.

38
Marx, K., Misère de la philosophie: réponse à la philosophie de la misère de M. Proudhon ,
in Oeuvres, Paris: Gallimard, 1969, p. 83-84

39
A precisão significativa de “relação” pende de sua contextualidade, identificada esta é
que poderemos melhor encontrar o sintagma nominal que a representa. Para exemplificar
esta afirmativa, basta lembrar o conceito de “relação” em Kant , onde está por um con­
ceito “puro” do entendimento desde três bem definidas categorias: substância, causa e re ­
ciprocidade (para Kant o “juízo” se constitui não por uma relação de afirmação ou nega ­
ção de alguma coisa; mas, por uma relação entre conceitos pensados), conformando os
25

Qu e s ão re laç õe s ? S o m os n ó s os f abric an t e s d e las ? O u e las e x is t e m


in de p e n de n t e s d e n os s a re f le x ã o s obre e las ? S om o s n ó s qu e as in t rod uz im os
n as co is as e e n t re as co i s as ? Sã o e las e s tr an h as ao t e m po e o t e m po e s t ra ­
n h o a e las ? 4 0
S e m abs t rairm o -n os d as n o çõ e s de Kan t e de F re ge c om o co n s t a n a
n ot a de p é de p ágin a n ° 30 , pod e m os a firm ar q ue re la çã o é um e s t ad o de
s e r 4 1 , n e gá- la é e s va zia r o mu n d o 4 2 , po is s ã o as re laç õe s o re s ult a do d o
m un d o c on s t ru ído , c om o e le s e d á, in de pe n d e n t e m e n t e d a pe r c ep çã o qu e
t e n h am os de le .
T ud o n o m u n do e s t á re lac io n ado .
O m un d o e st á c on s t it uíd o por re laç õe s d e dif e re n c iad o t ip o, da s
c os m of ísic as m ais e x te riore s , at é as b io q uím ic as ma is in t e rio re s ; as sim , t od as
a s re la çõ e s ca rac t e riz am -s e c om o u m co m ple x o e s t ru t ura d o de e le me n t o s
d e div e rs ific ad a ord e m m u t u a m e n t e s u bs t it uí v e is , va le d i z e r, c ad a um de
s e us t e rm os co n s t it ut iv os pod e oc up ar a s it ua çã o t ópic a d e o u tr o. R e lat iv a ­
mente a e x is t ê n c ia de dif e re n ç as , e ss a s nos s ão d ad as qu an do da
s ub st it u iç ão t ópic a do s se u s t e rm os c o n st it u t ivo s, o qu e m od ific a o s e n t ido ou
s ign ific ad o re lac io n al.
D es d e e s t a c on c e p ç ão é qu e s e fa z un ív oc o e n ão c in d íve l o vín c u lo
s ub st a n t ivo n at u re za /c u lt ura , pois n ó s in vo ca m os as r e laç õe s pa ra e s t abe ­
le ce r s e u s t e rm o s: a n at u re za e a c u lt ura .
S ub st a n t ific ar a co n c e pç ão d e n a tu re z a e d e cu lt u ra im plic a at ribu ir-
lh e s f un da m e n t alida de d e s de u m a pe rs pe c t iva a bs t rat a, o u de s de um a
d im e n s ão c on c re t a, va le diz e r, “t e rm os ” e m re laç ão qu e e x pre s s am u m a
re alid ad e c om du ra çã o n um c ron o tó po s co m d e t e rmi n a n t e s m ú lt i p lo s e
m ut á ve is , s up ort e s d e ou t ros e s t a do s do e x is te n t e , m e s m o c o n st ru í d os , s u b­
s ist e n t e s p or s i m e s m os , m as c om a ut o n om ia e in de p e n dê n c ia e m re la çã o à s
s ua s qu a lific aç õe s e e s t ad os .
juízos categóricos (inerência), hipotéticos (causalidade) ou disjuntivos (reciprocidade).
KANT, I., Crítica de la Razón Pura, 5.a ed., Buenos Aires: Editorial Losada, 1967, p. 221,
especialmente 223, 235 e seguintes do tomo I. Já Frege entendia que as relações são “fun ­
ções” de dois argumentos cujos valores são sempre valores veritativos (FREGE, G., Estudios
sobre semántica. Barcelona: Ediciones Folio, 2002, p. 10).

40
Essas são algumas importantes perguntas que faz Pontes de Miranda em um livro pre­
ciosíssimo de gnoseologia, com o título: O Problema Fundamental do Conhecimento, es­
crito em 1937, ao qual, em parte, nos perfilaremos (Cf., PONTES DE MIRANDA, F. C., O
Problema..., 2.a edição. Rio de Janeiro: Editor Borsói, 1972, p. 61)

41
Aqui utilizamos a expressão “estado de ser” como aquilo que tem um significado auto-
incluído ou auto-implicado, ou constitutivo mesmo do objeto, assim tudo o que apõe
identidade ou idéia, descritiva, qualificativa, quantitativa ou designificativa. Logo, não tra­
tamos das concepções de Aristóteles, Kant ou Hegel, relativamente as essências e a
indeterminabilidade, ou ao heideggerianismo de um ontologismo impermanente.

42
PONTES DE MIRANDA, F. C., O problema..., p. 64.
26

A t e n t e -s e , qu e as r e laç õe s n ós n ão as fa bric am o s o u e s t abe le c e m os ,


j á e st ã o a i, n o n o s so e n t or n o, e s t am o s imb rica d os n e la s, e e la s po ss i b ilit am a
a pre e n s ã o e o c on h e c im e n t o d e s uj e it os e o bje t o s n o e n co n t ro d e pre d i­
c ado s ou pr e dic am e n t o s qu e lh e s s ão at ribu ído s 4 3 ; s ão , t am b ém , a c au s a
e fic ie n t e , ou d e in t e rve n ç ão at iva , port a n t o, art ic u lare s d e re laç õe s d e riva ­
d as e m qu e n ó s m e s m os e o a lt e r va m os mo lda n do , c on s t ru in do e m pro c e s ­
s os de e rros e ac e rt os , d e v e ros s i m ilh an ç a 4 4 pe rfila da às n os s as n e c e ss id ad e s
o u de m an d as .
N ão s ão t e mp ora is o u in t e m p orais , v ale diz e r, n ão s ã o va riáve is e m
f un ç ão do t e m po, s ão ac rô n ica s e m se n t id o e s t rit o , ist o é , e x is t e m de n t ro e
f ora de u m t e m po d e t e r m in ad o, e p os s ibi lit am o co n h e c im e n t o do m u n do ,
p ois c om o a firm av a e b e m, Pon t e s de M iran d a, se m p re q ue ,

[...] na afirmação do mundo, somente atendemos aos termos, aos


constituintes, e abstraímos dos laços das relações, dos advérbios e
das preposições, procedemos a uma rarefação do que se nos dá,
somos vítimas do falso realismo dos substantivos e dos adjetivos45,
[acrescentamos nós] construídos na fabricação do cultural cotidiano.

E ss as re laç õe s é qu e p od e m s e r su bs t a n tiv as ou adj e t ivas da r e ali ­


d ade 4 6 ( a re laç ão p rimá ria n at u re za /c u lt ur a é s e m pre s ub s ta n t iva) qu e
j ulgam o s c on h e c e r, o u q ue po de vir a s e r obj e t o de c on h e c im e n t o.
S ão s u bs t an t iva s , qu an d o n om e ia m, de s ign a m e vin c u lam se re s ab s­
t rat o s ou c on c re t os , o co n ju n t o d as c ois a s ou pa rt e s de las , s e u s e s ta do s e
a çõe s qu e p od e m s e r ob je t os , o u s e n t im e n to s , f e n ôm e n os e de m ais ; a o
re vé s , s ão ad je t iv as as re laç õe s d e riva da s da re laç ão prim ária qu e m od i ­
f ic am -n a a tr ibu in do -lh e u m a qu alid ad e , ou u ma e x t e n s ã o qu an t i t a tiv a; to da ­
v ia , o bs e rve - se qu e ( as re laç õ e s adj e t ivad as ) po de m s e r su bs t an t iv a d as s e m ­
p re qu e o c up e m o s t o poi da s re la çã o orig in ais co n s t it ut iv as .

43
Predicado em sentido lógico, vale dizer, termo relacional ou conjunto de termos que lhes
são atribuíveis, através de uma proposição afirmativa ou negativa; predicamento em
sentido classificatório de características comuns que lhe são atribuíveis.
44

Por verossimilhança queremos expressar a coerência estabelecida desde um nexo entre


fatos, idéias ou instituições determinantes de um estado. No caso, necessidades e deman­
das que são esboçadas em dado cronotopos.
45

PONTES DE MIRANDA, op. cit., p. 66.

46
Por “realidade”, entendemos aqui, tudo o que é constitutivamente material ou repre senta­
ção desta materialidade, aquilo que existe de fato, relativo aos bens e às pessoas
individualmente ou relacionadas, independentemente do sujeito que interroga. Desde aí, o
real é o que em cada momento se faz e se desfaz, ou o que está feito, completo, e nada
lhe falta
27

S ão ad je t iv as q ua n do in t e rv ê m n a s re la ç õe s s u bs t an t iv as (p rim árias )
p ara aj u n ta r-lh e s um a qu alid ad e , u m a e x t e n sã o ou ain d a, u m a qu an t id ad e
à qu ilo q ue a re laç ão su bs t a n tiv a s ign ific a.
A cla rad os p ois o s te r mo s da s re laç õe s , n e s t a d is se rt a çã o, va m os t ran ­
s it ar por d ois mu n d os ; m u n do s q ue e x pre s s am u m a rac ion alid ad e m u lt idi ­
m e n sio n al. Do is m u n do s, div idid os t ão- só para o bs e rvá -los .
U m m un d o d os fat o s , qu e se c on s t it u i n a so m a de t od os os e ve n t o s d a
n at u re za c o mo se d ão, e u m mu n d o da c u lt ur a, c om s ua s m at riz e s ( c o n ) ­
f orm ado ras da v ida s o cia l.
E squ e m at ic am e n t e as s im po de m s e r obs e rv ado s :

do s f at os  so m a do s e v e n to s
M un d os
d a cu lt u ra  ma t rize s ( co n ) fo rma do ras

- o h om e m e a m u lh e r
á nt h ro pos - a re a lida de in div idu al
- a n at u rale z a h um an a p rimo rd ial.

- a so c ie dad e
interativo dos
D os f at os  so m a do s e v e n to s ethos seres humanos
- a re alid ade c ole t iv a
- o po vo, a n aç ão , o E s ta do
- o e s pa ço n a n a t ure z a
o iko s - o a mb ie n t e d e v ive r
- o t e rrit ó rio e a ca s a

R elig ião : o s ac ro e o pro fa n o


E st é t ic a: o be lo e o fe io
É tic a: o be m e o m a l
C iê n c ia: verdade e erro
D a c u lt ura  m at riz e s D ire it o : ju s t o e in ju s t o
Polít ic a: ord e m e de s o rde m
E co n om ia: út il e in út il
[. .. ]
28

E ss e s do is m u n do s, div idid os ape n a s pa ra an alis á -los co n s t it ue m u ma s ó


re alid ad e 4 7 s u bs t an t iva , e n e la n os in co rpo ram os e , d e la, d e riva m as re laç õ e s
a dje t iva s: o n at u ral e o c ult u ral.
O n a t ura l, c om o in d i ca a e t im o logia , é aqu i lo qu e é d ad o ou
c on s t ru ído pe la n a t ur e za. O c u lt ura l, re v e la-s e n o s uj e it o in t e r rog an t e qu e
c on s t rói, t ran s fo rm a ou mo dif ica s e u pad rão c o n sc ie n c ial de ape r ce pç ão 4 8
d a n a t ure z a.
Qu an do ac im a a firm am o s so m a d e e ve n t o s , p or e v e n t o e s t am o s n os
re fe rin d o ao qu e a co n t e ce n u m e s pa ço e t e m po d ad os , is t o é , n um c ron o ­
t opo s de fin id o o u de f in íve l, e q ue s e d e s co bre c om o d obra do , e n ro d ilh ad o
n e s t a me s m a d ime n s ã o e s pac iot e m po ral.
A s sim , n o do m ín io h e u ré t ico d a an t ro pop at ia, vale d ize r, d a c on d içã o
h u ma n a, e n c on t ra- se o h o m e m e a m u lh e r, in div idu alm e n t e c on s id e rad os
c om o s e re s h u m an o s e m s e u as pe c t o bio -m or foló gic o, d ot ad os d e f ac ul d a­
d es de ab st ra çã o e g e n e raliz aç ão, e c o m c apa cid ad e p ara pro du z ir u m a
lin gu age m art ic u lad a, e n f im d e e x p re s sa r s u a n at u re z a prim ord ial.
N o do m ín io h e u ré t ico do é t h os ( ε θος ) s e re fle t e u m c on j un t o de co s ­
t um e s e h á bit os f u n dam e n t a is n o â mb it o d o c o mp ort am e n t o de gran d e
e s ca la, q ue n ão d iz re s pe it o a o s e r in d i v id ua l, m as an t e s ao c ole t iv o de
s e re s . E s t e έ θο ς é so c ial e s ign if ica n os s os h áb it os , co s t um e s , t rad içõ e s , e m
o ut ras p alav ras , n os s o mo do d e viv e r e m c on ju n t o 4 9 . A pa re ce co m o re a ­
lida de co le t iva , qu e se v ai mo lda n do no par, na tr ibo, no po vo, na
s oc ie da de e n o Es t ad o.
N o do m ín io h e u ré t ico do ó ikos ( ο ίκο ς ) e n c o n tr am os o h om e m e a
m ulh e r c e n t rad os e m s u a ca s a ( o iko s ) , va le d ize r , ime rs o s n o p lan e t a c om o

47
Não esqueçamos, por “realidade” entendemos aqui tudo o que é constitutivamente mate ­
rial ou representação desta materialidade, aquilo que existe de fato, relativo aos bens e às
pessoas individualmente ou relacionadas, independentemente do sujeito que interroga.
Desde aí, o real é o que em cada momento se faz e se desfaz, ou o que está feito,
completo, e nada lhe falta.

48
A expressão apercepção – apperceptio, onis, foi criada por Leibniz, e foi utilizado por ele
no sentido de consciência das próprias percepções; e. g., a percepção da luz, ou da cor
que é composta de pequenas percepções que anotamos: apercepção. Um ruído que
percebemos mas que não damos atenção, todavia se crescer de volume torna-se aper­
ceptível. Os animais têm percepções mas não têm apercepções porque as apercepções
são próprias dos homens, já que suas percepções são acompanhadas pela potencia de
refletir. A atividade intelectual é, consequentemente, uma atividade dominantemente
aperceptível, pois conduz a que percebamo-nos como sujeitos perci pientes e assim nos
distinguimos da coisa percebida, empregamos essa capacidade em dimensão
essencialíssima, para definir com rigor ampla gama de representações as quais
emprestamos valor. Mais terde, Kant, vai empregar esta expressão para denominar a
autoconsciência subjetiva que se encontra na dimensão pura ou empírica do
conhecimento.

49
Atente-se que há outra forma de êthos (ηθος) revela o lugar em que estamos inte ­
riormente (Hesiodo, Opera et Dies, 167, 525; Herodoto, 7, 125; 1.15, 157; Aristoteles, Ética
nicomaquea, 1138a), que deu ήθική, feminino de ήθικός. Ética, Ético.
29

s e u e s paç o d e ( c on ) v ive r, ta l e s t a do pe r mit e o s u rgim e n t o da t e rrit o ­


rializ aç ão do s e r h u m an o , e o s e u c on s e qü e n t e c om p or t am e n t o c o m re laç ão
à n at u re za g loba l; e , é c om e la qu e o se r h u m an o a pa s sa c o mp art ir c o m o s
d em ais s e re s c o n st it u t ivo s d o bió t ico e d o abió t ico a bios f e ra.
E ss e s do mín io s d e de s c obe rt a s, de in ve n t o s e de e n c on t ro s , po r c e rt o ,
n ão e x is t e m se p arad am e n t e . Es t ão t ram a do s n um t e c ido ú n ic o qu e v e s te o
f en ô m e n o s ub st a n cia l d a vid a.
N e s t e m u n do d os fa t os , re p re s e n ta do s p or t od os os e ve n t o s c om o s e
d ão n os âm bit o s d o á nt h ro pos , do é t h o s e d o o iko s , s e ide n t ific am os lim it e s
d o s e r qu e co n t e m pla e in te r roga a s u bs t an c ialid ad e d a n at u re za p e rs pe c­
t ivad a de s d e o mu n d o c ult u ral.
O m u n do su bs t a n tiv o d a cu lt u ra é o lug ar on d e s e pro ce s s am os fa to s
d a cu lt u ra s o bre ja ce n t e s a os e v e n t os d a n at u re z a, e s t á c on f orm ad o por
m at riz es da s qu ais e le g em os , co m o as ma is im po rt an t e s (o u t ras e x ist e m ) , s e ­
g uin do a t a x in om ia pon t ia n a: re ligião , e s té t i c a, é t ic a, c on h e c im e n t o, dire it o ,
p olític a, e co n om ia , m od a 5 0 .
E st as m at riz e s s ão o s in s t ru m e n t o s qu e at u am n o co n t e x t o ( e s pac io­
t e m pora l) n a t ure z a/ c ult u ra e pos s i b ilit a m a ad apt a çã o da s re la çõ e s in t e r-
h u ma n as h av ida s n os c írc ulo s s oc iais ( e m e rge n t e s as r e laç õe s ad je t iv as :
n at u ral e c u lt ura l) , d ot ad as de u m q uan t u m de de s po t ism o e d e u m f at or de
e s t abilid ade , s e gu n do u m a ord e m q ua lific at iv a próp ria de c ada m a t riz : o
s ac ro e o pr ofa n o, o be lo e o fe io, o be m e o m al, a ve rd ade e o e rr o, o ju st o
e o in ju s to , a o rde m e a de s ord e m , o ú t il e o in ú t il, o us o e o d e s us o , e t c . 5 1 ,
q ue r e me t e m e s t e m e s m o s e r à f ron t e ira de s t e m u n do .
Lim it e e fr on t e ira , n od u s 5 2 re fe re n c iais d o s e r. O lim it e ap ort a a id é ia de
e x t e n s ão e s pac ial, m as n ã o s ó, prov ê , t am b é m, a idé ia d e d u raç ão n o
t e m po, e s t á n a t ole râ n cia de um a t e n sã o p sic o lógic a e , p ois , n o e x t re m o,
is t o é , s it u aç ão- limit e . Já fro n t e ira, n a p e rs pe c tiv a d o adj e t ivo f ron t e iriç o,
a tribu in d o-s e -lh e e m e x t e n sã o o s ign if ica n do d e a qu ilo qu e e s t á po s t o e m
f re n t e . . ., as s im c om o , n a s u bs t an t iva çã o de e s paç o in t e rs t icia l e n t re lim it e s .
N e s t e m o do s u bs t an t ivo de re laç ão – n at u re z a e c u lt ura c o mo e x pre s ­
s ão d e u m a s ó re alid ad e – re ve la -s e o mu n d o e m q ue viv e m os , m a s n ão é o

50
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C., Introducção..., 1926, p. 235

51
PONTES DE MIRANDA, op. cit., loc. cit.

52
Aqui empregamos a expressão latina no sentido mais puro de “entrelaçamento”.
30

m un d o on d e e x is tim o s 5 3 . M un d o c o t idian o , du al, re s u lt ad o d a a dje t iv aç ão


d es t a re laç ão prim ária .
N e s t e m u n do a dj e t ivo in t e re s s a o n at u ral 5 4 e o cu lt u ral, qu e s ão pro ­
c es s o s qu e ge ram p rod u to s : n a t ura is e c u lt ura is . Es t e s pro du t os p od e m s ub s ­
t an t iva r r e laç õe s adj e t ivas , co n fo rm an do n at u re zas e cu lt u ras de s d e r e laç õe s
in t e rs ub je t iva s e s pa cio t e mp ora is be m de f in ida s 5 5 .

1. 2 – A r el ação adj et i va nat ur ez a/ cul t ur a

O s ad je t ivo s , n o s e n s in am as g ram át ic as , s ão se m p re pro ce s s os d e ri v a­


t ivo s d e s u bs t an t iv os qu e a tr ibu e m qu alid ad e , e x t e n s ão o u qu a n tid ad e a o
q ue n o m e iam ; s ão , p or is so me s m o , e s s e n cia lme n t e fu n c ion a is . Ele s de m o n s ­
t ram a re ve laç ão da ap e rce p çã o de fe n ô m e n os qu e e x e r ce m fu n ç õe s qu e
s e rve m de im pu lso s e ge ra m n e c e s s idad e s c o n t e x tu a lme n t e c on f ron t ad os
c om a r e laç ão s u bs t an t iva .
O m u n do do n a t ura l e d o cu lt u ral é mu lt ívo c o e m o lt í v olo 5 6 , d ivi s ív e l
p ort an t o, e p or ve z e s .. . im pe rt in e n t e . 5 7
N e s t e m u n do e x is t im o s.
N e s t e m u n d o a gim os e re agim o s, e s ta be le c e m os circ u it os de re aç õe s ,
n at u rais e c ult u rais , qu e c on f orm a m n os s os de s e j os ou n e ce s s ida de s .
A ad je t iv aç ão da re la ç ão s u bs t a n tiv a n a t ure z a/ c ult u ra prod u z o
n at u ral e o c u lt ura l. A s re laç õe s h a vida s e n t re os in d ivíd u os ( s u je i t os d e t ran s ­

53
Aqui distinguimos, arbitrariamente, viver de existir apenas para marcar bem o que é do
mundo substancial e o que é do mundo adjetivo. Assim, viver é estar presente e perdurar,
em sentido amplo ocupar um espaço neste mundo, habitar. Por existir, queremos revelar um
extensão consciencial nesta ocupação do mundo, um processo intersubjetivo onde
estamos presentes e participamos como realidade subjetiva particular, pois ao existir, o ser
humano intervém no mundo da vida, uma “região da realidade na qual o homem se
empenha e que pode modificar quando nela opera” (cf. Schutz, Alfred, The Structures of
the Life-World, Evanston: Northwestern University Press, 1973, p. 3).

54
Atente-se que o natural, no sentido utilizado, não acolhe o impermisto.

55
É neste espaço relacional: natural ou cultural que são gerados produtos. Produtos
culturais são, portanto, derivações da relação natural/cultural, são múltiplos relacionais com
as características de densidade específica preponderante de cada termo da relação:
natural ou cultural. O peso específico dos produtos culturais está medido pela maior
preponderância do natural ou do cultural que lhes integram. A linha de interseção dessas
duas grandezas lhes imprimem a identidade; neste aspecto, os produtos culturais sempre são
resultado de proporcionalidades estabelecidas pela causa-razão da matriz constituidora.
Retornaremos ao tema ao tratar do direito como produto cultural.

56
Multívolo pela polissemia que lhe é emprestada, múltivoco pela série de representações
que atribuímos em nosso “olhar”, “perceber”, “entender” e “admirar”.

57
No sentido de faltar com a pertinência, isto é, não parece apropriado ou recolhido a sua
finalidade, por déficit de nossos sentidos ou representações.
31

f orm aç ão) , as so c ie dad e s e o m e io a mb ie n t e , s ão a dje t iv aç õe s da re la çã o


s ub st a n t iva n at u re z a/ cu lt u ra.
C ome ç am c o m as re pre s e n t aç õ e s qu e s e e s t abe le c e m , c o gn it iva ­
m e n t e , e n t re n at u re za/ c u ltu ra e as a dje t iv aç õe s d ai re s u lt an t e s c on f orm am o
n os s o co t idia n o; re la ç õe s e s t as , qu e e m e rge m d as c on d içõ e s m at e riais d e
p ro d uç ão e da s n e ce s s id ade s d e m an d ada s , a gre ga da s a e s pe c if ica do s
s ist e m a s e co n ôm ic os e p olít ic os v in cu lad os a s ca rac t e rís t ica s loc ais e g lo ­
b ais , in s c rit as n a b iod iv e rs idad e , e s paç o ge og ráfic o e s ua s co rre s po n d ê n ­
c ia s , e das c o n di ç õe s s oc io- cu lt u rais , aí in c lu ída s: as re laç õe s c om a
n at u re za n o âm bit o d a de p e n dê n c ia, d o d om ín io, do a fe t o , e t c. , o qu e
im plic a n o e s tu d o an a lític o d e s t as re pre s e n t aç õe s e c re n ç as .
32

2. A REL A Ç Ã O N A T URA L / C UL T URA L E O A M BI EN T E

[...] En nuestra cosmovisión maya, cada pueblo, cada cultura,


es el espejo del mundo natural en el que vive. Nadie puede ima ginar
a un oso polar en la amazonía como es difícil imaginar que el pueblo
Masai se traslade a Groenlandia. La diversidad cultural es el espejo
de la diversidad natural. La Creación es la unidad de la diversidad
en donde coexisten todas las vidas en armonía. Cada vez que se
arrasa un bosque, se violenta una forma de vida, se pierde una
lengua, se corta una forma de civilización, se comete un genocidio.

Rigoberta Menchú Tum58

C omo t rat a m os da re laç ão n at u ra l/c u lt ura l e am bie n t e , t o rn a-s e


n e ce s s ár io afir ma r a im p e rios a re fu t aç ão qu e f az e mo s d e to da s a s c is õe s 5 9
d o pe n s am e n t o qu e in t e rrog a. O fra cio n am e n t o ope r ado pe la s cis õ e s, c om o
t al, f ragm e n t a t am bé m o o bje t o c in did o, im plica n d o d iale t ic am e n t e s e n t ido s
m últ iplo s 6 0 .
A s c is õe s im plic am d u alis m os . D ua lis mo s d o pe n s a me n t o e d o ob j et o
p en s ad o. D ua lis mo s n o plan o do e s pírit o ( m e n te ) e do c orp o. S e po de p e n sa r
o u “im a gin ar” os d u alis m os , co n v e rg en t e s ou n ã o c o m as n os s as re ais -v irt ua ­
lida d es 6 1 , e ss e s d u alis m os , a m aio r pa rt e de le s d e o rige m c art e s ian a, e s t ão
n a cis ã o in t e rior d o s uj e it o; e n t re o s s u j eit o s d o e n u n cia do q ue n ão p e rm it e m

58
Rigoberta Menchú Tum, Prêmio Nobel da Paz, na Sessão Inaugural do Foro Global
Ministerial del Ambiente, 7ª Sesión Especial del Consejo de Gobierno del PNUMA,
Cartagena, Colombia, 13 de Febrero de 2002 , La diversidad cultural es el espejo de la
diversidad natural, in, Revista Memória, 1.o de junio 2002, podendo ser consultado na
INTERNET através do seguinte endereço: www.rebelion.org/cultura.htm

59
Cisão, vem do perfeito excido (-is, excidi, excisum) que é cortar, separar, passando por
scissio, corte ou divisão. A derivação, por scindo, deu escindir, rescindir, prescindir... Por
isso mesmo, a cisão está no corte que aparta, isola, separa e incomunica. Por outro lado, é
verdade que grande parte de nossos discursos são feitos de cisões, são elas como
“cancros” dos sentidos, agregadas em expressões cujos significantes são para nos irrenun ­
ciáveis.

60
Caso representativo de cisão está no “tempo”. Tempo é cisão. Se cinde em dois fluxos
identificáveis: um que conserva o pretérito e outro que coleciona todo o pre sente e está
presente também em um virtual futuro. A cisão que é o “tempo” se percebe na “ imagem
cristal” (no espelho) como já revelaram Deleuze e Guattari: “[...] La imagen cristal no era el
tiempo, pero se ve al tiempo en el cristal. Se ve en el cristal la perpetua fundación del
tiempo, el tiempo no cronológico, Cronos y no Cronos. Es la poderosa Vida no orgánica
que encierra al mundo” (DELEUZE, G., E GUATTARI, F., La imagen tiempo. Buenos Aires:
Paidós, 1985, p. 114). Recorde-se, os sonhadores vêem o surgir do tempo, seu desdobrar-se
e cindir-se e calam (isto é, penetram e chegam a compreender o motivo, razão ou segredo
do continuum temporal). Bergson apontava que a cisão do tempo não chega nunca até o
seu final. O cristal vive justo no limite em que o passado já não é senão virtual, e o futuro
imediato não o é ainda. Na imagem cristal, o virtual e o atual são quase indiscerníveis.

61
Entendida como “o concreto de nossas potencialidades”.
33

c er rá-lo s , e um s u je it o de e n un c iaç ão qu e é s u bt ra ído a d úv ida : “e u


p en s o” ? 6 2 .
Por is s o, de s d e u m a pe rs pe c t iva qu e n ão c in d e o u f ragm e n t a a
re laç ão s ub s t an t iva n at u re za /c u lt u ra, s ó p od e mo s an a lisa r o “am bie n t e ” e a
raz ão qu e lh e e s t á in c ru s t ada at ra vé s do e x am e d e s s a m e s m a re la çã o a dje ­
t ivad a, ist o é , o n at u ral/ c u ltu ra l.
C on sid e ran d o qu e de s d e a a dje t i v aç ão d a re laç ão b ás ica , n at u re z a/
c ult u ra, o am bie n t e é u m be m n a t ur al/ cu lt u ral ju ridic am e n t e t ut e la do , c om
e s t a af irm at iva , du as po de m s e r a s op çõ e s de e n t e n d im e n t o d e s ta t u t e la:
u ma , a pro t e çã o d a r e la çã o, ad je t iva , n at u ral/ cu lt u ral, e n qu an t o u m be m
d o e p ara o s e r h um a n o; e , ou t ra, e n q uan t o u m b e m pr óprio de s t a re laç ão 6 3 .
A prim e ira , e s t á a s e v e r, d e m at riz n it ida m e n te an t rop oc ê n t ric a, ou
c om o diz o ju ris t a por tu gu ê s , J os é Cu n h al Se n d im , u m a vis ão

[... ] unidimensional e puramente instrumental da natureza que


tem vindo a fundamentar dogmaticamente o Estado de Direito Am­
biental e que serve à generalidade das decisões jurídicas e
econômicas susceptíveis de ter incidência ambiental64.

A s e gu n da , t e m u m h o rizo n t e m ais lar g o, já vê o s u bpro du t o da re la ­


ç ão n a t ur e z a/c u lt ura , o a m b ie n t e , c om o s uj e it o , at ribu in do -lh e u ma
65
d ig n idad e a ut ôn o m a c om o t e m proc lam ad o Han s Jo n as , é u ma vis ão
e co c ê n t ric a, po is c o rre s pon d e a u m a

[...] consideração valorativa do Homem enquanto parte inte grante


da Natureza. O princípio antropocêntrico é substituído por um prin ­

62
Por isso, Gilles Deleuze dizia que em toda a série de dualismos cartesianos: alma-corpo,
pensamento-extenso, enunciado-enunciação, o único notável e a única pergunta está em
que esse não é o último aspecto, ou a dualidade dos sujeitos do enunciado e dos sujeitos
da enunciação, ou, uma vez mais, sujeitos de enunciado do tipo “eu caminho”, “eu
respiro”, “eu imagino”, sujeitos de enunciação “eu penso”, vale dizer, não é essa dua­
lidade que vai informar todos os dualismos da reflexão, e todos os outros dualismos das
substâncias, corpos, etc.?” Essa pergunta faz pensar...

63
Cf., excelente estudo em CANOTILHO, J. J. G., Procedimento administrativo e defesa do
ambiente, in, RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência, Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, n.o 3794/3799, pág. 290, compulsada na Biblioteca da Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra (2003).

64
SENDIM, J. C., Responsabilidade civil por danos ecológicos. Da reparação do dano
através da restauração natural, Almedina, Coimbra, 1998, consultada na Biblioteca Central
da Universidade de Coimbra (2003).

65
Cf., JONAS, H., El princípio de responsabilidad. Ensayo de una ética para la civilización
tecnológica, Herder, Barcelona, 1995, págs. 34-35, 140, 227-232, 302, 338-341.
34

cípio biocêntrico, não no sentido em que o valor Natureza se substi­


tuiu ao valor do Homem, mas sim no sentido em que o valor radica
na existência de uma comunidade biótica em cujo vértice nos
encontramos66.

2. 1 – O nat ur al e o cul t ur al com o ant í s t r of e do am bi ent al

A re laç ão n at u re z a/ cu lt u ra a dje t iv ad a pe lo n at u ral e pe lo cu lt u ral


f re n t e as re laç õe s in t e r-h u m an as qu e s e de s e n v olv e m n o a mb ie n t e ( n e s t e
“lu gar d e e n c on t ro ”, co m o pre f e rimo s d e n om in a r) f un c io n a co m o an t ís t rof e
c on s e q üe n t e 6 7 .
A s sim , o n at u ral do am bie n t e e o a m bie n t e do n at u ra l, o c ult u ral do
a mbie n t e e o a m bie n t e d o c u ltu ra l, e x pre s s am s e n t id os be m d is t in t os e , ao
m e sm o t e m po , re ple t o s d e sig n ific aç õe s co m un s a e s s as c at e g oria s .
O n a t ura l d o am bie n t e ce rt am e n t e t e m u m se n t id o div e rs o de o
a mbie n t e d o n a t ur al, m as e m a mb as e x pre s s õ e s o n ú c le o é s e m pre sig n i ­
f ic at iv o d e u ma raz ão in t e n s a s u bja ce n t e : a in e c in dív e l re laç ão s u bs t a n tiv a
n at u re za /c u lt ur a.
D o m e s m o m o d o, n a e x pre s s ão : o c u lt u ral do a mb ie n t e e o am bie n t e
d o c u lt u ral, o co rre a me s m a t e n s ão s u bj ac e n te d a re laç ão s u bs t an t iva . A
im port â n cia da an t ís t rof e está nos limit e s q ue imp lica m um a e ou t ra
e x pre s s ão p ara n os s o s pro pó s ito s .
Por ta n t o, o n at u ral d o am bie n t e , vale d ize r, a n a t ur e za qu e e s tá
a dje t iva da no a mb ie n t e , q ua lific an d o-o , re ve la -s e co m o a s um m a ou
t ot alid ad e d e fo rça s e x is t e n t e s n o u n iv e rs o.
Já o am bie n t e do n at u ral , is t o é , a n a t ure z a qu e e st á n o adj e t ivo
n at u ral re ve la -s e n o am bie n t e co m o u m c on j un t o d e part ic u larida de s de um
m e io n at u ral e h ist ó ric o e m qu e s e s it u am as aç õe s ge rad as pe las le is
in s crit a s n a n at u re z a.
D e m o do igu al, o c ult u ral do am bie n t e , v ale d ize r, a c u lt u ra qu e e s t á
a dje t iva da n o a mb ie n t e , m o dif ica o se u s ign if ica do ac re s c en t a n do -lh e u ma
c arac t e rís t ica pe c ulia r: a s is t e m at ic idad e , ist o é , pre t e n d e qu e t od os o s
e n u n cia do s am bie n t ais e s t e ja m re lac ion a do s e n tr e s i de f orm a co e re n t e
( re co rd e mo s a a dv e rt ê n cia e in s t e in ian a : “ D eu s n ã o jo ga d ado s ” ), d e mo do
t al qu e , t od os ju n t os , co n s t itu a m u m a un id ad e o rga n izad a.

66
SENDIM, J. C., Responsabilidade..., pág. 94.

67
Lembremos que o substantivo antístrofe revela uma figura estilística de grande impor ­
tância na comunicação das idéias. Através dela diferenças de sentidos são encontrados
utilizando as mesmas palavras só que invertendo-lhes a ordem, os exemplos clássicos são: a
Arte da Matemática e a Matemática da Arte, ou a Filosofia da Miséria e a Miséria da
Filosofia.
35

Já o am bie n t e c ult u ral, vale d ize r o s u bs t an t ivo c u lt ur a qu e e s t á n o


a dje t ivo c ult u ral re ve la -s e n o a m bie n t e on d e se dá o m un d o cu lt u ral
a dje t ivo , is t o é , a e d u ca çã o, a p olít ic a, o dire it o , a e c on o mia , a o rga ­
n iza çã o s o cia l, a s art e s , e t c. , qu e s e c on s t ró e m a pa rt ir da t ran s fo rm aç ão da
re laç ão s ub s ta n t iva ( n at u re za/ c ult u ra) e , e m qu e a c ada m o m e n t o h is t ór ico ,
s e a pre s e n t a co m o dis t in t o e qu e tr at am o s d e c om p re e n de r e in t e rpre t ar.

2. 2 – O nat ur al e o cul t ur al da l i nguagem e o am bi ent e

A qu i t a m bé m a a n t íst ro fe é valio s a: o n a t ur al da lin gu ag e m e a lin gu a­


g em d o n a tu ra l, o c ult u ral da lin gu age m e a lin g ua ge m do c ult u ra l, re la cio ­
n ad os co m o a m bie n t e e m qu e se d ão e x pre s s am dif e re n t e s s ign if ic ad os .
T od os , n o e n t an t o , t ê m co m o n ú c le o c om u m : u m c on j un t o fo rm al d e
s ímb olo s que o bje t ivam c om u n ica r id é ias ou s e n tim e n t o s a tr avé s de s in ais
s on o ros , g ráf ico s , ge s t u ais , e t c . , art ic u lado s s is t e m at ic am e n t e .
A qu i pre c is am os f az e r ju s t iça a H e ge l . Para e le , a lin gu ag e m fu n d a­
m e n t a a “idé ia d e c u lt ur a”, vale d i z e r, a o bra d o Es pír ito fre n t e à N at u re za ,
s us t e n t ad a p e la in t e rio riza çã o d a I dé ia qu e é o Es pír ito . Por is so , a lin gu a ge m
p ara He g e l s e e s co n de o u s e m os t ra n o E s pírit o . P od e mo s ve r iss o bre v e m e n ­
t e n a F e n om e n o logia d o E sp írit o: “[. .. ] Pois a lin gu ag e m é o s e r a li do pu ro s i
m e sm o , co m o s i m e s m o; e le e n t ra n a e x is t ê n c ia d a s in gu lar idad e qu e é p ara
s i da au t oc o n sc iê n c ia co m o t al, de t al mo do qu e é p ara o u t ros ” 6 8 .
A s sim , n os e n co n t ram os fre n t e a alg o e m q ue o s u je it o s e re co n h e c e
c om o t al; ade m a is, co m a c o n diç ão d e e x ig ir a p re s e n ça d os ou t ros ( qu e
in va riave lm e n t e ac aba m t am b é m re c on h e c ido s ) n e s t e lu gar de e n c on t ro .
Por e s te fu n da me n t o , a e x is t ê n c ia d a lin gu a g e m viria a s e r o in s t ru ­
m e n t o qu e – at ra vé s da c om u n ic aç ão e da c om pr e e n sã o – põe e m c o n t at o
o e u c o m os o u tr os , vin c ula , ao me n o s , du as c on s c iê n c ias , n um m o vim e n t o
q ue f az a c o n sc iê n c ia s air d e s i m e s ma p ara qu e n ão d e ix e d e se r e la
m e sm a .
A t e n t e -s e qu e ao “s air de s i” a c on s c iê n cia – at ra vé s d a lin g ua ge m –
d es ap are c e e s t e e u e , c om is s o , p os s ibilit a pe rm an e c e r n a s u a “un iv e rs a ­
lida de ” 6 9 ; co n t ud o, o “d e sa pare c e r” é u m “e n c o n tr ar-s e ” ad qu irin do um t ipo
e s pe c ial d e ide n t id ade , o bje t iv a e u n iv e rsa l. Re s u lt a q ue a pa lavra n os

68
HEGEL, G. W. F., Femenología del espíritu. México: FCE, 1996, p. 300 (destaque do autor,
no original)

69
Cf., op. cit., p. 300
36

im bric a n u m a re d e c om u n ic at iva a qu e p e rt e n c e m os e q ue n os po s s ui. E is t o


s e d á n u m “lu ga r d e e n c o n t ro” , on d e s om os o/ c om am bie n t e .
É at rav é s da lin gu age m , da art ic u laç ão do pe n s am e n t o, q ue s e d á a
a pre e n s ã o c og n it iva do qu e de n o m in am os re a lida de , u m a re alid ad e qu e
c on f ro n t am os n o e n c on t ro .
E st a é u ma c ap ac idad e ou fac u lda de h um a n a qu e c on t ra s t a co m
o ut ra fu n ç ão , a d os se n t id os e d o in s t in t o, d irigid a a ca pt aç ão d e pe rc e p ­
ç õe s im e d iat as e n ão re f le tid as do m u n d o e x t e rior. To da via, n o s e u c on j un t o ,
e s sa s t ípic as c arac t e rís t ica s h u ma n as d ão- n os c om o re s ult a do a “r az ão”
a mpla me n t e c on s ide r ada .
A dv irt a-s e , c on t u do , so bre q ua l raz ão n os e s t am o s re fe rin d o. N ão e s t a­
m os n os re fe rin d o ao c o n ce it o d e “ raz ão o cid e n t al” – de s t a t rat a re mo s m a is
a dian t e – re f e re n cia da a d e n om i n a da “civ iliza çã o o c id e n t al” qu e t ão be m
re fe riu Us lar Pie t ri qu an d o as s in alo u :

[civilização que] se formó entre las riberas mediterráneas y las selvas


germánicas del norte de Europa y que se extendió luego no sólo a
toda Europa y América, sino que entró en contacto, como elemento
dominador e influyente, con todos los pueblos y civilizaciones del
resto de la tierra, que de ella recibieron e incorporaron ideas y
técnicas. Es decir, vino a ser la más universal de todas ellas70.

E st am o s p e n sa n do “ razã o” c o mo cá lcu lo, pro porç ão , c om o s is t e m a


d eriv ad o da a rt icu laç ão “lin gu age m + c on s c iê n cia ”. U m e s p aç o m e n ta l
o nd e a a pre e n s ão c ogn it iv a e s t á d e m ão s da das c o m o in s t in t o e co m a
e m oç ão , on d e os se n t im e n t o s t ê m o im port a n t e pa pe l de da r t o n ic idad e à
lin gu age m , on d e o s lo go i co n t ê m t od as as pe c u liarid ad e s d os se re s , e s ão os
a tribu t o s o n de os s e re s d ife re m , o n de s ão in e x t e n s o s, in div idu aliz ad os tã o-s ó
p ela m at é ria e m qu e in e re m ; ou , c om o c o m pro fu n d idad e se n t e n c iou Po n te s
d e M iran d a 7 1 :

[...] A razão esclarece, mas o instinto ilumina. Um é a lâmpada


com que se podem reconhecer os caminhos e saber quais as ver­
dadeiras estradas que se nos oferecem; ao passo que o outro é o
próprio carro da vida, a conduzir-nos, em trilhos certos, até ao
futuro... Um é imposição: outro, discernimento. Se um ensina, o outro
faz mais que isto: substitui-nos. Os nossos atos e os acontecimentos
exteriores têm causas que facilmente escapariam à nossa razão. Mas
os instintos são como os planetas: descrevem no espaço suas imensas
figuras geométricas.

70
PIETRI, U., Sumario de la civilización occidental. Caracas: Edime, 1959, p. 10

71
PONTES DE MIRANDA, F. C., A Sabedoria dos Instintos, in, Obras Literárias – Poesia e Prosa.
Rio de Janeiro: Liv. José Olympio Editora, 1960, p. 102
37

3 – DA RA ZÃ O M O DERN A – L I N G UA G EM E C O N SC I ÊN C I A : DA EXA UST Ã O DA


RA ZÃ O M O DERN A C O N DI Ç Ã O PA RA A RA C I O N A L I DA DE 7 2 EC O L Ó G I C A

[...] a razão é uma capacidade neurobiológica que a espécie


humana possui definida em sua bagagem genética [...] dentro de
seus limites naturais, desenvolvendo toda uma abstração que o
colocou assustadoramente adiante das outras espécies animais.

Gladson Mamede73

Pod e m os , c o m ra zo áve l ac e rt o, af irma r qu e t o da a aç ão h um a n a e st á


e m p e rma n e n t e c o n flit o c om f atic id ade s qu e n ão po de s u pe rar. A s sim , apre ­
e n d er a re alid ad e , po r um s e r h u m an o qu e o bje t iv a ir m a is alé m qu e o pre ­
s e n t e im e d iat o , m arc a u m pro c e ss o q ue c on s t it u i u m a t e n t at iva d e tr an s ­
c en d e r o “re al” . C on t u do , t od as as prát ic as f u n dad as n o pe n s am e n t o t e ó ­
ric o e s tã o e n c aps u lad as n os limit e s da a çã o de s s e s e r, s ão e s s e s lim it e s qu e
irão d e t e rm in ar as for ma s d o pe n s am e n t o .
O e s paç o in t e rst ic ial e n tr e lim ite s é oc u pad o p e la ra z ão ( u m a raz ão
f ro n t e iriça na e x p re s sã o de T rías 7 4 ) . Ma s , u m a “raz ão o cid e n t al” c om m ais d e

72
Aqui entendemos racionalidade como domínio consciente da realidade. Pensamos numa
racionalidade funcionalista que reconstrói a razão, pressupondo que certas práticas, apa ­
rentemente irracionais, podem ser inteligíveis quando se captam suas funções so ciais.
Construir modelos para dar sentido à realidade, por vezes caótica, sempre levando em
consideração que o real é um constructo, que talvez nunca alcance – apesar de ser
construída – uma conclusão, revela-se como soma e resultado do passado (totalidade). O
real hoje que se nos apresenta como verda deiro (um verdadeiro normativo que nos permite
entender e pactuar com o nosso tempo e nosso espa ço), amanhã será apenas parte de
outra verdade (própria de um novo espaço-tempo). Podemos, breve modo, distinguir dois
tipos de racionalidade ou de ações racionais: uma, de acordo com os fins e, outra, de
acordo com valores (em Weber: Zweckrationalität e Wertrationalität, respectivamente). No
primeiro caso estamos frente ao sujeito que define os fins que deseja alcançar e avalia os
meios para alcança-los, carrega consigo, o resultado da avaliação que fez, das condições
previsíveis da sua ação. Já no segundo caso, o sujeito credita-se num valor e por ele pode
dar a sua vida. Ao definir o valor ele age para concretizar o mesmo, independentemente
dos meios e das conseqüências. É o valor o “farol” que ilumina a sua ação. Assim, quando
um sujeito funda seu agir em um valor previa mente elegido sem que lhe importem as con ­
seqüências de sua ação, Weber apontava para uma “ética da convicção”; e, quando age
de acordo com os fins objetivados – o que implica ter consciência dos efeitos colaterais
derivados – assumindo os eventuais riscos e a responsabilidade pertinente, estamos frente
ao que, o mesmo Weber, denominou de “ética da responsa bilidade” (WEBER, Max, El Polí­
tico y el científico. Barcelona: Península, 1989, p. 69).

73
MAMEDE, G., Semiologia e Direito: tópicos para um debate referenciado pela animalidade
e a cultura. Belo Horizonte: Editorial 786, 1995, p. 24

74
Uma razão de um sujeito fronteiriço que acaba por revelar-se um sujeito narrativo: “ Entre
el ser físico y el metafísico, o entre el ser y la nada, o entre el sentido y el sinsentido, halla
el hombre su razón y su significación al constituirse como cópula y como disyunción. Y la
forma ética, o el imperativo ético (Llega ser lo que virtualmente eres, habitante de la
frontera del ser y del sentido), es lo que permite determinar la voluntad, y la consiguiente
acción, hacia el ajuste de la matriz humana con su plena consecución (o finalidad), que es
la vida buena que a la humanidad le corresponde ” (TRÍAS, E., Ética y condición humana.
Barcelona: Península, 2000, p. 63-64)
38

d ois m il e q uin h e n t o s a n os ! U m a razã o qu e t e m s e u p róprio ma pa ge n é t ic o,


s ua h is t ó ria, s e u de s e n vo lvim e n t o e s ua s in e v it áve is c on t rad içõ e s .
D es d e o a n ce s t re λ όγο ς dom in a do r ( e do m in ad o) do p e n sa m e n t o in i ­
c io u -s e – n a filo s o f ia o cid e n t al – o ca mp o s e m a s ioló gic o da ra zão , c u lm in an ­
d o c o m a “ra zã o m od e r n a ”, o n de ao largo d os s é cu lo s X V-X V II I s e proc e d e u
u ma “ re vo luç ão ” e x t rao rdin á ria, d e s de a “re v olu ç ão c opé r n ica ” in au gu ­
ran d o a “raz ão t é c n ic o-c ie n t íf ica ”.
I mpe r a, e n t ão, o le m a b ac o n ia n o: “c on h e c e r é pod e r” ( o q ue se
m os t ra, ain d a c o m vigo r, n aqu e le s qu e d om in am a t e cn o log ia c on t e m ­
p orân e a) .
A re d uç ão da re alid ad e ao po de r m a rca a a çã o h u m a n a co m o
o bje t ivo de do min a çã o d as f orç as d a n a tu re z a. A go ra a n at u re za , o m u n do ,
e s t á d e có c oras p ara o o n is c ie n t e agir h u m an o 7 5 , s it u aç ão q ue vai at in gir,
m ais t a rde , e m Ka n t, su a ple n it u de d e se n h a d a n u m a “raz ão p rát ic a”.
C ert am e n t e , é c om M aqu iav e l 7 6 qu e se d á o pri m e iro t ru n fo d a raz ão
m od e rn a n o c am po d a filo so fia p olít ic a 7 7 .
O “rac io n alis m o” s urg i do n a a lvo rad a d a I da de M o de rn a , t e v e po r
p re o cu p aç ão, e n c on t ra r as c irc un s t â n cia s qu e h avia m log rado c on s t it uir os
d iv e rs os re in os e x is te n t e s .
D e o u t ro la do , o s filó s of os e m piris t as d e s s a é po ca t rat a ram de an alis ar
a e vo lu çã o do E s t ad o a part ir d e u m a dia lé t ica d a h is t oria , qu e e x plica s se a

75
Cinde-se a relação substantiva natureza/cultura, com conseqüências que perduram até o
presente.

76
Niccolò Macchiavelli é considerado o pai da Teoria do Estado e da Ciência Política. De
origem florentina viveu entre os anos de 1469 e 1527. Sua principal e mais citada obra po lí­
tica é O Príncipe (mas vale a pena ler seu Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio e
Mandrágora, nesta última fica clara a noção já declarada em O Príncipe de que os homens
foram sempre e em toda parte os mesmos: “tristi”, isto é perversos, propensos ao mal,
ingratos, volúveis e sempre prontos a mostrar sua natureza vil e corrupta) que dedicou a
Cesar Borgia com a óbvia intenção de obter do mesmo, vários favores políticos. Maquiavel
utiliza pela primeira vez, a palavra Estado para referir-se as tiranias, principados e reinados
em que se encontrava dividida a Europa. Ao largo d’ O Príncipe, se evidencia que a
palavra Estado é utilizada em seu sentido latino statum que advém do verbo estare e cujo
significado se reduz a situação ou condição. O objeto de dito livro é compilar toda uma
série de normas políticas, organizadas conforme uma lógica que permitisse ao monarca
manter a situação que até então havia caracterizado seu poder, e mesmo, para aumentá-
lo e reafirmar sua soberania e presença na nação, sem necessitar modificar as condições
de seu regime de governo. Maquiavel procurava de monstrar que a moral não tem lugar na
política nem na arte de governar, e isto era importante saber para a manutenção no
poder. Maquiavel não se ocupa de definir o que se deve considerar como Estado, não
obstante, ele é o primeiro a utilizar a expressão para referir-se as organizações políticas da
baixa idade média, cujo poder era exercido em parte pelos reis e príncipes, e em outra
facção, por seus terra-tenentes, os senhores feudais.

77
Em O Príncipe fica bem desenhado o significado do poder e o papel que exerce o gover ­
nante de um Estado. Atente-se, que na Idade Media se havia sintetizado a idéia do Estado,
como a existência de uma ordem natural proporcionada por Deus aos homens. Dita ordem
era, em princípio, inquestionável e se acreditava que só se podia aceder a seu
conhecimento através de níveis de contemplação.
39

o rig e m e a p rax is do po de r do s gov e rn an t e s , para e n c on t rar u m a r e sp os t a


p ara a e x is t ê n c ia s oc ial 7 8 .

3. 1 – Um pouco de hi s t ór i a

N o de c o rre r do s s é c ulo s X VI e X V II , o ra cio n alis m o ap rox im a-s e do h e ré ­


t ico , n a f orm u laç ão po lític a, c om o a h e t e ro do x ia r e ligios a re pre s e n t ad a po r
Pas c al e o j an s e n is mo 7 9 . Se pe rs e gu e m a a mb os ; ad e m ais , To ma s M oro ( 1 47 8)
é de c ap it ado ; e m 15 35, Ga lile u ( 15 64 -16 42) é co n de n a do pe la In qu is iç ão ;
D es c art e s (1 59 6-1 650 ) , e m bu sc a d e m ais libe rd ad e , pre f e re e m ig rar para a
H olan da . A s ma t e m át ica s e s ob re t ud o, a fís ic a ao re f ut a r as c on c e p ç õe s
t e oló g ic as tê m t am bé m u m c arát e r pe rt u rba do r e s u bve r siv o.
O s é c u lo X VI I m arc a be m o de s e n vo l v im e n t o d a raz ão d e sd e pos t u ras
e m piris t as e ra cio n alis t as , e s t abe le c e n d o n o vo s fu n da me n t o s po r via e pis t e ­
m oló gic a e m e t af ís ica . A ss im , a p os t u ra e m piris t a vai ca min h a r pa ra f un d ar
u m tip o d e rac io n alida de q ue , e m o rde m e p ist ê m ic a, e le ge a n at u re z a
h u ma n a c om o fo co d e e s t ud o. A o rde m é te m a t izar o re a l c om o m at e rial
q ue o s s e n t id os pos s am of e re c e r.
A raz ão s e h u ma n iza e s u bje t iviz a n o d e limit a do e s paç o da e x pe riê n ­
c ia ; aí, o h u m an o d e igu al a igu al d o n ã o-h u m an o s e c on c re ta e s e s u bs ­
t an t ific a n a n at u re z a. A po s tu ra ra cio n alis t a e le ge a via d a m e t afís ic a da
raz ão para s ub s t a n tif ic ar o m un d o, a ss im , pro d u z d ife re n t e s pe rs p e ct iv as
m e t afís ic as : u m a o n to log ia e u m a e pis t e m olo gia; pos t u la-s e a e x igê n c ia de
u m d isc u rs o m e t ód ico ( De s ca rt e s ) .
S obre s s ai- se Sp in oz a ( 1 63 2-1 677 ) c om s u a É tic a, c u jo n úc le o re s ide n o
e s t abe le c im e n t o d e u m lin k e n t re as or de n s d as idé ia s e da s co is as , co m o
o rd e m da raz ão . L ogo , vai co n ce b e r u m a s u bs t ân c ia ú n ic a ( D eu s , siv i
N at u ra) c o mo pro du t o de u m a r ac ion aliz aç ão da “m e n t e ”, a se m e lh a n ça da
raz ão qu e re fle t e o pro c e ss o e a o rde m do m u n do .

78
Daí, as teorias do “contrato social” que pressupunham uma natureza humana investida
de direitos e poderes naturais, de modo tal que o “contrato” passa a ser celebrado entre
pessoas formalmente iguais. Todo o iusnaturalismo, emergente então, leva em consi­
deração um modo de “racionalização do Estado” – um racionalismo estatal – que faz com
que sob o domínio da lei – como norma do Estado – esse possa viver o racional,
fomentando-se à liberdade. É assim que a racionalização do agir humano se vincula a
organização política da sociedade. O que se vê, portanto, é uma renovada secularização,
onde Kant recupera a fórmula do contrato social como uma idéia regulativa. Para a
secularização do saber foi um passo, pro movida pela ciência que municiou, inclusive,
novas concepções políticas que, por sua vez, produziram a secularização do poder
simultaneamente com a do dever com assento na filosofia moral dominante

79
Diz-se do pensamento de Cornélio Jansenio (1585-1683), bispo condenado como herege
pela Inquisição, em seus princípios, ademais de negar o livre-arbítrio, estava como núcleo
a afirmação que a natureza humana era por si só, incapaz do bem.
40

A p e rs pe c tiv a e pis t e m o lógic a d o rac ion a lism o e s t a va im e rs a n um


m at e m at ic ism o vig e n te du ran t e p art e d o s é c u lo X VI e m e s m o d o X VII , on d e
s e c on s t ró i u m a id é ia de m at h e s is un iv e rs alis co mo um a m o ldu ra de s abe n ç a
a pt a a e n q ua dra r t o do o co n h e c im e n t o .
O s é cu lo X VI II – h e rd e iro d e De s c art e s – c on c re t iza c om a I lu s t raç ão o
t riu n fo d e ra cio n alis m o.
É o s é c ulo da ra zão co m s e u b rilh o a ilu m in ar a cre n ç a n a e v olu ç ão e
n o p rog re ss o . U m a n o va ord e m e s t á e m ge s t aç ão e c on f ron t a os id e ais
im pos t o s pe la I gre j a e p e lo E s t ado n o s é cu lo X VII . To da a c rít ic a a o a bs o ­
lu tis m o ( E s t ado e R e ligião ) se fa z n o n o me in s u s pe it o da ra zã o. P or t od o o
s é cu lo X VII I s e gu e o p arad ig m a da raz ão mo de rn a , mo m e n t o e m q ue at in ge
o s e u á pic e.
Pe n s ad ore s co m o Kan t 8 0 e He g e l 8 1 po n t if ic am .
C om o p e n sa m e n to h e ge lia n o d e c on s t it u içã o d a ra zão m od e rn a (q ue
a de n t ra o s é cu lo X I X , e ain da h o je pe rs is t e ) f irm a-s e o pro ce s s o a t ravé s do
q ual s e in t e n t o u am plif i c ar a razã o a t od o o s ab e r, d o pod e r e d o fa ze r,
e n ch a rc an do co m is s o t od as as dim e n s õe s da v ida .
C on clu i-s e um a e t a pa da h is t ó ria; e n t ã o, n a da m ais fic a de f ora ao
a dot ar- se a pe rs p e ct iv a d a t ot a lida de , dia le t ica m e n t e de m o n st ra da por um a
raz ão qu e s e bas t a a s i m e s m a, ou m e lh o r, qu e s e s abe c on s c ie n t e d e s i
m e sm a .

80
É desde Kant (1724-1804), pai do idealismo, e de sua “crítica da razão” que se impõe a
pergunta que fez: “Que posso saber?”. A resposta cinde o substantivo “razão” e o adjetivo
“racional”: aí está aberta a porta para transformar a crítica da razão moderna em meta ­
crítica. Todo o desenvolvimento posterior do pensamento de Kant – que aqui não podemos
ou devemos enfrentar – o leva pensar que, com a sua descoberta das leis uni versais do
pensamento, as estruturas do a priori asseguram a objetividade do conhecimento.
Contudo, quando faz a segunda e terceira perguntas: “Que devo fazer?” e “O que me está
permitido esperar?”, procura estabelecer os usos da razão: razão teórica e razão prática.
Se uma impõe suas condições para o conhecimento, outra estabelece as condi ções para o
agir.

81
É com Hegel (1770-1831) que se dá a marca completória da razão moderna. Com ele e
após ele se inaugura a filosofia contemporânea. Com ele altera-se a perspectiva da ra zão,
agora como razão dialética (Hegel, grande conhecedor do pensamento grego, dele muito
se aproveitou, certamente, muito de Heráclito, onde nos seus fragmentos já se delineia
uma “razão dialética” (cf. KIRK, G. S., RAVEN, J. E. e SCHOFIELD, M., Os Filósofos Pré-
Socráticos – História Crítica com Seleção de Textos , 4.a ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1994, p. 193 e ss.). Em seu famoso apotegma, fron tispício de seus Princípios de
filosofia do direito, afirmava: “O que é racional é real, e o que é real é racional”. A
afirmação, sem dúvida, pode proporcionar uma série de críticas, mas não é o lugar aqui
para desenvolvê-las e, por isso, vamos apenas anotar o seguinte (seguindo as aclarações
do próprio Hegel): primeiro, tudo é racional porque todos os aspectos da realidade cabem
dentro da razão, dado que a razão – para Hegel – é temporal, concreta e mundana
(atente-se que para Hegel a razão não está divorciada do mundo, ao contrário, está no
mundo, na natureza e no espírito, está no passado e se desvela num presente contínuo,
impregna o sujeito e as instituições, estabelecendo para isso uma série de configurações
(Cf. Hegel, in, KENNY, A., The Oxford Illustrated History of Western Philosophy. Oxford:
Oxford University Press, 1994)); segundo, o real é racional pois o real é idéia – razão – para
uma mente, vale dizer, para um sujeito que pensa: a realidade é a realidade pensada.
41

Por ta n t o, é a part ir de H e ge l q ue t e m in ício u ma ou t ra h is tó ria, m at i ­


z ada pe la c ris e d a ra zão m od e rn a. Co n t u do , o e s t u pe n do d a filo s of ia h e ge ­
lian a e st á e m u lt rapa ss a r u ma raz ão m e c an ic is t a, s ua filo s of ia d ialé t ic a va i
t rat ar de p roc e s so s e n ão d e “ac on t e c i m e n t os s olit á rios ”, t ra t a d e in t e r-re la ­
c io n am e n t o s, e n ã o d e s it u aç õe s is ola da s um as d as o u tr as . Es t e s im é , ve rd a ­
d eira m e n te , u m m od o m od e rn o e cie n t íf ico de in t e rpre t ar o m u n do .
N o e n t a n t o, s e u A ch ille s ’ h e e l c on s is t iu n as c orre n t e s id e alis t as qu e o
a lge m av am ao e n c arc e ra do de um a ide alid a d e qu e im pe d iu a aplic aç ão
e fe t iv a d o m é t o do dia lé t ico ao “m u n do re al” de m o do c on s e qü e n t e , po is e m
lu gar d a “ ma t é ria”, d o f ís ico e s u as im plic aç õe s , ac o lh e o m u n do d a “I dé ia
A bs olu t a” , mu n d o e m q ue a s “c ois as re a is ”, os p roc e s so s e pro c e dim e n t os d a
v id a, as pe s s o as e as in s t it u iç õe s s ão s ub st it u ída s por in s ub st a n cia is e n t i d ade s
ide a d as.
A c rít ic a de E n ge ls (1 82 0-1 895 ) f oi c áu s t ica a o diz e r q ue a f ilos of ia de
H ege l f oi o a bort o 8 2 m a is co los s al d o pe n s am e n t o f ilos ó fic o, po is s ua s idé ia s
e s t ava m de “c ab e ça par a ab aix o” , as s im pro cu ro u in v e rt e r a pos iç ão h e ge ­
lian a t ran s f orm an d o a d ialé t ic a ide alis t a e m um m at e rialis m o d ialé t ic o 8 3 .

82
Cf. ENGELS, F., Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, in, MARX, K.,
ENGELS, F. Textos Filosóficos. Lisboa: Editorial Presença, Biblioteca de Ciências Humanas,
s/d., p. 24; 27 e s.; 33 e s.; cf., especialmente, El Anti-Dühring – Introducción al estudio del
socialismo. 4ª ed. Buenos Aires: Editorial Claridad, 1972, p. 32: El sistema de Hegel fue un
aborto colosal, el último de su género. Además, adolecía también de una contradicción
interna e incurable; de una parte, su postulado fundamental era la concepción histórica
según la cual la historia de la humanidad es una evolución que en razón de misma
naturaleza no puede hallar su conclusión en el descubrimiento de una verdad absoluta y,
de otra parte, este sistema pretende ser justamente la expresión de esta verdad absoluta.
Un sistema de la naturaleza y de la historia que abarca todo y contiene todo, está en
contradicción con las leyes fundamentales del pensamiento dialéctico; pero esto no se
opone, de otra parte, de ninguna manera, sino por lo contrario, implica que el
conocimiento sistemático del conjunto del mundo exterior haga progresos gigantescos de
generación en generación.

83
Ainda que larga a citação vale reproduzir Engels : Desde el momento que se comprendía
el error total del idealismo alemán, necesariamente se llegaba al materialismo, pero,
entiéndase bien, que no al puramente mecanicista, exclusivo y metafísico del siglo XVIII. En
lugar de condenar pura y simplemente toda la historia pasada, a la manera de los
revolucionarios ingenuos, el materialismo moderno ve en la historia la evolución misma de
la humanidad cuyo movimiento se halla sometido a leyes que es fuerza reconocer. Hegel ,
como los franceses del siglo XVIII, se representa la naturaleza como un todo que
permanece idéntico a sí mismo, se mueve en un movimiento circular dentro de estrechos
límites, un mundo de astros eternos, como los de Newton, y en que los seres organizados
están clasificados en especies invariables, como lo enseño Linneo; por el contrario, el
materialismo sintetiza los procesos recientes de las ciencias naturales, según los cuales la
naturaleza también tiene su historia en el tiempo: los planetas como las especies vivas que
los habitan, si las condiciones exteriores les son favorables, nacen y desaparecen, y las
órbitas que recorren, si aún hay razón para creer sean circulares, tienen dimensiones
infinitamente más considerables de cuanto se suponía. En uno y otro caso, tal materialismo,
esencialmente dialéctico, no implica ninguna filosofía superpuesta a las demás ciencias.
Desde el momento que se pide a cada ciencia se dé cuenta de su posición en el conjunto
total de las cosas y del conocimiento de las cosas, tornase superflua una ciencia especial
del conjunto; lo que subsiste de toda la antigua filosofía y conserva una existencia propia
es la teoría del pensamiento y sus leyes –la lógica formal y la dialéctica–. Todo lo demás se
resuelve en la ciencia positiva de la naturaleza y de la historia (ENGELS, F., El Anti-Dühring –
Introducción al estudio..., p. 32-33).
42

3. 2 – A r az ão no âm bi t o am bi ent al ( núcl eo es s enci al )

A re laç ão e n t re u m a in c ipie n t e “r azã o” e “am b ie n te ” pa ss a , in ic ial ­


m e n t e , por um d e t e rm in ism o am bie n t a l at ra vé s u m a t ríad e c on c e pt u al: ( 1)
u ma c o n ce pç ão de m un d o e de c riaç ão d e st e m e s m o m un d o; ( 2) in flu x o do
e n t orn o f ís ico so bre o h o me m e a mu lh e r; e , ( 3) a t ran s fo r m aç ão d o m un d o
p elo s s e re s h u m an o s 8 4 .
O s pe n s a do re s pr é -s oc rát ic os pre o c u pad os co m u m a t e ogo n ia e u m a
c os m og on ia h o m og ê n e a in t e n t ara m dar um a e x plic aç ão para a c riaç ão d o
m un d o e s ua p e rma n ê n cia ; o p rime ir o pe río do d o pe n s am e n t o gr e go e s t ava
p ro fu n d ame n t e ime rs o n a m it i f ica çã o t e o gô n ica da cria çã o d o mu n d o; aí
im p ort ava a c os m o gon ia f u n dad a e m O ke an o s (u m vas t o rio qu e c irc un d av a
a orla d o d isc o t e rre s t re ) 8 5 e Ny x ( a n oit e , do min a d ora d os de u s e s e d os
h om e n s ) 8 6 .
A s c os m o gon ia s ó rfi c as , fa zia m d a N oit e , a orige m de t o das as co is as .
T oda via, é c o m He s ío do que s e pe n s a a s e para çã o da t e rra e d o cé u . Para
H es íod o, o pro ble m a co s m oló gic o t e m j á um ac e n o d e im po s t aç ão filo s óf ica ,
u ma t e n t at iva de in ve s t igaç ão ; por iss o , su a t e ogo n ia in c o rpora uma
c os m ogo n ia im plíc ita , po is o prob le ma d a or ige m d o m u n do e da c au s a de
t od as as c o isa s e s t á vin c u lad a ao d a ge raç ão d os de u s e s 8 7 , po rqu an t o n o
p en s am e n t o polít ic o de H e sío do , os d e u se s n ã o s ã o m ais q ue re pre s e n t aç õe s
m ít ica s de f orç as n a tu ra is , e a ss im e n c arn a m os m ais e le v ad os id e ais da vid a
g re ga de e n tã o; d e st a c ircu n s t ân c ia, flu i a n e ce s s id ade de c on c iliaç ão d os
h om e n s co m o s d e u se s , h arm on iz an d o-s e co m a n a t ur e za.
Para He s ío do , prim e iram e n t e s u rgiu o C hao s , e n t e n did o o bje t iv am e n t e
c om o u m “e s pa ço ”, o u in t e rvalo d e li m it ado , vale diz e r o “lug ar” de t e rm i ­
n an t e d a s e pa raç ão e n t re a t e rra e o cé u , po is a t e rra s ur ge as s im qu e o

84
Aliás, Clarence Glacken, em livro magnífico, com precisão anota: “Na história do pen­
samento ocidental, o homem tem se perguntado sobre sua relação como a terra habi tável.
É a terra uma criação feita de propósito? Tem seus climas, seus relevos e a configuração
de seus continentes alguma influência sobre as características morais e sociais de seus
habitantes, e também sobre o caráter r natureza da cultura humana: em sua larga posse
da terra, e de que maneira a tem transformado o homem? (GLACKEN, C. J., Traces on the
Rhodian Shore. Berkeley: University of California Press, 1967, p. 14).

85
Cf., KIRK, G. S., RAVEN, J. E. e SCHOFIELD, M., Os Filósofos Pré-Socráticos..., p. 3 a 15: até
os deuses são vencidos pela sono (p. 12).

86
Platão apresenta a seguinte genealogia: “Oceano e Tétis foram filhos de de Gaia e
Uranos, e deles nasceram Phorkus, Chronos, Rea e os que vão com eles (PLATÃO , Timeo, o
de la naturaleza, in Obras, 40a-d. 2ª ed. Madrid: Aguilar, 1969, p 1141

87
Cf., SCIACCA, M. F., História da Filosofia. Vol. I., 3ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1967, p. 24
e s.
43

e s paç o e st á co n s t it uíd o (t a m bé m se po de in t ro du zir aí E ros , na su a


re pre s e n t aç ão d e “ch u v a/ s ê m e n ”, q ue flu i e n t re a te r ra e o c é u ) 8 8 .
A s e p araç ão d a t e rra e do c é u n a lit e ra t ur a gre ga po de s e r e n co n t ra ­
d a e m Eu rípe d e s , e m Dio do ro e e m A p olo n io d e R h od e s . D e ou t ro m od o, e m
f on t e s n ão gre ga s, a ve rs ão s e m ít ica é e loq üe n t e n o Gê n e s is i, 6-8 [. .. ] n o
p rin c ípio D e us c riou o cé u e a t e rr a. E a t e rr a e ra in fo rme e va zia. . .”
A in da , n o prim e iro pe río do gre g o, o prim e iro pe n s ado r a aba n do n ar
u ma c o n ce pç ão mit o lóg ica d o c os m os , f oi T ale s d e M ile to . Para e le t od as as
c ois as e s t ão im pre gn a das d e u m “prin c ípio vit a l”, s e n do a á gu a ( h id or) o
p rin c ípio e a s u bs t ân c ia d e t o das a s co is as , a á gu a e s t á s o b a te r ra e a
s us t e n t a.
A c on t e s t aç ão ve m c o m A n ax im an d ro d e M ile t o, e s u a dim e n s ão de “ o
in de f in ido ” ( τò ά πειρ ο ν – o a pe iro n ) c o mo prin c ípio de t o das as co is as ,
“c om o t al, n ão é águ a n e m qu alqu e r ou t ro d os ch a ma do s e le m e n t os , de le
[do in de fin id o] p ro vé m to do s o s c é u s e o s m u n do s n e le s co n t ido s ; [.. . ] c om o
f on t e de g e raç ão de t o da s as c ois as é ta m bé m aqu e la e m qu e s e ve rif ica a
d es t ru iç ão “s e gu n d o a n e ce s s id ade ” .. . ” 8 9 .
Kirk e t a lli , su s t e n t am qu e “ o in d e fin id o” de A n a x im an dro re ve la va -s e
n u ma “e x t e n s ão e s pac ial e n orm e e in d e fin id a ” , va le diz e r, u ma s u bs t ân c ia
q ue “ e n vo lvia t o das as co is as ” 9 0 .
N u m e s t ád io in t e rm e diár io de s ua c o sm o go n ia, A n a x ima n dro c re d it ava
“ao s co n t rário s ” u m im por ta n t e pap e l n o e qu ilíbrio da “s ub st â n cia ” n a tu ra l, e
d es e n h a um p ara d ox o “ d is c órd ia é in ju st iç a ” ( q ue v am o s an alis ar na
s e gu n da pa rt e d e s t e t ra balh o ) , diz ia:

[...] a prevalência de uma substância à custa do seu contrário


é ‘injustiça’, e a reação verifica-se através da aplicação do castigo,
com a restauração da igualdade – de algo mais que igualdade,
porquanto o prevaricador fica, também, privado de parte da sua
substância original. Está é dada à vítima, além daquilo que lhe
pertencia, e por sua vez conduz ao κόρος91, ao excesso, por parte da
primeira vítima, que passa a cometer uma injustiça contra o antigo
agressor.

88
Cf. KIRK, G. S., RAVEN, J. E. e SCHOFIELD, M., Os Filósofos Pré-Socráticos..., p. 33

89
Frag. de Simplício, Pgys. 24, 13, citado por KIRK, G. S., RAVEN, J. E. e SCHOFIELD, M., Os
Filósofos Pré-Socráticos..., p. 105-106

90
Auts. cits., op. cit., p. 118

91
No texto, κόρος, quer expressar saciedade, fartura, também, arrogância, altivez, inso­
lência (cf., Diccionario Manual Griego Clássico. Barcelona: Vox, 2000)
44

Log o, t an t o a c o n ti n u id ade c om o a e s t a bilida de d a m u da n ça n at u ral


e ram , p ara A n ax im a n dro , mo t iv adas po r m e io d e s t a me t á fo ra an t ro pom ó r ­
f ic a 9 2 . É c o m A n ax im a n dro , t am bé m , q ue s e de s e n h a pe la pr ime ira v e z u m a
z oog on ia e um a an t ro pog on ia, u m a t e n t a tiv a d e e x plic ar rac ion alm e n t e a
o rig e m d o h om e m e d o m u n do 9 3 .
D e o u t ro m o do , H e rác lit o , d e ce r ta fo rm a, in au gu ra um a “u n idad e d e
p en s am e n t o s is t e m át ic o” in o vad ora p ara o s e u te m p o. N o se u pe n s am e n t o,
o m u n do é in t e rpre t ad o de fo rm a s ist e m át ic a, pois vi v e m os n o un iv e rs o qu e
n os pe rm it iu e pe rm it e e x ist ir , e ss e u n ive rs o e s t á t am bé m , n o lóg os , c om o
e n t e n did o pe lo g re g o, q ue a firm av a: “[. .. ] a s a be do ria c on s is t e n u m a s ó
c ois a, e m c on h e c er , c om ju ízo v e rda de iro , c om o t o das as co is as sã o
g ove rn ad as at rav é s d e t u d o” 9 4 .
H erá clit o f un d av a a s abe d oria n o λ όγ ος , o ve rd ad e iro c on s t it uin t e d as
c ois as ; e , é n e s t e s e n tid o qu e o a pro x ima va do m e t ro ( μ ε τρ όν ) , da p ro p or­
ç ão ( α νάλ ογ ον ) , pois e le e n t e n d ia q ue a vid a d o h om e m e s t á in d is so ­
c ia ve lm e n t e liga da a t u do qu e o rod e ia 9 5 . É a t ravé s d a p rop orç ão e do
e qu ilíbrio q ue o m u n do s e m an t é m p e n s ava H e rác lit o, e af ir m ava :

“[...] esta ordem do mundo (a mesma das coisas) não a criou


nenhum dos deuses, nem os homens, mas sempre existiu e existe e há
de existir: um fogo sempre vivo, que se acende com medida e com
medida se extingue”96.

D e qu alqu e r fo rm a, t o da s a s c os m og on ias gre g as a pon t a vam o e n t o r­


n o c om o d et e rm in an t e da n a t ur e za h u m an a, ade m a is d e s u a at iv idad e e
o rg an iza ç ão s oc ial.
N o pe n s am e n t o g re go a m ais n ot áv e l co n t ribu içã o par a e st e pa ra ­
d ig ma d et e rm in is t a v e io co m Hipó cr at e s de Cos , n o qu in t o s é c u lo ( a .C ); c om
e le , pe la p rim e ira ve z t e m os in s e rt os as in flu ê n cia s “ d os are s , d as águ as e
92
Cf., KIRK, G. S., RAVEN, J. E. e SCHOFIELD, M., Os Filósofos Pré-Socráticos..., p. 119

93
No frag. de Censorino: “Anaximandro de Mileto pensou que da água e da terra aquecidas
surgiram os peixes ou sere muito semelhantes aos peixes; entre estes se formou o homem,
sob a forma de embrião retido dentro deles até a puberdade; quando, por fim, os seres
semelhantes a peixes se romperam, deles sairam os homens e as mulheres já capazes de se
alimentarem” (citado e traduzido por Kirk et alli, op. cit., p. 142-143).

94
Cf. Frag. 41, Diógenes Laércio IX, 1, in, KIRK, G. S., RAVEN, J. E., SCHOFIELD, M., Os filósofos
pré-socráticos – História Crítica com Seleção de Textos . 4.a ed., trad. de Carlos A. Louro
Fonseca. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 210

95
Cf., op. cit., p. 210

96
Cf. Frag. 30, Clemente V, 104, 1, in, op. cit., p. 204-205
45

d os lu ga re s ” s obr e o c o mp ort am e n t o h u m an o , e x plic an d o s u a di v ers id ade e


e s pe c ia lm e n t e a e t io logia d as do e n ça s .
A in da qu e n u m prim e iro mo m e n t o, s u as e x plic aç õe s p are ç am in s u b ­
s ist e n t e s , d e ve m o s c on t e x t u aliz ar o e s paç o , o t e m po e o e s t ágio do
c on h e c ime n t o e m qu e f ora m e x pe n did as , as s im , v e ja mo s o qu e afir ma va
H ipó c rat e s :

Quando uma raça habita em um escarpado país montanhoso, a


uma altitude considerável, constantemente chuvoso e com uma bem
demarcada diferença entre as estações, então sua população será,
geralmente, de estatura elevada, nitidamente audaciosa e valente,
contudo, dotada de pouca agressividade em seu caráter. De outro
modo, em terras baixas, sufocantes, abafadiças, com prados... se
apresenta mais fleumática e colérica. A valentia e a audácia não
forma parte de seu caráter, ainda que as possam adquirir com uma
formação educacional adequada97

S é cu lo s de po is a Ge o gra fia de S t rab o 9 8 , dis pu n h a a o la do do d e t e r­


m in ism o que im plic a o am bie n t e n a fo rm aç ão d os c arac t e re s d os po vo s,
o ut ro s fa t ore s lh e s s ão at ribu ído s , c om o a s c on d içõ e s s o cia is , a e du c aç ão e
a s ua f orm a d e o rga n izaç ão , a ss im :

[...[ A forma de governo, modo de vida e as artes, e de certas


fontes florescem sob qualquer seja o clima em que se encontram;
contudo, o clima tem sua influência, e por conseqüência, se algumas
peculiaridades se devem à natureza do país, outras são o resultado
da interação social, das instituições e da educação. Não é tanto
pela natureza de seu país como por sua educação que os ate nienses
cultivam a eloquência, enquanto os macedônios não o fazem, nem
tampouco os tebanos, que estão muito mais próximos99.

97
HIPOCRÁTES, On Airs, Waters and Places, in Lloyd, W. F., Hippocratic Writings.
Harmondsworth: Penguins Books, 1984, p. 67

98
Strabo (o grego) (63/4 a. C – 24 d. C), historiador, geógrafo e filósofo. Em filosofia era um
estóico e politicamente um defensor do imperialismo romano. Escreveu um tratado
imponente de geografia, uma história descritiva das pessoas e dos lugares de diferentes
regiões do mundo conhecido de sua época (cf. The Columbia Encyclopedia, Sixth Edition.
2001-05, Barleby.com – Graet Books online: www.bartleby.com/br65.html ). Sua Geografia,
pode ser consultada online, nos seguintes endereços:
http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Strabo/home.html;
http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?lookup=Strab.+toc; e,
http://members.aol.com/spothecary/editions.html

99
Strabo, citação que colhemos em GLACKEN, C. J., Traces on the Rhodian Shore. Berkeley:
University of California Press, 1967, p. 198
46

C omo se po de o bs e rvar d a cit a çã o ac im a, a de m ais do d e t e rm in is mo


d o m e io , o “ s oc ial s e e x p lica pe lo so c ial ” , an t e ce d e n do e m d e zo it o s é cu los
a o p e n sa m e n t o Du rkh e im .
E st e m e s m o d e t e rm in is mo e m f orm a d éb il , vam o s e n co n t rar e m S a n t o
T om ás d e A qu in o. Co m e fe it o , o a qu in at e , de z s é cu lo s de po is de Hipó cra t e s
a ss im s e m an ife s t av a:

[...] o corpo não [é] alheio às leis naturais, [podem] portanto,


os agentes exteriores servir-lhes de maior ou menor ajuda ou
utilidade, dado que sua vida se sustentava com alimentos. E assim
não há inconveniente em dizer que uns fossem mais robustos, de
maior altura, de maior beleza ou complexão que outros devido as
influências da atmosfera [clima] ou dos astros [...]100

F ora da m a n ife s t aç ão c u lt ura l d o o cid e n t e , u m pe n s a do r is lâ mic o d e


re le vo , ap os t an d o pe lo d e t e rm in is mo am bie n t al, foi I bn Kh ald ou n 1 0 1 . N o s e u
M aqa dim ah , I bn Kh a ldo un o bj e tiv av a o e s t ud o d a d is t ribu içã o d as c u lt ura s
n o m u n do , de s d e a b as e g e ogr áfic a de s t a s c ult u ra s, para t a n t o in clu ía, e n t re
o ut ro s fat o re s , o c lim a, co m o u m a variá ve l im po rt an t e p ara d e fin ir o c ará t e r
m ora l d os h om e n s 1 0 2 ; ad e m ais , I bn Kh ald ou n , a n alis av a as c o n se q üê n c ia s do
u so do s “re c u rs os am bie n t ais ” – c om for te ac e n t o n o s a lime n t o s – s ob re o s
h ábit o s s o cia is e as co n diç õe s s an it ária s e m é dic as .
N o R e n as cim e n t o , o po lit ólo go M a qu iave l no se u c é le bre D is co rs i s o pra
la p rima De c a di T it o L ivio c o me n t a n do s obr e o “ ca rát e r d os po vo s ”, t am bé m
m an ife s t a o d e t e rm in ism o a m bie n t al qu e o co n s t itu ía 1 0 3 .

100
TOMAS DE AQUINO, Sto., Suma Teologica. Tratado del Hombre. 1q,96 a.3. Tomo III. Madrid:
Biblioteca de Autores Cristianos, 1959, p. 658

101
IBN KHALDOUN (1332-1395), é reconhecido universalmente, como o fundador da
Sociologia e das Ciências Históricas, sua obra mais famosa, o Muqaddimah (Prolegomena).
Seus antepassados eram árabes iemenitas (do Iêmen, sudoeste da Ásia) que se
estabeleceram na Espanha no começo do século oitavo, na Sevilha muçulmana. Grande
pensador, incursionou pelas mais diversas ciências de sua época, estudou o Qur'an, as
tradições de Maomé o profeta, e outros estudos islâmicos, tais como a dialética
teleológica, a shari'a (norma islâmica jurisprudencial da escola de Maliki). Estudou também
literatura, filosofia, matemática e a astronomia árabes.

102
Ensinava Ibn Khaldoun, sobre o espaço físico asiatico: “As zonas quinta, quarta e terceira
ocupam uma posição intermédia. Têm muita moderação, que é justo meio. A quarta zona,
a mais perto do centro, é a mais temperada que pode ser... O físico, o caráter de seus
habitantes são temperados em relação ao alto nível requerido pela composição do ar em
que vivem” (The Muqaddimah, An Introduction to History. Princeton: Princeton University
Press, 1967, p. 310).

103
[...] e pelo que concerne a lassidão que a situação poderia engendrar, deve velar-se
para que as árduas tarefas que o “lugar” não faz cumprir se aplicam por lei; assim como
imitar o exemplo daquelas nações bem formadas que, vivendo nos países mais férteis e
agradáveis que como tais deveriam provavelmente dar lugar a raças apáticas e
afeminadas, ineptas para todas as atividades humanas, para compensar o agravo
47

D ois an o s apó s da mo rt e d e M aqu iav e l , n as c e Je a n Bo din ( 15 29 -15 96) ,


t alve z o pe n s ad or m ais imp ort a n te d o Re n a cim e n t o a o t rat ar d a re laç ão
e n t re h is t ó ria e e n t o rn o ( am bie n t e ) s oc ial. Bo din pe la prim e ira v e z in t e n t a
a nalis a r o s s is t e m as le gais e o s p roc e s s os h ist ó ric os de s de a as t ro logia e o
m e io am bie n t e ,
B odin f oi o a ut o r de du as o bras d e c isiv as pa ra a ss e n t a r a t ra diç ão
a mbie n t alis t a m o de rn a.
E m M e t h od us ad f ac ile m h is t o rirum c ogn it io n e m (1 56 6) 1 0 4 re aliz ou u m
a ut ê n t ico t o ur de f orc e c om o s abe r d e s e u t e m po para s ist e m at iz ar o s
p rin c ípio s ge ra is d a t e oria c lim át ic a.
E m Le s s ix liv re s de la R é pu bliqu e 1 0 5 , pu blic ado d e z a n os d e pois , le vo u
e x plic it am e n t e à re f le x ão s o bre o c lima , o t e m pe ra me n t o , o c ará t e r m o ral e
a co n diç ão do s h o me n s ao t e rr e n o da po lít ic a e d as for ma s d e g ov e rn o.
O pro ble m a e s s e n c ial pa ra B od in é o do c arát e r n a cio n al. D ada a
d iv e rs idad e de po vos e cu lt u ras , e le pe rg un t a va, pod e m os gov e rn ar d o
m e sm o m od o t o da s as n aç õ e s?, o u de v e m ade q ua r-s e as le is à n at u re za do s
p ovos ? Es t as qu e s t õe s a pare c e m n it id am e n t e in ve s t iga das n o livr o qu in t o da
R ep úb lica , qu e co n s t it ui um p e qu e n o t ra ta do de pe da gog ia po lít ic a d irigido
a e x po r a s re gr as d a a rt e d e g ove rn ar.
S e gu n do B od in , da co n ju gaç ão de fa to re s ge og ráfic o s, co m o a
lat it u de , a lon git u de , o re gim e do s v e n t os , a a lt ura e a fe r tilid ad e d o s olo ,
re s ult a m in clin a çõ e s n at u rais d os p ovo s . O m e io ge o grá fic o o pe ra as s im
c om o u m e le m e n t o in e rcia l n a h is t o ria d as s oc ie d ade s h u m an a s. A a plic aç ão
d es t a t e s e a os pro ble m as prát ic os de go ve rn o é a ló gica , d ada s a s pre m is s as
d a t e o ria do s c lim as : a v arie d ade d e t e m pe ra m e n to s e c ará te r d os pov os
e x plic a e j us t if ica a d ive rs id ade de s u as in s t it u içõ e s , le is e fo rma s de
g ove rn o 1 0 6 .
M ais ta rde , M on t e s qu ie u ( 16 89 -17 55) re t om a o d e t e rm in is mo am bie n t al
in au gu rad o c o m Hipó cra t e s . E m ve rd ad e , de o rdin á rio, M o n te s q uie u c on t ri ­
b uiu n ot av e lm e n t e co m o de t e rm in is m o a mb ie n t al, s e n do de le o s e u m aio r
e x po e n te . E le s e ap ropr ia d as af irm aç õe s d e Bo din n o s e n t ido qu e o clim a e
aportado pela amenidade e a influência relaxante do sólo e do clima” (MACHIAVELLI, N.,
Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio. Tutte le Opere di Niccolò Machiavelli. A cura di
Mario Martelli. Firenze: Sansoni Editore, 1971, EDIZIONE ELETTRONICA DEL: 10 gennaio 1998 –
em Internet:
http://www.liberliber.it/biblioteca/licenze/; acessado em 11/03/2004)
104
BODIN, J., Methodus ad facilem historiarum cognitionem, Amsterdam: Aaalen Scietia,
(1650)1967 (edição fac-símile).

105
BODIN, J., Los Seis libros de la república. Seleção, estudo preliminar e tradução de Pedro
Bravo Gala. 2.a ed. Madrid: Tecnos, 1992

106
BODIN, J., op. cit., p. 67
48

e s pe c ialm e n t e o t ip o de s olo s ã o os ve t o re s pr imo rdia is d a pe rs on a lida de de


u m pov o o u de u m a n aç ão dad os . E ss a s ca rac t e rís tic as , po r s u a v e z, vã o
d et e rm in ar a e s t ru t ur a so c ial qu e d e cid e so bre t ipo d e le g isla çã o de s s e po vo
o u n aç ão .
E m s e u D e l’e s p rit d e le s lois , M on t e s qu ie u vai af irm ar qu e a s le is :

devem estar relacionadas com o entorno físico do país; com o


clima gelado, abrasador ou temperado; com a qualidade do terreno,
sua situação ou extensão. [...] los climas distintos que deram lugar
aos distintos modos de vida formaram os diversos tipos de leis107.

O B arã o de M on t e s qu ie u ac re d ita va f irm e me n t e qu e – s e gu n d o o c ie n ­


t ific is mo de s ua é p oc a – o frio e o c alo r t in h a m u m e f e it o de c is ivo s o bre os
ó rg ãos m ais imp ort a n te s do co rpo h u m an o q ue d e te r min a vam s u a co n du t a
in div idu al.
Je an -J ac qu e s R ou s s e au (1 71 2-1 778 ) , c om E mile ( 17 62 ) v ai co n t ra p or ao
d et e rm in is m o m on t e s qu in ian o co m a e du c aç ão ; é a e du c aç ão qu e pro por ­
c io n a a t ran s f orm aç ão d a s oc ie da de e do a mb ie n t e . Po rt an t o, as dife r e n ça s
e n t re a s n a çõ e s e s t á n a e d uc aç ão

[...] é por isso que as antigas distinções de raça, o efeito do


clima e do solo marcavam maiores diferenças entre nações no
sentido de temperamento, aspecto, costumes e caráter, que em nos­
so tempo, em que a inconstância da Europa não deixa tempo para
que atuem os fatores naturais, e em que se cortam os bosques e se
esgotam as várzeas, em que a terra é mais geralmente cultivada
ainda que menos cabalmente produtiva; de maneira que as mesmas
diferenças entre nações já não se podem detectar-se só nas
características físicas108.

D es t e re c orr ido pod e m os c on c lu ir qu e a raz ão e co lóg ica , d e t e rm in is t a,


q ue p e rco rre u do is m ilê n ios c om e ç a so m e n t e n o f in al do sé c u lo X VI I e in ício s
d o X VI II a mu d ar, po is se de s e n vo lve u m a pe rc e pçã o c re s c e n t e e n t re os
p en s ad ore s do s é c u lo X VI II q ue a re la çã o e n t re o s s e re s h u ma n os e o
a mbie n t e é u m a re laç ão co m ple x a, o n de s e o am bie n t e t e m u m pa pe l
im port a n t e , n ã o m e n o s im port a n t e e ra a at u aç ão do s s e re s h u ma n os s o bre o
a mbie n t e , g e ran d o-s e im pac t os apre c iáv e is n e s t e m e sm o a m bie n t e .
U m n o vo dis c u rs o a mb ie n t al va i s e r pro du z ido , r e su lt ad o, e s pe c ial ­
m e n t e , da s c on q uis t as c ie n t ífic as q ue s e vão ac um u lan d o.

107
MONTESQUIEU, (Charles de Secondat) Barão de, De l’Esprit des Lois, in, Ouvres Complète.
Paris: Bibliothèque de la Pléiade, 1951, p 248

108
ROUSSEAU, J-J., Emile: or on Education. Harmondsworth: Penguin, 1991, p. 451
49

N o s é c u lo X I X , um a re laç ão de r e cipr oc ida de e n t re o s e r h u m an o e o


m e io a mb ie n t e co m e ça a s e r e sb oç ad a d e m od o m ais c o n sis t e n t e . N ão m ais
u ma ra zã o de t e rm in is t a, ma s u m a re laç ão d e re cip roc ida de e n t re h u m an i ­
d ade e m e io am bie n t e , c on d u zin d o a o qu e p od e ríam os d e n om in a r de
d et e rm in is m o m it igad o.
O g ran d e n o m e é o d e A le x a n de r Vo n H um bo ldt ( 17 69 -18 59) . Le gít im o
s uc e s s or d e S t rab o, n a c riaç ão d e u ma ge o graf ia m o de rn a. H um bo ldt vai
a dot ar u m a pos t u ra qu e h oj e d e n om in aría m os de e c oló gic a, qu an do afirm a
c at e gor ica me n t e a in t e raç ão d e a çã o e n t re a so c ie dad e e o a m bie n t e 1 0 9 .
A s sim , t od a a te m á t ica d o de t e rm in is m o ( ag ora u m d e t e rm in is mo dé bil)
p as s a a s e r a qu e st ã o da a çã o t ran s fo rm ad ora d o s e r h um an o e x e rcid a
s obre a n at u re z a, po is afirm a va Elis é R e clu s ( 1 830 -19 05 ) , g ran d e ge óg raf o
f ra n cê s :

[...] a ação do homem é capaz de esgotar as várzeas e lagoas,


de reduzir os obstáculos entre países distintos e de modificar a
distribuição original das espécies de animais e plantas, até o ponto
em que estes fatos são de importância decisiva nas mudanças por
que está atravessando a superfície do globo. A ação do homem
pode embelezar a terra, mas pode também desfigurá-la; segundo os
costumes e condição social de cada país, se contribui para a
degradação ou a glorificação da natureza. O homem amolda a sua
imagem o país em que vive110.

N a p rime ir a m e t ad e do s é cu lo X X , am bie n t alis m o de t e rm in is t a s e f e z


re pre s e n t ar por Ells wo rt h Hu n t in gt on (1 87 6-1 94 7) , qu e e s t ud ou m in u c io ­
s am e n t e a re la çã o e n t re o n om ad is m o, o clim a e a co n qu is t a civ iliza t ória.
E le afirm a va: “[. . .] s ó e m re g iõe s o n de o e s t ím ulo c limá t ico é im po rt an t e
a lc an ç ara m as n aç õe s o m ais alt o n ív e l d e c iviliz aç ão ” 1 1 1 .
A s u pe raç ão do d e te r min is m o s ó v ai ac o n t e ce r c o m o “p os s ibilis m o”
( cu jo e n f oqu e e c oló gic o e s t á n o d e s e n h o d e u m a e c olo gia cu lt u ral n a
a nt ro polo gia, de u m a e c olo gia h u m an a ou s o cia l n a s o cio log ia e na
g eo graf ia) co m o d e n s a crít ic a qu e lh e f e z Da rril Fo rde n os s e gu in t e s t e rm os :

As condições físicas estão presentes em todo o desenvolvi men­


to e em toda a pauta cultural, sem exclusão do mais abstrato e do
mais imaterial sentido; sem dúvida, estão presentes não como

109
Citação que colhemos em JAMES, P., All Possible Worlds. Illinois: Odyssey Press, 1972, p.
578

110
Citação que colhemos em PEET, R., Radical Geography: Alternative Viewpoints on
Contemporary Social Issues. London: Methuen, 1979, p. 59

111
HUNTINGTON, E., Civilization and Climate. Hamden: Yale University Press, 1971, p. 239
50

determinantes, sim como uma categoria de matéria prima para a


elaboração cultural. O estudo das relações entre as pautas culturais
e as condições físicas é da maior importância para compreender a
sociedade humana, contudo, não se podem pensá-las em termos de
simples de simples controles geográficos supostamente identificados
a primeira vista... Se deve estudar, em primeiro lugar, a cultura como
entidade de desenvolvimento histórico. O conhecimento por mais
meticuloso da geografia não nos será útil se não se capta o tipo de
desenvolvimento cultural112.

C omo re pr e se n t a n t e n ot áv e l d o po s s ibilis m o, Fra n z B oa s d e s po n ta , n ão


s ó n a an t ro polo gia n o rt e -am e ric an a, co m o n a e u ropé ia . Pa ra Bo as o s f e n ô ­
m e n os cu lt u rais sã o de t al c om ple x id ad e q ue lh e pare c ia im po ss ív e l e n c on ­
t rar le is c u lt ur ais , as s im afirm a va:

[...] as condições causais dos acontecimentos culturais se


encontram sempre na interação entre os indivíduos e a sociedade, e
nenhum estudo classificatório das sociedades resolverá o problema
[...] O material da antropologia é tal que tem de ser uma ciência
histórica, uma das ciências cujo interesse centra-se em entender os
fenômenos individualizados mais que em estabelecer leis gerais que,
visto a complexidade do material, serão necessariamente vagas e
quase poderíamos dizer tão evidentes que são de pouca ajuda para
uma verdadeira compreensão113.

N a ge o graf ia, o p os s ibilis m o e n c on t ra n o p e n sa m e n to de Car l O . S a ue r


s ua m e lh or p e rfo rm an c e , c o m e fe it o, p ara S a ue r, o ob je t ivo d a ge o graf ia
n ão e s t á n o de s ve la m e n t o d as in flu ê n c ias a mb ie n t ais , ma s n a in v e st ig aç ão
d e c om o as s oc ie da de s at rav é s d e su as t rad içõ e s c u lt u rais e h is t óric as t e m
s e s e rv ido d o m e io am bie n t e , pois par a o ge óg raf o, o am bie n t e so m e n t e p õe
lim it e s a aç ão do h o m e m, v. g. , ba ix as t e m pe r at u ras r e st rin g e m o c u lt ivo d e
d et e rm in ad as e s pé c ie s. S au e r c o n ce be a h u m an id ade , e fe t iva m e n t e , c om o
a ge n t e d e t ran s f orm aç ão am b ie n ta l, pois m e io am bie n t e e r e cu rs os s ã o
t e rm os c u ltu ra is qu e e x pre s s am t an t o c apa cid ad e s té c n ic as c om o va lore s
s oc iais 1 1 4 .
O qu e s e s e gu iu fo i u ma rad ic aliza çã o d o biolo gis m o, fo rt e m e n t e
in flu e n c iado por Ch a rle s D arwin ( 18 09 -18 820 ) , s e gu ido por S pe n c e r, W a llac e ,
H ae c ke l e t an t os ou t ro s. A p ropó s it o, a Ern s t Hae c ke l ( 18 34- 191 9) , d e ve - se o
t e rm o e c olo gia . N a c on t e m po ran e ida de c o mo e x po e n t e m áx im o, s o bre s s ai-
s e o b iólo go E dwa rd O . W ils on , co m s u a s oc io biolo gia.
D os an o s se s s e n t a e m d ian t e , va m os e n c on t ra r u ma raz ão am bie n t a ­
lis t a c e n t rad a n a de n o min a da “n ov a e c olo gia ” o u e co logia s is t ê mic a. A
p ro pós it o , o c on c e it o de “e c o ss is t e m a” fo i u tiliz ad o p or p rim e ira v e z, po r
112
FORDE, D., Habitat, Economy and Society. London: Methuen and Co. Ltd., 1934, p. 464

113
BOAS, F., Race, Language and Culture. Chicago: Free Press, 1982, p. 257

114
SAUER, C. O., Land and Life. Berkeley: California University Press, 1963, p. 507
51

A rt h u r T an s le y 1 1 5 , in sp irad o n os m od e los t e rmo din â m ico s d a fís ic a, s e n d o


f orm ula do e m t e rm os de e n e rgia , c om e fe it o,

O conceito mais importante é [...] o sistema global (no sentido


da física), incluindo não só o complexo do organismo, mas também o
conjunto de fatores físico que formam o que chamamos de meio
ambiente [...] São os sistemas assim formados os que [...] (são) as
unidades básicas da natureza sobre a face da terra [...] Estes
ecossistemas, tal como podemos chamá-los, são de tipos e tamanhos
muito variados116

D a e c olo gia s is t ê m ica pa ra a e c olo gia co m o s is t e ma c ibe rn é t ic o f oi


u m pas s o, s e u e x po e n t e Ra m ón M ar gale f , q ue de s de um a pe rs pe c t iva
f un c ion alis t a in t e n t a uma “re v olu ç ão qu an t it at iv a” na in ve s t iga çã o
e co lóg i ca , as s im :

[...] A cibernética se refere aos sistemas. Cada sistema é um


conjunto de elementos ou unidades ou compartimentos diferentes,
cada um dos quais pode existir em estados muito diferentes, tais que
a seleção de um estado se vê influenciada pelos estados dos outros
componentes do sistema. Os elementos relacionados por influência
recíproca constituem-se em um anel de retroalimentação. Este anel
pode ser negativo ou estabilizador, como os que formam um
aparelho de calor e seu termostato, ou os mecanismos que regulam
os níveis de açúcar no sangue. O melhor, o anel pode ser positivo ou
destruidor, como a propagação de uma epidemia aniquiladora117.

U ma raz ão e co lógic a mo de r n a e s t á n a pe rs pe c t iva do agr up am e n t o


d os o rgan is m o s qu e pro ce s s am ou co n s um e m e n e rgia, cla s sif ic ado s p e la su a
f orm a de alim e n t aç ão , ca rac t e rizan d o- se em n íve is t ró fic os , co m os
“pro du t or e s” o u “ au t rof os ” n a ba se d o s ist e m a, va le d ize r, plan t as ve rd e s
( t e rre s t re s o u aq uá t ica s) d as q ua is d e riva , u lt ima ra t io, to da a e n e r gia para
o s de m ais or gan is m os . P ort an t o , n e s t e mo de lo e n co n t ram os os h e rbív oro s
q ue c on s om e m o s pro du t ore s , pre d ad ore s q ue s e a lim e n t am do s h e rbív oro s ,
e o s p re da do re s qu e c on s om e m ou t ros pre d ad ore s ( ca de ia d e a lime n t a çã o) .
N os a n os s e t e n t a, a r azã o e c o lógic a, n a pe rs pe c t iva so c ioló gica pa ss a
a s e r in v e s t igad a at ra vé s d o q ue se de n o min o u de “ e st u d os d e im pac t o” .

115
Sir Arthur Tansley (1871-1955), botânico inglês, fundador da British Ecological Society e do
Journal of Ecology.

116
TANSLEY, A., The use and abuse of vegetational concepts and terms. Ecology, 1935, 16, p.
284; mais tarde, em 1939, Tansley cunha o conceito de ecotopos como uma particular
porção do mundo físico que forma a habitação (oikos) para os organismos que nele
subsistentes (cf. TANSLEY, A., The Britsh Isles and Their Vegetation, vol. 1. UK: Cambridge,
1939, p. 228)

117
MARGALEF, R., Perspectives in Ecological Theory. Chicago: University of Chicago Press,
1968, p 3
52

S e u ma is ilus t re r e pre s e n t an t e , A . Sc h n aib e rg, qu e de s e n h o u um a im port a n t e


118
t e oria s o cio lóg ica s o bre an ális e e n e rgé t ic a e e s c as s e z.
D os an o s oit e n t a e m d ian t e , de s e n h a -s e , e s p e cia lme n t e f re n t e a
re alid ad e d a glob aliz aç ão a t e s e s o cio lóg ica d a “s oc ie d ade ris c o” c om os
c on s e qü e n t e s pro ble m as e c oló gic os d e rivad os . S e u s e x poe n t e s m áx im o s s ão
U lric h Be c k 1 1 9 n a A le m an h a e A n t h on y G idd e n s 1 2 0 na I n gla t e rra.
E m s ín t e s e ap e rt ad a d a o bra d e s s e s au t ore s , po de m os d ize r qu e , e m
p rim e iro lug ar, e le s de s c re ve m a s ca rac t e rís t ica s e im plic aç õe s d e rivad as
d os n ov os ris c os ( e p e rigos t a m bé m ) pro du zid os p e los pro c e ss o s de m o de r­
n iza çã o e p roc e dim e n t o s de in d u st ria liza çã o, fa t ore s qu e c o n du ze m à
s oc ie da de d e ris c o; e m s e gu n do lu gar, an a lis am os e f e it os d e s se s , n u m a
s oc ie da de o n de a in c e rt e za e a in s e gu ra n ça s e m an ife s t a de s de um a
“m od e rn iza çã o re fle x iv a” ; e s t e p roc e s so , p or s ua v e z, ge ra u m a cris e de
ide n t id ad e pe s s o al, p e la in divid u aliz aç ão d e m u it as e sf e ras da v ida c ot id ia ­
n a, in c lu in do a fam ília e o t rab alh o; e , fin a lm e n t e , de po s se d e ss a a n ális e ,
e s t ud am o pap e l a mb ígu o da c iê n c ia e a s u a in flu ê n c ia n a fo rm at aç ão d e
n ov os e s paç os e e s t ra t é gias polít ic as .

3. 3 – Um a r aci onal i dade ecol ógi ca

N a a t ua lidad e ap os t am o s por um a rac ion a lidad e e c oló gic a, c os m o­


c ên t ric a, im pu ra e pe rif é rica . Qua n do n os re f e rim os a o im pu ro e pe rif é ric o,
q ue re m os re f e rir u m e s t ado qu e n e ga o “pu ro” , vale diz e r, a lgo s itu a do n um
e s paç o e n c lau s ura do e n ão co n t e x t ua l e at o m izad o, in ve rs am e n t e , o
“im pu ro” e s t á c on t e x t u aliz ad o, a s su m e pos iç õe s , vín c ulo s e re la to s , t u do is t o
g era u m a “plu ralid ad e ” qu e p rod uz dif e re n t e s ( dis ) po s içõ e s e c on t e ú do s q ue
se am plia m em “n ov as n arra t ivas ” c ron o t opic am e n t e lo ca liza das q ue
p re d ica m a h is t oric id ade d o pro ce s s o. A po st a mo s p e la pe rife r ia te n d o e m
c on s ide ra çã o q ue “ce n t ro ” s ó h á u m . N a v e rda de a pre e n d e mo s c om He rr e ra
F lo re s , n os m u it os an o s de co n vív io, qu e t u do é pe rif e ria, s e ac e it arm o s qu e
t ud o e s t á re lac ion a do , ad e m ais , u m a “vis ã o da p e rife ria” n os for ça a re f le t ir
q ue n ós “ n ão e st a m os n u m e n t orn o ”, c om o s e e le fo s se “algo alh e io ” a n ós .
N ão . N ós n ão e s t a mo s n o e n to rn o , “n o s s om o s o e n t o rn o” .

118
SCHNAIBERG, A., The environment: From surplus to scarcity. Oxford: Oxford University
Press,1975

119
BECK, U., The risk Society. London: Sage, 1992; utlizamos a versão espanhola, La sociedad
del riesgo. Barcelona: Paídos, 1998

120
GIDDENS, A., Consecuencias de la modernidad. Madrid: Alianza Ed., 1993
53

Pe n s ar u m a r azã o e c o lógic a n o s c on d uz a in te r dis c iplin arid ad e de


t od os os ca m pos do s s ab e re s , am plia n do e d e se n v olv e n do a s d is ciplin a s
e x is t e n te s e prop on d o, at rav é s d e las , e do p at rim ôn io cu lt u ral pe rifé r ico ,
n ov os co n t e x t os , p ara qu e o n ú cle o in t e rd is cip lin ar s e e n riq ue ç a, e a t e n da a
t od os n ós , n e s t e “lu gar d e e n c on t ro ” qu e é o a m bie n t e .
A f igu ra ab aix o po de be m de m o n st ra r a c om ple x id ad e in t e rc u lt ur al
q ue d e ve m o s pe r se g uir:

É pre c is o t e r pre s e n t e q ue , ain d a qu e n ó s , os h u m an os , te n h a m os


c arac t e rís t ica s e sp e cia líss im as ( c u lt ur a, t e cn o log ia e o ut ra s ) , s e gu im o s se n d o
u ma e s pé c ie co m o as de m ais , e p or is so , e s t am o s im plic ad os n u m e c os s is ­
t e m a glo bal. D e ou t ro m od o, n os s a vida n ão e s t á s o me n t e s u bm e t id a po r
f ato re s s oc iais e cu lt u rais , t am bé m e s t am os im b rica do s por vín c ulo s de
c au sa -e fe it o e d e re t ro alim e n t aç ão d a n at u re za ( e pe la d e riva çã o do s
54

a dje t ivo s n a t ura l-c ult u ral) , port a n t o, n o s s as a çõ e s in t e n c io n ais re s u lt am e m


m uit a s c on s e qü ê n c ias qu e , ob je t iva m e n te , n ão b us c am os .
V ive m o s n u m am bie n t e bio -f ísic o fin it o do qu al d e pe n d e mo s , e qu e
n os im põe d ive rs ific ad as limit a çõ e s f ís ica s e bio lógic as ; e , ain d a qu e o n o s s o
g ên io , a n os s a in ve n t iv a e o s “ pod e re s ” qu e de la d e rivam , pos s am , d u ran t e
u m t e m po d e t e rm in ado am pliar – apa re n t e me n t e – n os s os lim it e s, re s ult a o
in e x orá ve l: a s le is e co lóg ica s n ã o pod e m s e r an u lad as .
U ma n ov a rac io n alida de e c o lógic a, c om s u po rt e n u m do s proc e s s os d e
a dapt aç ão e c or rige n da d as re laç õe s in t e r-h u m an as h avid as n u m e s paç o
s oc ial da do : o d ire it o, c o m t o do o s e u co n t e úd o re gu la tó rio e gar an t ido r,
d ev e le va r e m c on t a q ue e st a m os n o s apro x im an do ao lim it e do n ú m e ro d e
p es s oa s qu e o p lan e t a p od e s us t e n t ar; q ue n ó s , se r e s h um an o s e s t am os c au ­
s an do um gra ve dan o ao m e io am b ie n te , po is o e qu ilíbr io da n a tu re z a é f rá ­
g il e f ac ilm e n t e pe r tu rb áve l. De ou t ro m od o, t e m os qu e a dqu irir a c on s c iê n ­
c ia q ue t an t o o mu n d o “bió t ico ” c om o o “a bió tic o ” t ê m o “d ire it o” de
p erm an e c e r n a fac e do p lan e t a; e , fin a lm e n te , de v e m os co n s ide rar qu e , se
a s co is as c o n t in ua re m c om o a t é a gora e s t ã o, m u it o bre v e m e n t e e s t are m o s
f re n t e a u ma c at á s tr ofe e c oló gic a.
55

4 – O SER HUM A N O E SUA REL A Ç Ã O C O M O A M BI EN T E

[...] não é a consciência que determina a vida, mas sim a


vida que determina a consciência

Marx e Engels121

A m bie n t e , já af irm am os , é re la çã o. A m bie n t e – n o s e n t ido de m e io


a mbie n t e – pod e s e r d e fin id o c o mo u m lu gar de e n c on t ro 1 2 2 . S e t ive r mo s a
c urio s idad e d e co n s u lt ar u m lé x ic o f ilos ó fic o o u lin gü is t ico de qu alida de e
b us ca rm os o le m a e n c on t ro , de s c obrire m o s a riq ue z a d e s t e s ub st a n t ivo. N o
“e n c on t ro ” nos t opa m os c om o ou t ro , num c oló qu io so lidá rio; ou
s imp le s me n t e “d e sc o brim os algo . .. ”
D e s c obrire m o s , t am bé m , q ue t od o e n c on t ro n ã o e x ige u ma d im e n s ão
e s pac iot e m p oral e s p e cíf ica , e qu e t od o e n c o n tr o c on f orm a u m a a ss im e t ria
c lá s sic a: a c on t rap os iç ão: co n fro n t ar-s e , p ois , é u m a das po s sib ilida de s do
e n co n t ro. O s e r h u m an o – s u je it o e obj e t o n e s t e lu gar d e e n c on t ro – ao re la ­
c io n ar- se e n fre n t a e s s a dis s im e t ria. E, é d o se r h um a n o re la cio n a do ao
a mbie n t e , q ue d e ve re m os ag ora t rat a r.
O e n c on t ro en t re o s s e re s h u ma n os e o s o u t ros s e re s, o bje t o s d o ( am ­
b ie n t e ) d e e n co n t ro, já as s u s to u S art re ( c om o e st á e m O S e r e o N a da 1 2 3 ) q ue
v iu n o o u tr o s ó o o bje t o , viu a e x is t ê n cia d o o ut ro , m ais alé m do e u , ist o é , o
f en ô m e n o d a e x is t ê n c ia d o n ó s é igu al qu e a d e u m co le t ivo de co is as qu al ­
q ue r, as s im , S a rt re a n alis a o s s is t e ma s de Ka n t , de H e ge l e Hu s se rl , e de ­
m on s t ra qu e n e n h um de le s t ê m q ua lqu e r p os s ibilid ade d e re c on h e c e r o o ut ro
h om e m , p orqu e s e r h o m e m é s e r s u je it o , é de t e r u m a co n s c iê n c ia qu e r e c o ­
n h e ce a t o do o re s t o c o mo obj e t o.

4. 1 – O s i gni f i cado de “ r el ação” e de “ am bi ent e” na per s pect i va do


“ encont r o” dos s uj ei t os / obj et os r el aci onados

E s t am os , e n t ã o, n a pr e se n ç a d o co n t ras t e : s u je it o /o bje t o , qu e co n du z
a o co n fro n t o e pis t ê m ic o d a p os s ibilid ade de c on h e c e r o ob je t o co m o
s uj e it o.

121
Marx, K. e Engels, F., A Ideologia Alemã, Lisboa: Editorial Presença/Livraria Martins Fontes,
1974, Volume I, p. 26

122
Estamos nos referindo ao substantivo “encontro”, mas não podemos esquecer a flexão do
verbo “encontrar”: tomo consciência de...

123
L’être et la néant. Enssai d’ontologie phénoménologique. Gallimard, Paris, 1943
56

D e m od o c at e g óric o j á a fir m av a F ou c au lt : [.. . ] p e n s o q ue n ã o h á s u ­


j eit o s o be ran o , fu n d ad or, um a f orm a u n ive rs a l d e s u je it o q ue po de ría m os
e n co n t rar e m t o da p art e 1 2 4 ; ist o re fle t e be m q ue a c on s t e laç ão f ilos ó fic a m o ­
d ern a qu e prin c ipia co m o giro de s c art ia n o d o p e n s am e n t o t ra n sla da do do
m un d o e x t e rior, para o t e rre n o pre s s u pos t o b ás ico do c og it o. Daí po r dian t e ,
o s u je i t o qu e dialo ga pa s sa a ser o á pice de t o da a m e d ita çã o
g no se o lóg ica .
S pin o za , le van d o a t é as ú lt im as c on s e q üê n cia s o d e du t iv ism o s oli t ár io
e o de s pre z o p e la e x pe r iê n cia e x t e rior, pe n s a e x t rair d a in t e riorid ad e do s e r
t od o o c on h e c im e n t o. N ã o ob st a n t e , a ve r dad e é qu e c om re laç ão a e s t e
e x t re m o s olips is m o 1 2 5 , e m e rge n o R e in o Un id o, a e s co la ch a m ada e m piris t a,
q ue de Loc ke a Hu m e , n ão adm it irá ou t ro e n t e n dim e n t o sa lvo as s e n s aç õe s ,
c on s id era da s at om is t ic am e n t e , d e c uj a s o ma t ó ria in d u tiv a n ã o s e p od e rá
o bte r a c e rt e za d e v e rda de s u n ive r sa is do pró prio e u pe n s an t e .
E s t a e sc o la re ch a ç a o prim ad o do e u , lan ç an do -s e f ora d o d om ín io
c art e s ian o. C on t u do , é pre c is o c au t e la n e s t a pos t u ra; ve r dad e iram e n t e , o
e m piris m o n ão e n c ara o s o bje t o s d o m u n do e x t e rio r, s alv o pa ra fu n da r a s
s e n sa çõ e s , e co m o a s s e n s aç õ e s 1 2 6 s e dã o n o s u je it o co r p óre o, re s u lt a qu e
n u n ca e s se s o bje t o s s ão afr on t a d os dire t a m e n t e , se n ã o p e la t e n d ên c ia d o
s uj e it o 1 2 7 .
O c e rt o é qu e , n o s u bj e t iv is m o e s t á o dia pas ão de qu as e t od a a
f ilo s ofia m od e rn a, s e ja rac ion a lis t a ou e m piris t a a m e t o do logia do s dia ­
log ado re s , re s u lt an d o e m Ka n t pe n s ar crit ic am e n t e o s uj e it o c om o m old e e
raz ão a p riori da p róp ria un id ad e d o m u n do .

D es d e o ut ra s p e rsp e ct iv as , o o bje t o co m o t al, re t ro c e de para u m a dis ­


t ân c ia in t a n gíve l da c ois a e m s i, qu e s e po de co n s id e rar c om o aq uilo qu e o
o bje t o é , in d e pe n d e n te m e n t e do qu e o s u je it o s a be s o bre e le , is t o é ,
d ef in ie n d um por s u a de pe n d ê n cia ( a in da qu e n e gat iv a) do s u j eit o .

124
FOUCAULT, M., Dits et écrits (1954-1988), Vol. IV (1980-1988), Gallimard, Paris, 1994, p. 733,
exemplar consultado na Biblioteca Central da Universidade de Coimbra (2003).

125
Do latim solus ipse, um mesmo só, isto é,, tipo de subjetivismo levado ao extremo, que
entende que só existe, ou só pode ser conhecido o próprio eu; mais além do nós existem
nossas experiências, tudo o que resta é nosso eu presente.

126
Distinguindo-se as sensações dos pensamentos e das percepções.

127
Cf. CASTILLA DEL PINO, C., Teoría de los Sentimientos, Tusquets Editores, Barcelona, 2000,
p. 37-51 e 251-277
57

Po n t e s d e Mir an da , e m n ot áv e l e s t u do , j á e n fre n t o u e s t e prob le ma 1 2 8 , e


e le n o s e n s in o u qu e du as via s n o s s ão ofe re c id as para u m pas s o m ais alé m ;
u ma , é n e gar o s u je it o , de s in t e g ran do a un id ad e m e ra me n t e s u bje t iv a qu e
Kan t n os le go u, e s t a é a v ia e le it a pe la ps ic an ális e , p e la filo s of ia an alít ic a e ,
e s pe c ialm e n t e , pe lo p e n s am e n t o d a d e s co n s t ruç ão ; a o ut ra , e s t á re s um id a
n a re s t au raç ão d o e s t at u t o on t o lógic o d o ob je t o. Hu s s e rl s e gu iu po r e s te c a ­
m in h o, s ó q ue in f luíd o pe lo ca rt e sia n is mo , e le ge u c om o pon t o de par t i d a o
s olips is m o e n un c a fo i ca paz d e livrar- se d as c o n se q üê n c ias ide a lis t as daí
re s ult a n t e s ( Po n t e s d e M ira n da) 1 2 9 .
O c am in h o p ara a re s t au raç ão do o bje t o t e m dire ç ão ce rt a , c on s ist e
n a n e g at iva da prio ridad e e pis t ê m ic a d o s u je it o m e dian t e um a bre ve co n s ­
t at aç ão : e le n ão p od e ria se r s u je it o s e n ão f os s e t a m bé m o bje t o . En t ã o,
v ale o q ue s t io n am e n t o: o qu e e n t e n d em o s po r su j e ito e p or ob je t o?
E nt e n d e m os por s u je it o ( d o co n h e c ime n t o ) a qu e le q ue re c e be as in for ­
m aç õe s , s e n d o ob je t o o e m is s or da s m e s m as , a o m e n os n o e n t e n de r do
s uj e it o. Q uiç á is t o s e ja ve r da d e iro! Port a n to , d e im e d iat o a pre e n de m o s qu e
o s u je it o – c on s i d era do e s t rit am e n t e c om o su j e ito –, s e pa rad o d e t o do obj e t o
n ad a logra ria s abe r, pois , n ão t e ria s e qu e r a s i c om o o bje t o de s e u
c on h e c ime n t o .
O e go co git an s c ar te s ia n o n ã o p od e s e r pu ro su je it o n a me d ida qu e
a lgo s abe de s i e t e m , po r c on s e g uin t e , a si me s m o co m o o bje t o . Ev i de n ­
t e m e n te , n e n h u m pu ro s u je it o é c on c e b ív e l, po is s o me n t e re c e be ria in f or­
m aç õe s se m n u n ca e m it i-la s, log o, n a da po de r ia sa be r a re s pe it o de
q ualqu e r c ois a, se q ue r a re s pe it o d e si m e s m o, e n o m o me n t o qu e s e de f in e
p or s u je it o c og n os c e n t e , e s t aria f irma do , e o ip s o, qu e n a da c on h e c e .
Por ou t ro lado , t am bé m , é in c on c e bíve l um p uro o b j et o , q ue so m e n t e
irrad iaria in fo r m aç õe s s e m re c e be r n e n h u m a, po is is to s e ria um p uro f az e r
s e m qu alq ue r re t ro alim e n t aç ão , o q ue é co n t rad it ório c o m a n o çã o m e s m a
d e c o n t in uid ad e da aç ão n o t e m po , o q ue de m an d aria o a bs u rdo de u m a
a ção s e m du raç ão .
D o e x p os t o, s e o s u je it o c o gn os c e n t e n ã o po de s e r o qu e é s e m s e r
t am b ém o bje t o , e , s e d e o ut ro lad o, o o bje t o n ã o p od e s e r u m rad ica l n ão -
s uj e it o, a co n clu s ão prim ária é : a co n diç ão de s uj e it o e a d e obj e t o s e
e x ige m co m ple m e n t ar e re c ipro c am e n t e (P on t e s d e M iran da ) .

128
O Problema Fundamental do Conhecimento, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 2.a ed., 1972

129
O grande risco do solipcismo pode ser medido por suas conclusões, vale dizer que nada
existe objetivamente, tudo não passando de imagens construídas, ou por outra, de que a
totalidade de nosso conhecimento é devido as representações culturais.
58

4. 2 – Da r el ação s uj ei t o/ obj et o

S uj e it o e o bj e to s ão n om e s d e f un ç õe s ( FR E GE) p ara se re m re lac ion a l­


m e n t e a n alis ada s . S e r e qu e re m m u t u am e n t e , po s su in d o c ada u m de le s ,
a mba s as fu n ç õe s , s ó p od e n do s e r s uj e it o e obj e t o u m pa ra o ou t ro , p orqu e
c ada u m de le s , e m s i, s ã o a mb as as c ois a s. A t é o m om e n t o , t o da s as t e n t a ­
t ivas d e re u n ir-s e s u je it o e obj e t o ( v .g. , o r e alis m o e s c olá st ic o ou a fe n om e ­
n olo gia) s om e n t e fo ram su f icie n t e s n a re laç ão e n t re u m s u je it o d ado e u m
o bje t o da do .
T u do ape n a s n o p lan o re la c io n al, t e n d o po r s u po st o a c o n st it u iç ão do
s uj e it o ( qu e é in s u p e rav e lm e n te obj e t o) , be m c om o n o o bj e to ( qu e é in s u pe ­
rav e l m e n t e s u je it o ) , ou c om o d izia Po n t e s d e M ira n da : “a o s e r q ue t e m a
e x pe riê n c ia c h am am o s s u je it o, e m o pos iç ão a o s e r qu e é c on t e ú do d e la,
o bje t o” , im plic an d o a re laç ão s u je it o /o bj e to o laç o e n t re os do is t e rm os , ou
e m n o t aç ão : s ≡ o 1 3 0 .
T odo o c e t ic ism o co m re la çã o ao c on h e c im e n t o e m e rge da h ip ó t e s e
d e u m a gre t a e n t re s u je it o e o bje t o . N ão p od e n do s e r pro va da a h ipó t e s e ,
t am p ouc o po de s e r co n t e s ta da . O pon t o d e part id a é o s u je it o c o gn os c e n t e
e c on h e c ido ; n ão h á c om o s alt ar o a bis m o e n t re a re pre s e n t aç ão (q ue
rad ica n o su je it o ) e o re p re s e n ta do ( o obj e t o qu e e s t ar á se m pr e f ora d e le ) .
A u n if ic aç ão e n t re su j e ito e o bje t o n ã o de v e se r bu s c ada n a r e laç ão
e n t re am bo s , ma s s im, n a co n s t it uiç ão de ca da um d e le s ( n as s u as re laç õ e s
in t e riore s ) , va le diz e r, n as c on s t it u iç õe s re c í p ro ca s do s e n t e s qu e s ão , ca da
u m, por s i m e sm o s , in s e p ara ve lm e n t e s uj e it os e o bje t o s .
Log o, c om pre e n d e m os qu e a u n ião, q ue e s t á n a c on s t it u içã o d e u m
e n t e n ão po de s e r m o dif ica da pe la s im ple s ra zã o d a c on t raç ão co m ou t ro
e n t e . A o c on t rá rio, e s ta r e laç ão n ão se d e ve f aze r, sim , se po de m an ife s t ar
p ela re c ipro c id ad e d as in fo rm aç õe s e mit id as e re c e bid as , p ois h á un iã o
in dis s olú v e l do s u je it o e do ob je t o a go ra c on s id e rad a n ão s ob re c ada u m
d es s e s e n t e s t om a d os s e para dam e n t e , m as n a in t e r-re laç ão do s u b j et ivo -
o bje t ivo d e um co m o obj e t ivo -s ub je t ivo d e o u t ro.
E s t a re laç ão ( R) de e qu iva lê n cia ( s ≡ o ) é o qu e de n o m i n are m o s , par a
n os s os p rop ós it os , de co n h e cim e n t o ( C) . E , e la é , e s se n c ialm e n t e , u m a t o t ali­
d ade a t ribu t iva 1 3 1 qu e e n v olve su j e ito e o bje t o , n ão ope ra n do -s e qu alq ue r
130
Leia-se: o sujeito em relação de equivalência ( ≡) com o objeto. Cf. PONTES DE MIRANDA,
O Problema..., p. 84.

131
As totalidades atributivas são aquelas cujas partes estão referidas umas com as outras,
seja simultaneamente, seja sucessivamente, e mais, suas conexões atribu tivas não impli­
cam a inseparabilidade. Diz-se, portanto nematológicas, vale dizer, aquelas totalidades
que abarcam uma complexidade de partes ou topoi que se consideram desde a pers pec­
59

d is j un ç ão c é pt ic a 1 3 2 . A s s im , t od a a dú v ida fic a re d uz ida a u m jo go de


p ala vra s.
Po n t e s de Mir an da , co n t ribu iu de m o do re le va n t e para ac lara r a
n oç ão de s ≡ o , de s de a s u a c on c e pç ão do “ j et o ”, pe n s a me n t o qu e ac e i ­
t am os in t e gralm e n t e .
N a c on c e pç ão do j e t o, o in s ign e pe n s ado r t e m e m c on t a b us c ar re s ol ­
v er o pro b le m a c o n ce pt u al d e e x is t e n cia lida de . De n o m in ou – j e t o t u d o o qu e
s e p re s e n t ava n a r e alida de , s e ja fís ic o, s e ja ps íqu ico d e sd e qu e c on s id e rad o
s e m se r do lad o d aqu e le q ue só vê , o u do ou t ro lad o, va le diz e r, e lim in ado s
o s e le m e n t o s qu e re pre s e n t am a opo s içã o e n t re e le s; o pe raç ão e s t a q ue o
a ut or e x prim ia po n do e n t re p arê n t e s e s os pr e fix os s ub de s u j e( i) t o e de o b
o bj et o ; e s c lare c ia q ue re s e rvav a o t e rm o j e t o s e m h íf e n par a e x prim ir o f at o
in de p e n de n t e de n ós , v .g. , s e os h om e n s co m o o m am u t e d e s apa re ce s s e m
d a t e rra 1 3 3 .
A d ve rt ia Pon t e s d e M iran d a : d e s de q ue s e p õe m e n t re a s pas o s
p re f ix os [alu d e a s ub e o b] a e x is t ê n cia obj e t iva e a e x is t ê n c ia s u bje t iv a
d eix a m d e op or-s e : a árv ore é , e x is t e ; o s a n im ais e as pe d ras sã o, e x ist e m . ..
O qu e c ort a a c om pa c t aç ão s u je it o/ ob je t o e m su j e ito e ob je t o é a p osiç ão
d aq uilo qu e é in e lim i n á ve l por e le m e s mo , o u pe la c rít ic a de le , ou d os
o ut ro s, o qu e ac e n tu a é a ad oç ão de qu alqu e r afir m at iv a s obre a
im port â n cia ôn t ic a d o obj e t o, ou s o bre s e r o co o u c h e io o o bje t o 1 3 4 . Para
t orn a r m a is c laro e pre c is o s e u pe n s a m e n t o, e sc re v ia:

[...] o sujeito e o objeto nos dão o –jeto, mas os prefixos em


visão última são fatos; e dessa visão decorre ver, a nós, na subjeti­
vidade e na objetividade fatos, casos particulares de – jetividade, de
interpretação dos seres e dos fatos como a consciência o é da re ­
ceptividade, e a vida o é do orgânico existente, já no chamado
mundo inorgânico135. [Portanto, ...] a separação a que procedemos,

tiva de seu entrelaçamento por fios ( νεμα, nema, fio) tais que impedem um tratamento
isolado de umas em respeito a outras, segundo o princípio que os gregos denominaram de
“symploké” (συμπλοκώ, isto é “entrelaçamento” das coisas que constituem uma situação,
efêmera ou estável, o “symploké” sublinha efetivamente o momento da des conexão.
Pode-se ver o fenômeno em alguns textos platônicos, v.g., “O Sofista” (251a-253b): o
Estrangeiro de Elea quer dizer a Teeteto – no texto platônico –, que o entre laçamento se
revela como uma formulação de um princípio universal de “symploké” (oposto ao
monismo holista: tudo está vinculado com o todo; assim como, no pluralismo radi cal: nada
está vinculado, ao menos internamente, com nada), por isto se pode consi derar Platão
como o fundador do método crítico filosófico, por oposição ao método da metafí sica
holista ou pluralista da “filosofia acadêmica (Platão, El sofista o del ser, in, Obras Com­
pletas, Aguilar, 2.a ed., Madrid, 1969, p. 999-1045, especialmente, 1031-1035).

132
No sentido grego de observar sem nada afirmar.

133
Cf. PONTES DE MIRANDA, O Problema..., p. 97-98.

134
Cf. op. cit., p. 100.

135
Cf., PONTES DE MIRANDA, op. cit., p. 97-105; e, Sistema..., II, p. 253-254.
60

subjectus, objectus, nos revela que a aparição dos universais vem da


natureza da sensibilidade fracionária do mundo e essencialmente
extratora”136. [Pois, ...] referir-me e referir o objeto é que, pondo em
contraposição dois seres, os singulariza, e esta contraposição se
traduz nos prefixos. Ao passo que entre eles há algo como estante
por si, comum, mas não necessariamente comum, que é o universal,
o jeto, o Stand de Gegenstand [a posição do obje to] o –jet de Objet
e de Subjet. 137

O m o de lo do j e t o in c o rpor a u m a ac e pç ão u n ive rs al, p orqu e t a n to s e


e n c on t ra n o s u je it o, co m o n o o bje t o , e qü iva le a e s s ê n c ia, o s u b e o o b n ão
s e n do u n ive rs ais , e ram s in gu lar e s, e , c om o t al, e x is t e n te s , c u ja in t e g raç ão n o
–j et o as se g ur a a ple n it ud e da e x is t ê n c ia qu e s e re ve la n o s u je it o e n o o bje t o .
Po r is so , a firm av a Pon t e s de M iran d a , e lim in an d o-s e o in de s e j áve l s e
p ode ve r o c on c re t o e re lac ion a r-s e . Po is ,

[...] na análise do conhecimento se elimina constan temente, os


resíduos do objeto (ob) e os do sujeito (sub) [...] se elimina aquilo
que designamos como su– e ob– e agora, não nos importa saber co­
mo conseguiremos tal resultado –, resta o que não depende do posi­
cionado entre o sujeito e o objeto, vale dizer, o jeto o que está ai,
independe do sujeito ou do objeto. O que resta é uma porção – finita
ou infinita – de invariantes funcionais. Com elas se consegue uma re-
criação dos seres e, procurando-os nos propomos esgotar a coisa. A
invariante funcional é o jeto. Na verdade, os singulares ob e sub, que
não eram essências, mas sim existências, quando separados do
universal jeto, que não era existência, sim essência, os trans­
formavam em invariantes funcionais, isto é, em uma permanência
atuante, (re)criadora dos seres e das coisas138.

C om o po de m o s o bs e rva r, d a bre vís s im a an ális e ac im a, a r e laç ão e n t re


s e r s u je it o /o bje t o , pe n d e n t e a o bs e rv aç ão d o s uj e it o qu e o bs e rva n ã o s e r e ­
s olv e fa cilm e n t e , m ais ain d a, qu an d o tr at am os d o se r h um a n o e s u a re laç ão
c om o a mbie n t e .
E s s e s e r ( s uj e it o e obj e t o re cip roc am e n t e ) n u cle a rme n t e vin c u lad o ao
b ió tic o , e m s e u s e n t ido m ais e s t rit o e s tá po r e s s e fa to f ort e m e n t e c o n ­
d ic ion a do , ma is ain d a, ob se rv an d o-s e e s t a sit u aç ão d e sd e a su a re laç ão
c om o s d e m ais se r e s e co m o e n to rn o n a t ura l-c ult u ral.

136
PONTES DE MIRANDA, op. cit., loc. cit.

137
Op. cit., loc. cit.

138
PONTES DE MIRANDA, F. C., op. cit., p. 86-88; e, Sistema...., II , p. 254
61

4. 3 – A s r el ações s oci o- bi ocenót i cas do s er hum ano e o ent or no

C he ga do s a qu i, e e n te n d ida a r e laç ão s u je it o/ o bje t o c om o a da pt a ­


ç ão c ogn it iv a, j á qu e c o n h e ce r é ada pt ar- se 1 3 9 , é m uit o a pro priad o re le r
M orin 1 4 0 , qu an d o ad ve rt e – in de pe n d e n t e m e n t e d o s u je it o qu e co n h e ce –
q ue n ã o ba st a c om o af irm ar as v aria n t e s bio lóg ica s da u n idad e d o
h om e m 1 4 1 , po is os d e n om in ad os u n iv e rs ais a nt ro p ológic os não são só
b io lógic os ( re du c ion is m o , vit a lism o ) , m as b io c ult u rais , logo , im plic ad ore s de
d iv e rs idad e e v ariab ilidad e .
Por t an t o, o bio ló g ic o e o s oc io c u lt ura l n ã o de v e m s e r pe n s ad os co m o
d uas d im e n s õe s is ola da s, o u m e lh or, n ão de v e m s e r c on s ide r ado s c om o
p art e d e u m s is t e m a dic o tô m ico .
S e m dú vid a, a c o n ce p çã o u n idim e n s io n al d o s e r h u m an o , se j a p e lo
lad o c u lt ura lis ta , ou pe lo b iolo gis mo de v e s e r re c h a ç ada ; o s e r h u m an o n ão
é bio lógic o po r u m lado , e c ult u ral por ou t ro, d e m od o f ron t e iriç o ou d is ­
j un t ivo , e le é u m s ist e m a in t e gral 1 4 2 re ve la do e m u m a u n ida de c om p le x a e
o rg an iza da , fo rm an d o u ma c o mb in aç ão d e in t e ra ç õe s e in t e rd ep e n dê n c ias
e n t re h e t e ro g ên e o s fa t ore s bio -ps ic o-s oc iais , por is s o é su j e it o e é o bje t o , e
a in d a, s u je it o /o bje t o d o c on h e c im e n t o.
E ss a to t alid ad e é , de s t e m od o, o m arc o d e fin id or do s e r h u ma n o, v ist o
q ue e le é o re s u lt ado d e pe rm an e n t e s in t e ra ç õe s d a t ip o log ia bio -ps ic o-s o ­
c ia l 1 4 3 . A í e s t á a raz ão qu e le v ou M o rin 1 4 4 a bu s c ar o n úc le o do s u n ive rs ais
a nt ro po lógic os f ix ad o e m u m a e s t ru t u ra d e c om p le x id ade cre s c e n t e , orga n i­
z at iva e t ran s f orm ado ra, im e d iat am e n t e c on e c t a da a “in t e r-r e laç ão e n tr e o
s ist e m a ge n é t ic o, o s is te m a c e re bra l e o s is t e m a so c io c ult u ral” .
S ão sis t e m as in t e ra t ua n t e s , e su a un iv e rs alida de b io-p sic o -an t ro p o-
s oc ioló gic a e s t á im p lici t am e n t e re v e lad a. É o t ipo de un i v e rs alida de q ue n ão
e s t á po n t ua da e m t raç os p ura m e n te fe n o m ê n ico s , a n t e s , m a rca da por

139
Cf. Pontes de Miranda, Problema..., p. 100.

140
Morin, E., e Piattelli-Palmarini, M., La unidad del hombre como fundamento y apro­
ximación interdisciplinaria, in, Leo Apostel (y otros), Interdisciplinariedad y ciencias
humanas, Tecnos/Unesco Madrid, 1983, p. 212 (exemplar consultado na Biblioteca Central
da Universidade de Granada – Espanha [2002]).

141
Genéticas, fisiológicas, psíquicas, etc.

142
“Sistema global homo” como prefere Morin.

143
Morin, E.e Piattelli-Palmarini, M., La unidad del hombre..., p. 212.

144
L'unité de l'homme. Invariants biologiques et universaux culturels , Seuil, Paris, 1974, p. 618
(exemplar consultado na Biblioteca Central da Universidade de Granada – Espanha
[2002])
62

p rin c íp io s orga n iza cio n ais ( ge n e ra t ivo s) o rigin a is, q ue e m f u sã o c o m o in f lux o


d o m e io ( n a t ura l e s oc io c u lt ur al) , so m ad o a s di v e rs ific ad as c irc un s t ân c ias
a le at ó rias , ad m in ist ra m, re c on s t ro e m e in ov am o s t raç os c as u alm e n t e d is si ­
m ile s qu e s e d ão e n t re s o c ie da de s e in d ivíd u os , v ale diz e r, pa ra Ed gar M o rin
– e pa ra n ó s qu e ac e it a m os s u a t e s e –, os u n iv e rs ais s ão c om pe t ê n c ias , s ão
p rin c ípio s ge n e r at ivo s c om n at u re za o rga n iza c ion a l, e x e rc e n do o co n t ro le
145
s obre a d ive rs ida de fe n o m ê n ica e n ão m e ra s a t ua çõ e s .
T ud o is so e x ige um co n h e c ime n t o de d ica do pa ra a e labo raç ão de um
a ut ê n t ico s abe r t ran s dis c iplin a r e, e s pe c ialm e n t e , a do t aç ão d e um a t ran s ­
laç ão in t e rc u lt ura l d e s s e m e s m o s abe r.
A a u sê n c ia d e st a e s pe c ializ aç ão , e a e x ist ê n c ia d a dis pe r s ão d is­
c ip lin ar da s c iê n cia s e do s s a be re s , im po ss ib ilito u a e x is t ê n c ia de u m s ab e r
a nt ro po- só c io-c u lt ura l re u n ido , imp lica n do a d e c om p osiç ão e f ragm e n t a çã o
d o c on c e it o d e h o me m e de m u lh e r, c on t rib uin d o, as s im , para a o c ult a çã o
d e s u as id e n t ida de s , e pa ra o co m p ort am e n t o d ife re n c iad o e m r e laç ão ao
e n t orn o .
C ab e p e rgu n t ar e n t ão, co m o s e f orm a a re la çã o e n t re o s e r h u m a n o e
o a m bie n t e e m qu e e s t á in s e rid o, e , e s pe c ialm e n t e , qu al a n at u re z a d e s t a
re laç ão ?, be m c om o, q ua i s as c on d içõ e s e x igid as par a a ada p t aç ão
re lac ion a l? E ss a s pe rgu n t as t ê m d e s e r re s pon d ida s n u m e sf orç o de c o n ­
t e x t ua liza çã o be m d e fin id o.
É c laro q ue , co m o pre s s u pos t o e pis t ê m ic o, de ve r e mo s p art ir de alg u m a
p re m is s a pre v iam e n t e a ce it a; e , u m a d e las , e s tá vin c u lad a a ac e i t arm os q ue
t od as as s o cie d ad e s t e m um a o rige m bioló gic a.
A s oc iob iolo gia, d e sd e m u it o v e m afir ma n do qu e a so c ie dad e h u m an a
c om s e u s su bs is t e m as po lít ico , ju rí d ico e e c on ô m ico e s t á f u n d ad a d e sd e u m a
o rig e m bioló gic a, pro ce d e n do po r e v o lu çã o d e s ua s pró prias e s t ru t u ras ;
e s t rut u r as já e x is t e n t e s n a s s o cie d ad e s prim a is d as q ua is d e s ce n d e m os .
Por t an t o, s e e s t u da rm os o co m por t a m e n t o an im al ( in c lus iv e d o an im a l
d it o s u pe rio r) , d e sc o brim os a e x is t ê n cia d e c o m p ort am e n t o s qu e pre f igu ram
o dir e ito , c on f orm a m le is , e de s e n h am a or g an iz aç ão e c on ô m ica d os
h u ma n os . Vale le mb rar a de f e s a qu e s e f az do dire it o d e pro prie da de s o bre
a t e rra, é n e le qu e se e x pre s s a, e n t re h u m an o s , a “t e rrit o ria lida de ”, fa to e st e
n ão e s t ran h o e n t re m am íf e ros e a m u it as ou t ras e s p éc ie s .
É sa bido qu e u m a da s c ara ct e rís t ic as da pro prie d ad e é a pu blic ida de ,
o u o c on h e c i m e n t o qu e o u tr os a p os s am re c on h e c e r a o c om e la c on fr on t ar-

145
Morin, E.e Piattelli-Palmarini, M., ob. cit., p. 618
63

s e . E , pe rgu n t am o s : é so m e n t e o se r h um a n o qu e re c o n h e ce o t e rrit ó rio d o


o ut ro ?
C ert am e n t e n ã o. E x ist e m a n ima is t e rrit oria is , ist o é , an im ais q ue ma r ­
c am s e u te r rit ório m e dian t e ras t os o lfat iv os , ou v is ua is e s on o ros . N ós , m ais
s of ist ic ad os , u t iliz am os ce r ca s, le t re iros , o u le is qu e de lim i t a m o u as s i n a lam
lim it e s e fro n t e iras .
N ão fa lta m e x pe riê n c ias c ie n t íf ic as e e s t at ís t ic as qu e c om p rov am a
d em ar ca çã o d e t e rrit ório pe lo s an im ais ( n ã o h u m an o s ) 1 4 6 . Ho je s a be m os qu e
a e x plo raç ão d os re c urs o s de um t e rrit ório pe los an im ais , re un id os e m
a gru pa m e n t os , re q ue r s e ja e s t ab e le cid a um a o rgan iz aç ão d as re la çõ e s
e n t re o s m e m b ros do g rup o, q ue s e rá re fo rç ad a se m pr e qu e e x is t a um
s ist e m a de p rê m ios e pe n a s , e de a lgu n s ou t ros m e m bro s , de d ica do s a
f un ç ão, qu e os ou t org am e im po n h am .
A t e n t e -s e q ue n as s oc ie da de s h um a n as , e s s a co n fi g ura çã o, e st ru t u ­
ralm e n t e , e s t á d isp os t a n u m s is t e m a ju ríd ico , pou c o dife re n t e d os s is t e m as d e
o ut ras e s pé c ie s.
É do biólo go R obe rt L . T riv e rs 1 4 7 , um a in t e re s s an t e ob s e rvaç ão an á loga
e n t re o co m port a me n t o a n im al, e os s is t e m as n o rm at ivo s h u m an o s , at ra vé s
d aqu ilo q ue e le de n o min o u de a gre s s ão m o ralis t a 1 4 8 e qu e s e rv e de m o lde
p ara u m s ist e m a ju d ic ial: n u m agr u p am e n t o de a n im ais o ma ch o o u a fê m e a
in t e rvé m para im pe d ir as dis p ut as e c on f lit os e n t re a p role ; se m e lh a n te c om ­
p ort am e n t o v e m os n o s h um a n os , on d e u m s uj e it o d om in a n te in t rom e t e -s e
p ara s olu c ion a r as d isp ut a s e os c o n flit os e n t re os d e ma is s uj e it os s u bor d in a ­
d os h ie ra rq uica m e n t e 1 4 9 , ou n ão.
146
Exemplo muito interessante nos deu o biólogo, prêmio Nobel de 1973, Niko Timbergen ,
observando o que acontecia com os dois peixes que colocou, em comum, num grande
aquário, ele descobriu que cada um deles estabeleceu o seu território em lugares
opostos. Continuando com a observação, Timbergen selecionou um dos peixes e o
colocou em um tubo cristalino e o introduziu na aquário dispondo-o no canto oposto ao
que permanecia habitualmente, o “proprietário” do local onde estava o tubo cristalino
com o intruso se mostrou extremamente agressivo, e o intruso queria desesperadamente
sair daquele “território”, quando o tubo era deslocado de lugar tudo retornava a calma
naquele aquário (cf. The study of instinct, Oxford University Press, Oxford, 1951; tivemos
acesso a versão em italiano Il comportamento sociale e degli animali, EINAUDI, Turin, 1978,
existente na Biblioteca Central da Universidade de Coimbra 2003.

147
The evolution of reciprocal altruism, Quarterly Review of Biology 46 (4), 1971:35-57; aliás,
se pode acessar, estando previamente cadastrado, essas revistas a partir do n. o 77 em
http://www.journals.uchicago.edu/QRB/journal/, consultamos a revista na Biblioteca Cen­
tral de Universidade de Coimbra (2003).

148
A “agressão moralista” é freqüente entre os primatas (chipanzés, babuínos e outros). Um
tipo de comportamento que se assemelha muito ao sistema de coerção judicial.

149
Os sociobiologistas também relatam “relações” mais complexas muito assemelhadas a
“quase-contratos”. O exemplo que fornecem é o dos ninhos de tenuirrostros africanos (es­
pécie de pássaros de bico longo e delgado, semelhantes aos nossos “beija-flores”), neles
se pode observar que se encontram indivíduos da mesma espécie, todavia, não
pertencentes à família proprietária do ninho; no entanto, trabalham, defendem e
64

E vid en t e m e n t e , d o s is t e ma d e t e rrit o rialid ad e e d e a gre s s ão m ora list a


d os an im ais , pa ra o s ist e m a de le is , d e pro prie da de e de a plica çã o d a
j us t iça d os h u ma n os , e n o rm e f oi a d ist â n cia q ue a e vo lu ç ão e os proc e s s os
a dapt a t iv os e n ge n d rara m .
O rad ica lis mo d a s oc io b iolo gia f oi, e c on t in u a se n d o for t e m e n t e
c on t e s t ado n o m e io a ca dê m ic o; co n t u do , o bs e rv e -s e qu e algu m as d e s u as
a po rt aç õe s , e fe t iv am e n t e , s ão m u it o s up e riore s as pro po s içõ e s d e H ob be s , e
m e sm o , as de Ro u ss e a u, re la tiv am e n t e a orige m d o dire it o co m o u m c on t rat o
s oc ial e n t re s e lv age n s , q ue po r e st a f icç ão pas s am a se r c iviliz ad os .
A t ua lm e n t e , c o mo s e ve r á o port u n am e n t e , os e s t u do s e s t ão ce n t ra do s
n o de n o m in ad o p rin c ípio a n t rópic o , n as s u as f orm u laç õe s de f ort e e d éb il,
s e ja e m r e laç ão ao se r h um a n o e m s e u pe río do de e x ist ê n c ia n o pla n e t a,
s e ja n a s u a re laç ão c om à s mo dif ic aç õe s po r e le pro vo c ada s n o m e io
a mbie n t e .

4. 4 – A s r el ações e as r epr es ent ações que del as s e f az em

C omo se pô de o bs e rvar , as re laç õe s h av idas e n t re os in divíd u os ( su j e i ­


t os de t ran s fo rm aç ão ) , as s oc ie da de s e o “ am bie n t e ” c om e ç am co m a s
re pre s e n t aç õ e s qu e s e e s t ab e le ce m , c o gn it ivam e n t e , e n tr e n a tu re z a/ cu lt u ra
e a s a dje t iv aç õe s da i re s u lt an t e s .
R ela ç õe s e s t a s qu e e m e rge m d as co n diç õ e s m at e ria is d e pr od uç ão e
d as n e c e s s idad e s d e m an da da s, agre g ad as a e s pe c if ica do s s is t e m as
e co n ôm ic os e polít ic os v in c ula do s as c arac t e rís t ica s loc ais , in s cr ita s n a b iod i ­
v ers id ade , e s paç o ge o grá fic o e s u as c orre s po n d ê n c ia s , e das c on d i ç õe s
s oc ioc u lt ura is , aí in c luíd as , a s re la çõ e s c om a n at u re z a n o âm bit o d a
d ep e n dê n c ia, do d om ín io , do afe t o , e t c ., o qu e imp lica n o e s t u do an alít ic o
d es t as re pre s e n t aç õ e s e cre n ç as .
D uas s ão as p os s íve is p e rsp e ct iv as , de s d e os e s t u do s do s m ovim e n t o s
a mbie n t alis t a s, c om re s p e ito a re laç ão do s e r h u m an o c om a n at u re za : um a
t e m s e d e n o b io ce n t ris m o, t am bé m d e n o m in ada p os iç ão e co c ê n t rica ; o ut ra ,
re ve la u m a at it u de an t ro po gráf ica : o a n t rop oc ê n t ris mo .
D es d e o p rim e iro e n fo q ue , o m u n do n at u ral é co n c e bido e m s u a
h olo dim e n s ão , vale diz e r, e m s u a co m ple x a t o t alida de , pe rm a n e ce n d o ali

alimentam as crias, o seu “pagamento” – narram os pesquisadores –, se dá de uma, de


duas formas: ou, quando um “trabalhador” decide ter sua própria família e constituir o seu
ninho, levará alguns dos jovens que ajudou a criar para que trabalhem para ele; ou, o
evento “mortis-causa”, pois quando o fundador do ninho morre, o trabalhador mais antigo
passa a ocupar o seu lugar.
65

loc aliz ad o s e m n o t a d ist in t iv a, s e n ão co m o q ua lqu e r s e r viv o, e s t a s it u aç ão


im plic a de im e diat o u m a re c u sa à d om in a çã o da n a tu re z a pe lo s e r h u ma n o;
o ut ra, a at it u de an t ro poc ê n t ric a, e s t á m arc ad a pe la d e rivaç ão dic ot ô mic a
e n t re o se r h um a n o e a n at u re z a, on d e o prim e iro p os s u i dire it o s , c o n t role e o
e x e rc ício pro prie t ário d o a m b ie n t e , ut iliz an d o-s e pa ra t a n t o d as t e c n olo g ias
q ue a c iê n c ia m od e rn a dis po n ibiliz a.
O bs e rve -s e q ue de s de e st a po st u ra , a n at u re z a n ã o in c o rpora u m valo r
e m s i m e sm a , r e pre s e n t an do t ão s ó um a re s e rva de re c u rs os a se r n o d e vid o
t e m po e x plo rad a. N e s s a po s içã o s e po de s e n t ir, s u bja ce n t e m e n t e , a r azã o
c art e s ian a qu e afirm a q ue a rac io n alid ade do s e r h u m an o o p õe e m d e s ta ­
q ue a cim a d e t u d o o qu e e x ist e , in clu s ive s ob re a n a t ure z a.
Qu alqu e r s e ja a po st u ra qu e s e a do t e , e s t a n ão t e m o co n dã o de d e s ­
t ru ir a u n id ade n at u re za /c u lt ur a; ape n a s a prim e ira t e m um a pe rs p ec t iva
in t e grad ora e re s pe it o sa c o m à v ida, e n qu an t o a s e gu n da , é af irma t iva d e
s up e riorid ad e , t e n d e ao d e sc o mp rom is s o, e a te n t a c on t ra to da s as m an if e s ­
t aç õe s vit ais de s t a p arc e la do c os m o s qu e é o p lan e t a e os se r e s qu e o
c om põ e .
A s re laç õe s d o se r h um a n o c om o am bie n t e sã o re la çõ e s b io ce n ó t i­
c as 1 5 0 de s e n v olv idas n o e n t o rn o, v ale diz e r, v ín cu lo s qu e s e e s t ab e le ce m
c om t od os o s org an is m o s de d ive rs as e s p é cie s , org ân ic os e in o rgâ n ico s , q ue
v iv e m e s e re pro du z em e m d e t e rm in ada s co n diç õ e s e m um d ad o m e io . O
p olimo r f is m o é pre s e n t e e n e c e s sá rio pe la raz ão cu lt u ral/ n at u ral da
d iv e rs idad e . A s s im , a bio div e rs id ad e n u c le ia a ún ic a po s s ibilid ad e de
s obre v ivê n c ia do se r h u m an o n o a m b ie n t e qu e lh e s u bord in a.
S ão re laç õe s d e c om ple m e n t ar idad e qu e u n e m t od as a s e sp é c ie s n u m
ú n ico s is t e m a de s u st e n t a bilida de do m u n d o, o n de a re s po n s abilid ad e d e
t od os e d e ca da u m e s t á n a s at is fa çã o de n e c e s s id ade s at u ais s e m f rau d ar
a s pe rs p e ct iv as da s ge raç õ e s fu t ura s , p ois é n e la s qu e re s i d e a c om pre e n s ão
d a n o s sa g e raç ão , e é d e s de e las qu e n o s a t orm e n t a a a ngu s t ia da
in co m ple t u de e m p re s e rv á-las . Po is diz ia T e d Pe rri , in s pira do n a t a lve z
a pó c rifa as s e rçã o d o C h e fe S e a tt le , T ud o o qu e ac o n t e ce c o m a T e rra, /
a con t e c e c om o s filh o s e filh a s da Te rra . / O h o m e m n ão t e ce a t e ia d a v ida ;
/ e le é a pe n as u m f io. / Tu d o o qu e faz à t e ia , / e le fa z a s i m e s m o 1 5 1 .

150
Em grego βιο (vida) e κόινος (abstratamente, aquilo que é “comum”)

151
Apud, CAPRA, F., A teia da vida, Cultrix, São Paulo, 1996, p. 9.
66

5 – A DI A L ÉT I C A PO SI Ç Ã O - DI SPO SI Ç Ã O

A qu i o qu e pre t e n d e mo s é ap e n as de s e n h a r u ma m e t od olo gia p ara


a ce rc arm os do o bj e to in ve s t igad o.
C on su lt an d o- se o s lé x ic os , p ara o s u bs t an t iv o p os iç ão t e m os e m gre g o
d uas f orm a s: σ τάσ ις ( σ τάσ η ) ( s t ás is ) e τθ έσ ις ( t h é s is) , a prim e ira, s ign i f ic an do
p osiç ão e n qu an t o p os t u ra, p os t o, ma s t a mb é m, s u ble v aç ão, re be ld ia; a
s e gu n d a, in dic an d o o lu ga r o n de u m a aç ão o u pro po s içã o af irma t iva s e dá,
e s se s s ig n ific ado s pa ss a ram pa ra o lat im p os it io, e s t ar lo c aliza do n u m pon t o
( ge og ráfic o , re t ó ric o. .. ) re v e lan do u m a po lis s e mia qu e in d ica já mú lt iplo s
s e n t id os e e s t ad os d e s e r ( ou d o s e r d as c ois a s) , e c o mp õe o u tr as t an t as
e x pre s s õe s s ign ific at iv as p ara o e s t u do d o d ire it o.

5. 1 – A s der i vações do núcl eo s i gni f i cat i vo pos i ção- di s pos i ção

A n t e s d e m a iore s co n s ide ra çõ e s v am os re fle t ir s ob re , e n t re ou t ros , os


s ign ific ad os qu e a e x p re s sã o po de ge ra r:
A “ ros a -do s -ve n t o s” , ab aix o, qu e im p lica o n ú c le o e x pre s s ivo p osiç ão é
c apaz de ge rar m u ita s o u tr as e x p re s sõ e s s ign if ic at iva s 1 5 2 , n o s f ix are m os e m

Sobreposição

Composição Contraposição

Disposição Posição Imposição

Proposição Descomposição

Subposição

a lgu m as co m o e s t á ac im a. C om os pre fix o s d is -, d es -, s o bre -, s ub -, c om -,


c on -, p ro ( s) -, im -, n o s e n s in am os do u to s :

- em , o prefixo do grego έρί (com o genitivo εψ) para o latim super,


determina aquilo que se coloca acima ou que se acrescenta,
aposição; em , o prefixo do grego υπο para o latim sub, implica

152
Muitas outras são possíveis, como: anteposição, reposição, oposição, interposição,
transposição, predisposição, exposição, etc.
67

estar sob, abaixo de..., no grego já definia uma idéia de subor dina­
ção (υποτάσσω);
- em , o prefixo grego δις expressa duas vezes, ou duplo, levando a
idéia de lugar e ordem de potência (Aristóteles), onde disposição153
(διαθεσις, ou τοποθέτηση) ou ordenação revela um topos que con­
forma uma atitude ou modo de ser de algo, para o latim, dis-, com
várias acepções: separação, negação, intensidade, ainda revela
ordem, arranjo, seriação, etc.;
- em  o prefixo επί forma o verbo επιβαλλω, que é obrigar, forçar,
para o latim impono transliterando o substantivo impositio, para o
verbo imposito particípio de imponere, dando a idéia de atribuir en ­
cargo, daí imposto nos vários sentidos que, pendente a ciência que
se estuda, adjunta-se compulsoriedade;
- em  o prefixo com- como já indicado
- em  afirma a coexistência ou conjunto de seres que compõem
algo;
- em  do grego αντί (αντίσταση, tomar o partido oposto, con traposi­
ção) para o latim contra-, que revela inversão, para o radical con­
trapositio, dando a idéia de posição contrária, também, objetar;
- em , do prefixo grego πρό, por adiante ou a causa de, para
πρόταση (fazer uma proposta, proposição), para o latim propositio
(propositum de proponere) revela bem o ato de propor; mais ainda,
o juízo de uma expressão mental falsa ou verdadeira;
- em  de(s)-com-posição os prefixos des- indicando negação, e
com-, (cum) reunião, coexistência no tempo e no espaço, junção,
expressa a idéia de negação de algo já organizado ou atitude des­
comedida.

D e t od a a s ort e , s e m a pre t e n s ão d e apro fu n da r e e s go t ar o t e m a, j á


q ue n ã o t e m os a in dis pe n s áv e l co m pe t ê n cia lin g üis t ic a para t a l e m pr e sa , o
q ue s e pre t e n d eu ac im a foi, de m od o prim ár io, e s t ab e le ce r a c on e x ão
s ign ific at iv a do n ú c le o p osiç ão na s d e riva çõ e s a pon t a das .
Pos iç ão é u m s ub s ta n t ivo qu e n o gre go s e diz σ τάσ η , θ έσ η , ou
κατά στ ασ η , t od as e s s as e x pre s s õ e s re ve lam u m m e s m o c o n ce it o de p os iç ão
n o lat im ou n o po rt ug uê s , v ale diz e r, u m a po st u ra d e s de um a a t itu d e o u
m od o e m q ue o s e r e s t á p os t o, o u o t o pos ( e s t ra té g ico o u n ã o) o c up ado po r
e le ; t am bé m , re ve la um a ca t e goria ou c o n diç ão ( so c ial, po lític a, j uríd ic a,
m ora l, e s t é t ic a, e pis t ê m ica ou e c on ô m ica ) ; ain da , um a ma n e ira d e pe n s ar
o u de agir .
E ss as s it ua çõ e s , o u m od os de s e r, s ão imp or t an t ís s ima s p ara o e s t u do
d o d ire it o.
D is pos iç ão t am bé m c arre g a u m a riq ue z a d e s ign i f ic ad os m uit o gra n d e,
e m gre go c lás s ico e d e m ót ic o: διάθ εσ η ς , διάτα ξη , το ποθ έ τη σ η , καν ον ισμ ό ς ,
p ara o lat im d is pos it io ( n ú cle o lat in o p on o ) , re ve lan d o o m o do co m o o s s e re s
( ou as c o isa s ) e s t ão o rga n izad as , s e g un d o s u a co n ve n iê n c ia ou n e ce s s id ade ;
o u, c o mo e st ã o dis t ribu íd as a s c at e g oria s o u pa rt e s d e t e rm i n ad as .

153
Do grego διάθεσις indica o repartimento de uma realidade significativa devida na ordem
do real (do todo) como o entendeu Aristóteles, “Se llama disposición al orden de lo que
tiene partes, partes que pueden darse en la relación de lugar, o en el orden de potencia,
o en el de la especie. Es preciso efectivamente, que haya en todo ello cierta posición,
como el nombre mismo de disposición lo indica ” (Aristóteles, Metafísica, 1022b, cap. 19, 2.a
ed., Aguilar, Madrid, 1967, p. 973).
68

S ub je t iv ame n t e re ve la u m e s ta do d e ân i m o ou ca pac id ad e e ap tid ão


p ara d e t e rm in ad a aç ão. Por ta n t o, d is pos i ç ão ta n t o po de s e r o q ue e s t á
o rd e n ad o e c las s if ica do , be m co m o u ma d e c isã o, te n d ê n c ia ou in cli n aç ão
d o s e r pa ra algo .
Por is s o m e s m o, p e n sa m os n a e x ist ê n c ia – s e mp re p re s e n te – de u m a
t e n s ão d ialé t ica e n t re p osiç ão /d is pos iç ão que o co rre , e n t re ou t ro s , n o pla n o
j urídic o ; c o n t ud o, n ão e n t e n d e m os aí um a dia lé tic a de e le m e n t o s co n t rário s,
s im um a dia lé t ic a s e m e lh an t e a pe n s ad a p e lo p lat on is m o, is t o é , a pro c ura
p or u m a ra zã o d ia lóg ica en t re in t e rlo cu t or e s c om pro m e t ido s e fe t iv am e n t e
c om a b us c a da v e ra c id ad e , at ra v és da qu a l o d is c u rso ou a n a rraç ão pos s a
e vo luir gr ada t iv am e n t e d as apa rê n c ias s e n s íve is à s re a lida de s in te lig íve is ou
idé ia s.
U ma dialé t ic a as s im, t e n s io n a a p osiç ão e a d is po s içã o ( d os s e re s e
d as c ois as ) e n t re su je it o s re la c io n ad os n o am plo c am po do j uríd ic o.

5. 2 – A di al ét i ca pos i ção/ di s pos i ção e o di r ei t o am bi ent al

T odo o dire it o e s t á im pre g n a do p e las s ign i f ic aç õe s de d is po s içã o e


p osiç ão . O n úc le o – o s u je it o – do m in a t od as a s p osiç õ e s, pos it iv as o u n e g a ­
t iv as. N o s círc u los e m q ue se in se re e ss e m e s m o su j e ito , e s t ão as d is po s içõ e s ,
o bje t iva s o u s u bje t iva s .
O pró prio s ist e m a ju ríd ico , in t e g ralm e n t e , é do m i n a d o po r d is pos i ç õe s
q ue e s t ab e le ce e p os iç õe s q ue a tribu i; ve j a-s e o c as o d os d e n om in a do s
d ire it o s ob je t ivo s, d is pon d o so bre o s m od os e m e io s de a da pt aç ão e c orri ­
g en d a d as re laç õe s in t e r- h um a n as n o e sp aç o/ t e m po s o cia l; ou o ca s o d os
d en o m in ado s dir e ito s s u bj et ivo s , co m a a t ribu içã o d e po s içõ e s ao s su je it o s
re lac ion a do s .
A t e n s ã o fic a m ais f ort e ain d a s e p e n sa rm os , c o mo os am e rica n os , e m
law in a ct io e e m law in th e bo ok s e a in t e r-re laç ão s o cia l d ai de c o rre n t e .
N o â m bit o p e da g óg ic o d o de n o min a do D ire it o d o M e io A m bie n t e , d o
D ire it o A m bie n t al e s t a t e n sã o é pe rm an e n t e , e o e x e rcíc io dia lé t ico au x ilia
m uit o pa ra s e ja m e st a be le cid os o s vín c u los f rat e rn a is in d is pe n s áv e is par a a
c on c re t ud e d as re laç õe s d os s u j eit o s co m o e n t o rn o , de s d e u m a fu n da da
s e gu ran ç a j urí d ic a, e sp e cia lm e n te s ob re o s d ire it os qu e lh e s s ão a t ribu ído s .
O e s qu e m a a s e g uir, pro cu ra e st a be le c e r algu m as id é ias e m t o rn o d a
re laç ão p os iç ão/ d is p os iç ão :
69

DIALÉTICA
POSIÇÃO/DISPOSIÇÃO
EM DIREITO AMBIENTAL

D I G N I D AD E D A P E S S O A H U M AN A

RELAÇÕES COM O
AMBIENTE

Informação Juízo
Ambiental Crítico

Circuito de
DISPOSIÇÃO reação POSIÇÃO
cultural

Espaços de Práxis
Debate Ambiental

Pedagogia Organização
FRATERNIDADE
Ambiental Ambiental

Responsabilidade
Ambiental

Proibição de Retrocesso
Ambiental

S E G U R AN Ç A J U R Í D I C A
C a r l o s A. M o l i n a r o

A dia lé t ica 1 5 4 p os iç ão/ dis p os iç ão e st á s up ort ad a p or d ois p rim ado s qu e


p erm e iam t od a a n arra t iva ju ríd ica : a dig n idad e da pe s s oa h u m an a e a co n s e ­
q üe n t e s e gu ran ç a j uríd ic a qu e lh e é e m p re st a da . S o bre a de f in içã o de
d ig n idad e d a pe s s oa h um a n a, In g o W o lfga n g S arle t 1 5 5 , de u -n o s um c on c e it o
a nalít ic o a dm iráv e l:

154
Atente-se: não se trata de uma dialética de elementos contrários, sim de um proce ­
dimento que busca uma razão dialógica entre interlocutores comprometidos efetivamente
com a busca da veracidade, através da qual o discurso ou a narração possa evoluir
gradativamente das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou idéias. Se pode ver
isso em Platão, no diálogo de Crátilo ou da Exatidão da Palavra, in, Obras Completas,
trad. do grego de vv. aa., Aguilar, Madrid, 1969, q. 390c, p. 513-514.

155
SARLET, I. W., Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988, 3.a ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2004, p. 59-60.
70

[A dignidade da pessoa humana consubstancia-se na]


qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano
que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de
direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma
vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa
e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres da humanidade.

E st e c on c e it o n os é m u it o ca ro, po is em n os s a tese d ou t or al 1 5 6
d iz íam os :

[A dignidade humana está contemplada não só, nos] derechos


que “me reconocen”, sino también en los derechos que “he de re co­
nocer” en los demás y que, por lo tanto, me imponen un deber de
comportamiento hacia mí mismo y hacia los otros. Es en este sentido
que los derechos humanos deben reconocer la dignidad de la
persona y han de ser respetados, y es desde el reconocimiento y el
respeto que emerge la reciprocidad que por su vez exige la respon­
sabilidad y consecuente redistribución del poder social.

Por ta n t o, re sp e it o, r e co n h e cim e n t o , re c ipro cid ad e , re s po n sa bilid ade e


re dis t rib uiç ão do po de r so c ia l s ão pre c e it os d a a tr ibu içã o d e dig n i d ad e
h u ma n a.
S e e u n ão re c on h e ço o o ut ro , n ão pos s o e x igir igu a l t ra ta m e n t o; m a s,
d e n a da va le o re co n h e c ime n t o e a re cip roc ida de s e n ã o h o u ve r re s po n s a­
b ilid ade , e a re s p on s ab ilida de s ó pod e se r e x igid a, qu an do e x ist e n t e a
d is t ribu iç ão e q üit a t iv a d o po de r s o c ial. Se m e s s e s m an d am e n t os qu alqu e r
a tribu iç ão d e d ign id ad e a o s e r h u m an o é va zia .
M a s, e s se s m an d am e n t os n ada v ale m , t a mb é m , s e d e s t it uíd os da
c orre s p on de n t e s e g uran ç a ju ríd ica na e f e t ivid ad e d e s sa a t ri b uiç ão. Con ­
t ud o, n ão d e ve m o s re d uz ir o co n c e it o de s e gu ran ç a j urídic a a pe rm an ê n c ia
d o s is t e m a ju ríd ico c o mo n orm at iv os e sp e cu lar e s d e m e ra f icç ão re t ó ric a;
c om o diz ia Po n t e s d e M ira n da, mu it as ve z e s a p e rma n ê n cia d a e s t abilid ad e
é in j u st iç a.
A t e n t e -s e , q ue n ão re s ide a s e gu ran ç a j uríd ic a n a e s t a bili d ad e de le is,
c ódig os , q ua n do e s s e s n orm at iv os n ão re s po n de m a c rit é rios ju s t o s 1 5 7 ; por

156
Refutación de la escisión derechos y deberes Humanos, por una deontología radical de
los Derechos Humanos. Sevilla: Universidade Pablo de Olavide de Sevilha, Faculdade de
Direito, Departamento de Filosofia e Direito Público, 2005, p. 656

157
Cf., PONTES DE MIRANDA, F. C., Sistema..., t. IV, p. 194
71

is so , o c o n ce it o de s e gu ran ç a j uríd ic a de v e vir ac om pa n h ado in d e le v el­


m e n t e de u m c on c eit o d e ju s t iça , n ã o d e u m co n c e it o e n ge s s ad o q ue re flit a
a e x is t ê n c ia d e u m a ju s t iç a m e c ân ic a, re s u lt ad o d e op e raç õe s ló gic as qu e
s e f irm am e m c álc ulo s p ropo s icio n ais s of ist ic ad os ; s im , d e um a j us t iç a cu ja
lóg ic a s e j a re la c io n al, on d e o j u ízo s e re aliz e p or u m c álc ulo de pre d i ­
c am e n t os .
A s sim , s e gu ran ç a ju rídic a e o ide a l d e u m a ju s t iç a pre dic am e n t al,
p ro ce d im e n t al, d e cla rat ó ria, d is t rib ut iva e co rre t iva , an d am de m ãos da da s.
S ua e fe t iv idad e é re s u lt ad o d a c on v ic çã o ( d o co rpo s oc ial, plu ral) q ue
s e rão a plica da s m e did as co m pe n s at ó rias e e qü it at iv as se m p re q ue oc o rre r
d is f un ç ão n o p ro ce s s o de a dap t aç ão e c orrige n d a d as re la çõ e s in t e r-h u m a­
n as , c om u m c rit é rio qu e at e n d a valo rat iv am e n t e o d i re it o c om o p ro d ut o
c ult u ral qu e re s id e , c on c re t a m e n t e , n o pa t rimô n io ( c on ) t e x t ua l co le t ivo , e ai,
c abe t ud o: re lig ião, e s té t ic a, é t ica , po lít ica , dir e ito , e c on o m ia, c iê n c ia,
m od a. ..
Log o, e ss e s do is pr ima do s : d ign id ade d a p e ss o a h u ma n a e s e gu ran ç a
j urídic a c o n fo rma m u ma dia lé t ica p osiç ão /d is pos iç ão qu e e n t re o u tr as , e st a ­
b ele c e m re laç õe s c o m o a mb ie n t e , re la çõ e s e s ta s qu e e s t ão t e n sio n ad as po r
u m co n ju n t o d e in fo rm aç õe s a mbie n t ais p rov e n ie n t e s das m a is varia da s fo n ­
t e s – po r is s o, t ran s d isc iplin a re s – qu e s ão po st a s n um a m plo e s pa ço d e
d eb at e s , lu gar o n de as m ais d ife re n t e s op in iõe s (a δοκ έω , d os gre go s qu e
a lé m d e op in ião e ra t a mb é m ju ízo e re v e lava -s e n os s e u s ob je t os q ue sã o a s
c ois as se n s ív e is e as opin iõ e s v u lgarm e n t e s us t e n t ad as pe la h u ma n ida de 1 5 8 )
s ão ma n if es t a d as, d e s de o s m ais div e rs os s e n t im e n t os q ue v ão c on fo rm ar
u ma e d u ca ç ão ou c ult u ra pa ra. .. , u m a παιδε ία (p aidé ia ) g re ga, qu e la n ça a s
b as e s para u m a παιδα γω γία (p e dag ogia ) n o se u m ais e s t rit o s e n t id o, q ue é
in s t ruir, m as t a m b ém gov e rn ar.
N e s t e s bre ve s t raç os de u m a dim e n s ão d is pos it iva , s e pod e e n co n t rar
t od o o n e c e s sá rio pa ra co n fo rm ar as re laç õe s do s s e re s h um an o s c o m o a m ­
b ie n t e ; c laro e s t á, n ão e s got a mo s as v ariáv e is qu e c ada u m de s s e s m od ais
p ode m pro po rcio n ar, e n ã o é o lu gar aqu i pa ra f az e -lo; m as , o qu e aí e s t á, é
s uf icie n t e pa ra os n os s os pro p ósit o s .
Já n o pólo p osiç ão – le m bre m o s qu e , e m gre g o θ εσις [θ εσ η ] t h é s is –
e s t á o qu e c o rt a a co m pac t a ç ão s u je it o/ ob je t o e m su j e ito e obj e to e d is t in ­
g ue a c o n d içã o de c ad a su j e ito e m re la çã o ao e n t o rn o, on d e a ss u m e p ro ­
p osiç õ e s fu n d ad as e m n arra t ivas , argu m e n t os ou proc e s s os dis c u rsiv os , on d e

158
Cf., PETERS, F. E., Termos filosóficos gregos, trad. De Beatriz Rodrigues Barbosa, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1983, p. 56-57
72

e s t ão os t opo i qu e s e e s t abe le c e m , de u m la do , j uíz os c rít ic os , e d e ou t ro , se


f irm am aç õe s de lib e rad as ( [q ue in c orpo ram d is po s içõ e s ], qu e A ris t ót e le s
d en o m in av a d e πρ οα ίρ εσ ις p ro aíre s is ou p rin cíp ios pe lo s qu ais s e a tu a [de
m od o po lític o o u d e o u t ro m od o] 1 5 9 ) c o n for ma do ra da p rax is a m bie n t al.
O j uíz o c rít ic o s e e s t a b ele c e , por de riv aç ão da re laç ão p os iç ão/ ­
d is po s içã o, n um c on s t ru c t o lóg ico re su lt an t e d e u m a aç ão in t e le c t iva , via d e
re gra , e s t e j uíz o é as s e rt óric o 1 6 0 , pois n ão e x c lu í u m a po s sib ilida de de c on t ra ­
d iç ão ló gic a.
O j uízo c rític o , de po is da op e raç ão de a n á lis e do s prin c ípio s, id é ias e
p erc e pç õe s d as n a rrat iva s , t e x t u ais o u n ão , q ue lh e fo ram ap re s e n ta da s,
p ro ce s s a u m a apre c iaç ão e pis t ê m ica , o u raz ão lóg ica de c u n h o p olít ic o,
m ora l, e s t é t ic o, o u d e o ut ra ord e m s ob re o o bj e to in v e st ig ado ; e , é de s d e aí,
q ue s e pro du z e m o s m ov i m e n t os qu e s e in s t it uc ion a liza rão a tr avé s de o rga­
n iza ç õe s a mbie n t ais , qu e s ão e n t id ade s o u co n ju n t o de p e ss o as pro vid as d os
m e ios n e ce s s ário s p ara alc an ç ar f in s d e te r min a do s .
A s d e riva çõ e s d e s se s do is p ólo s d a re laç ão p os iç ão/ d isp os iç ão e s t ão
e m p e rma n e n t e t e n s ão , e ge ra m o ut ro s t a n t os prod u t os cu lt u rais , qu e c abe m
n a re laç ão a dje t iv ad a n at u ral/ c ult u ral da m a t riz ú n ica n a t ure z a/ c ult u ra.
O pro ce d im e n t o é c irc u lar-c om ple m e n t ar , in t e ra t ivo e au t o- re fle x ivo ,
c om o fim d e e s t a be le ce r re laç õe s d e re s po n s abilid ade ( dia lé t ica po si ­
ç ão/ dis p os iç ão d e d ire it o/ de v e r) , n o c as o , re s po n sa b ili d ad e s am b ie n ta is .
R es p on s abilid ad e , ab s tr at am e n t e , re v e la um s ign ific ad o v ago e am bí ­
g uo. Vá rios a ut o re s t rat ar am de s s e c on c e it o se g un d o a c iê n cia e m qu e e s t a ­
v am in s e rido s .
N o c e n ário ju rídic o, s ão re le v an t e s a s n o çõ e s d e re sp on s ab ilidad e qu e
n os le gara m Ke ls e n , Hart , R os s , Po n t e s d e Mir an da e t an t os ou t ro s; n o
e n t an t o, n ão é aq ui o lu gar a pro p riad o pa ra t rat arm o s d e las porm e n o riza d a­
m e n t e , b as t an d o-n o s a t e n t at iv a d e u ma u t ilizaç ão c lara e prim ária de su a
s ign ific aç ão e m Ha rt , e s co lh ido por n ó s u m t a n t o arbit ra riam e n t e .
S e gu in d o Har t, para o n os s o pro pós it o , e n o âm bi t o d a re s po n s abilid a­
d e am b ie n t al, vam o s re f e rir, re s u m idam e n t e , qu at ro d e s e u s s e n t id os : ( a)
R ole -R e s pon s ibilt y ; ( b) C as u al- Re s p on s i b ilit y ; ( c) Liab ility -R e s pon s ib ility ; e , ( d)
C ap ac it y -R e s pon s ibilit y 1 6 1 .

159
Isto está em Aristóteles, na sua ética nicomaquea, no liv. I, cap. 13, q. 1102b, sobre as
virtudes morais; e, também, no liv. III, cap. 3-5, q. 1113a a que trata das eleições que se
faz; in, Aristóteles, Etica Nicomaquea, in, loc. cit, p.1185, 1200-1202.

160
Ao contrário dos apodícticos que têm a pretensão incondicional de suas certezas, ou de
sua validez necessária (comum na dogmática radical).

161
HART, H. L. A., Punishment and Responsibility: Essay in the Philosophy of Law, 2.a ed.,
73

Em ( a) , t e m os a re s pon s ab i lida de -f un ç ão , de riv ad a do p ape l ou


e n ca rgo qu e e s t á c om e t id o a algu é m e q ue lh e co n fe re u m a ce rt a m arge m
d e d e c isã o; e m ( b) , a re sp on s ab ilidad e c om o re la çã o c au s al ( n o s e n t ido de
e ve n t u al, oc as io n al) , de c or re d a de riv aç ão d e u m fat o e s u as co n s e qü ê n ­
c ia s , p ort a n to po de se r at rib uíd a ao s at os h u m an o s , a at iv idad e d os an im a is
o u d e c ois as o u fe n ô m e n os , n ão s e at rib uin d o c ar ga v alo rat iva ; e m ( c ) , a
re s pon s a bilida de c o mo s an c ion a b ilid ad e , ou im pu t a bilida de , é a qu e la re s u l­
t an t e de im pu t aç ão le ga l s t rict o s e n s u ; e , e m ( d) , é a re s po n s abilid ad e c om o
e s t ado ou c ap ac idad e m e n t al, on d e o q ue s e bu sc a é a c on s ciê n c ia p or
p art e d o age n t e , do a to ge rad or d e c on s e q üê n c ias re s p on s abiliz áve is 1 6 2 .
E m qu alqu e r p e rs pe c tiv a, va le m u ito pa ra a cla rar a n oç ão de re s pon ­
s ab ilid ade , a s ua orig e m e t imo ló gic a la tin a : re s po n d ere q ue é e s t ar o briga do
a u m a p e n a o u re ss a rcim e n t o . D ot a do s de s s e s s e n t i d os s e po de e n s aia r u m a
c on c e pç ão, im pe rfe it a po r ce rt o , d e re s p on s ab ilidad e co m o a e n t e n de m os
n o e s q ue m a qu e co n s t ru ímo s re t ro, e q ue p od e ria s e r f orm u lad a d o s e g uin t e
m od o: u m a as s e rç ão e x pre s s iv a de um ju íz o n e gat iv o, r e su lt an t e de u m a
re pro vaç ão ju ríd ica , qu e in cid iu s obr e um a co n d u ta de um s u je it o re la c ion a ­
d o, qu e t ran s gre d iu , ou de s re s pe it o u, u m n o rm at ivo d is p ost o .
N o c e n ár io a mb ie n t al, a re s po n s abilid ad e e s t á m ais pe r to d o n ú c le o
e t im oló gic o, qu an do os su je it o s d a re laç ão p os iç ão/ d isp os iç ão, sã o c apa ze s
d e as s u m ir c om p rom is s os , d e re s po n de r pe la pro te ç ão , p rom oç ão e m an u ­
t e n çã o do am bie n t e , e s ão t am b é m im pu t áv e is pe la d e grad aç ão d e s s e
m e sm o .
C ert am e n t e , a d e riva çã o p ropo s it iva das re la çõ e s c om o am bie n t e ,
d es d e b e m d e fin ida s as re s pon s a bilida de s a mbie n t ais , t e m qu e s e d ar
a trav é s d a f ra t e rn id ad e, ist o é , at ra vé s d e re laç õe s h arm on io s as e d e u n ião
e n t re aq ue le s q ue v ive m e m p rox i m i d ad e 1 6 3 , o u qu e lut a m pe la m e s m a
c au sa .
D e t a l co n t e x t o d e riva im e dia t am e n t e u m, e n t re o u t ros prin c ípio s fu n ­
d ame n t a is pa ra a dia lé t ica p os i ç ão/ dis p os iç ão e m d ire it o am b ie n ta l, e

Clarendon Press, Oxford, 1970, p. 212) consultada na Biblioteca da Faculdade de Direito


da Universidade de Coimbra (2003).

162
Op. cit., p. 212-214.

163
Em espanhol o termo proximidade tem seus sentidos grafados de duas formas: próximo
derivando proximidad (subs. fem., qualidade de próximo e lugar próximo) e prójimo (subs.
mas., qualquer homem com respeito a outro, considerados sob o conceito da soli­
dariedade humana), quando em determinado momento tratamos de relação de proximi­
dade, que muito se presta para as relações ambientais, cunhamos o neologismo “ proji­
midad” para indicar: “relación de projimidad”, es decir, relación del ser con su prójimo
mientras él [ser] es recíprocamente prójimo también, y puede, además, estar “próximo”.
Assim, muito apropriada a relação de “ projimidad” quando tratamos das re lações fra­
ternas dos seres com o ambiente.
74

e s pe c ialm e n t e para fu n d ar um E st a do S oc ioa mb ie n t al: a p roib iç ão d e


re t roc e s s o a m bie n t al, qu e s e re v e la c om o u m prin c ipio qu e pre f e rim os
d en o m in ar, e m t e rm os de s e gu ran ç a ju rídic a pa ra a e fe t ivid ad e d os d ire it os
f un da m e n t ais am bie n t a is, de p rin cíp io de p ro ibiç ão da re t ro g rad aç ão
s oc ioa mb ie n t al 1 6 4 , qu e re v e la um o bje t o e s pe cíf ic o: ve d aç ão da de ­
165
g rad aç ão d as co n diç õ e s am b ie n ta is , já qu e re t rogr ada r e x p re s sa m e lh o r a
idé ia d e r e tr oc e de r , d e ir para t rá s , n o t e m po e n o e s pa ço .
A in da m ais , o qu e o dire it o a mb ie n t al obj e t iva pro t e ge r, prom o ve r e
e vit ar é qu e o am bie n t e s e ja de g ra d ad o, p ort a n to , in t e n s am e n t e de v e c o ibir
a re t rog rad aç ão qu e re pre s e n t a um a v iolaç ão a dire it o f un d am e n t al. A ss im o
é po is , a o a t in gir-s e u m e s t ado s u pe rio r, re t orn a r a e s t ág ios in f e rior e s é
c on t ra o m ais co m e zin h o p ri m ado da e v olu çã o do s s e re s e das c ois as .
E m e n s a io d e rigo r t é c n ico -c ie n tíf ic o, S arle t j á t ra t ou do t e m a d a p ro i­
b iç ão d e re t ro c e ss o 1 6 6 sis t e m at ic am e n t e – n o â m bit o do s d ire it os fu n d a ­
m e n t ais s oc iais – e de m o do t ão abra n ge n t e qu e s e in s e re e m n o s so d isc u rs o
j urídic o c om o u m t od o.
N ão ou s aría m os ac re s c e n t ar m ais 1 6 7 ; co n t ud o, f are m os a lgu m as bre v e s
c on s id era çõ e s s up ort a das p e lo t ra ba lh o d e S arle t , e n o dia gram a qu e c on s ­
t ru ímo s n a p ágin a 6 9 re t ro, n e le v e m os du as pro p os içõ e s s ign i f ica t iv as:
m ín imo e x is t e n c ial e c oló gic o e p ro ibiç ão de re t ro ce s s o am bie n t al ( a m bos
s ão prin c ípios q ue ide n t ific am u m E s ta do S oc ioa m bie n t al) ; e s s as pro po s içõ e s
n ão e s t ão aí po r ac as o , qu an do n o s re fe rim os a d ire it os e d e ve re s f u n da m e n ­
t ais am b ie n t ais .
U ma d e las , b us c a re aliz ar u m c om p rom is s o, a n t róp ico p or c e rt o, p ara a
e x is t ê n cia do s e r h u m an o, d e fe n d e n do a s u a d ign id ade ( é m e sm o o n úc le o
e s se n c ial da próp ria d ign id ade ) ; e , a o u t ra, dirig e -s e a m a n u t e n ç ão do
m ín imo e s t ad o p ara o a mb ie n t e , q ue e st á e m , p e lo m e n o s , m a n te r s ua s
c on diç õ e s at u ais , imp e din d o-s e ( ve d an d o-s e ) a de g rada çã o.
Le m bram o s , q ue qu an do in ic iam o s a e x po s içã o d a re la çã o d ialé t ic a
p osiç ão /d is po siç ão em m at é ria am b ie n ta l, re f e rim os cla ram e n t e s e u s prim a­

164
Socioambiental está aí como adjetivo que supera a dicotomia público/privado em maté­
ria de direito ambiental.

165
Adiante esclareceremos o uso da expressão vedação.

166
SARLET, I. W., Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso: algumas notas
sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise, in, in, VV.
AA., (Neo)Constitucionalismo – ontem, os Códigos hoje, as Constituições, Revista do
Instituto de Hermenêutica Jurídica, v. I, n. 2, Porto Alegre, 2004, p. 121-168

167
Cf., Os direitos fundamentais sociais na ordem constitucional brasileira, in, VV. AA., Em
busca dos direitos perdidos, Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, n. 1, Porto
Alegre, 2003
75

d os in f orm ad or e s: a d ig n idad e da pe s s oa h u m an a e a s e gu ra n ça j uríd ic a. É a


p art ir de s s e m od ais e p is tê m ic os qu e de v e re mo s s e g uir n e s t e e s t u do .

5. 3 – Pos i ção/ Di s pos i ção r el at i vam ent e aos Di r ei t os Hum anos e Di r ei t os


F undam en t ai s des de os pr i m ados da di gni dade hum ana e da s egur ança
j ur í di ca em s ede am bi ent al

Pe n s ar n a as s e rç ão: d ig n idad e da pe s s oa h u m an a ; n o s le v a a dis t in gu ir


e n t re d ire it os h u ma n os e d ire it os fu n da m e n t ais .
C ad a u m d e le s co m e s pe c í f i c os c am po s é tic o s, p olít ic os , ju rídic o s e
e co n ôm ic os . N ão s ão e x p re s sõ e s ig ua is , e m bo ra gu ard e m alg um a s in o n ímia
d e s e n t id o 1 6 8 . O s d ire it o s h u ma n os , d e co n t e ú do m ais larg o, s e c on s t it u e m n o
m od o o cide n t a l, d e lu t a pa ra co n q uis t ar a dign id ad e h u m an a .
Lu t a e st a q ue n e c e s sa ria m e n te re qu e r u m in t e n s o c om pro m is so an t e os
s of rim e n t os e in d ign a çõ e s qu e os s e re s h u m an o s pad e c em e m s u as v ida s
c ot idia n as ; por is so , e m s e de d e d ire it o s h u ma n os , o prin c ípio re it or é p ro­
b le m at i z ar a re alid ade , de m od o e s pe c ial a re alida de s oc ioa m bie n t al.
M as , c om o f az e r is t o ?
U ma das r e sp os t as po de se r a d e c on s t ru ir e s paç os d e e n co n t ro
p osit iv os n os qu ais de m o n st ra m os , e x p lica mo s , in t e rpre t a rm os e in t e rv imo s n o
m un d o d e sd e p osiç õe s e d is pos iç õe s alt e rn a t ivas e d ife re n c iad as .
Por is so , vam o s de f in ir n o âm bit o do s dire it o s h um a n os , para os e f e i t o s
d es t e e s t u do , d ig n idad e h u m an a c o mo o de s d obra m e n t o e a ac lara çã o d e
p ote n c ialid ad e s h u m an as par a co n s t ru ir o s m e io s e as co n diç õe s n e c e ss á rias
q ue p os s ibilit e m o de s e n vo lvim e n t o d a c apac id ade h u m an a ge n é ric a de
f aze r e d e s fa ze r m u n do s . E m s e n t ido m ais re s t rit o, o s dir e ito s h u m an os s e
in s e re m n a re la çã o n a t ura l/c u lt ur al, e re ve la m- se co m o p rod ut o s cu l t u rais
d is po s t os n o de n o min a do ord e n am e n t o ju ríd ic o in t e rn ac ion al pos it iv o, e at ri­
b ue m p os iç õe s (é t ic as e j u rí dic as ) ao s e r h u m an o, in de p e n de n t e m e n t e d e
u ma vin c u laç ão a u m s is t e ma ju ríd ico da do ( n a c io n al) ; c on t u do , mu it as v e ­
z es s ão re c e pc ion a do s pe los s is t e m as n ac io n ais , co m o é o n o ss o c as o, s e ja
c om o prin c ípio p re do m in an t e d e n o s sa s re la çõ e s in t e rn ac ion a is c om o e s t á

168
Para José Joaquim Gomes Canotilho, as “ expressões direitos do homem e direitos fun ­
damentais são freqüentemente utilizadas como sinónimas. Segundo sua origem e signi­
ficado poderíamos distinguí-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos
válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista);
direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e
limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza
humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais
seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta ” (CANOTILHO,
J.J. G., Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 2.a ed. Coimbra: Almedina, 1998,
p. 359).
76

n o in c iso II d o ar tig o 4. o , se j a co m o m an d am e n t o e x pre s s am e n t e adm it id o n o


p ará graf o 2. o do art igo 5 . o , am bo s d a Con s t it u iç ão d e 1 98 8. N o â m bit o
s oc ioa mb ie n t al, a c ap ac idad e ge n é ric a de f aze r e de s f aze r m un d os , re v e la-
s e n a c e rt e za d e qu e s o mo s o “e n co n t ro” , n e s t e “lu gar de e n c on t ro ” qu e é o
p lan e t a , s o m os u m a pa rt e do t o do , n o s s o pa s sa do é o pre s e n t e qu e s e
p ro lon ga , e n os s o fu t u ro e s t á n as ge raç õ e s, qu e f om o s n o p as s ado , e qu e
s e re m os n o fu t u ro.
O s d ire it os fu n d ame n t a is sã o ob je t o de s is t e m as n a cio n ais , m u it o
e m bora o s d ire it os h u ma n os c aibam n a e s fe ra d os dire it o s f un da m e n t ais de ­
le s e x t rav as am . Dire it o s fu n da me n t a is s ão té c n ic as ju ríd ica s po sit iv ad as ,
in s e rt as n as le is f un d am e n t ais d os E s t ad os , co n s t it uin d o-s e e m n a rra ç õe s
j urídic as qu e de s de u m a e s pe cif ica da d is pos iç ão no rm at iv a, a tr ibu e m u m a
p osiç ão sin g ula r a os cid ad ão s vin c u lad os aqu e le Es t ad o.
A qu i, sã o im p ort an t e s a s liçõ e s de S a rle t r e lat iv ame n t e a os d ire it os
f un da m e n t ais c o mo dire it o s d e d e fe s a, e c o m o dire it o s a p re st a çõ e s 1 6 9 ,
t am bé m m ais n ã o o u sa ríam os d ize r ; n a da obs t an t e , go st a ríam os d e c on s ig ­
n ar, qu e d e ve m os e n t e n de r o s d ire it os h um a n os , e m e s m o o s d ire it os fu n da ­
m e n t ais , n ão co m o f acu lda de s in at as do se r h u m an o , qu e n o ca s o do s f un ­
d ame n t a is s ão re ve lad as pe lo le gis la do r, s im c om o d ev e re s q ue n os a ut o -
im pom o s no âm bit o d o p ro ce s s o c u ltu ra l, o n de s e d e s t ac am c o m e s pe c ial
re le vâ n cia , da do e s p e cia lm e n t e o m a ltr at o e a de s t ru içã o s is te m át ic a qu e
e le s t ê m pad e cid o, e s u a c oim plic aç ão n a r e laç ão e n t re n at u re za e c ult u ra.
D e ou t ro m od o, pe n s ar n a as s e rç ão s e gu ra n ça ju rídic a n os le v a
im e diat a m e n te ao e sp e c u lar 1 7 0 do p rin c ípio da re s pon s a bilida de de Han s
Jon a s .
Le m b re m os qu e p ara Jo n as , a é t ic a ( h oje ) d e ve t e r e m co n t a as co n ­
d iç õe s g loba is da vid a h u m an a e m e sm o da s ob re vivê n c ia da e sp é cie . E m
1 985, Jon a s p ub lico u a s e gu n da p art e de O p rin cíp io da re s po n s abilid ad e ,
c om o T é c n ica , m e d ic in a e é t ic a. A prá t i c a d o prin c ípio da re sp on s ab ili ­
d ade 1 7 1 , n o d e co rre r de s s e t raba lh o apa re ce m t rê s e le m e n t o s bá s ico s d a
t e oria d e J on as : a s virt u de s da c au t e la , d a m o de ra ç ão n a aç ão , e o pe n s ar
a s co n s e qü ê n cia s, a part ir de s s e s e le me n t o s , Jo n as de f in e , e n t ão , u m a
h e u ríst ic a d o t e m o r co mo o m e io pe lo qu a l po de m o s a dqu irir u m a ma ior
169
A eficácia dos Direitos Fundamentais, 3.a. ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2003;
também, Os direitos fundamentais sociais na ordem constitucional brasileira, in, VV. AA.,
Em busca dos direitos perdidos, Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, n. 1, Porto
Alegre, 2003.

170
Observe-se que estamos referindo o adjetivo, o que reflete como o espelho, e não ao
verbo especular.

171
Publicado pela Paidós, Barcelona, 1997
77

c on s ciê n c ia d o pe rigo e , as s im , t e r o d ev e r d e at u ar s e gu in do u m a é t ic a da
re s pon s a bilida de .
N o s so de v e r – a firm a Jo n as – é s a be r qu e t e m o s id o de m as ia do lo n ge ,
e a pre e n d e r n o va m e n t e qu e e x is t e u m de m as iad o lo n ge 1 7 2 .
A s e g ura n ça ju ríd ica n o s c on f ro n t a c om e s t e a pre n d iza do : e x is t e u m
d em as ia do lon g e qu e n ão d e ve m os p e rco rre r; e la é um m e io c am in h o e n t re
o d e s e jáv e l e o po ss ív e l, e st á de m ã os d ada s co m u m ide a l de j us t iç a,
e m e rge cu lt u ralm e n t e de um fa t or ps ic oló gic o m uit o f ort e , a c on v ic ç ão de
s ua e x is t ê n c ia, n ã o a s e c as , ma s re s u lt ad o de u m a ce rt e z a, p ois ad ve rt ia
Pon t e s de M iran d a:

[... ] assim como o homem só por si não pode transformar,


senão aparentemente, as leis, não podem essas modificar as socie­
dades, porque representam produtos de suas crenças e de suas
idéias mais entranhadas: legislar quando não se copia o parecer da
vontade e lógica coletivas eqüivale a espalhar germens impres táveis,
que podem ter, por outro lado, influência diversa da que se es pera e
pretendia”173.

Po r is so , e s s a c on vic ç ão n ã o t e m s e d e e m um a q uim e ra , m as , c om o
d iz ia Pon t e s de M iran d a, e m qu e “a fa ls idad e da le i, v e rific a-s e n a s u a in apli ­
c aç ão, o fa to d e n un c iad or do de s re s pe it o pop ula r: n ão te m f u n çã o s o cia l,
p or is s o m e s m o qu e n ã o a re s pe it am os h om e n s ” 1 7 4 .
A s e gu ran ç a ju ríd ica po is , e s t á n a co n vic ç ão q ue n ão se af as t a o
n orm a tiv o pro du z ido pe la c o n sc iê n c ia co le t iv a co m o a u x ílio da s n e c e s sid a ­
d es qu e o de t e rm in ou .
A s e gu ra n ça j uríd ic a é , t a mb é m, t é c n ic a d o d ire it o q ue o t o rn a
im ut á ve l qu a n do co m part e u m a ju s t iç a e q üit a t iva, d e cla rat ó ria, dis t ri b ut iv a
e c o rre t iva, n a liçã o m agis t ra l d e P on t e s de M iran d a:

o que há de imutável no direito é a unidade de experiência


social, a pedra basilar sobre que se assediam todas as formações
sociais meramente jurídicas, o fundo comum e psi cológico da moral
e da sabença jurídica dos homens”175.

172
Técnica, medicina e ética. A prática do princípio da responsabilidade, Paidós,
Barcelona, 1997, p. 143.

173
PONTES DE MIRANDA, F. C., À margem do Direito. Ensaio de Psicologia Jurídica,
Campinas: Bookseller, São Paulo, 2002, p. 74

174
Op. cit., p. 104
175

Op. cit., p. 104


78

É ade m a is, um prin c í p io in e re n t e ao E s t ad o S oc ioa mb ie n t al e D e mo ­


c rát ico de Dire it o , e s t á t am bé m in clu íd a n os pro c es s o s d e d e m oc rat i z aç ão
d e r e ve lar o d ire it o q ue n os e n s in a o m e s m o Po n t e s de M ira n da , “[. . . ] é a
p olític a qu e c o mp e t e [. .. ] or gan iz ar a livre re ve laç ão d o dir e ito ” – pois , c o n ­
t in ua o dis c u rs o po n tia n o – “a le i d e de m oc ra t iz aç ão d os pro ce s s os de re v e ­
lar o d ire it o re s ult a na p rog re ss iv a dim in u içã o do e le me n t o de s pó t i c o” 1 7 6 .

5. 3. 1 – Sí nt es e

R es u m in do , e am plia n do e m s ín t e se ap e rt ada , o s d ire it o h u ma n os


p ode m se r c on c e bid os :

a) co m o dire it o s n a t ura is ô n t ico s


b) co m o dire it o s n a t ura is d e on t o lógic o s
c) c om o d ire it os m orais
d) c om o d ire it os pos it ivo s in t e rn a cio n ais
e) c o mo dire it o s po s it ivos in t e rn os
f) c o mo prod u t os cu lt u rais

E m ( a) , s ã o e n t e n did os os dire it o s c om o f at os , algu n s a u to re s vê e m a í


a fa lác ia n at u ralis t a ( n ão s e pod e de riv ar o s e r d o d e ve r-s e r) ; m a s, n um a
p ers pe c t iva cu lt u ralis t a q ue n ão cin d a n a t ure z a/ c ult u ra, po de - se de s e n ­
v olve r u ma t e o ria n at u ris t a do s d ire it os ( cf . Po n t e s d e M ira n da ).
E m ( b) , s ão dire it o s ar tic u lad os por n o rm as ( p rin cíp ios e re g ras ) e
v alore s de riv ado s d e pre m is sa s f át ic as ; n u m a pe rs pe c t iva c u ltu ra list a , t od os
o s d ire it os a lbe rga m co n t e úd o de o n to lóg ico n o s e u s e n t id o m a is pu ro, is t o é ,
“aq uilo q ue é co n ve n ie n t e ” ( d e on , de o n t os ) .
E m ( c) , n a co n c e pçã o an g lo-s ax ã , “m o ral righ t s ”, o prin c ipal log ro da
e x pre s s ão e s t á e m af as t ar d o co n ce it o d e dire it o o co n t e úd o me t a fí s ic o,
a trav é s d e le s s e art ic u lam e x ig ê n cia s n o rm at iva s pré v ias ao s d ire it os pos i ­
t ivo s, s ão ra zõ e s ju s t ific at ó rias do s d ire it os pos it iv ado s , s ão e x t ra -le gais ou
s up ra-le ga is ( Jo s e ph Ra z) .
E m ( d) , sã o dire it o s re c o n h e cid os n a ord e m in t e rn a cio n al, n orm as de
s up e rdire it o n a s le gis la çõ e s n a cio n ais , e s t ão in sc rit o s n as de c lara çõ e s e n o s
t rat ad os , co n ve n ç õe s e p ac t os in t e rn ac ion ais .
E m ( e ) , s ão aqu e le s a lbe rgad os n a s co n s t it uiç õ e s n ac ion ais , s e ja por
in co rpo raç ão d e riva da d os co m pro mis s o s in t e rn ac io n ais ( v .g ., art . , 4° ; e, §
2 ° e 3° d o a rt . 5 ° CF / 88) s e j a po r in t e gra re m a p rópria e s t ru tu ra t e le oló gic a
176
PONTES DE MIRANDA, F. C., Introdução à Política Científica, Forense, 1983, p. 181-183.
79

d o e s t ad o ( v .g. , art . 1 ° , I I I C F/ 88 – dig n ida de h u m an a co m o n ú c le o d u ro d os


d ire it o s h u m an o s ).
F in a lme n t e , e m ( f ), s ão pro du t o s re s u lt an t e s d e um “c on j un t o d e
p ro ce s s os ( n o rm at ivo s , in st it u c ion a is e s oc iais ) qu e ab re m e c on s olid am
e s paç os de lu t a pe la dig n ida de h um a n a” ( He rre r a Flo re s) . Um co n ju n t o d e
p ro ce s s os , as s im f un d am e n t ad o ( pro ce s s os e m an c ipad ore s ) , e st á a í g aran ­
t in do “e s paç o s de lu t as ” , p ois v iolar os d ire it os h u m an o s n ão é s ó t ra n sg re dir
o d ire it o, m as , t am bé m , e e s pe c ialm e n t e , “ im pe d ir a lut a ” pa ra f az e r e fe t iv o
o dir e ito ( He rre ra F lore s ) .

5. 3. 2 – F undam ent os dos di r ei t os hum anos

B re ve m o do , pod e m os f un d am e n t ar o s dir e ito s h u m an os e m q ua t ro


g ran d e s s e g me n t o s d is cu rs ivo s :

PRIMEIRO: DIGNIDADE HUMANA

Relativamente aos direitos humanos, eles são aqui e agora o


resultado do agir de homens e mulheres na luta permanente pela
conquista da dignidade do humano, não de uma “dignidade”
abstrata, encontradiça em (con)textos soteriológicos, da religião, da
moral ou do direito. Falamos de uma dignidade humana pontual, não
de uma dignidade “pura”, “centrada”, concessão de instâncias
superiores, de normativos pactuados desde uma “posição original”
onde os sujeitos estão convenientemente protegidos pelo “véu da
ignorância” que se desvela na produção de ideologias de
dominação, cuja a racionalidade é apenas a “inteligência dos
interesses ... que transformam os homens e as mulheres em objetos de
programação ou de benefícios planificáveis” .
Falamos numa “dignidade mestiça”, isto é, nos referimos a um
valor dignidade em permanente construção, dignidade “impura”,
“periférica”, que recusa a ficção dos pactos em pról da realidade do
dissenso, do pranto, do riso, do encanto e do desencanto, uma
dignidade mestiça, que não discrimina, que postula uma vida digna
para todos. Uma dignidade “empoderada”, que reconhece o outro,
e por isso exige igual tratamento e assim o respeita, pois de nada
vale o reconhecimento e a reciprocidade, se não houver o respeito;
uma dignidade assim, conduz à responsabilidade, pois a responsa­
bilidade deve ser exigida sempre que existente a distribuição eqüita­
tiva do poder social, portanto, uma dignidade com suporte nestes
fundamentos nunca é uma atribuição de uma dignidade vazia, pura
e centrada.

SEGUNDO: VALORES COADJUVANTES (liberdade, igualdade, justiça,


paz, etc.)

São valores que sustentamos, no singular e no plural, compre­


endendo a necessidade e a inevitabilidade das leis da natureza, e
dos condicionamentos daí emergentes, mais aqueles acrescentados
pela história. São valores que transformam o real, num circuito de
reação cultural, com o objetivo de satisfazer necessidades materiais,
e determinar a organização da sociedade mediante um jogo de
adaptações e corrigendas pelo critério da proporcio nalidade das
pretensões.
80

TERCEIRO: RECUPERAÇÃO DO POLÍTICO

Já que os direitos humanos não são prévios ou posteriores ao


político, sim que neles se dá uma interação contínua entre bens e
necessidades, num circuito onde a conquista dos bens necessários
para a vida digna estará devidamente garantida no normativo
jurídico positivado (direitos fundamentais).

QUARTO: RECUPERAÇÃO DO SOCIAL

Pois sem desenvolvimento social não podemos falar de


direitos humanos, já que necessária a integração contextual entre
bens e necessidades, sem integração qualquer pretensão de
garantia é mera abstração, e o valor dignidade uma ficção.

Portanto, os direitos humanos, revelam-se num processo cultural que


reclama uma educação permanente, e exige de nós: a capacidade
de sentir, a disponibilidade para o saber, o compromisso em decidir e
o dever de fazer o necessário para a sua concretização.

5. 3. 3 – A i m por t ânci a dos di r ei t os hum anos , es peci al m ent e os di r ei t os


s oci oam bi ent ai s

O s dire it o s h u m an o s c on s t it u e m o ú n ic o dis c u rs o po lític o p ós -gu e rra f ria


u n ive rs aliz áve l. S e rv e a t o da s as ide o log ias , ju s tif ic a in t e rve n ç õ e s de t o da
ín do le . E m s e u n o m e s e pra t ica m a d iário t o da a s ort e d e v iolaç õ e s à
d ig n idad e da pe s s oa h u m an a .
D e ou t ra part e , e m s e u n om e in f lac ion a mo s os lim it e s d o “t o le ráv e l”
p ela vit im iz aç ão d aqu e le s qu e m ais at e n t am c on t ra a m e s m a dign id ad e ; po r
o ut ra, ain d a, os in v isib iliza mo s p e la raz ão pró pria d os m e ca n ism o s de
v it im iza çã o, f ac ilita n do a v ida da qu e le s qu e de t é m o po de r p ara t orn á- los
e fe t iv os .
E m s e d e s o cio am bie n t a l a im po rt ân c ia do s d ire it os h u ma n os am bie n ­
t ais e st á n a s u pe ra çã o da t e n d ê n cia c om u m de co n c e itu a lizar o s pro ble m as
e co lóg i co s e m t e rm os ide o lógic o s, va le d ize r, um s is te m a d e c re n ç as e
v alore s c om pa rt ido s qu e s im plific am e d is t orc e m a re a lida de s o cia l para
p ro t e ge r “in t e re s se s de po de r” c o n cre t o s . R e ve lam -s e c om o im pe ra tiv os de
u ma d e m oc rac ia e c oló gic a qu e o bje t iv a – d e s de u m c ircu it o d e r e aç ão
c ult u ral b e m de f in ido – u m a d ist rib uiç ão e qü it at iv a d o p od e r s oc ial, n o
a te n d ime n t o da s n e ce s s id ade s b ás ic as c om o s e u p re e n ch im e n t o c om o s
b en s in dis pe n s áv e is pa ra u ma v ida d ign a.
81

5. 3. 4 – Di r ei t os f undam ent ai s . Di r ei t os f undam ent ai s am bi ent ai s

O s d ire it os f un d am e n t ais s ão o bje t o s de s is t e m as ju ríd ico s , mu it o e m bo ­


ra os dire it o s h u m an o s n e le s ca ibam , de le s e x tr ava sa m . Sã o t é c n ica s
j urídic as po s itiv ad as , in s e rt as n as le is f un d am e n t ais do s E s t ado s , c on s t it u in do -
s e e m n arra çõ e s j uríd ic as q ue , de s d e e s pe c ific ad as dis po s içõ e s n o rm at iva s ,
a tribu e m um a po s içã o s in gu lar ou plu ral, aos c idad ão s e c idad ãs , v in cu la do s
à qu e le âm bit o d e v alid e z n or m a t iva
O v alo r “d ign ida de h u m an a ” ad e m ais d os e pít e t o s do va lor d ign id ade
d os d ire it os h u ma n os , c o n st it u i, n o s d ire it os fu n da m e n t ais , t am bé m :

i. p rin c ípio e s t ru t ur an t e e t e le o lógic o d o Es t ad o (“A


República Federativa do Brasil... tem como fundamentos: [...] a
dignidade da pessoa humana” – art. 1°, III).

ii. p rin c ípio a n te c e d e n t e d e t o do o dis c urs o


c on s t it uc io n al e n ã o re s ult a do d e le .
iii. p rin c ípio d e le g it imid ad e d o c on s e n s o c on s t it u cio n al.

A d virt a -s e qu e a a firm aç ão d a d ign ida de h u m an a e n co n t ra-s e s u bj a ­


c en t e ao dis c urs o c on s t it uc io n al, e la é q ue o in s pira , port a n t o, n ão po de s e r
o s e u re s u lt ad o, s im , q ue po r e le d e ve e s t ar gara n t ida e , s e g un d o e le , c on ­
c re tiz ad a.
D e o u t ro m od o, o co n s e n so co n s t itu c ion a l, d e sd e o re co n h e c ime n t o da
d ig n idad e h um an a – q ue e s t á s ub jac e n t e n o dis c u rso co n s t itu c ion a l – é
c on diç ão in d e rrog áve l d e s u a le git im id ad e e firm a o p rin cíp io d o E s t ad o
S oc ioa mb ie n t al e D e m oc rát ic o de Dir e ito .
U lt im a rat io , co m o já af irm am os , d ire it os h u m an o s e dire it o s
f un da m e n t ais s ão pro ce s s os c u lt ur ais de pe rm an e n t e c on s t ru ç ão, d e dic ad os
ao de s v e lam e n t o e p rot e ç ão da “d ign ida de h u m an a ”; s ão n orm at iv os
( de s d e f at os , n arrat iv as , t e x t o s, s in ais , c os t u m e s, e o u t ras f orm a s de
m an ife s t aç ão do s s e re s h um an o s ) q ue a h u m an ida de ve m c on s t ru in do
a trav é s d e su a h is t ória p ara e v ita r ou in ib ir a v iolê n c ia e pro mo ve r a s im pat ia
n o c on t e x t o d e u m a e vo lu çã o cu lt u ral pe rm an e n t e .
A d e m ais , e n t e n d e mo s o s d ire it os h u ma n os co m o pro ce s s o s e m an c i­
p ad ore s ; as s im c om o e n t e n d e m os os dire it o s fu n d am e n t ais , c om o p roc e s s os
re gu lad ore s e g aran t id ore s da s c on q uis t a s alc an ç ad as n as lut a s e m an ­
c ip at ór ias .
82

5. 3. 5 – Ut i l i z ando a m et odol ogi a pos i ção/ di s pos i ção em s ede de di r ei t os


hum anos e di r ei t os f undam ent ai s

E m s e de de d ire it os h um an o s a d ialé t ic a po siç ão / dis po s içã o e s tá s u ­


p ort ad a po r d ois prim a do s qu e pe rm e iam t o da a n ar rat iva po lític o -ju rídic a: a
d ig n idad e da pe s s oa h u m an a e o s c on s e qü e n t e s p roc e s s os cu lt u rais e ma n ­
c ip ad ore s . U m e s qu e m a po de ria s e r o s e gu in t e :
83

E m s e d e de dire it o s fu n da me n t a is a d ialé t ic a po s içã o/ dis p os iç ão e st á


s up ort ad a po r d ois prim ad os qu e pe rm e iam t od a a n arrat iv a ju rídic a: a
d ig n idad e da pe s s oa h u m an a e a c on s e qü e n t e se g ur an ç a ju rídic a. U m
e s qu e ma p od e ria s e r o se g uin t e :

C om o se pod e ve r n os e s qu e m as pr opo s t os a dign id ad e h u ma n a s e


e n co n t ra c om o v alor c om u m e n t re os d ire it os h um an o s e os d ire it os
f un da m e n t ais , e m ca da um d e s t e s, c om e s pe c íf ico s ca m pos d e in t e raç ão :
é t ico s , po lít ico s , ju ríd ico s , e c on ô m ico s , e t c.
84

6 – SI ST EM A S DE A DA PT A Ç Ã O , PRO DUT O S C UL T URA I S E O DI REI T O

É n o c ron o to po s ú n ico : re laç ão n at u re za /c u lt ur a, on d e – e n t re o u t ro s


f en ô m e n os n at u rais –, o pró prio d ire it o ap are c e co m o u m d os p roc e s so s
s oc iais de ad apt aç ão das re laç õ e s in t e r-h u m an as ; aliá s , é de Pon t e s de
M iran d a, ap oia do , e n t re ou t ros po r H e in rich M at z at , e m ob ra e x e mp lar,
S ist e m a d e C iê n cia P os it iva d o Dire it o (1 92 2) 1 7 7 , a n oç ão d os m e ca n ism o s q ue
p ro pic iam a a da pt aç ão s o cia l n o s a n ima is s u pe rio re s e , e sp e cia lme n t e , da
f un ç ão ad ap ta t iva d as s e n s aç õ e s, para m a rca r b e m o q ue é co m um à vid a
d e t od os .
M ais ta rde ( 19 26 ) , n u m liv ro de s oc io log ia e x tr ao rd in ário 1 7 8 , prin c ip al­
m e n t e le van d o e m co n s i d era çã o o an o d e s ua pu blic aç ão , a af irm aç ão de
q ue o dire it o é u m do s pro ce s s os s o cia is de a da pt aç ão e c orrige n d a d os
d ef e it os da ad ap ta ç ão s oc ial, vai s e r e st u d ado de s de a pe rs p e ct iv a da
s oc iolo gia e da ps ic olo gia f orm al.
N e s se e st u d o, e s s e pro c es s o qu e s e fa z n o s c írcu lo s n os qu ais s e in s ­
c re ve m e s s as re laç õ e s vai s e r an alis ad o pe lo a u to r, a p art ir d e u ma t e n s ão
e n t re u m a ad apt a çã o f ís ico -qu í m ica e u m a ad apt a çã o b ioló g ica , m e d iad as
p or u ma ad apt a çã o m e n t al; s u rgin d o, de s t a fo rma , um a ad apt a ç ão s o cia l 1 7 9 ,
o nd e o dire it o c om os c ri t é rio s d o ju s t o e do in j us t o é im pli c ado a t rav é s d e
u ma m a n ife s t aç ão ps ic oló g ic a, f u n dad a n a c on fia n ça d e um a o rde m e x t rín ­
s e ca , ma n ife s t ad a, c on c re t a m e n t e , e m re g ras d e co e x is t ê n cia , logo , n o
d ire it o , t e n d o po r id e al ad apt a t ivo u m a Ju st iç a d e cla rat ória e dis t rib ut iv a.
É n e s s e c e n ário , is t o é , n o pro ce s s o s oc ial d o j uríge n o , qu e s e e n c on t ra
u ma d as t ran s fo rm aç õe s pos s ív e is n a re laç ão n a t ure z a/ c ult u ra c om o u m
d et e rm in an t e ou t e n dê n c ia de pr e do mín io d e um c am p o e s pe c íf ic o: o
j urídic o .
Um e s pa ço o n de s ão bu s c ada s as s olu ç õe s de t e m as po lí t ic os ,
e co n ôm ic os e so c iais , po is o d ire it o, n e s s e c e n ário , p od e s e r e n t e n did o co m o

177
Sistema de ciência positiva do Direito , reeditado em quatro tomos por Editor Borsói, Rio
de Janeiro, 1972.

178
Introducção à Sociologia Geral [mantivemos a grafia original]. Rio de Janeiro: por
Pimenta de Mello, , 1926.

179
Para Pontes de Miranda, sete são os principais processos de adaptação social: Processo
Religioso, com os critérios do sacro e não sacro, do divino e do profano; Processo Ético,
com os critérios do Moral e do Imoral; Processo Estético, com os critérios do belo e do feio,
do estético e do inestético; Processo Gnoseológico, com os critérios do verdadeiro e do
não verdadeiro, verdade e erro; Processo Jurídico, com os critérios do justo e do injusto, do
legal e do ilegal; Processo Político, com os critérios da ordem e da desordem, organização
social e desorganização social; e, Processo Econômico, com os critérios do útil e no inútil
(Introdução..., pág. 179-234, especialmente o quadro da pág. 235).
85

o e qu ilí b rio d o qu e t e n de a opo r-s e 1 8 0 . N e s t a dim e n s ão de p ropo rc ion alid ad e


é q ue ap re s e n t a-s e co m o t ípic o p ro du t o c ult u ral.

6. 1 – O di r ei t o com o pr odut o cul t ur al

Qu e s ão prod u t os c u ltu ra is? Mu it as d e fin iç õ e s pod e m s e r apr e s e n t a ­


d as. T alv e z t o da s, d e c e rt a fo rm a, in s at is fa t ória s. Pro du t o é s e m pre o
re s ult a do de um a mu lt iplic aç ão , n a t e o ria d os c on j un t o s , re ve la -s e pe la
o pe raç ão n a qu al s e obt é m u m n o vo c on j un t o ( in t e rs e ç ão ) , c on s t it u ído
a trav é s d e e le me n t o s c om u n s aos do is o u t ros co n ju n t os .
Por t an t o, pro d ut o é s e mp re u m d eriv ad o, vale d ize r, q ue ou o qu e se
o rig in a d e t ran s fig u raç ão , ma t e rial o u ima t e rial; m ais ain d a, t an g íve l o u
in t an g ív el.
Log o, a re laç ão n at u re za /c u lt ura , co m o a e n t e n de m os n ã o p od e ge ra r
p ro du t os ; ma s , a re laç ão adj e t ivad a n at u ral/ c ult u ral, sim . É n e s t e e s pa ço
re lac ion a l: n at u ral ou c ult u ral qu e sã o ge ra do s o s p rod ut o s .
Pro du t os cu lt u rais s ão, por ta n t o, d e riva çõ e s d a re laç ão n a t ura l /c u l ­
t ur al, s ão m ú lt iplo s re la c ion a is c om as ca rac t e rís t ica s d e d e n s id ade e s pe c í­
f ic a p re pon d e ran t e d e c ad a t e rm o da re laç ão : n a t ura l ou c u lt ura l . O pe s o
e s pe c íf ic o do s pr od u to s c u lt u rais e s t á m e d ido pe la m a ior pre po n de r ân c i a do
n at u ral ou do c ult u ral qu e lh e s in t e gra m .
A lin h a de in t e rs e ç ão de s s as d ua s gran d e za s lh e s im prim e m a
ide n t id ad e ; n e s t e a sp e ct o , o s pro du t o s c u ltu ra is s e m pre s ão re s u lt ad o de
p ro porc ion a lid ad es e s t abe le c ida s p e la ca us a- raz ão d a ma t riz c on s t i t uid or a.
H á pro du t o s c u ltu ra is c om m aior pe s o d o n a t ura l ou d o c ult u ral, ma s
s e mp re n a ra zã o pro porc io n al e st a be le c ida pe la re la ç ão n at u ral/ c ult u ra l.
N ão e x is t e m prod u t os “n at u rais ” e m se n t id o e s t rit o, os prod u t os se m pr e
s ão “cu lt u rais ” . O m o t ivo e s t á n a re laç ão su bs t an t iva prim al: a re laç ão
n at u re za /c u lt ur a qu e s e ad je t iva n a re la çã o n at u ral/ c ult u ral. A s sim o é , p ois
s e e n t e n de m o s ú n ica ( u n idim e n s ion a l) a re la çã o p rimá ria ( n a t ure z a/ c ult u ra) ,
o c o n se q üe n t e re lac ion al ( qu e n ão é pro du t o, m as t e rm o de um a raz ão )
n at u ral/ c ult u ral é ge ra do r de p rod u to s ; só qu e d a u n id ime n s io n alid ade da
re laç ão b as al, a c ult u ra ( da re la çã o n at u re z a/ cu lt u ra) é a for ma c o mo a
n at u re za s e fa z p re se n t e n o c am po gn o s e oló gic o, da í a c u lt ura lida de d e
t od os os pro du t os .

180
Utilizamos o substantivo equilíbrio com um sentido muito próximo daquilo que Dworkin
chama de equidade (o valor de igual poder de cada indivíduo em uma so ciedade dada),
cf., Dworkin, R., Law’s Empire. Cambridge, Mass.: Belknap Press, 1986, pág. 165 e seguintes.
86

O q ue n o rma lm e n t e c h am am o s de p rod ut o s n a t ura is as sim os


d en o m in am os p or e lip se , s ão n a re alida de p rod ut o s cu lt u rais c o m fo rt e
d en s id ade n a t ura l, já q ue s ão im p os s íve is de s e re m ge r ado s s e m a part i ­
c ip aç ão d ire t a e im e d iat a, ou in dire t a e m e diat a , da in t e rv e n ç ão h u m an a,
s e ja pe la s u a “n om e aç ão -m at e ria l” , se j a pe la s u a “ide a lizaç ão -in t e le c t ua l” .
T om e m os po r e x e m p lo u m pro d u to c ob iça do , o o uro , ou o dia ma n t e .
S ão pro du t o s n at u ra is?
C ert am e n t e n ão .
E le s e s t ão n a n at u re z a, de la faz e m pa rt e – s ão a n at u re z a, s ó s e
t orn a m prod u t os qu an d o se lh e s at ribu i u m a qu a lidad e n a t ura l ou c ult u ral,
is t o é , qu an d o de t e rm o s da re laç ão prim ária , e m e r g e m n a re laç ão ad je t i ­
v ada n at u ral/ c u ltu ra l c om o p rod u to s .
E , is to é v álid o para q ua lqu e r o u t ra d e riva çã o, a so ja e m grão s p or
e x e m plo, in t rin s e c am e n t e é n at u re z a qu e s ó d e pois d eriv a pa ra co n s t itu ir
c om m od it ie s c om f ort e a ce n t o c ult u ral ( a dj e tiv o) , o u para co m por ou t ros
p ro d ut os an á log os , c om o a d eri v aç ão tra n s gê n ic a, c om fo rt e a ce n t o n a t u­
ral.
C omo s e po de fac ilm e n t e in t u ir, d a r e laç ão ún ic a n a t ur e z a/ cu lt u ra, s e
lh e s a t ribu i ( a e s s e s t e rm o s d a re laç ão ) a a dje t iv aç ão n a tu ra l/c u lt ura l. O s
p ro du t os cu lt u rais , q ue s ão d e riva çõ e s , s ão e n c o n t rad os em t o do s os
p rin c ipais pro ce s s o s d e a dap t aç ão s oc ial: re ligião , e s t é t ic a, é t ic a, p olít ic a,
d ire it o , e c on o m ia e c iê n c ia.
Em c ada um de s s e s p roc e s so s de ada pt aç ão e c orrig e n da d as
re laç õe s in t e r- h um an a s h av idas e m u m c ro n ot op os s o cia l de f in ido , e s se s
p ro du t os c u lt ura is co n s t it ue m a bas e d e t o da a po s sib ilida de d e e x is t ê n c ia
s oc ial, or a pre e n c h e n d o o u su pr in d o ( e ain da , ge ran d o) n e ce s s id ad e s, o ra
d et e rm in an d o uma d om in aç ão de v ariad a t ipolo g ia, ou imp lic an do a
e m an c i paç ão de gru pos , o ra re v e lan d o pe r das o u aqu is iç õe s d e n ov as
f orm as c o e x ist ê n c iais , e a ss im por d ian t e .
O d ire it o c om o u m d os re s u lt ado s d e s s a re laç ão n at u ra l/c u lt ura l,
re ve la -s e , c o mo um pro du t o cu lt u ral. Um a d e riva çã o e x t re m a d am e n t e
c om ple x a, e m qu e os s ub pro du t os qu e g e ra, im po rt am dire t a m e n t e n a s
c on diç õ e s de n o s sa vid a. I st o é a ss im , po is n ós , ao s e rm os liv re s n ão
c are c e mo s d e ca us as de t e rm in a n t e s d a próp ria aç ão , s im ple s m e n t e po rq ue
s om os a c au sa .
87

Aí se vê be m a re la çã o p rim ária ( n a t u re za /c u lt ur a) qu e re t ro
re fe rim o s 1 8 1 .
S om os t e rm o s da re laç ão s ub s t an t iva e aí so m os c au s a-lib e rda de ;
c on t u do , q ua n do m e rg ulh am os na re laç ão n at u ral/ c ult u ral, não a ban ­
d on am os o s t at u s de t e rm os re lac io n ais , s ó qu e ago ra, te r mo s re f e re n c iais d e
u ma s ub re laç ão n at u ral/ c ult u ral: s u je it o -obj e t o; po is , a ce it a m os u m pro du t o
f un da m e n t al d a re laç ão ad je t iv ada : os p od e re s de ô n t ico s qu e re c on h e ­
c em o s n as n o rm as c on s t it ut iv as e n a s n orm as re g ula do ras ( s u bpro du t os ) q ue
p as s am o s a re s pe it a r; dai, s u ce s s i v am e n t e , s ã o ge r ado s ou t ro s su bp rod u to s ,
v in c u lado s a o u t ros pr o c e s s os ad ap ta t ivo s: o po de r p olít ic o, e c on ô m ico ,
re ligio so , e t c .
E ss e pro du t o c ult u ral qu e é o dire it o s e co n s t rói at ra vé s d e mú lt i p las
n e ce s s id ade s e n ge n d rad as n o de s e n vo lve r d a n os s a vid a so c ial. Pa ct is t as e
n ão -pac t is t as qu e s e ja m os , n ã o pod e m os de ix a r d e re co n h e c er qu e o vín ­
c ulo qu e n o s un e e m s o ci e d ad e re s ide de m o do in t e n so , n u ma raz ão
b io lógic a ( pro du t o c ult u ra l c om fo rt e a ce n t o n at u ral) , o u n u m p rin c ípio
a nt ró pic o ( c om for te ac e n t o c u lt ura l) in d e rrog áve l.
E ss a in d e rroga b ilid ade e s t á s olid am e n t e a n co rad a n a lin g ua ge m , o ut ro
s ub p ro du t o d a r e laç ão adj e t ivad a, po is é at ra vé s d o d is cu rs o de s t a ra zã o
( bioló gic a) , o u d e s t e p rin cíp io ( an t ró p ico ) , qu e vai s e r co n fo rm ada a m e d ida
d e n os s a c on s c iê n c ia ou in c on s c iê n c ia do s is t e m a so c ial a qu e e s t am o s
s ub me t id os .
D iga -s e b ioló gic o ou an t ró pico , p orqu e o dis c u rs o é s e m pre re s u lt ad o
d e n os s as e m oç õe s e se n t im e n t o s, s e jam raz oá ve is o u n ã o e s s e s e s t ad os . Po r
is so , é m u ito apro priad o d ize r qu e , n a re a lidad e n ão h á o ra cio n al e o
irrac ion a l f ora d o c on h e c im e n t o, pois co m o diz ia Po n t e s d e M ira n da,

“a irracionalidade já é conhecer, e há caminhos para


conhecer-se o irracional como tal: o que não conhecemos é o
conteúdo, digamos, do irracional, mas por vezes e provavelmente
sempre é o que ocorre com o nosso conhecimento”182
[acrescentamos] da relação natural/cultural.

181
Cf. p. 22 e ss.

182
Cf. Pontes de Miranda, F. C., O problema fundamental do conhecimento. 2.a ed. Rio de
Janeiro: Editor Borsoi, 1972 p. 93
88

O co rre e s te f e n ôm e n o no in t e rs t íc io de s t a re laç ão , o n de e s t ão
p re s e n t e s n o ú me n o s 1 8 3 da r e laç ão s u bs t an t iva n a t ure z a/ c ult u ra, um e s paç o
in t e rt e x t ua l, on d e o c o n t e úd o d o co n h e c im e n t o e s tá in fo rm ad o a t ravé s d e
p rin c ípio s ap ot é t ic os , n o s e n t id o qu e in fe rim os da m a gn ífic a “t e o ria do j e t o”
d es e n v olvid a po r P on t e s de M iran d a – O P roble m a f un d am e n t al do
184
c on h e c ime n t o –, v ale d ize r, prin c ípio s qu e re c olh e m d o n o s so “m u n do d e
e n t orn o ” os ob je t os , e o s e m an c ipa m d a apre e n s ão do s u je it o p e rce p tiv o.
E s t e p rin cíp io m at riz d a for mu laç ão de qu alqu e r prin c ípio g n os e oló gic o
p ode ser e x p re ss a do pe la re gra ló gic a da s u bs t i t ut ib ilidad e :
∀ x y ( x = y) → Fx ↔ Fy s ign ific an d o qu e do is t e rm os x , y sã o idê n t ic os s e o qu e
é v e rda de de x o é t a mb é m d e y, pe lo qu e s e ria pos s íve l s u bs t it uir u m p e lo
o ut ro , va le d ize r, e s ta ló gic a da id e n t ida de , v ale t an t o qu a n do s e in t e rpre t a
e m u m ca mp o o bje t u al, qu e c o n te m p la a ide n t ida de d e t e rm os o u c las s e s, a
= a, co m o qu an d o s e in t e rp re t a e m u m c am po prop os ic ion a l.

6. 1. 1 – C om o pr odut o cul t ur al o Di r ei t o cons i s t e no equi l í br i o do que t ende a


opor - s e
O d ire it o, de s d e u m a pe rs pe c t iva s o cio cu lt u ralis t a e co m o u m pro du t o
c ult u ral ob je t o d e u m a re laç ão d e co n h e ci m e n t o , po de s e r e n t e n d ido c o mo
o r e su lt ad o de u m a o rde n a çã o p arc ial e p art ic ipa n t e , um v e lh o c o n ce it o de
B oave n t u ra de S o uz a S a n t os , in s c rit o n u m t e x t o de 1 964 1 8 5 , apre s e n t ad o
c om o s u a dis s e rt a çã o d e c on c lu s ão do cu r s o d e c iê n cia s ju rídic as d a
F acu ld ade d e D ire it o da U n iv ers id ade d e C oim bra 1 8 6 .
E ss e pro du t o da a dj e tiv aç ão d a c ult u ra, re ve la do d e s de um a p os iç ão
p arc ial e part ic ipa n t e , c o n st it u i-s e , n u ma t e n s io n ad a d ialé t ica po siç ão / dis ­
p os içã o, r e ve lan d o o e qu ilíbrio d e t u d o aqu ilo q ue t e n de a o por- se , po is é
d es d e a p arc ialid ade e da p art ic ipaç ão q ue s e p od e in c lu ir um a raz ão
p ro lé pt ica 1 8 7 , ou de an t e c ipaç ão c o n ve n ie n t e para s o luc ion a r co n f ro n t aç õe s
a ss imé t ric as à po siç ão d o s u je it o d a re laç ão o po sit iv a.

183
No sentido platônico da idéia pensada.

184
Pontes de Miranda, F. C., O problema fundamental do conhecimento. 2.a ed. Rio de
Janeiro: Editor Borsoi, 1972

185
Quando ainda não se dedicava a sociologia e a teoria do conhecimento.

186
O Conflito de Deveres em Direito Criminal, edição datilografada e reprografada,
Coimbra, 1964, compulsada na biblioteca do CES – Centro de Estudos Sociais, da Facul­
dade de Economia e Ciências Sociais da Universidade de Coimbra (2003).

187
Em sentido diverso da que a utiliza Boaventura de Souza Santos, in, Por uma sociologia
das ausências e das emergências, Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, outubro de
2002, p. 237-280
89

A s sim , o dire it o e s t á n a afir ma çã o d o e u e su a re cíp roc a in t e ra çã o


c om o o u tr o, ( ist o é pa rt icip aç ão) . Um a o r d e n aç ão d e s t e j ae z po de s e r a
b as e e f e t iva de um pro je t o libe rat ó rio co m o o bj e tiv o de pr od uz ir,
e fe t iv am e n t e , a e m an c ipaç ão do s s u j eit o s re lac ion a do s a e s t a o rde m .
Parc ialid ad e e p art ic ip aç ão, do is c rit é rios , t a m b ém , pa ra u ma d e fi­
n içã o de d ire it o de s d e u m a pe rs pe c t iva d e on t o lóg ica . Parc ialid ad e é c om ­
p ro me t im e n t o, e in f lu i n u ma fo rm a d e le git i m idad e im plí c it a n a n e c e ss id ad e
d e s o bre v ivê n c ia e p ros pe rid ad e do s s e re s h u ma n os ; pa rt icipa çã o é ma is
q ue c om pro m e t ime n t o , é fa ze r s ab e r, é co m par t ir, é t e r pa rt e e m .. . , é
p art ic ipa r p e lo s e n t ime n t o o u p e n sa m e n t o ( do g oz o, d o pra n t o, d o s e r, d o
n ão -s e r o u d o s e rá. . .) n u m pro je t o c om u m .
Parc ialid ad e e pa rt ic ipaç ão fo rma m u m h íbrido on d e a n a t ure z a
e m an c ip ad ora do s c om bat e s s o cia is re s i d e e m t od os e le s , e m s e u co n ju n t o
e , e m qu alqu e r u m e m pa rt ic ula r 1 8 8 , e o de v e r c orre s p on d e n te de s s e m od al
b in ário é , prim o rd ialm e n t e , re c u p erar o d e on t o ló gic o de t od o o d ire it o , o
q ue s e c on c re t iz a co m o e st a be le c im e n t o d e um e qu ilíbrio ra zo áve l da
o pos iç ão e n tr e s uj e it os qu e t e n d e m a s e a fas t ar da re la ç ão n or ma t iva
p arc ial- part ic ip an t e .

6. 1. 2 – O di r ei t o com o pr oces s o de adapt ação e cor r i genda das r el ações


s oci ai s

O d ire it o, ou qu alqu e r co n ju n t o d e pr opo s içõ e s n o rm at iva s ( prin c ípio s


e re gra s ), p od e s e r vis u aliz ado a se m e lh a n ça de u m a ge om e t ria f rac t al 1 8 9
re lat iv am e n t e ao s t opo i on de a f ragm e n t aç ão d e se u s e s tâ n d are s e s t ão

188
SANTOS, B. de S., O Conflito de Deveres em Direito Criminal, cit, p. 12

189
Fractal, de modo genérico é qualquer forma geométrica de aspecto fragmentado que
pode ser subdividida, indefinidamente, em partes idênticas que são cópias reduzidas do
todo; é, basicamente, um instrumento de (holo)dimensão. Fractal é um neologismo criado
pelo matemático Benôit Mandelbrot, advindo do adjetivo latino fractus, do verbo
frangere, significando criar fragmentos, irregulares ou quebrados. São modelos geomé­
tricos, abstratos e com formas complexas que se repetem infinitamente, mesmo limitados
a uma área finita. Mandelbrot constatou, ainda, que todas as formas e padrões fractais
possuíam características comuns, existindo uma – surpreendente – curiosa relação entre
esses objetos e aqueles encontrados na natureza. O fractal é gerado através de uma
fórmula matemática bastante simples. Os fractais serão, ou geométricos, repetindo
continuamente um mesmo padrão, ou aleatórios, vale dizer, aqueles criados por sistemas
computacionais, mediante programas específicos. Suas funções são reais e complexas, e
apresentam especificações próprias: autosemelhança, dimensionalidade e complexidade
infinita Relevante é notar que os fractais não estão limitados às matemáticas, eles são
muito importantes para as mais diversas ciências, como a biologia, a física e,
presentemente, para a representação de cenários desenhados nas ciências so ciais (Cf.,
para informação básica, na Internet o endereço:
www.ed.fc.ul.pt/icm99/icm14/index.htm).
90

e s t abe le c ido s e d isp os t os s e g un d o u m a ord e m pre e s t a b ele c id a. O co n t e x t o


m e sm o , on d e s e dã o a s prát ic as s o cia is, po de se r m e lh or re v e lad o s e gu n d o
u m m od e lo f rac t al.
A n or ma ( prin c ípio s e re g ras ) j ur ídic a é u m m od e lo de a pre e n s ão
f ra ct a l da re alid ad e , co m o u m re t rat o do s u por te fát ic o de s t a re a lida de ,
v ale d ize r, daq ue le s fa t os do m u n do fát ic o qu e e n t ram n o m un d o ju ríd ico ,
t orn a n do -s e f at o s j uríd ic os .
N as pre v is õe s c on t id as n as n o rm as m u it o é e x pre s s ão do s e n ti m e n t o
( fat o r ps ic oló gic o) liv re d o e s t am e n t o co n t e x t ua l, ou re v e la o re s ult a do do
q ue re r vo lúv e l d o gru po so c ial ou d o d é sp ot a. O m u n do é o c o m p ost o d e
f ato s a e le re la cio n ad os ; d e t o do s o s f at os do mu n d o, só algu n s d e le s in t e re s ­
s am a o m u n do d o dire it o (P on t e s de M iran d a) , o qu e s e re a liza n e s t e m un d o
re s ult a d e um de lic ad o e qu i líb rio e n t re v on t a de s , p re t e n sõ e s o u d e s e jos ao
lad o de c arê n c ias e n e c e s s idad e s .
O dire it o , e n t ão, s u rge c o mo u m c om po s it us 1 9 0 de so lu çõ e s e la b orada s
p ela so c ie dad e pa ra f az er fre n t e ao s pro ble m as c om u n s e n o rm ar a co n vi­
v ên c ia, afa s ta n do o imp é rio da v iolê n c ia.
É c e rt o qu e os co s t u m e s , a m ora lida de e o dire it o n ã o co n s t it ue m u m
s ó c or po n o rm at iv o, e qu e a s prim e iras m an i f es t aç õe s d a v ida h u ma n a s ão
m an if es t aç õe s s o cia is , é e vid e n te qu e n ão h á s o cie d ad e s e m um c o n ju n t o
d e n or m as c o e rcit iv as qu e a re g ula m, is t o é , s e m d ire it o.
O dire it o é u m fe n ô m e n o re ve la do n u m proc e s s o d e ad ap t abilid ad e de
re laç õe s in t e r- h um an a s , u t iliz ado po r c om u n ida de s h u m an as in s t it u ída s e m
c ír cu los e s pac io te m p orais de f in ido s , va le d ize r , s oc ie d ade s .
D ire it o , sin t a gm at ic am e n t e é re t o , c o rre t o, e s t ud o das le is , c iê n c ia s o ­
c ia l e ju ríd ica , co n ju n t o d e n o rm as s oc iais o briga t órias p ara as s e g urar a s
f un ç õe s d o o rgan is m o s oc ial, ou s is t e m a d e n or ma s ( prin c ípio s e re gra s) , d is ­
p ost a s pe lo Es t ad o; ain da m a is, co n ju n t o d e n o rm as ( t e x t o s e n arra çõ e s ) q ue
e x pre s s am pod e re s s im bó lic os , o u prin c ípio s re i t ore s de c on d u ta s in d ivid ua is
o u s oc iais te n d e n t e s a re a liza r o ide al d e Ju s t iç a.
T ud o is t o é dire it o , t ud o ist o é p roc e s s o c u lt ura l , ou a dje t iv aç ão da
c ult u ra n o ad ap ta r e c orr igir oc as ion a is e s t ad os ou de f e it os e me r g en t e s d e
re laç õe s in t e r-h u m an as n o e s paç o s oc ial; é , po rt an t o , a in t e rc e ss ã o de u m
p on to d e “e qu ilíbrio ” e n t re o e u e o t u, o u co m o d iria B ub e r , t o do o v ín cu lo
E u-T u , n o s e io de u m a re laç ão qu e s e e s pe c ific a c om o u ma aç ão ( qu e
c arre ga co n s igo e ve n t u ais o mis s õ e s) c o m fin alid ad e e x e rc ida por um la do

190
Compositus particípio de componere, no sentido latino, significando heterogeneidade de
elementos, servindo para diversos fins.
91

s obre o o ut ro , e x is t e e m vir tu d e d e um a m u t ua lida de qu e n ã o po de t orn a r-s e


t ot al 1 9 1 , po r iss o , d e ve pe rm an e c e r e qu ilibrad a.
A e x p re s sã o dir e ito t raz c on s igo um a po lis s e mia ra dic al, do la t im d ire c ­
t um s u plan t o u a e x pre s s ão iu s do lat im c lás s ico p or s e r m a is e x pre s s iv a. E m
R om a, c oe x is t iam o iu s e o f as , o p rime ir o re p re se n t a va o c on j u n to d e re gra s
f orm ula da s pe los h o m e n s co m o o bj e tiv o de d ar o rde m à vid a e m s o cie d ade ;
o s e g un d o, o co n ju n t o de n o rm as d e orig e m divin a qu e re ge r ia as re la çõ e s
e n t re o s h o m e n s e n t re s i e as div in da de s .
E m R o ma o f as im p e r ava e s u a ap lica çã o c ab ia ao s po n t ífic e s . A
s e cu lariz aç ão do d ire it o o co rre u po r 25 4 a . C. , e n t re ou t ros , po r in i c iat iv a d e
T ib é rio Co ru n ca n io 1 9 2 . A e x pre s s ão iu s , e n t ão , pa s sa a s e r u t iliza da pe lo s
rom a n os e m d ois se n t id os : o bj e tiv o e s ub je t ivo , c om o n orm a a ge n di, ist o é ,
e m s e n t id o obj e t ivo , qu an d o s e r e fe re ao iu s c ivil e ao iu s ge n t iu m ; o u c om o
f acu lt as a ge n di, is t o é , e m s e n t id o s u bje t iv o, qu an d o se re fe re a o iu s fr ue n d i,
iu s v en d e n di, e t c. Ce ls o va i d e fin ir o d ire it o co m o iu s e s t a rs b on i e t a e qu i .
M ais ta rde , n os e n s in am o s lé x ic o s, a pala vra d ire it o in va de as n aç õe s
p or via lat in a, e s t á n o prim it iv o ra dic al in d o- e uro pe u rj e m s u bs t itu iç ão ao
c lá s sic o iu s . N o s e n s in am os filó logo s q ue o ra dic al rj s ign ific av a gu iar, co n ­
d uz ir, d irigir, e s e e n c o n t ra va n as lín g ua s cé lt ic as e g e rm ân ic as on d e s e
re gis t ram : rait h s ( gó t ico ) ; rh a it ( c imb ros 1 9 3 ) ; re t ( e s c an d in av o) ; re c te re a ch t
( irlan d ê s an t igo e m od e rn o ); re c h t ( ale m ão ) ; righ t ( in glê s ) . N as lín g ua s lat in as
p or in t e rm é d io do a cu s at iv o d ire c t u m re su lt o u e m d roit ( fra n cê s ) ; d re c h (p ro­
v en ç al) 1 9 4 .
E m qu alqu e r c as o, a dif icu ld ad e d e d e fin ir a e x pre s s ão dire it o e s t á e m
n ão s e le va r e m co n t a, ge ralm e n t e , o s u bs t an t iv o e qu ilíbrio , e n t e n d ido c om o
re u n ião de d ois s u bs t an t ivo s gre go s , a ισ ορ ο πία ( is o ropía ) m ais a σ τάσ ις
( s t ás is ) , va le d ize r , o e qu ilíbrio qu e re s u lt a da f ix ide z , a is os t ás ia, ou o
e qu ilíbrio re s u l t an t e das dif e re n ç as d e de n s id ade , n o c as o de c on c e it os .

191
BUBER, M, Eu e Tu, , trad. Newton Zuben, Cortez & Morais, São Paulo, 1977, p. 153.

192
Cf. ELLUL, J., História de las Instituciones de la Antigüedad. Trad. e Notas, F. Tomas y
Valiente. Madrid: Aguilar, 1970, p. 248; JÖRS, P., Derecho Privado Romano. Edição
atualizada por KUNKEL, W., trad. L. Prieto Castro. Barcelona: Labor, 1965, p. 29; El Digesto
de Justiniano, tomo 1. Trad. VV. AA. Pamplona: Ed. Aramzadi, p. 52.

193
Os cimbros constituíam um povo céltico que habitava às margens do Báltico, estabe­
lecidos na Germânia, invadiram a Gália e foram detidos pelos romanos nos Alpes e pelos
celtiberos na Espanha.

194
Cf. JÖRS, P., Derecho privado romano. Edición totalmente refundida por WOLFGANG
KUNKEL. Trad., da 2.a Ed. Alemã por L. Prieto Castro. Barcelona: Ed. Labor, 1965; WIEACKER ,
F., História do direito privado moderno. Trad., A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1980
92

6. 2 – O di r ei t o des de um a vi s ão cul t ur al i s t a

Pe rfila m os o pe n s am e n t o de Po n t e s de Mir an da , pa ra u m a d e fin iç ão


d e dir e ito , q ue af irm ava :

O direito é. Só os que não vivem ao contato com a vida não


consideram realidade a regra suscetível de pôr na prisão os indiví­
duos, deslocar bens de um para outro patrimônio, tirar os filhos a um
dos genitores e entregar ao outro, ou tirá-los de ambos. A con ­
templação do texto, frio, estático, é que sugere a comparação com
as fantasias literárias e os planos apriorísticos. O direito é; mas a
medida de seu ser é dada pela sua realização. Tal realização, ou
ocorre pela observância espontânea, ou pelos aparelhos do Estado,
tendentes a isso, às vezes criados para isso, como é o da Justiça.
Existe, ainda, um direito especial que se des tina à realização do
Direito – o direito processual.”195.

O s s is t e m as j u rídic os n ão s ão só re alid ade a s e , s im a re alida de , pois


n ão s ão t ão- só cria çõ e s d o e s pírit o , m as o re s ult a do d e g e ra ç õe s . O s h e rda ­
m os , e n ão é t are f a fá cil alt e rá -los , a s sim c om o v am os t ran s m i t i-lo s p ara as
g eraç õ e s u lt e riore s .
Por is so , Pon t e s d e M iran d a diz ia q ue o d ire it o é “s oc ial” s e m e sq ue c e r
d e s u as b as e s b ioló gica s , m e s mo fís ic as q ue n ão se po de m ign o ra r. O s sis ­
t e m as j ur ídic os t am b ém .
O dire it o é pr oc e s so de ad apt aç ão s oc ial, os s ist e m as j u rídic os
in co rpo ram a s n orm as d o d ire it o cu ja in c idê n c ia é in d e p en d e n te da ade s ã o
d os s uj e it os , po is é a in c on d ic ion alid ad e de in ci d ê n cia , a s u a c ara c t e rís t ica
b as ila r 1 9 6 ; os n orm at iv os de ou t ra ord e m ( re ligião , mo ral, e c on o m ia,
c os t um e s , e t c . ) q ue ob t ê m e s s a in co n d ic ion a lida de s e f az e m ju rí d ico s .
Le fe b vre j á e x p re ss a va qu e o c o n h e cim e n t o é f at o: n ão h á co m o f ug ir
d e s u a e x ist ê n c ia, ain da q ue po s s a se r qu e s t ion a do 1 9 7 . O a to de co n h e c e r s e
d es e n v olve n um e s paç o so c ial, pe rdu ra n do n u m t e m po s oc ial . A s s im , t o da a
h is t ória d o co n h e c ime n t o é u m a h is t ória d e s u pe ra çã o, é u m p roc e s so de
d es e d ific aç ão . De d e se d ific aç ão e re t i f ic aç ão d e co n ce it o s , de m e t od olo ­
g ias , é o e s pa ço da m e t am o rfo se d o pe n s ar e do f aze r .
O dire it o , as s im co m o o c on h e c i m e n t o é t a mb é m f ato , e aqu i n ã o
e s t am os pe rfila n do o re alis m o e s c an din a vo o u am e ric an o , m as af irma n do ,
s imp le s me n t e , q ue o d ire it o é fa to do c u lt ura l , e co m o fa t o do c u lt u ral é

195
Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. o 1 de 1969, 2. a edição, tomo I. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais – RT, , 1970.

196
PONTES DE MIRANDA, Comentários..., t. I, p. 31

197
Cf., LEFEBVRE, H., Lógica formal – lógica dialética, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
1975, p. 49.
93

re fle x o , e e s t á p ro je t ad o n a c on s c iê n c ia h u m an a que , co m o diz ia Kare l Ko s ik ,


é t am bé m re fle x o e , ao m e sm o t e m po, p roje ç ão , re gis t ra e c o n st ró i, t om a
a no t aç õe s e pla n e ja, re f le t e e an t e c ipa , é ao me s m o t e mp o, re c e pt iva e
a tiva 1 9 8 .
Por is s o, é o po rt un o le mb rar qu e R e c as é n s S ic h e s afirm av a qu e o o
d ire it o é s e m pre u m e n s aio d e se r d ire it o ju s t o 1 9 9 , po is a c o n sc iê n c ia bu sc a a
j us t iça a x iolo gic am e n t e c om p rom e t ida c o m o s o cia l, já qu e o d ire it o s e mp re
s e re fe re ao e u s o cia liza do , r e ma n e s ce n d o o e u in d ivid u al c om o s uj e it o d o
m un d o m ora l.
F in a lme n t e , n ão s e pod e olv idar a ad ve r t ê n cia d e Pon t e s de M iran d a
q ue a firm av a:
o problema jurídico é o problema humano por excelência: do
direito dependem todos; sem o direito, nenhum problema se resolve
de modo duradouro e eficaz200.

C on t ud o, se m p re f alam o s m u it o s obr e o d ire it o. E s ob re o d e ve r? C om o


s e s it ua , q ua l a s u a n at u re za, e o n de e n co n t ra s u a c o rre s pon d ê n cia n o
m od e lo de dir e ito qu e id e n t ific am os ?
A o rd e m s oc ial va i d ar o t o m da c orre la çã o e n t re d ire it os e de v e re s .
O de c an o e e m é rit o pro fe s s or d a U n ive rs id ad e de S ã o Pa ulo – U SP ,
God of re do T e lle s Jú n ior , afirm a va qu e t e r dire it o s é t e r, e vi d e n t e m e n te , a s
o brigaç õe s c orre s po n de n t e s ao s d ire it os do s o ut ro s 2 0 1 ; co n t ud o, n ão é s ó is s o.
T er de v e re s é co n diç ão pa ra o pró prio s uj e it o ( qu e d e v e) c on s e rv ar o s
d ire it o s , e n ão e st a m o s t rat an d o a qu i, da n oç ão de d ire it o s -fu n ç ão ( a qu e s e
re fe re a d ogm át ic a ju ríd ica ) 2 0 2 ; de ou t ro m o do , n ão e s t am o s t ra t an do
d aqu e las c ad e ias do pe n s a m e n t o j uríd ic o qu e a firm am a u n idad e d o d ire it o
( e m s e n t ido obj e t iv o-s ub je t iv o) 2 0 3 ; pre f e rim os co n c e be r o d e ve r c om o u m a

198
Cf., Dialética do concreto, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1976,p. 26.

199
Apud, MACHADO NETO, A. L., Introdução à ciência do Direito, Ed. Saraiva, São Paulo,
1963, p. 82.

200
Sistema..., t. I, p. XXX

201
TELLES JUNIOR, G., Iniciação na ciência do direito, Saraiva, SãoPaulo, 2001, p. 273.

202
Onde o sujeito tem a permissão e ao mesmo tempo o dever, como no caso específico
dos funcionários públicos.

203
Como é o caso da teoria pura do direito de Kelsen, ou a teoría egológica del derecho de
Cossio. A teoria pura destaca a norma, fazendo depender o direito subjetivo do objetivo,
e a teoria egológica arrazoa, fundamentalmente, sobre a conduta, isto é o direito subje ­
tivo (faculdade e dever jurídico e não o direito subjetivo em sentido estrito), só que
reconhece ser direito objetivo e subjetivo termos logicamente correlativos (cf. Batalha,
Nova introdução ao direito, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2000, p. 526)
94

a tribu iç ão de n e ce s s id ade , n e ce s s it as m ora lis, diz ia Le ibn iz 2 0 4 , co rre lat ivo do


d ire it o , qu e é at ri b uiçã o d e po de r, p ote n t ia m ora lis, e s u bs u m e o b in ário
a dje t iva do da re laç ão n at u re za /c u lt u ra, de s d e a v is ão, v .g . , d o j u s t o/ in ju s t o,
d o le g al/ ile gal, e t c.
O de v e r e s t á t ra vad o n o v alor e va lora de s de um a p erm is s ão ( s e r) q ue
e x ige c u m prim e n t o ( d e ve r- se r) . D e ou t ro m od o, re ve s t e u m a re a lida de d o
c ult u ral , pois o d ire it o/ de v e r in c o rpora u m a d is pos iç ão /p os iç ão qu e e st á
d irig ida ao valo r da s e gu ra n ça e da j us t iça , n u m e x e rc íc io de r ivad o da s
re laç õe s de fr at e rn ida de ob je t ivan d o re a lizar a m áx im a v an t age m s oc ial ( ou
o be m co m um 2 0 5 ) .
E st á e m n ós me s m o s ( po rt an t o , e s t á n o s uj e it o) , p or is s o, e s t á n a
re laç ão n at u re za /c u lt u ra, n o s e n t im e n t o qu e o d ire it o e n vo lve u m a id e n t ida ­
de em um s ist e m a bin á rio: ju s to -in ju s t o, le gal- ile gal, p e rm it ido -pro ibido ,
a dimp lido -in ad im plido .. . E st á e m n ós m e s m os , já qu e t od o dire it o pre s s up õe
libe rd ade , m as a u se n t e o “d e ve r” ( v .g. , o d e ve r de n ã o in t e rd it ar) , n ão h á
libe rd ade po s s íve l.
A s sim , só e n t e n did a co m o re s ult a do d e d ire it os e de v e re s, e qü it a t iv a­
m e n t e pe n s a do s ( re s u lt ado de u ma n o ç ão po lít ica -ju ríd ica e qu ili b rad a) , a li ­
b erd ad e a lca n ça a Ju s t iça .
C on t ud o, as s in ale -s e qu e o d ire it o ju s t o ou in j us t o é d ire it o ( de s d e q ue
in s e rido n u m sis t e m a ju rídic o e x ist e n t e , vá lido e e f ica z) , já o d ire it o e o d e ve r
d es e qu ilib rado s n ã o; iss o p orq ue o id e al qu e o e q ui líb rio bu s ca a lca n ça r é o
ide a l d e J us t iç a ( e n ã o e s t am os fa lan do de um a j us t iç a m e t a fís ica , m as de
u ma J us t iç a c om o u m a câ ma ra de c om pe n s aç õ e s on d e d i re it o s e de ve r e s
206
s e jam os t ít ulo s ).

204
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 - 1716), definia o direito como “ potentia moralis” ou
ainda, como “facultas seu moralis potentia”: “Qualitas realis [moralis?] in ordinem ad
actionem duplex est: potentia agendi et necessitas agendi; ita potentia moralis dicitur
Jus, necessitas moralis dicitur Obligatio” (“A qualidade real (moral?) ordenada à ação é
dupla: potência de agir e necessidade de agir; assim, a potência moral se chama direito,
a necessidade moral, obrigação”), isto está em Fragmento sem título, in, Textes inédits,
tomo II, Grua, Gastón ed., París, 1948,p. 811; obra consultada na Biblioteca Central de
Universidade de Coimbra (2003); a tradução para o português foi assistida pelo Frei Emílio
Kuntz, nosso professor, em Coimbra, de latim e grego, a quem expressamos nossos
agradecimentos. Em Spinoza, potentia moralis, melhor se expressaria com potestas moralis

205
Que nada tem a ver com a doutrina da supremacia do interesse público sobre o interesse
privado. Ao contrário, realizar o bem comum, ou a máxima vantagem social é con cretizar
a supremacia do interesse social (popular) materializado na sua Constituição, que reside
em participação sócio-política fraterna, desde mecanismos de conscientização para a
ação que deverá ser desenvolvida numa praxis social que irá confrontar as di versas
ideologias dos grupos sociais num ciclo dialético permanente.

206
Sim, podemos pensar a Justiça como uma câmara de compensações (a semelhança de
uma Verrechnungsstelle, ou em inglês: Clearing House) dos títulos inscritos como direitos e
deveres. Quase sempre a Justiça está obscurecida, convenientemente, por aqueles que
podem manipular o poder comunicativo social, mas eles olvidam da grandeza do poder
do ser a que bem se referiu o grande Walt Whintman: I am an acme of things
95

E m n os s o e n t e n d ime n t o os dire it o s e de v e re s e q uilib rado s es t ã o n o


m un d o d o c ult u ral s ob re pos t o a o n at u ral, e m u m a re laç ão d e d e pe n d ê n cia
f act u al. Po r is s o, e s t ão , in c o rpor ado s e m u ma aç ão ( ou e s t ru t u ra) d e
re le vâ n cia s o cia l ( po is a id é ia-v alo r q ue o s o cia l lh e s im p lic a n ão é arb i­
t rária ); a in da ma is , é a f orç a q ue d e ve su bo rdin a r-s e ao d i re it o , t od avia , é
e vid e n t e qu e s om e n t e n u m a s o cie d ad e fic t a, o dire it o dis pe n s ar ia a for ça , o
re s pe it o d e vido se r ia au t óge n o 2 0 7 .
De qu alqu e r fo rm a, d ire it os e de v e re s e qu ilibra do s s e rv e m c om o
in s t rum e n t o s de re s is t ê n c ia, po is e le s, n e s t a s it u aç ão art ic ula m u ma e s pe c ial
f orm a de s e r e de d ev e r-s e r, is t o é , d o fá t ic o e do n o rm at ivo ( n a t ura l/c u l ­
t ur al) , d a re alida de e da n o rm at ivid ad e o q ue le va a j uridic id ade qu e é
s e mp re a rt icu la çã o da n o rm at ivid ad e e da r e alida de , co m o be m a firm o u
B apt is ta M a ch a do 2 0 8 :

[...] é certo por um lado que o conteúdo normativo-valorativo


do Direito não depende da eficácia (vigência social); mas, por outro
lado, também o é que os valores ideais só são jurídicos-positivos, só
têm juridicidade, quando se institucionalizam na ordem social real
vigente.

accomplished / And I am an enclosure of things to be (Apud, PROGOFF, I., Depth


Psychology and Modern Man, New York: The Julian Press Inc., 1959, p. 90: Sou um ápice de
coisas realizadas / E sou um [espaço] cercado de coisas que são) . Dai que o simbolismo
da Justiça acentua, sistematicamente, uma união harmoniosa de forças opostas; os pratos
da balança não pesarão olho contra olho, e não distribuirão a recompensa e o castigo.
As complexidades do ser humano não podem ser assim, mecanicamente, determinadas. A
espada da Justiça não está aí para ferir os perversos, ou para agradar os virtuosos, seu
símbolo é maior, está implicado a reconciliarmos em um mundo em que os trapaceiros
parecem prosperar e os inocentes acabam em um monte de esterco. De outro lado, Jó
não foi o primeiro e certamente não será o último a lastimar-se desse estado de coisas,
mas seguirá sempre determinado que, ao fim e ao cabo, a Justiça triunfará. O dois pratos
da balança da justiça permanecem vazios, prontos para aceitar e receber a dualidade
humana. Somente depois que aceitarmos a complexidade de nossa natureza seremos
capazes de abordá-la e compreende-la. Os místicos vêm nos pratos o numero oito,
também o signo do infinito [∞], os dois círculos do oito perpassados por dois eixos, um
superior, o vertical (celeste), outro inferior, o horizontal (terreno), que lhe dá equilíbrio. A
Justiça, assim, é mediadora de duas realidades, não mira nem a balança nem a espada,
sua visão é interior, e sua venda está ali para que não se confunda com o detalhe e a
parcialidade pessoal. Nossos tribunais de justiça mantêm um equilíbrio de trabalho entre o
indivíduo e o Estado, e entre um indivíduo e outro. A solução legal não é determinada por
uma régua de cálculo. O querelador que vence uma ação judicial nunca recuperará
exatamente o que perdeu, seja a saúde, os bens materiais, o tempo precioso ou o nome
honrado. O tribunal só pode adjudicar-lhe uma compensação. A natureza, igualmente,
oferece compensações, ainda que ai, também, nunca se recupera exatamente o que se
perdeu, v.g., quando se debilita um sentido, os demais tornam-se mais aguçados. O que
quer que se ganhe nunca é idêntico ao que se perde, nem se poderá dizer que seja,
precisamente, o oposto mas, de um modo especial, compensa a perda da capacidade
debilitada. Os tribunais são instrumentos úteis para conseguir certos tipos de
compensação e equilíbrio social (Cf. Pereira da Câmara, A., O valor Justiça,
manifestação, no plano social, da vontade criadora e redentora de Deus , in, AJURIS, n.o
6, Porto Alegre, 1976.

207
Do grigo αuτογνές – autogenés, isto é, que se gera a si mesmo.

208
BAPTISTA MACHADO, J., Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra: Livraria
Almedina, 1999, p. 42
96

6. 3 – O di r ei t o e o am bi ent e - O di r ei t o s ó o é no es paço s oci al . A í el e é


per m i s s ão

O a fo ris mo lat in o u bi s oc ie t as , ib i iu s , be m re v e la o lu gar d o dire it o . É


n o e s paç o s o cia l qu e o d ire it o t e m lu gar , c om o fe n ô m e n o ju ríd ico q ue é , só
e x is t e n a t e s s it ur a do s o cia l, t ram ad o n a h is t ória q ue s e de s e n vo lve n e s t e
c am po, co m pro me t id o c om o t e m po s oc ial.
O dire it o e s t á a li, o n de se faz a d ivis ão d o t ra balh o ( e m am biê n c ia
n at u ral ou cu lt u ral) q ue é um f at o r fu n d am e n t al da o rga n izaç ão da
s oc ie da de , po rt an t o, q ua n t o m ais c o mp le x a e d ife re n c iad a a d iv is ão do
t raba lh o, m ais e le v ad o o ín dic e d e pro gre s s o e civ ilizaç ão d a s oc ie d ade
d en t ro do prim a do da s olid arie d ade orgâ n ica , e m ais be m e lab ora do é o
d ire it o .
E , é n e s s e c ron o t op os so cia l q ue o d ire it o s e r e ve la , e qu ilibra do ,
t am bé m co m o p e rmis s ão , c om o a t ribu içã o de po de r, p ote n t ia m o ralis , d izia
Le ibn iz , qu e pe rm it e ao s u je it o o u s o de s u as fac u l d ade s 2 0 9 . Es s a pe rm is s ão ,
o u n o plu ral, pe rm is s õe s , n o s sã o a t ribu ída s por me io d as n o rm as j uríd ic as e
n ão p e las no rm as ju rídic as , e t ê m e fic ác ia n o s e u pa rt i c u lar e s paç o d e
j uridic id ade .
A ad je t iva çã o a o d ire it o de s u bje t iv o t e m s u a o rige m n o lat im s u b­
ie ct u m 2 1 0 , qu e d is t in gu e o q ue e s t á s ub me t id o, o qu e é s u je it o ( o s e r do qu al
s e p re dic a algu m a c ois a) ou ob je t o da s p e rmis s õ e s, qu e o ord e n am e n t o ( n o
c as o, o ju rídic o) at rib ui o u c on c e de .
O pos t a me n t e , a adj e t ivaç ão ao d ire it o d e o bje t iv o, d e o bje c tu m ,
re ve la be m o co n c e ito d e u ma pro prie d ade qu e e s tá fo ra d o su j e ito , ob je t o
de o bje c tu m , o qu e está f ora e está dia n t e do s uj e it o e n ão n e le
in co rpo rad o.
Já o Prof e s so r God of re do Te lle s Jú n ior, diz ia qu e o d ire it o e m se n t id o
o bje t ivo , n or ma , é le i, u m a e st ru t u ra ou c on ju n t o n o r m at iv o qu e s e ac h a n o
e s paç o d o ju rídic o 2 1 1 .
A t e n t e -s e q ue as pe rm is s õe s , c o mo afirm a mo s , s ão a t ribu ída s p or m e io
d a n o rm a, o u c on j un t o de n or m as j u ríd ic as , e n ão p e las no rm as ( as p róp rias
n orm a s) e iss o é im p ort a n t e ; é im port a n t e por qu e co loc a be m a p os iç ão d o
209
Note-se que em lingüística o termo permissão é utilizado, também, no sentido daquela
figura que se comete quando o que fala finge permitir ou deixar ao arbítrio alheio uma
coisa (há uma ficção na permissão), mais ainda, de expressar o consentimento (que é
também tolerância).

210
Mais precisamente, subicio  subiectum, submeter, subordinar

211
Cf., Introdução..., p. 257.
97

d ire it o n o cic lo n at u re z a/c u lt ura , de s de um a t e n sã o d ialé t ic a p os iç ão/ dis ­


p osiç ão do s u je it o e da s c ois as ( qu e vam o s e x am in ar n a e píg raf e s e gu in t e ) .
M at ize m o s , as n orm a s n ão co n ce d e m p erm is s õe s , n e n h u m a n orm a. A
n orm a de s c re ve uma s it u aç ão de fat o ( n ão im por ta se c on c re t a ou
a bs t ra ta ) , im plic a alg um a c ois a, ou pre s c re ve um a c on d u t a.
A s p e rmis s õ e s s ão d ad as pe los s uj e it os , as n or ma s e s t ão n a a dj e t ivaç ão
q ue s e fa z d a re la çã o n a t ur e z a/c u lt ura . O s uj e it o qu e o bs e rva e é s u bm e t ido
p ela re laç ão adj e t ivad a e m d ire ç ão a u m d ire it o-d e ve r, e s t á a ut oriz ad o a
f aze r ou de ix a r d e f az e r a lgu m a co is a ( já pre v ist a n a n o rm a qu e in c id iu)
a trav é s d e um a e n t id ade , a m an if e s t aç ão d e u m a pe s s oa , n o s in gu lar o u n o
p lu ral, n at u ral ou ju rídic a, ou m e s m o, de qu alq ue r o ut ra e s pé c ie , c o mo o
p ovo po r e x e m p lo.
O c ará t e r j u rídi c o da p erm is s ão e s t á, s u blin h e -s e , n a n orm a ju ríd ica
q ue pre v ê , vale d i z er, v ê c om an t e c ipa çã o d as p e ss o as qu e a co n c e de m .
I ss o n o s in d ica q ue as p erm is s õe s p ode m se r ju ríd ic as e n ão -ju ríd ica s.
A s p rime ir as s ã o aqu e las qu e e st ã o n a zo n a da j urid ic i d ade , d e n t ro d o
e s paç o d o ju rídic o ; as ou t ras . .. be m , a s o ut ra s t am bé m s ão a ut o riza çõ e s , m as
d e o u t ro n ív e l, o p lura lis mo n o rma t iv o a ce n t u a is s o , d e s de o u s o d e d ive rs as
m at rize s c u lt u rais , co m o a re ligião , a é t ic a, a e st é t ic a, a po lít ica , a
212
e co n om ia o u a c iê n c ia e o ut ra s a tu a n te s e m u m e s paç o-t e m po so c ial .

6. 4 – O di r ei t o do am bi ent e

O d ire it o d o a mb ie n t e , po r e lips e , e t au t oló gic am e n t e 2 1 3 , o d ire it o do


“m e io-a m bie n t e , o d ire it o s oc ioa m bie n t al, q ue s ó e x is t e n o plu ral, é u m d om í­
n io de re gu la çã o do e n t o rn o ; d e re g ula çã o e de e m an c ip aç ão d os s e re s
h u ma n os qu e r e lac ion ad os qu e ali e st a b e le ce m co n viv ê n c ia ( h a rm on io s a ou
n ão ) . R e laç ão e s t a im e diat a o u m e d iat a. A s fr on t e iras do e n to rn o e o e s paç o
d e c on v ivê n c ia n ão e x ig e m n e c e s sa riam e n t e co n t ig üida de .

212
Note-se que na presente exposição não estamos referindo a expressão permissão (ou seu
plural) o significado que lhe é dado pela lógica deôntica, quando trata das expressões
deônticas: obrigatório, proibido ou permitido, até porque nesses casos a expressão é
sempre ambígua. Contudo, aproximamo-nos de Alchourrón-Bulygin no sentido que “a
capacidade para permitir supõe a capacidade de ordenar”, vale dizer “um indivíduo A
pode permitir a B a realização da conduta p, se e somente se, A pode ordenar a B que
faça ou deixe de fazer p (ALCHOURRÓN C., e BULYGIN, E., Sobre la existência de las
normas jurídicas. Valencia (Venezuela): Universidade de Carabobo, 1979, p. 36). O
importante é ter presente que toda permissão, como a entendemos, deve estar acompa­
nhada de competência.

213
Aqui utilizada a expressão no sentido de uma proposição analítica que permanece ver­
dadeira, uma vez que o atributo é uma repetição do sujeito
98

O bje t o pe c u liar d o d ire it o d o am bie n t e é a s in g ularid ad e do s be n s


j urídic o s t u t e lad os , pú blic o s, priv ado s o u s o cia is n a m aio r part e da s v e ze s ,
m as s u rgid os qu as e s e mp re d os m ov i m e n t os so c iais o rga n iz ad os . E le s e
c on s t it uiu de s d e u m a t e n s ão e s pe c ifi c am e n t e h um a n a e c on t rad i t ória : de
u m lad o a c obiç a, e s t imu lad a pe la m e r c ad iz aç ão d a n at u re za ( n u m se n t i d o
c re ma t íst ic o e x plíc it o) , fu n da da n u ma idé ia de de s e n v olv ime n t o n ão
im port a n do o cu s t o, t ípic a d o in divid u alis m o lib e ral-e c on ô m i c o; de o u t ro, o
a van ç o c iviliz ac ion a l fu n d ado n o prim ad o d os in t e re s s e s h u m an os a t ua is e
f ut u ros , q ue re c lam am pro t e çã o e rga o mn e s 2 1 4 .
O am bie n t e é su je it o e o bje t o do d ire it o! A af irm aç ão de s u je it o de d i ­
re it o po de e s ca n da lizar alg un s m ais do gm át ic os , c on t u d o, s e m irarm o s a
re alid ad e , n o d ire it o e n co n t rare m o s m u it os s uj e it os qu e n ã o s ão h u m an os , as
p es s oas ju ríd ica s, as un iv e rs alid ade s de d ire it o, o s ó rgã os for ma is d e s tit u íd os
d e pe rs o n alida de ju ríd ica , e ou t ros . . .
C omo s u je it o de d ire it o o A m bie n t e é u m a un iv e rs alida de d e be n s
n at u rais e c u lt ur ais q ue s ão , re le m bre m o s, ad je t iv aç õe s da r e laç ão n at u r­
e za /c u lt ur a; co m o o bje t o , e s tá re pre s e n t ad o por um c o n j un t o d e re c u rs os
n at u rais , re n ov áv e is e n ão re n ov áv e is, e p e lo a gir h u m a n o s u st e n t ad o pe la
re laç ão n a t ura l/c u lt u ral 2 1 5 .
N e s t e c on t e x t o , n o d ire it o am bie n t a l, a pre s e r v açã o do a m bie n t e
a ss u me re le v ân c ia, e a im plan t a çã o de m od e los de de s e n v olv ime n t o
s us t e n t ad o re v e la-s e co m o u m a pre oc u paç ão fu n da me n t a l d a s oc ie d ade e ,
p or ób vio, p ara o d ire it o, já qu e a d e gra daç ão am b ie n ta l ( in c on t ida ) po de
c on du z ir a im p os s ibilida de de s ob re viv ê n cia d a h u ma n ida de .
D aí, a p rod uç ão n o rm at iva para gar an t ir u m e q uilíb rio d a r e laç ão
n at u ral/ c ult u ral, gara n t in do a ss im , a s c on d iç õe s de in t e g rid ade e re n ov aç ão
d os s is t e m as n at u rais . T ud o is s o, se c on c re t iza n u m j ogo cu jo o t ru n fo é

214
A propósito, vale lembrar o excelente e precioso estudo de Juliana SANTILLI, Socio­
ambientalismo e novos direitos – Proteção jurídica à diversidade biológica e cultural . São
Paulo: Peirópolis, 2005

215
Atente-se que a Carta de 1988, adota a integralidade da adjetivação que se faz da
relação natureza/cultura: natural/cultural ( como a entendemos, cf. retro p. 22 e ss.), pois
sua perspectiva é unitária, holista, tanto aos bens naturais como aos culturais, o que
levou Carlos Marés a escrever: “[...] o meio ambiente entendido em toda a sua plenitude
e de um ponto de vista humanista, compreende a natureza e as transformações que nela
vem introduzindo o ser humano. Assim o meio ambiente é composto pela terra, a água, o
ar, a flora e a fauna, as edificações, as obras de arte e os elementos subjetivos e
evocativos, como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições, marcos
ou sinais de fatos naturais ou da passagem dos seres humanos. Desta forma, para
compreender o meio ambiente é tão importante a montanha, como a evocação mística
que dela faça o povo. Alguns destes elementos existem independente do homem: os
chamamos de meio ambiente natural; outros são frutos de sua intervenção e os
chamamos de meio ambiente cultural” (MARÉS DE SOUZA FILHO, C. F., Bens culturais e
proteção jurídica. Porto Alegre: Unidade Editorial da Prefeitura, 1997, p. 9).
99

p ro mo ve r u m a m bie n t e e q ui lib rado e s u s t e n t áve l pa ra as g e ra ç õe s a t ua is e


f ut u ras .

6. 4. 1 – O núcl eo do concei t o de di r ei t o am bi ent al ou do am bi ent e

S e mp re bu s ca m os f orm u lar c on c e it o s para as re pre s e n t a çõ e s qu e fa ze ­


m os do s s e re s e d as co is as . E le s, os co n c e it os , s ão in st ru m e n t os fu n d am e n t ais
d o pe n s am e n t o n a b us c a d e id e n tif ic ar, de d e s cr e ve r e c las s ific ar os m ais d i ­
f ere n t e s a sp e ct o s da re alid ade proc e d e n t e s da re laç ão ma t riz n a t ur e ­
z a/c u lt ura e d a su a a dje t iv aç ão.
T ra balh a r c om c on c e it os , po rt an t o , é lan ç ar p on t e s qu e n o s h abi lit am
c ruz ar c on h e c im e n to s , d ialog ar co m o co gn o sc íve l.
Na s e ara do co n h e c im e n t o j ur ídic o n ão é d ife re n t e , e la bora m os
c on c e it os pa ra a prox im a rm o s da re a lida de , e x am in am o s os c on t e x t o s para
c om pre e n d e r a s n a r raç õe s .
S e e n t e n d e rm os o fe n ô m e n o ju ríd ico d e s de u m a raz ão d e e q uilíb rio do
q ue t e n d e a opo r-s e , in s t ru me n t a lme n t e , co m o u m p roc e s so de ad apt aç ão e
c orrige n d a d as re la ç õe s in t e r-h u m an as e m u m e s pa ço s oc ial d ad o, a co m ­
p art iç ão d os e le m e n t os fo rm ad ore s d e s t a raz ão, ou do s m e ios de ad ap t a ­
ç ão, e x ig e m a fo rm u laç ão de co n ce it o s abs t rat o s , ma is ain d a, qu an d o s o bre
e s se s m od ais 2 1 6 do pe n s am e n t o s e t e m a pre t e n s ão d e co n s t itu ir c iê n cia .
N o c as o e s pe c ífic o d o dire it o am bie n t al, f ragm e n t a n do o c o n ce it o de
d ire it o , ape n as c o m o p rop ós it o pe da gó gico , po de m o s e n t e n de -lo de s d e as
m ais d is t in t as p e rs p ec t ivas .
A s s im , os d ou t rin ad ore s f orm u lara m se u s c on c e it o s de s d e dif e re n t e s
p ers pe c t iva s.
R od ge rs pe n s a o d ire it o am bie n t a l, ou do a m b ie n t e de m od o m ac ro,
p ers pe c t iv an do u m a go ve rn a n ça in t e rn a cio n al do m e io a m b ie n t e , o u c om o
o dir e ito do g ove r n o plan e t á rio 2 1 7 .
W in t e r, ma is in t im is t a, e m in glê s , o pe n s a co m o t h e Law re gu lat in g t h e
re lat io n s h ip o f u s t o n a t ur e , u n d e rs to od bo t h as t h e wo rld aro un d u s an d as
t h e n a t ure we c arry wit h in ou rs e lv e s 2 1 8 .
216
No sentido de tudo aquilo que é relativo ao modo particular por que se deve executar
ou cumprir algo.

217
Environmental Law, West Publishing Co., St Paul, Minnesota 1977, p. 1; consultado na
Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Sevilha (2002).
218

Perspectives for environmental law – Entering the fourth phase, in, Journal of Environmental
law, vol. 1, n.o 1/41, 1989, p. 38; consultado na Biblioteca da Faculdade de Direito da
Universidade de Sevilha (2002): O direito que regula nossa relação com a natureza,
entendida ao mesmo tempo como o mundo ao nosso redor e a própria natureza que
100

Já H u gu e s, prag má t ico , v ai de fin ir o d ire it o am bie n t a l c o m o a qu e le


d es t in ad o a re gu lar o u s o, a pro t e çã o e c o n se rv aç ão do s t rê s e le m e n t os d o
e n t orn o : t e rra , ar, e á gu a 2 1 9 .
N a E s pan h a , O rt e ga A lv are z , vai le c io n ar n o s e n t ido q ue o d ire it o ao
m e io a mb ie n t e e s t á c arac t e riz ado pe la f in a lida de d e s u as n o rma s , d e s de u m
e n fo qu e t e le oló gic o, pro pic ian d o a apa riçã o d e p rin c ípio s próp rios , im po s it i­
v os , par a faz e r pos s íve is e s s e s fin s ( m an u t e n çã o, prot e ç ão d a am biê n c ia e
o ut ro s. . .) 2 2 0 .
M uit o s ou t ro s co n ce it o s s ão pas s íve is d e fo rm u laç ão e fo ram e s gr i m ido s
p or a gu do s pe n s a do re s d a ma t é ria 2 2 1 .
S e ja q ua l fo r o co n c e it o, n u c le arm e n t e , pa ra n ó s , o dir e ito am b ie n ta l é
u m p ro du t o c u lt ura l, de s t in ad o a e s t ab e le ce r u m pr oc e dim e n t o de p rot e ç ão
e c o rrig en d a do s d e fe it o s d e a dap t aç ão d o s e r h u m an o ao h abit a t , n u m a
re laç ão in c lu s iva d e c on d iç õe s biót ic as e a bió t ic as ; e s t á d om in ad o po r n o r­
m as (p rin cíp ios e re g ras ) e t é cn ic as , qu e e s t a be le ce m u m m ín im o d e s e gu ­
ran ç a e qu e d e fe n d e m, pro mo ve m , co n s e r v am e re s t au ra m o a m b ie n te . Te m ,
n e ce s s ar iam e n t e , q ue se r e n ca rad o d e s de u m a p e rs pe c tiv a g loba l, já q ue a
c on t am in a ç ão e a de gra da çã o am b ie n t al n ão o be de c e m as f ron t e iras polít i ­
c as o u ge o grá fic as .

6. 4. 2 – O am bi ent e um bem t ut el ado

R ea firm am o s , o qu e e s t á n a págin a 3 3 e 34 re t ro, o a mbie n t e , a de m ais


d e s e r, e m n o s so e n t e n dim e n t o , su je it o d e dire it o , re ve la- se ain da c om o um
b em ju ridic am e n t e t ut e la do . A s s im – co m o já n o s m an if e s t am os – c om e s ta
a firma t iv a, d u as po de m s e r a s opç õ e s de c om pr e e n sã o d e s t a t u t e la: u ma , a
p ro t e çã o d a re laç ão ad je t iva n at u ral/ c ult u ral, e n qu a n to u m be m d o e p ara
o s e r h um an o ; e , ou t ra, e n q uan t o u m b e m pr óprio de s t a re laç ão n u m a

levamos dentro de nós mesmos.

219
Environmental Law, Third Edition, Butterworths, Londres, 1996, p. 3
220

Lecciones de Derecho del Medio ambiente, Lex Nova, Valladolid, 1998, p. 49-50; consultado
na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Sevilha (2002).
221

Cf., entre outros, o excelente trabalho de SILVA, J. A. da, Direito Ambiental Constitucional.
5.a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 19-20; pela amplitude do conceito de “meio
ambiente”, FIORILLO, C. A. P., ABELHA RODRIGUES, M., e, ANDRADE NERY, R. M., Direito
Processual Ambiental Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 30-31; complexo
normativo de MILARÉ, E., Direito do Ambiente. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000,
p. 93; pelo triasico de fontes de ANTUNES., P. de B., Direito Ambiental. 3.a Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 1999, p. 09-10; ou pela função instrumental de MUKAI , T., Direito ambiental
sistematizado. 3.a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 32
101

p ers pe c t iva h o lod im e n sio n al. A prim e ira , e s t á a se v e r, de m at iz n it id am e n t e


a nt ro poc ê n t ric a, q ue t e m v i n do a f u n d am e n t ar do gm at ic am e n t e o Es t ad o
d e Dire it o A m b ie n t al e qu e s e rv e à g e n e ralida de da s d e cis õ e s j uríd ic as e
e co n ôm ic as s u s c ep t íve is d e t e r in c idê n c ia a mb ie n t al 2 2 2 . A s e gu n da, t e m u m
h oriz on t e m a is larg o e in t e g rado r, vê a d e rivaç ão d a re la ç ão n a t ur e z a/­
c ult u ra, o am bie n t e , c o mo su j e it o, at ribu in do -lh e um a d ign id ade au t ô n om a,
c om o t e m p roc lam ad o Ha n s Jo n as , n um a pe r sp e ct iv a e co cê n t ri c a 2 2 3 .
O am bie n t e c o mo be m j urid ic am e n t e t u te la do , albe rg a-s e n o dire it o
q ue ve d a a arb itr arie da de h u m an a ( in s t rum e n t alm e n t e , fix a o ma rc o lim it a ­
d or d a aç ão h u m an a) e de s ve la -s e , t a m bé m , c o mo in s t ru m e n to d e co n t role
s oc ial.
Por ta n t o, u m a t u t e la a ss im qu a lific ada im pe d e qu e a re la çã o e c o ló ­
g ic a s e ja in t e rrom p ida. Prom o ve n d o-s e – co m o e x pre s s a D ie t e r B irn ba ch e r –
a pro t e çã o ju rídic a d a n at u re za po r se u pró prio v alor 2 2 4 , o n de s ub jac e o a r­
g um e n t o s u blim e da v id a, qu e B irn bac h e r re c o lh e de A lb e rt S ch we it z e r ( 1 87 5-
1 965) 2 2 5 , vale diz e r, o re s pe it o à v ida e m t od a a s ua m an ife s t aç ão ( bió t ica -
a bió t ica ) , e t am bé m , o a rgu m e n t o e s té t ic o, vale d ize r, a v ida d a n at u re za
e m s i, s u a e x pre s s ão vit al q ue n uc le ia o e s t é t ico d e t od as as m a n ife s t aç õe s
d e pro ve it o d o n at u ral/ c ult u ra l im pre s s o n o a gir h um a n o.
É po s sív e l um a r e s pon s a bilida de au t ôn o m a f re t e à n at u re za in d e pe n ­
d en t e de n o ss a re s po n s abilid ad e p ara c om a h um a n idad e at u al e f ut u ra,
u ma re s pon s a bilida de q ue v á m ais a lé m d as n orm a s m o rais d e s e n s at e z e de
a ut o-c o n se r vaç ão ?, e s t a é um a pe rg un t a q ue fa z Birn b ac h e r , e a re s pon d e
a trav é s de um a fu n da me n t a çã o t e le o lóg ica e de o n t oló gic a d as n o rma s m o ­
rais , e qu e , n ó s , po de m o s e s t e n de - las à s n o rm as j u rídic as .

222
Cf. nota 55, retro.

223
Cf., nota 56, retro.

224
Cf., o excelente trabalho de Dieter Birnbacher, D., Sind wir für die Natur Verantwortlich?,
in, BIRNBACHER, D., (org) Ökologie und Ethik, Stuttgart : Reclam, 1983, p. 121, 126, 131-133.

225
Este é um pensador que precisamos recuperar para os estudos ambientais, especialmente
desde um livro escrito em 1923, cuja tradução para o inglês se deve a C.T. Campion,
Civilization and ethics, (Unwin Books, 1967). Com efeito, como afirmava Schweitzer , temos
perdido o contato com as questões elementais relativamente à existência e ao mundo,
que é tarefa do homem de planejar e resolver, e também temos encontrado cada vez
mais satisfação em discutir os problemas de uma natureza puramente acadêmica, e em
um mero virtuosismo de técnica filosófica (Civilization and ethics, prefácio, p. 5-6). Para
Schweitzer um pensamento ético tem compromisso com à vida como “manifestação de
uma relação interior, espiritual, com o mundo”, vigiando para que não “se perca em
pensamentos abstratos”, mas que permaneça como um “elementar propósito”, vale dizer,
“a autodevoção ao mundo como uma autodevoção da vida humana à todas as formas
de seres vivos com os que pode relacionar-se (op. cit., p. 212). Daí, para Schweitzer, “a
ética consiste, [...], em experimentar a compulsão de mostrar a todo o vivo a mesma
veneração que devo a mim mesmo. Assim nos temos dado este princípio básico da moral,
que é uma necessidade do pensamento. É bom manter e fomentar a vida; é mau destruir
a vida ou obstaculizá –la” (op. cit, p. 188)
102

N o prim e iro f u n dam e n t o ( f in alís t ico ) , a n o rm a e st á s u s t e n t ada p or be n s


e x t e rn os à m ora l, fru iç ão d a e x is t ê n cia e da p rópr ia e fe t ivid ad e d a n orm a ; já
n o s e g un d o f u n dam e n t o ( n o d e ve r) , e n c on t ra m os o valo r m o ral “a ut ô n om o ”
( aí Ka n t ) do cu m prim e n t o da n orm a , in d e pe n d e n t e me n t e d os b e n s qu e s e
re aliz am o u s ã o o bs t ad os pe la e fe t iv idad e d a n o rm a; vale diz e r, so m an d o
e s se s fu n d am e n t os , f re n t e a h u m an id ad e t e m o s c on d u ta s d e on t o lóg ica s
d ire t a s, e f re n t e a n at u re za t e m o s c on d u ta s t e le ló gic as in d i re t as 2 1 6 a .
O am bie n t e c o mo be m t u t e lad o, priv ile gia o pe r cu rs o in te r ge rac ion a l,
v ale diz e r a h u m an id ad e c om o co n t in uid ad e e n t re ge ra çõ e s . Port a n t o, o
s uj e it o d e dir e ito aí é a “e s p é cie h u m an a ” ( u m a e s pé c ie qu e é in d is s oc iáv e l
d a re la çã o s ub s ta n t iva n at u re z a/ cu lt u ra) , a t ribu in do -s e o s d e ve re s é t ic os e
j urídic o s, a n ós , h o m e n s e m u lh e re s d a n os s a ge raç ão – p e rpe t u an do a
e s pé c ie – po is d e ve m os c on t in u ar a de s pe it o d o t e m po ( po is m a is alé m do
d ire it o à v ida , t e m os u m d e ve r co m a v ida e t od as as su as m an if e st a çõ e s ) .

216a
BIRNBACHER, D., Sind wir..., cit., p. 103-140 e s., nuclearmente, p. 104-106
103

SEG UN DA PA RT E – EST A DO SO C I O A M BI EN T A L E DEM O C RÁ T I C O DE DI REI T O


E O S PRI N C Í PI O S I USA M BI EN T A I S

Com efeito, nele [imperium democraticum] ninguém transfere o


seu direito natural para um outro, chegando ao ponto de nunca mais
necessitar consultá-lo; transfere-o sim, para a sociedade, de que ele
próprio faz parte. Assim sendo, nessa medida, todos se mantêm
iguais, tal como acontecia, antes, no estado de natureza.
Spinoza226

É at ra vé s do t e m po q ue o E s t ado t e m e vo lu cio n ad o, e m m ov im e n t os
e lípt ic os alt e rn ad os de pro gre s s os e r e gre s s os . S e u n a s cim e n t o s e dá n a pe r ­
c ep ç ão da p ólis gre ga , s u a in fân c ia t ran s c orre n o im pé rio rom an o e n o
m e die v o, at é a lca n ç ar su a ju ve n t u de e ma t ur idad e n a mo de rn id ad e . Con ­
t ud o, é a p art ir da I da de M é dia q ue o E s ta do é e n t e n d ido c om o re s p os t a à
n e ce s s id ad e de o rgan iz aç ão , de u m a fo rm a part ic u lar de org an iza çã o
p olític a.
D uran t e o m e die v o, os in div ídu os q ue por n e ce s s ida de e s t av am
s ub me t id os ao p od e r f e u dal, lut a ram se m p re d e f orm a m ais ou m e n os vis í v e l
p or s u a libe rd ad e . A qu e le s q ue po rve n t u ra alc an ç av am e sc ap ar do s e n c ar­
g os se n h o riais , dir igiam -s e as p re cá rias c ida de s qu e à é po ca e ram , par a­
d ox alm e n t e , co n s ide ra das c o mo “c om u n id ade s d e h o me n s liv re s ”, n ad a
o bst a n t e e s t are m s ob o d om ín io d o re i.
D e ou t ra pa rt e , a au t o ridad e re al vai c on s o lidan d o- se a pa rt ir d os
“f oros ” , qu e e ram in st ru m e n t os at ra vé s do s qu ais e ram ou t or gad os privilé g ios
a de t e rm in ad as cla s se s ou c idad e s , c on c e de n d o- se , igu alm e n t e a os in div í ­
d uo s be n e f icia do s , dire it o s e libe rd ad e s a té e n t ão de s c on h e c ido s .
N o S é c u lo X V s e pro du z a c on s olid aç ão do s E st a do s n ac ion ais . E m
p le n o abs o lut is m o a au t o rida de re a l im pe ra s o bre u m a n a çã o ( c on c e it o
a ss oc iad o a u m t e rrit ó rio de lim it a do ) e s urg e a c o n ce pç ão ju rídic o- polít ic o
d e f ron t e ira . Port a n t o, s e vã o c on f igu ran d o o s e le m e n t os c ara ct e rís t ic os d o
E st ad o ( n aç ão, t e rrit ó rio, po pu laç ão , e x é rcit o n ac ion a l) . N a s ce o E s ta do
N ac ion a l.
N o S é cu lo X V II I u m n o vo t ipo de Es t ad o, é p e n s ado e c ara ct e riz ad o:
( a) pe lo s u rgim e n t o d a b urg ue s ia qu e c on f ron t a a n o bre za ; (b ) pe las re v olu ­
ç õe s b ur gu e sa s e o d e se n v olv im e n to do c ap ita lis mo ; ( c ) p e los e s paç os de

226
Tractatus Theologicus Politicus, cit., p. XVI, p.195: Nam in eo [imperium democraticum]
nemo jus suum naturale ita in alterum transfert, ut nulla sibi imposterum consultatio sit, sed
in majorem totius Societatis partem, cujus ille unam facit. Atque hac ratione omnes
manent, ut antea in statu naturali aequales
104

p ode r e a u to rid ade ge rad os pe la at iv idad e e c on ô m ica e a a cu m u laç ão de


c apit al; ( d ) pe la a s su n ç ão de f u n çõ e s po lític as p or p art e d a bu rg ue s ia e m
d et rim e n t o da re ale z a e d a n o bre z a, ac arre t a n do m od ific aç õe s n o pap e l do
E st ad o e de s e u s in t e gra n t e s. Em e rge po is o Es t ad o libe ra l, c om as re v olu ­
ç õe s f ran c e s a, in g le s a e a me ric an a .
N a Eu ro pa, e m m e ad os do S é c u lo X VI II , s e apre s e n t av am as n a çõ e s
c om o go ve rn o s c on s t it u ído s c om o m o n arqu ia s ab so lu t ist a s . O f u n da m e n t o do
m an da t o d os re is e r a e x plic ad o t e o log ica me n t e , s e s u s t e n ta va n o d ire it o
d in á st ic o d os m on arc as c om o u m a pre rro gat iv a a part ir da q ua l s e le git i ­
m ava o se u ac e s so e m an u t e n ç ão n o p od e r.
A e x c e çã o a e s t a o rde m e ra a I n glat e rra in s u lar, já qu e n e n h u ma ou t ra
n aç ão h a via alc an ç ad o pre v e r qu e o g ov e rn o, id e n t ific ad o at é e n t ão c om o
m on ar ca , p ud e s s e s e r cir cu n s cr ito ao m arc o n orm at iv o im p os t o p or s e t o re s
d a po pu laç ão. Pe lo c on t rá rio, s e e x plic av a o país e su a sit u aç ão po lít ica ,
c om o a u n ida de de u ma e n t id ad e im u t áv e l q ue h av ia s ido c riad a po r D e us ,
e s ó e le , re p re s e n ta do pe la Ig re ja e os re is , po dia in st ru m e n t ar se u p róprio
m arc o le g al d e at ribu iç õe s , qu e e m t u do fa vo re cia m ao s e cle s iás t ic os e a os
n ob re s m ais pro e min e n t e s .
N o S é c u lo X V II I I n gla t e rra s e d is tin g uia do re s t o da Eu ro pa p orqu e o
a bs o lut is m o m o n árqu ic o h av ia sid o lim it ad o pe lo pa rlam e n t o, qu e r e st rin g iu o
p ode r qu e a t é e n t ã o h av ia se c on c e n t rad o n o re i.
O de s e n v olv ime n t o , e n t ão, d o c o n h e cim e n t o cie n t íf ico at ra vé s d e um a
v is ão laic a, in f luiu n e c e s s ariam e n t e n o pe n s am e n t o po lític o e filo s óf ico da
é po ca .
O c ré d it o de v e u- se ao pe n s am e n t o do s p rim e iros polít ic os , co m o
N ico lau M aqu iav e l 2 2 7 , qu e a o co m pre e n d e re m o E s t ad o, o cin d irão d as e x po­
s içõ e s d og má t ica s qu e apo r t av a o ca t olic is m o s e cu lar. A I lu s tr aç ão lo grou
a trair à lu z o s e le m e n t os in t e gran t e s do Es t ad o.
N a Id ad e M e d ia s e h a via s in t e t iza do a id é ia do E s t ad o, c o mo a
e x is t ê n cia de u m a o rd e m n at u ral pro po rcio n ad o p or D e u s aos h o m e n s . D it a
o rd e m e ra, e m prin c ípio , in qu e s tio n áv e l e s e ac re d it ava qu e s ó s e p od ia
a ce de r a s e u c on h e c im e n t o at ra vé s de n ív e is d e co n t e mp laç ão .
O ra cio n alis m o s u rgid o n a alvo rad a da I da de M od e rn a, t e ve por
p re o cu pa çã o, e n c on t rar as c ircu n s t ân c ias q ue h a via m logra do c on s t it uir os
d iv e rs os re in os e x is te n t e s . Os filó s of os e mp iris t as d e s s a é poc a t rat a ram d e
a nalis a r a e v olu ç ão d o Es t a do a pa rt ir de um a d ialé t ic a da h is t or ia qu e

227
Cf. notas 67 e 68 retro.
105

e x plic as s e a o rige m e a pra x is do pod e r d os go ve rn a n t e s , p ara e n co n t rar


u ma re s p os t a da e x is t ê n c ia s oc ial .
É s abid o qu e o E st a do Lib e ral fo i a c o n se q üê n c ia im e dia t a de u ma
c rític a ao Es t ad o M on á rqu ico A bs olu t is t a do s S é c ulo s X V II e X VI II . R e s u lto u d e
u ma c rít ic a co n t u n de n t e a e ss e s is t e ma m o n árqu ic o-f e u dal, qu e t e v e s u a
e x pre s s ão m ais m arc an t e co m a c é le bre af irm aç ão d o R e i Lu is X IV: L’é t at c e t
m oi.
F oram pe n s ad ore s co m o R ou s se a u , M on t e s qu ie u , D ide ro t , Vo lt aire ,
H obbe s , e t c . , qu e for mu lar am c rít ic as a so c ie dad e abs olu t is t a-m o n árqu ic a,
q ue v ie ram a fo m e n ta r um pro ce s s o re v olu c ion ário de ca rát e r po lít ico -s oc ial:
a R e vo lu çã o F ran c e s a; e , ao m e sm o t e m po, c oin c id iu c o m um a co n t e c i­
m e n t o de c arát e r c ie n t ífic o-t e c n oló gic o: a 1. ª R e vo lu çã o In d u st ria l, qu e n u m
p ro ce s s o s im u ltâ n e o e co n ve rg e n te d e u o rige m a u m n ov o t ipo d e s o cie ­
d ade : a s o cie d ad e c apit alis t a ; e , a um n o vo t ipo de Es t ad o: o Es t ad o Libe ral-
B urgu ê s .
E st a c on v e rgê n c ia t am bé m de u o rige m a u m n o vo t ipo d e t raba lh ado r:
o o bre iro in d us t rial ( o pr ole t aria do as s im de n o m in ad o po r M ar x ) e a u m a
e x plo raç ão d e ss e m e s mo prole t a riad o n as c e n t e .
A s c ara ct e rís t ic as de s t e sis t e m a po lít ico e s t á e m qu e o Es t ad o a s oc ie ­
d ade s ão c on c e bid os co m o s is te m a s au t ô n om os e n t re si, am bo s d ot ad os s u a
p ró pria rac io n alida de e de s e n h ad os cla ram e n t e se u s limit e s .
O Es t a do é c on c e bido c om o cr iaç ão art ific ial d o e n ge n h o h um an o e
in s t rum e n t o d e s u a aç ão h ist ó ric a. Já o livre fu n c ion am e n t o d a s oc ie da de
s up õe a s alva gu ard a, p e lo Es t ad o, de dire it o s q ue s e e n te n d e m c o mo
in alie n áv e is e an t e rio re s a o pró prio E s t ado . O be m e st a r d a s oc ie da de e su a
p ro sp e r ida de n ã o s ão d e re s pon s a bilida de d o Es t ad o, s im , co n s e qü ê n cia da s
c om pe t ê n c ias d as fo rça s s o cia is. O q ue s e pod e v e r de m ais p os it ivo n o
p en s am e n t o libe ra l r e sid e e m s u a pe rs pe c t iva h u m an is t a e a a firm aç ão , s e m
re s e rva s, de qu e “da s o be ran ia o t it u lar ú n ico é o p ov o” .
D e o u t ra pa rt e , n ão se pod e n e ga r qu e o libe ralis m o se ca rac t e rizo u
p ela de fe s a do vo t o, d a d e mo c rac ia re p re se n t a t iva, d a d ivis ão do s po de re s
d o E s t ad o, e d a afirm a çã o do s d ire it os h u ma n os in div idu ais .
Pou c as , o u p ou qu ís sim a s s ão a s p olít ic as s o cia is d e c u n h o libe ra l;
a qu e las q ue po de m os id e n t ific ar, s ão o re s ult a do de lu t as p e la s ob re viv ê n ­
c ia , be m c om o alg um a s lu t as sin d ic ais e m c urs o n o Sé c u lo X IX . O lib e ralis m o
m ais s e pre o cu po u e m ob st a cu lar izar o d e s e n vo lvim e n t o do n as ce n t e s oc ia ­
lis mo .
106

O m e lh o r e x e m p lo é d ad o po r B is ma rc k n a A le m a n h a do s an o s 1 88 0,
e s t abe le c e n do a s p rime ir as n o rm as de s e gu rida de s oc ial co n h e c idas n o
m un d o (1 89 3) , c om o s e gu ro s aú d e , o d e ac ide n t e s , o de in v alid e z e o d e
ida de ( algu n s au t ore s vê e m aí um e m brion á rio E st a do d e be m -e s t ar) .
É só n e s t e s e n t ido qu e s e po de a t ribu ir à polít ic a s o cia l libe ra l um
m arc o par a a e volu ç ão q ue s e se g uiu co m a c o n ce p çã o m od e rn a de Es t ad o
S oc ial de Dire it o .
O f lore s c im e n t o do E s t ad o S oc ial de Dire it o , f oi ad ub ado co m a s “lu t as
d as c las s e s t ra balh a do ras ”, os prole t á rios de M arx , e a in s t it u içã o do E s t ad o
S oc ialis t a c om a vit ória d e Le n in e T rot s ky n a R ú s s ia, ( R e vo luç ão de abril d e
1 917) e m e rgin d o a Un iã o da s R e pú blic as So c ialis t as So vié t ic as .
I mpo rt an t ís s im a, t am bé m , a Re v olu ç ão me x ic an a de 191 0-1 91 7, c om
s ua Co n s tit u iç ão , a prim e ira n o m u n do a co n fe rir e pro te g e r dir e ito s s oc iais
d os t ra balh a do re s ( art . 12 3) e d ire it os do c am pe s in a t o ( art . 2 7) . S e m e s qu e ­
c er mo s , é cla ro, da t e n t at iv a de W e im ar qu e d e fin iu co m o ob rigaç ão d o
E st ad o re a lizar aç õ e s po s it ivas par a a sa t isf aç ão d os dire it o s s o cia is .
O E s t ad o S oc ial de Dire it o é u m E s t ad o De m oc rá tic o , e n t e n did a
d em o cra cia c o mo mé t o do d e e le içã o do s g ove r n an t e s e c om o re a lizaç ão
d o p rin cíp io de igu ald ad e n a s o cie d ad e .
N o E s t ad o S o cia l de D ire it o, po rt an t o , o E s t ado n ão s ó é o re s p on s áv e l
p or d irigir o pro c e ss o e c o n ôm ic o, c o mo te m po r o bj e tiv o o s e u d e s e n vo l v i­
m e n t o in t e gra l, on d e s e in clu i o po lít ico , s oc ial e c u lt ur al, co n s t it uc ion a l ­
m e n t e as s e gu rad os . Te m p or o bje t iv o, ain d a, a sa t is faç ão da s n e ce s s id ade s
v it ais e bás ic as do s c ida dão s , e s pe c ialm e n t e os ma is f rac os ; a d is t ribu içã o
d e b e n s e s e rviç os q ue fom e n t e m a lca n ça r os m ais e le v ad os n ív e is de q ua li ­
d ade de vid a, as s e gu ran do , c om o c o n qu ist a p e rm an e n t e , os d ire it os
e co n ôm ic os , s oc iais e cu lt u rais e a mb ie n t ais , e mp re s t an do -lh e s e fe t iv ida de e
a pe rf e iç oam e n t o .
O q ue s e se g uiu , p or pre s e n t e ao n o s so co t idian o , e po rqu e s o m os os
a to re s n e s t e ce n á rio, v ale diz e r, d e u m Es t ad o qu e p od e s e r qu alif ica do d e
p ós- mo de rn o , is t o é , a su pe ra çã o de u m a m od e rn idad e in co n clu s a qu e s e
ide n t if ica co m o Re n a sc im e n t o e qu e va i s e de b ilita r c om a m ort e d e
N ie t zs c h e e m 19 00 , u m pre c u rs or d a pós -m o de rn id ad e c om o s e u d is cu rs o
f ilo s ófic o e po lít ico ; de po is de le é qu e fo ram po s s íve is as c o n st ru ç õe s d e
H eid e gge r, de S art re de Cam u s , d e U n am u n o, da E s co la de Fra n kfu rt , d e
107

Lu ck ác s, de A lt h u ss e r, de Bu be r, de Le vin a s , de Ha be rm as , d e Lyo t ard , de


R ort y , de Va t tim o e t an t o s o u tr os 2 2 8 .
N o pre s e n t e , p e n sa r a de m oc rac ia v ai ma is a lé m d o pe n s ar u m f orm a
d e g ov e rn ar, ou a in da a s u bo rdin aç ão às f orm a lidad e s ad m in ist ra t ivas e polí ­
t ica s d o Es t a do . Pe n s ar a de m o cr ac ia n a at u alida de é pe n s ar n um “s is t e m a
d e vid a” q ue pre s s u põe a af irm aç ão d os dire it o s h u m an o s e a c on c re t ud e
n orm a tiv a do s d ire it os fu n d am e n t ais .
Pe n s ar a de m o cra cia im p lica a s u pe raç ão das de s ig ua ldad e s ( m a ­
t e riais ) e po r co n s e qü ê n cia a e lim in a çã o da e x plo raç ão e co n ôm ic a, p os t u ­
lan d o p e la pa z s o cia l, f ru t o d e u m t raba lh o s o lidár io qu e a firm e u m a
d im e n s ão h u m an a in t e g ral. Pe n s ar a de m o cra cia da c on t e m po ran e id ade
e x ige n e ce s s aria m e n t e pe n s a r n u m re gim e c o n st it u c ion a list a .
H oje – j á s u pe rad o o E s t ado S oc ial – qu an d o pe n s a mo s n u m “Es t a do
S oc ioa mb ie n t al e D e m oc rát ic o de Dir e ito ”, ce n t ra m o-n o s n o s e u prin c ípio n u ­
c le a r: d ire it o fu n d am e n t al à vid a 2 2 9 e a m an u t e n ç ão d as b as e s q ue a s u st e n ­
t am ; im pe rat iv o qu e s ó po de s e p od e da r n u m am bie n t e e qu ilibra do e
s au dá ve l, on d e va i c on c re t iza r-s e , e m s u a ple n i t ud e , a m áx im a in s crit a n a
d ig n idad e h um an a : n ão e st a m os só s , n e s t e “ lug ar de e n c on t ro ”, o n de s om o s
o e n co n t ro; so m os co m o ou t ro d e sd e um a re la çã o de re c on h e c im e n t o,
re s pe it o, re cip roc ida de e re s pon s ab ilida de .
A de m ais , u m t ipo de E s t ad o c om e s t as c ar ac te r íst ic as , e s t á c om ­
p ro me t id o co m o p rivile gia r a e x is t ê n c ia d e u m “m ín im o e x is t e n c ial e c o ­
lóg ico ”, e x pre s s ão m at e rial da dign id ad e h u ma n a qu e e x ige a ve d aç ão da
d eg rada çã o de s t e “lu gar d e e n c on t ro on d e o e n co n t ro s e dá , as s e gu rad o n o
p rin c ípio de p roibiç ão da re t ro grad aç ão am bie n t a l, c o n diç ão para o
c um prim e n t o d a o brigaç ão de prot e ç ão à pos t e rid ad e 2 3 0 .

228
A narração supra, está baseada em fichas de leituras que elaboramos em Coimbra na
primavera de 2003, desde o acervo de obras da Biblioteca Central da Universidade de
Coimbra: CHÂTELET F., DUHAMEL, O., e PISIERE, E. (org.) Dictionnaire des oevres politiques.
Paris: PUF, 1986; CASSIRER, E., La Philosophie des Lumières. Paris: Fayard-Presses Pocket,
1996; DELACAMPAGNE, C. La Philosophie politique aujourd’hui – Idées, débats, enjeux.
Paris : Seuil, 2000

229
Vale a pena ouvir Javier de Lucas, quando afirma: “A autêntica vida humana, é autono­
mia, autoconstução como experiência moral concebida em linha com a visão socrática
de maiêutica e com a paideia, mais inclusive com a noção de autonomia de Kant e da
Ilustração. Isso faz o ser humano imprevisível, único capaz de um pensamento não
dogmático, sim problemático e, sobretudo, porque é capaz de seguir o sentimento de
empatia, ainda mais, de piedade, mais além do cálculo, da razão, da solidariedade
ditada pelo proximidade” (LUCAS, J., Blade Runner..., p. 35.

230
Como afirma Kloepfer em, Auf dem Weg zum Umweltstaat? Die Umgestaltung des
politischen und wirtschaftlichen Systems der Bundesrepublik Deutschland durch den
Umweltschutz insbesondere aus rechtswissenschaftlicher Sicht; ou, em tradução livre: “A
caminho do Estado-Ambiente? A transformação do sistema político e econômico da Repú­
blica Federal de Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a pers­
pectiva esclarecedora da ciência jurídica”.
108

Já a firm am o s qu e o prin c ípio da dign id ad e da pe s s oa h um a n a ao lad o


d o prin c ípio da s e gu ran ç a j uríd ic a, in cr us t ad os n u m a r e laç ão p osiç ão /d is po ­
s içã o, e s c ân c ara um c om p ro mis s o an t ró pic o pa ra a e x is t ê n cia dig n a d o s e r
h u ma n o – e st e c o mp rom is s o e s t á , c o m for te ac e n t o, n o at ribu ir e f i c ác ia ao
n orm a tiv o c on s ag rad or do m ín im o e x is t e n c ial e co ló g ic o – pois é d e s de e s t e
m ín imo , g aran t id o u m am b ie n te s ad io, qu e o “ t e mp o viv ido ” t ran s m ut a -s e e m
h u ma n iza çã o.
O s im pe rat iv os d e um E s t ad o S o cia l e De m o crá t ico d e Dire it o , f u n dam -
s e n a s d e rivaç õ e s ad vin d as co m a p e rs pe ct iv a de u m a for ma d e de s e n vo l ­
v im e n t o so c ial lo ca l e g loba l e c olo gic am e n t e s us t e n t áv e l, vale diz e r, a
s alva gu ard a do q ue re m an e s c e d a h e ran ç a bió t ica e ab iót ic a do p lan e t a.
109

7 –C O M O N O S I N SERI M O S N UM EST A DO SO C I O A M BI EN T A L E DEM O C RÁ T I C O DE


DI REI T O

O re s u lta do do s pro ce s s o s ada pt at iv os d as re laç õ e s in te r -h um a n as n o


e s paç o s oc ial ( re ) pro du z -s e n a h is t ór ia do s s e re s h u m an o s . E ss a h is t ó ria e st á
im p re s s a n a in t e raç ão a rt icu lad a s obr e a n a tu ra l e o c u ltu ra l.
N e go cia mo s m om e n t o a m o me n t o o qu e s om os , n ão s ó n os s os v alo re s,
m as a im p ort ân c ia qu e at ribu ím os ao a m bie n t e s o cia l o n de e s t am os in s e ­
rido s . Por c e rt o , b us c a m o s re afir ma r n os s o co e x is t ir diá rio por co m pa raç ão
q ue f az e m os fre n t e ao o u tr o e , p or ve z es e n a m a ior par te d as v e ze s , e m
o pos iç ão a e le .
M ais qu e pe r so n alid ad e s in d ividu a is, s om os ide n t id ad e s c ole t iv as e m
p erm an e n t e m u da n ça , qu e s e de f in e m qu ot id ian am e n t e n u m a d in âm ic a d e
a ce rt os e c o n t radiç õ e s.
O c e n ário pú blic o ou priv a d o, co m de n s id ade re li g ios a, e s t é t ic a, é t i c a,
p olític a, ju rídic a o u e c on ô m ica m o n ta do e m u m e s pa ço e t e m po s o cia l
d ef in ido , n u m c on t e x t o loc al ou g lo bal, dá s e n t i d o a o qu e so m os e im e d iat a ­
m e n t e c on t rib ui pa ra a de f in içã o de n os s o f ut u ro .
C on t ud o, n ão é fre q üe n t e re fle t ir m os so bre as div e rs as f ac e t as de s t as
n os s as ide n t id ad e s e m co n s ta n t e t ra n s f orm aç ão. Via d e re g ra, s o me n t e as
v iv e mo s ( p or ve z e s , alie n a d ame n t e ) . Por is s o, me d it arm o s s ob re e s t as , n os
e x ige qu e s t io n ar n ã o s ó o q ue so m os , e qu al é n os s o pape l e a n o s sa re s po n ­
s ab ilid ade n e s t e e s pa ço -m u n do -t e m po, ma s re c on h e c e r e m n ó s e n o o u tr o
( qu e t am bé m e s t á e m n ó s ) , n os s a c on d iç ão de p art e de um g ê n e ro: o
h u ma n o; ape n as pa rt e , n ão s u a t ot a lid ad e , po is h á u m h u m an o ma is alé m do
H ome m .
H á um h u m an o qu e s e c ole t i v iz a, qu e s e t o rn a t ribu t ário d o s o cia l. E s t a
c on s agra çã o h u ma n iza n te alc an ç a a t od as as co is as , e s pe c ialm e n t e a fab u ­
laç ão qu e in c orpo ra to da s as n ar rat iva s do ( co ) e x is t ir; a c on c e pç ão de
d ire it o s h u m an o s n a d e cla raç ão a fric an a n o s re v e la be m e s s a id é ia 2 3 1 .
O bs e rve -s e , qu e na m aior part e d as c u lt ura s af rica n as , a
d if e re n cia çã o é co n s ide ra da c om o e s s e n c ial e pr é -re qu is it o fu n c ion al pa ra
q ue c ad a u m s e ja in d is pe n s áv e l a o o ut ro . I s to porq ue , n a cu lt u ra af rica n a,
s om e n t e pod e m v ive r ju n t o s aq ue le s qu e sã o dif e re n t e s , t e n do e m vis t a qu e
n a p e rsp e ct iv a a fric an a do m un d o, a vid a é u m pro ce s s o e m qu e c ada u m

231
A versão da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (adotada pela Assem ­
bléia da ONU em Nairobi em 24 de junho de 1981) em português tem versão publicada
na coletânea de Jorge Miranda, Direitos do Homem Principais Textos Internacionais, 2.ª
ed., Lisboa: Petrony, 1989, p. 299 e s.
110

s e id e n t ific a pro g re ss iv am e n t e , n ão co m o o u t ro, do qu a l d e ve re ivin d ica r


s ua dif e re n ç a, m as c om a to t alid ad e da co m un id ad e , vale diz e r, c o m a v ida
c ós m ic a e , e s pe c ialm e n t e , c o m a vid a div in a; aqu i e vide n c ia- se u m m a tiz
f ort e d e um Es t ad o S oc io am bie n t al c om fo rt e a ce n t o n o p rin cíp io de d e fe s a
d e u m “m ín im o e x is t e n c ial e co lóg ico ” co m o n ú cle o ma t e rial do p rin cíp io da
d ig n idad e h um an a .
A t e n t e -s e q ue po r f orç a d o art igo 27, 2, d a Ca rt a de Ba n ju l, t od os os
d ire it o s e libe rd ad e s s ão e x e rcid os e m “ re s pe it o do s d ire it os de ou t re m , d a
s e gu ran ç a co le t iva , da m o ral e d o in t e re s s e c o mu m ” .

7. 1 – T r i but ár i os do s oci al : af i r m ando i dent i dades

C omo s oc ialm e n t e t rib ut á rios d o h abit a t qu e o cu pa mo s , so m os o briga ­


d os a re c o n h e ce r qu e o s up ort e para in d ivid u aliza r n os s as ide n t ida de s e s t á
f ort e m e n te an c o rad o n a e s t é tic a e n a po lít ica : lu gar o n de t e m a ss e n t o a
n os s a ide n t id ad e n a cio n al, e lu ga r o n de s e d á a po s sib ilidad e de de lin e a r
u m m od o d e v ida, de s d e a c on d u çã o de u m o lh ar par a o o ut ro (v e rda ­
d eira m e n te , u m at o de v er e s t é t ic o) e , n e s t e at o , re co n h e c ê -lo e re s pon s a ­
b iliz arm o-n o s p or e le .
R ec o n h e c im e n t o e re c ipro cid ad e s ão as c h ave s d e le it u ra d a h is t ó ria
d o h u m an o re sp on s áv e l qu e n ã o e x clu i; m e lh o r ain da , d o h u m an o qu e s abe
v er e ou vir 2 3 2 e m ais , s ab e p art ic ipar, as s um ir c om pro m iss o s e lu t ar por e le s .
A m ís t ic a da ide n t id ad e n ac ion a l e s t á f un d ad a n o m od e lo p olít ic o q ue
d ec idim o s ad ot ar; e a h is t ória de n o s s o d ev ir, de n o s so s c on f lito s qu e d iss o l ­
v em , c riam e t ran s fo rm am t o da a re a lida de e x is t e n te pa ra a co n s t it uiç ão da
ide n t id ad e ( n ac ion al) , re v e la-s e c om o o prod u t o d e n os s as “ ma qu in aç õe s ”
f ilo s ófic o -po lític as ( D e le u ze / Gu at t ari) , n o in ac aba do pro ce s s o de d ar-n o s u m
s ist e m a po lít ic o qu e n o s c o n te n h a .
A s sim , a de m oc ra cia libe ral – de s d e o p rin cíp io d a ig ua ldad e d e
d ire it o s – va i lim it ar a id e n t idad e n ac io n al po r ra zõ e s c u lt ura is e s t a b ele c e n do
u ma h o m oge n e iz aç ão e u m a e x clu s ão n ã o m u ito dif e re n t e d as de n o min a da s
“de m o cr ac ias a ut o rit ária s” .
E st a un if orm iz aç ão pro s crit iv a ( e re t ro c e ss iv a) c on s t it u i u m fat o r qu e
a grid e os fu n da m e n t os m e sm o s d a de m o cra cia , va le d ize r, da p lura lida de

232
Cf. DUSSEL, E., Ética da Libertação. Trad. E. F. Alves e outros. Petrópolis: Editora Vozes,
2000, p. 426.
111

d os in t e re s s e s e n v olvid os , d as t radiç õ e s, cr e n ça s e opin iõ e s q ue c on t e n d em


n o e s paç o pú blic o e c orpo rif ic am o po de r po lít ico .
D e o u t ro la do , e e m opo s içã o, o m o d e lo r e p ub lic an o ( de m oc rá tic o -
libe ral) n ão vai a firm ar e x clu s iva m e n te o p rin c íp io f u n d ame n t a l da igu al ­
d ade , p ois o s e u id e al é o r e co n h e cim e n t o d as ide n t i d ad e s c u lt ura is d ive rs i ­
f ic ad as . Port a n t o, o qu e n e le s e dá é a ê n fas e n a igu ald ad e de v alo r, l ogo ,
d e re s pe it o n o s gr up os so c iais , e s ó ult e rio rm e n t e n o in div íd uo .
I st o é as s im , pois p ara a t rad iç ão e para as c re n ç as re pu blic an a s, o
in di v ídu o s ó o é e m c o mu n id ad e . Ela o an t e c e de e d e s e n h a s ua lin h a d e
c oe x is t ê n cia , e le ge n d o os va lore s fu n da m e n t ais e s e u s d ire it os bás ic os e
c on c re to s c o mo pe s s oa.
Por ta n t o, n a pe rs pe c t iva r e pu blica n a o c on j un t o de dire it o s e de v e re s ,
o s n o rm at ivo s s oc iais e a s e s fe ras d e c om pe t ê n c ia d os p od e re s e x i g e m a
a de q uaç ão à s id e n t idad e s c u lt ur ais 2 3 3 .
À e s s as ide n t id ad e s cu lt u rais s e a tr ibu i d ign id ade . D ign ida de é v alo r.
E st e v alo r e m pre s t ad o a o h o m e m in divid u alm e n t e s e re ve la c om o dign id ad e
d a p e ss o a h um a n a, n o d e s do bram e n t o e n a ac lara çã o da s p ot e n c ia lida de s
h u m an as p ara c o n st ru ir o s m e ios e a s co n diç õ e s n e ce s s ár ias qu e po s sib ilit am
o d e s e n vo lvim e n t o da ca pac ida de h u m an a ge n é ric a d e f aze r e d e s fa ze r
m un d os .
E st a aç ão de f az e r e de s f az e r m un d os , po é t ica ( ποιη τικ ός ) po r c e r t o, é
o a t o c riat iv o m á x imo d o h o m e m, c om o re ve la o co n ce it o gre g o, e qu e
A ris t ót e le s be m d e s cre v e u qu an d o af irm ou :

[...] la obra propia del poeta no es tanto narrar las cosas que
realmente han sucedido, cuanto contar aquellas cosas que podrían
haber sucedido y las cosas que son posibles, según una verosimilitud
o una necesidad. (...) Es necesario, tanto en los carac teres como en
el entramado de los hechos, buscar siempre lo necesario o verosímil
que un determinado personaje hable u obre de tal manera y que
luego de tal cosa se puede producir tal otra, o necesaria o vero­
símilmente234.

233
É de Stuart Hall a seguinte observação: “Las identidades culturales tienen un origen,
tienen una historia. Pero como todo lo que tienen historia, ellas sufren transformaciones
continuas. Lejos de estar eternamente fijadas en un pasado esencializado, están sujetas al
‘juego’ continuo de la historia, la cultura y el poder, lejos de estar basadas en la mera
‘recuperación’ del pasado, que está esperando que lo descubran y que una vez
descubierto nos daría un sentido eterno de seguridad en nosotros mismos, las identidades
son los nombres que damos a los diferentes modos en que estamos dispuestos por, y nos
disponemos en, la narrativa del pasado” (a citação está em Peter Wade, Identidad y
etnicidad, in ESCOBAR, A. E PEDROSA, A. (editores). Pacífico ¿Desarrollo o diversidad?
Estado, capital y movimientos sociales en el Pacífico colombiano Santafé de Bogotá:
Cerec-Ecofondo, 1996, p. 293).

234
ARISTÓTELES, Poetica, trad. VV.AA., 2.a ed. Madrid: Aguilar, 1967; 1451b e 1454a p. 85 e 90
112

E, A ris t ót e le s va i c on c luir qu e “é n e c e s sá rio dar pre f erê n c ia ao


im pos s íve l qu e é ve ro s s ímil so bre o po s s íve l qu e re s u lt a in c rív e l” ( 14 60 a) 2 3 5 , o
m e sm o s e ap lica a e s s e f aze d or de m u n do s. Pois , n a a ção há d e t e r-s e e m
c on t a o pe rs o n age m qu e f ala e ob ra, e a q ue m s e d irige qu an d o ob ra e f ala ,
e m f avo r de q ue m o f az e por qu e m ot i v os , s e é para lo grar u m b e m m aio r ou
p ara e v it ar u m m al m aio r 2 3 6 .
E ss a ide n t ida de c u lt u ral, qu an d o se lo ca liza co m o id e n t ida de
n ac ion a l, é o ra s to d a pe s s o a h u m an a q ue se co n cr e ta n a c id ada n ia. N a
c id ad an ia d ign a, já qu e o n úc le o d u ro da c ida da n ia é a d ign id ade h u m an a.
S e lh e ad ju n t arm o s o a n te p os it ivo e co - ( de ο ίκο ς ) , e c oc ida da n ia, s e de s ve la
o loc u s on de s e a e x e rc e.
A c o n ce p ç ão de e c oc ida da n ia e st á b e m d e lin e ada n o pe n s a m e n t o
d e R am ón S oria n o e Lu is d e la R as illa, e m t rab alh o d e n om in ad o D e m oc rac ia
v erg on z an t e y c iud a d an os de pe rf il 2 3 7 (F alt a- n os , t o da via u m a boa c on c e p ­
ç ão de E s ta do S o cio am bie n t a l) .
Por ora , d ig am o s qu e n os f un d am e n t o s do s e n tid o de c ida d an ia e st á
in co rpo rad a a n oç ão e o s e n tim e n t o de ide n t ida de e de p e rt e n ça , o u de
d om ín io e x clu s ivo . E s t e , n ão s e re ve la t ã o-s o m e n te n o f at o d e s e r m e m br o d e
u ma n a çã o, ou d e ut iliz ar o m e s m o idio m a; n ã o, o prin c ipal é qu e c on s t it u i-
s e , t a m bé m , n u m e n t ra ma do de e ve n t os h is t ó rico s qu e m an t ê m e g aran t e m
a u n ião d as p e ss o as ; a p e rt e n ça , c om o d om ín io s e proj e t a, a in da, n u m c om ­
p le x o s e n tim e n t o qu e as p e ss o as t ê m c om pr e oc up aç õe s c om u n s , n e st e
“lu gar d e e n c on t ro ” e a re s pe it o do fu t uro . E s t e “lu ga r de e n co n t ro” ,
p ort an t o, é o prim e iro re fe re n c ial para a c on s t ru ç ão de u m E s ta do S oc io ­
a mbie n t a l.
T oda a re la çã o g ru p al de pe r te n ç a imp e n de e su s c it a a pre oc u p aç ão .
E , qu an d o as pe s so as s e p re oc u pam co m a s o ut ra s , re fle t e m e a t ua m
s olid ariam e n t e , c on t ribu in d o a ss im a o b e m- e st a r da s oc ie d ade , in c lus iv e ,
a nt e s d e qu e apa re ç a, s ólid a, a re i v in d ica çã o d e pa r t i c ip ar n a s de c is õe s
q ue lh e s af e t am . I s to é t ã o fo rt e , diz e m o s s o ció log os , q ue m e s m o algu n s qu e
e ve n t u alm e n t e e s te j am priva do s d e s e u s d i re it os cív ic os , a in da as s im , s e n ­
t e m -s e vin c u lado s ao s de m ais p or u m a e s p é c ie de p are n t e s co e s e n t i m e n t o
d o p e rt e n c im e n t o c o mu m .

235
Cf. Aristóteles, op. cit., loc. cit.

236
Cf. Aristóteles, op. cit., 1460b, p. 104

237
Editorial Comares, Granada, 2002; a propósito se pode consultar o site na WEB mantido
pelos dois professores: www.ecociudadania.org
113

H á aí, do is pro ble m as : a) a co n diç ão m e s m a d e cid ad ão , c id adã , de s ­


d e a pe rs pe c t iva de um E s t ado S oc io am bie n t al c o m fo rt e ac e n t o n a gara n ­
t ia de u m “m ín im o e x is t e n c ial e co lógic o ”; e , b) o pe rd ura r d e s s a gara n t ia e
s ua s im plic aç õe s .

7. 2 –M í ni m o exi s t enci al ecol ógi co e gar ant i a

Por “m ín im o e x is t e n c ial e co lóg ico ” s e p od e a tr ibu ir a c on c re ç ão


m e sm a d as co n diç õe s de ga ran t ia e e fe t iva çã o da d ign id ade h u m an a.
E xis t ir e x ige a e fe t iv idad e das c on d iç õe s de e s t ar pre s e n t e co m o re alid ad e
s ub je t iva ; ma is ain d a, re c lam a a c on c re ç ão da po ss ibilid ad e de co e x is t ir ,
v ale d ize r, d e e s t ar pre s e n t e co m o re alid ade in t e rs u bje t iv a.
Por “gara n t ia” se pod e c on c e be r, e n t re o u t ras , du as o rde n s de
re laç ão : gara n tia s in di v id ua is e ga ran t ias c ole t iv as . Es t as ú lt im as , s e re ve la m
p rim e iram e n t e n o s p rivilé gio s , de po is n os d ire it o s c on f e rido s aos c id adã os e
c id ad ãs co n s t itu c ion a lme n t e ; as prim e iras , e s t ão n a razã o c on s t it u cio n al
c on fe rid a a o in d ivíd u o, be m c om o as lim it aç õe s q ue , e m b e n e fíc io d e le , se
im pon h a m ao s pod e re s pú blic os ; ad e m ais , in fe re m ou d e du z e m as p e rmis ­
s õe s que o s is t e m a at ribu i.
O m ín im o e x is t e n c ial ( e c oló gic o) , n e s t a re la çã o c ida dã , n u m priv ile ­
g iad o E st a do S o cio am bie n t a l, de v e s e r e n c on t ra do , t am bé m , n o qu e o M a x -
N e ff de n o m in ou d e “ d es e n v olvim e n t o e m e s ca la h u m an a ” 2 3 8 , vale diz e r, q ue
t od os e s te j am at e n did os e m s u as n e ce s s id ade s e x is t e n cia is bá s i c as .
Por n e c e s s idad e s b ás ica s , de v e -s e e n te n d e r du as fu n ç õe s : i) a fo rm u la ­
ç ão d e n ív e is cre s c e n t e s de a ut o de p en d ê n cia ; e ii) o e s t ab e le c im e n t o d e
a rt ic u laç õe s o rgân ic as e n t re a n at u re z a e o s abe r, re v e lan d o u m a in t e ra çã o
h arm o n ios a do s in div ídu os c om a n at u re z a ( qu e po de se r de n o min a da de
f un ç ão e co lóg ica ), e u m a re fle x ão c on s c ie n t e s obre a c iê n cia ( o qu e re ve la
u ma f u n çã o t e cn o lóg ica ).
I st o s ó s e rá pos s ív e l qu an d o s e c on s e gu ir e q ua liza r os p roc e di m e n t os
g lo bais co m o s pro c e dim e n t o s lo ca is (t a re fa m áx im a pa ra a po lític a, o
d ire it o e a e c on o m ia) de s de u m a raz ão qu e at e n da a os in t e re s se s da
s oc ie da de civ il e m u n ís s on o c o m as at iv id ade s in de le g áve is do Es t ad o.
M ax -N e f f afir ma q ue pa ra obt e r e s t e obj e t ivo pre c is am o s re s ga t ar o
c on c e it o d e “d e m oc rac ia d a c ot id ian id ad e ” 2 3 9 , pois é n e la qu e e n c on t ra ­
238
MAX-NEFF M e outros, Desarrollo a escala humana. Una opción para el futuro, in,
Development Dialogue, n. esp. 9.93, 1986. Traduzido e ampliado em: Desarrollo a escala
humana, Concepto, Aplicaciones y Reflexiones. Barcelona: Icaria, 1993
239
Para os nossos propósitos podemos conceber a “democracia da cotidianidade” como o
conjunto de ações, realizadas pelo corpo social, todos os dias, de modo sucessivo e con ­
114

re m os o qu e e le d e n o m in a d e “ d im e n s ão m o le cu lar d o s o cia l ” , vale diz e r,


e s paç os loc ais ord e n ad os e m e s c ala h u m an a .
Por ó bvio , pa ra e s t a t are fa n e c e s s it am os de u m E s t ado f ort e , u m
E st ad o S oc io am bie n t al qu e n ão s e re cu s e a “de s v e lar” t od a o “m ar gin al” e m
q ue s e e n c on t ram e s t ra t os im e n s os d a po pu laç ão , su a s mis é ria s, e m g ran de
p art e ge ra da s pe lo p róp rio s ist e m a .
U m “po r-s e à v is t a” d e st e m at iz , po r c e rt o , af irm a e a ce n t u a a f ra t e r­
n ida de e a u t iliza çã o d e in s t ru m e n t os s olid ário s q ue in firm am a in ju s t iça e
c on fo rm am a pos s ibilid ad e d o ju s t o s oc ial, an c ora do d e m o do re le v an t e n u m
a mbie n t e s adio e p rós pe ro .
N e s t e c am in h o , o im po rt an t e é n ã o co n fu n d ir a s n e c e s s idad e s q ue s ão
in e re n t e s à c on d iç ão h um a n a, co m as n e c e s s idad e s b ás i c as d o s e r h u m an o ,
d o s e r s oc ialm e n t e h um a n o 2 4 0 . A s pri m e i ras , e s t ão imp re s s as n o bio lóg ico e
n o p s íqu ico ; já a s s e gu n das , s ão re s u l t a do s de u m a p olít ic a c re m a t ís t ic a,
f ru t o de um m od e lo so c i al, polít ic o e e c o n ôm ic o a rqu it e t ad o pe la
d ef orm aç ão do c u lt ura l.
A o p e rs e gu ir u ma “ d em o cra cia d a c ot idia n ida de ” , in dis pe n s áv e l à
a plic aç ão d o p rin cíp io d a re s po n s abilid ad e , para a p rot e ç ão e fe t iva da s
g eraç õe s d o p orvir f re n t e às n o s s as aç õe s e se u s e f e ito s dir e to s e in d ire t os ;
e , m ais ain d a, d as n os s as o m is sõ e s , po r ve z e s c on s e n t ida s , n o pre s e n t e , o
q ue n os in d ic a qu e d e ve m o s pe rs e ve ra r n a lu t a para t orn a r e fe t iv o o p rin c í­
p io d a dign id ad e d a pe s s oa h u m an a .
D es ve la -s e , as s im , q ue u m a de m oc rac ia ( pa rt icip a t iva e ) da c ot i ­
d ia n idad e s ó é po ss ív e l qu an d o a ss e g ura da s as c on d içõ e s de q ua lida de d e
v id a d as ge ra çõ e s pre s e n t e s e d as qu e a s se g ue m , e is t o pas s a p or r e fle t ir ­
m os c om M a x -N e ff n o s e n t ido qu e n ã o s o mo s “ o c e n t ro de t o da s as c ois as ,
m as p art e de t od as as c o isa s , e qu e n ã o s ó a vid a h um a n a é s ag rad a, s e n ão
q ue t o da a f orm a d e v ida é s agra da ” .
E st a re f le x ão s ó po de s e r e x e rcid a po r u m a c rític a, qu e a t e n da ao s
p rin c ípio s de u m d ire it o j us t o e de um a Ju st iç a qu e e s te j a p re pa rad a pa ra in ­
t e rpre t ar j us t am e n t e o dire it o , v ale d ize r, a n e ce s s id ade de , e m m om e n t o s
d ef in ido s da h is tó ria, n e g ar a re alid ade do fát ic o e de su a in ju s ta re alid ad e ,
p ro p ugn an d o po r um “an s e io ” un iv e rs al de e s pe ran ç a, ou n as sá bias pala ­
v ra s d e H orkh e im e r:

tínuo, caracterizando o redobro da máxima vantagem social, vale dizer, a reduplicação


de efeitos expressivos da vida comum havida num Estado Social e Democrático de Direito.

240
Aguda a observação de Humberto Maturana : “o ser humano é constitutivamente social.
Não existe o humano fora do social. O genético não determina o humano, apenas funda o
humanizável. Para ser humano é necessário crescer humano entre humanos” ( A ontologia
da realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 205-206).
115

“esse inextinguível impulso, sustentado contra a realidade, de


que esta não deve mudar, que se rompa a maldição e se abra passo
a justiça [advertindo-se aos incrédulos que] o bem é bom, não
enquanto triunfa, mas enquanto resiste ao triunfo”241.

U ma ju s tiç a fu n da da n a s e gu ran ç a e n a ga ran t ia de u m a p az du ra d ou ­


ra n as re laç õe s in t e r-h u m an as , p ois os su bs t a n tiv os s e gu ran ç a e g aran t ia a n ­
d am d e “m ã os dad as ” . S e gu ran ç a é o re s ult a do ou o e f e it o de u m a aç ão
q ue ob je t iva t orn a r c e rt o, s u st e n t á ve l o u e st á ve l a lgu ma c ois a. O qu e e s t á
s e gu ro e s t á gara n t ido .
Qu an t o a o rige m d as m e sm a s, vár ias p od e m ser as p os i ç õe s ; o
iu sn a t ura lis mo firm e n a or ige m fo rm al d as ga ran t ias in d ivid ua is , t e m s u s t e n ­
t ad o qu e s ã o s u pe rio re s ao pró prio h om e m e a qu alqu e r o rgan iz aç ão
n orm a tiv a, po is os d ire it os d o h o m e m e da m u lh e r s ão in se p aráv e is de su a
n at u re za e in e re n t e s às s u as pe rs on a lida de s , p or t an t o, as gara n t ias , po r
p re e x is t e n t e s , de v e m s e r re s pe it as pe lo E s t ado , t e n d o o m e s m o, a o briga çã o
d e in c luí- las n o se u ord e n am e n t o ju ríd ico .
D e m od o div e rs o, o s p os it ivis t as rad ica is , v ão af irm ar qu e s o bre o
p ode r do p ov o ou da n a çã o n ão e x is t e n e n h um po de r in div idu al, raz ão pe la
q ual o s u je it o, in di v id u alm e n t e , n ão t e m qu alqu e r dir e ito qu e o po r a o Es t ad o,
s im qu e , o E s ta do pa ra pro pic iar o be m c o mu m , co n c e de a os s ú bdit o s de t e r­
m in ada s p re rrog at ivas qu e o co lo c am a o am pa ro de e ve n t u ais de s m an d os ,
a to s arbit rá rios o u po ss ív e is in iqü idad e s pra t ica das p e las au t or idad e s qu e
a tu am e m s u a re pre s e n t aç ão 2 4 2 .
A s c on c e pç õe s de ga ran t ia fo ram as ma is d ive rs as n o d e cu r s o d o
t e m po, pe n de n t e a c iê n cia q ue as e s t ud av a. N o d ire it o pú blic o, ad qu iriu
s ign if ic aç ão m e t o n ímic a, pe n d e n te ao t ipo de s e gu rid ade e n vo lvid a ou a
c arac t e rís t ica d a pro t e çã o pre t e n d ida, e m f avo r do s go ve rn a do s n u m E s t ad o
d e Dire it o .
U ma das g aran t ia s – s e n ão a m aio r – d o c id adã o e da cid ad ã, e s t á n o
re s pe it o ao s d ire it os h u ma n os e a os dire it o s f un d ame n t a is d e vid am e n t e

241
HORKHEIMER, M., Anhelo de Justicia. Teoría crítica y religión Trad. J.J Sánchez. Madrid:
Trotta, 2000, p. 226, 235

242
A “segurança jurídica” está ancorada na convicção da estabilidade, do equi líbrio que
um sujeito desfruta no seu entorno, neste “lugar de encontro”, revela-se através dos atos
de fidúcia sobre os próprios recursos, gerados pela certeza de estar incluído na
ambiência social de modo valorizado e respeitado, implica o status em que a satisfação
das necessidades se encontra garantido através de um conjunto de processos e procedi­
mentos, de políticas afirmativas de medidas de precaução que asseguram uma relativa
paz social.
116

e fe t iv ado s , qu e lh e s s ão at ribu ído s p e la ord e m po s it iva in t e rn ac io n al e p e la


o rd e m c o n st it u c io n al do Es t ad o.
E nt re e s t e s d ire it os , e s t á o d ire it o fu n d am e n t al à vid a, b e m c om o d as
c on diç õ e s d e v ivê -la d ign am e n t e .
O d ire it o am bie n t a l, t am bé m fu n d am e n t al, v ale diz e r, o d ire it o ao goz o
d e u m a mb ie n t e s ão e e qu ilibr ado , c on s t it u i-s e c o mo e ss e n c ial 2 4 3 à e x is ­
t ê n cia da vid a c om o a c o n h e ce m o s. S u a g aran t ia , in c lu s ive , a u lt ra pas s a,
p ara a s se g ur ar à vid a vin do u ra.
Já c on c e be m os , re t ro , o “a m bie n t e ” c om o u m “lu g ar de e n co n t ro” ,
e s t a c on c e pç ão le va co n s igo o e t im o lógic o me s m o do s u bs t an t ivo / adj e t ivo :
a mbie n t e . Co m o e n s in a Á vila Coim br a, am bie n t e e s t á c o mp os t o por du as
p ro pos t a s lat in as a mb ( o) q ue in du z a id é ia d e “an d ar à vo lt a”, a o re d or, e o
v erb o ire , ir, do n de a mb + ire = am b ire , vale d ize r, a mb ie n t e é t u do o q ue v ai
à vo lt a, o q ue ro de ia d e te r min a do p on t o o u s e r 2 4 4 .
E st e “a n da r à v olt a ”, e s t e lug ar d e e n c on t ro ( s ub st a n t ivo) , m e s m o, d o
e n co n t ro ( v e rbo fle x io n ad o) c o m o o ut ro e o s de m ais s e re s bió t ic os e a bió ­
t ico s , e x ige pe rm an ê n c ia e m an u t e n çã o ( aç ão d e m a n te r , ou de s e g urar
c om a m ã o) , re c lam a a e f e tiv ida de do prin c ípio fu n d an t e de um E st a do
S oc ioa mb ie n t al: o p rin cíp io de pro ib iç ão d a re t rog rada çã o s oc ioa mb ie n t al.
Por is s o, s e po de e n t e n d e r o p rin cíp io e se u ob je t o, a ve d aç ão d a
d eg rada çã o am bie n t a l, c om o in f orm ad or, t am bé m , d e u m a e c oc ida d an ia
re s pon s á ve l, c o mo um a ra zão me s o lógic a qu e via biliza a e x is t ê n c ia de u m
m ín imo e co lóg ico 2 4 5 .

243
Relativamente ao ser humano, matizemos: o “essencial” é o núcleo duro que confere a
um ser uma identidade, isto é, um caráter distintivo. Refuta a aparência, pois supera os
devaneios do inatingível, e firma a natureza do indivíduo concreto que observa a sua
realidade existencial, não como obra do pensamento abstrato, sim de suas ações par ticu­
lares comprometidas com o meio onde coexiste com outros seres.

244
Cf. ÁVILA COIMBRA, J. de, O outro lado do meio ambiente. 2.a ed. Campinas: Millenium
Editora, 2002, p. 25, nota 9. “Esta compreensão de totalidade no conceito de Meio
Ambiente aparece bem clara numa única palavra apropriada pela língua francesa.
Trata-se de Environnement, significando Meio Ambiente, que foi também transposta para
a língua inglesa como Environment. É exatamente a mesma etimologia latina do “ir à
volta”, com as ligeiras mutações gráficas e fonéticas incorporadas ao longo do tempo.
Temos: Amb+ire=ambire (ir à volta) = Ambiente; Env+iron = os arredores = Environnement.
O alemão tem outra raiz etimológica, mas conserva a semântica da expressão: Um+Welt
(à volta+mundo) = Umwwelt.”

245
Quando o naturalista alemão Ernst Haeckel cunhou a expressão ecologia em 1867, difi­
cilmente imaginaria a extraordinária difusão que a palavra iria gozar nos últimos anos (Cf.
RAMOS ULGARM. A., El análisis ecologico de datos: cuando, como y para que, in, Derecho
y Sociedad, VV. AA. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998, p. 257-272). O conceito de ecologia
ou de meseologia pode ser concebido como o que resulta da relação do ser humano com
a natureza e com os outros seres bióticos ou abióticos, está em oikos (οίκος) e no logos
(λόγος), e está fixado na realidade, pois descobre-se nos ecos sistemas que são interiores
a todas as relações sociais.
117

A s sim , é d e ve r do Es t ad o S oc ioa m bie n t al e D e m oc rát ic o d e D ire it o, e


d ev e r d e ca da u m d os c idad ão s , u m c om po rt am e n t o pa ut a d o p or u m a
p ost u ra e c olo gic am e n t e re s pon s áv e l.
E st a re v e laç ão im plic a a pro t e çã o e s pe c ial qu e o s pr e t ório s d e t o do s
o s p ovo s vê m re s p e ita n do s is t e ma t ica m e n te 2 4 6 ; be m c om o, t ê m e s t im u la do a
e vit ar o q ue já f oi d e n om in a do de f alác ia e c oló gic a 2 4 7 , is t o é , a pre t e n s ão
d e e x p lic ar o co m por ta m e n t o d os s u je it o s a pa rt ir de um a t e n sã o e n t re
in fo rm aç õe s ( n o ca s o re lat iv as a o a mb ie n t e ) , e n t re var iáve is co lh ida s t e r­
rit oria lm e n te e aqu e las c olh id as in d ivid u alm e n t e . Con t u d o, at e n t e -s e q ue a s
v ariáve is e c oló g ic as co lh ida s n u m e s pa ço so c ial de t e r m in ado n ão im plic am
q ue e s t a s gu ard e m re la çã o c om aqu e las co lh ida s d ire t am e n t e d o in d ivíd uo .

7. 3 – Um a l ei t ur a de Spi noz a

Pois que os homens [...] são mais conduzidos pelo afeto do


que pela razão, segue-se que a multidão não é conduzida pela
razão, mas permanece de acordo devido a um (qualquer) afeto
comum e é arrastada, como se ela tivesse uma única mente, pela
esperança comum, ou pelo medo, ou ainda, pelo desejo de se vingar
de um dano.

Spinoza248

C om S pin o za apre e n d e mo s q ue pa ra m an t e r os se r e s h u m an os e m
re lat iv a h arm on ia d e ve m o s s u bm e t e -los a fo rt e s pa ix õe s . N ã o ba st a a ra zã o.
T al c ircu n s t ân c ia n o s le va a c on c lu s ão qu e u ma fic t íc ia pa ss a ge m do
“e s t ad o d e n at u re za ” p ara a “s o cie d ad e civ il” e s t á ma is vin c u lada a
c arac t e rís t ica s n ão rac ion a is 2 4 9 . Por iss o , de ve m o s re c up e rar o po lít ico

246
Cf. DERECHO AL AMBIENTE SANO / DERECHOS FUNDAMENTALES. Núcleo esencial: La
ecología contiene un núcleo esencial, entendiendo por éste aquella parte que le es
absolutamente necesaria para que los intereses jurídicamente protegidos y que le dan
vida resulten reales y efectivamente tutelados. Se rebasa o se desconoce el com tenido
esencial cuando el derecho queda sometido a limitaciones que lo hacen imprac ticable,
lo dificultan más allá de lo razonable o lo despojan de la necesaria protección. Los
derechos al trabajo, a la propiedad privada y a la libertad de empresa, gozan de es ­
pecial protección, siempre que exista un estricto respeto de la función ecológica, esto
es, el deber de velar por el derecho constitucional fundamental al ambiente. (REF:
Sentencia No. T-411; Expediente Nº T-785, La Sala Cuarta de Revisión de la Corte
Constitucional; Santafé de Bogotá, D.C., 17/06/1992)

247
ROBSINSON, W., Ecological Correlations and the Behavior of Individuals. American
Sociological Review 15, p. 351-357, apud, Ramos Ulgar, El análisis..., p. 265.

248
SPINOZA, Tractatus Theologicus Politicus..., cit., p. 297
249
Cf., nota 19 retro.
118

( ad je t iva do ) c om o m at riz de t raba lh o e m s e d e a m bie n t al, p ois é a p olít ic a


q ue e s t á m ais apa re lh ad a para t ra balh a r a d ialé t ic a af e to s  raz ão , po is é
d es d e e s t e m e ca n ism o de ada pt aç ão s oc ial ( a po lític a) 2 5 0 , qu e m e lh or s e
j oga c om as p aix õe s dir igin do -as para o bj e tiv os pré -d e t e rm in ad os ,
p re v iam e n t e pe n s ad os po r u m a ra zã o qu e n ã o e s t á pre s a a o a prio ri, ma s
q ue s e va le d e ou t ras fo n te s 2 5 1 .
S pin oz a n o s ap re se n t a t rê s fo rm as d e pe n s ar a raz ão po lític a. U m a
d ela s, é a p e n s ada p e lo h om e m co m um n o t rat o d iário co m o e n t o rn o; ou t ra
a p e n sa da pe lo h om e m qu e e x e rc e a polít ic a; e , fin a lme n t e aqu e la q ue é
o bje t o d e re f le x ão pe lo filós o fo . Es t as t rê s f orm as s pin o zia n as e s t ão dire t a ­
m e n t e un id as n u m “c orp us ” re ve la do r da “aç ão po lít ica ”: ( a) a do qu e d e s ­
c on h e c e os s u bt e rrâ n e os d a po lít ica pe n s ad a p e lo p olít ic o, a do h o m e m q ue
e s t abe le c e vín c u los s o cia is, n a m aior ia d as ve z e s , p as s ion a is/ af e t ivo s co m o
o ut ro , s u po rt an d o, po rt an t o, a s co n s e qü ê n cia s daí re su lt an t e s , fa t o q ue o
le va a s u bm e t e r-s e ao E st a do e s u as le is 2 5 2 ; ( b) o p olític o que po s s ui u m
c arát e r p ragm át ic o , p or c o n h e ce r in t im a me n t e a s “pa ix õe s ” d a s o cie d ad e
c iv il, pro cu ran d o as s im, c on t ro lar a s re laç õe s in t e r- h um an a s e c on s olid ar um
g ove rn an ç a fo rt e , s ab e n do d e an t e m ão qu e e x is t e m m od e los de po lít ica
g ove rn at iv a m ais e f ica ze s qu e o u t ros , le v an d o-o a a pro x ima r-s e de m od o
e fic ie n t e d o u t ilit aris m o; e , ( c ) a d o f ilós o fo qu e “n at u raliz a” a po lít ica , po is
p erc e be co m c lare z a o pe rc u rs o do e st a do d e n at u re za pa ra a s oc ie da de
c iv il, s abe n d o q ue é pos s íve l co n cilia r pe rs pe c t iva s rac ion a is e irrac io n ais ,
v ale d ize r, raz ão e afe t o s /p ai x ão .
A p art ir da í, o f ilós of o va i p roble m a t izar o E s t ado de s de t rê s gran d e s
m arc os “p ot e n t ia” ( e s sê n c ia ma n ife s t a) , “po t e s t as ” ( p od e r) e “c on a tu s ”
( pe rs is t ê n cia ) .
O c on c e it o s pin o zia n o d e “po t e n t ia” – t alv e z o m ais im po rt an t e –
p re f igu ra a aç ão do in div ídu o re lac ion a do a d ivin d ade , a ss im c om o , a aç ão
c on ju n t a d a s o cie d ad e , ist o é a at ivid ad e s oc ial e a d ivin da de : D e us s iv e
N at u ra. Pa ra S pin o za h á p e rfe it a ide n t ific aç ão d e “po t e n t ia” e “De u s ”:
“d es t e m o do , u m S e r a bs olu t am e n t e in fin it o , ou ( s ivi) D e u s port a do r de um a
in fin it a e abs o lut a po t ê n cia de e x is t ir, po rt an t o e x is te abs o lut a me n t e ” 2 5 3 . A
p art ir d e st e c on c e it o é qu e v ai dis t in gu ir a “N at u ra n at u ran s ” e a “n at u ra ta ”,

250
Cf., nota 170 retro.

251
Cf., p. 19 e ss., retro.

252
Cf., Ethica..., cit., p. 182-183
253
SPINOZA, B., Ethica, cit., XI, G.II, p. 54: adeóque Ens absolute infinitum, sive Deum
infinitam absolute potentiam existendi a se habere qui propterea absolute exist.
119

p ois a m an if e st a çã o div in a, c o mo “ e s s ê n c ia qu e a t ua ” d e mo do p an t a ­
p orico 2 5 4 .
C on t ud o, ad virt a -s e qu e S pin o za a t ribu i pa ra “p ot e n t ia” e po de r
( “po t e st a s” ) f u n çõ e s p rópria s , m as n ão n e c e s sa riam e n t e e m o pos iç ão . Co m
e fe it o , n o liv ro I V d a E th ic a, S pin o za ut iliz a o t e rm o “pot e s t as ” par a af irm ar a
e s sê n c ia h um a n a ( vê - se aí qu e “p ot e s t as ” e st á t om ad o co m o “p ot e n t ia” ) 2 5 5 .
M ais ad ian t e , n o livro V, n ov am e n t e ve m o s a n ã o-o po n ibilida de : “[. . .] O a fe t o
e s t á e s t á m ais e m n o s s o p od e r ( in n os t ra pot e s t at e ) e a M e n t e m e n os
p ad e c e qu a n do e s t e afe t o é m e lh or c on h e c id o” 2 5 6 .
Pot e n t ia , po rt an t o é u m a e x pre s s ão d in âm ica e s e co n cre t iz a n as m ais
d if e re n t e s fo rm as , in cru s t a-s e e m t o do s as via s , n u n c a a rbit rária s , e se m p re
o nt o lógic as , m an if e s ta -s e c om o: p ot e n t ia a ge n di, p ot e n t ia c og it an di ,
p ote n t ia im ag in an d i e p ot e n t ia in t e lige n di.
Para S pin oz a, po rt an t o , p ote n t ia é at rib uíd a a De u s e t o da a e n e rg ia
q ue d e le se irra dia, in clu s ive “in d ivid ua l”. N o T ra ct a t us Th e o log icu s Polit ic u s,
S pin oz a va i a firm ar qu e a p ote n t ia u n iv e rsa l c o n t ida n a N at u re z a co n fo rma o
s om at ó rio da s p ot ê n c ias in d ivid u ais 2 5 7 .
D e ou t ro m o do , “po t e s t as ” fu n da m e n t a co n ce it o s p olít ic os imp or ­
t an t e s , e st á n a s e n t e n ç a: “ iu s n at u rae e o u sq ue se e x te n d e re , qu o us qu e e j us
p ote n t ia s e e x t e n dit ” 2 5 8 ; S pin o za , re s s alt a os t e rm os iu s ( d ire it o) , p ote s t a s
( pod e r) , c iv it as ( c idad e ) , im pe riu m ( Es t a do , s o be ran ia ) e va i c on s agr ar o
e n t e n dim e n t o qu e t od a o rgan iz aç ão po lít ica ( dire it o , p od e r, Es t ad o e
s obe ra n ia) é o co m pós it o n a tu ra l d a p ot e n t ia de c ad a um . Es t a e n e rgia
b ás ic a e s t á n os in d ivíd uo s qu e de la n u n ca po de m ab dic ar. É po r e s t e m ot ivo
q ue , em Sp in oz a, nunca va mo s e n c o n tr ar opo s içã o e n t re a pot e n t ia
in div idu al e a so c ie dad e , p ois a re laç ão e n t re e s sa s é de c om pro m is so .
N e s t e dia pas ão e m e rge o c on c e it o d e m u lt it ud o c om o f u n dam e n t o
le git im an t e da s o be ran ia , po is qu an d o e x is t e um po de r ( do E s t ad o s obe ­
ran o ) , e s t e s o m e n te pod e s e r re s u lt ad o d aqu e le qu e t o da m ult id ão de t é m 2 5 9 .
Neste s e n tid o, p ara S p in oz a, só há le git im id ade no p od e r ( do Es t a do
254

No sentido grego de “abertura de todos os caminhos”

255
Cf. op. cit., IV, G. II, p. 234

256
Affectus igitur eo magis in nostra potestate est, et Mens ab eo minus patitur, quo nobis
est notior, in, op. cit., V, prop. III, G. II, p. 282

257
SPINOZA, op. cit., XVI, G. III, p. 189

258
“O direito natural de cada um se extende até onde se estende a potencia de cada um”,
in, Tratactus..., cit., XVI, G.III, p. 189
259
SPINOZA, B., Tractatus..., cit., VIII, § 3, G. III, p. 325
120

s obe ra n o) s e , e s om e n t e s e , e ss e é re s ult a do d a dia lé tic a d e d ife re n t e s po ­


t ê n cia s in d ivid ua liza das .
Le git im ad o o po de r, a t ravé s d e u m re s ult a do dia lé t ico , Sp in oz a r e fu t a
a s e pa raç ão da “s oc ie da de ” e d o “e s t ad o de n a t ure z a” , p ois gr aç as a
in e s cin d ibilid ade co n s tr oe m -s e e m an t ê m -s e o s dire it o s n at u rais ; ad e m ais , ta l
in s e para bilida de é re su lt ad o d e u m “co m m un is co n s e n s us ” 2 6 0 .
O e le m e n t o in t e gr ado r é o c on a t us ( e s fo rço , pe r sis t ê n c ia) qu e s e
c on c re t iza e m t od a pro po rçã o h a vid a e n t re m o vim e n t o e re pou s o . Es s a
p ers is t ê n cia pos it iva q ue d e limit a a s f ron t e iras do in div idu al e d o s oc ial,
d es e n h an d o um a “raz ão ” d a N a tu re z a, po r is s o e le é se m p re pré v io a raz ão,
m as n e la v ai ape r fe iç oar -s e

7. 3. 1 – Br eve s í nt es e

E m re s u mo e a g ro ss o m o do pod e m os diz e r q ue S pin o za de s e n h a u ma


é t ica c ie n tíf ic a c uj a f in alid ade é a “s a lvaç ão do h o me m ” . Con t u d o, a
re alid ad e d ivin a pa ra e le é d e st it u íd a de s e u c arát e r t ran s c e n de n t e , pois a
ide n t if ica à n a t ure z a, à to t alid ad e in fin it a do re al, s e n do a s a be do ria, o
a mor in t e le c t ua l a e s t e De u s ima n e n t e 2 6 1 .
S pin oz a af irm ava q ue a e x is t ê n cia d e um s e n t ido im plic a e m de fin iç õ e s
q ue p od e m s e r co rre t as ou in co rre t as ; se n d o c orre t a , aq ue la e m qu e a
c on fia bilida de n a e x is t ê n cia do o bje t o de f in ido e s t e ja c lara m e n t e de m o n s­
t rad a; o q ue le va a c on c lu sã o, qu e u m a d e fin iç ão c orre t a é s e m pre
v erd ad e ira e , é a part ir de s t a d e fin iç ão , qu e s e pod e m de d u zir o u t ras
v erd ad e s. Pod e m os po is d e du zir u m s is t e m a m e ta fís ic o, vale diz e r, u m a
“ap re se n t a çã o” do m u n do co m o u m a t o t alid ade pe rfe it a me n t e in te lig íve l,
p ois S pin o za e s t av a co n ve n c ido qu e c ad a de t alh e d a re alid ade é n e ce s s ário
e q ue t o da a po s sib ilida de logic am e n t e c oe re n t e de v e e x is t ir.
Por ta n t o, é po s s íve l d e m on s t rar a m e t afís ic a d e du t iv am e n t e , a t r av é s
d e u m a sé rie d e t e o re m as – ar tic u lad os e t apa po r e t apa – de c on s e qü ê n c ias
n e ce s s ár ias de s d e pre m is s as au t o e vide n t e , e x pr e ss a das e m t e rm o s au t o-
e x plic at ivo s ou d e fin id os po r u m a in q ue s t io n áve l c o rre çã o; t o dav ia, t al
m é t od o ga ran t e c on c lu s õe s v e rda de iras , s om e n t e s e o s ax io m as s ão ve rd a ­
d eiro s e as de f in içõ e s c o rre t as .

260
SPINOZA, B., Ethica..., cit., IV, prop. XXXVII, G. II, p. 328

261
“Imanente”, neste contexto, se entende como aquilo que cria, determina, ou transforma
sua própria interioridade, em oposição ao obrar sobre uma realidade externa.
121

Log o, c om e s s a a rt icu laç ão S pin o za c on s t rói se u m é t o do ge o mé t ric o


s e me lh a n t e m e n te ao s “ Ele m e n t os de E uc lid e s” , c om o e s t á n a s u a É th ic a –
O rdin e Ge o me t ric o D e m on s t rat a. Com e fe it o , o qu e S pin oz a pre t e n d e c om a
p ro va ge o m é t rica é qu e se ac e it am o s a s d e fin iç õe s e o s a x iom as da do s, e
d es d e qu e as d e du ç õe s e s t e ja m co rre t am e n t e po s t as , e n t ão te r e mo s qu e
a ce it ar as co n clu s õ e s 2 6 2 .
C ad a u m a das c in c o p art e s da E t h ica , in icia co m u m rol d e d e fin iç õe s
e a x iom as , das qu ais s ão “d e du z idas ” a s pro po s içõ e s o u t e o re ma s . A
d ef in içã o bás ic a é a de “s u bs t ân c ia”, qu e re ve la o qu e n e c e s s ariam e n t e
e x is t e , po rt an t o , s e r e fu t arm os e s t a de f in içã o e s ta re m os s re fu t an d o t od o o
s e u s is t e ma .
T en h a m os pre s e n t e q ue S pin o za dis t in gu e , co m c larid ad e , qu at ro
m od os d e ac e s so ao c on h e c im e n t o: ( 1) e x is t e u m c on h e c im e n t o q ue é o
re s ult a do do qu e n o s diz e m ; ( 2 ) e x is t e um a e x pe riê n c ia e m píric a, n o s e n t ido
d ep re cia t ivo, v ale d ize r, o qu e t e s t am os s e m , co n t u do , t e r mu it a ce rt e z a; ( 3)
e x is t e u m a de d u çã o im e diat a , is t o é , t o do o c o n h e cim e n t o qu e n os é
re ve la do p e lo rac ioc ín io; e , ( 4) o m o do m ais e le va do d o c on h e c im e n t o,
a qu e le q ue p rov é m ou é re s u lt ad o d e u m a “d e du ç ão im e diat a ”, e d a
p erc e pç ão dire t a , v .g ., o 6 n a pro po rçã o 2 :4 :: 3 :x ( d ois e s t á para t rê s , a s sim
c om o t rê s e s t á pa ra x (x = 6) .
D es pre z an d o ( 1) e c o me n t a n do ( 2 ) , S pin o za su s t e n t ou qu e t o da a
e x pe riê n c ia d os s e n t id os e t o da ge n e raliz aç ão cie n t íf ica de s d e e s t as e x pe ­
riê n c ias é in ad e qu ad a; n e n h u m obj e t o p od e s e r is olad o do re m an e s c e n te n a
n at u re za , po rt an t o , n in gu é m p od e a firm ar a ve r dad e so bre e s t a sit u aç ão ,
u ma ve z qu e t al e n volv e ria a n at u re z a in t e ira. A s s im , um c on h e c im e n t o de s t e
t ipo f oi de n o m in ado por S pin o za c om o “o pin iã o”, ou m e lh or, “ ima gin aç ão ”.
C on t ud o, se c om o a co n t e ce e m (3 ) a c o n sc iê n c ia é d irigid a s om e n t e
à qu e las pro prie d ade s qu e t od os os obj e t os tê m e m c o mu m , n ã o s e p rod uz irá
a d is t orç ão qu e oc o rre na e x p e riê n cia do s s e n t ido s ; a este t ipo de
c on h e c ime n t o S pin o za de n o min a de “raz ão ”. De s t e m od o, d av a c on t a da
p oss ibilid ad e do c on h e c im e n t o a prio ri n a g e om e t ria fís ica ge ra l e n a
p sic olo gia g e ral. Em ( 4 ) é a “ in t uiç ão ” ( o n ú m e ro 6 é o qu e e s t á in t u ído n a
p ro porç ão 2 :4 :: 3: x ) q ue co m an da e ap are c e c om o ade q ua da ao
c on h e c ime n t o do s o bje t o s in d ividu a is.
Pe lo c on h e c im e n t o, a virt u de é para S pin o za um a “po t ê n c ia” de
a firma çã o e de re s is tê n c ia e m ca da d om ín io d e a t ua çã o do s e r h u m an o,
p ois para S pin oz a, t an t o o p e n s am e n t o é t ic o, c om o o pe n s am e n t o p olít ic o, é

262
Cf. SPINOZA, B., Ethica..., cit., Praed.,G. II, p. 138
122

p rim or dialm e n t e u m a lu t a qu e pro du z s u a próp ria e s t rat é g ia ( filo s óf ico -


p olític a) im e dia t am e n t e v in cu la da ao te m p o.
O a dv e rs ário n e s t a lu t a é o T e ólo go e e m se u lu gar o T iran o , e s s e s n a
re alid ad e , pre s s u põe m u m “u n ive r so co m um ” d e s ign if ic ado s e e s t ru t ura s d a
d om in aç ão po lít ica q ue as do u t rin as qu e e le s de f e n de m imp õe m ( o Te ó log o
e o Tira n o) . Um t a l e s t ado d e s ign ific aç ão e d e e s tr ut u raç ão m an t ê m a
s oc ie da de , o pov o, e o s h o m e n s in d ivid ua lme n t e , s e para do s d a próp ria
p otê n c ia polít ic a d e aç ão e d e c on s t it u içã o c u ja p rát ic a, po r e le s e x e rc ida,
é a g aran t ia d o d e se n v olv im e n to e d a libe rd ade .
S e gu n do S pin o za , a lu t a pe la au t o n om ia n o e s paç o p olít ic o s e in a u ­
g ura n o e s paç o é t ic o, s e para do d a m e ta fís ic a e b as e ad o n u ma e s t ra té g ia
d e “c on a t us ” 2 6 3 do co rpo c ole t iv o, ou da “ m u lt it ud in e s p ot e n t ia” ( a m u lt idã o
c om o m o da lidad e e s pe c ífic a d a r e alida de p olít ic a e m t e n s ão e m s e c on s ­
t it uir c om o n a çã o, c o mo pov o, ou co m o Es t ad o) .
S pin oz a d e s e n h a u m a a n alo gia e n t re o c orp o in d ivid ua l e o co rpo
c ole t ivo q ue , de s d e s e u próp rio e s fo rço (p e rs ist ê n c ia) c om u m d e c o n se r­
v açã o e d e af irm aç ão pe rs e gu e u m a ló gic a d e ca us a lidad e pró pria da
e s sê n c ia s in gu lar d o c on at u s .
A lu t a d e S pin o za é, an t e s de t ud o, um a lu t a pa ra a libe rda de . M as
u ma libe rd ad e qu e e le d e fin e c om o “in t e n s a”, “d in âm ic a” , v ale d ize r, u m a
“libe rd ad e -n e ce s s id ade ” c ole t iv a d e afir ma çã o a bs olu t a d e u m a e x is t ê n c ia
o u de s ua “ in fin id ade ” in ac t o. Por is s o, a lut a t e m um fu n d am e n t o rac ion a l
q ue s e e n c on t ra n a “p ot ê n c ia d a m u lt idão ”, e , n e s t e s e n t ido a lib e rda de
n e ce s s it a pre v iam e n t e um a c on s c iê n cia d e m u lt it ud o or gan iz ada n u m co rpo
p olític o .

263
Atente-se que para Spinoza, o conatus “nada mais é que o esforço que encontramos em
toda Natureza e nos seus aspectos particulares, que objetivam a manutenção e a
conservação do ser próprio” (isto está em SPINOZA, B., Korte Verhandeling van God, de
Mensch en dezelvs Welstand, na tradução italiana Breve Trattato su Dio, l’Uomo e il suo
Bene. Introdução, tradução e comentário de F. Mignini. Roma: L. U. Japadre, 1986, p. 56);
Assim, é uma expressão latina que significa um esforço de, ou um esforço para, ou ainda
uma tentativa, ou persistência (expressão que preferimos); no pensamento científico do
século XVIII, foi muito utilizado pela “nova física” relativamente ao princípio da inércia
(todo corpo permanece – persiste – em movimento ou em repouso se, e somente se,
nenhum outro atua sobre ele, produzindo assim, modificação em seu estado), desde este
princípio podemos intuir sobre a idéia de que todos os seres do universo possuem a
tendência natural e espontânea para a autoconservação e se esforçam (persistem em...)
para permanecer na existência (cf. CHAUÍ, M., Spinoza, uma filosofia da liberdade, Sao
Paulo: Editora Moderna, 1995, p. 106; cf., nota 13 retro).
123

7. 3. 2 – O que apr opr i am os de Spi noz a na f or m ul ação de um Es t ado


Soci oam bi ent al e Dem ocr át i co de Di r ei t o

Já af irm am os , n a I n t ro du çã o qu e “am bie n t e ” é u m “lu ga r d e e n co n ­


t ro” , um lu ga r on d e n o s e n co n t ram os c o m o n o s so am b ie n te in t e rior, o n de
n os e n co n t ram o s e x t e rio rm e n te c om os de m ais e a n at u re za , e on d e s o mo s o
“e n c on t ro ” 2 6 4 , o n de t e m lu ga r a n a rraç ão d a h is t ória m u lt it ud in ária d o plan e ­
t a, va le diz e r, a h is t ór ia d os s e re s ( pe s s oa s, a n ima is ou c ois a s) c o n si d era do s
o u n ão e m s e u c on ju n t o , e a h ist ó ria da s o be ran ia -an t ro pom ó rfic a-c o mo -
m ult id ão vale diz e r, t o do o co n j un t o d e in div íd uo s h u m an os ( orig in alm e n t e
a po de ra do s ) .
E st a mu lt id ão an t rop om ó rfic a e t a mb é m n ão -an t ro pom ó rfic a ( c on j un ­
ç ão bió t ica e ab iót ic a) , re s u lt ad o da re la çã o p ot e n t ia/ p ot e s ta s , in t e rm e dia ­
d a pe lo c on at u s s e m pre pre s e n t e n o “e n c o n tr o”, v ai re f le t ir, n a s u a a n tr op o­
m orf ia, c on c e it o s t an t o m a te ria is f ísic o -qu ím ico s , c om o f ilos óf ico s e po lít ico s .
R ev e la-s e n u m c orp o s e m ó rgão s po lític o s e dif e re n cia -s e do E s ta do ( a
e x pan s ã o da p ot e n t ia, ou p ote n t ia s iv e p ot e s t as ) .
A firm am o s , q ue se a m ult id ão e x is t e de n t ro d o E s t ado , e e m c on t ra o
E st ad o, s e mp re v ai e x is t ir u m e x ce d e n t e : a m u lt idão de s bo rda da n u m p lura l
d e s u bj e t ivid ade s p rod u tiv as , c riado ras d os c írc u los s oc iais d e s de lo c ais at é
g lo bais , e s t á e m m ov im e n t o pe r pé t uo , co n fo rm an d o u m a c o n st e la çã o d e
s in gu larid ad e s e e ve n t o s qu e im põe m re s ign if ic aç õe s e re c on f i g uraç õe s c o n ­
t ín ua s a o s ist e m a , po rt an t o po de de le s e re apro pria r e pa ss a r a c on d u zi-lo .
Para S pin o za , n o E s t ado De m oc rát ic o , m ais o s e r h u m an o s e apr ox im a
d o E st a do de N a t ur e za, le v an do e m c on t a qu e é n e le qu e o s s e re s h u ma n os
c on s e rva m su a p ote n t ia , e de m o do alg um a alie n am , po is po r s e r m ax im a ­
m e n t e n at u ral ( m ax im e n a t ura le ) , má x im a t am bé m é a libe rd ad e qu e c on ­
c ed e , a s e m e lh an ç a da lib e rda de co n c e did a pe la n at u re za a c ad a u m 2 6 5 .
N o E st a do S o cio am bie n t al e De m o crá t ico d e Dire it o t am bé m n ão h á
t ran s fe r ê n c ia d o “dir e ito n at u ral” d e c ad a u m, para q ua lqu e r o u t ro, ou p ara
o E st a do . A t ran s fe rê n c ia é para a S o cie d ad e ( o s o cio - do am b ie n ta l) , d a
q ual o qu e t ran s f e re fa z p art e , is t o f az co m qu e t od os m a n te n h a m -s e igu ais
e m p od e r, c om o ac o n t e cia n o E s t ad o de N at u re za 2 6 6 .

264
Estamos nos referindo ao substantivo “encontro”, mas não podemos esquecer a flexão do
verbo “encontrar”: tomo consciência de...; estou em um lugar, sob condição, em uma
situação ou estado de...; me situo, me localizo...

265
SPINOZA, B., Tractatus…, cit., XVI, G. III, p. 195, e XX, p. 245

266
Neste sentido, Spinoza, op. cit., p. 195
124

U m Es t ad o So c ioam b ie n ta l e D e mo c rát ic o d e Dire it o priv ile gia u m a


re c ta rat io viv e n di , qu e co n h e c e a p ropo rç ão e a j us t a me d ida qu e d e ve
e s t ar pre s e n t e n a s re la çõ e s in t e r-h u m an a s qu e s e d e s e n vo lve m n o s e u
in t e rior e qu e d e ve m co n fo rm ar t od as as a çõ e s h u m an a s .
U m Es t ad o So c ioam b ie n ta l e D e mo c rát ic o d e Dire it o re c on h e c e s e u
c orpo c ole t iv o ( m ult it u din e s p ote n t ia ) e s abe qu e n e le e s t ã o im bric ada s a s
p aix õ e s e o s af e t os , a im a gin aç ão e as cr e n ça s e , é a ra t io p olític a qu e
p erm it e a “ac om o daç ão ” da s d ife re n t e s pot ê n c ias qu e o co m põe . S ó n e le ,
n o E st a do S o cio am bie n t al e De m o crá t ico d e Dire it o, s e p od e e n c on t ra r a s
m e lh ore s ga ran t ias p ara a pa cif ica çã o d os d ive rs o s “ c on a t us ” in div idu ais . S ó
n e le e n c o n t ram os u ma “ de m oc rac ia am b ie n ta l”, um a d e mo c rac ia
s oc ioa mb ie n t al.
S ó u ma de m o cra cia am bie n t a l ( “u ma de m o cr ac ia d o e n c on t ro ”) pod e
c om m e lh o r prov e it o fa ze r a pas s ag e m d o in div idu aliz an t e da p e rsis t ê n cia
a to miz ad a para a “ co m un h ã o” . Ela , a “d e m oc rac ia do e n co n t ro” , é a
re s pos t a ra cio n al para o at e n dim e n t o d as n e ce s s ida de s “n at u rais ” , po is n a
s ua c on s t it uiç ão s ão de t e rm in a n t e s: a raz ão e a N a t ure z a ( é a in e s cin d íve l
re laç ão s u bs t an t iv a qu e re t ro ex a m in am os : n a t ur e za/ c ult u ra ). N u m “lu ga r d e
e n co n t ro” as s im, raz ão e de s e jo dão as m ã os , p ara s e c o n st it u ir co m o po vo ,
c om o N aç ão , c om o E s t ado .
É s om e n t e n u m a “ de m oc rac ia so c ioam b ie n ta l” q ue a libe rd ad e e n c on ­
t ra “re al” a brigo , po is e s t á n a pe r sp e ct iv a on t o gn os e o lógic a qu e afir ma a
in t e g raç ão do s e r h u m an o n a “o rd e m da N at u re za” ( De u s , s ive N a tu ra ) , o
q ue s ó é po s s ibilit ad o at rav é s d a m an ife s t aç ão de u ma ra zã o livre 2 6 7 .
F in alm e n t e , s ó n u m a “de m o cr ac ia so c ioam bie n t a l” s e p od e d ar o
e n co n t ro d o s ábio e d o h o m e m co m um , po is e le s viv e m “re lac ion a do s ” n o
e n c on t ro da s v irt ua lida de s de s ua s po t ê n c ias in d ivid u ais , n u m a dialé t ic a
c on s t ru ída, pas s o a pa s so , e n t re raz ão e fo rç as p as s ion a is, o qu e in firm a a
in ju s t iça e af irm a o c on a t us d o “co rpo s oc ial” à p e rs ist ê n c ia d a v ida , um
s om at ó rio d o biót ic o e do ab iót ic o, u m “m od us v ive n d i” q ue ta n t o f av ore c e
a o s áb io e co m o ao h o m e m c om u m .

267
Cf. SPINOZA, B., Tractatus…, cit., p. 195
125

8 – EST A DO SO C I O A M BI EN T A L E DEM O C RÁ T I C O DE DI REI T O – EC O L O G I A ,


EXI ST ÊN C I A E DI REI T O . A PRO I BI Ç Ã O DE RET RO G RA DA Ç Ã O E O S DI REI T O S DE
CONTAMINAÇÃO

A degradação do meio ambiente é o resultado da interação do


poder econômico, político e cultural com as transformações demo­
gráficas. O motor desse processo nas sociedades capitalistas, que se
vão aproximando a uma quase universalidade, são as forças, insti tui­
ções e atividades econômicas. Nenhuma teoria social do meio
ambiente e da degradação ecológica pode captar adequadamente
as origens dessa deterioração ou proporcionar uma base para
planejar o seu controle se não se ocupa da dinâmica da produção e
do consumo capitalistas. Reconhecer que existem outras forças que
atuam, ou que as hipóteses e alternativas econômicas socialistas
tradicionais são defeituosas, não diminui para nada a necessidade de
dedicar uma atenção crítica a essas dinâmicas.

David Goldblatt268

O s p roble m a s a s e re m e n f re n t ad os por u m E s t ad o S oc ioa mb ie n t al e


D em o crá t ico de Dire it o, re la t ivam e n t e a e co log ia, n a p rot e ç ão da e x is t ê n c ia
a trav é s d e um a c om ple x a n o rm at iz aç ão ju ríd ica s ã o e x t rao rdin ár ios . O
p rin c ípio d a pro ibiçã o da r e tr ogra da çã o am bie n t al d e ve se c on s t it u ir n u m
in s t rum e n t o de g ran d e va lia, e s pe cia lm e n t e n a pe r sp e ct iv a f un c ion a l do s
d en o m in ado s “ dire it o s d e c on t a m in aç ão” 2 6 9 .
N u m E st a do S o cio am bie n t a l, pro ble m as co m o os do “ bu rac o” n a
c am ada d e oz ôn io , o in c re m e n t o do s d e n om in ad os ga se s do e fe it o e s t u fa, a
p erd a d a bio div e rs ida de , o e sg ot am e n t o do s de n o m in ado s re c ur so s re n ov á­
v eis e n ã o re n ov áv e is, as div e rsa s f orm as de c on t a min a çã o do s s o los , d a
a tm os f e ra, e n t re o ut ra s m ais de le t é ria s, co m o as qu e in c lu e m -s e na
re c om bin aç ão do D N A , d e ve rão te r u m t ra t am e n t o qu e imp e n de m um n ov o
s ist e m a e co n ôm ic o, o n de a e c on o mia de v e rá ser e n t e n d ida c om o
s ub sis t e m a d o s ist e m a e c oló gic o e s t at al.

268
GOLDBLATT, D., Social Theory and the Environment. Boulder: Westview Press, 1996, p. 199

269
Por “direitos de contaminação” – utilizando um recurso parenético – pretendemos
significar “direitos de propriedade” sobre emissões contaminantes que podem ser
intercambiadas entre diversos países. Incorporam-se em “certificados de emissão”, sobre
gases de efeito estufa, relacionados com o estabelecimento de um mercado mundial de
“direitos de contaminação”, assim como de um “Banco Central” para bônus ecológicos.
Estima-se para este novo e crescente mercado bursátil, que sua atividade econômica
pode superar, facilmente, um volume de transações inicialmente previsto, da ordem de
250 bilhões de dólares norte-americanos anuais.
126

8. 1 – A f i cção e um a ação am bi ent al i z ada

A f ic çã o cie n t íf ica t e m co n t ribu ído e n orm e m e n t e p ara re pr e se n t a r


idé ia s qu e n os s ão d e e x t re m a u t ilida de n a e labo raç ão d e prop os t as para o
m un d o re al ( ?) e m qu e viv e mo s , m u it os sã o os e x e m plos , um de le s , a n ove la
d e P h . K . D ick D o A n d roid s Dre a m of Ele c t ric S h e e p? Qu e n o cin e m a t om ou o
t ít ulo de B la de Ru n n e r ( 19 82 ) 2 7 0 ; o ut ro , a n o ve la D un e de F ran k He rb e rt 2 7 1 .
Para o n os s o pro pós it o v am os e x am in ar , s e gu in do o s p as s os de He rre ra
F lo re s , bre ve m e n t e o c on t e x t o de D un e . A aç ão s e pas s a n o pla n e t a A rra kis ,
u m pla n e t a qu e s o fre u a s c on s e q üê n cia s d a de v as t aç ão a mb ie n t al. A li e x is t e
u ma gra n de f alt a d e ág ua , ma s para a s u a d e s g raç a, e s t á prov ido de
im e n sa s riq ue z as n at u rais , a s qu ais s ão d e s e jad as por t o do o u n i v ers o , m as
in ú te is pa ra se u s h abit a n te s .
A n o ve la é e m po lgan t e e a o m e s mo t e mp o t rá g ic a. A au t o ridad e ma is
im port a n t e de A r rakis é Ky n e s , o E c ólo go, e n c arre g ad o de c riar e m an t e r o
e qu ilíbrio e m u m e n t or n o de lic a d ame n t e s u st e n t ad o. De po is d e um a s é rie de
p eripé c ias , Ky n e s e s tá a p on t o de m o rre r e n v olv ido po r fo rça s n e gat iv as d o
p lan e t a q ue e le me s m o t ra t ava d e “ h um a n iz ar”.
N e s t e m om e n t o c ru c ial e le c on t a t a e s pirit u alm e n t e c om s e u pai e
a nt e c e s s or n o c argo de Ec ólo go , e e n t re a m bos , v ão f orm u lan d o u m e n t ra ­
m ado de po st u la d os p ara c on s t ru ir u m a c ult u ra de d ire i t o s /d e ve re s h u m an os
c om r e sp e it o à n at u re z a. S ão e le s:

1. quantas mais vidas existem em um sistema, maior é a quantidade


de possibilidades de preservá-las;
2. a vida aumenta a capacidade de um ambiente para ‘sus tentar’
a vida;
3. a uma maior quantidade e qualidade de vida, haverá uma maior
diversidade ambiental e, a uma grande quantidade de diversida­
de ambiental, maiores são as possibilidades de criar e reproduzir
a vida;
4. dado o grau de desenvolvimento das formas de vida humanas e
naturais que se deram no planeta, já não há vida nem diver­
sidade ‘naturais’; a vida ‘natural’ e a diversidade ambiental não
se dão sozinhas, mas, sim, requerem a interação entre o ser
humano e a natureza;
5. portanto, um dever básico com respeito a natureza consiste em
reconstruir a ação humana, não como uma forma de destruição,
mas de construção e reprodução ambiental;

270
Cf., a propósito o ensaio do Prof. Javier de Lucas : Blade Runner – El Dere cho, guardián
de la diferencia. Na coleção dirigida pelo autor, CINEDERECHO. Valencia: Tirant lo
Blanche, 2003

271
Cf. como está magnificamente em Joaquín Herrera Flores (El proceso Cultural – Mate­
riales para la creatividad humana. Sevilla: Aconcagua, 2005), livro que acompanhamos
passo a passo o seu desenvolvimento, por vezes, em interlocução (para nós muito provei ­
tosa) com o autor.
127

6. a mais alta função de um processo cultural ambiental é a


compreensão e prevenção das conseqüências que surjam no
marco da interação natureza-cultura;
7. as peculiaridade físicas de um mundo acabam por inscreverem-
se em sua história econômica e política.

C omo s e po de ve r, n ad a d e fic ç ão e st á c on t ido n a fo rmu la çã o d e s te s


p ost u lad os , ao c on t rá rio e le s p od e m co n s ta r d e t od os o s ma n da me n t o s am ­
b ie n t a is re s po n s áve is .
E m u m a b re ve a n ális e , e n a e s t e ira de H e rre ra F lor e s, po de m o s co n s t a­
t ar q ue t rê s p os t u lad os , de s t e s s e t e m an d am e n t os e co -a mbie n t ais , e s t ão
d irig ido s e s pe c if ic am e n t e à vid a co m o in s t rum e n t o p ropic ian t e da p róp ria
v id a e a re la çã o dia lé t ic a e s t a be le cid a n a t ura l m e n t e en t re v ida e div e rs i ­
d ade . Já os po s t ula do s cin c o , s e is e s e t e , c on f orm am a s ca rac t e rís t ica s qu e
m e n cio n am os , re t ro , e qu e diz e m re s pe it o a d e ve re s h u m an os ( s u po rt ad os
p ela d ign ida de ) de re s pe it o, re c ip ro cid ad e , re s po n sa bilid ade e re dis t ribu i ­
ç ão re u n ido s e m t rê s m o dais da m e t o d olog ia so c ial h um an a : ( a) u m a aç ão
h u ma n a am bie n t a liza da, ( b) a pre ve n ç ão d as co n s e qü ê n cia s , ( c ) a in d iss o ­
lú ve l co n e x ão e n t re os m e ca n is m os po lít ico s e e c on ô mic o s m ais os pro ce s s os
n at u rais ; f u n cio n an d o o po st u lad o qu at ro c o mo um e le m e n t o de t ran s iç ão
e n t re a v ida e a c ult u ra .
D es t e s sete m an d am e n t o s e co lóg ico s e am bie n t a is, s e pa ran d o as
e x pre s s õe s pro pos it a d am e n t e , s e p od e d e du z ir u m prin c ípio qu e n os sir va de
g uia ge ral pa ra fo r m ula r d e ve re s c om re s pe it o à re laç ão s e r h u m a n o/ n at u ­
re za e , pos s i v elm e n t e , p os it iva r d it os valo re s e m n orm a t ivos a pa rt ir d os qu ais
p oss am o s e x igir ao s po de re s ( pú blic o s e priv ado s ) o c u m prim e n t o d os c o m ­
p ro mis s o s qu e co m t an t a fac ilid ade sã o e s t ab e le cid os e m s e d e in t e rn ac io­
n al, m a s qu e de p ois se in c um p re m s is t e m at i c am e n t e 2 7 2 .
A g aran t ia d e um m ín imo e x ist e n c ial e c oló gic o e a p roib içã o da re ­
t rog rada çã o s o cio am bie n t a l, n u m E s t ado S oc io am bie n t al e De m oc rát ic o de
D ire it o , s e m d ú vid a, s ão co n diç õe s in dis pe n s á ve is qu an do pe n s am os n a
e fe t iv idad e do s e pt e n á rio m an da m e n t al do E c ólo go Kyn e s .

272
Cf. HERRERA FLORES, El proceso Cultural... p. 328-329
128

8. 2 – Di r ei t os de cont am i nação: um a af r ont a ao s ext o pos t ul ado do Ecól o go

A t ua lm e n t e a dm it e -s e u m n ov o dire it o d e n om in a do , c om o o ut ro s , d e
“d ire it o de co n t am in a çã o” 2 7 3 d e riva çã o s u t il d e u ma po t ê n cia t e mp ora l de f i ­
n ida p e lo Prot o c olo d e Ky o to .
D ire it o s de c o n ta m in aç ão a fro n t am o s valo re s da c iviliza çã o e , p or ­
t an t o, a dig n idad e h u m an a, qu an d o se t orn am , c om o é o ca so , in s t ru m e n t os
f in a n ce iro s -m e rca n t is.
O qu e s e pre v iu orig i n aria m e n te fo i a e m is s ão de c e rt ific ad os d e
c on t am in aç ão c om o t ít ulo s libe ra t ório s para apr az ar a s m e did as pro t e t ivas
a mbie n t ais , ain d a q ue , c om is s o , s e e s t iv e ss e c ria n d o u m a dívid a p ara co m
a s ge raç õe s fu t u ras .
E ss as c o ta s de e m is s ão , t ran s f orm aram -s e ra pi d am e n t e e m c om m o ­
d it ie s a lt am e n t e ap re c iá ve is e s o b am p aro da le gis laç ão am bie n t al. Po r
in t e rm é dio de la s, u m a in d ú st ria po de , po r u m pe río do de t e m po d e t e rmin a ­
d o, c on t am in ar , de v e n do re gu lar s u as e m is s õe s at é o lim it e d a qu o t a d isp o n í­
v el; e m c as o d e n ã o re du z ir s u as e m iss õ e s , po de rá ir ao m e rc ad o c om pra r
m ais dir e ito s ( !) e m v e z de c e s s ar s u as a tiv ida de s , ou re p rogr am ar s e u
p ro ce s s o pro du t iv o.
N a re alid ad e , o qu e s e e s t á fa ze n d o é in tr od uz ir n o m e rca do n o vo s
t ít ulo s n e go ciá ve is , t ran s f e ríve is e p e cu n iar iam e n t e v alios o s . O qu e s e e s tá
e m pre ga n do é u ma ve lh a m áx im a e co n ôm ic a: q uan d o a lgo e st á e s ca ss o
a tribu ir-s e -lh e u m p re ço r e st it u i o e qu ilíb rio e n t re a of e rt a e a de m an d a.
E st e n ov o m e rca do b ur sá t il, é o e s paç o o n de as e mp re s as d e libe ra m e
d ec ide m s u a pos iç ão d a bo lsa d e CO 2 e m f u n çã o do s d ire it os de c on t a ­
m in aç ão c irc ula n t e s n o m e rc ad o. A s s im , t a l qu a l e m qu alqu e r bo lsa d e
v alore s ( e f ut u ro s) , t om ar u m a pos iç ão c o mp rad ora o u ve n d e do ra ( n o ja rgão
d os in va so re s do s m e rc ado s fin a n ce iro s ) , p as s a a s e r h abit u al n a bo ls a d e
d ire it o s de d ióx id o de c arb on o , s ó qu e ag ora priv at iza n do -s e e at rib uin d o-s e
u m pre ç o n o qu e é d e t od os , m as qu e a pe n a s algu n s s e ap ropria m ( aí s im ,
v ê-s e u m au t ê n t ic o e us u rpa do d ire it o s ub je t ivo ) .

273
Aqui por importante repetimos o que dissemos na nota 260, retro: por “direitos de
contaminação” – utilizando um recurso parenético – pretendemos significar “direitos de
propriedade” sobre emissões contaminantes que podem ser intercambiadas entre diversos
países. Incorporam-se em “certificados de emissão”, sobre gases de efeito estufa,
relacionados com o estabelecimento de um mercado mundial de “direitos de
contaminação”, assim como de um “Banco Central” para bônus ecológicos. Estima-se
para este novo e crescente mercado bursátil, que sua atividade econômica pode superar,
facilmente, um volume de transações inicialmente previsto, da ordem de 250 bilhões de
dólares norte-americanos anuais.
129

E ss e s d ire it os d e co n t am in aç ão , ce rt a me n t e , a te n t a m co n t ra o o bje t o
p rin c ipial: a v ed aç ão d a d eg rada çã o a m bie n t al , m ais a in da, im plic am
d ire t a m e n t e e m vio laç ão do prin c ípio da dign i d ade d a p e ss o a h u m an a e o
d a s o lid arie da de in t e rg erac ion a l.
Lo go , po de m o s af irm ar é qu e a ra zã o dé bil e n ge n d ra a as t ú cia d a
raz ão , “o d ire it o é n e ce s s ár io pa ra a ca bar co m o d ire it o” c om o já a firm o u
Ju an Ra m ón Cap e lla, n u m p re cio s o livrin h o 2 7 4 qu e mu it o lh e c us t o u n o m e io
a cad ê m ico o fic ial d e B arc e lon a .
A s e m is s õe s de ga se s de e fe it o e st u fa , v .g. , d ióx id o d e c arb on o ( C O 2 ) ,
m e t an o (C H 4 ) , e ó x ido n it ros o ( N 2 O ) , a lé m do s clo rad os e flu ora do s do s
h idro c arbo n e t os ( CFC ) , pro du z e m s ign if ica tiv o m u dan ç a c lim át ic a, o q ue
t e m ge r ado um a im e n s a dív ida a mb ie n t al, a d e n om in ad a dív ida d o c arbo n o.
E st a d ívid a qu e d e ve ria s e r pag a pe los qu e ma is c on t a min a m , pa ss a a
s e r at ra vé s da “ra zão as t u t a” um ó t im o n e g óc io; aliá s , d e s de o s an o s s e t e n ta
u ma “raz ão as t u t a” t e m sid o su s t e n t ad a t e o rica me n t e pe los s e gu id ore s d o
m ov ime n t o d o La w an d E co n om ic s , n a de n o m in ada e s c ola d e a n ális e e c o n ô­
m ica do dir e ito , n a e s t e ira d e R on a ld C oas e 2 7 5 , Gu id o C alabr e si 2 7 6 , Ric h ard A .
Pos n e r 2 7 7 , Ke n n e t h A rrow 2 7 8 en t re o ut ro s . A t e n t e -s e qu e o s j uris t as im bric ad os
a o Law an d Ec on o m ics ac re d ita m qu e a a n ális e e c on ô m ica s e ja in s t ru m e n t al
e fu n c ion a l, p e rs e gu in do u ma e vo lu çã o f orm al do dire it o . Ma s , n a ve rd ad e ,
e s t a t e or ia s e as s o cia a u m a v e rs ão prag ma t ist a do d ire it o c om f ort e a ce n t o
n a c re n ç a d e u m dire it o fle x ív e l e in t u it ivo. C on t u do , a an á lis e e co n ôm ic a d o
d ire it o , s u por ta da n u m de t e rm in is m o de t ipo c ie n t ífic o, apo n t a s olu çõ e s
a mbiv ale n t e s e in d e te r min a da s m ais pró x ima s d os in t e re s se s c re ma t ís co s d a
e co n om ia m o de rn a .
C ert am e n t e , e s t am os g e ran d o u m a d ívid a e c oló gic a p ara co m as
g eraç õ e s f ut u ras qu e , e v ide n t e m e n t e , n ão vam o s po de r pa gar; va le d ize r,

274
CAPELLA, J. RAMON, Sobre a extinção do direito e a supressão dos juristas . Trad. M. L.
Guerreiro. Coimbra: Centelha Promoção do Livro, 1977

275
COASE, R., The Problem of Social Cost, in, Journal of Law and Economics, 3, 1960, p. 1
(consultado na Biblioteca da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
primavera de 2003).

276
CALABRESI, G., Some Thoughts on Risc Distribution and Law of Torts, in Yale Law Journal,
70, 1961, p. 499 (consultado na Biblioteca da Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra, primavera de 2003).

277
POSNER, R. A., Economic Analysis of Law. Boston: Little, Brown & Co., 1973 (consultado na
Biblioteca da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, primavera de 2003).

278
ARROW, K., Social Choice and Individual Values. New Haven: Yale University Press, 1970
(consultado na Biblioteca da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
primavera de 2003).
130

e s t am os v ive n d o d o “ cré d it o e c o lógic o” , co m a t ra n qü ilida de d e s abe r qu e


n u n ca v am os qu it ar e s sa d ívid a, se q ue r o s s e u s “j ur os ”.

8. 3 – O Es t ado Soci oam bi ent al pr i vi l egi a o pr i ncí pi o ant r ópi co, um pr i ncí pi o
que não é i ncom pat í vel com um a vi s ão ecocên t r i ca.

O a dj e tiv o a n t rópic o é qu alif ic ado r da aç ão do h o m e m re la tiv a m e n t e


a s t ran s fo rm aç õe s por e le pro vo ca das n o am bie n t e . Em t e oria d a ciê n c ia
f orm ula -s e o p rin c ípio a n tr ópic o, n o âm bit o d a c os m o log ia, ali m an if e s ta do
d es d e d u as p e rs pe ct iv as : o p rin cíp io a nt ró pic o fo rt e e o p rin cíp io a nt ró pic o
d éb il.
A lgu m as fo rm u laç õe s d o p rin cíp io a n tr ópic o fo rt e s u ge re m q ue a c on s ­
c iê n c ia n ão é o r e su lt ad o ca su al da e vo luç ão da m at é ria, m as o po n t o d e
c he g ada de um a n arraç ão c ós m ic a qu e s e d irigia para e s t e fim , va le diz e r,
s e o u n iv e rs o e vo luc io n ou a se r o q ue é h oje é po rqu e , de s s e m od o, d e u
lu gar ao a pare c im e n t o da c o n sc iê n c ia 2 7 9 .
S e gu n do o p rin cíp io a n t rópic o d éb il a c o n sc iê n c ia c on s t it u i at iva m e n te
a s le is f ísic as , qu e s e c on s i d e ram c om o o re su l t ad o d e u m vín c ulo in s e pa ráve l
d e u m a in te raç ão e n t re c on s c iê n cia e m u n do . C om o s e po de v e r a f orm u ­
laç ão f ort e s u pe ra e s t a re laç ão in t ro du zin d o alg un s as pe c t os m ais próx im o s
d as c iê n cia s d it as h um an id ad e s .
U ma d e fin iç ão d o prin c ípio d é bil fo i f orm u lad a e m 1 986 por J. D. B arro w
e F . J. Tip le r . Po r óbv io, se m a pre c is ão d e s te s c ie n t ist a s, po de m os apr ox i m ar ­
m os d as idé ia s de le s p e lo s e g uin t e a rt icu lad o: p e n se - se qu e t od os o s valo re s
o bse rv ad os d e vá rias m agn i t ud e s , in clu íd as as f ísic as e co s mo lóg ica s n ão
s ão, d e m od o ig ua l, prov áv e is. A o c on t rár io, e s s as m agn it u de s a s su m e m
v alore s mu it o e s pe c ífic o s c om o fim de s at is fa ze r do is re q uis it o s :

a) que existam lugares onde se possa desenvolver a vida


(baseada no carbono);
b) que o universo seja o suficiente velho para que isto já tenha
ocorrido280.

279
Barrow e Tipler, relatam que em 1974, B. Carter introduziu o denominado princípio an ­
trópico forte, formulado no sentido que em algum momento de sua história o universo
deve reunir aquelas propriedades que possibilitam que a vida se desenvolva ( The
anthropic cosmological principle, Oxford University Press, New York,1986, p. 11)

280
BARROW J. D., e TRIPLER F. J., op. cit,p. 1; livro que consultamos com o Eng. Ronaldo
Medeiros Ilha Moreira, amigo que nos socorre em assuntos das denominadas ciências
duras.
131

A s sim , e s e e n t e n de m o s be m a fo rm ula çã o qu e n os foi e x plic ad a, o


p rin c ípio a n tr ópic o d é bil nã o c arre g a co n s igo u m p rin cíp io e pis t ê m ico , e le é
a pe n a s u m p rin c íp io m e t od oló g ic o, ú til pa ra af as t a r e rro s d e in t e rpre t aç ão
e m n os s as o bs e rva çõ e s , de fin in d o o a lca n ce e co n t e x t o d as m e s m as . A t ravé s
d ele c h e ga m os a co n h e c e r o qu e n e n h u m a t e o ria c o sm o lógic a pod e n e ga r,
is t o é , o pr oc e dim e n t o pe lo qu al o un iv e rs o c um pr iu pa ra ch e g ar at é n ós .
C omo s om o s part e de s t e pro ce s s o , a s sim , o n os s o m o do de v e r as c o isa s
e s t á d e te r m in ado po r t u do o qu e já oc or re u n a h is t ória do c os m os . N ó s
o bse rv am o s o u n ive rs o , por e x e mp lo, n a te la de um t e le v is or, de s d e u m
s ist e m a de t ra n s m is s ão e fic ie n t e , e m qu e a h is t ó ria d o u n i v e rs o m e s m o, n o s é
d ada se m q ua lqu e r m ác u la, o e s s e n c ial p oré m é q ue e s s e “t e le v is or” , e e ss e
“s is t e ma de tr an s m iss ã o” n ão pod e riam e x is t ir a n t e s qu e s e de s s e m as
c on diç õ e s d e n o s sa e x is t ê n c ia.
D es d e a pe r sp e ct iv a d o p rin c ípio an t ró pico d é bil n os h a bilit am os c o m
u ma m e t o do log ia qu e e s t ab e le c e as re gra s d e s e le ç ão p ara n o ss a s o bs e r ­
v açõ e s vis t o qu e o m o do de pe rc e be r o un iv e rs o a n os s a vo lta , de pe n d e
t am bé m d o f at o qu e n os s a v ida e s t á s u por t a da n o c arb on o e e s t e , p or
c on s e qü ê n cia , t e m qu e e s t ar o brigat o riam e n t e co n t ido n o un iv e rs o on d e e le
m e sm o s e fo rm ou .
D e ou t ro m o do , o p rin cíp io an t ró p ic o f ort e é ca t e góric o a o afir ma r q ue
a s le is f un d ame n t a is e o u n ive rs o m e s m o, de v e m s e r c om o e o qu e sã o para
q ue s u rja a vid a. N ão h á dú vid a a lgu ma , n a as s e rt iva qu e d iz: e n t re t od os o s
u n i v ers o s po s s íve is v ive m o s pre c is am e n t e n o qu e n os pe rm it e e x is t ir 2 8 1 .
O p rin cíp io an t ró p ic o, se j a n a ve rs ão f ort e ou d é bil n ão r e ve la qu alq ue r
a nt ro p oce n t ris m o, co m o ao s d e s at e n t os pod e ria pa re ce r. A o c on t rár io e le
a firm a um a v isã o e c oc ê n t rica f ort e , qu e c on d u z a u m c os m o c en t ris m o in a rre ­
d áv el.
N ós , qu an d o a firm am o s qu e o am bie n t e é u m “lu ga r de e n c o n t ro” do s
s e re s e da s co is as , qu an d o a firm am o s qu e o “ am bie n t e ” é su j e ito d e dire it o ,
in de p e n de n t e do s u je it o q ue in t e rro ga s obre o d ire it o, e st a m os de libe ra d a­
m e n t e a do t an do um a po s içã o c os m oc ê n t ric a.
V ive m o s n o u n iv e rs o qu e n o s pe rm i t iu e p e rmit e e x ist ir , e ss e u n iv e rs o
e s t á t am bé m , n o lóg os , co m o e n t e n d ido pe lo gre g o H e rác lit o q ue afirm a va:
“[. .. ] a s a be do ria c o n sis t e numa só c ois a, em c on h e c e r, c om ju íz o
282
v erd ad e iro, co m o t od as a s c ois a s s ão g ov e rn ad as at rav é s d e t u d o” .

281
Como já afirmava Heráclito (cf. p. 44 retro).
282
Cf. Frag. 41, Diógenes Laércio IX, 1, in, KIRK , G. S., RAVEN, J. E., SCHOFIELD, M., Os
filósofos pré-socráticos – História Crítica com Seleção de Textos. 4.a ed., trad. de Carlos A.
Louro Fonseca. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 210
132

H erá clit o f un d av a a s abe d oria n o λ όγ ος , o ve rd ad e iro c on s t it uin t e d as


c ois as ; e , é n e s t e s e n tid o qu e o ap rox im av a do m e t ro ( μ ε τρ όν ) , d a prop orç ão
( α νάλο γο ν) , po is e le e n t e n dia qu e a vida do h o me m e s t á in dis s oc iav e lm e n t e
ligad a a t u do qu e o ro de ia 2 8 3 .
É at rav é s da prop orç ão e d o e q uilíb rio q ue o m u n do s e m an t é m
p en s av a He rác lit o, e d izia : “[. . .] e s t a ord e m d o m u n do ( a m e s m a das c ois as )
n ão a c rio u n e n h u m d os de u s e s , n e m o s h o m e n s , m as se m p re e x is t iu e e x is t e
e h á d e e x is t ir: u m fog o s e m pre vivo , qu e s e ac e n de co m m e did a e c om
m e did a se e x t in gu e ” 2 8 4 .
A m a n ut e n ç ão d e s t e m u n do , e s t á a s e ve r, e x ig e u m Es t ad o S oc io ­
a mbie n t al e De m o crá t ico d e Dire it o, co m f ort e ac e n t o n a ga ran t ia d o
m ín imo e x is t e n c ial e c oló gic o e a ve d aç ão da de g rad aç ão am bie n t al – qu e
n os pe rm it irá a s e gu ir n os s o pe rc u rs o n o plan e t a .

283
Cf., op. cit., p. 210

284
Cf. Frag. 30, Clemente V, 104, 1, in, op. cit., p. 204-205
133

9 – EST A DO SO C I O A M BI EN T A L E DEM O C RÁ T I C O DE DI REI T O E A VEDA Ç Ã O DA


DEG RA DA Ç Ã O A M BI EN T A L

Somos um. Do verme cego nas profundezas do oceano até a infinda


arena da Galáxia, um mesmo ser luta e corre perigo – nós próprios. E
em nosso pequeno peito terreno, um mesmo ser luta e corre perigo –
o Universo.

N i kos Kaz ant z áki s 2 8 5

A v ed aç ão da de gr ada çã o a m bie n t al c o n st it u i-s e n o ob je t o do p rin c í­


p io da pro ib iç ão da re t ro grad aç ão s oc ioa mb ie n t al e m s e de d e d ire it o a m b i­
e n t al, n u m Es t ad o S oc ioa m bie n t al e D e m oc rát ic o d e D ire it o.
N os s a h is t ória , n e s s e “lu ga r de e n co n t ro” , é a h is t ória d a co t idia n a vio ­
laç ão do s dir e ito s h u m an os ( e do s di re it o s fu n da m e n t ais po r c on s e qü ê n c ia)
e co n ôm ic os , so c iais , c u ltu ra is e am bie n t ais , e a n e c e s s i d ad e d a lu ta p e rm a­
n e n t e pe la dign id ad e h u m an a, d e sp e rt an d o-n o s do s s on h o s de u m u n ive rs a­
lis mo m e t afís ic o qu e e n vo lve e s t e s d ire it os , plan t a n do um a pe qu e n a se m e n t e
p ara v e r cre s c e r um n ov o e pos s íve l c on s e n s o qu e po de ríam o s d e n o m in ar d e
c on v erg ê n cia , vale diz e r, u m a co m un h ã o in t e rc u lt ura l do s in t e re s s e s das
s oc ie da de s para a c on s t ru ç ão d e u m mu n d o m ais dign o .
E st e p e qu e n o riz om a pod e m u it o be m e s t a r, n a cio n alm e n t e , n a f or ­
m aç ão de u m a e co c idad an ia lú cid a e apt a para e n ca ra r os n o vo s de s a fios
q ue v ão c o n fro n tá -la.
E , u m a e c oc id ada n ia lú c ida im plica n a a ce it a çã o re f le t ida do p rin ­
c íp io d e pro ibiç ão da re t rog rad aç ão s o cio a mb ie n t a l; ade m ais d e u m c on ­
s e n so d e co n ve rg ê n cia , de ve se r vir a n os s a c o n sc iê n c ia pa ra m e dit a r qu e
m ais de cin q üe n t a por ce n t o do s re c ur so s e s e rv iç os q ue brin da m os e c os ­
s ist e m a s d o plan e t a e s t ão d e gra d ado s, e a s c on s e qü ê n cia s d e st a d e s t rui ç ão
p ode m agra var- se d e m an e ira s ig n ific at iva n o s p róx im os an o s .
A c on t am in a çã o o u de gr ad açã o d a á gu a d oc e , da pe s ca in du s t rial e
d o ar e da águ a, e d os c lim as re g ion ais q ue ge ram a s ca tá s t rof e s n at u ra is e
a s pe s t e s, s ão o s re c u r s os e s e rv iç os n at u rais m ais am e aç ad os . Le m br e mo s
q ue a d e gra d aç ão do s s ist e m as au m e n t a a pro b ab ilid ade de m u da n ça s
a bru pt a s qu e po de m af e t ar g ra v em e n t e o be m -e s t ar h u m an o , co m o
s urg im e n to de n ov as e n fe rm id ade s .
M ais ain d a, a co n ce n t ra çã o d e d ióx id o d e c ar b on o n a a tm o s fe ra
a um e n t ou mu it ís s im o, e le v an do o s n ív e is d e c on t a m in aç ão pa ra pat a ma re s
285
Ascese – Os Salvadores de Deus. Trad. José P. Paes São Paulo: Editora Ática, 1997, p. 117
134

p erigo s os pa ra o e c os s is t e ma glo bal. D e ou t ro mo do , t e n h am os p re s e n t e qu e


a d e grad aç ão do s e c os s is t e m as a fe ta m ao s ma is po bre s e , e m algu n s c as os ,
é a p rin cip al c au s a d a m ar gin aç ão s oc ial. A t e n t e -s e ain d a, qu e o s país e s
ric os n ão po de m is o lar-s e d e s sa de g rad aç ão, po is n ão e x is t e m fro n t e iras
p ara o s p olu e n t e s , v. g. , p ara a c on t a min a çã o do ar.
A lgu m as m u d an ç as n a s po lít ic as , in t e rn ac io n ais e n ac io n ais , p od e riam
re du z ir o dan o ca us ad o pe la p re s sã o s obr e o s e c os s is t e m as . Co n t u do , t ra ­
t am -s e d e gran d es t ran s fo rm aç õe s , n ã o in t e iram e n t e pos s í v e is a tu a lm e n t e ,
e .g ., a me lh o ra d a gov e rn an ç a loc al e o e n s aio d e u m a go ve rn an ç a glo bal;
in ce n t iv os f is ca is loc ais e in t e rn a cio n ais ; m ud an ç as n o m od e lo d e c on s u m o e
d e de s e n v olv im e n t o; n o va s t e c n olo gias n ão p re dad or as e n ão in ce n t iv a­
d oras d e do m in a çã o e c on ô m ica , ade m a is de q ua lifi c ad a in v e s tig aç ão para
a dmin is t ra r m e lh o r os e co s s ist e m a s.
E nt re t a n t o, de v e m os af irm ar e n f at ic am e n t e , n ão pod e m os e s qu e c er
q ue n e n h u m pro gre s s o, at é a e rrad ica çã o d a p obr e za e da fo me , a m e lh ora
d a s aú de e a pro t e çã o a m bie n t al, s e rá s u s t e n t á ve l s e a ma ioria do s re c urs o s
e s e rv iço s d os e c os s is te m a s s e gu ire m de gra d an d o-s e .
M uit o da d e st ru iç ão d os re cu rs o s n at u ra is é de v ida pe la lib e ra liz aç ão
d o c o mé r cio , e s pe c ia lm e n t e d o c om é rc io in t e rn ac ion a l. A libe ra liz aç ão
n e go cia l s u bm e t e m u it os pa íse s , e m e s pe c ial ao s pe q ue n os e p obr e s pa íse s ,
q ue s of re m u m e n orm e c on s t ran g im e n to pa ra q ue a bram s e u s m e rc ado s . O
m ais g rav e é qu e e ss e s n ão po de m re s is t ir a c o n st riç ão d e gran d e s e m pre s a s
t ran s n ac ion a is , o qu e pe rm it e qu e e s t as os s igam e x plor an do . ..
E ss e é u m d isc u rs o p olít ic o? Ce rt am e n t e s im , e m polít ic a a m bie n t a l. É
u m d isc u rs o ju ríd ico ? C e rt am e n t e sim , e m d ire it o am bie n t al.
M as é m ais , é u m d is c u rso e s t é t ico ( u ma c on d uç ão d o o lh ar) p e la
p re s e rva çã o da d ign i d ade h u ma n a qu e n ã o po de rá s o b re vive r po r m uit o
t e m po a t al e s t ado de co is as .
É t am bé m u ma n a rraç ão , po rqu e e n vo lve fat o s d e s crit o s ( po r qu alqu e r
m e io e m o do ) d e ac on t e c ime n t o s re a is, at u ais e p re oc u pan t e s .
E st a é u ma n a rraç ão , qu e de m od o in ve rs o , af irm a qu e o am bie n t e é
u m va lor qu e de v e s e r pre s e r v ad o m ais d o qu e co n s um id o, de v e s e r m ais
re s pe it ad o d o qu e de gr ada do , e sp e cia lm e n t e o s re cu rs o s de n o mi n ad os d e
n ão -re n ov áve is e aqu e le s qu e s ó p od e m s e r re n ov ad os das de t e rm in a das
c on diç õ e s.
E st a n ar raç ão é a b as e qu e f un d a o in t e re s s e d o E st a do ( e da s o cie ­
d ade t a mb é m) n a d e fe s a, pro m oç ão e m an u t e n çã o a m bie n t al, c h e g an d o-s e
135

a firma r a e x is t ê n cia d e um Es t ad o pó s -s oc ial, de um E st a do d e A m b ie n t e 2 8 6 ,


de um U m we lt st a at 2 8 7 , pre f e rim os d ize r um E s t ado S oc io am bie n t al e
D em o crá t ico d e Dire it o.
D e ou t ro lad o, m ov ido s por in t e re s se s in v is íve is , cla ma -s e pe la de ­
m iss ã o d o E s t ad o, pe la s ua re t irad a pa rc ial d a c e n a a mb ie n t al; e s se s a rau t os
d a a ut o n om ia priv ad a a qu alqu e r cu s t o , ve r dad e iros c ida dã os de pe rf il, n a
d en o m in aç ão de S o rian o e R as illa 2 8 8 , e rgu e m -s e co m o d e fe n s o re s da d es re ­
g ulam e n t a çã o, ce n t ra do s em um a ps e u d o e fic iê n cia e c o n ôm ic a, c u jo
o bje t o é a ac um u laç ão p e la ac um u laç ão (u m a fo rt e e rru pçã o do c re m at o s
n a e co n om ia ) .
O q ue fa ze r? O qu e d e ve m o s re n u n c iar? E, s e rá n e ce s s ária a re n ú n cia ?
S ão pe rgu n t as qu e t o do s de v e re m os re s po n de r se pre t e n de m o s co n cr e ta r a
a tribu iç ão d e d ign id ad e a o h um a n o.
O le g isla do r co n s tit u c ion a l b ras ile iro d e 1 988 já s e e s f orç ou para r e s­
p on de r algu m as de s s as pe rgu n t as , pois e le vo u o d ire it o ao a m bie n t e e c o lo g i­
c am e n t e e qu ilibrad o à qu alid ad e de dire it o fu n da m e n t al à vid a 2 8 9 ; ma is
a in d a, e le vo u- o à qu alid ade de u m d ire it o f un d am e n t al a cr ôn ic o, va le diz e r,
q ue n ão e s t á s u bm e t id o a o t e m po lin e ar, qu alif ic an do -o co m o u m d ire it o
f un da m e n t al kairo lóg ico , is t o é , o po rt un o , “ o ‘ be m ’ n o te m p o ” ( A ris t ót e le s ) ,
q ue s ob re v iv e n o t e m po m e m oria l, tr an s m itid o e n t re ge ra ç õe s ; po rt an t o ,

286
Desde 1994, Boaventura de Souza Santos já afirmava que “a edificação de um Estado de
Ambiente importa a transformação global, não só dos modos de produção, mas também
dos conhecimentos científicos, dos quadros de vida, das formas de sociabili dade e dos
universos simbólicos e pressupõe, acima de tudo, uma nova paradigmática com a
natureza, que substitua a relação paradigmática moderna (Pela mão de Alice: o social e
o político na pós-modernidade. Porto: Afrontamento, 1994, p. 42).

287
Estamos no momento trabalhando na tradução (com o inestimável auxílio de nossa pro­
fessora de alemão Dra. Ingrid H. Rasenack) de um artigo muito interessante do Prof. Dr.
Michael Kloepfer, com o título de Auf dem Weg zum Umweltstaat? Die Umgestaltung des
politischen und wirtschaftlichen Systems der Bundesrepublik Deutschland durch den
Umweltschutz insbesondere aus rechtswissenschaftlicher Sicht; ou, em tradução livre: “A
caminho do Estado-Ambiente? A transformação do sistema político e econômico da
República Federal de Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a
perspectiva esclarecedora da ciência jurídica”. O que ali está contido, por sua impor tân­
cia, será acrescentado ao presente, em versão ulterior, quando revisado o trabalho de
tradução e obtida a permissão para a sua utilização.

288
SORIANO, R. e RASILLA, L. de la, Democracia vergonzante y ciudadanos de perfil.
Granada: Ed. Comares, 2002, p. 240 e s., 261 e s.

289
Na excelente articulação de Cristiane Derani: “O direito ao meio ambiente ecologica­
mente equilibrado é um direito à vida e à manutenção das bases que a sustentam.
Destaca-se da garantia fundamental a vida exposta nos primórdios da construção dos
direitos fundamentais, porque não é simples garantia à vida, mas este direito fundamental
é uma conquista prática pela conformação das atividades sociais, que devem garantir a
manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, abster-se de sua
deterioração, e construir a melhoria geral das condições de vida na sociedade ” (DERANI,
C., Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito fundamental e princípio da
atividade econômica, in, PURVIN DE FIGUEIREDO, G. J., (org.) Temas de direito ambiental e
urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 97).
136

g en u i n am e n t e h u m an o, m as d e u m h um a n a qu e s e a mp lia a té aba rca r o


t od o o e x is t e n t e .
Gran d e s t ê m s ido os d e s as t re s m un d iais po r e f e it o d a v iolaç ão am b ie n ­
t al, re le m bre -s e o ac ide n t e da Baia de M in a m at a, o ac ide n t e d e S e ve s o, o
a cid en t e d e Bh o pa l, o ac id e n te de C h e rn obil, q ue n a oc as iã o t iv e mo s o dis ­
s abo r d e se n t ir s e u s e f e it os , po is à é p oc a m orá vam o s e m Lu gan o , n a S u íça ,
o nd e s e n t iu- se mu it o as c on s e qü ê n c ias pa ra a s aú de d o to do s os h a bit an t e s ,
in clu s ive à n o ss a pró pria e , t a mb é m, a s co n s e q üê n cia s e co n ôm ic as v .g . n a
p ro du ç ão do le it e e de r ivad os . E , m a is re ce n t e m e n t e , t am bé m a de v as t aç ão
p ro du zid a p e lo “t s u n am i” n os p araís o s ( p ara mu it o pou c os ) in s u lare s a li e x is ­
t e n t e s ( s e rá qu e é c ríve l a e s po n t ân e a ac om o da çã o de pla ca s t e c t ôn ic as ?) .
H oje , p re oc u pam -n o s o s f e n ôm e n o s c om o : c hu v a ác ida, a s alt e raç õe s
c lim át ic as glo ba is, o e fe it o e s t uf a, o bu rac o n a c am ad a d e o zô n io , e t an t os
o ut ro s re s u lt ado s d a c on t am in aç ão e v iolaç ão do e qu ilíbr io am bie n t al.
A s re s pos t a s in te r n ac ion ais t ê m s id o s ign if ica t ivas , e x e m p lifi c ad am e n ­
t e , a C on fe rê n c ia de E st o co lm o e s u a D ec lara çã o/ 72 , a C on fe rê n c ia da s
N aç õe s Un id as so bre o M e io A m bie n t e e De s e n v olv im e n to do R io d e Ja n e iro
e s u a De c lar aç ão R io/ 92 , a R io+ 5 e m N o va I or qu e , e de po is a R io+ 10 em
Joa n e s bu rgo, o Pro t oc olo d e Kyo t o/ 97 , e t an t os o u t ras m an if e st a çõ e s at ra vé s
d e c on v e n ç õe s , t rat a do s, n orm at iv os , p rin c íp ios ge rais , e tc . q ue , e m m u it os
c as os , f ora m re c e pc ion a do s pe lo s s is t e m as ju rídic os n ac ion a is .
O dire it o à vida e m u m am bie n t e s ão e e c olo gic am e n t e e qu ilibra do ,
c om o d ire it o h u m an o e c om o dire it o fu n d am e n t al e s t á orie n t ad o, d e s de u m a
p ers pe c t iva f rat e rn a, n a co op e raç ão e n a re s pon s a bilida de da c o mu n id ad e
in t e rn ac ion a l e n ac ion a l, as s im co m o lan ç a bas e s para u m a fu t u ra e prov á ­
v el n ov a ord e m e c o n ôm ic a (e s p e re mo s ) .
E nt e n d e m os as d e riva çõ e s do d ire it o a m bie n t al n a cla s se do s dire it o s
c ole t ivo s , n ad a ob st a n t e po s s am s e r e x e rcid os in div i d u alm e n t e . Cla ro e s t á,
e s t e e n t e n d ime n t o so m e n t e s e rá pos s íve l d e pois qu e e st e j a ga ran t id o u m
a mbie n t e s ão e e co log ica m e n te e qu ilibra do p ara t o do s.
Já re fe rim o s re t ro , qu e o le gis lad or c on s t it u cio n al bra sile iro de 19 88
e le vo u o d ire it o a u m am bie n t e e co log ica me n t e e qu ilibra do , a c at e go ria de
um dire it o f u n da m e n t al à vid a. Sa be m os qu e um dire it o à v ida e x ig e p ara
s e r v iabiliz ad o, de co n diç õ e s bió t ica s e abió t ic as q ue ga ran t am a s ua
p erm an ê n c ia, port a n t o, n ã o h á, e m t e s e , lim it e s p ara e s t e dire it o .
O in dis pe n s á ve l pa ra v iabiliz á-lo e s t á e m q ue o s s e re s n e c e s s it am d e
u m am bie n t e ad e qu ad o e de co n diç õ e s d e s u bs is t ê n c ia qu e sã o pro vid as
p or e s t e m e sm o a m bie n t e , po r iss o , n ão se po de s e para r as c o n diç õe s biót i ­
137

c as d as bioló gic as s t rict o s e n s o, as s im é de c on s i d e rar qu e as c o n diç õe s fís i ­


c as , ps ic oló gic as e s oc iais e s t ão c on e c t ad as co m a pe s s o a e o e n t o rn o.
O dire it o -d e ve r f un d am e n t al a m bie n t al e s t á in for ma do po r m uit o s prin ­
c íp ios qu e a d ou t rin a v e m af irm an d o co m g ran d e in s is t ê n cia , c u ja re ve la çã o
a ciê n c ia ju ríd ica e o s pre t ó rios vê m ape r fe iç oan d o. To do s e s s e s prin c ípios
s ão d e co rre n t e s d o prim a do d a dign id ad e h u m an a , e s e a pre s e n t am , e n t re
o ut ro s, os s e gu in te s :

I. o princípio da legalidade; da supremacia da Constituição em


matéria ambiental e da indisponibilidade dos direitos-deveres nela
consubstanciados290;
II. da obrigatoriedade de proteção;
III. da prevenção e da precaução;
IV. da compulsoriedade da avaliação prévia de riscos em obras
potencialmente danosas;
V. da publicidade; da reparabilidade; da participação da coletivida­
de;
VI. da ampla informação ambiental;
VII. da função social dos contratos e da propriedade;
VIII. do poluidor-pagador; da compensação;
IX. da responsabilidade; do desenvolvimento sustentável;
X. da educação ambiental;
XI. da cooperação internacional e
XII. o princípio da soberania dos Estados em política ambiental.

T odo s e s s e s , e m s ua m aio ria d e co rre n t e s d a am plit u de d o t ipo c on t id o


n o art ig o 22 5, in c is os e p arág raf os da Co n s t it uiç ão d e 198 8, co m bin ad os co m
o ut ras n orm a s ( prin c ípio s e re gra s ) c on s t it u ída s n a m e s m a Cart a , e m T rat a do s
e C on v e n çõ e s , po r e la re ce p cio n a do s, e p e la le gis la ç ão in fra c on s t it uc io n al
p ert in e n t e 2 9 1 .
290
É de Jorge Kors, acertadamente, a afirmativa: “La existencia de una norma constitucio ­
nal que garantice la protección del medio ambiente y la ecología concebida como deber
del Estado y como derecho-deber de los ciudadanos, favorece la marcha de la legisla­
ción, puesto que a partir de ello el sistema en su conjunto encontrará el sostén en un
nuevo régimen institucional propio” (Nuevas tecnologías y derecho ambiental. In, Revista
del derecho industrial, Buenos Aires, Nº 41, mayo-agosto de 1992, p. 401). Em direção
convergente, José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 49, nota 95; p. 52, 123-4.

291
O conjunto normativo ambiental está construído através de proposições empíricas
especialíssimas. No percurso de seu desvelamento e submetidas a racionalidade prática
essas proposições se incorporaram em uma série de princípios, ditos princípios am­
bientais que se positivaram e, de modo não exaustivo, podem assim ordenar-se: Prin cípio
constitucional de proteção ambiental (CF/88, Art. 225). Princípio da legalidade (CF/88,
Art. 5, II). Princípio da supremacia do interesse público e princípio da indisponibilidade
do interesse público(CF/88, art. 225), temperado pela observância dos direitos funda ­
mentais e de normas programática a eles referidos. Princípio da obrigatoriedade da
proteção ambiental (idem). Princípio da prevenção e princípio da precaução (CF/88,
225, § 1, IV; Dec. Rio/1992, princípio (15). Princípio da obrigatoriedade de avaliação
prévia de obras potencialmente gravosas (CF/88, 225; EIA, RIMA). Princípio da
publicidade (CF/88, 225; Res. 9 do CONAMA). Princípio da reparabilidade do dano
ambiental (CF/88, 225, § 3; L. 6938, art. 4, VII). Princípio da participação (Declaração
Rio/92, princípio 10; CF/88, 225). Princípio da informação (CF/88, 225; 216, § 2.; L.
6938/81; Dec. 98161/89; L. 8078/90 [CDC]; Agenda 21, cap. 40; e as convenções sobre
Diversidade Biológica e Combate a Desertificação). Princípio da função socioa mbiental
da propriedade (CF/88, art. 5, XXIII, 170, III e 186, II). Princípio do poluidor-pagador
138

Prin c ípios d os m a is re le van t e s f u n dan t e d e u m Es t a do S oc ioa mb ie n t al e


D em o crá t ico de Dire it o, é o d a p ro ib iç ão de re t ro c e ss o am bie n t a l, qu e co m o
j á m e n c ion am o s , pre f e rim os de n o m in ar de pro ibiç ão da re t rogra d aç ão
s oc ioa mb ie n t al.
É de s de a d ialé t ica dis p os i ç ão/ po s içã o q ue m e lh o r po de re m o s co m ­
p re e n d e r o prin c ípio da p roib içã o da re t ro g rad aç ão s o cio am bie n t a l.
T odo s o s p rin cíp ios su pr a me n c io n ado s s e e n c on t ra m in s e rid os n o pó lo
d is po s içã o, e e s t ão t e n s io n ad os re lat iv am e n t e a os su je it o s p os ic ion a do s.
O prin c ípio da pro ibiç ão da re t rog rad açã o s o cio a mbie n t al, n o e n t an t o
– n ad a o bs t an t e pa rt icip ar d a m e s m a d ia lé t ic a –, e s t á d ire t am e n t e s u bs u mi ­
d o n o e n t re laç am e n t o d os p rin cíp ios m at riz e s : d ign id ad e da pe s s oa h um a ­
n a/ s e g uran ç a j u rídic a, e le é c on d iç ão e s s e n c ial d as c on d içõ e s de re s pon s a ­
b ilid ade s oc io a mbie n t al in f orm ad a pe la f rat e rn i d ad e qu e de v e e s t ar im pri ­
m ida e m t od as a s re la çõ e s c om o am b ie n te .
S abe m o s qu e o d ire it o de c ad a s u je it o a u m am bie n t e e c o logi c am e n t e
e qu ilibrad o n ão co n s t itu i p e r s e u m d ire it o s ub je t ivo su s c e p t íve l de ap ropria ­
ç ão. A a t ribu içã o qu e a í e s t á , é de p e rmis s ão que e x ige u m d e ve r fu n d a ­
m e n t al c on s u bs t an c iad o n a u tiliz aç ão rac ion a l de s d e u ma pe rs pe c t iva de
f ra t e rn ida de , s e j a n a at u alida de , se j a co m a s g e raç õe s vin d ou ras .
E st e d ev e r é d e t o do s e de c ad a um in div idu al m e n t e , in c lu s ive , p or
c on s t it uc io n alm e n t e e x p re s s o, d o E s t ado 2 9 2 . Ve ja -s e qu e o tip o c o n st it u c ion al

(CF/88, art. 225, § 3.;Rio/92, princípio 16; L. 6938/81, art. 4; L. 9433/97). Princípio da
compensação (art. 8, L. 6938/81, atrib. CONAMA). Princípio da responsabilidade (L.
9605/98, crimes ambientais; L. 6938/81 art. 14, responsabilidade objetiva do degradador).
Princípio do desenvolvimento sustentável (Declaração Rio/92, princípio 13., e Agenda
21). Princípio da educação ambiental (CF/88, art. 1.; e, Agenda 21). Princípio da
cooperação internacional (Declaração Rio/92, princípio 2). Princípio da soberania dos
Estados na política ambiental (Agenda 21). Princípio da Prevenção de danos, aqui cabe
uma distinção: princípio da prevenção e princípio da precaução. A distinção está na
natureza do risco, v.g., CF/88, art. 7.o XII prevê: “a redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Aplica-se o preceito
constitucional ao cuidado da prevenção ou precaução. Tudo está na natureza do risco.
Sendo o núcleo duro na prevenção, o perigo concreto; na precaução, o perigo abstrato.
Em ambos os casos, o meio ambiente do trabalho deverá contar com as condições
necessárias para minimizá-lo, e contar o trabalhador com a proteção adequado, mesmo
a compensação argentária.

292
Atente-se que Robert Alexy entende o ambiente numa perspectiva de holodimensão, de
“direito fundamental como um todo” (Teoría de los derechos fundamentales. Trad. de
Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 3. a reimp.,
2002, p. 240-245), vale dizer, um objeto complexo e de estrutura definida: “as distintas
posições do cidadão e do Estado, e entre estas posições existem relações claramente
determináveis, as relações de precisão, de meio/fim e de ponderação” (op. cit., p. 245).
Mais adiante, afirma Alexy: “Está constituído por um feixe de posições de tipos muito
diferentes. Assim, quem propõe o estabelecimento de um direito funda mental ambiental
ou sua adiscrição interpretativa às disposições iusfundamentais existentes pode, por
exemplo, incluir neste feixe um direito a que o Estado se omita de deter minadas
intervenções no meio ambiente (direito de defesa), um direito a que o Estado proteja o
titular de direito fundamental frente a intervenções de terceiros que dani fiquem o am­
biente (direito de proteção), um direito a que o Estado permita participar o titular de di ­
reito em procedimentos relevantes para o meio ambiente (direito ao procedimento) e um
direito a que o próprio Estado realize medidas fáticas tendentes a melhorar o ambiente
139

d o a rt . 2 25 e n c e rra u m ob je t ivo c o mp os t o: am bie n t e e qu ilibrad o e be m d e


u so co m um , e s s e n c ial para a q ua li d ad e d e v ida , e de v e re s re c ípro co s d o
E st ad o e da c ole t iv ida de .
N ad a aí co n f igu ra u m d ire it o s ub je t ivo , m as co n firm a u m d ire it o- de v e r
d e pre s e rv aç ão p ara a at u alid ad e e pa ra o po rvir. Re v e lan d o-s e , e n t ã o, u m
d ire it o -de v e r f un d am e n t al a crô n ic o, c uj o n ú c le o d u ro e s t á n a v e daç ão d a
d eg rada çã o a m bie n t al, o bje t o d o prin c ípio, s o b pe n a de d e fra u d ar-s e o
c on c e it o.
É c e rt o qu e gran d e p art e da d ou t rin a, n o e n t an t o, já s e in clin o u pe la
a tribu iç ão d e u m dire it o s u bj e tiv o n e ga t ivo. Co m t o do o re s p e ito , n ã o pe n s a ­
m os as s im.
D ev e mo s e n t e n d e r qu e o a m bie n t e é u m b e m d a co le t i v id ad e 2 9 3 , aí
re s ide s e u n ú c le o d ur o, po rt an t o n ão pod e s e rvir a u m a pe rs p e ct iv a in d ivi­
d ualis t a, sua p rópr ia m at riz fra t e rn a o in fo rm a c om o d ire it o -d ev e r ao
a mbie n t e e c olo g ic am e n t e e qu ilibra do , b e m co m o d e fe n d e -lo e pre s e rv á-lo .
A m ais d e s e r u m d ire it o -de v e r, e le é dire t a m e n t e de riv ad o d o p rin c íp io d o
E st ad o So c ial e D e m oc rát ic o d e Dir e ito , on d e s e in s e re n o s ist e m a ju rídic o
o bje t iva do .
U m E s t ado de t al jae z , e s t á firm e m e n t e an c ora do n a m an u t e n ç ão d a
s e gu ran ç a j uríd ic a, e n a p roib içã o d e re t rog re s so d as c on qu is t as d a c ole t iv i­
d ade e n vo lvid a n a re laç ão n at u re za /c u lt ur a e s u a ad je t iva çã o: n at u ral / c ul­
t ur al; n ão o t iv e ss e , f ar-s e -ia t abu la ra s a d o p re ce it o c on fe r ido : d ign id ade
h u ma n a.

9. 1 – A cor do Sem ânt i co Pr évi o

O prin c ípio de p roib içã o d a re t ro grad aç ão s oc ioa m bie n t al, c uj o o bje ­


t o é ve da r ou in t e rd it ar a de g rad aç ão am b ie n ta l, t e m limit e s be m de f in ido s .
Para e s t u dá -lo, t orn a -s e n e c e s s ário pre c i s ar, p ara m e lh or e n t e n d im e n t o
d e n os s a pro po s ta , o s t e rm os qu e o co m põ e . S ão e le s os s ub st a n t ivos : p rin ­
c íp io, p ro ibiç ão, v ed aç ão , re t ro gra daç ão e o a dje t iv o s oc ioa mb ie n t al.
A p rim e ira de s t as co n c e pç õe s re fe re -s e ao s u bs t an t iv o p rin cíp io ou n o
p lu ral p rin c ípio s. A lit e ra t ura j u rídic a s obre e le s é v as t a e p rof un d a, de s e n ­

(direito a uma prestação fática)” (p. 429); concluindo o ilustre ju rista que essas posições
tratam-se como direitos prima facie ou como direitos definitivos.

293
José Rubens Morato Leite o denomina de um macrobem (Cf. LEITE, J. R. M., Dano Am­
biental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2.a ed. rev., atual., ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 81-85), uma concepção que conduz o nosso olhar
para uma dimensão holística, um ver estético que apreenda toda sua totalidade.
140

v olvid a co m c riat iv ida de por a ut o re s q ue alb e rgam dis t in t as pos iç õe s do u t ri­


n ária s 2 9 4 .
N ós , u t iliz am o-lo s de s d e s ua pu re za e t im oló gic a: a rc h é ( α ρχ ή ) , qu e é o
q ue e s t á n a ori g e m. O s u bs t an t iv o p rin cíp io r e ve la-s e e m t o da a p ropo s içã o
f un da m e n t al ord e n ad ora d o c on h e c im e n to .
T odo p rin c íp io e s t á ad ian t e rad ic alm e n t e , is t o é , e s tá n a r aiz de t o das
a s c ois as , c om o po n to d e part id a o u co m o s u po rt e do ra c io c ín io. O s prin c í­
p io s e s t ão o rie n t a d os p or va lore s . A q ui t om a mo s v alo re s n o s e n t id o qu e lh e s
a tribu iu e be m , N ie t zs c h e 2 9 5 , vale d ize r, v it ais , f un d ad os n o h om e m , m e lh o r
a in d a, n o m o do d e se r d o h om e m .
Os pr in c íp ios re ve la m um t opo s de f un d am e n t alid ad e , e s t ão em
p rim e ira ce n a e a o c up am , de le s d e riva a re alid ad e c ogn o s cit iv a, va lora da
d es d e a p e rce p çã o qu e d e le s de d u z im os , co m o r e su lt a d o ( de n os s as pre f e ­
re n c ia s ) d o ob je t o in v e s tig ad o.
Prin c íp io é m ais qu e p os t u lado ou a x iom a; aliás , e s t e s do is ú lt im os s ub s­
t an t ivo s , m od e rn am e n t e , s ã o t ido s c om o s in ô n imo s e in c on f un d ív e is c om o
p rim e iro 2 9 6 . O s prin c ípio s , de s d e s e u n ód ulo valo rat iv o, s u bs t an c ialm e n t e ,
p av im e n t am e s t a lar ga via d a at ivid ad e c riad ora d o h o me m . Pon t e s de
M iran d a, c om a pro f un did ad e c o st u m e ira , af irm ava :

[...] Qualquer espírito pode formular concepções com os


materiais abstratos das imagens, das idéias e demais elementos
formadores do pensamentos; os princípios somente com elementos
objetivos podem ser formulados. Ninguém deve improvisar princípios
jurídicos, como ninguém pode fazer regras econômicas, políticas ou
morais. É com tijolo que se constróem casas, e não com palavras. É
das relações sociais que se tiram os princípios, de modo que entre as
leis e eles pode haver paralelismo e a ineficácia daquelas será
proporcional à discordância entre uns e outros. Na vida, toda a
aplicação tenderá para reduzir as leis aos princípios e a per­
fectibilidade está em formula-las o mais próximas deles que for
possível. Todos os princípios têm conteúdo especial (ético, político,
econômico, etc.), ou geral (social), e seria preciso modificar a subs ­
tância social para modificar, ou suprimi-la para os suprimir. É pela

294
Cf. por todos, BONAVIDES, P., Curso de Direito Constitucional. 8.a ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1999; ÁVILA, H. B., Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 3.a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003; ESPÍNDOLA , R. S., Conceito de
Princípios Constitucionais, São Paulo: Ed. RT, 2002; BARCELLOS , A. P. de, A Eficácia
Jurídica dos Princípios Constitucionais, Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Sobre o Direito
como sistema de regras e princípios na obra de Dworkin , confira-se o excelente trabalho
de PEREIRA DE SOUZA NETO, C., Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade
Prática, Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Quanto aos princípios como “supernormas de
Direito”, indispensável consultar o trabalho de AYRES BRITTO, C., Teoria da Constituição,
Rio de Janeiro: Forense, 2003.

295
NIETZSCHE, F., La genealogía de la moral. Trad. A. Sánchez Pascual. Madrid: Alianza,
1998.

296
Atente-se que postulado ou axioma são considerados de premissas necessáriamente evi ­
dentes e por isso carentes de demonstração, ao contrário, os princípios são tirados das
relações inter-humanas havidas num cronotópos dado, são construídos perma nentemente
nelas e, por isso mesmo, são a cada momento interpretados e reconstruídos.
141

indução que, das soluções mostradas nas relações que se observam,


pode tirar-se o princípio; depois, pela dedução, aplicar-se-á aos
casos análogos.297

Log o, pa ra o s e fe it o s de n o s so e s t u do , a t ribu ím os ao s prin c ípio s um a


c on c e pç ão n ão mu it o d e lim ita da : s ão prop os iç õe s e m píric as g e ra d as pe la s
re laç õe s p sic o ss o c ia is , r e ve lad os e r e co n s tr uíd os n o e s paç o e t e m po on d e
e s sa s s e dã o e d as q ua is de riv am , co n fo rm an do u m c on ju n t o de p od e re s
d eô n t ico s re c on h e c ido s n o círc u lo s oc ial re lac io n ad o.
D es d e s e u re co n h e c im e n t o in co rpo ram -s e e m n o rm as c u jo n ú c le o du ro
e s t á pre e n c h ido po r valo re s in du z id os pe la e x pe riê n c ia c om u m . E ss e s valo re s
s ão valo re s ju ríd ico s , v ale d ize r, p re fe re n c ias c olo rida s pe lo dire it o . O s pr in ­
c íp ios j uríd ic os s ão in fo rm ado s ad e m ais , por valo re s ad vin d os d e ou t ro s
p ro ce s s os de ad ap ta çã o e co rrige n d a da s re laç õ e s in t e r-h u m an a s ( re ligiã o,
e s t é tic a, é t ic a, po lít ica , e co n o m ia, ciê n c ia) ; alé m d o ma is , e le s c o m p õe m
u ma m e t od olo gia da p rax is s o cia l c uj o o bje t o é a in da gaç ão ob je t iva qu e
p ode da r-n os a re alid ad e 2 9 8 .
I mpo rt a re s s alt ar qu e t o do s o s p rin c íp ios , c o mo e x pre s s õe s h ipe r­
t e x t ua is pr imá rias , in c o rp oram v alo re s 2 9 9 e ca rre gam c on s igo o s s e u s f in s 3 0 0 .

297
PONTES DE MIRANDA, F. C., Sistema de Ciência Positiva do direito. 2.a ed., vol. IV. Rio de
Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 221-222

298
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C., Sistema..., vol. II, p. 164.

299
Atente-se que valor (άξία) refere-se a utilidade emprestada aos bens, ou a dignidade
prestada aos seres. Portanto, todo valor, mais além de um ser é um dever-ser (sollen),
nasce da afirmação da vida, por isso vital, esse dever-ser está radicado no modo de ser
do homem, sua autêntica possibilidade de escolha, isto já estava em Weber, que acredi­
tava no embate constante de diferentes valores à escolha dos homens. Note-se que
Weber, fazia uma distinção lógica entre ser e dever-ser para acreditar seu postulado da
Wertfreiheit (“neutralidade valorativa” – como isenção, liberdade ou autonomia valora­
tiva), mas não rechaçava os valores nem o fenômeno mesmo dos valores, negando
apenas o seu caráter absoluto e universal (Cf. FARIÑAS DULCE, M. J., La sociología del
derecho de Max Weber. Madrid: Civitas, 1991, p. 122-128, esp. 128). Os princípios abrigam
valores em conexão com uma situação dada. Aliás, Frondizi insistia na ênfase que se deve
dar a tal conexão, pois concebia o valor como uma cualidad estructural que tem existên­
cia e sentido em situações concretas; assim, se apoia duplamente na realidade, pois a
estrutura valiosa surge de qualidades empíricas e o bem a que se incorpora se dá em
situações reais; todavia, advertia que o valor não se esgota em suas rea lizações
concretas, senão que deixa aberta uma larga via à atividade criadora do homem (Cf.
FRONDIZI, R., ¿Qué son los valores? Introducción a la axiología. 3.a, 15.a reimp. México:
Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 220-221). Frondizi afirmava que, frente aos objetos
do mundo físico podemos ser indiferentes. Contudo, tão pronto se incorpora a eles um
valor, a indiferença não é possível; nossa reação – e o valor correspondente – serão
positivos ou negativos, de aproximação ou rechaço. Não há obra de arte que seja neutra,
nem pessoa que se mantenha indiferente ao escutar uma sinfonia, ler um poema ou ver
um quadro (op. cit., p. 20).

300
A figura seguinte, parece-nos é expressiva. como pensamos em outro lugar (A Metáfora
do Círculo de Álcman – o direito como produto cultural: uma abordagem culturalista do
princípio da proporcionalidade, p. 25/26): [...] Quando uma norma (texto) com densidade
natural ou cultural (isto é, resultante da adjetivação da relação natureza/cultura), está
dis-posta (θέτις), ordenando a matéria, emerge um percurso (ροπος) onde estão
atribuídos os princípios (αρχή) que delimitam (τέκμορ) os fins (τελος). Assim, os caminhos
142

O s e gu n d o e o t e rce iro su bs t a n tiv o qu e in t e re s sa a cla rar s ão : p roibi­


ç ão e v ed aç ão . Pro ibir e ve da r gu arda m s in o n ím ia.
C on t ud o, n o im agin á rio s oc ial, v e d ar é ma is qu e pro ibir. V e da- se pa ra
n ão “e s co rre r” qu alqu e r f lu ido , p ara n ão pe rde r- se qu alqu e r s u bs t ân c ia.
V ed ar é o bs t ru ir, in t e rd ita r, im pe d ir algu m p roc e s s o ou aç ão. O s u bs t an t iv o
v ed aç ão re ve s t e e s s e im pe d i m e n t o. Pro ibir, é im pe d ir, v e da r t am bé m , m as
p ost e riu s , e st á e m algu é m qu e o rde n a , in t e rdit a, im pe d e ou d e s au t oriz a;
v ed ar é p rius .
Por is so pe n s am o s o s u bs t an t i v o v e da ç ão c o mo o bje t o im e d iat o e
raz ão pr olé pt ic a da p roibiç ão , e s t á e m prim e iro lu gar, pois qu e re m os ac e n ­
t ua r e ss e p riu s .
C om a v e daç ão da d e grad aç ão a m b ie n t al, co m o n ú cle o d o prin c ípio
d e p roib içã o d a re t ro g rad aç ão s oc ioa mb ie n t al, n os a fas t a mo s do at o e x t e r ­
n o da p ro ibiç ão; ve d aç ão é in t e rior, é u m a c on s t a ta çã o e m píric a de ime d ia ­
t ivid ad e , r e ve la a e s s ê n cia do “prin c ípio ”, po is e s t á n e le m e s m o, e d e ix a

(ροπος) incorporam os princípios, e os limites assinalam os fins. Este círculo só é rompido


pela atividade do intérprete (Θέτις) que cortando a circunferência textual pode
encontrar o início do caminho (αρχή) para descobrir os limites (τέκμορ) onde permanecem
os fins.

O t e x t o é c o m o u m c í r c ul o ,
depois que traçado pelo
geômetra, retirado o com-
ARQUÉ/TÉLOS p a s so , n ã o m a i s s e p o d e
T E XT O
identificar o princípi o e o fim
d e se u t r a ç o , q u e p o d e m
remanescer em qualquer
ponto espacial de sua cir-
cunferência.

Só a atividade do intérprete
pode romper este círculo,
atribuindo os limites de um e
outro.

ARQUÉ E n c o n t r a d o s e s t e s, o p o n t o
T E XT O central do círculo é a fonte
TÉLOS de limite do intérprete para
conjugar princípios e fins.
M e i o s e e x t r e m o s.

Textos, como círculos, não são abertos, todos estão cerrados em suas proposições (mesmo
quando estas admitam polissemia), é a atividade do intérprete que estabelece o caminho,
que é como um princípio (não um axioma, ou um postulado), cujos limites são traçados pelo
artífice que elege o espaço de abertura do círculo, priorizando o fim a ser demonstrado.
Quando dois círculos proporcionais estão postos, devendo-se priorizar os limites e a abertura
de cada um deles, a atividade do intérprete traça um percurso para a eleição do prepon ­
derante, de modo que o caminho é sempre um princípio, um princípio de proporcionalidade
que foi assinalado no discurso do agente, que procura descobrir a finalidade significativa e
os limites de intrusão, que estão na abertura do círculo.
143

c la ro os d ife re n t e s grau s d e ôn t ic os d e c ada e x pre s s ão : o p rin cíp io d e pro ibi ­


ç ão, abs t rat a me n t e c on s id era do , e a s ua o bje t ivid ade c on c re t a qu e se d á
a trav é s d a ve d aç ão q ue im põ e .
O prin c ípio de p roib içã o d a re t ro grad aç ão s oc ioa m bie n t al é e x ó ge n o
a o q ue re gu la o u e m an c ip a, é in t e le c t ivo, rac ion a l; s e u o bje t o a v e da çã o é
e n dó ge n o , m ais in s t in t ivo e e m oc io n al às re laç õe s ps ico s s oc iais .
Le m bran d o, c om o af irm am os re t ro , qu e o d ire it o é u m prod u t o c u lt ura l
e re v e la-s e c om o u m do s proc e s s os d e ad ap t aç ão e c orrig e n da da s re laç õe s
in t e r-h u m an as d e s e n vo lvida s n u m e sp aç o e t e m p o s o cia l, p od e mo s in t u ir qu e
o p rin cíp io de pro ibiç ão da re t rog rad aç ão so c io am bie n t a l está m ais
a pro x im ad o do re ligio so e c on f orm a- se n o j uríd ic o; já o s e u o bje t o , a
v ed aç ão da de gr ad aç ão am b ie n ta l e s t á m ais a pro x ima do da e s t é tic a e
c on fo rm a-s e n u ma é t ic a.
A de m ais , o prin c ípio de p roibiç ão d a re t ro grad aç ão s oc ioa m bie n t al,
c om o t od os os prin c íp ios , e s t á m ais in flu e n c ia do p e las ide o logia s, co n t u do ,
c om o s e u o bje t o im e dia to é a ve d aç ão da de gr ada çã o a m bie n t al, im põe -
s e , dir e t am e n t e , lim it e s a e ss a s id e olo gias . O prin c ípio e s e u o bje t o im p lica m
d is p os iç ão im pe rat iv a qu e r e su lt a em p osiç ão co n fo rma da ao m áx im o
p ro ve it o c om u m .
I mpe n d e e s c lare c e r o se n t id o qu e da mo s ao ú lt imo s u bs t an t ivo re t ro ­
g rad aç ão pa ra o s e fe it os d e s t e e s t ud o. A t rá s re fe ri m o s qu e pre f e rimo s de n o ­
m in ar re t rog rada çã o pa ra de s ign a r re t ro c e ss o . N ão se t rat a d e m e ro ca pri ­
c ho lin gü íst ic o . A n t e s , de pre c is ar u m a co n ce p çã o pe c u liar ao d i re it o
a mbie n t a l.
N a s u a ra zã o e t im o lógic a, e n s in am -n o s os lé x ic os , o ve rb o re t ro grad ar
é e x pre s s ivo . Co m p ost o pe lo pre f ix o re t ro -, d o la t im re -, c om a idé ia de m o vi ­
m e n t o pa ra t rá s , re t ro at iv o, e g rada r, do lat im , pos p os it ivo - g rad o o u an t e ­
p os it ivo g rad -, co m o se n t i d o d e av an ç ar p as s o a pas s o ; a s sim , o ve rb o re t ro ­
g rad ar, e x pr e ss a a a çã o d e ir pa ra t rá s, re t ro c e de r – p as s o a pas s o –, in du ­
z in d o o s u bs t an t ivo re t rog rada çã o n o s e n t ido de um m ov im e n to de re t ro ­
c ed e r n o t e m po e n o e s pa ço . O s ub s ta n t ivo fo i apr opria do pe la as t ron o m ia
p ara in dic ar o s e n t id o re t ró gra do do s as t ros , c on f orm an d o um a n ov a
im age m s ide ral.
Para n os s o us o , apro p riam o s o s e n t id o d e re t rog rad aç ão para s ign ific ar
a in vo luç ão de u m e s t ad o at u al ( ou o de c lín io d e u m e st a do m e lh o r p ara u m
p io r) a in da qu e e s te e s t e ja j á de gra da do , c on fo rm an d o u ma im a ge m
a mbie n t al d e t e riora da .
144

F in a lme n t e , o ad je t ivo s oc io am bie n t al, t e n c ion a su pe r ar a dic ot o m ia


p úblic o/ priv ado , qu alif ica as po lít ica s pú blic as am bie n t a is co m os m o vi m e n ­
t os s o cia is, e s t ab e le ce u m a m e t o do logia da aç ão s oc ial e am bie n t al, v ia u m
j uíz o c rít ic o in fo rm ad o pe las po lít ica s am bie n t a is , pro m ove n d o u m a pe da ­
g ogia a mb ie n t al e x plic it a 3 0 1 , af irm a o am bie n t e c o mo “u m lu gar de
e n co n t ro” , o n de s e d á a t ot a lidad e das re laç õe s , vale d ize r u m e s paç o f ís ico
a pro pria do p ara o e x e rc íc io da s aç õ e s s oc io am bie n t ais , p rom o ve n do um
c on ju n t o c om p le x o de c on d içõ e s s o cia is , m ora is , n at u rais e c u lt u rais q ue
c er ca m o s s e re s v iv os e n e le s p od e m in f luir d e cis iva m e n t e .
Por ta n t o, qu an d o re fe rim os o p rin cíp io d e p ro ibiç ão d a re t ro gra daç ão
s oc ioa mb ie n t al e f aze m o s v isív e l o s e u ob je t o, v ed aç ão d a d eg rad açã o a m­
b ie n t al, qu e re m o s afirm a r u ma pro pos iç ão e m píric a, qu e at ra vé s d e u ma
e le iç ão v alio s a d e n os s a e x is t ê n c ia e d e s de u m a pe rs pe c t iva in t e r g e rac io ­
n al, n ão pe rm it e o u imp e de q ue se re t roc e da à c on d iç õe s am b ie n ta is pré ­
v ia s àq ue la s qu e de s f rut a mo s p re s e n t e me n t e , n e m t am po u co as c o n qu ist a s
j á alc an ç ad as .
O p rin cíp io de pro ibiç ão da re t rog rada çã o s oc ioa m b ie n t al as s im
c on c e bido , é u m im po rt an t e pre c e it o n orm at iv o c uj o ob je t ivo é im pe d ir o u
v ed ar q ue a s co n diç õ e s am bie n t ais q ue d e s fru t am o s re t orn e m in s t at u qu o
a nt e . Co n t u do , c o mo v e re mo s , e ss e p rin cíp io p re cis a s e r co n t e x t u ali z ado e
re lat iviz ad o pa ra qu e n ã o s e t o rn e u m obs t á cu lo pa ra aqu is i ç õe s u lt e rio re s
d e m aio r q ua lida de de vid a.

9. 2 – L i m i t es do pr i ncí pi o de pr oi bi ção da r et r ogr adação s oci oam bi ent al

N ão h á a çã o qu e n ã o e s t e ja lim it ad a n o t e m po e n o e s paç o. To da a
a tivid ad e h u m an a , fís ic a ou ps íqu ica , e s t á lim it ada e m e x t e n s ão , c on fo r ­
m an do fro n t e iras q ue n ão pod e m s e r u lt rapa ss a das im pu n e m e n t e . O qu e t e m
lim it e s e s t á de t e rm in ad o, is t o é , e s t á de m ar c ado , e o qu e e st á d e m arc ad o
t e m u t ilid ade , v ale diz e r, é c on v e n ie n t e o u v alio so .
A lín gu a t e u t ô n ica t e m do is t e rmo s m u ito s ign if ica t ivos : Gr e n zb e griff e
Gre n z we rt ; o p rime ir o d e le s , e x p re s sa e m n os s o lé x ico a e x p re ss ã o “c o n ce it o -
lim it e ”; o o u t ro, “v alor -lim ite ” . Em a m b os, o qu e ve m o s é de t e rm in a çã o e
u tilid ad e . A mb os o s t e rm os id e n t ific am o lim it e , s e ja e m re laç ão a c apa ci ­
d ade de aq uis iç ão d o c on h e c im e n t o , s e ja e m re laç ão a q ua lidad e de s t a
a qu is iç ão. U m co n c e it o-lim it e , fu gin d o d o kan t is m o, é u m c on c e it o c u ja

301
Cf. quadro da página 69 retro.
145

e x t e n s ão e s t á co n t ida n o próp rio ob je t o qu e ide n t if ica , e um va lor-lim it e


q ualif ica a gr an de z a de s t e .
O s prin c ípios t ê m lim it e s . Es t ão d e ma rc ado s e m s ua e x t e n s ão e pro ­
v eit o . S ã o f ru to s re lac io n ais , cu jo re c on h e c im e n t o e s t á co n t ido n a e x p e ­
riê n c ia co m um . O s lim it e s d os prin c ípios s ão o s lim it e s d a e x pe riê n c ia c om u m .
O prin c ípio de p roib içã o d a re t ro grad aç ão s oc ioa m bie n t al t a mb é m
t e m s e us lim i t e s . S u a e x t e n s ã o e p rov e it o d e ve s e rv ir ao s s e re s re lac ion a do s e
n ão s e rv ir-s e d e le s .
T oda p e rm an ê n c ia é gr avo s a qu an do t rave s t id a de im obilis m o , va le
d iz e r, qu an d o re p ud ia n o va s co n qu is ta s , a pe ga n do -s e ao pas s ad o, o u fi ­
x an d o-s e a o p re se n t e n ão de ix a e sp aç o p ara a in ov aç ão c riat iva . P or is s o ,
n ão s e po de im o biliza r o prog re s so e , at é m e s m o, o re gre s s o, qu a n do e s te se
im põe co m a ra zão d o p rin cíp io d e pro ibiç ão da re t rogr ada çã o s o cio a ­
m bie n t al.
H á co n diç õe s e s p e cia is qu e e x ige m u m “vo lt ar a t rás ”, u m re t orn o a
s it ua çõ e s pas s ad as ( gra vo s as ou n ã o) qu e s ã o n e c e s s árias p ara a e x is t ê n cia .
D e ou t ro m o do , h á m om e n t o s e m qu e re t ro ce d e r é u m a c on qu is t a. Mu it o s
s ão os e x e m plo s pos s ív e is, v .g ., a tr an s fo rm aç ão de á re as de g rad ada s
( at u ais , po rt an t o ) e m re s e rva s re f lore s t ad as , o u re c on v e rs ão c om plan e ­
j am e n t o in d u st ria l o u o ut ro t ipo e x plo ra ç ão s u st e n t a do . A í, e m n ad a se
o fe n de o prin c ípio , pois s e u o bje t o , a ve d aç ão da de g rada çã o a m bie n t al,
n ão c on f igu ra u m re t ro c e s s o. O e s t ad o at u al ( de gr ada d o) n ão é va lios o , a
re c on ve r sã o s im .
O s lim it e s , p ort an t o , d ão -n os as co n diç õe s e m q ue s e e n co n t ram os
b en s pr ot e g ido s pe lo p rin cíp io. De ou t ro m od o, m e sm o e m s it ua çõ e s a m bie n ­
t ais n ão d e grad ad as , o e s t ad o at u al po de s e r obj e t o de re t rog re s so , q ua n do
a s co n d iç õe s de e x is t ê n c ia o e x ige m , v . g., t é cn ic as de c ult iv o c on t am in a ­
d oras , e x c lu s ivas e m d e t e rm in ad as s it u aç õe s , para a te n d e r im e dia t am e n t e
b en s m ais re le v an t e s , ou a re ve rs ão pa rcia l de r e se rv as n a tu ra is para at ivid a­
d e c ult u rais pre c ios a s.
E ss e s m ot iv os , qu e af as t am a in cid ê n c ia d o pr in cí p io de p roibiç ão d a
re t rog rada çã o s o cio am bie n t a l, d e ve m s e r o bj e to d e cu id ad os o tr a t a me n t o
d ef in it ório d a s u a e le içã o. A v u lta m a í, ou t ro s pr in cípio s q ue d e ve m se r s op e ­
s ado s : o p rin c íp io da d ign id ade h u m an a, da s e gu ra n ça j ur ídic a, o da
s up re m ac ia da Co n s t it uiç ão e m m at é ria am b ie n t al e o da pro p orcio n alid ade
q ue lh e é in t e rior.
146

9. 2. 1 – Vedação da degr adação am bi ent al e t em po

T em pu s re git ac t um , é o c é le bre bro c ard o m uit o u t iliz ado n o ca m po


“c ivilis t a” ; e n t re t an t o , é mu it o a prop riad o para a m á x ima d a ve d aç ão d a
d eg rada çã o.
Já n o E cle s ia st e s c on s t a va: Pa ra t u do h á um t e m po , para ca da co is a
h á u m m om e n t o d e baix o do s c é us ( 3, 1) : ( .. . ) t e m po p ara pla n ta r, e te m p o
p ara a rran c ar, o qu e foi pla n t ado ( 3, 2) ; ( . . .) t e m po pa ra de m olir , e te m p o
p ara c o n st ru ir ( 3, 3) . O t e m po e s t á in c orp ora do a o dire it o , n u m a e x ist ê n c ia
a ut ê n t ica qu e c on d uz a um a an t e c ipaç ão , a u m a pro le ps e : viv e m os n o pre ­
s e n t e o f u tu ro im a gin ad o-o .
N e s se “lu ga r d e e n co n t ro” , n o am b ie n te , o t e m po re v e la-s e co m o
d uraç ão e c om o c o n t in uu m , f ix an do um “e s t ar” o u u m “p e rm an e c e r”.
T em po é e x p e riê n cia , po de m o s pe rc e bê -lo e c on c e bê - lo. T e m po é
h is t ória, po de m os n arrá -la e e x plicá -la. N o am bie n t e o m e s mo se d á.
D a re laç ão n at u re za /c u lt ur a, s ua de riv aç ão n at u ral/ c ult u ral im põ e
u ma t e m pora lida de c om p le x a: h á u m t e m po h ist ó ric o e b ioló g ico ; h á u m
t e m po t e c n oló gico ; e , h á um t e m po c os m oló gic o.
O t e m po h ist ó ric o é p e rce b ido pe lo bioló gic o at rav é s das a qu is içõ e s e
d es e n v olvim e n t o da vid a n o lon g o p e rcu rs o da e vo luç ão . O t e m po t e c ­
n oló gic o a pro pria-s e d a v ida e pa ss a a d om in á- la. O t e m po c o sm o lóg ico
e n re da a t o do s e s e e s co n de n o m is t é rio. . . Ch ró n os ( Χ ρ ό νο ς) e Kairó s
( Καιρ ό ς ) d is pu t am a p rim azia .
O prim e iro , lin e a l, de v ora d or é um t e m po d e e s pe ra, u m t e m po on d e o
re t orn o n ão é pos s ív e l e , n o pre s e n t e , a n t e cip a-s e to do o fu t u ro. O s e gu n do ,
é o para digm a do t e m po, c íc lico , o qu e s e d á n o m om e n t o op ort u n o, é o
t e m po da m e m ó ria, é o t e m po o n de t od o re t o rn o é pos s íve l, é o te m p o do
a con t e c im e n t o, da s ut o p ias , d o im ag i n ário . Kairó s, pa rad igm át ic o, e s t á
ligad o ao co n t e úd o d o t e mp o, a sit u aç ão qu e e s t e t e mp o t raz c on s ig o, a s
p oss ibilid ad e s q ue of e re c e .. . É um t e m po qu e n ão ap rop ria e p e rma n e ce .
Pas s ad o e pre s e n t e c on viv e m n u ma m e m ória e x e m plar, e o fu t u ro e s t á n o
p re s e n t e qu e se pro lon g a. C om o am b ie n t e o m e sm o s e dá .
O am bie n t e é Kairó s, a aç ão do h om e m s o bre o am bie n t e é C h rón o s .
O n a t ura l é Ka irós , o c u lt u ral é C h rón o s .
N ão p e rmit ir a d e grad aç ão d o am bie n t e é in t e rvir n a dis pu t a e n t re
Kairó s e Ch ró n os . Co n t u do , e s t a co n t e n da n ão t e m ve n c e do r, só v e n cid os . O
p rin c ípio de p roibiç ão d a re t ro grad aç ão s oc ioa m bie n t al, im plic at ivo da ve ­
d aç ão da d e gra daç ão am bie n t al, só pod e at e n u ar o e m bat e , e s t a be le ce r
147

u ma paz re la tiv a, c om o re lat ivo é t o do o te m p o; po r is s o, n ão pe rm it e o im o ­


b ilis m o a bs olu t o, p ois s abe qu e o f u t uro c om o re pre s e n t aç ão s e in c orpo ra a o
p re s e n t e .
N e s t e lu ga r d e e n c o n t ro h á u m t e m po pa ra t u do . Pe rm an e c e r n e le é o
m ais im p ort an t e . Im pe d ir qu e s e de gr ade é um de v e r prim a fa cie , me s m o
q ue e s s e lu gar já n ã o s e ja o d os n os s os s on h o s. . .
A t e n t e -s e , qu e é d e s de o e s paç o , qu e o t e mp o pas s a a e x is t ir. E s s e
p rim e iro át im o t e m po ral in au gu ra o lu gar e m q ue oc orre u . U ma s ó d im e n s ão:
a e x t e n s ão.
A s sim , o t e m po é o e s paç o pe rc o rrido p e las t ra n s fo rma çõ e s : a m e s m a
f lo r q ue e ra bo t ão e ag ora e s t á ab e rt a, a d e s pe it o da id e n t ida de , m u d ou ; a
f olh a qu e e ra ve rd e , fic ou a ma re la 3 0 2 . O t e mp o é algo qu e pe rm it e a
v ariaç ão d o idê n t ic o 3 0 3 .
Por ta n t o, n ão s e po de a bs olu t iz ar a ve d aç ão da de gra d aç ão , p ois s e
im pe diria a t ra n s fo rma çã o. Con t u d o n ão s e de v e c air n u m re la t ivis m o
irre s po n s áv el, on d e o in d is t in t o m arc a a su a pr e se n ç a; an t e s , re c on h e c e r a
p lu ralid ad e e a h e t e rog e n e ida de da s re laç õ e s n at u ra is/ c ult u ra is qu e s e d e ­
s e n vo lve m n e s s e lu gar de e n c on t ro , n o a mb ie n t e .
O t e m po de pla n t ar é d ife re n t e do t e mp o d e c olh e r, m as p ara c o lh e r,
p or v e ze s , é n e c e s sá rio de s t ru ir o qu e fo i pla n t ad o. A re c on s t ru ç ão é se m p re
s obre o q ue f oi co n s tr uíd o. T od o o re t ro ce d e r, por ve z e s, é u m e n s aio para o
n ov o. O pro ble m a e st á n a q ua lidad e d e st e n ovo . O at o re t rog re s siv o e m s i
n ão c au s a da n o. O d an o e s t á n o e fe it o qu e po s s a o at o c au s ar. Port a n to , a
p ru dê n c ia é o f aro l gu ia d e t od o prin c ípio. A p on d e raç ão – qu e é pe s o ,
p ort an t o fo rç a – é s e u in s t ru m e n t o.
T e m pu s re git ac t u m , o t e m po r e ge o at o, a dqu ire a ss im u m a n o va
f eiç ão , pas s a a s e r u m t e mp us lo qu e n di, o n de o fa lar m a rca o r itm o , a
f ru iç ão ou o go zo de e s t ar ou pe rm a n e ce r. M u da r pa ra m e lh or ar, n ão para
p io rar. Co n t ud o, po r v e ze s , o p ior p od e ve s t ir-s e c om o o me lh o r. Tu d o is s o
e s t á n uc le arm e n t e co n t ido n o prin c ípio d e p roibiç ão da re t ro grad aç ão
s oc ioa mb ie n t al. O t e m po é s e u m ais fo rt e a liado , e a c on q uis t a da m an u t e n ­
ç ão do prin c ípio re v e la-s e co m o um dir e ito -d e ve r de t od os in dis t in t am e n t e .

302
O exemplo é de Felix Auerbach, Das Wesen der Materie, Leipzig, 1918, 9., apud,
PONTES DE MIRANDA, F. C., Sistema..., vol I, p. 157

303
PONTES DE MIRANDA, Sistema..., vol. I, p. 157
148

9. 2. 2 – Vedação da degr adação am bi ent al e es paço

N ão va i n os in t e re s s ar o d e bat e e n t re o n o min a lis mo e o re alis m o , re la ­


t ivam e n t e ao c o n ce it o d e e s p aç o, a qu i n ã o é o lug ar apro pria do p ara fa ze -
lo. A s s im , o qu e n o s in t e re s sa é c on s t ru ir u m a c on c e pç ão de e sp aç o, ú t il
p ara o s n o s s os prop ós it os .
O p rópr io prin c ípio d e p roibiç ão da re t ro grad aç ão s o cio a mbie n t al
o cu pa u m e s pa ço . U m e s pa ço p síq uic o , in t e le c tu a l e plu ral n u m pr ime iro mo ­
m e n t o, d e po is, u m e s paç o m o ral, p olít ic o, ju rídic o, e co n ôm ic o. . .
M ais ain d a, u m e s paç o co rpo ral o pró prio “m e io” : c ó sm ic o, f í sic o ,
b io lógic o, e s o cia l. É d e s t a co n fo rm aç ão e s pa cia l qu e va mo s t ra t ar.
E spa ço é lu ga r, já e s t av a e m A ris t ó t e le s n a s u a Fís ic a, c om o o limit e
( i) mó ve l qu e abra ça u m co rpo 3 0 4 . T od avia , n ão é s ó lu ga r, é ain d a o qu e
c on t é m ; u m c on c e pt ác u lo, vale d ize r, o loc u s d a co n ce p çã o de alg o e o
re c ip ie n t e qu e v ai a brigar a s u a m u lt idim e n s ion a lida de , c on f or m an do u m
c am p o.
M ais alé m d a c o n ce pç ão n at u ra l do e s paç o, h á a c on c e pç ão c ult u ra l
q ue r ad ic a n a ap e rce p çã o 3 0 5 de su a re a lidad e . A í m u ita s p os iç õe s sã o
p oss ív e is. Um a d e las , s e re ve la n a t e o logia . O e sp aç o do s a grad o, a
s ub st a n cia lida de d o m ít ic o, a dis t in çã o d o cé u e d a t e rra in t e rc e did a pe lo
d em iu rgo . O u t ra, está d ire t am e n t e vin c u lada a p os iç ão s u bje t iv a de
c on c e be r o e s paç o, n e s t e s e n t ido , ain d a at u al o pe n s am e n t o de L e ibn iz, qu e
o e n t e n dia c o mo um a n ar raç ão e x pre s s iv a das re laç õe s da s c ois a s e n t re s i 3 0 6 .
Para n o s s o pro ve it o, pod e in t e re ss a r u m a c on c e pç ão d e e s pa ço , n ã o
p uram e n t e rac ion a list a ka n t ian a, n e m pu ra me n t e e m piris t a h u m e n ian a; ma s ,
u ma c o n ce pç ão q ue at e n d a a u ma r e pre s e n t aç ão a prio ri e n qu an t o

304
Cf. ARISTÓTELES, Física, Lib. IV, 212a, in, Obras Completas, Madrid: Aguilar, 1967, p. 618-
620.

305
O vocábulo apercepção – apperceptio, onis – muito caro a Leibniz, foi utilizado por ele
no sentido de consciência da próprias percepções, e.g., a percepção da luz ou da cor
que é composta de pequenas percepções que conforma a apercepção. Um ruído que
percebemos, mas não damos atenção, todavia, se crescer de volume torna-se
aperceptível. Os animais têm percepções, mas não têm apercepções porque as
apercepções são próprias dos seres humanos, já que suas percepções são acompanhadas
pela potência de refletir. A atividade intelectual é, por conseqüência uma atividade
dominantemente aperceptível, pois além de percebermo-nos como sujeitos percipientes
e, assim, nos distinguirmos da coisa percebida, empregamos esta capacidade em
dimensão especial para definir, com rigor, ampla gama de representações às quais
emprestamos valor.

306
Cf., LEIBNIZ, G. W., Novos ensaios sobre o entendimento humano. Trad. L. J. Baraúna, São
Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 297; especialmente, Cf. LEIBNIZ, G. W., Correspondência com
Clarke. Trad. C. L. Mattos. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 413 s.
149

in t uiç ão , o u u m a e x pe riê n c ia c orp óre a e n qu an t o ape rc e pç ão re la cio n al; a


p rim e ira , é co n t e m plat iva ; a s e gu n da , é co m pre e n s iva .
Por ta n t o, um a c on c e pç ão d e s t e m at iz e n te n d e o e s paç o d e m o do n ã o
a nt ro poc ê n t ric o, p ois n ão po de m o s f un d ar o e s p aç o ape n a s e m n os s as
s e n sa çõ e s , lo go, n ão po de m o s c on c e bê - lo ape n a s c o m o in fin it o e c on ­
t ín uo 3 0 7 , an t e s c o mo re laç õe s co rpó re as sin g ula re s o u plu ra is , fin it a s, co n t í­
n u as e d e sc o n tín u a s. O e s pa ço é o n de e s s as re la çõ e s s e dã o, port a n t o, n ã o
t e m os n o m un d o u m s ó e s pa ço , e s im m u it os 3 0 8 .
A m áx im a d e v e daç ão d a d e grad aç ão am bie n t al in te n t a pro t e ge r a s
c on d iç õe s at u ais da c oe x is t ê n c ia do s e s pa ço s a m bie n t ais co n t ra e ve n t u ais
a gre s s õ e s qu e p os s am im plica r a su a re gr e ss ã o. A re gre s s ão pos it iv a, v ale
d iz e r, aqu e la qu e be n e fic ia, po r ó bvio , n ão é alc an ç ad a pe la ve d aç ão . Se u
t e m p o, p ort an t o , n ão s e m e de po r a tu a li d ad e , a n t e s re ve la -s e por um a dia ­
lé t ica d e pe rm an ê n c ia/ im pe rm an ê n c ia.

9. 2. 3 – O t em po e o es paço a m bi ent al – per m anênci a, cons er vação e


m anut enção

O e s paç o e o t e m po s ão re lat iv os . E aí, n ad a o bs t an t e o t e mp o q ue os


d is t a n cia , Le ibn iz e E in s te in nu m e s paç o e pis t ê m ico , de algu m m o do c o in c i­
d em . P ois , d izia Le ib n iz qu e o e s paç o é algo m e ra me n t e re lat iv o, o m e sm o
q ue o t e mp o.
S us t e n t av a qu e o e sp aç o s e p od ia co n ce b e r c o mo um a o rde m de
c oe x is t ê n cia s , as s im c o mo o t e mp o po dia s e r co n c e bido c o mo um a o r d em
d e s u ce s s õe s . Porq ue , diz ia Le ibn iz , a n oç ão de e s paç o de n o t a, e m t e rm os
d e po s sib ilidad e , u m a ord e m d e co is as q ue e x is t e m a o m e s mo te m p o, is t o é ,
c on s ide ra das c om o e x is t in do j u n ta s , s e m in q uirir s ob re o se u m od o de e x is t ir.
E , qu a n do ve m os v aria s co is as ju n t as , pe rc e be -s e e s s a ord e m de c ois a s e n t re
a s me s m as .
A f irm ava L e ibn iz, qu e d u as c o isa s e x is t e n t e s , A e B , e s t ão e m u ma
re laç ão de sit u aç ão , pois , e m v e rdad e , t od as as c o isa s co e x is t e n t e s e st ã o
e m re la çõ e s d e sit u aç ão . A d e m ais , s e co n s i d e rarm o s, s imp le s me n t e c om o
c oe x is t i n do , is t o é , c om o e s t a n do e m re laç õe s m út u as de s it u aç ão, t e mo s a
idé ia d e e s p aç o co m o idé ia d e um a o rde m de c oe x is t ê n cia .
E , s e n ã o d irigim os a at e n ç ão a n e n h u m a c ois a re alm e n t e e x is t e n t e ,
m as s im ple s m e n te co n ce b e rm os a ord e m de p os s íve is re la çõ e s de s it u a ç ão,

307
Cf. PONTES DE MIRANDA, F. C., Introducção á Sociologia Geral. Rio de Janeiro: Pimenta
de Mello & C., 1926, p. 92-101, especialmente p. 94-95

308
PONTES DE MIRANDA, F. C., Introducção..., p. 95
150

t e re m os a idé ia abs t rat a de e s p aç o. O e s paç o abs t rat o , pois , n ão é n a da


re al: é s im ple s m e n t e d e um a o rde m re lac ion a l p os s íve l.
T am bé m o t e m po é re la cio n al, d izia Le ibn iz, p ois s e d ois ac o n te ­
c im e n t o s , A e B , n ão s ã o s imu lt ân e o s , m as s uc e s s ivo s, h á e n t re e le s u m a
c er ta r e laç ão qu e e x pre s s am os diz e n do qu e A é an t e s q ue B, e B d e po is qu e
A . E, s e c on c e be rm o s a o rde m d e re laç õe s p os s íve is d e s sa e s pé c ie , t e re m o s
a idé ia a bs t rat a de t e m po . O te m p o abs t rat o n ão é m ais re a l d o qu e o é o
e s paç o abs t rat o . N ão h á n e n h u m e s paç o abs t rat o re al n o qu al as c ois as e s ­
t e j am s it u ad as , n e m h á u m t e m po re al a bs t rat o e h om o gê n e o e m qu e s e
d êe m .
R ep it a-s e , n ã o h á n e n h u m e s paç o a bs t ra t o re al e m q ue as co is as
e s t e jam s it u ad as , n ão h á u m t e m po r e al ab st ra t o e h om og ê n e o e m qu e s e
d êe m as su c e s s õe s 3 0 9 . E m o u t ro lu gar, e sc re v e mo s :

[...] Espacio, como campo, en el sentido del lugar donde se


da la totalidad de los eventos posibles, reside el primer concepto de
espacio de Einstein, que prevalece en la física contemporánea.
Einstein, concluyó que aquello que percibimos como espacio y
tiempo, son aspectos de una impar realidad subyacente que él llamó
de “continuum espacio-temporal”. Así, percibimos el continuum
como una cantidad particular de espacio –longitud, anchura y
altura– y una cantidad particular de tiempo; las proporciones reales
dependen de la velocidad del observador. Esa visión lleva al enten ­
dimiento que la noción de campo implica un nuevo modo de ver la
materia (ponderable o imponderable – tangible y intangible), y el
espacio, según un cálculo entre densidad de materia y variaciones
de energía, en una dimensión temporal que incluso aleja la noción
del vacío imponiendo el continuum-discontinuum, en un ciclo
dialéctico de permanencia y no-permanencia310,

v ale d ize r, pos s ibilid ad e d e c o e x ist ê n c ia.


D e ou t ro m o do , s e c o n ce b e rmo s o e sp aç o c om o c on t in e n t e , n o s a pro x i ­
m am os da id é ia de e s paç o v azio . D e m óc rit o já e x pre s s av a a idé ia d e qu e os
á to mo s s e m ov iam n o e sp aç o va zio , e qu e e s t e e s paç o é in fin it o.
M ais pre c iso o pe n s am e n t o o rie n t al, po is o vaz io qu e co n t é m t o da s as
c ois as – e x p lica a f ilos of ia o rie n t al s u n ya t a – re ve la- se n a v ac uid ad e ; p ara
e s se pe n s a me n t o , o e g o s e pr e n de a ch a m ada re a lida de da s c ois as . O d es a
q ue é pa ra o Ve d an d a, o p rin cíp io d e loc aliz aç ão e s pac ial, é t a mb é m , u m
c am po d e n o çõ e s c o n tr a d it ó rias . É aí qu e s e pod e in clu ir a ve d aç ão d a
d eg rada çã o. O e s pa ço ( pe n s ad o co m o a mb ie n t e ) é a in s pir aç ão bás ic a d e
n os s a ló gic a h a bit u al d e ju ízo s m u t u am e n t e e x c lu de n t e s qu e s u s t e n ta a
p aix ã o o u o f re n e s i do pe n s a me n t o pu ro , p ois o po de r ilim it ad o do s at t va
309
Cf. LEIBNIZ, Correspondência..., p. 413 e s., 419 e s., 434 e s., especialmente 436-437, 439
e s., 443, 450

310
MOLINARO, C. A., Los deberes humanos ante la perspectiva del “diamante ético” de
Joaquín Herrera Flores, 2.a versión. Sevilla: UPO, 2002, p. 85
151

in fo rm a qu e h á s e m pre um “aq ui” e u m “ n ão aq ui” , u m “ n e st e lu gar” e u m


“m ais alé m ” 3 1 1 – m as t od os igu alm e n t e v alio s os .
D es s e bre v e e s bo ço , a c on c lu sã o le ib n izia n a, n o s e n t id o q ue o e s pa ço
p ode s e r c on c e bid o c om o u m a ord e m d e co e x is tê n c ia qu e o s it ua e m u m
c am p o ( Ein s t e in ) , in flu i d e cis iva m e n t e n a c on c e pç ão de e s paç o co m o u m
c am po ab e rt o de re laç õ e s.
Por ta n t o, su a pe rm a n ê n c ia , c on s e rv aç ão e m an u t e n çã o e x ige a
a pe rc e pç ão d e ss a re alid ade , s u a im e d iat ivid ad e e c on c re ç ão re la c io n al.
Pon t e s de M iran d a , c om s ua a cu id ade c os t u m e ira já af irm ava : s ó e x is t e
e s paç o s oc ial o n de h á m at é ria, on d e h á e n e rg ia so c ial; po rt an t o , s ó e x is t e
e s paç o s oc ial o n de h á re laç õe s s oc iais 3 1 2 .
A p e rm an ê n c ia, c on s e rv aç ão e m an u t e n çã o do e sp aç o am bie n t a l,
o nd e s e dã o a s re laç õe s a m bie n t ais , re ve la -s e co m o o t e le oló gic o do prin ­
c íp io d e pro ibiç ão da re t rog rad aç ão am bie n t al. Co n s e rva r é m an t e r ín t e gr o,
re s pe it ar o qu e a í e s t á; a s u bs t an t iva çã o d o ve rbo d e u c o mo re s u l t a do
c on s e rv açã o, re ve la n do o e f e it o q ue se qu e r pe rs e gu ir, va le diz e r, u ma
m e t ód ica prát ic a q ue obj e t iva à u t iliza çã o d os re c u rs os n at u ra is, c om o
e s co po d a pre s e rva çã o e re n ov aç ão s e m pre qu e p os s íve l.
A c on s e rva çã o t ra z c o n sig o a pe rm an ê n c ia, qu e é su bs is t ir e im plic a a
m an u t e n çã o; c u ide m o s qu e a m an u t e n çã o de s c ob re a qu ilo qu e se m an t é m
c om a m ã o, is t o é , a aç ão de m a n te r para pe rd ur ar, aí s e in c lu i t u do : a
e s pac iot e m po ralid ad e f ís ica , ps íqu ic a, s o cia l, c ós m ic a.. . .
A in da q ue ad vo gu e m os um a po s t ura e c o cê n t ric a, n ão t e m se n t id o
f alar-s e do p rin cíp io de pro ibiç ão d a re t rogr ad açã o am b ie n t al s e m re f e rir a
h u ma n id ade . S ó h á a m bie n t e p rot e g ido d e s de um a ra zã o h um a n a. O e s paç o
a mbie n t al s e m o h om e m é ap e n as e sp aç o re lac ion a l, c om p ósit o p os s ív e l d e
c oe x is t ê n cia , e ain d a n ão aj e t ivad o pe lo c u lt u ral. É co m a s u a oc u paç ão
p elo s e r h u ma n o re la c io n ad o q ue adq uir e re le vo , ist o é , pas s a a t e r pr iori ­
311
Cfr. ZIMMER, H., Filosofias da Índia. São Paulo: Ed. Pala Athena, 1991, p. 305, 337, 359,
376-377

312
PONTES DE MIRANDA, F. C., Introducção..., p. 98; Sistema..., I, p. 151-152. Pontes de
Miranda acrescentava: “onde há espaço social há direito”. Onde dois ou mais homens
conseguem insular-se da ação social do Estado ou pela diversidade dos fins de um e do
outro meio (Estado e Igreja, Estado e maçonaria, etc.), ou pelas impossibilidades físicas
de aplicação do direito de qualquer sociedade constituída, começa a germinar e acaba
por nascer novo direito, que se apresenta sob a forma rudimentar e primitiva de regras
inconscientes e costumeiras ou soluções violentas da nova comunidade. Se quisermos
concretizar o pensamento, basta trazer-se para o mundo social, para a vida comum, a
afirmação concernente ao mundo atmosférico: onde há espaço social há direito, como
onde há espaço atmosférico há corpos sólidos, líquidos ou fluídos que o ocupem. O vácuo
é criação do artifício humano e por isso mesmo imperfeito. Aonde não vai a
dilatabilidade de um direito surge a do outro que preenche o trato de espaço aberto à
vida de relação. E no mundo jurídico, – como no físico, com a expansão dos gases, – é
incompatível a pureza química do ambiente. Todos os sistemas jurídicos são heterogêneos
como o ar atmosférico (Sistema..., tomo I, p. 77).
152

d ade à e x is t ê n cia . P as s a a se r obj e t o d os d ive rs o s proc e s s os a dap t at ivo s da s


re laç õe s in t e r-h u m an as : r e lig ião , e s t é t ic a, é t ic a, p olít ic a, d ire it o, e co n om ia ,
c iê n c ia. . .
Pas s a a s e r e sp aç o s oc ial, m e s m o aq ue le s “lu gar e s” a in da n ã o e x plo ­
rad os o u h abit ad os p e lo h o m e m , p ois e s t ão lá, ao alc an c e d o h u m an o , e já
c on s t it ue m ob je t o d e s e u c o n h e cim e n t o ; at é m e sm o o e sp aç o e s t e lar,
c ós m ico , já é o bje t o d a apre e n s ão h u m an a vis t o s e r c ogn o c íve l; p as s íve is ,
p ort an t o, de apro pria ç ão.
V ê-s e po is , a e n o rm e im por t ân c ia d a v e daç ão d a d e gra d aç ão q ue
b aliz a, e be m , a at ivid ad e h u m an a n a u t iliza çã o de s t e s e sp aç os , c o m a
im pos iç ão d os de v e re s d e co n s e rvaç ão e m an u t e n ç ão d e s u as co n diç õ e s
p ara a c o e x ist ê n c ia do s re la c io n ad os . I st o é as s im po is a h u m an id ad e s e fa z
c om o am bie n t e , s u a pro du ç ão e s t á c om e le c orr e lac ion ad a im e dia ta m e n t e ,
e é re s p on sá ve l p e la ge ra çã o d o “am bie n t e h u m an o ”, n u m oíko s ( ο ίκο ς )
c on fo rm ad o pe la t ot a lida de de s ua s c on q uis t a s n at u rais / c ult u rais .
Por is so , t od a a re ali d ade s e d á c om o re alid ad e in t e r p re t ad a p e lo a gir
h u ma n o, orga n iza da po r um m od e lo dia lé t ico p rod u z id o n a re laç ão su bj e t ivi ­
d ade / ob je t ivid ad e , de s v e lan d o u ma c o mp le x a fro n t e ira in t e rc u lt ur al, o n de
m uit a s c iê n cia s c on c o rre m p ara de lim it a r a s c on d içõ e s d o h u m an o e do s
o ut ro s s e re s . É d e s de e s t a fro n t e ira q ue av ult a a re s p on s abi lid ade e a
d em an d a é t ic a do s s e re s h u m an o s p ara c om o am bie n t e .
I n go W . Sa rle t , c om ac e rt o, co n clu iu qu e “a p roib içã o de re t roc e s s o
a ss u me a c on d içã o de u m d os m e ca n ism o s p ara a af irm aç ão e f e tiv a de u m
d ire it o c o n st it u c ion a l in c lu siv o, s olid ário e alt ru ís t a” 3 1 3 , um “ me c an is m o
a firma t ivo ” de s d e t ipo te m de le v ar e m c on s id e raç ão qu e a n at u re za n ã o
p ode s e r s e pa rad a da c u ltu ra , e qu e p re cis am o s p e n sa r “ t ran s ve rs alm e n t e ”
a s in t e raç õe s e n t re os dive r so s c am po s d o s ab e r ( m e s m o n o in t e rio r d e u m
d ele s : o dire it o ; e , s e u m an d am e n t o p os it ivo m aio r: a Co n s t it uiç ão ) ; as
in t e raç õe s e n t re os e co s sis t e m as , “m e ca n os fe ra e U n ive rs os de re f e rê n cia
s oc iais e in d iv id u ais ” 3 1 4 .
T en d o e m co n t a Kaz an t zá kis , c om o pre a m bu lado n e st e t ít u lo , v ale
le m brar Pon t e s d e M iran d a , qu an do af irm av a qu e a apro pria çã o in t e le c t ua l
d o s a be r se f az s e m pre de s d e u m a im parc ialid ad e o bje t iv a do e s t u do da
c iê n c ia, o qu e pos s ibilit a a c e rt e za q ue o s re s u lt ado s f u t uro s d e n os s as aç õe s
n os va i t ra n s c en d e r, p ois o u n ive rs o pa ss a a e s t ar d e n t ro de n ós , e n ó s , c ada

313
SARLET, I. W., Direitos Fundamentais…, loc., cit., p. 163.

314
GUATTARI, F., As três ecologias. Trad. M. C. F. Bittencourt. São Paulo: Papirus, 1990, p. 25.
153

v ez m a is, m ais d e n t ro d o un iv e rs o 3 1 5 .

9. 3 – A l cance pr i m ár i o do Pr i ncí pi o de pr oi bi ção da r et r ogr adação s oci o am ­


bi ent al

O s lim ite s d e n o ss o m u n do n os d ão os lim it e s de n os s a lin g ua ge m 3 1 6 , “a


v id a ps íq uic a é n os s o m o do de vive n c iar n os s o e sp aç o re la cio n al c o mo s e re s
h u ma n os , e e s s e n os s o viv e n cia r oc or re po r n os s o co n ve rs ar s obre n os s o v ive r
n o c on v e rsa r” 3 1 7 . O s imb ólic o da í r e su lt an t e é in de rro gáv e l 3 1 8 .
A o fa larm o s d o prin c ípio d e p roibiç ão da re t ro grad aç ão , c om o j á
re fe rid o, qu e re m os afir ma r u m a pro pos iç ão e m p írica , qu e at rav é s d e u m a
e le içã o va lios a d e n o s sa e x is t ê n c ia e de um a a valia çã o in t e rge ra cio n al, n ã o
p erm it e ou im p e d e q ue s e re t roc e da à c o n diç õe s am bie n t ais pré v ias a qu e las
q ue d e s fru t a mo s n a a t ua lida de .
N o e n t an t o , e s t a pro pos iç ão e s t á c on f orm ad a n u m a lin gu age m co ­
n ot a tiv a q ue e x pre s s a u m a re a lidad e fo rm ad a po r pa lav ras , por re gras d e
lin g uage m qu e de lim it am um c am po d e d om ín io , de po de r. E, n e s te c as o, t e ­
m os de cu id ar para n ã o u t ilizá- las c o mo “arm a id e oló gica ”; pois , t u d o e s t á
c on e ct a do pe la lin g ua ge m , e as in t e raç õe s qu e o c orre m n ão o co rre m po r
a cas o, m as p orq ue a s m ín ima s u n idad e s s ign ifi c at iv as de n o s sa lin gu age m
e s t ão im pre g n ada s d e c o n te ú d o c om u n ica t ivo, qu e e x e r ce m o pa p el de
ligaç ão e n t re a re a lidad e e o e x p re s siv o 3 1 9 .
A s s im , é m uit o ap rop riad o diz e r qu e o u s o d a lin g uage m e s t á co m pro­
m e t ido c om a e x is t ê n cia d os ob je t os para o s q ua is h á p alav ras e m s u a
m e t alin gu age m 3 2 0 .

315
PONTES DE MIRANDA, Sistema..., I, p. 100.

316
Aqui seguimos a lição do primeiro Wittgenstein (Tratado Lógico-filosófico, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987), sem deixar de levar em consideração a afirmativa
do segundo, em sua observação: o significado das palavras não depende do fato a que
elas se referem, mas de como elas são utilizadas (Investigações filosóficas, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987).

317
Cf. Maturana, A ontologia..., p. 115

318
A propósito afirma Lorite leciona: “La especie homo inaugura, en el proceso de la vida,
una etapa que se puede caracterizar a través de un rasgo dominante: la creación de un
espacio simbólico. Los símbolos, concretados instrumentalmente (ya sea al nivel de ob jetos,
de lenguaje, de normas, creencias, etc.) revisten un carácter mediador y media tizador
entre el hombre y las cosas. En ese espacio se inscribe una dinámica de transfor mación
consciente del contorno vital. Se trata de un cambio cualitativo en la lógica de lo vivo, en
cuanto aparición de un nivel de procesamiento del conocimiento en el cual está incluido
reflexivamente el individuo que lo practica” (Lorite, M. J., El Animal Paradójico,
Fundamentos de Antropología Filosófica. Barcelona: Antropos, 1982, p. 34).

319
Desde representações simbólicas bem delineadas.
154

O p rin c ípio de p roibiç ão da re t ro grad aç ão s o cio am bie n t a l é o


s in t agm a pro po sic io n al 3 2 1 de t o do s o s d e ma is pr in cípio s d o d ire it o am bie n t al.
Por ta n t o a s pala vras e m p re g ad as pa ra c ara ct e riz á-lo n ão d e ve m c on f orm ar
a to s d e po d er, m as s im at os de c oop e raç ão e s o lidar ie dad e do s e r h um a n o
n o “lu gar d e e n c o n tr o” e m qu e e s t á in s e rido .
C on ve rt id o e m pa lav ras , o p rin cíp io d e pro ib içã o d a re t ro g rad aç ão s e
re ve la c om o e x t e n s ão p erc e pt u al ( va le d ize r, s e re la cio n a co m a e x p e riê n c ia
s e n so rial ime d iat a) do obj e t o q ue co n ot a; c on t ud o, o bs e rv e-s e q ue , c om o
p ala vra s: o p rin c ípio d e p roibiç ão da re t ro graç ão so c ioam bie n t a l, n ão
e x pre s s a u m s e n t ido e s t rit o ( s o bre o ob je t o de li m it ad o) , n ós é qu e o e x p re s ­
s am os po r v ia de n os s a c on d u t a, v ale n do afirm a r a in da, qu e é s ó at ra vé s da
c on du t a q ue in t e rpre t a mo s .
Por is so é qu e d e n om in am o s lin g uage m c o mo aç ão ( aç ão c om ­
p ro me t id a) . A í as s u m e im por tâ n cia a d ign id ade d o h u m an o qu e é m ais
re s t rit a qu e a n oç ão de dign id ad e da pe s s oa h u ma n a. Ta l é as s im , po is
m e sm o a p e s s o a ( p e rso n a) q ue age o u labo ra d e m od o in te n c ion a l n o
p re ju íz o d o ou t ro n e s t e “ lug ar d e e n co n t ro” , n ão pe rd e s ua dig n id ade ín t im a
d e “pe s s o a”, ape n a s fa z m ais pre s e n t e s u a “m ás c ara ” qu e s e u “ros t o ”.
C om a d ign ida de d o h um an o , as c ois as s ã o d ife re n t e s . A d ign ida de d o
h u ma n o é de o n to lóg ica , re v ela -s e n a c apa cid ad e d e as s um ir de v e re s ,
c om pro m e t e r-s e co m o co n ve n ie n t e , c om o n e c e ss á rio. E st á be m d e lin e ada
n o A rt . 2 9, 1 e 2 , da D e c laraç ão d e 194 8:

Toda pessoa tem deveres para com a comunidade posto que só


nela pode alcançar o livre e pleno desenvolvimento de sua
personalidade. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa
estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei,
exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e
respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas
exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma socie ­
dade democrática.

C on cre t iz ar o s de v e re s par a a co m un id ad e , p ara o o u tr o n e s t e “ lug ar


d e e n c on t ro , é o qu e t o rn a po s sív e l o de s e n vo lvim e n t o d o s e r h u m an o e s u a
p erm an ê n c ia n u m a mb ie n t e s au d áve l. A firm e -s e pois , qu e o s e r h u m an o n ão
320
As palavras que indicam o objeto de que se fala – referentes ao objeto – são denomina­
das, “termos de referencia”. Objeto, do latim, objectum, é tudo o que pode ser materia de
conhecimento ou sensibilidade de parte do sujeito, inclusive este mesmo, é, ainda,
qualquer coisa de que se fala, originalmente é pôr adiante de... As palavras para atribuir
características próprias ao objeto, são denominadas de predicados.

321
Sintagma aqui é utilizado no sentido de alinhamento, vale dizer coisa alinhada com ou tra
coisa; proposicional, também utilizado no sentido latino de pôr diante, ou expor à vista,
vale dizer, apresentar, propor, oferecer; ou anunciar, declarar; referir, relatar, contar,
narrar; ainda, fixar, marcar, determinar
155

p ode s e r p e rsp e ct iv ad o t ão -s ó de s de su a in div idu alid ad e , e qu e s ua at u a ­


ç ão n a s oc ie da de , n o Es t ad o, dig a re sp e it o t ão -s ó a s ua c on s t e la çã o pa ­
t rim on ial e m ora l, s e m le v ar e m c on s id e raç ão a s c on s e qü ê n c ias de s ua
a tu aç ão n o e s p ec t ro c om u n it ário ( d e ve r ju rídic o pa ra c om a co m un id ad e ,
p ara a c o mu n id ad e r e un id a e m u m “lug ar de e n c on t ro ” loc al e glob al 3 2 2 ) –
aí está de s e n h ad o o alc an c e pr imá rio do prin c ípio de pr oibiç ão da
re t rog rad aç ão so c ioam bie n t a l e d e s e u o bj e to a ve d aç ão da de gra da çã o
a mbie n t al.

322
O direito humano ao meio ambiente sadio é expressamente reconhecido pela Carta
Africana de Direitos Humanos e dos Povos (arts. 21 e 24). O art. 24 do instrumento africano
declara que “todos os povos devem ter o direito a um meio ambiente satisfatório e
favorável ao seu desenvolvimento”; como os deveres básicos para com o ambiente
correspondem aos limites dos direitos humanos, a Carta Africana, mais adiante vai
esclarecer no seu artigo 27.2 - Os direitos e deveres de cada pessoa se exercem em
respeito ao direito do outro, da seguridade coletiva, da moral e do interesse comum
internacional.
156

10 – M Í N I M O EXI ST EN C I A L EC O L Ó G I C O , PRO I BI Ç Ã O DA RET RO G RA DA Ç Ã O E


EST A DO SO C I O A M BI EN T A L E DEM O C RÁ T I C O DE DI REI T O – N UM A PERSPEC T I VA
I USC UL T URA L I ST A

C on ce b e mo s , n e st e e n s a io, o sis t e m a ju rídic o 3 2 3 , c o mo u m s ub s ist e m a


do “s is t e m a s oc ial” – n o t e -s e qu e o dire it o co m o p rod ut o c ult u ra l e
in s t rum e n t a lme n t e , dirige - se à ad ap ta çã o e co rrige n d a da s re laç õ e s in t e r-
h u ma n as qu e s e dã o n um e s paç o e t e m po s oc ial d e fin ido s . Qu alq ue r qu e
s e ja a pe rs pe c t iva d ou t rin ár ia, e s t ará s e m pre c om po s t o por n o rm as .
A s sim , a pe rs pe c t iva ju rídi c o-d ogm á tic a f ort e , o e n t e n d e c om o um a
t ot alid ad e ló gic o- for ma l d e n orm as co m o obj e t ivo d e : i) sis t e m at iz aç ão ; ii)
c om ple t u de ; iii) u n ive rs a lidad e ; iv ) u n ida de ; e , v) c oe rê n c ia.
A pe rs pe c t iva c ult u ralis t a, a qu e n os p e rfila m os , o e n t e n d e d e sd e
t opo i in t e ra t ivo s, e s t rut u rad o at ra vé s de s is te m a s c om u n ic at iv os qu e s e
c on fo rm am n u m a a lopo ie s e s e mp re re t ic ula r e plu ra l, e s t á do mi n a do po r
s ímb olo s n o rm at iv os h ipe r te x t u ais , co m f un ç ão pre do m in an t e m e n t e pe rs u a­
s iva. Po rt an t o , te m c o mo f in alida de : a) a ad apt a çã o d as re la çõ e s s oc iais n o
e s paç o do ju rídic o ; b ) a j urid ific aç ão do po de r polít ic o; c ) a le git im aç ão do
p ode r s oc ial; d ) o co n t role s oc ial; e ) a re g ula çã o e , po r de riv aç ão , a
e m an c i paç ão s o cia l.
I mplic a, c om o c on s e qü ê n c ia u m s is t e ma de n orm as ( p rin c íp ios e
re gra s) qu e co n s t rói u m s is t e ma d e e x pe c ta t ivas de c om p or t am e n t o s, de s d e
u m e m ble m át ic o d isc u rs o s e m pre h e te r ot óp ico .
U ma pe rs p ec t iva as s im, f irm a a ce rt e z a d e le git im ida de d a a u to rid ade
d e qu e prov é m , e do c ará t e r d e obrig at or ie dad e de s ua s n o rm as , e da
le galid ad e d as s an ç õe s co n c re tiz ad as pe las au t orid ad e s e n c arre g ada s d e
s ua aplic aç ão ; ad e ma is , a firm a a c re n ç a n a bu sc a da ju st iç a, d a m o ra lid ad e
e d a pa z.
U m d ire it o a s sim , e s t á p os it iva do n u m “c on t rat o p olític o ” d os in c lu ído s
– u m a “C on s t it uiç ão ” – on d e s e ide n t if ic a o c orpo fo rm al d o Es t ad o, e s t ru ­
t ur ado at ra vé s d a d ist rib uiç ão d os po de re s , ade n s a do n o p roj e to po lít ico d os
g ru p os s oc iais do m in an t e s , qu e re af irm a a le git im idad e do d ire it o, e st a be ­
le ce e gara n t e o s d ire it os fu n d am e n t ais , e ob riga-s e a c on s t ru ir u m pro ce s s o
le gis lat iv o re gu lar.

323
CANARIS, C-W., Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 23 – referindo-se ao conceito de sistema,
pontificava: “[o] papel do conceito de sistema é [...] o de traduzir e realizar (...) a
adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica”.
157

A c e n t ralida de , d e u m sis t e m a a s sim d e s e n h ad o, e n c on t ra- se na


a firma ç ão e gara n t ia do s d ire it os do h o m e m e da m u lh e r, po lít ic a e
j uridic am e n t e c on s ide ra do s , e fu n d ame n t a lm e n t e po s it ivad os .
U m “c on t ra t o p olít ic o” de s t e j ae z obt e m pe ra a id e olo gia do s gru po s
d om in an t e s , bu sc a o a larga me n t o de se u c o rpo so c ial pe la in clu s ão d os
m argin a do s – n u m proc e s s o c re s c e n t e de d e m oc rat iz aç ão da s de c is õe s ,
s e n do q ue s u a Con s t it u içã o – n as p alav ras da Pro f. a Cá rm e m Lú c ia A n t un e s
R oc h a – ad qu ire :

[...] alma de Direito e forma de Lei, formulando-se como seu


coração — órgão dominante e diretor de suas ações — os direitos fun ­
damentais do homem. Direitos fundamentais em duplo sentido jurídico:
de um lado, são eles essenciais aos homens em sua vivência com os
outros, fundando-se neles, em seu respeito e acatamento, as relações
de uns com os outros homens e com o próprio Estado; de outro lado,
eles fornecem os fundamentos da organização estatal, dando as
bases sobre as quais as ações da entidade estatal se desen volvem,
em cujos limites se legitimam (determinantes de limites negativos) e
para a concretização dos quais se determinam comportamentos
positivos do Estado (determinantes positivos)324.

N o c as o bra sile ir o, m a tiz ad o pe la C art a de 19 88 , s e m d ú vid a pod e m os


c arac t e rizá -lo c om o u m E s t ad o S oc ioa mb ie n t al e D e m oc rát ic o de Dir e ito , p or
f orça e x pre s s iva da c om ple x id ade n orm at iv a e s c ulp ida n o s e a rt . 225 . A li s e
s up e ra, c o mo já af irm am os , a d ic ot om ia p úb lico /p rivad o – on d e t o do s s e
o brigam e m m an t e r o e qu ilíbr io e a s alu brid ade de s t e “lu ga r de e n c o n t ro” 3 2 5
q ue é o am bie n t e ( s e ja e le n a t ura l ou c u lt ura l) , e a t o do s Es t ad o e cid ad ãos
e c idad ãs , s ão co m e t ido s dire it o s e de v e re s , pre t e n s õe s e o briga çõ e s
p re s e n t e s e fu t u ras ( so lida rie da de in t e rge ra cio n al) in de rro gá ve is , já q ue o
d ire it o ao am bie n t e s a dio é e s s e n cia l à v ida , e co m o d ire it o f u n dam e n t al,
e s t á ao ab rigo d o art . 6 0, § 4. o , I V.
A g aran t ia d e um “m ín im o e x is t e n cia l e c oló gic o” e o m an d am e n t o d a
“ve d aç ão d a de g rad aç ão am bie n t a l”, n ú c le o e obj e t o do p rin c ípio d e
p ro ibiç ão da re t rogra da çã o s o cio am bie n t al, c on s t it u e m , e n t re ou t ras , co n di ­
ç õe s e s t ru tu ra n t e s de u m E st a do S oc ioa m bie n t al e D e m oc rát ic o d e D ire i t o,
p ois u m E s t ad o S oc ioa m bie n t al s om e n t e pod e s e r pe n s ad o n u m “ lug ar de
e n co n t ro” o n de o s cid ad ão s e cid ad ãs po s sa m m in ima m e n t e co n v iv e r e
324
ROCHA, C. L. A. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a
eficácia dos direitos fundamentais, in, www.cjf.gov.br/revista/numero3, acessado em
12/12/2005).

325
Reafirme-se, onde se dão a totalidade das relações, vale dizer um espaço físico apro ­
priado para o exercício das ações socioambientais, promovendo um conjunto complexo
de condições sociais, morais, naturais e culturais que cercam os seres vivos e neles podem
influir decisivamente.
158

d es e n v ol v e re m -s e em co n diç õ e s de s e gu ra n ça , libe rd ad e e igu ald ad e


s ub st a n cia is , c o n for ma d oras d a d ign id ade q ue lh e s é at ribu ída . ( Con ) v ive r
e x ige po is , um a am biê n c ia s au d á v el, s u st e n t a do ra e s u s t e n t ada , o qu e p od e
s e r a lca n ça do c o m a pro m o ç ão, co n s e rvaç ão , m an u t e n ç ão e c on s e qü e n t e
v ed aç ão d a de gr ada çã o de s t e “lu gar d e e n c on t ro ”.

10. 1 – Ef et i vação da pr ot eção do m í ni m o exi s t enci al ecol ógi co e da vedação


da degr adação

O p rin cíp io d e c on s e rva çã o o u m an u t e n çã o d o s t at u s qu o ( Prin z ip de r


S t at u s- qu o-E rh alt u n g) c om o, t am bé m , o p rin cíp io de pro t e çã o da c o n tin u i ­
d ade ou da e x is t ê n c ia ( B es t an d s s ch u t zp rin zip ) , o u ain d a, o prin c ípio d e pr oi ­
b iç ão da de t e rio raç ão ( V ers c h le ch t e ru n gs v e rbo t) 3 2 6 s ão e x pre s s õe s d o p rin ­
c íp io qu e de n o m in am os de p ro ibiç ão d a re t rogra da çã o.
T od as e s t as e x p re ss õ e s dirig e m- se no s e n t ido da v e daç ão da
327
d eg rada çã o ( o u de “ e vo luç ão re ac ion á ria” n o diz e r de C an o t ilh o ) d as
c on d iç õe s a m bie n t ais c on q uis t ad as . Es t e p rin c íp io, qu alq ue r qu e s e ja a
e x pre s s ão q ue ad ot e m o s, dirig e -s e a c on c re t u de da s c on d iç õe s de u m m ín i­
m o e x is t e n c ial e c o lógic o ( ö ko log is ch e n E x is t e n zm in im u ms ) , n ú cle o d e on t o ­
lóg ico c o n ce bív e l de s de u m a pe rs pe c t iva d e e f e t ivaç ão do s prin c ípio s d a
d ig n idad e da pe s s oa h u m an a e d a se g ura n ça j u rídic a 3 2 8 . Po rt an t o , e m s e d e
d e d ire it os f u n dam e n t a is, a pro i b içã o d a re t ro grad aç ão ( s o c ioa mb ie n t al) ,
v in c u la o le gis lad or in f rac on s t it u c io n al a o p od e r orig in ário re v e lad or d a
C on st it u iç ão , n ão p od e n do a n o rm a in fra co n s tit u c ion a l re t ro g re d ir em
m at é ria de d ire it os fu n da me n t a is d e cla rad os pe lo pod e r co n s t i t uin t e .
C on t u do , c om o j á af irma m os re t ro, e st e prin c íp io n ã o é a bs olu t o,
d irig e -s e a p orç ão a pe n as do q ue s e co n s ide ra c om o “n ú c le o e s s e n c ia l” do
d ire it o fu n d am e n t al, va le diz e r, a “f ron t e ira qu e o le g is lad or n ã o p od e
u ltr apas s ar , d e lim it an d o o e s paç o qu e n ão po de s e r in v ad i d o po r u m a le i

326
Cf. KLOEPFER, M., Grundprinzipien..., p. 3; Umweltrecht…, p. 169

327
José Joaquim Gomes Canotilho assim formula uma concepção do princípio de proibição
do retrocesso: “[...] o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado
através de medidas legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido
sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros
esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘ anulação’,
‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de
conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo
essencial já realizado” (CANOTILHO, J. J. G., Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 2ª Ed. Coimbra: Almedina, 1.998, p. 320 e 321).

328
Cf. KLOEPFER, M., Auf dem Weg zum Umweltstaat?… cit., p. 9
159

s ob o ris c o de s e r de c lara da in c on s t it u cio n al” 3 2 9 , f ron t e ira e s pa cia l q ue e s t á


d em ar ca da e qu e n ã o po de rá s e r vio lad a e m af ron t a a C on s t it u içã o.
Já e m re laç ão a fro n te ir a t e m po ral, In g o W o lfga n g S arle t 3 3 0 , an ot o u
q ue a p roib içã o d e de t e r m in ad as a lt e raç õe s d o t e x t o co n s t it uc io n al o bje t iva
o fu t u ro, já qu e a Co n s t it uiç ão proj e t a-s e n e le , n u m e x e rc íc io pro lé pt ic o in ar ­
re dá v el.
Lo go , o re d e s e n h o de s t e s limit e s , no qu e não of e n da o n ú c le o
e s se n c ial de s s e s dire it o s , im p õe m -s e e m d e fe s a d a p rópria Ca rt a M ag n a.
E ss e s limit e s diz e m , t am bé m , c o m a e f icá cia ( s oc ial e ju rídic a) d as n o rm as
s obre o d ire it o fu n d am e n t al in co rpo rad o ao a mb ie n t e 3 3 1 .
N o m agis t é rio de Jos é A f on s o da Silv a, d e sd e a pe rs pe c t iva da e fe ­
t ivid ade ( e fi c ác ia) s oc ial, in fe re -s e a ce rt e z a de “[. . .] u m a e fe t iv a co n du t a
a cord e co m a pr e vis t a pe la n or ma ; [e , ] re fe re -s e ao f at o d e qu e a n orm a é
re alm e n t e o be d ec ida e ap lica da ” ; c it an do Ke ls e n – co n t in ua o e min e n t e
c on s t it uc ion a lis t a e n t e n d e n do q ue – a e fic ác ia da n o rm a e st á na
c on fo rm aç ão d o “f at o re a l d e q ue e la é e fe t i v ame n t e ap lic ada e s e gu i d a,
d a cir cu n s t ân c ia d e u ma c on d ut a h u ma n a c on f or m e à n o rm a s e v e ri f ica r n a
o rd e m do s fa t os ” ; co lm an do -s e o obj e t ivo ju ri d ica m e n t e pro pos t o , re aliza m -
s e os f in s pre t e n d id os pe lo le gis la d or, do n de a e fic ác ia j u rídic a re p rod uz –
em dif e re n t e s grau s – e f e it os ju rí d ic os s o bre um m od e lo de e s t a d os ,
s it ua çõ e s , re laç õ e s e co n d u ta s , de s d e a s f un ç õ e s d e a plic abilid ade , e x igib ili­
d ade o u e x e cu t o rie dad e d a n o rm a, co m o p os s ibilid ade de s u a a plic aç ão
j uríd ic a 3 3 2 .
O t rat am e n t o c on s t it uc io n al s ob re dir e ito s fu n d am e n t ais , in clu in d o-s e
a í o s am bie n t ais , lh e s d á ap li c açã o im e d iat a, c om o e s t á in s c rit o n o a rt . 5 o ,
§ 1 o da Ca rt a d e 19 88, p ois o s me s m o s e st ã o, n o diz e r de Sa rle t , “[.. . ]
p ro t e gido s n ã o ape n a s c on t ra o le gis lad or ord in ário , m as at é m e sm o c o n t ra

329
D’ÁVILA LOPES, A. M., Os Direitos Fundamentais como Limites ao Poder de Legislar. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2.001, p. 188

330
A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001,
p.353; também cf., p. 371 da 3.a edição.

331
Leciona Juarez Freitas no sentido que é dever do “ intérprete constitucional [...] guardar
vínculo com a excelência ou otimização da efetividade do discurso normativo da Carta,
no que esta possui de eticamente superior e universalizável, conferindo-lhe, assim, a
devida coerência interna – eficácia jurídica – e a não menos eficácia social” (FREITAS, J.,
A interpretação sistemática do direito. 4.a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, P. 223).

332
Cf., SILVA, J. A. da, Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed., São Paulo:
Malheiros, 1999, p. 65-66
160

a aç ão d o po de r c on s t it u in te re f orm a d or, já qu e in t e gram [. .. ] o rol da s


333
" clá us u las pé t re as " do art . 60, § 4º , in c. IV, da C F” .
D e o u t ro m o do , o t rat a m e n to c on s t it u cio n al s o bre o de s f rut e de u m
a mbie n t e e qu ilibrad o e s alu bre , c o mo dire it o f un d am e n t al, e st á e n t re
a qu e le s qu e m ais “ re pe rc u t e m so bre a e s t rut u ra do Es t ad o e da s oc ie ­
d ade ” 3 3 4 .
I mpo rt a re c ord ar, n e st e pa ss o , qu e a Cart a d e 198 8, co n s tit u iu -s e n um
s ist e m a a be rt o, re lat iva m e n te a m at e ria lidad e do s d ire it os fu n da me n t a is ( §
2 . o do ar t. 5. o ) , s e n do os dire it o f un d am e n t ais am b ie n t ais , a co lh ido s p or fo ra
d o T ítu lo II d a C art a d e 19 88 e , s ub st a n cia lme n t e , lh e b as t a a “c irc un s t â n cia
d e t e re m , o u n ão , d ec is õe s f un d am e n t ais s o bre a e s t ru t u ra d o E s t ado e d a
s oc ie da de , d e m od o e s pe c ial, p oré m , n o q ue d iz c om a p osiç ão n e s s e s
o cu pad a p ela p es s oa h u m an a ” 3 3 5 – as s e rt iv a qu e a ju st a -s e a t o do o dis c urs o
d es t e e n s aio.
I mpe n d e ain d a, na se a ra d os d ire it os f u n dam e n t ais a m bie n t ais ,
e s pe c ialm e n t e pe n s a n do -s e n a p rot e ç ão d o m ín im o e x is te n c ial, s ua “ e ss e n ­
c ia lida de ” , id e n t ific ar q ue o p rin c ípio de proib içã o da re t ro gra daç ão
s oc ioa mb ie n t al, po r s e r u ma n or ma im plíc it a ao E st a do S oc ioa m bie n t al e
D em o crá t ico de Dire it o, n ã o e s t á su b m e t ido ao de n o m in ado prin c ípio da
re s e rva do po ss ív e l, ta m pou c o ao p rin c íp io da re s e rv a p arlam e n t ar
o rç am e n t ár ia.
C om e fe it o, o prin c ípio de proi b iç ão da re t ro grad aç ão s oc ioa mb ie n t al
in au gu ra o d e sv e lar d e o ut ro prin c ípio , qu e Ju are z Fre it a s já d e n om in o u, e m
o ut ro c on t e x t o : o d a “re s e rva d a re s e rva d o po ss ív e l” 3 3 6 , is t o é , n ã o h á
p oss ibilid ad e , so b p e n a d e n e gar- se a qu alid ad e do E s ta do -s oc ioa m bie n t al,
a le ga r a c ar ê n cia d e re c u rs o s m at e ria is e h u ma n os para c o n cre t iz ar a
v ed aç ão d a de gr ada çã o am b ie n ta l.

333
SARLET, I. W., Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988.
In, www.direitobancario.com.br/artigos/direitoconstitucional/01mar_151.htm; uma versão
ampliada pode ser compulsada na Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de
Atualização Jurídica, v. 1, nº. 1, 200.
Disponível na Internet, in, www.direitopublico.com.br

334
Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do
Advogado, 2001, p. 81; p. 83 da edição de 2003

335
SARLET, I. W., A eficácia..., p. 81, p. 83 da edição de 2003

336
A propósito, vale a advertência de Juarez Freitas, no sentido que “Cumpre, sim, nutrir
reservas à reserva do possível. Neste sentido, não é exagero cobrar, em relação à íntegra
dos direitos fundamentais, o imediato reconhecimento do mínimo nuclear de realização, a
afirmativa é válida igualmente para os direitos sociais” (FREITAS, J., A interpretação..., p.
211)
161

A e v e n t u al de pe n d ê n cia d e dis po n ibilida de de s t e s re cu rs o s, de v e rá s e r


s olv ida por um a ord e m de p riorid ad e n as po lít ica s e co n ôm ic o- fin an c e iras d o
E st ad o.
A re lat iv iza çã o d o p rin cíp io p od e s e da r po r ou t ras c irc u n st a n cia s,
c om o re t ro já re fe rim o s , n u n c a p or o rde m f in an c e i ra . De igu al mo do , o le g is ­
lad or e s t á afe t a do e po s su i co m pe t ê n c ia para e s t ab e le c er o u m od e lar u m a
o rd e m de priorid ad e pa ra at e n d e r as n e c e s s ida de s am b ie n t ais , c on s t it u cio ­
n alm e n t e , m in im am e n t e as s e gu rad as .
S abe m o s qu e e s ta af irm aç ão é fo rt e e po de s e r obj e t o d e po lê mic a,
m as é u m a a firm aç ão qu e e s t á s u po rt ada n a s u bs t an c ialid ad e do “c on t ra t o
p olític o ” qu e e le g e co m o “ fo co c e n tr al” o d ire it o f un d am e n t al à vid a e a
m an u t e n çã o da s ba s e s qu e a s us t e n t am , o qu e s ó s e po de da r n o g oz o de
u m am bie n t e e qu ilibra do e s au dá v el, o n de v ai c on c re t iza r-s e , e m s ua
p le n it u de , a dign id ad e h u ma n a; ad e m ais , um t ipo d e Es t ad o co m e s t a
c arac t e rís t ica , e s t á co m pro me t id o c om o priv i le g iar a e x ist ê n c ia d e u m
“m ín im o e c o ló gic o” , po is t e m a obrig aç ão d e p rot e ç ão da s g e raç õe s
v in d ou ras , po r ó bvio , a af irm aç ão qu e fiz e m os d iz re s pe it o a e ss e n c ialid ad e
p re v ist a n a n o rm a, o qu e s up e rar o “e s s e n cia l” 3 3 7 , v .g. , o alar g am e n t o d as
337
Uma das mais tormentosas tarefas está em conceber o “essencial”, ou desenhar as fron ­
teiras da “essência” dos direitos fundamentais. Assim, como entender o “núcleo essen­
cial” de um direito fundamental, como a vida ou o ambiente por exemplo? De modo sim ­
plista podemos dizer que essência revela o que uma coisa é. Na teoria da lógica dos pre ­
dicados, ou forma de atribuição dos conceitos, costuma-se distinguir o que é comum (a
essência) entre espécies (gênero) e a parte que é própria, privativa da espécie
(diferença específica). Para os gregos, a “essência” era concebida como uma
característica puramente lógica ou ontológica, vale dizer, essência é o que corresponde
nas coisas a sua definição e o que lhes dá sua natureza própria. Contudo, um dos grandes
problemas é que nunca poderemos estar seguros de poder apreender, nem de fato ou em
princípio, a essência de alguma coisa, e menos ainda, de apreende-la íntegra e
adequadamente. Como afirmava o Xavier Zubiri: “ [...] El que lo real tenga esencia, es
una imposición de la realidad profunda misma. Pero el que esta esencia tenga tal o cual
contenido, esto, por verdadera que sea mi intelección profunda, será siempre cuestión
abierta. Cada nota por ser real remite en su realidad física misma a otras, de suerte que
la intelección racional de la esencia es constitutivamente abierta no sólo en cuanto mi
intelección nunca termina, sino en cuanto lo inteligido mismo, esto es, cada nota, remite
en principio a otra. Y jamás sabremos la amplitud de esta remisión . (Cf. ZUBIRI, X.,
Inteligencia y Razón. Madrid: Alianza.IRA, 1983, p.114). Ainda, segundo Aristóteles, a
essência é o correlato real da definição. A essência, para o estagirita, portanto, é algo
real mas suportado desde o logos definidor. A construção da definição (logos), segundo
Aristóteles é a via da natureza (physis). Ademais, em Aristóteles o “primeiramente definível
é a “substância”, não o “acidente”. Só a substância incorpora-se no sujeito último da
definição. Assim, afirma Aristóteles que “uma coisa está clara, e é que a definição em
sentido primordial e absoluto e a essência pertencem às substan cias” (ARISTÓTELES,
Metafísica, 1030b5, in, Obras Completas..., p. 986; especialmente 991). Aristóteles pensa a
“essência”, como especificação ou qüididade (quod quid erat esse), para o estagirita,
todo o inespecífico, todo individual, é não-essencial, portanto, descartado o “acidental”,
ele subsumia o individual no universal, pois, afirmava que do que não é possível o
conhecimento científico diz-se que não possui essencialidade. Atente-se que na filosofia
aristotélica toda “substancialidade” (hypokeimenon) é essência, caracterizada por sua
subjetividade e separabilidade, vale dizer, como subjace aos “acidentes” é separável
deles. A leitura que fazia Zubiri de Aristóteles, não compreendia a “separabilidade”,
assim, uma ontologia de níveis de separabilidade, é substi tuída por uma ontologia
sistêmica, lugar onde não cabe o “separável”, e onde o matiz é holístico-reticular, pois
Zubiri não aceitava a subjetividade da substância, e dizia que do ponto de vista
predicativo “toda realidad, sea cualquiera su índole, puede ser conver tida en sujeto de
162

c on diç õ e s am b ie n ta is p ara t orn á -las m ais a praz íve is fic a de p e n d e n t e d e


m e did as fá t ica s e fin a n ce ira s qu e vã o s e s u bo rdin ar ao s prin c ípios q ue
re pu dia m os , j á co m re s pe it o a s m e d idas n or ma t ivas par a e ss e “ala rga m e n ­
t o” , a qu e las qu e g e rare m c us t o s , re c e be ra m igu al t ra t am e n t o; as s im , cre m o s
e s t e s o s fu n d am e n t os s uf icie n t e s par a a afirm a çã o qu e f ize m o s.
O p rin cíp io de pro ibiç ão d a re t rog rada çã o s oc ioa m bie n t al, c o mo afir ­
m am os , e m b ora re s t rin ja a “ afe t a çã o” d a libe rda de pa rlam e n t ar, p rat ic ad a
n os lim it e s d o “m ín im o”, re m an e s ce n d o- lh e o e x c e d e n t e , n o e n t an t o , ag ora
v ed a-lh e o po de r de d e s co n s t it u iç ão, m e s m o d o e x ce d e n t e , d e s de q ue já
c on s olid ad o.
E m s e d e de dire it o s fu n da me n t a is am bie n t ais , re lat iv am e n t e a e f ic á ­
c ia , ope ra -s e u m a t e n s ão dia lé t ica be m de f in ida e n t re a su a dim e n s ão
o bje t iva e s ub je t iva . O e n sin a m e n t o d e Vie ira de A n d rad e , ve m a ca lh ar
q uan d o a firm a q ue os d ire it os f un d am e n t ais n ã o po de m e n ão de v e m se r
p ers pe c t iva do s tã o-s ó de s d e as p re fe rê n c ias e d e s e jos d os in d ivíd u os , n a
s up os iç ão o u c on c re ç ão d e f ac uld ad e s o u po de r e s d e qu e s ão t it u lare s -
a tribu íd os , s im qu e v ale m ju ri d ic am e n t e , e e s pe c ialm e n t e , d o po n t o de vis t a
d o c o le t ivo, da c om u n id ade e n vo lvid a “n o lu ga r d e e n c o n t ro” , c om o va lore s
o u fin s . 3 3 8
A d e riva çã o va i p e lo e s t abe le c im e n t o de e s pe c iais d e ve re s de
p ro t e çã o a os d ire it os fu n d a m e n t ais , o q ue se obs e rv a, e n t ão , é um re d u cio ­
n is mo e re la t iviz aç ão e n t re o n orm a t iv o co n s t it uc io n al e o in f rac on s t i t uc io n al,
n u m e x e rcíc io de “f re ios e co n t ra p es os ” , o qu e le v a o Es t a do à o briga çã o n a
p ro t e çã o do s d ire it os fu n da m e n t ais at ra vé s d e imp e rat ivo s d e abs t e n ç ão o u
im pos iç ão d e co n du t as .
D es t e mo do , p od e mo s e s t ar c e rt os qu e , a n o rm a prin c ipial da
p ro ibiç ão d a re t rogra da çã o s oc ioa mb ie n t al, in s t it u ido ra de va lor ap re ciá ve l
s obre a v ida so c ial e po lít ic a alc an ç a re gu lar a s re laç õe s d e t od os n e s t e

predicación” (Cf. ZUBIRI, X., Sobre la esencia. Madrid, Alianza Editorial, 1962, p. 86). Em
Hegel e no racionalismo em geral, essência está identificada com seu conceito, vale
dizer, a essência de alguma coisa será o conceito conforme a coisa. Por isso para Hegel a
estrutura da realidade e a estrutura da razão são uma e a mesma coisa, o que leva a
conclusão que a essência das coisas não é mais que uma essência racional; o mesmo é
dizer que o real se funda no racional, e é o racional que possibilita o real. Atente-se que
a essência como conceito, pois, admite variações: entendida como conceito formal,
perfila-se a posição hegeliana, já entendida como conceito objetivo, vislumbra-se a
posição racionalista estrita. Para Hegel, todo o ser da coisa real, enquanto real, lhe está
conferido pela concepção formal da razão: ser consiste em ser concebido. Hegel
afirmava: “o conceito é a verdade do ser e o ser um momento do conceito ”
(Enciclopédia, § 159 – HEGEL, G. W., F., Enciclopedia delle Scienze Filosofiche in
Compendio. Trad. B. Croce. Bari, 1951). Como se pode observar, tomando-se apenas três
autores: Aristóteles, Zubiri e Hegel, não se pode, como fizemos no início desta nota,
pensarmos numa concepção de essência de modo simplista.

338
VIEIRA DE ANDRADE, J. C., Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976., 2.a ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 111-112, 129, 138 e s. 149 e s.
163

“lu gar d e e n c on t ro ”, part ic u lare s e E s t ado , a de m ais de par tic u lare s e n t re


si339.
Qu an t o a in t e rpre t a çã o d os d ire it os f un d am e n t ais a m bie n t ais , e m
e s pe c ia l n a a firm aç ão da pro t e ç ão d o m ín imo e x ist e n c ial e c oló gic o e d o
p rin c ípio d e p roibiç ão da re t ro grad aç ão s o cio am bie n t a l, n a pe rs pe c t iva d e
s ua dim e n s ão o bje t iva , se g uim o s as liç õe s d o e m in e n t e P rof e ss o r e M ag ist ra ­
d o E rn e s t -W o lfga n g B öc ke n f örd e , n o s s e u s E sc rit os s obr e D e re c h o s fu n d a­
m e n t ale s , n o s e n t id o d a n e c e s s idad e – e m c as o de c o n flit os – da ut iliz aç ão
do p rin cíp io da pr opo rc ion alid ad e c om o m e t od olo gia de p on de raç ão .
O co rre qu e n a a plic aç ão d e r ivad a do n orm at iv o am bie n t a l, a t e n dê n c ia, por
v ez e s , é as s imé t ric a, por is s o, se não se a lca n ça uma po n de raç ão ,
d et e rm in ad os c on t e ú do s de d ire it os fu n d am e n t ais e d e riva tiv os , se
h ipe rt ro fiam , u n ilat e ralm e n t e , fr e n te a o ut ro s c on t e ú do s , o u fre n t e a ou t ro s
t it ula re s d e d ire it os fu n d am e n t ais 3 4 0 .
S ó a ss im , c om a ut iliz aç ão da pro porc io n alida de 3 4 1 n a s u a ve rt e n t e d e
a de qu aç ão se e x t rai u m par âm e t ro q ue pe rs e gu e o e qu ilíbrio, a co m pat ibili ­
d ade e a c o ord e n aç ão d as n orm as -p rin cíp ios pe rt in e n t e s 3 4 2 .
Qu an do s e pe n s a e m pro porc io n alida de ( ig ua ldad e d e du as ra zõ e s :
s ac rific ar o m ín im o par a re aliza r o m áx im o do s d ire it os [F re it as ]) n o âm bit o
d os dire it o s fu n da m e n t ais s oc ioa m bie n t ais , e s pe cia lm e n t e e m s e t ra t an d o d a
m an u t e n çã o de u m m ín im o e c oló gic o ( e s se n c ial) , as s om a u m pr in cí p io an t ró ­
p ic o in a rre dá ve l: h á u m fim p rim ord ial d e t od o s e r bioló gic o: a ma n u te n ç ão
d e s u a e sp é cie .

339
Cf. Carlos Vieira de Andrade, op. cit., p. 270 e s; SARLET, I. W., Direitos fundamentais e
direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos
direitos fundamentais, in: A constituição concretizada – Construindo pontes com o público
e o privado, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 107 e s.

340
BÖCKENFÖRDE, E-W., Escritos sobre Derechos fundamentales, Baden-Baden: Nomos Verl.-
Gres, 1993, p. 124 (obra consultada na Biblioteca do Centro de Estudos Sociais, da Facul­
dade de Economia e Ciências Sociais da Universidade de Coimbra, 2003).

341
Atente-se para a lição freiteana que afirma: “O intérprete constitucional deve ser o
guardião, por excelência, de uma visão proporcional dos elementos constitutivos da Lei
Fundamental [destacamos], não entendida a proporcionalidade apenas como
adequação meio/fim. Proporcionalidade [destaque de Freitas] significa, sobremodo, que
se está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo dos direitos” (FREITAS, J.,
A Interpretação..., p. 222).

342
A propósito vale lembrar a afirmação de Carlos Roberto Siqueira Castro, no sentido que a
“proporcionalidade encerra, [...] a orientação deontológica de se buscar o meio mais
idôneo ou a menor restrição possível, a fim de que a lesão de um bem da vida não vá
além do que seja necessário ou, pelo menos, defensável em virtude de outro bem ou de
um objetivo jurídico revestido de idoneidade ou reconhecido como de grau superior.
Trata-se, pois, de postulado nuclear que se converte em fio condutor metodológico da
concretização judicial da norma, à qual, segundo Pierre Muller, ‘devem obedecer tanto
os que exercem quanto os que padecem o poder’” (SIQUEIRA CASTRO , C. R., A Cons­
tituição Aberta e os Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.82).
164

A s sim o am b ie n te c om o “s u je it o d e dire it o ”, o u m ais pre c is am e n t e a


“n at u re z a” c o mo s u je it o de d ire it o in c o rpor a u m a “v on t a de ”: a m an u t e n çã o
d as e sp é cie s , c om a m an u t e n çã o d as c on d içõ e s ( m ín ima s ) biót ic as e abió ­
t ica s qu e lh e co rre s pon d e m ; o g ran de f ilós of o ale m ão A rt h ur S c h ope n h a ue r
( 17 88- 186 0) , t alv e z t e n h a s ido o p rim e iro a t e r e s s a c on c e pç ão . Com e f e it o,
S ch o pe n h au e r qu an d o re fe ria u m a “v on t ad e da n at u re z a”, n ão pe n s a va n o s
in div ídu os at o m izad os , ma s n a e s pé c ie e n qu an t o id é ia me s m o 3 4 3 .
D es d e a pe r sp e ct iv a d a ga ran t ia de u m m ín im o e c oló gic o, a pro por ­
c io n alid ad e ( igu ald ade de d ua s raz õe s ) v ale pa ra t o do s os s e re s bió t ico s e
a bió t ico s , t o do s t ê m d ire it o à v ida e a qu alid ade d e v ida, po is n ó s as
g eraç õ e s pre s e n t e s t e mo s a o brig aç ão é t ic a e o d e ve r ju ríd ico de de ix a r
e s t e m un d o, s e n ão m e lh or d o qu e o e n c o n tr am os , pe lo m e n os , e m co n diç õ e s
m ín ima s p ara a s ã qu alid ade d e v ida d as ge raç õe s qu e n os su c e de re m , co m
o n os s o d e s e jo, in clu s ive , qu e v iva m u m a vid a ma is d ign a qu e a n os s a 3 4 4 .
Por ta n t o, a e me rg ê n cia d e um a é t ic a e co lóg ica e f e t iva s e faz n e c e s ­
s ária; n e ce s s ária p ara c orrig ir o e st ilo de vid a qu e le v am os , co n s tr uíd o
a trav é s d e crit é rio s d e d e s e n vo l v im e n t o pre po n de r an t e m e n t e t e c n oló gic o-

343
Vale a pena transcrever um pouco do que afirmava: “La lucha general en la Naturaleza y
que pertenece a la esencia de la voluntad. Aquella armonía no se extiende más que a lo
indispensable para la existencia duradera del mundo y de sus criaturas, que sin ella
habrían perecido hace mucho tiempo. Por esto se limita a asegurar la conservación de la
especie y de las condiciones generales de existencia y no al de sus individuos” (§ 28, p.
154). "El esfuerzo de la materia puede ser siempre contrarrestado, pero nunca se ve
cumplido y satisfecho. Lo mismo pasa absolutamente con las aspiraciones, en los
fenómenos de la voluntad. Todo fin alcanzado es el punto de partida para un nuevo
esfuerza, y así se continúa indefinidamente. [...] Lo mismo ocurre en la vida de los ani ­
males; su punto culminante es la procreación; conseguido este fin, la vida del individuo
declina más o menos rápidamente, mientras que un nuevo individuo garantiza a la
Naturaleza la conservación de la especie y repite el mismo fenómeno” (§ 28, p. 156). “La
forma de este fenómeno [a vida] la constituyen el tiempo, el tiempo y la causalidad, y por
lo tanto, la individuación, cuya con secuencia es que el individuo deba nacer y morir;
pero a la voluntad de vivir, de la que el individuo no es, por decirlo así, más que un
ejemplar o un caso singular de manifestación, no le afecta la muerte de un ser individual,
como no altera tampoco el conjunto de la Natu raleza. No es el individuo, sino sólo la
especie lo que le importa a la Naturaleza y aquello cuya conservación procura
seriamente, rodeándolo de verdadero lujo de precauciones con la extraordinaria supera­
bundancia de gérmenes y con el poder inmenso del instinto de repro ducción” (§ 54, p. 99-
100). “[...] La Naturaleza está siempre dispuesta a abandonar al in dividuo, que no sólo se
halla en peligro de perecer de mil maneras y por mil causas insignificantes, sino que de
antemano está condenado a la desaparición, y la Naturaleza misma le empuja a ella
desde el instante en que ha cumplido su misión, que es conservar la especie. La
Naturaleza expresa de este modo francamente esa gran verdad de que sólo las Ideas y no
los individuos tienen realidad verdadera, es decir, son la objetivación perfecta de la
voluntad” (§ 54, p. 100). “[...] La Naturaleza, cuya esencia íntima es la voluntad de vivir,
impulsa con todas sus fuerzas al hombre, como al animal, a la reproducción. Y luego,
cuando ha obtenido ya del individuo el resultado que esperaba, se vuel ve indiferente en
absoluto a su destrucción, pues como voluntad de vivir, no se interesa más que por la
conservación de la especie y en modo alguno por el individuo” (§ 60, p.145)
(SCHOPENHAUER, A., El Mundo como Voluntad y Representación, Madrid: Orbis
Hyspamérica, 1985.

344
A propósito, a aguda observação de Juarez Freitas: “O intérprete constitucional precisa
ter clareza de que os direitos fundamentais não devem ser apreendidos separada ou
localizadamente, reconhecendo, além disso, a eficácia direta, no núcleo essencial, dos
direitos de todas as gerações”(FREITAS, J., A Interpretação..., p. 224).
165

in du s t rial; c rit é rios q ue t ê m s id o a c au sa de grav e s de s as t re s pa ra o s e r


h u ma n o e a n at u re za.
A s o lu çã o e s tá em qu e um n ov o dir e ito so c ioam b ie n ta l esteja
f ort e m e n te an c o rad o n e s ta é t ic a e c oló gic a, t e n d o c om o re f e re n t e n u c le ar o
d ev e r e a obrig aç ão de s e rv ir a n ó s m e s mo s , n e st e “lug ar d e e n c on t ro ”,
s e rvin d o, po r c on s e qü ê n c ia, à n a t ure z a, c om u m a m e t o do logia de a çã o
s oc ial e m in e n t e m e n t e pre v e n t iva, pr e se rv at iv a e re s t au ra t iva do m e io e m
q ue v ive m o s, do lu ga r on d e n o s e n c on t ra m os , gu a rdan d o u m p rof un d o e
re ve re n t e re s pe it o a bio div e rs ida de n at u ral e a plu ralida de c ul t u ral qu e s ão
u ma m e s m a e só re alida de , qu e s e abra ça m n u m proc e s s o s im b iót ic o
c om u m, e m m o me n t o s s in c rôn ic o s, de s d e , u m c on j un t o d e fat o s d iac rô n ico s .
U m dire it o d e s t a ord e m e s t á pla sm a do p e la co n qu is ta d a pró pria m a ­
t é ria ( org an iza da ), fru t o d e u m a e vo lu çã o fís ic o-q uím ic a fu n da m e n t al e
c on s t it ut iv a d as le is bio ló gic as – qu e v ale m po r s i m e s m as – e e x ig e m o n o s so
in c on dic io n al re s pe it o.
É po r iss o q ue t od os os s e re s d a c ade ia b iót ic a e a biót ic a, pe lo s im ple s
f ato de e x is t ire m, e x ige m um a v alora çã o m ora l q ue e s t á n a bas e do s d ire it os
q ue lh e s ão vin c u lad os . N ão h á c om o pe n s ar- se e m dire it o s fu n da me n t a is
s oc ioa mb ie n t ais s e m pe n s ar-s e n a s le is bio fís ica s , p or is s o , d e s bo rda- se o
a nt ro poc e n t ris m o d a e co log ia h um an a p ara u m e c o ce n t ris m o d a vida .
C on t ud o, at e n t e -s e q ue , da do a o ac e s so h um a n o à cu lt u ra, se at rib ui
a os se r e s h um an o s u m a re s p on s abilid ad e m aio r qu e aq ue le e ve n t u alm e n t e
a tribu íd a a ou t ro s se re s , c om o e n t orn o , co m o h abit at , c om o n o ss o “lu gar
d e e n c on t ro ”; o m e sm o , s e dá n a s oc ie d ade o rgan iz ad a n os Es t ad os , e
p ró prio Es t ad o, pro m ov e n do e pro t e g e n do os d ire it os a mb ie n t ais , de s de a
g ara n t ia do m ín im o e x is t e n c ial 3 4 5 .
Por últ im o im pe n de afirm a r qu e o in t é rpre t e e m s e de de d ire it os f un d a ­
m e n t ais s o cio am bie n t a is, m aior c au t e la de v e d e m on s t rar n o t ra t o da pr ot e ­
ç ão d o mín im o e x is t e n cia l e c oló gico e d a p roibiç ão d a re t ro grad aç ão s oc io ­
a mb ie n t al, co ad un a n do c o m o pr in cípio da u n ida de da C on s t it u içã o, b us ­
c an do s olu ç õe s plu ra is pe lo prin c ípio d a in t e g raç ão , j á qu e e v e n t ua is
c on t rad içõ e s e n t re prin c ípio s alc an ç am s u pe raç ão pe la po n de ra çã o, qu e s e
re ve la p e la aplic aç ão d o prin c ípio da m áx im a e fe t iv ida de , v ale diz e r,
a tit u de m a x imiz ad ora da e fic ác ia, d e sd e u m a ju s t ific aç ão ad e qu ad a d o
345
Neste sentido cf., CAMPBELL, B., Ecología Humana, Barcelona: Salvat Editores, 1986;
FERRY, L., El nuevo orden ecológico. El árbol, el animal y el hombre. Barcelona: TusQuets
Editores, 1994; KÜNG, H., Proyecto de una Etica Mundial. Madrid: Editorial Trotta, 1991;
LEOPOLD, A., The land ethic, A Sand Country Almanac, New York: Oxford, l969; MARGALEF, R.,
Ecología. 4.a ed. Barcelona: Ediciones Omega, l982; PRIGOGINE , I., La Nueva Alianza,
Metamorfosis de la Ciencia. Madrid, 1983; SINGER, P., Ética Práctica. 2.ª ed. Londres:
Cambridge University Press, 1995
166

c on t e ú do co n s t it uc io n al, as s e n t ada n o prin c ípio d a h a rm on iz aç ão da s n or­


m as c on s t it u cio n ais im plic an t e d a pr oibiç ão do e x c e s so , e af irm at ivo do
p rin c ípio da fo rça n orm a t iva d a C on s t it u içã o, fo rt e n a liçã o d e Jo rge
M iran d a, n o s e n t id o qu e

[...] todas as normas constitucionais têm de ser tomadas como


normas da Constituição actual, da constituição que temos
(conquanto com caráter prospectivo), e não como normas de uma
Constituição futura, cuja execução não vincule, desta ou daquela
maneira, os órgãos de poder e o legislador ordinário 346

C omo co m in s is t ê n c ia te m af irm ado Ju are z F re it as , o u a in t e rpre t aç ão é


[t óp ico ] s ist e m á tic a ou n ão é in t e rpr e ta çã o. N e n h u m a m áx im a s e ria m ais
a de q uad a para o d ire it o s oc i o am bie n t al do qu e a q ue n os re ve la F re it as 3 4 7 .
E co log ia pe n s ad a c o mo s is t e m a, m ais , o d ire it o s o cio am bie n t a l pe n s ado
c om o s is t e m a, re v e lam u m a in c om ple t u d e qu e pre c is a s e r p re e n ch id a,
a trav é s da t om a d a de c o n sc iê n c ia q ue t a n t o o m u n do co m o o s e r h u m an o
v êm co n c e bido s c om o in a c ab ado s e s u rge m c o n fo rma do s n u m gran d e
p ro ce s s o c u jo d e se n v olv im e n to obj e t iva s u a ple n it u de de c re sc im e n t o.
Po r is s o, o h om e m n ã o n a sc e e x e r c e n d o de mo do ple n o a su a
libe rd ade , s im, qu e “ apre e n d e a s e r livr e ”. A o in t e rp re t ar ( t ópic a e s ist e ­
m at ic am e n t e ) o s f at os e as n o rm as , e s t e ja m e s s e s c o n st e la do s n a re ligiã o, n a
e s t é tic a, n a é t ica , n a po lít ica , n o d ire it o, n a e co n o m ia, o u n a c iê n c ia (c o mo
c orpo d e co n h e cim e n t o s s is t e m at iza do s ), ob se rv an d o u m a h ie rarqu ia d e
v alore s , e m cu j o ápic e e st á a “ dign id ad e h u m an a ” 3 4 8 .
Qu an do se in t e rpre t a , n a fo rm u laç ão f re it e an a, o re s ult a do o bt ido co n ­
f orm a um e n u n cia do p e rfo rma t iv o ( dif e re n t e me n t e d o co n s t at at iv o) qu e n ã o
o bje t iva de s c re ve r n e m u m a co is a e x is t e n t e , n e m um a idé ia, o u um d e s e jo ;
p ois, pe la s u a s ó e n un c iaç ão fa z “ vis íve l” o e x is t ir q ue afirm a ( in t e rpre t aç ão
t ópic a) .
O e n u n cia do qu e c on t é m n ão po de , po r is s o, s e r qu a lific ado d e ve rd a ­
d eiro ou f als o ; m as , o f at o qu e , e m s i me s m o , é a re aliza çã o de u m a t o.
A t e n t e -s e q ue – qu an do a De c laraç ão do s D ire it os do H om e m , n o pla n o
in t e rn ac ion a l ou a Co n st it u iç ão n o p lan o n ac ion al –, re v e la u m d e t e r m in ad o
346
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, T. II, 2ª edição, Coimbra: Coimbra
Editora Ltda., , 1988, p. 226
347

FREITAS, J., A interpretação..., p. 62 e s., especialmente 80 e s.

348
Vale lembrar a lição de Freitas: “Na hierarquização dos princípios constitucionais, a
interpretação sistemática opera com o ‘metracritério’ hierárquico axiológico, escalo­
nando normas quando configurada a antinomia ou para evitá-la, sempre devendo fazer
com que os princípios ocupem o lugar de destaque, situando-os, ao mesmo tempo, na
base e no ápice do sistema, isto é, fundamento e cúpula do mesmo ” (FREITAS, J., A
Interpretação..., p. 222).
167

d ire it o , o e s t á e x t rain d o d as re la çõ e s in t e r- h um a n as h a vid as n o e sp aç o


s oc ial e q ue s e in co rpo ra e m u m a idé ia v ige n t e n a ord e m s oc ial.
O s e n u n c iado s lin g üís t ic os qu e e x p re s sa m e s t a idé ia s ã o pe rf orm at iv os
e m s u a in t e n çã o e n os e fe it os qu e prod u ze m . P ort an t o , e m se d e de dire it o
s oc ioa mb ie n t al, e n a e x a t a m e d ida da prot e ç ão da re t ro grad aç ão qu e
g ara n t a o “m ín im o e x is t e n c ial e c oló gic o” , p o de m o s dis t in gu ir – n o âm bit o do
d ire it o in t e rp re t ad o – e n t re o j uríd ic o e o le gal, c o n ce b e n do o p rim e iro co m o
m ais a m plo qu e o s e gu n do , d e sd e o m om e n t o e m q ue o le g al se e n t e n de
c om o o e x plic it am e n t e co dif ica do e o j uríd ic o co m o a n or ma t ivid ade c od ifi ­
c ada m ais os p rin cíp ios e m qu e s e a poia e o s qu e re m e t e a s u a in t e r ­
p re t aç ão , po de n d o- se f alar, ain da , d o ju rídic o re f e rin do -n o s ao s p rin cíp ios
in clu s ive an t e s qu e h aja m d ada lu ga r a r e gras e x pre s s am e n t e f orm u lad as .
A s sim , é c on s is t e n t e f alar d os d ire it os a m bie n t ais c om o algo ju ríd ico ,
a in d a qu e d e t e rm in ado s fa t os s u bja ce n t e s gu a rde m a e st rit a re pre s e n t aç ão
d e “ n ão- le gal” s e n ão alc an ç ara m ain da o re co n h e c im e n t o co n s t it uc ion a l
c om o dir e ito s f u n dam e n t a is. Pod e m os s us t e n t ar qu e e s ta s p e rt in e n te s
m at rize s d e s de a dis t in ç ão qu e e lab ora Dwo rkin e n t re n o rm as , prin c ípios e
re gra s 3 4 9 .
A p rot e ç ão d a m ín im o e x is te n c ial, a ve d aç ão d a de gr ada çã o do
a mbie n t e , ob je t iva m o h o m e m e a m u lh e r, c om o “pe s s oas ” , ma t izad os p e la
s ua “c riaç ão ” e “ libe rda de ” , p ois c on s t it u e m o p rim e iro v alo r da
H um an id ade .
A pe d ago gia da e co n om ia, d o d ire it o, d a po lít ic a e d a c iê n c ia d e ve m
e s t ar a se r viç o de s t e valo r. A c iê n cia d e ve s e rvir a c om pre e n s ã o e n t re o s
h u ma n os e n ã o a s ua d e s t ru içã o.

10. 2 – P r i ncí pi os i us am bi ent ai s es t r ut ur ant es do Es t ado Soci oam bi ent al e


Dem ocr át i co de Di r ei t o

U m E s t ado S oc io am bie n t al e De m oc rát ic o de D ire it o, d e c orre d o p rin ­


c íp io d e u n ida de d e s u a Co n s t i t u iç ão, qu e a lbe rga um E s t ado -A m bie n t al,
f un da do n u m a t ríad e prin c ipi a l 3 5 0 ( Pr in zipie n t ria s) , o u s e p re fe rid o, u m c on j un ­
t o t riá s i co de prin c ípios : prin c ípio d a pre c au ç ão ( V orso rge p rin zip) ; prin c ípio

349
DWORKIN, R., Los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1984, p. 72 e s.

350
Neologismo, adjetivação do substantivo “princípio” com o sufixo “-al”, idicando um co ­
letivo de princípios.
168

[de re s po n s ab ilid ade ] c au s al ( V eru rs ac h e rp rin z ip) 3 5 1 ; prin c ípio d e c oo p era­


ç ão ( Koo pe ra t ion s prin z ip) 3 5 2 .
M ais re ce n t e m e n t e , le c ion a K loe pf e r, ad j un t a-s e ao t riá sic o , o
p rin c ípio de in t e g raç ão ( I nt e g rat ion s prin z ip) 3 5 3 , pod e n d o-s e in fe rir e n t ão, a
e x is t ê n cia de t re t a prin c ípios de ju s t ific aç ão , qu e s om ad os h o lod i m e n ­
s ion alm e n t e c o m o bin ô m io: ga ran t ia de u m m ín im o e x is t e n c ial e c o lóg i co e
p rin c ípio da pro ibiçã o da r e tr ogra da çã o s oc ioa mb ie n t al, a firm am um
c on ju n t o pe n t a prin c ipia l iu s e co lóg ico in dis pe n s áv e is n a c ara ct e riz aç ão d e
u m E st a do S o cio am bie n t a l e De m o crá t ico d e Dire it o .
U m E s t ado S oc io am bie n t al, n a prot e ç ão d o m ín im o e x ist e n c ial e c o ló ­
g ic o ( n ú c le o d u ro d a p e rs pe ct iv a h u m an ís t ic a qu e s e e s t e n d e a t o da a
e x is t ê n cia ) t e m um f ort e c o mp rom is s o c o m o pr in cípio d a pre c au ç ão qu e
a colh e a m áx im a in du bio pro am b ie n te 3 5 4 , s e n do u m do s m ais im po rt an t e s
p rin c ípio s d e pr ot e ç ão am b ie n ta l. A pro x im a-s e e in c lu i o prin c ípio d a ca ut e la
( V orsic h t s prin z ip) c o m o at u aç ão p re ve n t iva f re n t e a p ot e n c iais ris co s d e
c on t am in aç ão do m e io a mb ie n t e 3 5 5 .
S ua orig e m e s tá n o dire it o ale m ão do s an o s s e t e n ta ; am ad ure c e u n o
e n co n t ro d as N a çõ e s U n ida s e m Es t o co lm o e m 1 97 2 3 5 6 , e n o Bra s il f oi
in t rod u zid o pe la Le i 6 .9 38 /8 1; t e n do s ido ac o lh ido n a C on s t i t ui ç ão de 198 8 n o
in cis o I V do art igo 2 25 ; s e n do o bj e to de t ipific aç ão pe n al pe la Le i do s C rim e s
A m bie n t ais ( Le i 9 60 5/ 98 ) n o s e u art igo 5 4, p arág raf o t e rce iro 3 5 7 .
351

Subsistema de responsabilidade de suportar um dever ambiental.

352
Cf. KLOEPFER, M., Umweltrecht…, p. 168 e s, principalmente 173, 185, 189 e s., es pe­
cialmente 193 (Umweltpolitiche Funktion); 198 e s.; também, Grundprinzipien und Instru­
mente des europäischen und deutschen Umweltrechts, p. 4 e s. 6, 8, 11 e s.; artigo
fornecido pelo Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet que estamos traduzindo com a ines timável
ajuda de nossa professora de alemão, Dra. Dra. Ingrid H. Rasenack, a quem mais uma vez
agradecemos.

353
Umweltrecht..., p. 204 e s.; Grundprizipien..., p. 13 e s.

354
Cf. CANOTILHO, J. J. G., Direito Público do Ambiente. Coimbra: Faculdade de Direito de
Coimbra, 1995, p. 40

355
Cf. KLOEPFER, M., Umweltrechts…, p. 179

356
Onde obteve a seguinte definição: “O Princípio da Precaução é a garantia contra os
riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não po dem ser
ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a
existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de
medidas que possam prever este dano.”

357
Como norma de sobredireito, diz o Princípio 15 da Declaração do Rio/92: “De modo a
proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado
pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios
ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como
razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a
degradaçãoambiental.
169

I mpe n d e n ot ar qu e t od a a abo rda ge m c o m as s e n t o n o p rin cíp io da


p re c au ç ão ( V orso rge p rin zip) d e ve p e rs pe c tiv ar o prin c ípio da c au t e la
( V orsic h t s p rin z ip) fre n t e a o p e rigo de d e t e rm in ad os e ve n t o s qu e po de m
g erar d an o s c on s ide rá v eis ou me s m o irre v e rs íve is ao a mb ie n t e ( in d u bio pro
s e cu rit a te ) , e s pe c ialm e n t e f re n t e as in c e rt e za s das m e t o do logia s cie n ­
358
t ífic as .
A o la do e d e rivad o, e s t á o p rin cíp io [d a re s p on s abilid ad e ] c au s al
( V eru rs ac h e rprin z ip) , ou prin c íp io da re s pon s a b iliz aç ão pe la c au s a d o dan o ,
d e c e rt a fo rma é u m a c on s e qü ê n c ia do prin c ípio d a pre c au ç ão e da
p re v e n çã o, t e n d o e m v is t a qu e d e p ou c a valia s e ria m as aç õe s ac au ­
t e lat ór ias , s e aos e ve n t u ais pro vo ca do re s d e ris c os ou da n os ao am b ie n te ,
n ão s e im pu t as s e m o s d e ve re s de re s pon d e r por e s s e s m e s m o ris c os ou
d an os .
E st e p rin cíp io e s t á in t im a me n t e v in c ula do , n u m a dim e n s ão e c on ô mic a,
a o prin c ípio do po luid or- paga do r ( Prin c ípio 16 , D e c la ra çã o R io /9 2) , va le di ­
z er, o prin c ípio q ue im plic a n a im pos iç ão d e c u s t os am b ie n ta is a o pro vo ­
c ado r do s d an os am bie n t a is 3 5 9 .
358
Aqui uma distinção se impõe: (a) princípio da precaução e (b) princípio da prevenção;
em (a) o núclo duro está num risco potencial, já em (b) o que se objetiva é obstaculizar
um risco conhecido através de uma “medida preven tiva” (Verhütungsmassnahme). Ambos
princípios (precaução/prevenção), a toda evidência, são corolários dos princípios de pro­
teção do mínimo existencial ecológico e da vedação da retrogração, pois eles
representam uma garantia na manutenção do status quo ambiental.

359
Aqui é importante registrar que o princípio do poluidor-pagador, apêndiciado a respon­
sabilidade causal, objetiva à internalização dos custos externos da degradação
ambiental, por isso tem uma racionalidade econômica embutida muito importante em po­
lítica ambiental, pois persegue a internalização das externalidades negativas provocadas
pelos processos de poluição ambiental. A propósito, objetivando a correção dessas
externalidades, surgiram teorias de economia ambiental (Cf. KLOEPFER, M., Umweltrecht…,
p. 191 e s.), Em 1960, Ronald Coase) apresenta uma proposta analítica ao tratar do
postulado keynesiano no sentido que as externalidades deve riam ser internalizadas pela
intervenção do Estado, através da imposi ção tributária-fiscal aos agentes causantes, e
benefíciários de dita externalidade. Coase acreditava que a solução das externalidades
não devia se dar pela inter venção do Estado no mercado, ao contrário, deveria provir da
radicalização de soluções exclusivamente mercantis. Sua proposta acabou cunhada por
Stigler (STIGLER, G. J. La Teoría de los Precios. 3.a ed., Madrid: Editorial Revista de Derecho
Privado, 1968, p. 136: Note-se que Stigler não levou em consideração que Coase sempre
teve em conta uma perspectiva mais rica e abrangente da realidade institucional, pois
segundo Coase o mais relevante é a comparação dos acordos institucionais, no mais das
vezes, alternativos e imperfeitos. É por isso que vai dizer: “O custo de exercer um direito –
vale dizer, de utilizar um fator de produção – é sempre a perda que se produz na outra
parte como conseqüência do exercício deste direito, impossibilidade de cruzar um
terreno, de estacionar o automóvel, de usufruir de uma paisagem, de respirar ar puro, de
ter paz ou tranqüilidade [COASE, R. H. La empresa, el mercado y la ley. Madrid: Alianza,
1994, p. 163]), de teorema de Coase que pode ser formulado do seguinte modo: “em um
mercado equilibrado, onde existam condições de competência perfeita, e na ausência
de custos de transação, as parte encontraram uma solução eficiente”. A dedução
conseqüente, no Direito, está centrada em garantir que funcione um modelo de com­
petência perfeita, isto é, deve reduzir a existência de falhas no mercado, como as
externalidades. Coase não fala em “externalidades”, ele denomina “efeitos externos”. O
conceito de externalidade ou efeito externo, revela-se como o benefício ou prejuízo atri­
buído a um agente econômico – seja consumidor ou empresa – como conseqüência do
ato de produção ou consumo de outro. Assim o atingido pela externalidade pode ser um
consumidor ou um produtor e o causador da mesma também, pelo que podemos ter
quatro tipos de externalidades: (a) de produtor a consumidor; (b) de produtor a produtor;
170

E st e s prin c íp io s, ce rt a m e n te , s ão im po rt an t ís s imo s p ara a c on c re ç ão


d o m ín im o e x is t e n c ial e c o lógic o e a v e da çã o d a d e grad aç ão am bie n t a l,
p ois de s de a e fe t iv a re s po n s abiliz aç ão s e apro x im a u m a j us t iç a a mb ie n t al
d as co n diç õe s f át ic as q ue r e cla ma m , n o pla n o p olít ic o e j u rídic o, c orre ç ão
d e in j u st iç as s o cia is – re s ult a n t e de e n c ar gos p ara a s oc ie da de – n ão
in clu íd os n as de c is õe s de pro du çã o ou de c on s u m o po r p art e do s ag e n t e s
c on t am in a n t e s 3 6 0 .

(c) de consumidor a produtor; (d) de consumidor a consumidor. Em (a) figure-se o


exemplo da poluição do ar causada por uma industria, a um grupo de cidadãos num
espaço físico delimitado, prejudicando-lhes a saúde; em (b) imagine-se que a que a
mesma indústria contamina também o ribeirão daquele espaço físico, prejudicando uma
outra industria que utiliza aquele recurso hídrico; em (c) observe-se a volubilidade dos
consumidores (via de regra influenciados pelos meios de comunicação) que obrigam a
industria a alterar seus meios de produção frente a novas exigências desses; em (d) o
exemplo clássico é do fumante que, desrespeitando a regra proibitiva, passa a fumar em
local público, prejudicando a saúde dos demais. Esses efeitos externos podem ser
benéficos, externalidades positivas, ou danosos, caso em que se denominam de exter nali­
dades negativas, as mais habituais neste âmbito], os monopólios e garantir as condições
de liberdade e segurança; vale dizer: reduzir os custos de transação. Quando não é
possível reduzir os custos de transação, e esses tornam-se tão altos que dificultam uma
solução de mercado, cabe ao Direito prover uma solução, contudo, esta deve estar
fundada numa lógica que reproduza, o mais aproximadamente possível, o que fariam dois
sujeitos negociando livremente. Atente-se que como qualquer teorema, algumas
premissas devem ser observadas, são elas: (a) ausência de custos de transação; (b)
direitos de propriedade bem definidos (muitos autores criticam a necessidade de
individualizar um direito); (c) pequeno número de sujeitos. Atendidas essas, o resultado
indicará que sempre se alcança o ótimo (paretiano) independentemente de qual sujeito
seja o titular dos direitos de propriedade. Coase, de um lado, postulava que se devia
entender, externalidades (efeitos externos) como um problema de responsabilidade
unidirecional – já que relativos a uma recíproca questão entre os atores –, dos impactos e
custos relacionados; de outro, propugnava que a eliminação dos custos de transação –
própria da intervenção estatal – se desse entre os sujeitos envolvidos mediante um acordo
negociado entre eles, objetivando a máxima rentabilidade possível. Ocorre que, Coase,
pensava que um acordo negociado no mercado pelas partes envolvidas, em igualdade
de condições e sem custos insti tucionais, vale dizer, tributos de qualquer es pécie, tem
como conseqüência um incremento da eficiência, resultando em maior rentabilidade
total. Para tanto, acreditava ser necessário que o sistema legal atribuísse claramente os
direitos de propriedade (atente-se que se deve traduzir o inglês property rights em um
contexto amplo, com o significado mais abrangente que simplesmente direitos de
propriedade, isto é, direitos de apropriação, no sentido da “ pertença” que se atribui; o
exemplo clássico, de que falam os autores, está no sentido que, quando uma empresa
está autorizada a pôr seus dejetos em determinado lugar, v.g., um rio, não é a mesma
proprietária do rio, contudo, tem um “ direito de apropriação”, sobre aquele espaço para
dispor seus dejetos) de forma tal que, todo o titular que possa afetar ou ser afetado pelas
atividades econômicas, seja efetivamente um proprietário claramente definido. Só deste
modo, o sistema de preços do mercado tem condições de indicar com precisão e
eficientemente quem são os agentes e quais são os interesse (custos e benefícios) que
devem ser estimados. Contudo, o que Coase propunha, é que todos os efeitos externos
podem ser internalizados eficientemente e otimamente para o produto líquido total,
através do estabelecimento de direitos de propriedade (direitos de apropriação) e a
negociação dos atores, neste cenário do mercado – via um sistema de preços – em
competência equilibrada, perfeita e sem custos de transação. O mais importante é
sabermos que Coase estava consciente de que toda a atribuição de direitos é essencial
para a eficiência dos sistemas econômicos sempre que os custos de transação são
elevados, e por isso mesmo, não titubeava em afirmar e apoiar as reordenações judiciais
desses, de modo a permitir uma melhora no valor global da produção. Uma crítica
simplificada que se pode fazer, está em que d evemos entender que a simples substituição
de um modelo de causalidade por um de reciprocidade, per se revela-se insubsistente,
pois quando dita substituição é realizada, na verdade o que se faz é alterar a causa
eficiente para uma teleológica. Note-se, que não se encontram nos direitos e nas
liberdades, a causa determinante da natureza da responsabilidade, mas, nos resultados
finais de um objetivo teleológico, último, no dizer de Coase, “a maximização da
171

R ela t ivam e n t e a o p rin cíp io d e c oo pe raç ão ( Koo pe ra t ion s prin z ip) , e a o


p rin c ípio de in t e g raç ão ( I n t e grat io n s prin zip ) , am bos , po r ó bvio , e st ã o e m
c on s on ân c ia c om a m an u t e n çã o de u m m ín im o e x is t e n cia l e c o lógic o e c om
a ve d aç ão d a de gr ada çã o am bie n t a l.
O prin c ípio de c o ope ra çã o e s t á co n fo rm ad o po r d ois im pe ra t ivo s: a
re s pon s ab ilida de e a d is t ribu içã o do s d e ve re s e n t re o Es t ad o e a s oc ie da de ,
e n t e n did os e s te s c om o u m a co m un h ã o pe rc e pt iv a do s e n c argo s q ue a
c on s e rva çã o e m a n u te n ç ão d o a mb ie n t e e x ige m 3 6 1 ; e s t á, t am b é m, s u po rt ­
a do p e lo pr in cípio d a pa rt icip aç ão de m oc rá tic a qu e e n vo lve a t od os , po is
f ort e na id é ia qu e os grav e s pr oble m as am bie n t a is t ê m de qu e s e r e n fre n ­
t ad os e n tr e o E s t ad o e a s o cie d ad e c o n ju n t am e n t e , at ra vé s do s d ive rs os
g ru po s e at o re s s oc iais , gara n t ido -lh e s n ã o ape n a s a p art ic ipaç ão n a s
d ec is õe s , m as , t am bé m e e s pe c ia l m e n t e , a po ss ib ilidad e d e fo rm ula r e
e x e cu t ar po lít ic as a m bie n t ais (m a t riz do s o cio am bie n t a lism o ) .
O prin c ípio da co op e raç ão – fu n d ad o n a part ic ipa çã o t o do s aqu e le s
re lac ion a do s n o “ lug ar de e n co n t ro” – e x i g e para a s u a c on c re t iza çã o do

produção”. O que se vê, então, é a comutação da responsa bilidade pela finalidade, ou


por outra, a causalidade pela teleologia produtivista. O valor “maximização da
produção” é um valor heterônimo ao valor ético, e podemos dizer, imanente à lógica da
produção, pois “maximizar” por “maximizar” se converte num performativo que induz a
conclusão que afirma: a legitimação da ação se concretiza na efetividade da ação
mesma. Ora, isto nos leva a concluir que deverá prevalecer toda a ação (que não é
senão um direito de propriedade em exercício) ou a articulação de ações (negociação)
que induza como resultado um tautológico “melhor resultado”, desde o critério da
maximização. A conseqüência mais imediata, é que esta causalidade teleológica reduz
todo o direito ao direito de propriedade, de outra parte, reduz toda a liberdade à
liberdade de mercado (quando Coase exemplifica com o caso que, frente a um fábrica
poluente, os vizinhos se mudem de lugar, deixando seus terrenos para a fábrica, tendo em
conta os custos mais baratos, para a fábrica, na transladação e alocação desses vizinhos
para outro espaço urbano, do que o de mover a fábrica, está empregando um princípio
de causalidade teleológica produtivista com fundamento numa ética performativa. O que
Coase não leva em consideração são os motivos dos vizinhos, valores que sua tese
despreza como: significações valorativas culturais, étnicas, urbanísticas, afetos, etc... O
argumento de que esses motivos se podem traduzir em expressão monetária não
convence. Por óbvio, se convertidos eles vão formar parte dos fatores de produção final;
mas, indaga-se: se pode expressar tudo através de um preço?). O que Coase refuta é a
tese pigouniana, muito cara aos economistas do bem-estar, entre a tensão dialética:
custos privados e custos sociais. São estes últimos, segundo Pigou, os que justificam a
intervenção reguladora do Estado no mercado. Finalmente, uma crítica importante está
em que, para que efetivamente tenha resultado a negociação entre os atores, é neces­
sário que o procedimento da negociação entre eles não tenha custos associados. Por­
tanto, o sistema só implica aplicabilidade quando o número de atores (agentes) envol­
vidos no cenários negocial é reduzido, e na medida direta da nulidade ou residualidade
dos custos de transação. Assim, toda teoria econômica em direito ambiental precisa ser
lida com cautela, pois o princípio de responsabilidade causal de que deriva o princípio
do poluidor-pagador, representa como diz Ramón Martin Mateo, um sólido fundamento
para a política e o direito ambiental e sua concretização está na eliminação das
motivações econômicas da contaminação ambiental, desde uma perspectiva de uma
ética distributiva (MARTIN MATEO, R., Manual de derecho ambiental. Madrid: Trivium, 1995,
p. 55). Especialmente porque como nos ensina Kloepfer, o princípio [da responsabilidade]
causal (Verursacherprinzip) deve ser entendido como princípio de responsabilidade
(Verantwortungsprinzip) efetiva (Cf. KLOEPFER, Grundprinzipien..., p. 9).

360
Cf. CANOTILHO, J. J. G., Direito público..., p. 43

361
Cf. KLOEPFER, M., Umweltrecht…, p. 198 e s.
172

c on s e n s o do s d ive rs o s E s ta do s e or gan iz aç õe s in t e rn ac ion ais , pois a


a mbiê n c ia do s s e re s e d as co is as n ão o be de c e a fro n t e iras n orm at iv as ,
e s pac iais ou t e mp ora is 3 6 2 / 3 6 3 .
D e ou t ra pa rt e , o pr in cípio de in t e graç ão ( I nt e g rat ion s prin z ip) re ve la -
se n u ma m at riz de e q uilíb rio e n t re m e io s ad e qu ado s de polít ic as de
c re sc im e n t o e c o n ôm ic o e s o cia l e d ire t rize s iu sa m bie n t ais pa ra a co n s e r ­
v açã o do a m bie n t e , c om o ob je t iv o de de s e n v olv im e n t o in t e grad o, co e re n t e
e s u s t e n t áve l.
D es t e prin c íp io, n u ma pe rs pe c t iva h olís t ic a, s ão co n s t it uíd os c rit é rio s
d e de c is ão q ue n ão po d e m s e r de o rde m e st rit a m e n te e c on ô m ica , be m
c om o n ão p od e m s e r de or de m e x clu s iv am e n t e a mb ie n t alis t a, a pos t a n do
p ela in t e gra çã o da s d ive rs as po lít ic as co m o obj e t ivo d e u m a ju s t a co m po ­
s içã o d os v ário s in t e re ss e s e n v ol v id os n a qu e s t ão am b ie n t al ( e x ig ê n cia s oc io­
a mbie n t alis t a ).
E st e p rin cíp io e n f oc a a pro t e çã o a m b ie n t al c o mo u m t od o, n ão s e
im pon d o c ort e s e n t re c o n ta m in aç ão d as á gu as , s o los ou e mis s õ e s po lu e n te s
n a a t mo s fe ra ; d e o ut ro m od o, e s t a in t e g raç ão in c orpo ra du as d ime n s õ e s ,
u ma e x t e rn a, c on f orm ad a na ju ris diç ão in t e rn a cio n al, e o ut ra in t e rn a,
re lat iv a ao lim it e d a ju ris diç ão n ac ion al 3 6 4 ; n o p lan o in t e rn o , de le d e co rre o
p rin c ípio de u n id ade de g e st ã o e a çã o, po is a re s p on s abilid ad e pe la p olí t ica
a mbie n t al e s ist e m a tiz aç ão am bie n t a l do t e rrit ór io f ica in t e grad a m e n t e
d is t ribu íd a e n t e o s a ge n t e s pú blic o s e priv ado s e n c arr e g ad os do plan e ja ­
m e n t o e co n ôm ic o e s oc ial in t e grad os n a po lític a am b ie n ta l.
O prin c ípio da in t e graç ão ro mp e a d ic ot om ia pú blic o/ priv ado ( c on d i ­
ç ão de c on s t it u iç ão d o s oc ioa mb ie n t alis m o) , re a firm a a d ign id ade da p e s­
s oa h u m an a, pois im plic a ao s in d ivídu o s m aio r in t e rv e n çã o n as de c is õe s do
E st ad o, e s pe c ia lm e n t e à qu e las re lac ion a das c om a qu alida de de vid a,
m in imiz an d o as in ju s t iça s e in t e n t a n do pr om ov e r um a s u bs t an c ial igu ald ade
n o s e io da s o c ie d ad e .

362
A respeito observe-se que o art. 174º, nº 4, do Tratado CE, dispõe que, no domínio do
meio ambiente, a Comunidade e os Estados-membros cooperarão, no âmbito das res pec­
tivas atribuições, com os países terceiros e as organizações internacionais competentes.

363
No direito interno brasileiro, vale lembrar a Lei 9985, de 2000 que regulamenta o artigo
225, § 1º, incisos I, II, III E VII, da Constituição de 1988, e institui o sistema nacional de
unidade de conservação da natureza (SNUC, que está formado pelo conjunto das uni ­
dades de conservação federais, estaduais e municipais).

364
Cf. KLOEPFER, M., Grundprinzipien..., p. 13-14; Umweltrecht…, p. 204 e s.
173

10. 3 A em er gênci a do Es t ado Soci oam bi ent al e Dem ocr át i co de Di r ei t o

O qu e re alm e n t e in t e re s s a, n u m a a n ális e c rít ica do E st a do e do D ire it o,


n u ma p e rs pe ct iv a s oc ioa mb ie n t alis t a, é o e s t u do d as fo rm as in f orm a tiv as e
c om u n ic at ivas , s u bja ce n t e s n u m a t e o ria da lin gu age m s o fis t ic ada . É c o m
H an s -G e org Ga dam e r, e m s e u V e rdad e e M é t od o qu e le mo s :

“A linguagem [...] é a primeira interpretação global do mundo


e por isso não se pode substituir com nada. Para todo pensamento
crítico de nível filosófico, o mundo é sempre interpretado pela
linguagem”365.

A s sim , po de m o s diz e r, e co m m aio r raz ão e m t e oria cr ític a, q ue o s


c on c e it os fic am c o n ce b ido s c om o v ariáv e is d e pe n d en t e s de s e u e n t o rn o;
a colh id os e f e c un d ad os pe la s co n t in u ada s prát ic as d is c urs iv as . Is t o é m uit o
im port a n t e n u m ava liaç ão crít ic a, po is c ada at o in t e rpre t at iv o c o n st it u i u m a
m e diaç ão lin g üís t ic a; log o, os s u c e s so s e as o bra s do pas s ad o s e f az e m pre ­
s e n t e s me d ian t e a in t e rpre t aç ão lin gü ís t ica , e s e ( re ) co n s t rói o m u n do h u ma ­
n o da n do -lh e n ov a sig n ific aç ão .
D e ve m os re s ign if ic ar o Es t ad o de D ire it o? – E st e t ipo d e Es t ad o qu e
v in c u la n o s t e x to s c on s t it u cio n ais o s dire it o s fu n da me n t a is ( h e ran ç a d o libe ­
ralis m o) c om o s d ire it os e c on ô mic o s, s oc iais e c u lt ura is e am b ie n ta is .
É e s t e o obj e t ivo d o Es t a do n e o libe ral?
O u, s e u o bje t ivo é re d u zir o âm bit o de at u aç ão d o Es t a do , lim i t a n do -s e
a o m ín imo s u as fu n ç õe s , e s e po s s íve l re d u zin d o a s fu n çõ e s de de f es a e x te r ­
n a e d e s e gu ran ç a in te r n a, e du c aç ão, s aú d e e in fr a-e s t ru t ura , at ivid ad e s
e s t as a s e re m e n t re gu e s a in ic iat iv a priva da pa ra o livr e f air-play de um
m e rca do e x c lu s ivo ?
E s t a po lít ica ( n e olib e ral 3 6 6 ) n a prá tic a e st á pro vo c an d o o e s c le ro s a­
m e n t o n orm at iv o do Es t ad o de D ire it o, e e s t á in du z in do m ú lt iplas fo rm as d e
t ran s g re s s ão, ou fu ga d a co e rç ão e s t at al.
F re n t e a dif ic uld ad e de a t ua r n o m arc o d as le is e s t at ais , e d it ada s n a

365
Gadamer, H-G., Verdad y Método, vol. II, Salamanca: Sígueme, 1994, p. 83

366
As origens do neoliberalismo podem ser encontradas na teoria econômica liberal do
século XIX, que propugnava por uma limitação das atividades do Estado em sede
econômica. Estava no conhecido laissez faire, laissez passer e se fundamenta na certeza
de que os seres humanos atuam de modo preferencial em seu próprio interesse e em que
existem leis naturais que criam a harmonia através de “mão invisível” do mercado (Adam
Smith, 1723-1790). A idéia se funda em que se aos indivíduos permite-se perseguir seus
interesses (produzindo, comprando ou vendendo), todos se beneficiarão dos resultados.
As leis da oferta e da demanda assegurarão os melhores resultados e o melhor uso do
capital e da mão de obra.
174

c on fo rm ida de co m o s a rgu m e n t os e p ropo s t as d a po lít ica n e o libe ral, os


c ole t ivo s s o cia is e as pe s s oas , in divid u al m e n t e , s e c o loc am à ma rge m das
n orm a s, co m t o da s as de r ivaç õe s da i r e su lt an t e s , m e rc ad o in fo rm al, e vas ão
t ribu t ária, p irat aria de t o do s os t ip os , ch e g an do in c lu siv e a c ria çã o d e fo rç as
p riv ada s d e p rot e ç ão , dif ic ilme n t e c on t ro láve is pe las fo rç as e s t a ta is .
A s sim , v ive m os im e rs o s e m um “E s t ad o d e t ran s gre s s ão ”, e c o mo é
c om u m diz e r, n a s e s qu e rda s ma is rad ica is, a rdilo s am e n t e arqu it e t ad o pe los
c ult o re s d o d e n om in ad o C on se n s o d e W as h in gt on .
C on t ud o, ca be um a ad ve rt ê n c ia. Co m o d is cu rs o ac im a n ão p re t e n de ­
m os , p or ób vio, af as t ar o prin c ípio d a s ub s idiarie d ad e , on d e o E s t ad o de v e
p ro ve r a s n e ce s s ida de s d os c ida dã os e o rgan iz ar o qu e a s de m ais c o mu n i ­
d ade s n ão s ão c ap az e s d e s at is f aze r 3 6 7 .
N ão s imp lifiqu e m os . Pre f e rim os o dis c u rs o f re it e an o, q ue c o m a h a bi­
t ua l e c e rt e ira po n t aria ac e rt a o alv o qu an d o e s c re ve :

Imperativo que o aparato estatal dedique as suas melhores


atenções às atividades primordiais em face do art. 174 da Lei Funda ­
mental, pois ali se diz que o Estado, como agente normativo e regu ­
lador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor pú­
blico e indicativo para o setor privado Aqui, desponta, com nitidez, o
vetor da subsidiariedade , o qual não deve engendrar equívocos, da ­
do que se revela incontestável, para além de querelas teóricas, o
paradoxal fenômeno de um Estado em demasia em determinadas
áreas e de carência em outros setores, razão pela qual todo cuidado
é pouco para evitar a ablação das especificidades estatais na pro ­
moção do desenvolvimento sustentável, como pretendem os adeptos
da privatização selvagem ou os que crêem que o mercado é capaz
de regular a si próprio. Afinal, sistema regulatório forte e democrá ­
tico é condição obrigatória para a intervenção redutora das assime­
trias negativas e promotora de cooperativa ambiência desenvolvi­
mentista. Repita-se: não se trata de Estado máximo contraposto a
Estado mínimo, senão que de lutar pela prossecução do Estado
essencialmente capaz de promover a eficácia dos direitos funda­
mentais, vertical e horizontalmente considerados368.

É d e sd e a e fe t ivid ad e d e s t e p rin cíp io, q ue v isu aliz am o s a c ris e d o


E st ad o, po is a c ris e e st á n a re la çã o ( d e fo rm ada a t ua lm e n te ) e n t re o pú blic o
e o priva do . N e m u m Es t ad o e m de m as ia, m as t a mp ou c o in s uf icie n t e , um a
“de m o cr ac ia so c ioam bie n t a l, po rt an t o , n ão d e ve alb e rgar “u m Es t ad o m áx i­
m o c on t ra po st o a u m E s t ado m ín im o” , pois , s oc or re n do -n os a in da de Ju a re z

367
Mas convenhamos, definir a sociedade civil, neste contexto, como terceiro setor entre o
Estado e o Mercado é, simplesmente, uma sobrestimação equívoca. Certamente, seria
mais fácil, na realidade, falar de um “rato” como terceiro ator, entre o “tigre” do mer ­
cado empresarial e o “rinoceronte” estatal (cf. BROSWIMMER F., Ecocide. A Short History
of the Mass Extinction of Species. London: Pluto Press, 2002, p. 278)

368
FREITAS, J., Parcerias público-privadas (PPPS): características, regulação e princípios.
Artigo em MS-WORD, cedido pelo autor no Mestrado em Direito, PUC-RS, 2005
175

F re it a s, é d e ve r d o Es t ad o, para n ó s d e um Es t a do S o cio am bie n t al e De m o ­


c rát ico de Dire it o ,

[...[ promover, com ênfase, o princípio da intervenção


essencial(369), nem mínima, nem máxima, ou seja, a intervenção que
se exige do Estado cumpridor de suas indeclináveis tarefas contem­
porâneas há de ser proporcional370.

Pre c is am os d e s co brir, s u bjac e n t e n e s t a r e laç ão, o m e t ap olít ic o, v ale


d iz e r, a re la çã o e n t re p od e r ( p ot e s t as ) e au t o ridad e ( a uc to rit as ) . N o pod e r
e s t á a co aç ão , n a au t o rida de a ad e s ão. A in s t it u cio n aliz aç ão d o po de r po lí ­
t ico c on f e re a a ut o rida de , m as e s t a n ão de pe n d e t ot a lme n t e da in st it u ­
c io n aliz aç ão . A au t orid ad e e x ige t am bé m c e rt o dire it o .
O s is t e m a po lític o d e m oc rát ic o at u al já n ã o m ais r e co n h e ce qu e a
a ut orid ad e re s id e n o pov o ( n a m u lt it ud o, sp in oz ian a) . O po vo a de le ga p ara
a qu e le s qu e p are c e m c apa ze s de e x e rc e -la. P e lo fa to de t ras pa ss á -la 3 7 1 , s e
lh e s e n t re g a a ca pac ida de ou co m pe t ê n c ia do po de r ( p ot e s t as , s ive
p ote n t ia ) .
A dif ic uld ad e co n s is t e , h o je e m d ia, e m fa ze r co m qu e e s t e pro ce s s o
s e ja r e ve rs íve l, u m a v e z q ue s e d e s co briu qu e o po de r e sc ap a a au t orid ad e
d o p ov o, p os t o qu e s e t ra n sf e re , c on t in u am e n t e , a um s ist e m a t e c n oc rát ic o
q ue t e m s e libe ra do , in v aria ve lm e n t e , de t o da de pe n d ê n c ia c om re la çã o a s
m as s as , co m o a os po lít ico s , ist o é a ss im , po is as m as s as c o mo o s polít ic os , d e
re gra de s c on h e c e m o apar at o d e u m “E st a do t e cn o c rát ic o” , p or d e m ais
c om plic ad o e d e m as iad o dif í cil.
Por is s o, a qu e s tã o po lít ica p or e x ce lê n c ia, re s ide , co n cre t a me n t e , n a
d ia lé t ica a ut o rida de -p od e r 3 7 2 . Pan ikka r n os dá a pis t a pa ra de c ifra r e s t a
d ia lé t ica , diz e n do :

[...] o poder é a força do logos, da racionalidade, o peso dos


fatos que a razão nos fez reconhecer como tal. A autoridade é a
força do mythos, do que se aceita, do que se crê, o peso do ideal
que se nos apresenta como tal. A sabedoria consiste em saber har ­
monizá-los. A política participa desta sabedoria373.

369
Cf. nota 327, sobre nosso entendimento quanto ao que é essencial, a essência.

370
FREITAS, J., op. cit., loc. cit.

371
Cf. nota 12 retro.

372
Cf. Panikkar, R., El espíritu de la política – Homo politicus. Barcelona: Península, 1999, p.
120 – O autor, na dialética “autoridade-poder”, vai definir democracia, como a arte de
gerir o poder por parte da autoridade, afirmando que se a prática desta arte não
consegue alcançar o seu fim, resulta na degeneração do político em força bruta.
373

Panikkar, R., El espíritu..., cit., 1999, p. 121


176

Pre c is am os pois re c up e rar o p olít ic o e a p olít ic a. U m p olític o (a dj e tiv o)


q ue s e ja a e x pre s s ão d a t ran s f e rê n cia do s div e rs os c on a t us in d ivid ua is , c o mo
le m os e m S pin o za , on d e a pe rs is tê n c ia e a pe rs u as ão s irv am , d e f at o , par a
d ar c on t a d as c at e go rias d ram át ic as d a e x is t ê n c ia h u m an a ; e um a p olític a
( s ub st a n t ivo) qu e re s pon d a e fic az m e n t e a s pre t e n s õ e s le gít im as da s c ida dã s
e c idad ão s ge rad as e e n c ap s ula das n u m c irc uit o de re aç ão cu lt u ral e n t re
n e ce s s id ade s e be n s , pro m ov e n do a c on c iliaç ão e n t re ra zõ e s e de s e j os .
U m E s t ado S oc io am bie n t al, u m a e c oc id a d an ia apo de ra da, e u m o bje ­
t ivo e c oló gic o – on d e o e co lógic o s e ja a pro pri a do co m o or gan iz aç ão d a
c as a e d a e co n om ia re lac ion ad os ao s o cia l e ao b ió tic o -a bió t ico – , po de ,
c om c e rt e za, p rod uz ir u m a “d e m oc rac ia e c o lógic a” , pois a o d ar-s e v oz e
v ot o à n at u re za ( / c ult u ra) 3 7 4 tra n s fo rma m -s e t o da s as de lib e raç õe s h um a n as ,
p ois a d e mo c rac ia re pr e se n t a t iva s e c o n ve rt e e s s e n c ialm e n t e n a e x p re ss ã o
d e s e u pr e dic ad o: os s e re s h u m an o s re -pre s e n t am ( t o rn am -s e d e n ov o p re ­
s e n t e s) os de m a is s e re s (b iót ic os e a bió tic o s) e m to da s a s s u as fu n çõ e s e at i ­
v id ad e s.
C on t ud o, um a “d e m oc rac ia e c oló gic a n ão po de s e r alc an ç ada s e m
u ma de m o cra cia de bas e e u m a d e m oc rac ia e co n ôm ic a 3 7 5 ; ade m a is de u m a
d em o cra cia par tic ipa t iva, o n de a par tic ipa çã o s e j a m ais qu e c o mp ro m e t i­
m e n t o, p ois é f az e r s ab e r, é co m part ir, é t e r pa rt e e m . .. , é pa rt icip ar pe lo
s e n t ime n t o ou p e n sa m e n t o ( d o g oz o, do pra n t o, do s e r, do n ão -s e r o u do
s e rá. .. ) n um pro je t o c om u m 3 7 6 .
N e s t a d iss e rt a çã o bu s c am os d is co rre r, de s d e u m a pe rs pe c t iva c ult u ra­
lis t a – qu e n ão c in d e a re la çã o s ub st a n t iva n at u re z a/ cu lt u ra –, s ob re u m a
rac ion a lida de e c oló gic a, qu e e n t e n d e mo s c om o co n diç ão c on s t it ut iv a d a
g ara n t ia de e fe t iv aç ão d e u m mín im o e x is t e n c ial e co lóg ico , in d is pe n s áve l
p ara a c o n cre t iz aç ão m at e ria l d o prin c ípio da d ign ida de da p e ss o a h um a n a .
A m e s ma rac io n alida de in d i c a a n e ce s s ida de d e ve d ar- se a d e gra d aç ão
a mbie n t al, fa ze n d o-s e firm e o prin c ípio d e p roib içã o da re t ro gra d aç ão
a mbie n t al. A s s im , dign id ad e h u ma n a, m ín im o e x is t e n c ial e c oló g ico e
p ro ibiç ão d a re t rogra da çã o am bie n t al s ão , po t e n cia lm e n t e , os pilar e s s ob re
o s qu ais se as s e n t a o E s t ado So c ioam bie n t a l e De m o cr át ico de Dire it o .
U m Es t ad o d e st e m at iz , e s t á pro fu n da me n t e c om pro m e t ido c om u m
c on ju n t o de p rin cíp ios , os m ais im por ta n t e s , c re mo s ter bre v e m e n t e

374
Cf. pp. 22 e ss., 33 e ss., 87 e ss.

375
Cf., BROSWIMMER F., Ecocide. A Short History of the Mass Extinction of Species. London:
Pluto Press, 2002, p. 178

376
Cf. p. 89 retro.
177

a pre s e n t a do re t ro: o prin c ípio da pre c au çã o; o prin c ípio de re s p on s abili­


d ade pe la c au s a, o p rin cíp io de c oo pe raç ão e o p rin cíp io da in t e gr aç ão.
E st e s prin c íp io s s ão , e m ve rd ade , fu n da n t e s d e q ua lqu e r d is cu rs o
s oc ioa mb ie n t alis t a. Co n t u do , t od os e le s , po r p art ic ipare m de u m a rac ion a ­
lida de e co lóg ica , d e v em s e r c u ida do sa m e n te o bs e rva do s e m se u s limit e s de
e fe t iv aç ão.
A s sim , a at ribu iç ão d e d ign id ade n ão se d á ape n as ao s e r in d ividu a l,
m as t am bé m a o in d ivid ua l qu e s e c ole t iv iza 3 7 7 e vai ma is alé m d o h u m an o ,
p ois e m pre s t a dig n ida de a t od o bió tic o e ab iót ic o.
A g aran t ia d a e x is t ê n cia d e u m m ín imo e co lógic o s ign if ica p rop orc io­
n alid ade n a d ist rib uiç ão do s be n s da v ida , “ju s t a m e did a” qu e at in ge a t o ­
d os o s s e re s biót ic o s e abió t ico s , n o pr e se n t e e para f ut u ro 3 7 8 .
A pro ibiç ão da re t rog rada çã o a m bie n t al t a mb é m t e m co m prom is s os
c om a p os t e rid ad e , e e st á a n co rad o n as in t e ra ç õe s e n t re o s e c os s is t e m as e
“u n ive rs o s de re f e rê n cia ” s o cia is e in di v id u ais ; co n t ud o, c om o já afir ma m os ,
a dvirt a- se qu e t od a a pe rm a n ê n c ia é grav os a qu an do t rav e s t ida de im o bilis ­
m o, va l e diz e r, qu an d o re p ud ia n o va s co n qu is t as , ape ga n do -s e ao pas s ad o,
o u f i x an d o-s e a o p re s e n t e n ão de ix a e s paç o p ara a in o vaç ão c riat iva . Por
is so , n ão s e po de im o biliza r o prog re s so e , at é m e s m o, o re gre s s o, qu a n do e s ­
t e s e im p õe , c om a razã o d o prin c ípio de pr oibiç ão da re t ro grad aç ão s oc io ­
am bie n t a l. Há c on d iç õe s e sp e cia is qu e e x ige m um “vo lt ar at rá s” , u m re t o rn o
a s it u aç õe s p as s ad as ( grav os a s ou n ão ) qu e s ão n e c e ss á rias pa ra a e x ist ê n ­
c ia . D e o ut ro mo do , h á m o me n t o s e m qu e re t roc e de r é um a c on q uis t a 3 7 9 .
A p re ca u çã o, c o mo e x pre s s a o é t imo , c au tu m , de v e s e r e n t e n did a co ­
m o c au t e la, c au t e la n o pe rc u rs o q ue v ai d a “ razã o” à “ paix ão ” 3 8 0 . É o pe r ­
c urs o d o s ábio ao h o me m c om u m, qu e n o s f ala S pin o za , e qu e f avo re c e a
a mbo s . De u m la do , a rac ion a lida de do s á bio, qu e d is t in gu e o p e rigo e
a fron t a o m e d o d a in c e rt e za par a alc an ç ar um o bje t iv o p os it ivo ; de o u t ro, o
h om e m c om u m qu e s ob re s sa lt a-s e c om o pe rig o e c o n fro n ta -s e c om o m e do ,
d ele a rt icu la n do de f e sa s , v e ze s s e m f im ima gin at iv as e pa s sio n ais . Co n t ud o,
a mbo s vão c oin c idir s e us c on at u s in div idu ais n a p ote n t ia s oc ial, at ra vé s d a
m e diaç ão de u ma p ote s t a s e s t at a l c on s e q üe n t e . Figu re -s e os be n e fíc io s d a
t e cn o log ia de n o m in ad a DN A re co m bin an t e , graç as a e s t a té c n ic a pro du ziu -

377
Cf., p. 108, retro.

378
Cf., p. 162 e ss., retro.

379
Cf., p. 106, 124 e ss., 142 e ss., 150 e ss., retro.

380
Cf. p. 167 e ss., retro.
178

s e e m larga e s ca la o in t e rfe ro n re c om bin a n t e 3 8 1 , t ão út il n o t rat a me n t o d as


h e pat it e s , d o c ân c e r e o ut ra s e n f e rm idad e s .
A re s po n sa bilid ade pe la c au s a, d e ce rt a fo rm a d e riva çã o d o p rin cíp io
d a p re ca uç ão e d a pre ve n ç ão , p rov oc a a co m pe n s aç ão p e los dan o s g e ra ­
d os n o a m bie n t e im p on d o as co n s e qü e n te s re pa raç õe s , p e cu n iária s o u
n ão 3 8 2 .
C oope ra çã o e in t e graç ão , vão fo rm at ar um a ve rd ad e ira “j us t iç a a m ­
b ie n t al” ; ade m a is, t o do s in t e gram a gara n t ia d o “m ín im o e x is t e n cia l e co ló ­
g ic o” , e por iss o m e s mo , e s t ão co n fo rm ado s à v e da çã o d a d e gra d açã o
a mbie n t al. O p rim e iro c om p art e re s po n s abilid ade s e de v e re s e n t re o E s t ad o
e a s o cie d ad e ; o s e gu n d o, n u m a pe rs pe c t iva h olo dim e n s io n al, co n fro n t a a
d ic ot o m ia pú blic o/ priv ado , re a firm a a dig n i d ade h u ma n a, p ois imp lica a os
in div ídu os m a ior in t e r v e n çã o n a s de c is õe s d o E s t ad o, e s pe c ia l m e n t e àqu e la s
re lac ion a da s co m a qu a lidad e d e vid a, m in imiz an d o a s in ju s t iça s e in t e n t an ­
d o p rom o ve r u ma s u bs t an c ial igu ald ad e n o s e io d a s oc ie da de 3 8 3 .

381
Produzido através de proteínas humanas em bactérias escravas, a Escherichia coli
.
382
Cf. p. 168, retro.

383
Cf. p. 170 e s., retro.
179

C O N C L USÃ O
I may be wrong and you may be right, and by an effort, we may
get nearer to the truth.384
Karl R. Popper
The Open Society and its Enemies

A go ra, é c h e gad o o m om e n t o d e e x p or n os s o c on at u s ne s t e dis c u rs o


m on o gráf ico e a pre s e n t ar a s prop os iç õe s qu e e n t e n d e m os in c orp orad as n a
“rac io n alida de e c oló gica ” qu e pe n s a um a d e m oc rac ia s oc ioa mb ie n t al n um
E st ad o d e D ire it o. Um dire it o qu e be m co m pre e n did o – af irma va Ju ar e z
F re it a s e m su a D iss e rt a çã o de M e s t rad o – d e ve “bu s c ar o pru de n t e , o raz oá ­
v el, te n d o- se e m vis t a qu e s e u s ju ízo s n ão sã o ap od íct ic os ou do gm át ico s ” 3 8 5 .
O dire it o d o a mb ie n t e pru de n t e e razo áv e l, ist o é , o d ire it o só c io-
a mbie n t al, qu e s ó e x is t e n o s oc ial é um do m ín io de re gu la çã o do e n t o rn o; de
re gu laç ão e de e ma n c ip aç ão d os s e re s h u m an os , qu e re la cio n ad os , ali
e s t abe le c e m co n viv ê n cia ; co n viv ê n cia qu e n ão e x i g e , n e c e s s ariam e n t e ,
c on t ig uida de . O b je t o pe c u liar do d ire it o d o am bie n t e é a s in gu larid ad e d os
b en s ju ríd ico s t u te la do s , p úb lico s , n a m aio r pa rt e da s ve ze s , m as s u rgid o d o
c on at u s so cia l; e le s e c on s t it u iu d e s de u ma t e n s ão e sp e cif i c am e n t e h um a n a
e c o n t radit ó ria: de u m lad o a c obiç a e s t im ula da p e la me rc a d iz aç ão d a n a ­
t ur e za (n u m s e n t ido c re m at ís t i c o e x plíc it o) , f un d ad a n u m a id é ia d e de s e n ­
v olvim e n t o n ão imp ort an d o o c u s to , t ípic a d o in div idu alis m o libe ra l; d e o u t ro ,
o a va n ço c iviliza cio n al f u n d ado no p rim ado d os in t e re s s e s e x is t e n cia is
h u ma n os , a t ua is e fu t u ros , q ue re c lam am pro t e çã o.
U m E s t ado S oc io am bie n t al e De m oc rát ic o de D ire it o a lbe rga a p rod u ­
ç ão n or ma t iva qu e pro mo ve u m e qu ilíbr io da re la çã o n at u ral/ c ult u ral, ga ­
ran t in d o a ss im , as c on d iç õe s d e in t e grid ade e re n ov aç ão do s s ist e m as n a t u ­
rais ; t u d o is so se c on c re t iza n u m jog o c uj o o t ru n fo é pro m ov e r u m am bie n t e
e qu ilibrad o e s us t e n t áv e l ( já qu e a d e gra daç ão am bie n t a l po de c on d u zir a
im pos s ibilid ad e d e s o bre v ivê n c ia da h u m an id ade ) pa ra as a t ua is e fu t u ras
g eraç õ e s. A s sim :
A - Pe rs is t imo s c om a ce rt e z a q ue s o m e n t e a d e m oc rat iz aç ão da e co ­
n om ia, liv ran d o-a do im pé rio do c re m at o s, pro m ov e n do a
re c up e raç ão do po lít i c o e do s oc ial, c om o in s t rum e n t o s de re a pro ­
p riaç ão d a p ote n t ia de le ga da ao Es t ad o, sã o c apaz e s d e re s olv e r a
c rise s oc ial e am bie n t a l e m qu e n o s e n c o n tr am os . E ´ qu e o di re it o
n ão po de t u do . Ex is t e m o ut ro s m e ca n ism o s de a da pt aç ão e c orri ­
g en d a das re laç õe s in t e r-h u m an as qu e de v em pre po n d era r n o
384
“Eu posso estar errado e você pode ter razão, e esforçando-nos, podemos pôr-nos mais
próximos à verdade.”

385
FREITAS, J., A substancial inconstitucionalidade da lei injusta. Rio de Janeiro: Vozes, e
Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989, p. 30
180

b ala n ço e n tr e n e c e s s id ad es e b e n s .

B - Pe rs is t imo s n a c e rt e z a qu e o s d ire it os de pa rt icipa çã o e de de li b e­


raç ão p olít ic as sã o c om u n s a t o do s, do s in d ivíd uo s , t om a do s is ola da ­
m e n t e , e das e m pre s as , t o do s c om u n ga do s c om o c on at u s so cia l.

C - Pe rs is t imo s n a c e rt e z a qu e t o da s as s oc ie da de s t e rão d e a s su m ir as
in va rian t e s in t ran s ige n t e s d a c apa cid ad e de re s ist ê n c ia d o plan e t a,
p ois h á lim it e s e c oló gic os par a o cre s c im e n t o.

D - C omp art im os c om Gidd e n s , qu e os Es t ad os de v e m bu s c ar um a


t e oria d a s oc ie da de qu e s e j a um a s o cie d ad e glo ba lizad ora ( n ã o h á
lim it e s ge og ráf ic os p ara a c on t am in a çã o) , on d e o s me rc ad os s ã o
m uit o im p ort a n te s , ma s p od e m c on c iliar-s e c om a co e s ão s o c ial e
c om u m alt o gra u d e j us t iça s o cio a mbie n t al pro po rcio n al, as s im
c om o c om um a c om u n ida de c os m op olit a e abe rt a .

Por pe r sis t irm o s n e s s as idé ias , for mu lam o s a s s e gu in t e s t e s e s :

( 1) U m a rac ion a lidad e e co lógic a, co m o a c on c e be m os , ma n ife s t a qu e


t a n to o m un d o “biót ic o ” c om o o “ abió t ico ”, am bo s e s e m dis t in ç ão ,
t ê m o “d ire it o” d e p e rma n e ce r ( c on a t us ) n a fa ce do plan e t a.

( 2) U m a ra cio n alid ade e co lógic a, c om o a c o n ce b e mo s , ado t a u m a


p e rsp e ct iv a c os m o cê n t ric a, po is re c on h e c e a im a n ê n cia do s prin c í­
p ios se g un d o o s qu ais s ão c on d u zid as n o s s as r e laç õe s co m o m u n do
b iót ic o e a bió tic o , n os qu ais n os in s e rim os .

( 3) U m a ra cio n alid ade e co lógic a n ão pod e c on v ive r c om a e x c lus ão


s o cia l e c om a dis c rim in aç ão d e qu a lqu e r t ipo .

( 4) U m a ra cio n alid ade e co lógic a co n ce b e a d e m oc rat iz aç ão da s in st i­


t u iç õe s po lít ica s be m c om o a e f iciê n c ia d as e s t ru t u ras de de lib e ra­
ç ão e d e cis ão lo ca is, re g ion ais e glob ais , se m p re qu e s e ja as s e g u­
ra d o u m ac e s so e qü ita t ivo à s t e c n olo gias am bie n t ais s e gu ras e s e u s
b e n e fíc ios para t o da s as s oc ie da de s .

( 5) U m a rac ion a lidad e e co lógic a t e m um e fe t iv o co m pro mis s o c om a


d in âm ic a s oc io am bie n t al, ap os t a p e la m e lh o ria d a qu alid ad e de vi ­
d a da h u m an id ad e , pro m ove n d o a pro t e ç ão, co n s e rva çã o e
p re se r v açã o d o a m bie n t e c on c ilian d o-o c om o de s e n v olv i m e n t o
s o cia l.

( 6) D e s de a pe rs pe c t iva d e u m a rac ion a lida de e co lóg ica c o n se q üe n ­


t e , pod e m os pe n s ar u m E st a do S o cio am bie n t a l e De m o c rát ic o d e
D ire it o q ue in co rpo ra o co n h e c ime n t o e c oló g ico , avo ca re s po n sa ­
b ilidad e s a mb ie n t ais , e pro vo ca a c on s c iê n c ia de qu e s ã o
c om p art ida s re s pon s a bilida de p e ss o ais e s o cia is a t od os in ­
d is t in ta m e n t e .

( 7) U m E st a do S o cio am bie n t al d e D e m oc rát ic o de Dir e ito de ve e s f or­


ç ar-s e ao m áx im o pa ra a e lim in aç ão d a pob re za , c au s a e fi c ie n t e
d e gra ve s tr an s fo rm aç õe s am bie n t ais .
( 8) Pa ra is s o, im pe n d e um c on c e rt o in t e rn ac ion a l e n t re E st a do s , in ve r ­
t e n d o os flu x o s fin a n ce ir os e o s re c u rs os e co n ôm ic os e n t re o N ort e e
181

o S u l, v ale diz e r, o e s t ab e le cim e n t o d e u m a e qü it at i v a dis t ribu iç ão


d as riqu e za s d o plan e t a .

( 9) Pe n s a r u m Es t ad o S oc ioa m bie n t al, n o s c o n du z a pe n s ar u m d ire it o


a mb ie n t al co m o u m pro du t o c u lt ura l, d e st in a do a e s t a b e le ce r u m
p roc e dim e n t o de p rot e ç ão e c orrig e n da do s de fe i t o s de a da p­
t a çã o do s e r h u m an o ao h abit at , n um a re la çã o in clu s iva d e
c on d iç õe s bió t ica s e abió t ic as , pois in c or pora u ma de m o cr ac ia
s o cio am bie n t al.

( 10 ) U m a d e mo c rac ia s o cio am bie n t al te m s u po rt e n u m s ist e m a ju rídi c o


q ue at rib ui à N at u re z a a co n diç ão d e su je it o de dire it o p ois e la
in c or pora u ma “v on t ad e ”: a ma n ut e n ç ão da s e s pé cie s , c om a pre ­
s e rv aç ão d as c o n diç õe s ( m ín im as ) b iót ic as e a biót ic as qu e lh e c or ­
re s po n de .

( 11 ) E n ão h á fa lar-s e da im po s s ibilida de da a t ribu içã o à n at u re za d e


d e ve re s , p ois os de v e re s s ão at ribu ído s a n ó s o s h u m an o s , de v e re s
b ás ico s qu e d e ve m os a ss u m ir c om re s pe it o à n at u re za, c on s is t e n t e s
e m re c on s t ru ir a a çã o h u ma n a re s pon s á ve l, re n u n c ian d o a qu alq ue r
f orm a de a çã o d e s t rut iv a, e t rab alh an d o n a c on s t ru ç ão e re pro d u­
ç ão a m bie n t al.

( 12) U m E s t ado So c ioam b ie n ta l e D e mo c rát ic o de Dire it o , e s t á e n c aps u ­


la do e m u ma Co n s tit u iç ão s ist e m á tic a e dirig e n t e cu jo s s u b s ist e m as
a lbe rgam a a lo poie s e n e c e ss á ria para a s u a c on c re t iza çã o n os e s ­
p aç os q ue re gu la , n e s t e p arad igm a, a re le vân c ia re s ide n o s c h am a ­
d os in t e re s s e s o u dire it o s co le t ivo s e dif us o s , c o mo o s dire it o s am ­
b ie n t ais .

( 13) A c ar ac te r íst ic a p rim ord ial d o E s t ado S oc io a mbie n t al e De m o crá t ic o


d e D ire it o, é a in s t it u c io n aliz aç ão d as vias de c om u n i c aç ão p úb lic o­
/ priv ad a at rav é s d as q ua is a s c ida dãs e os cid ad ãos , de fa to , p ar ­
t ic ipam d as d e c is õ e s qu e irão lh e s af e t ar, e s pe c ialm e n t e a qu e las
re la t ivas ao m ín im o e x is t e n c ial e co lóg ico e a v e daç ão da d e gra d a­
ç ão a m b ie n t al.

( 14 ) A s s u m in d o u m vié s proc e d im e n t al, a C on s t it uiç ão do E s t ado So c io ­


a mb ie n t al e D e m oc rát ic o de Dir e ito , p od e s e r e n t e n d id a co m o u m
in s t ru m e n t o q ue c o n f orm a as c on d içõ e s para o e st a be le c im e n t o d e
u m a h e t e ron o m ia da v on t ad e pop ula r n a t o m ada d e de c is õe s pú ­
b lica s, e s pe cia lm e n t e c om re laç ão a os pro ble m as am bie n t ais .

( 15 ) N o p arad igm a d o Es t ad o S oc ioa m bie n t al de Dire it o , a d e fe s a a m­


b ie n ta l n ã o s e e s g ot a n a fo rm alid ade le ga lis ta e po s it i v is ta d o o rde ­
n a me n t o ju ríd ico , t al c irc un s t ân c ia apo n t a pa ra lim it a çã o n a re s o­
lu ç ão do s pro ble m as e c on f lit os ge ra do s n o â m bit o s o cio - e c on ô m i­
c o- am b ie n t al, se j a n o n íve l in s t it uc io n al do p od e r j ud i c iário , o u n o
n í v e l da le gis laç ão po s itiv a e s t at a l, port a n t o, flu i a e m e rgê n c ia de
u m n o vo se n t id o de c ida da n ia qu e c om pa rt a u m a d e m oc rac ia s o ­
c ioa mb ie n t al e e c on ô m ica , fu n d ad a e m dire it o s e de v e re s c on c re ­
t o s , n a par tic ipa çã o re a l e c on s c ie n t e do s in div ídu os s in g ula re s e
p lura is , e m e rg in do as s im , u m a e c o c id ad an ia re s pon s áv e l e m as s e gu ­
ra r as c on d içõ e s qu e po s s ibilit e m afir ma r qu e u m m ín im o e x is t e n c ial
e c oló g ic o de v e s e r u m m áx im o d e co n c re tiz aç ão d os dir e ito s f u n da­
m e n t ais .
( 16 ) Pe n s a r-s e u m Es t ad o de D ire it o q ue n ão ad m it a fra tu ra n a s u bs t an ­
182

t iv a re la çã o n a tu re z a e c u lt u ra, n os le v a a pe n s ar u m a d e m oc rac ia
s o cio am bie n t al d e sd e um a e c oc id ada n ia re s pon s á v el, qu e e x ib e m-
s e c om o u m a “po rt a a be rt a” pa ra a re gu la çã o e g aran t ia da s
c on q uis t a s so c iais ( ob tid as n a s lut a s pe los d ire it os h u m an o s ) ; e n f im ,
u m a a firm aç ão c on s c ie n t e da s up re m a c ia do prin c ípio d a d ign ida de
h u m an a , in d u zin d o a co n c re t iz açã o d e u m dire it o fu n d am e n t al à
s e gu ra n ça e c oló gica qu e e s t e E st a do de A mb ie n t e de v e pro du zir
p ara as pre s e n t e s e f ut u ras ge ra çõ e s .

( 17 ) U m a d e mo c rac ia s o cio am bie n t al n ão é co m pat ív e l co m o a s prát ic as


f un d am e n t alis t as d os m e rc ad os ; po rt an t o , d e ve p rivile gia r as p olí t i­
c as s o cio am bie n t ais q ue obj e t ive m in t e rn aliz ar o s c us t o s so c io a m­
b ie n ta is e do s u s o s d os re cu rs os n at u rais e so c iais .

( 18 ) U m E s t ado So c ioam b ie n ta l e D e mo c rát ic o de Dire it o , s om e n t e s e rá


b e m su c e did o s e , e s o me n t e se , re s t ab e le ce r os c on t ro le s n ac ion a is
e re gio n ais so bre o c apit a l f in an c e iro glo bal.

( 19 ) T al p od e rá s e r a lca n ça do co m a r e orga n iza çã o d a po lít ic a m on e ­


t á ria pa ra a fro n t ar a re alid ade de u m a o fe rt a m on e t ária glo bal a fim
d e a lca n ça r um a m aio r e st a bilida de e abrir c am in h o pa ra um m aio r
c re s c ime n t o .

( 20 ) T am bé m , c om a mo de r aç ão n o f lux o d e be n s , e s e rviç os , im po n d o-
se t a x as ad u an e iras ( a in da qu e t e m porá rias ) pa ra re t ific ar o s
d é fic e s c om e rc iais , imp e dir a fle x ib ilizaç ão d o m e rc ad o d e t rab alh o
n o s p aís e s e m de s e n vo lvim e n t o ; ad e m ais , e s t abe le c e r um s is t e m a
f is ca l pr og re ss iv o.

( 21 ) I n t e n t am os u m d isc u rs o s ob re u m a ra c ion a lida de e co lóg ica q ue


p e n sa u m Es t ad o S o cio am bie n t a l e De m o c rát ic o de D ire it o, c uj o
n ú c le o d u ro re s id a n a dig n idad e h u m an a q ue se co n cr e tiz a n a ga ­
ra n t ia de u m m ín im o e x is t e n c ial e c oló gic o, q ue s e prolo n ga n o t e m ­
p o, pe la proib içã o d a re t ro g rada çã o a m bie n t al, at in gin d o as ge ra ­
ç õe s v in do u ras , e qu e t e m de le var e m co n s ide ra çã o qu e , pre s e n t e ­
m e n t e , j á n ão e x is t e m m a is o s im pe ra t iv os c at e gó ric os , n ã o m ais
p od e mo s p e n sa r e m e vid ê n c ia s a pod íc ti c as . É t ic a, p olít ic a, e c o­
n o m ia e d ire it o s e c o n fu n d em o u s e ide n t if i c am , p ois o s valo re s qu e
e x p re ss a m, m o rais , s oc io-e c o n ôm ic os e j urí d ic os e s t ã o im bri c ad os
s e m a pos s ib ilidad e de e s ta be le c e re m -s e s u as fro n t e iras .

( 22) F in alm e n t e , o d is cu rs o co n t ido n e s t a d is se rt a çã o in t e rp re t a a di m e n ­


s ão c on s t it u t iva so c ioam bie n t a l da vid a h u m an a , d e s de a pe rs p e ct i­
v a de u ma É t ic a e d e u m a rac io n alida de c on c re t as e re a is , n ão
e x t e rio re s a n o s s as v ida s, t am po uc o e s t ab e le cid as a p riori, de s de
e la s, s e in s t ru i a co n s t it uiç ão d os m od os in s t it u cio n ais e n ã o in s t it u ­
c ion a is de o r g an iz aç ão e re pro d u çã o s o cia l e do s s e re s h u ma n os
n ã o is o lad ame n t e , m as e m c o mu n h ão c om o bió t ico e ab iót ic o d o
p lan e t a. Da í a n e c e s s idad e u rge n t e d e s at is faz e r a s n e ce s s i d ad e s
s o cio am bie n t a is m e dia n t e p ropo rc ion al re pa rt içã o do s b e n s , re fu t a ­
ç ão da s div is õe s s oc iais , s e x u ais , é t n ica s e , e s pe c ialm e n t e , ge o grá f i­
c as , b e m c om o a v e da ç ão da d e gra daç ão do a mb ie n t e , e a
n e g aç ão do s fu n da me n t a lism o s de m e rc ad o e t e cn o lóg ico , tu d o
p ara c on f orm ar u m d iálo go d e mo c rát ic o on d e o prin c ípio re it or s e ja
a a firm aç ão d a igu ald ad e s u bs t an c ial e n t re to do s r e un id os n o
e n c on t ro ne s t e “lu gar d e e n c on t ro ”, on d e s o m os o “e n c on t ro ”.
183

REF EREN C I A S BI BL I O G RÁ F I C A S 3 8 6 .

1 A BEL HA RO DRI G UES, M . , e ou t ros , D ire it o P roc e s su a l A m bie n t a l B ras ile iro.
B e lo Ho rizo n t e : De l R e y, 19 96

2 A L C HO URRÓ N C ., e BUL YG I N , E. , S o bre la e x ist ê n c ia d e la s n o rma s j uríd ic as .


V ale n c ia (V e n e zu e la) : Un ive r sid ad e d e Cara bob o, 1 97 9

3 A L EXY, R ., T eo ría de lo s d e re ch o s f u n dam e n t ale s . Tra d. d e Ern e s t o Ga rzó n


V aldé s . Ma drid : C e n tr o de Es t u dio s P olít ic os y Co n s t itu c ion a le s , 3. a re im p. ,
2 00 2

4 A N DRA DE N ERY, R. M ., e o ut ro s , D ire it o Pro ce s s u al A m bie n t al Bra sile iro . B e lo


H oriz on t e : D e l Re y , 1 996

5 A N T UN ES. , P. d e B . , D ire it o A m bie n t a l . 3 .a R io d e Ja n e iro: Lu me n Ju ris , 1 999

6 A RI ST Ó T EL ES , E tic a N ic o ma qu e a, O br as Co m ple t as , t rad . V V. A A ., 2 . a e d.


M a drid : A gu ilar, 19 67

7 _____. F ís ic a, in , O br as C omp le t as , t rad. V V.A A . , 2. a e d. M ad rid: A gu ilar,


1 96 7

8 _____. Po e t ic a, in , O bras Co m ple t as , t rad . V V.A A . , 2 . a ed . M a drid : A gu ilar,


1 96 7

9 _____. M e ta fís ic a, in , O bras C om ple t a s, t ra d. VV. A A . , 2. a ed. M ad rid:


A g uila r, 19 67

1 0Á VI L A , H. B. , T eo ria d os P rin cíp ios – d a d e fin iç ão à a plic aç ão do s


p rin c ípio s ju ríd ico s . 3 . a ed . S ão Pau lo: M alh e iro s E dit o re s, 20 03

1 1Á VI L A C O I M BRA , J. d e , O o u t ro lad o do m e io a m bie n t e . 2. a ed . C am pin as :


M ille n iu m E d ito ra, 20 02

1 2A YRES DE BRI T T O , C. , T eo ria da C on s t it u içã o. Rio d e Jan e iro : F ore n s e , 2 00 3

1 3BA C O N , F. , N ov a A t lân t ida . T rad . Jo sé L. Re is de A n dr ade . Co l. O s


Pe n s a do re s 1 . a Ed . S ão Pa ulo : A b ril C ult u ral, 19 73

1 4BA PT I ST A M A C HA DO , J., I n t rod u çã o ao D ire it o e ao d isc u rs o le git im ad or ,


C oim bra : Liv raria A lm e d in a, 1 99 9

15 BA RC EL L O S, A . P. d e , A E fic ác ia Ju rídic a do s Pr in cípio s C on s t it u cio n ais . R io


d e J an e iro : R e n ova r, 2 002

16 BA RRO W , J. D . , e T RI PL ER, F. J. , T h e an t h rop ic c os m olo gic al prin c iple , N e w


Yo rk: Ox f ord Un iv e rsit y Pre s s , 19 86

386
Algumas das referências bibliográficas formam parte de nosso fichário pessoal elaborado
durante o período que permanecemos na Universidade Pablo de Olavide de Sevilha, na
Universidade de Granada, na Complutense de Madrid, na Universidade Carlos III de
Madrid, na Universidade de Barcelona em Barcelona, nos anos de 2001 e 2002 e 2004, mais
ainda, no Centro de Estudos Sociais da Universi dade de Coimbra, onde permanecemos no
primeiro semestre de 2003, outras são de livros de acervo próprio.
184

1 7BA T A L HA , N ov a in t rod uç ão ao d ire it o, Rio d e Jan e iro : E dit o ra Fo re n s e , 20 00

1 8BEC K, U ., T h e ris k S o cie t y . Lon d on : S ag e , 199 2; u t liza mo s a v e rs ão


e s pa n h ola , La s oc ie da d de l rie s go . B arc e lon a : Paíd os , 199 8

1 9BI RN BA C HER, D. , S in d wir fü r die N at u r V e ran t wo rt lich ? , in , BI RN B A CHE R , D. ,


( o rg) Ö kolo gie un d Et h ik, St u t t gar t: Re c lam , 198 3

2 0BO A S, F. , R ac e , La n gu age an d Cu lt ure . Ch ic ag o: F re e Pre s s , 19 82

2 1BO DI N , J. , M e t h od us a d f ac ile m h is t oriar um c og n it ion e m , A m s t e rda m:


A a ale n Sc ie t ia, ( 165 0) 1 967 (e d iç ão f ac -s ímile )

2 2_____. Los S e is lib ros de la re pú blic a. S e le çã o, e s t u do pre lim in ar e


t ra du ç ão d e Pe d ro B rav o Gala . 2. a ed . M a drid : T e cn o s , 19 92

2 3BÖ C KEN F Ö RDE, E -W . , E sc rit os s o bre D e re ch o s fu n d am e n t ale s , B ade n -


B ad e n : N om o s Ve r l.-G re s, 19 93

2 4BO ÉT I E, É. de L a, Le s d is co u rs d e la s e rv it ud e vo lon t aire . Paris : Pay ot , 1 99 3

2 5BO N A VI DES, P. , C urs o de Dire it o C on s t it uc io n al . 8 .a ed. S ão P au lo:


M a lh e iros Ed it ore s , 1 99 9

26 BRO SW I M M ER F . , E c oc ide . A S h o rt His t ory o f t h e M a ss E x t in c tio n o f S pe c ie s .


Lo n do n : Plu t o Pr e ss , 200 2

2 7BUBER, M , E u e T u , , t ra d. N e wt on Z u be n , S ão P au lo: Cort e z & M ora is , 19 77

2 8C A M PBEL L , B ., E c olo gía Hu m an a, Barc e lo n a: S alv at Ed it ore s , 198 6

2 9C A N A RI S, C- W ., Pe n s a me n t o S is t e má t ico e C on c e it o d e S is t e ma n a
C iê n cia d o Dire it o . T rad . e I n t r. d e A . M e n e ze s Cor de iro . 3. a ed . Lis b oa:
F u n daç ão Calo us t e Gu lbe n kia n , 20 02

3 0C A N O T I L HO , J. J. G. , Pro ce d im e n to ad m in is t rat ivo e d e fe s a d o am bie n t e ,


in , R LJ – R e v ist a de L e gis laç ão e Ju ris pru dê n c ia, F ac uld ad e de Dire it o da
U n ive rs id ade d e C oim bra , n . o 37 94 /3 79 9

3 1_____. D ire it o P úb lico d o A m bie n t e . Coim b ra: F ac u ldad e de Dire it o d e


C oim bra , 19 95

3 2_____. D ire it o C on s t it u cio n al e T e o ria d a Co n s t it uiç ão . 2ª E d. Co im bra:


A lm e d in a, 1 .9 98

3 3C A PEL L A , J. R A M O N , S obre a e x t in ç ão do dire it o e a s up re ss ã o d os j uris t a s .


T rad . M . L . Gu e rre iro . Co im bra: Ce n t e lh a Pro mo ç ão d o Livro , 1 977

3 4C A PRA , F. , A t e ia da v ida , S ão P au lo: Cu lt rix , 19 96

3 5C A SA L T A N A BA I S, J., O D e ve r F u n da me n t a l de P aga r Im po s t os . C oimb ra:


A lm e d in a, 1 99 8.

3 6C A ST I L L A DEL PI N O , C. , T eo ría de lo s S e n t im ie n t os , B arc e lon a: Tu s qu e t s


E dit o re s , 20 00
185

3 7C hauí , M . S pin os a , u ma f ilos o fia d a libe rda de . Sã o Pau lo : E dit o ra M od e rn a,


1 99 5

3 8_____. A n e r vu ra d o r e al. I ma n ê n cia e Libe rd ad e e m S pin os a , Vol. 1


I m an ê n c ia, Sã o Pau lo : Co m pan h ia d as Le t ras , 1 99 9

3 9C O A SE, R. H. La e m p re sa , e l m e rca do y la le y. M ad rid: A lia n za , 19 94

4 0_____. T he pro ble m of s o cia l c os t . Jou rn al o f law an d e c on o m ics , I-4 4,


o u tu br o de 19 60 , Un iv . o f Ch ic ago P re s s

4 1D’ Á VI L A L O PES, A . M . , O s D ire it os F un d am e n t ais c om o Lim it e s ao Po de r d e


Le g is lar . Port o A le g re : S e rgio A n t o n io Fa bris , 2 .0 01

4 2DERA N I , C. , M e io am bie n t e e c olo gic am e n t e e q uilib rad o: d ire it o fu n d a ­


m e n t al e prin c ípio da at ivid ad e e co n ôm ic a, in , PU RV IN D E F I GUE IR E DO , G. J. ,
( o rg. ) T em a s de d ire it o a m bie n t al e u rba n ís t ico . S ã o Pa u lo: M ax Lim o n ad ,
1 99 8

4 3DEL EUZE, G., e G UA T T A RI , F. , A n t i-O e d ipu s : Ca pit alis m a n d S ch iz op h re n i a,


N e w Yo rk, ( 1 972 ) 1 97 7

4 4_____. La im age n t ie m po . B ue n os A ire s : Pa idó s , 19 85

4 5DERA N I , C. , M e io am bie n t e e c olo gic am e n t e e q uilib rad o: d ire it o


f un d am e n t al e prin c ípio d a at ivid ad e e c on ô m ica , in , P UR VI N D E
F IGU EI RE DO , G. J. , ( o rg. ) T e m as de dire it o a m bie n t al e u rba n ís t ico . S ão Pa u lo:
M ax Lim on a d, 1 99 8

E.,
4 6DUSSEL , É t ica d a Libe rt a çã o . Trad. E. F. Alves e outros. Petrópolis: Editora Vozes, 2000

4 7DW O RKI N , R. , La w’s E m pire , Cam brid ge , Ma s s. : B e lkn ap Pr e ss , 198 6.

4 8EL L UL , J. , H is t ória de las I n st it u c ion e s d e la A n t igü e d ad . Tra d. e N o t as , F.


T om a s y V alie n t e . M a drid : A gu ilar, 19 70

4 9EN G EL S, F ., L ud wig F e u e rbac h e o fim d a f ilos o fia clá ss ic a a le m ã, in ,


M A R X , K., E N GE LS , F . T ex t o s Filo s óf ico s . L isb oa : E dit o rial P re s e n ça , B iblio te c a
d e C iê n cia s H um a n as , s / d.

5 0_____. E l A n t i-D üh rin g – I n tr o d uc ció n al e st u d io de l s oc ialis m o . 4 ª e d.


B ue n o s A ir e s: Ed it oria l C larid ad, 19 72

5 1ESC O BA R, A ., e PEDRO SA , A . ( e dit o re s ) Pa cíf ic o ¿De s arr ollo o d ive rs i d ad ?


E s t ado , ca pit al y m o vim ie n t os s o cia le s e n e l Pac ífic o co lom b ian o . S an t af é
d e B og ot á: Ce re c -E co fo n do , 19 96

5 2ESPÍ N DO L A , R. S. , C on c e it o de Prin c ípio s C on s t it uc io n ais . S ão P au lo: Ed . R T,


2 00 2

5 3F A RI Ñ A S DUL C E, M . J. , La s oc iolo gía de l d e re c h o d e M ax W e b e r . M a drid :


C ivit as , 1 99 1

5 4F ERRY, L. , E l n u e vo ord e n e c oló gic o. E l árbo l, e l an im al y e l h om bre .


B arc e lon a : T us Qu e t s E dit o re s , 1 994
186

55 F I O R I L L O , C. A . P., A BEL HA RO DRI G UES , M ., e , A N DRA DE N ERY , R. M ., D ire it o


Pr oc e s su al A m bie n t al B ras ile iro. B elo H oriz on t e : De l Re y , 1 996

56 F O RDE , D. , H abit at , Ec on o m y an d So c ie ty . Lon d on : M e th u e n an d C o. Lt d. ,


1 93 4

5 7F O UC A UL T , M ., D it s et é crit s (1 95 4-1 988 ) , Vo l. IV ( 19 80- 198 8) , P aris :


Ga llim ard , 19 94

5 8_____. A s p alav ras e a s c ois as . T ra d. De A . R . R os a. Lis bo a: M ar tin s


F on t e s / Port u gá lia Ed ., s /d ., po ss iv e lme n t e d e 1 967

5 9F REG E , G. , E s t ud ios s o bre s e m án t ic a , co m pilaç ão de art igo s div e rso s ,


t ra du zid o po r Je s ús M os t e rín , B arc e lon a : E dic ion e s Fo lio, 200 2

6 0F REI T A S , J., Parc e rias pú blic o- priva das ( PPPS ) : c ar ac te r íst ic as , r e gu laç ão e
p rin cíp ios . A rt igo e m M S -W O R D, c e did o pe lo au t or n o M e s t rad o e m D ire it o,
PU C-R S , 2 00 5

6 1_____. A in t e rpre t a çã o s ist e m át ic a d o dire it o . 4. a e d. S ão Pa ulo : M alh e ir os


E dit o re s , 20 04

6 2______. O Co n t role d os A t o s A dm in is t rat iv os e o s Prin c ípios F u n da me n t a is.


3 . a ed . S ão Pau lo: M alh e iro s E dit o re s, 20 04

6 3_____. A s u bs t an c ial in c on s t it u cio n alid ade da le i in ju s t a. R io de J an e iro :


V oz e s, 19 89

6 4F RO N DI ZI , R. , ¿Qu é s on los va lore s ? I nt ro du c ció n a la a xio logía . 3 . a , 1 5. a


re im p. M é x ic o: Fo n do d e Cu lt ura E c on ó mic a, 19 99

6 5G A DA M ER, H-G. , La a ct u alid ad d e lo be llo . B arc e lon a: Paid ós , 1 97 7

6 6_____. V e rdad y M é t od o, vol. I I, S ala ma n ca : S ígu e m e , 1 994

6 7G I DDEN S, A ., C on se c u e n c ias d e la mo de rn id ad . M ad rid: A lian z a Ed ., 19 93

6 8G L A C KEN , C . J . , T r a c e s o n t h e R h o d i a n S h o r e . B e r k e l e y : U n i v e r s i t y o f C a l i f o r n i a
Press

6 9G O L DBL A T T , D. , S o cia l T h e ory an d t h e En v iron m e n t . B ou lde r : W e s t vie w


Pr e ss , 199 6

70 G UA T T A RI , F. , A s t rê s e c olo gia s. T ra d. M . C. F. B it t e n co u rt . S ão Pau lo:


Pa piru s , 19 90

71 HA BERM A S, J. , Dire it o e d e m oc rac ia: e n t re f ac tic id ade e va lidad e . R io d e


Ja n e iro: Te m po Bras ile iro , 1 997

72 HA RT , H. L. A ., Pu n is h me n t an d R e s po n s ibilit y: Es s ay in t h e Ph ilos o ph y o f
La w, 2 . a ed . , O x fo rd: Clare n d on Pre s s , 1 97 0

73 ______. Po s it ivis m an d t h e S e par at ion o f Law a n d M o rals , in , E ss ay s in


Ju ris pru d e n ce an d Ph ilos o ph y. O x for d: C lare n d on Pre s s , 19 83
187

74 _______. T he Co n c e pt o f Law . 2 ª e d . O x fo rd: Clare n d on Pre s s , 1 99 4

75 HEG EL , G. W . , F ., E n c iclo pe dia d e lle Sc ie n z e F ilos o f ic h e in C om pe n d io .


T rad . B . Cro ce . Ba ri, 19 51

76 HERRERA F L O RES, E l proc e s o Cu lt ura l – M at e ria le s para la c re at iv ida d


h u m an a . S e v illa: A c on c ag ua , 20 05

77 HI PO C RÁ T ES , O n A irs , W at e rs a n d Plac e s , in Llo y d, W . F. , H ippo cra t ic


W rit in g s. Ha rm on d swo rt h : Pe n g uin s Bo ok s, 19 84

7 8HO RKHEI M ER, M . , A n h e lo d e Ju s t icia . Te o ría c rít ic a y re ligió n T rad . J. J


S án c h e z . M ad rid: T ro t ta , 2 000

7 9HUG UES , D. , Pe rs pe c t ive s fo r e n v iron m e n t al law – En t e rin g t h e fo u rt h ph a s e ,


in , Jou rn al o f En v iron m e n t al law, vo l. 1, n . o 1/ 41 , 1 989

8 0HUN T I N G T O N , E ., C iviliz at ion an d Clim at e . Ham d e n : Y ale U n ive rs it y Pre s s ,


1 97 1

8 1J A M ES, P., A ll P os s ible W orld s . I llin ois : O d ys s e y Pre s s , 1 97 2

8 2J A SPERS, K. , Ph ilo s op h ie ( 19 32 ), t ra d. F ilo s of ía. M adr id: R e vis t a de


O c c ide n t e , 1 95 9

8 3J O N A S, H. , E l prin c ípio de re s pon s ab ilida d . E ns a yo de u n a é t ica para la


c iviliz ac ión t e c n oló gic a, H e rde r, Ba rce lo n a, 1 99 5

8 4_____. T é cn ic a, m e d icin a e é t ica . A prát ic a do prin c ípio da re s pon s a b i­


lid ad e , B arc e lon a: Paid ós , 1 99 7

8 5J Ö RS, P . , D e re ch o priva do ro m an o . Ed ició n to t alm e n t e re fu n did a po r


W O LF GA N G KUN K EL. Tra d. , d a 2. a Ed . A le m ã po r L . Prie t o C as t ro. B arce lo n a:
E d. Labo r, 1 96 5

8 6KA N T , I ., Krit ik de r r e in e n Ve rn u n ft ( 17 87 ), C rít ica de la R az ón Pu ra ,


t ra du c ció n d e Jos é de l Pe ro jo, re vis ad a po r A n s g ar Kle in , 5. a ed . , Bu e n o s
A ire s : Ed it orial Lo s ada , 1 967

8 7KA ZA N T ZÁ KI S, N . A s c e s e – O s S alva do re s de De u s . T rad . J. P. Pae s . S ão


Pa u lo: E d. Á t ica , 19 97

8 8KEN N Y, A ., T he O x fo rd I llus t ra t e d His t ory of W e s t e rn Ph ilos o ph y . Ox f ord :


O x f ord U n ive rs it y P re ss , 199 4

8 9KHA L DO UN , I BN , T h e M uq add im ah , A n I n t ro du ct io n t o His t ory . Prin c e to n :


Pr in ce t o n U n ive rs it y Pr e ss , 196 7

9 0KI ERKEG A A RD, S . , F ryg t og Bae v e n ( 18 43 ), T e m or y T e m blor , t rad u çã o d e


V ice n t e S imó n M e rch á n , 4. a e d . M ad rid: Ed it orial T e cn o s , 20 01

9 1KL O EPF ER, M ., U mwe lt re c h t . 3 . A u fl. M ü n c h e n : Ve rla g C. H . Be c k oH G, 2 004

9 2_____. Gru n dp rin zipie n u n d I n st ru m e n t e de s e uro päis c h e n un d de u t s ch e n


U m we lt re ch t s ( e m a rqu ivo W o rd)
188

9 3KO RS, J., N u e va s t e c n olo gías y d e re ch o am bie n t al . I n , R e vis t a de l d e re ch o


in d u st ria l,, Bu e n os A ire s , N º 41 , m ay o-a gos t o d e 1 99 2

9 4KO SI K, K., D ia lé tic a d o co n c re t o, Ed . Pa z e T e rra, Rio de Jan e iro , 1 976

9 5KÜN G , H. , Pro ye c t o de u n a Et ic a M u n dial. M adrid : E dit o rial Tr ot t a, 199 1

9 6L EF EBVRE, H. , Lóg ica f orm a l – lóg ica d ialé t ic a, Civiliz aç ão B ras ile ira, Rio de
Ja n e iro, 19 75

9 7L EI BN I Z G. W . T ex t e s in é dit s , t om o I I, Gru a, Ga s tó n e d. , Pa rís , 19 48

98 _____. N ov os e n s aios s obr e o e n t e n d im e n t o h um a n o. Trad . L. J. B araú n a ,


S ão Pau lo: A bril Cu lt ur al, 1 974

99 _____. Co rre s po n dê n c ia c o m Clarke . T rad . C. L. De M a t to s . S ão Pau lo: A br il


C ult u ral, 19 74

100 L EI T E, J. R. M ., D an o A m b ie n t al: do in d ivid ua l a o c ole t ivo


e x t ra pat rim o n ial. 2. a e d. re v. , a t ua l., am pl. S ã o Pau lo: Ed it ora R e vis t a d os
T ribu n ais , 2 00 3

1 01 L EO PO L D, A . , T he lan d e th ic , A S an d C ou n t ry A lm an a c , N e w Yo rk: O x fo rd ,
l9 69
1 02 L O RI T E, M . J ., E l A n im al Para dó jic o, Fu n da m e n to s d e A n t ropo log ía
F ilos ó fic a. B arce lo n a: A n t ro po s , 19 82

103 L UC A S, J. , B la de Ru n n e r – El de re c h o , gu ard ián de la dif e re n c ia .


V ale n c ia: T iran t lo Bla n ch , 20 03.

104 M A C HA DO N ET O , A . L ., I n t rod u çã o à ciê n c ia do Dire it o . S ão Pau lo : Ed .


S ar aiva , 19 63

105 M A C HI A VEL L I , N ., D is c ors i s o pra la prim a De c a d i Tit o Liv io . In , T ut t e le


O pe r e di N ic c olò M ac h iav e lli. A cu ra di M ar io M ar te lli. F ire n ze : S an s o n i
E dit o re , 1 971 , E DI Z IO N E ELE TT R O N IC A D EL: 10 ge n n a io 19 98 – e m I n t e rn e t :
h t t p: / /ww w.lib e rlibe r. it /bib liot e c a/ lice n z e / ; ac e s s ado e m 1 1/ 03/ 2 004

106 M A M EDE , G., S e m iolo gia e Dire it o : t ópic os p aa um d e bat e r e fe re n c iad o


p e la an im alid ade e a cu lt u ra. Be lo Ho rizo n t e : E dit o rial 78 6, 1 99 5

107 M A RÉS DE SO UZA F I L HO , C. F ., B en s cu lt u rais e p rot e ç ão j uríd ic a. Po rt o


A le g re : Un id ad e E d ito rial d a Pre fe it u ra, 199 7

1 08 M A RG A L EF , R ., E c olo gía. 4. a e d. Ba rce lo n a: E d icio n e s O m e ga , l98 2

109 M A RT I N M A T EO , R ., M an u al de de r e ch o a m bie n t al. M adrid : T riviu m , 1 99 5

110 M A RX, K., M is è re d e la p h ilos o ph ie : ré pon s e à la p h ilos o ph ie de la m is è re


d e M . Prou d h on , in O e u vre s , Paris : G allim ard , 19 69

111 M A RX, K. e EN G EL S , F. , A I d e olo gia A le m ã , Lis boa : Ed it orial


Pr e se n ç a/ Liv raria M art in s Fo n t e s , 19 74
189

112 M A T URA N A , H. , A o n t olo gia da re alid ade . T rad . Cris t in a M a groe N e lso n
V az. Be lo H oriz on t e : E d . UF M G, 1 99 9

1 13 M A X-N EF F M e ou t ros , D es arr ollo a e s c ala h u m an a. Un a o pc ión para e l


f ut u ro , in , D ev e lopm e n t Dia logu e , n . e s p. 9 .9 3, 198 6. Tra du zid o e am plad o
e m D es arr ollo a e s c ala h u m an a, Con c e pt o , A plic ac io n e s y R e fle x io n e s .
B arc e lon a : I ca ria, 1 99 3

1 14 M EN C HÚ, R ., La div e rs ida d cu lt u ral e s e l e s pe j o de la div e rs ida d n at u ral ,


in , Re v is ta M e rm ó ria, 1 . o de ju n io 20 02

1 15 M ERL EA U-PO N T Y , M . , Le vis ible e t l’in vis ible . Pa ris : Ga llim ard , 1 96 4

116 M I L A RÉ, E ., D ire it o d o A m bie n t e . Sã o Pau lo : E d. R e v ist a d os Trib un a is ,


2 00 0

1 17 M I RA N DA , J., D ire it os d o H om e m P rin cip ais T e x to s I n te r n ac ion ais , 2 .ª e d .,


Lis b oa: Pe t ron y , 1 98 9

1 18 _____. M an u al d e Dire it o Co n s t it u cio n al, T. I I, 2ª e diç ão , Coim b ra:


C oim bra E dit o ra Lt da ., 19 88

1 19 M O L I N A RO , C. A ., Los de b e re s h u m an o s a n te la pe rs p e ct iv a de l
“d iam an t e é t ic o” d e J oaq uín He rr e ra Flo re s , 2 .a v e rs ión . S e v illa: U PO , 2 002

1 20 _____. M ín im o e x is t e n c ial e co lóg ico e pro ibiç ão d e r e tr oc e s so am bie n t al.


M o n ogr afia d e c o n clu s ão d o c ur so de e s pe cia liza çã o e m D ire it o Pú blic o,
o rie n t ad a pe lo Pro f. Dr. I n go W o lfg an g S arle t ( PUC -RS , 200 5)

1 21 _____. A M e t áf ora d o Círc u lo de Á lc ma n – o d ire it o c om o pro du t o


c u lt ura l: u m a abo rda ge m c u lt u ralis t a do p rin cíp io da p ropo rc ion alid ad e .
T rab alh o re aliz ad o pa ra o Pro f. D r. Ju are z Fre it as , n o cu rs o d e e s p e cia lizaç ão
e m Dire it o P úb lico ( PU C-R S , 2 00 5)

1 22 M O N T A G , W ., B odie s , M as s e s , P owe r: S pin o za a n d h is C on t e m po rarie s ,


Lo n do n / N e w Y ork: Ve rs o, 199 4

1 23 M O N T ESQ UI EU, ( Ch a rle s d e S e c on d at ) Ba rão d e , De l’Es pr it d e s Lo is , in ,


O u vre s Co m plè t e . Pa ris : Bib liot h è qu e de la Plé iad e , 1 951

1 24 M O RI N , E. , L' un it é de l' h om m e . I n varia n t s biolo giqu e s et u n ive rs a ux


c u lt ure ls , Paris : S e u il, 19 74

1 25 M O RI N , E ., e PI A T EL I -PA L M A RI N I , M ., La u n id ad d e l h o m bre co m o
f un d am e n t o y a pro x im ac ió n in t e rd is cip lin aria, in , Le o A p os t e l ( y ot ro s) ,
I n t e rdis c iplin ar ie dad y cie n c ias h u m an as . M adrid : T e c n os / Un e s c o 19 98

126 M UKA I , T ., D ire it o a m bie n t al s ist e m at iz ad o. 3. a e d. Rio d e Jan e iro :


F ore n s e Un iv e rs it ária, 19 98

127 N I ET ZSC HE , F ., La ge n e a logía d e la m o ral . T ra d. A . S án c h e z Pas c u al.


M a drid : A lian z a, 1 99 8
190

128 N UN ES J UN I O R, A . T ., O E s t ad o am bie n t al d e D ire it o, Ju s N av igan d i,


T e re s in a, a . 9 , n . 5 89, 17 f e v. 2 00 5. D is pon ív e l e m:
< h t t p: // www1 .j us . c om . br/ do ut rin a /t e x t o .a sp ?id= 63 40 >. A c e s s o e m : 2 0 de
a bril de 20 05

1 29 O RT EG A A L VA REZ, Le c cio n e s d e D e re c h o de l M e dio am bie n t e , Va llad olid :


Le x N o va, 19 98

1 30 PEET , R. , R adic al G e ogra ph y : A lt e rn a t ive V ie wpoin t s o n Co n t e m pora ry


S o cia l I s s ue s . Lon d on : M e t h ue n , 19 79

1 31 PEREI RA DA C Â M A RA , A . , O va lor Ju s t iça , m an ife s t a çã o, n o plan o s o cia l,


d a vo n t ade c riad ora e re d e n to ra d e D e us , in , A JU RI S , n . o 6, Port o A le g re ,
1 97 6

1 32 PEREI RA DE SO UZA N ET O , C. , Ju ris diç ão Co n st it u c ion a l, D e m oc rac ia e


R ac ion a lida de Prát ic a. Rio d e Jan e iro : R e n ov ar, 2 00 2

133 PET ERS , F . E ., Te rm os filo s óf ico s g re gos , t rad . De Be a t riz R od rigu e s


B arbo s a. L isb oa: Fu n d aç ão Ca lou s t e G ulb e n kian , 1 98 3

1 34 PL A T Ã O , C ra tilo o de la E x ac tit u d de la s Pala bras , in , O br as Co m ple t as ,


t ra d. d o gre g o de vv . a a. , M ad rid: A gu ilar, 1 96 9
1 35 _____. E l s o fis t a o d e l s e r , in , O b ras Com p le ta s , 2. a ed . M a drid : A gu ilar,
1 96 9
1 36 _____. Pro ta go ras , o lo s s of ist a s, in , O bra s Com p le ta s , 2 . a e d . M ad rid:
A g uila r, 19 69

1 37 PO N T ES DE M I RA N DA , F . C. À m a rge m d o D ire it o . E ns a io de Ps ic ol o gia


Ju ríd ica . Ca m pin as , S ã o Pau l o: BO O KS E LLER , 2 00 2

1 38 _____. Com e n t á rios à Con s t it u iç ão de 1 967 c om a Em e n d a n . o 1 d e 19 69 ,


2 . a ed iç ão, t om o I , S ão P au lo: Ed it ora R e vis t a do s T ribu n ais – RT , 1 970
1 39 _____. I nt ro du ç ão à Po lít ic a Cie n t íf ica , Rio de Jan e iro : Fo re n se , ( 1 924 )
1 98 3
1 40 _____.I n t ro du cç ão à So c iolo gia G e ral , Rio de Jan e iro : Pim e n ta de M e llo,
1 92 6
1 41 _____. O Prob le m a Fu n da me n t a l d o Co n h e c ime n t o , 2. a e d. Rio d e
Ja n e iro: Ed it or Bo rs oi, 197 2

1 42 _____. S is t e m a de ciê n c ia po s it iva do Dire it o , re e dit ad o e m qu at ro t o mo s


p or Rio de Jan e iro : E dit o r B ors ó i, 1 972 a

1 43 PRI G O G I N E, I ., La N u e va A lian z a, M e ta m orf os is d e la Cie n c ia. M ad rid,


1 98 3

1 44 PRO G O F F , I. , D ept h Ps yc h olo gy an d M od e rn M an , N e w Y ork: T h e Ju lian


Pr e ss In c . , 1 959

1 45 RA M O S UL G A R, M . A . , E l an á lis is e c olo gic o de da t os : c u an d o, c o mo y


p ara qu e , in , D ere c h o y S o cie d ad , VV . A A . V ale n c ia: T iran t lo Bla n ch , 19 98

1 46 RO C HA , C. L. A . O c o n st it u c ion alis m o c on t e m po rân e o e a in s t ru m e n t ali­


z aç ão p ara a e fic ác ia d os dire it o s fu n d am e n t ais . I
I n, www. cj f. gov . br/ re vis t a/ n u me ro 3, ac e s sa do e m 12 /1 2/ 20 05 )
1 47 RO DG ERS , C. , E n viro n m e n t al La w, St Pau l, M in n e so t a: W e s t Pu blis h in g C o. ,
191

1 97 7

1 48 RO USSEA U , J-J ., E mile : or on E du ca t ion . H arm on d s wort h : Pe n gu in , 1 991

1 49 SA N T I L L I , J. , S oc ioa mb ie n t alis m o e n o vo s d ire it os – Prot e ç ão j ur ídic a à


d ive rs id ade bio lóg ica e c ult u ral. Sã o Pau lo : Pe iró po lis, 20 05

1 50 SA N T O S , B . DE S. , O C on f l it o de De v e re s e m Dire it o C rim in al , e d içã o da t i ­


lo graf ad a e re p rog rafa da , Co im bra, 196 4

1 51 _____. Pe la m ã o de A lic e : o s oc ial e o po lít ico n a p ós -m o de rn id ade .


Po rt o: A fro n t am e n t o, 199 4

152 ___ __. Po r um a s oc io logia d as au s ê n cia s e da s e m e rgê n c ias , Re v is ta


C rít ica d e C iê n cia s S o cia is, n . 6 3, o u tu br o de 20 02

1 53 SA RL ET , I . W . , A e fic ác ia d os dire it o s d ire it os fu n da me n t a is, 3. a e d. ,


Liv raria d o A d vog ad o, P ort o A le gr e , 20 03

1 54 _____. A E fic ác ia do s D ire it os Fu n da me n t a is . 2 ª e d . Po rt o A le gre : L ivrar ia


d o A dv og ado , 2 00 1

155 ___ __. D ign ida de da P e ss o a Hu m an a e Dire it o s F un d am e n t ais n a Co n st i ­


t u iç ão F e de ra l d e 1 98 8, 3. a e d. , L ivrar ia do A d vo gad o, Port o A le g re , 20 04

156 ___ __. Dire it o s Fu n da me n t a is S oc iais e pr oibiç ão de re t roc e s s o: algu m as


n o t as s ob re o de s af io d a s o bre viv ê n cia do s dir e ito s s oc iais n u m c on t e x t o de
c ris e , in , V V. A A ., ( N e o ) Con s t it u c ion alis m o – on t e m , os C ód igo s h oje , a s
C on s t it u içõ e s , R e vis t a do I n s t it ut o d e He rm e n ê u t ica Ju ríd ica ,v . I , n . 2 , Po rt o
A le g re , 20 04 , pá g. 1 21- 168

1 57 _____. O s dire it o s fu n da me n t a is so c iais n a o rd e m co n s tit u c ion a l bras i le ira ,


in , VV . A A ., E m bu sc a do s dire it o s pe rdid os , Re v is ta do I n s tit u t o de
H e rm e n ê ut ic a Ju rídic a, n . 1, Por to A le gre , 2 00 3

1 58 _____. O s dire it o s f un d am e n t ais s oc iais n a Con s t it u iç ão d e 1 988 . I n ,


www .d ire it oba n ca rio. c om . br/ art igo s /d ire it oc on s t it u c ion al/ 01 m ar_1 51. h t m ;
u m a v ers ão am pliad a po de s e r c o mp uls a da n a R e vis t a Diá logo Jur ídic o,
S alv ad or, CA J - Ce n t ro d e A t u aliz aç ão Ju ríd ica , v . 1, n º . 1, 200 1. Dis po n íve l
n a I n t e rn e t , in , w ww.d ire it op ub lico .c o m. br

1 59 _____. D ire it os fu n da m e n t ais e d ire it o priva do : alg um a s c on s id e raç õe s e m


t o rn o d a v in c ula çã o d os p art ic ula re s ao s dire it o s fu n da me n t a is, in : A
c on s t it u iç ão c on c re t iza da – Co n s tr uin d o po n t e s c om o pú blic o e o priv ado ,
Po rt o A le gre , Livra ria do A dvo ga do , 20 00

1 60 SA RT RE, J. L’ ê tr e e t la n é an t . E n s s ai d’o n t olo gie ph é n om é n o logiq ue . Pa ris :


Ga llim ard , 19 43

1 61 SA UER, C. O ., Lan d a n d Lif e . Be rk e le y: Calif orn ia U n ive rs it y Pre s s , 1 96 3

1 62 SC HN A I BERG , A ., T h e e n vir on m e n t : Fro m s urp lus t o s ca rc ity . O x for d: O x fo rd


U n ive rs it y Pr e ss , 19 75

1 63 SC HO PEN HA UER, A . , E l Mu n d o c om o Vo lu n ta d y R e pre s e n t ac ió n , M ad rid:


192

O rb is Hy s pam é ric a, 198 5

1 64 SC HUT Z, A ., T h e S t ru ct u re s o f t h e Lif e -W or ld , Ev an s t on : N o rt h we st e rn
U n ive rs it y Pr e ss , 197 3

165 SC HW EI T ZER , A . , C iviliz at ion an d e t h ic s , U n win B oo ks , 1 967

1 66 SC I A C C A , M . F . , H ist ó ria d a F ilos o fia . V ol. I . , 3 ª e d. S ão Pau lo: M e s t re Jo u ,


1 96 7

1 67 SEN DI M , J. C. , R es p on s abilid ad e c ivil po r d an o s e co lógic o s. D a


re p araç ão d o d an o at rav é s da re s t au raç ão n at u ral, Co im bra: A lm e d in a,
1 99 8

168 SI L VA , J. A . da , D ire it o A m bie n t al Co n s tit u c ion a l. 5. a e d . S ão Pa ulo :


M a lh e iros Ed it ore s , 2 00 3
169 ___ __. A p lica bilida de da s n o rm as c o n st it u c ion ais . 3. e d . , S ão Pa ulo :
M a lh e iros , 1 99 9

170 SI N G ER, P., É t ica Prác t ic a. 2 .ª e d. Lo n dr e s: C am brid ge Un iv e rs it y P re s s,


1 99 5

171 SI Q UEI RA C A ST RO , C. R. , A C on s t it u iç ão A be rt a e o s Dire it o s Fu n d a ­


m e n t ais . Rio d e Jan e iro : F ore n s e , 2 00 3

1 72 SO RI A N O , R. e RA SI L L A , L. de la , D e m oc rac ia v e rgo n zan t e y c iu da d an os


d e p e rfil. Gran a da : Ed . C om are s , 200 2

1 73 SO T O RI VERA , R. , Ka iro-t e o -o n to log ía e n a lgu n os pe n s ad ore s


g re co rrom a n os , in , K on v e rge n c ias , B ay am ón [Pu e rt o R ico ]: I m pre s os GLA E L,
a ñ o II - E d ició n D icie m b re 2 00 3/ En e ro 2 00 4

1 74 ST I G L ER, G. J. La T e oría de lo s Pre c ios . 3. a e d ., M ad rid : E dit o rial R e v ist a


d e D e re c h o Priva do , 1 968

1 75 SPI N O ZA , B ., T ra ct a t us Th e o log icu s Polit ic u s, in , O pe ra, vo l. II I , p. 91, a


c arg o de Ca rl Ge bh ard t , He id e lbe rg : Ca rl W in t e r, 197 2

1 76 _____. E th ic a, in , O pe r a, vo l. I I, p. 52 , a c argo d e Carl Ge bh ard t ,


H e ide lbe rg : Ca rl W in t e r, 19 72

1 77 _____. T rat t at o su Dio , l’U om o e il s u o B e n e . R om a : L. U . Ja pad re , 1 98 6

1 78 T A N SL EY , A ., T h e u s e an d abu s e o f v e ge t at io n al c on c e pt s an d t e rm s .
E c olo gy, 16, 19 35

1 79 _____. T he Br its h I sle s an d T h e ir Ve ge t at io n , v ol. 1 . U K: C am brid ge , 1 939

1 80 T EL L ES J UN I O R, G., I n ic iaç ão n a c iê n cia do d ire it o, S ão Pau lo : S a raiva ,


2 00 1

181 T I M BERG EN , N . T h e st u d y of in s t in c t , O x fo rd U n ive rs it y Pre s s , O x f ord , 1 951 ;


v e rs ão e m it alian o I l co m port a me n t o s oc iale e de gli an im ali , Tu rin : EI N A U DI ,
1 97 8
193

182 T O M A S DE A Q UI N O , St o . , S u m a T e olo gic a. T ra t ad o d e l Ho m bre . T om o I I I.


M a drid : Bib liot e c a de A u t ore s Cris t ian o s, 19 59

183 T RÍ A S, E ., É t ica y co n dic ió n h u m an a. B arce lo n a: P e n ín su la , 20 00

1 84 T RI VERS, R . L. , T h e e volu t io n o f re c iproc al alt ru is m , Qu art e rly Re v ie w o f


B iolo gy 4 6 ( 4) , 1 97 1, p . 35 -57

1 85 VI EI RA DE A N DRA DE, J. C. , O s d ire it os fu n da m e n ta is n a C on s t it u içã o


Po rt u gu e s a de 19 76. , 2. a e d. C oimb ra: A lm e d in a, 2 00 1

186 W A DE , P. , I de n t id ad y e tn ic id ad, in E SC O BA R , A . E PED RO S A , A .


( e d it ore s ) Pac ífic o ¿D e s arro llo o div e rs ida d? Es t ad o, ca pit al y m o vim ie n t os
s o cia le s e n e l P ac ífic o c olo mb ian o. Sa n t afé d e B ogo t á: Ce re c -Ec o fon d o,
1 99 6

1 87 W EBER, M ., La o bj e tiv ida d d e l c on o cim ie n t o e n las c ie n c ias y la po l ít ic a


s o cia le s, in , S o bre la t e oría de la s cie n c ias s o cia le s, B arc e lon a: Pla n e t a-
A g os t in i, 1 985 ,

188 W I EA C KER, F ., H is t ória d o d ire it o priv ado mo de rn o . T rad ., A . M . B ot e lh o


H e sp an h a. Lis boa : F un d aç ão C alo us t e Gu lbe n kian , 19 80

189 W I N T ER, J. , E n viro n m e n t al Law, Th ird E d itio n , Lo n dr e s: Bu t t e rwort h s , 199 6

190 W I T T G EN ST EI N , L. , T rat a do Ló gic o-f ilos ó fic o, Lis boa : F un d aç ão C alou s t e


Gu lbe n k ian , 1 98 7
191 ___ __. I n ve s t iga çõ e s f ilos ó fic as , Lis bo a: Fu n da çã o Calo u s te Gu lbe n kia n ,
1 98 7

192 ZI M M ER, H. , F ilos o fias da Í n dia . S ão P au lo: Ed . Pala A t h e n a , 19 91

193 ZUBI RI , X . , I n t e lige n c ia y R azó n . M ad rid: A lian z a. IR A , 1 983

DI C I O N Á RI O S DE C O N SUL T A

Di ci onár i o El et r ôni co Houai s s da L í gua Por t ugues a, Ve rs ã o 1. 0, Sã o Pau lo :


E dit ora O b je t iva , 20 01

N oví s i m o di cci onar i o L at i no- Por t uguês Et ym ol ogi co, Pr os odi co, Hi s t ór i co,
G eogr a f i co, M i t ol ógi co, Bi ogr aphi co et c. , org an iza do L . QU ICH ER A T , po r F r.
d os S an t o s SA R A I VA . R io/ Par is: Garn ie r, 19 27

Di cci onar i o M anual G r i ego – G r i ego C l ás i co – Es pañol , B arc e lon a: Vo x , 200 0.

Di cci onar i o G r ego- Por t uguês – Por t uguês - G r ego , Po rt o: Port o E d ito ra, 19 97

Di cci onar i o L at í n- Es pañol , M ad rid: Ed ic ion e s SM , 200 1

L angens chei dt s T as chenw ör t er buch – Deut s ch- Por t ugi es i s ch , B e rlin : 19 69


Pequeno di ci onár i o j ur í di co al em ão- por t uguês , R io de Ja n e iro: Luiz M ac h ado ,
S ist e m a C LC, 1 98 1
194

O xf or d A dvanced L ear ner ’ s Di ct i onar y of C ur r ent Engl i s h , O x fo rd : O x fo rd


U niv e rs it y Pre s s , 20 03

Di ci onár i o O xf or d de F i l os of i a, R io de Ja n e iro: Jorg e Z a h ar Ed it or, 199 7

Di ci onár i o de Ét i ca e F i l os of i a M or al , S ão L e opo ldo Ed it ora U n isin o s , 2 003

Di ci onár i o de F i l os of i a, N ic ola A b bagn a n o, Sã o Pau lo : M art in s Fo n t e s, 20 00

Di ci onár i o de F i l os of i a, W alt e r B rug ge r, S ão Pau lo: Ed it ora H e rde r, 19 62

Vocabul ár i o T écni co e C r í t i co da F i l os of i a , A n d ré Lala n de , S ão Pau lo : M a rt in s


F on t e s , 19 99
195

Í N DI C E O N O M Á ST I C O

1 -A B ELH A R O DR I GUE S , 1 00
2 -A LC HO U RR Ó N , 9 7
3 -A LE X Y, 1 37
4 -A N A X I M A N DR O , 43 , 4 4
5 -A N D RA D E N E RY, 10 0
6 -A N T UN E S , 1 00
7 -A R I ST Ó TE LE S , 14 , 1 7, 1 9, 2 8, 67, 72 , 11 0, 111 , 1 47, 16 0
8 -A R R O W , 12 8
9 -A U ER BA C H, 1 46
10 -Á V ILA CO I M BR A , 1 15
11 -Á V ILA , 139
12 -A YR E S B RI TT O , 1 39
13 -B A PTI S TA M A CH A DO , 9 5
14 -B A RC ELL O S, 13 9
15 -B A RR O W , 1 29
16 -B A TA LH A ,, 93
17 -B EC K, 52
18 -B IR N BA C HE R, 101 , 102
19 -B O A S, 50
20 -B Ö CKE N FÖ R DE , 16 2
21 -B O DI N , 47
22 -B O N A VID ES , 139
23 -B RO S W I M M ER , 1 75, 17 6
24 -B UB ER , 9 0, 9 1
25 -B ULY GIN , 97
26 -C A LA BR ES I , 1 28
27 -C A M PBE LL, 1 64
28 -C A N A RI S , 15 5
29 -C A N O TI LHO , 3 3, 75, 10 1, 1 57 , 17 0
30 -C A PRA , 65
31 -C A RT ER , 1 29
32 -C A SA L TA N A BA I S , 13 6
33 -C A ST I LLA DE L P IN O , 5 6
34 -C HA UÍ , 1 6
35 -C O A SE , 1 28 , 16 8, 1 69
36 -D ’Á VI LA L O PES , 1 58
37 -D ELE U Z E, 1 5, 16, 32 , 33
38 -D EM Ó CR I TO , 149
39 -D ER A N I , 13 4
40 -D ES CA R T ES , 3 9, 40
41 -D IC K, 12 5
42 -D US S EL , 10 9
43 -D W O RKI N , 8 5, 1 39 , 16 6
44 -E IN S T EI N , 1 48
45 -E LLU L, 9 1
46 -E N GE LS , 41 , 5 5
47 -E S CO BA R , 1 10
48 -E S PÍN D O LA , 1 39
49 -F A RI Ñ A S DUL CE , 14 0
50 -F ER R Y, 1 64
51 -F IO R I LLO , 1 00
52 -F O RD E, 50
53 -F O UC A ULT , 1 5, 5 6
54 -F RE GE , 2 5, 5 8
55 -F RE I TA S , 1 58 , 15 9, 162 , 1 63, 16 5, 174 , 175
196

5 6 -F RO N D IZ I , 1 40
5 7 -GA D A M ER , 2 0, 173
5 8 -GA L ILE U, 39
5 9 -GI DD EN S , 52
6 0 -GL A CKE N , 42 , 4 5
6 1 -GO L DBL A TT , 12 4
6 2 -GU A T TA R I, 15 , 16 , 32 , 1 51
6 3 -H A BE RM A S , 1 7
6 4 -H A EC KEL, 50 , 11 5
6 5 -H A LL, 1 10
6 6 -H A RD T, 15
6 7 -H A RT , 1 7, 7 2
6 8 -H EGE L,
6 9 -H EGE L, 2 5, 35, 40 , 41 , 5 5, 1 61
7 0 -H ER Á CLI T O, 44 , 13 0
7 1 -H ER BE R T, 1 25
7 2 -H ER O DO T O , 28
7 3 -H ER R ER A F LO R ES , 5 2, 125 , 1 26
7 4 -H ES I O DO , 2 8, 4 2
7 5 -H IPÓ C RA T ES , 44, 45 , 46
7 6 -H O BBE S , 6 4
7 7 -H O RKH EI M ER , 1 14
7 8 -H UGU ES , 100
7 9 -H UM E , 56
8 0 -H UN T IN GT O N , 4 9
8 1 -H US S ER L, 5 5, 5 7
8 2 -JA M E S , 4 9
8 3 -JA N S E N IO , 39
8 4 -JO N A S , 33, 76 , 10 1
8 5 -JÖ R S , 9 1
8 6 -KA N T , I , 2 4, 2 5, 38, 39 , 40 , 55 , 5 6, 5 7
8 7 -KA Z A N T Z Á KI S, 13 2, 1 51
8 8 -KE LS E N , 15 8
8 9 -KE N N Y, 4 0
9 0 -KH A LDO U N , 46
9 1 -KI E RKE GA A R D, 1 35
9 2 -KI R K, 40 , 4 2, 4 3, 44, 13 1
9 3 -KL OE PF ER , 1 06 , 13 4, 1 57 , 16 7, 168 , 1 70, 17 1
9 4 -KO R S , 1 36
9 5 -KO S I K, 9 3
9 6 -KÜ N G, 1 64
9 7 -LE F EB VRE , 9 2
9 8 -LE I BN I Z , 28 , 9 4, 9 6, 1 47 ,1 48 , 14 9
9 9 -LE I TE , 1 38
1 00 -LE OP O LD, 1 64
1 01 -LO CKE , 5 6
1 02 -LO R IT E, 152
1 03 -LUC A S , 10 6
1 04 -LUC A S , 12 5
1 05 -M A CCH IA V ELLI , 3 8, 47
1 06 -M A CH, 22
1 07 -M A CHA D O N E T O, 93
1 08 -M A M ED E, 37
1 09 -M A N DE LBR O T, 89
1 10 -M A QUI A VE L, 3 8, 4 6, 47
1 11 -M A RÉ S D E S O UZ A F ILH O , 98
1 12 -M A RG A LEF , 5 1, 1 64
197

1 13 -M A RT I N M A T EO , 170
1 14 -M A RX , 24, 41 , 55
1 15 -M A TU RA N A , 11 3, 1 52
1 16 -M A X -N EF F, 11 2, 1 13
1 17 -M EN C HÚ, 32
1 18 -M ILA R É , 10 0
1 19 -M IR A N DA , 16 5
1 20 -M O LIN A R O , 1 3, 1 49
1 21 -M O N TA G, 14
1 22 -M O N TE S QUI EU , 4 7, 4 8
1 23 -M O RI N , 1 9, 6 1, 62
1 24 -M O RO , 39
1 25 -M UKA I , 1 00
1 26 -N EG RI , 1 5
1 27 -N IE T Z SC HE , 13 9
1 28 -N UN E S J UN I O R, 134
1 29 -O RT E GA A L VA RE Z , 1 00
1 30 -PA S CA L, 39
1 31 -PE DR O SA , 11 0
1 32 -PE ET , 49
1 33 -PE RE IR A DA CÂ M A R A , 95
1 34 -PE RE IR A DE S O U Z A N E TO , 13 9
1 35 -PE RR I, 65
1 36 -PE TE RS , 71
1 37 -PI ET RI , 3 6
1 38 -PLA T Ã O , 22 , 4 2, 5 9, 6 9
1 39 -PO N TE S DE M I RA N D A , 1 9, 2 2, 2 3, 24, 25 , 26 , 2 9, 3 6, 5 7, 58, 59 , 60 , 6 1, 7 0,
7 2, 77 , 7 8, 8 4, 9 3, 87, 88 , 90 , 9 2, 1 39 , 14 0, 1 46 , 14 8, 15 0, 151 ,1 52
1 40 -PO PPE R, 17 4
1 41 -PO S N ER , 1 28
1 42 -PR IGO GI N E , 16 4
1 43 -PR O GO FF , 95
1 44 -PR O TÁ GO R A S , 22
1 45 -R AM Ó N CA PE LLA , 12 8
1 46 -R AS I LLA , 111 , 1 34
1 47 -R AV EN , 40, 42 , 44 , 1 31
1 48 -R ECA S É N S S I CHE S , 9 3
1 49 -R OB S IN S O N , 1 16
1 50 -R OC HA , 1 56
1 51 -R OD GE RS , 9 9
1 52 -R OU S S EA U , 48 , 6 4
1 53 -S A N TI LLI , 98
1 54 -S A N TO S , 1 4, 8 8, 89, 13 4
1 55 -S A RLE T , 69 , 7 4, 7 6, 1 51 , 15 8, 159 , 1 62
1 56 -S A RT R E, J . P, 5 5
1 57 -S A UE R, 50
1 58 -S CHN A I BE R G, 52
1 59 -S CHO F IE LD, 40 , 42 , 4 4, 1 31
1 60 -S CHO PE N HA U ER , 1 63
1 61 -S CHU TZ , 30
1 62 -S CHW E IT Z E R, 101
1 63 -S CI A CCA , 42
1 64 -S EN D IM , 3 3, 34, 10 1
1 65 -S ILV A , 10 0, 158
1 66 -S IN GE R , 16 4
1 67 -S IQU EI R A C A ST R O , 16 2
1 68 -S O RI A N O , 11 1, 134
198

1 69 -S O TO RI VE RA , 14
1 70 -S PIN O Z A , 13, 14 , 16 , 3 9, 5 6, 9 4, 102 , 1 16, 11 7, 1 18 , 11 9, 120 , 1 21, 12 2
1 71 -S TI GLE R, 16 8
1 72 -S TR A BO , 45
1 73 -T AL ES DE M I LE TO , 4 3
1 74 -T AN S LE Y, 5 1
1 75 -T ELLE S J ÚN I O R, 93, 96
1 76 -T IM BE R GEN , 63
1 77 -T IPLE R , 12 9
1 78 -T OM Á S DE A QU I N O, 46
1 79 -T RÍ A S, 37
1 80 -T RI PLE R, 129
1 81 -T RI VER S , 6 3
1 82 -U LG A R, 115
1 83 -V IEI RA D E A N DR A DE , 1 61, 16 2
1 84 -W A DE , 1 10
1 85 -W EB ER , 3 7, 140
1 86 -W HI N TM A N , 94
1 87 -W IE A CKE R , 91
1 88 -W IN T E R, 99
1 89 -W IT T GEN S T EI N , 1 52
1 90 -Z IM M E R, 15 0
Z UB IR I , 16 0, 1 61
199

Í ND IC E
A GR A DE CI ME N T O S...........................................................................................................................4
R AZ Õ E S J US T IF IC A TÓ R IA S ...............................................................................................................5
..................................................................................................................................................................5
Carlos Alberto Molinaro................................................................................................. 9
R ES UM O ...............................................................................................................................................1 0
A BS T RA C T...........................................................................................................................................1 1
S UM Á R IO .............................................................................................................................................1 2
I NT R O DUÇ Ã O ....................................................................................................................................1 3
PR IM E IR A PA RT E – R A CI ON A L ID A DE E CO LÓ GI CA ............................................................ 1 8
1 . DA RE LA ÇÃ O N A T UR EZ A / CU LT UR A .....................................................................................2 1
1 .1 – A R E LA ÇÃ O SU BS T A N TI VA N A TU R EZ A / CU LTU R A ......................................................2 4
1 .2 – A R E LA ÇÃ O A DJE TI VA N A TU R EZ A / CU LTU R A .............................................................3 0
2 . A R EL A ÇÃ O N A TU RA L/ CU LT UR A L E O A MB IE N T E..........................................................3 1
2 .1 – O N A T UR A L E O CUL TU RA L C OM O A N T ÍS T RO F E DO A M BI EN T A L .....................3 3
2 .2 – O N A T UR A L E O CUL TU RA L D A LI N GU A GEM E O A M BI EN T E ............................. 3 5
3 – DA RA Z Ã O M O DE RN A – LIN G UA GE M E CO N S CI ÊN C IA : DA EX A U ST Ã O DA
R AZ Ã O M O DE R N A C ON D IÇ Ã O P A RA A RA C IO N A LI DA D E EC O LÓ GI CA ................. 3 7
3 .1 – UM PO UC O D E HI S TÓ R IA ...................................................................................................3 9
3 .2 – A R A Z Ã O N O Â M BI T O A M B IE N TA L ( N Ú CLE O E S SE N CI A L) .................................. 4 2
3 .3 – UM A RA C IO N A LI DA D E E CO LÓ GI CA ............................................................................5 2
4 – O S E R HU M A N O E S U A R E LA ÇÃ O CO M O A M B IE N TE ................................................5 4
4 .1 – O S I GN IF IC A DO DE “ RE LA ÇÃ O ” E DE “A M B IE N T E” N A PE RS PE CT IV A D O
“E N CO N TR O ” DO S S UJE I TO S / OB JE TO S RE LA CI O N A DO S ................................................ 5 5
4 .2 – DA RE LA ÇÃ O S UJ EI TO / O BJE T O......................................................................................5 7
4 .3 – A S R EL A ÇÕ ES S O CI O- BI O CEN Ó T I CA S D O S E R HU M A N O E O E N TO R N O ..... 6 0
4 .4 – A S R EL A ÇÕ ES E A S RE PR ES E N TA Ç Õ ES QUE D EL A S S E F A Z EM ............................ 6 4
5 – A D IA LÉ T ICA PO S I ÇÃ O -DI S PO S IÇ Ã O ...............................................................................6 5
5 .1 – A S D ER IV A ÇÕ ES DO N ÚC LE O S I GN IF IC A TI VO PO S IÇ Ã O- DI SP O SI ÇÃ O ......... 6 6
5 .2 – A D IA LÉ T IC A PO S I ÇÃ O / DI SP O SI ÇÃ O E O DI RE I TO A M BI EN T A L.........................6 8
5 .3 – PO S IÇÃ O / DI S PO S IÇ Ã O R E LA TI VA M E N TE A O S DI R EI TO S HU MA N O S E D IR EI ­
T OS FU N DA M E N T AI S D ES D E O S P RI M A DO S DA DI GN ID A DE H UM A N A E D A S E GU­
R AN Ç A J UR ÍD IC A E M SE DE A M BI EN T A L ................................................................................7 5
5 .3. 1 – S ÍN T ES E ..................................................................................................................................7 8
5 .3. 2 – FU N DA M E N TO S DO S D IR E IT O S H UM A N O S .............................................................. 7 9
5 .3. 3 – A I M PO R TÂ N C IA DO S DI RE IT O S H UM A N O S , E S PEC IA L ME N T E O S D IR E IT O S
S O CIO A M B IE N TA I S ..........................................................................................................................8 0
5 .3. 4 – DI RE I TO S FU N DA M EN T A I S. DI RE I TO S FU N DA M E N TA I S A M B IE N TA I S ............... 8 0
5 .3. 5 – UT IL IZ A N D O A M ET O DO LO GI A PO S IÇÃ O / DI S PO S IÇ Ã O E M S E DE DE
D IRE I TO S HUM A N O S E DI R EI TO S FU N DA M E N TA I S ............................................................... 8 2
6 – SI S TE M A S D E A DA P TA Ç Ã O, PR O DUT O S C ULT U RA I S E O D IR EI T O......................... 8 4
6 .1 – O D IR EI T O C OM O PR O DU TO CU LTU R A L..................................................................... 8 5
6 .1. 1 – CO M O P RO D UT O C ULT UR A L O D IR E IT O C O N S IS T E N O E QU ILÍ BR I O D O QU E
T EN DE A O PO R -S E ...........................................................................................................................8 8
6 .1. 2 – O D IR E IT O C O MO PR O CE S SO DE A DA PT A ÇÃ O E CO R R IGE N DA DA S R ELA ­
Ç ÕE S S O CI A IS ..................................................................................................................................8 9
6 .2 – O D IR EI T O D ES DE UM A VI SÃ O CU LT UR A LI ST A .......................................................... 9 1
6 .3 – O D IR EI T O E O A M BI E N TE - O DI RE I TO S Ó O É N O ES PA Ç O S O CI A L. A Í ELE É
PE RM I S SÃ O ........................................................................................................................................ 9 5
6 .4 – O D IR EI T O D O A M B IE N TE ...................................................................................................9 7
6 .4. 1 – O N Ú CLE O D O C O N CE IT O D E DI R EI TO A M BI E N TA L O U DO A M BI E N TE ...... 9 9
6 .4. 2 – O A M B IE N TE UM BE M T UT E LA DO ..............................................................................1 00
S EGU N DA PA R TE – E S TA D O S O CI O A M BI EN T A L E DE M O CR Á TI CO DE DI RE IT O ...1 03
E O S P RI N CÍ PI OS I US A M BI EN T A I S............................................................................................1 03
7 –CO M O N O S I N SE R IM O S N UM ES T A DO S OC IO A M B IE N TA L E D EM O C RÁ T IC O D E
D IRE I TO ............................................................................................................................................1 09
7 .1 – TR IB UT Á R IO S DO SO C IA L: A FI R MA N D O I DE N T ID A DE S........................................ 1 10
200

7 .2 –M ÍN I M O EX I ST E N CI A L E CO LÓ GI CO E GA R A N T IA ...................................................1 13
7 .3 – UM A LEI T UR A D E S PI N O Z A ..............................................................................................1 17
7 .3. 1 – BR EV E S ÍN T ES E ................................................................................................................. 1 20
7 .3. 2 – O QU E A PR O PR IA M O S DE S PI N O Z A N A F O RM U LA ÇÃ O DE U M E S TA D O
S O CIO A M B IE N TA L E DE MO C RÁ T I CO D E D IR EI T O............................................................ 1 22
8 – ES T A DO SO C IO A M BI E N TA L E D EM O CR Á T IC O D E DI R EI TO – ECO L OG IA ,
E XI S TÊ N CI A E DI RE I TO . A PR O IB IÇ Ã O D E R ET RO G RA D A ÇÃ O E O S D IR EI T O S DE
C ON T A M IN A ÇÃ O ......................................................................................................................... 1 24
8 .1 – A F IC ÇÃ O E UM A A ÇÃ O A M BI EN T A LI Z A DA ............................................................1 25
8 .2 – DI RE IT O S D E CO N T A M IN A Ç Ã O : U MA A F RO N T A A O S EX T O PO ST U LA DO DO
E CÓ LO GO ....................................................................................................................................... 1 27
8 .3 – O E S TA D O S O CI O A M BI EN T A L PR IVI LE GIA O PR IN CÍ PI O A N T R Ó PIC O , UM
PR IN C ÍPI O Q UE N Ã O É I N CO M PA T ÍVE L CO M UM A VI SÃ O E CO CÊ N T RI CA . ..........1 30
9 – ES T A DO SO C IO A M BI E N TA L E D EM O CR Á T IC O D E DI R EI TO E A VE DA ÇÃ O DA
D EGR A DA ÇÃ O A M BI EN T A L...................................................................................................... 1 32
9 .1 – A CO R DO SE M Â N TI CO PR ÉV IO .....................................................................................1 39
9 .2 – LIM I TE S DO PRI N CÍ PI O D E PR O IB IÇ Ã O D A R ET R O GRA D A ÇÃ O
S O CIO A M B IE N TA L ....................................................................................................................... 1 44
9 .2. 1 – VE DA ÇÃ O DA DE GR A DA Ç Ã O A M BI E N TA L E T EM P O.......................................1 45
9 .2. 2 – VE DA ÇÃ O DA DE GR A DA Ç Ã O A M BI E N TA L E E S PA ÇO ....................................1 47
9 .2. 3 – O T EM P O E O E SP A ÇO A M B IE N T A L – PE RM A N Ê N CI A , C ON S E R VA ÇÃ O E
M A N UT EN Ç Ã O .............................................................................................................................1 49
9 .3 – A LCA N CE PR IM Á R IO DO PR IN C ÍPI O DE PR O I BI ÇÃ O D A RE TR O GR A DA Ç Ã O
S O CIO A M B IE N T AL .........................................................................................................................1 53
1 0 – M ÍN I M O EX I ST E N CI A L E CO LÓ GI CO , PRO I BI ÇÃ O DA R ET RO G RA D A ÇÃ O E
E ST A DO S O CIO A M B IE N TA L E DE MO C RÁ T I CO D E D IR EI T O – N UM A PE RS PE CT IV A
I US CU LTU RA L IS T A ..........................................................................................................................1 55
1 0.1 – E FE TI VA ÇÃ O DA PR O TE ÇÃ O DO M ÍN I M O EX I ST E N CI A L E CO LÓ GI CO E D A
V EDA ÇÃ O DA DE GR A DA Ç Ã O ...............................................................................................1 58
1 0.2 – PR IN C ÍP IO S IU SA M B IE N T A IS ES T RU TU R A N TE S D O E S TA D O S O CI O A M BI EN T A L
E DE M O CR Á TI CO DE DI RE IT O ..................................................................................................1 67
1 0.3 A E M ER GÊ N CIA D O E S TA D O S O CI O A M BI EN T A L E DE M O CR Á TI CO DE
D IRE I TO ............................................................................................................................................. 1 72
C ON CL US Ã O .................................................................................................................................. 1 78
R EF ER EN C IA S BI BLI O GR Á FI CA S . ..............................................................................................1 83
ÍN D IC E O N O M Á S TI CO .............................................................................................................1 93

Você também pode gostar