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Tilo original: DEA Copyright © erwin Panotiky © Br Hesting Verlag Copyright © Livan Martine Fates ators Lida Sto Pato, 1994 ‘ars preenteedgdo, por acordo cont t Dra Gevéa Panay 1 adi bros: juno de 1994 Revista raga: Monica Stal ‘Prepragse do orsina® Mare Ses Leal “Rea sefc Mauricio Balter Lest ibis Mating Albert Producio arf: Geral Alves Composioo: Anton Bost Croe Perera Capa — Prajeto: Alexandre Martins Foeter Dads imi Cts Pont (CIP) Te a volno do comer blo / Erwin Panoticy Iyacors Palo Nees." Ska ase Ms Poste {o8e"™ Cg Tone) Ties pars eons acs oios os dito para 0 lingua portuguese reservados & TIVRARIA MARTINS FONTES EDITOMA LTDA. Rus Convdheto Rama, 30/340 Ta. 233.3677 ‘is2s.00 "Sao Paulo SP — Bis INDICE, Palio & price edipio . 1 Prefcio & segunda edi... 3 Intredugio : 7 L.A Antiguidade 15 II. A Idade Média 35 TIL. Renascimento : 6 TV. “Maneiriemo’” oo - n V.O Neoclassicismo 99 VE Miguel Angelo « Diver . SOI aa Apindice I, Capstulo de G. P. Lemazzo sobre as belas proporcies © Comentirio ao Banguete de Marsilio, Ficino 125 Apindice 1G. P. Bellori. A idéia do pintor, do e cultor e do arquiteto, obtida das belezas nati rais © superior & natureza 143 Notas : : 159 “ wes se um termo técnica da teologia, mas ela pode ser com- pparada ao conteddo desse conceito. Dante, evitando in- {encionalmente utilizar nesta passagem o termo “Taia!’, resumia numa Gnica fSrmula lapidar o sentido da teo- ria medieval da arte: “A arte encontrasse em trés nf- eis: no espirito do artista, no instrumento que ele uti liza © na matéria que reoebe sua forma da arte." a O RENASCIMENTO. Com uma firmeza e uma resolugio que a citagao precedente talvez permita explicar, as publicagbes do Re- nascimento italiano em matéria de teoria e de hist6ria da arte insistiram, em contrapartida, no fato de que a arte fem por missio ser uma imitacio direta da reali de, O leitor moderno experimentara certamente um sen- limento de estranheza ao descobrir que Cennino Ce nini em seu tratado — profundamente enraizado aliss unas tradigdes dos atelits da [dade Média — dé ao artis ta preocupado em representar uma paisagem de mon- tanhas o carinhoso conselho de tomar fragmentos de r0- ‘chas € pinté-los segundo dimensdes e sob urna ilumina- gio convenientes". Essa preserigio marca no entanto 0 ccomero de uma nova época cultural. Algo dc extraordi= nariamente nove aparece: 0 pintor € aconselhado a 6o- Jocar-se em frente a uim modelo (mesmo que, no pre- sente caso, este sinda seja curiosamente “escolhido”) ¢ a 46 DEA teoria da arte arranca de um esquecimento milenar uma cconcepeio que, evidente na Antiguidade, fora rejeitada pelo Neoplatonismo e praticamente desconsiderada pe- Jo pensamento medieval, e que pretendia que a obra de arte fosse a reprodusio fiel da realidade; nfo contente lids em arrancar essa concepeo do esquecimestto, a teo- ria da arte, com pleno conhecimento de causa, promo- sye-a A dignidade de um verdadeiro programa artistic. Desde o infcio, a literatura do Renascimento sustentou ‘que 0 mérito revolucionério dos grandes artistas dos sé- ‘culos XIV e XV fora trazer de volta o imperative da “semelhanga com a natureza’” a uma arte “‘antiquada, puerilmente extraviada da verdade da natureza’™® & que se baseava apenas numa tradicio continuamente retransinitida®*. Assim, quando Leonardo da Vinci es- tabelece como prinefpio que ‘a pintura mais digna de elogio € a que apresenta maior semelhanga com a coisa que quer pintar, e digo isso para refutar os pintores que querem corrigir as coisas da natureza’™”, ele exprime tum ponto de vista contra o qual, durante séculos, ne- numa contestagZo haveria de se levantar. ‘Mas, paralclamente 3 idéia de uma imi tureza — que, considerada como um requis a exigéncia de uma exatidio ao mesmo tempo formal objetiva em relagaio & coisa” —, uma outra idéia apa rece na literatura do inicio do Renascimento e que jf estava presente na literatura antiga dedicada & arte: a de um triunfo da arte sobre a natureza; essa dominagio realizarse primeiro gracas a “imaginagio’, cuja liber- dade eriadora pode modificar as aparéncias a0 se afas- (0 RENASCIMENTO ” tar das possibilidades ¢ das vaviantes presentes na nati- re2a, ¢ inclusive produzir formas inteiramente inéditas| ‘como as dos centauros e quimeras; realiza-se também, esobretudo, gracas & inteligeéncia do artista, cuja ativi- dade consiste menos em “inventar"” do que em esco- her € aperfeivoar, e que por conseqiléncia tem o poder © 0 dever de dar a contemplar uma beleza sempre i completamente realizada naquilo que existe; embora exortando constantemente 0 artista 3 fidelidade & natu- reza4, ordena-se no menos insistentemente que ele es- colha na diversidade dos objetos da natureza o que ha de mais belo™, que evite toda deformidade, sobretudo quanto as proporgées™, e de maneita geral ve afaste di simples verdade natural para se clevar & representacio da beleza. Também aqui Demetrius, pintor io desa- creditado, fornccia o exeraplo a nfo ser seguido. ““O pin tor no deve apenas", diz Alberti, “obter wna seme- Thanga total; deve ainda acrescentar-Ihe a beleza; pois em pintura a beleza € tio agradvel quanto indispens vel"; e, com 0 mesmo entusiasme com que se espa~ Thavam as anedotas relativas sos pardais ¢ aos cavalos, ‘completadas ocasionalmente por exemplos mais fidedig- nos ¢ extraldos de uma época mais recente! talvex com maior freqfiéncia ainda, contarse que Zéuxis fez ‘uma escolha a0 reprodhirir ag virgenss de Croton; sem falar dos tebricos da arte, o proprio Ariosta nia dispen- sa seus leitores dessa anedata!®® ‘Da mesma forma que a Antiguidade (¢, afinal de contas, a nogio de “imitato” € uma heranca da Anti- guidade tanto quanto a noc de “lecti"), também 0 Renascimento exigiu de suas obras de arte simultanes- 48 IDEA mente fidelidade & natureza e belexa, sem perceber nis- 50 a menor contradigio; essas duas exigéncias, que s6 hhaveriam de se tornar incompativeis mais tarde, na ver~ dade podiam ainda aparecer como os postulades cons- titutivos de uma tinica e mesma exigéncia que solicita, ‘cada obra, que se volte a confronté-la.com a realida- de, seja para corrigila, seja para imité-la™™, Alids, & nwito significativo ver o Renascimento pér-se de sobrea- viso cpntra a “‘imitagio" dos,Mestres'®, niio ainda porque incriminasse a falta de “idéias” do imitador (0 largumento niio podia valer antes que a idéia se tortias- Seo conceito central da teoria da arte)", mas simples- mente porque a natureza ¢ infinitamente majs rica que as obras dos pintores, e 0 artista que'fmitasse as obras, fem vez de imitar a naturexa, se rebaixaris‘a ser apenas fo neto de uma natureza da qual no entanto podia ser 0 filha" ssa dupla exigéncia, que consistia doravante em. ‘explicar-se diretamente em face da realidade, imitando-a ‘mas também corrigindo-a, teria parecido quimérica na Epoca se as tradigBes de atelié, formaliente reprova das!" na medida em que dispensavam 0 artista dessa explicacao diante da natureza, nfo tivessem sido subs- tituidas por algo inteiramente diferente. Essa explica- tomnava'se possivel na medida em que o artista era projetado de um recanto limitado, mas seguro, para tima regido infinitamenkmextensa, mas ainda inexplo- rada: surgiu de fato, e niio podia deixar de surgir, aquilo que costumamos chamar de teoria da arte; embora ein ‘nuitos aspectos ela se apéie sobre antigos fundymen- tos, no seu conjunto constitui uma disciplina especifi- i 0 RENASCIMENTO 49 camente moderna, ¢ distingue-se dos anteriores eseri- tos sobre a atte, que jf eram abundantes, pelo fato de ro mais responder A questio: “Como se fis isso?” mas a uma questo totalmente diferente ¢ inteiramente estranha ao pensamento medieval: “O que se pole fax zer e, sobretudo, o que se deve saber para ser capi, dada a cixcunstineia, de enfrentar a natureza com ar- ‘mas iguais?"" 5 As concepcbes artistcas do Renascimento, em opo- sigfio As da [dade Média, tém portanto come caracterts tica 0 fato de que, de certo modo, clas arrancam 0 obje to do mundo interior da representacio subjetiva e 0 si: ‘warm num “mundo exterior” solidamente estabelecido;, também dispdem entre o sueito e o objeto (como o faz na pritica a “perspectiva””) uma distancia que ao mes- mo tempo reifica 9 objeto ¢ personifica o sujelto!®, Bra de esperar entao que, com essa colocagiio fundamerital- mente nova, se agucasse ao maximo um problema que até nossos dias constituiu 0 centro do pensamento em ‘matéria de citncia da arte; esse problema poderia e, co- imo era de esperar, deveria aparecer a partir do momento ‘em que, pela primeira ver, se achassem dissociados os dois componentes da criacio artistica: problema das re- lagBes entre o eu e © mundo, a espontaneidade € a re ceptividade, o diido material e a atividade formal, em suma, 0 que qualificaremos de “problema sujeito-ob> Jjeto!”, Mas foi o contrério que aconteceu: os objetivos dessa tcoria da arte, que apareceu no séeulo XV, eram primeiramente priticos ¢ em segundo lugar histéricos apologéticos, mas de maneira alguma especulativos, ‘que significa que seu objetivo era apenas, por um lado, 50 wea fazer da arte contemporfinea a herdeira legitima da An- tiguidade greco-romana e conquistar-Ihe, com base em seus méritos¢ suas superioridades, um lugarentre as ‘ar tes liberais", e, por outro lado, fornecer aos artistas, para orientar sua atividade criadora, regras frmemente e cientificamente fundadas, Mas a teoria da arte 86 po- dia atingir esse objetivo importante com a condicio de prestupor (o que era entio universalmente reconhecido), para além do sujeito e do objeto, a existéncia de um sis- tema de leis universais e vélidas incondicionalmente, do qual as regras da arte seriam dedusidas e cujo conheci- ‘mento constituiria a tarefa espectfica da teoria da aete. Ingenuamente, essa nova disciplina acreditava poder, tal como formulava as exigéncias de exatidio e beleza, tam- }bém indicar e trilhar 0 caminho de sua realizago: aexa- tide quanto & forma e quanto ao contetido pareciathe assegurada a partir do momento em que o artista respei- tasse por um lado as leis da percepeio, por outro as da anatomia, as da teoria psicol6giea e fisiolégica do movi ‘mento e as da fisiognomonia, Além disso ea achava que abeleza era atingida toda vez que o artista escolhia uma “bela inven” M8, evitava “tinconveniéncias’” “in- compatibilidades”, ¢ conferia As aparéncias a harmonia {que era entio concebida camo uma “harmonia’, ra- Gionalmente determinada, das cores", das qualidades © sobretudo das relagdes entre os volumes. Colocowse decerto a questio, ¢ a importincia disso foi mostrada principalmente pela teoria das proporoies!, de saber ‘como determinar essa harmonia ¢ o prazer que dela re- sulta, ¢ que constitui o fundamento desse prazer. Mas 0 RENASCIMENTO 51 8 respostas a esa questo, qualquer que forse sua for- rulagio em cada caso particular, coincidiam todas no fato de que jamais a apreciagio puramente subjetiva ¢ dividual do artista podia servir de estério para uma Justa proporcio, Se nio se apeiavam nas lei fundamen- tais da matemética ou da msica (0 que na época signi: ficava a mesma coisa), referiar-se ao menos is dec ragies de veneraveis autoridades ox ao exemplo da an- tiga estatudria™, até esprits erticos ¢ mesmo eft cosa cease respeito, como Alberti Leonardo, esforcavamn: se por extrair, a partir daquilo que j& fora julgato pela opinido ptblica'* ou pelo olhar dos “entendidos”™, uma espécie de norma, opondo-a ao eritrio de gosto puramente individual Se no exist, podemos dizer, nenhums problemé tica da criacio avtistca para 0 pensamento medieval, porque esta negava fandamentalmente 0 sujcito © 0 ob- Jeto (para ele, com efeito, a arte cra apenas arealizagao numa matéria de uma forma que nio estava ligada & ‘manifestacio de um objeto real, que também niio era produzida pela atividade de tum sjeito real, mas antes precxistia enquanto “imagem previa" no esptito do artista, essa problemitica no podia revelarse de re- pente ao pensamento do Renascimento, o qual consi- derava que 0 ser €0 comportamento do sujeito edo ob {eto cram regidos por regras que tinharm ov wna vali dade «priori, ow una fundamento empfrio; em todo ea- 0 € iso que permite compreender, fondmeno bastante singular, que a teoria da arte, que acaba de se cone tuir como disciplina no século XV, permaneca quase completamente independente, no ponto de partida, do 32 ses ‘enascimento da filosofia neoplatOnica que tem lugar na ‘mesma gpoca ¢ no mesmo meio de cultura floreatino, Pois essa visio do mundo, determinada de forma intei- ramente metafisica ¢ até mfstica, que via em Plato an tesum cosmélogo ¢ um teélogo do que um fildsofo exti- oe que jamais havia tentado sequer distinguir o plato- nismo do neoplatonismot!, mas confandia num gran- dicso conjunto Platio e Plotino, a cosmologia da Gré- cia antiga e a mistica crist, os mitos homéricos e a Ca bala judaica, a ciéncia drabe da natureza ea escoldstica ‘medieval ~ essa visio do mundo podia muito bem es- ‘imular uma especulagio te6rica sobre a arte (¢ foi o que tla fer mais tarde, como veremos), mas nio podia ter nenhuma importancia essencial para uma teoria, surgi- dacom o Pré-Renascimento, que fazia da arte uma con- ‘epso so mesmo tempo pritica e racional Semelhante teoria da arte no era ainda receptiva 8 nogies como as que Marsilio Ficina extraia de suas Ikituras de Plotino e Dion‘sio, o Areopagita, eintroduzia em suas leituras de Platio: concepgio fundamental- ‘mente naturalist dessa teoria da arte haveria justamente de insurgir-se contra a crenca de que a alma humana ‘razia nela, impresta pelo espirito divino, uma idéia re- presentativa do homem, do leo ou do cavalo apreen dos em sua perfeigio, ¢ segundo a qual julgava as coi sas da natureza! par outra lado, o levantamento pu- Tamente légico que ela fazia das “‘scte formas posstveis de movimento”""® nfo tinha nada em comum com a teoria mistica do movimento no Neoplatonismo, para © qual o movimento retilineo simbolizava a iniciativa divina, © movimento obliquo a continuidade criadora 0 RENASCIMENTO 53 de Deus ¢ © movimento circular, a identidade de Deus cconsigo mesmo! Ficino, por sua vez, ora define a be- leza, estreitamente de acordo com Plotino, como uma ““semelhanca evidente dos corpos com as Idéias"” ou co~ ‘mo um “triunfo da razio divina sobre a matéria’”!), fora a caracteriza, aproximande-se do Neoplatonismo cerist30, como um “raio emanado da face de Deus”, que penetra primeiro os anjos para ilumninar em seguida a alma humana e finalmente o mundo da matéria corpo ral!®; Alberti, em contrapartida — que estava de ple~ no acordo com as aspiragées de seus disefpulos e que bi veria de definir por mais de um século as concepetes da teoria da arte —, havia oposto a essa interpretacio ‘metalisica da beleza a intexpretagiio puramente enor’ nica da Grécia elissiea: “A beleza consiste numa har- monia e num acordo das partes com o todo, segundo determinagdes de nimero, de proporcionalidade e de or dem, tais como 0 exige a ‘harmonia’ isto 6, a lei ab- soluta e gobersna da natureza'"!®; ¢ cle diz ainda mais claramente: ‘“Deve-se cuicar que os diferentes elemen- tos se harmonizem entre si, ¢ eles se harmonizario des- de que contribuam, pelo tamanho, pela disposicio, pe- o motivo, pela cor ¢ por outras propriedacles semelhan- tes, para uma tinica e mesma beleza,”"*™ Harmonia das proporgies assim como das cores e das qualidades sen- siveis, ein que Alberti e, com ele, todos of outros ted 0s dat arte do Renascimento reconhecem como a propria csséncia da beleza, Ora, essa definigao da beleza, que Plo- tino combatia com © maior vigor por ela apreender ape- nas 0$ sinais exteriores ina nfo © prinefpio nem o sen do fitimos da beleza, foi Alberti que contribuin para faé-la triunfar por muito tempo: "A harmonia das partes entre En wea sie com o todo, ligada a combinagiio da cor”, Mas 0 mais significative & que, renunciando a uma interpre taco metafisica da beleza, pela primeira ver distendiam- se 08 vinculos, que desde a Antiguidade nunca se ha- iam afrouxado, entre 0 “belo” ¢ o “'bem"4, ¢ isso si= lenciando sobre eles mais do que rejeitando-os aberta- mente; era de fato, sao ja de direito, conferir & esfera dda extética uma autonomia que s6 haveria de receber seus fundamentos tebricos mais de trés séculos depois, que nesse meio tempo, como veremos, voltaria segui- damente a ser questionada, Pode-se portanto afirmar, com base, que a teoria daarte do Pré-Renascimento nio softeu muito, no con- Junto, a infludncia do despertar neoplaténica!™; ela se ligou, por um lado, a Buclides, Vitrivio ¢ Alhazen, por outro a Quintiliano e Cicero, mas no a Plotino nem Plato, que Alberti designa ainda simplesinente como pintor!® e cuja influéncia sé se fard sentir em maior e=- sala a partir da Divina proporzione de Luca Pacioli, pu blicada em 1509, isto é, numa obra que nl & props mente de um tebrico da arte, mas de um matemétieo © cosinélogas Apenas num aspecto o Renascimento do Platonis mo parece ter exervido desde 0 inicio uma influéncia so- bre a teoria da arte, primeira em alguns casos isolados enum dominio relativamente insignificante; depois, com maior freqiéncia e insist@ncia, encontramos a nocao de ““Idéia”” no sentido da teoria da arte. Mas, para perce- ber a diferenca essencial que separa originatiamente a intuicao fundamental da teoria da arte e a do Platonis- mo, nada é mais esclarecedor, talvez, do que este fato 0 RENASCIUBNTO 55 a unio da doutrina das Ldéias ¢ da teoria da arte 96 foi possivel mediante sacrificios consentids de parte a parte , na majoria das vezes, conjuntamente. om efeito, quanto mais a concepeio da Idéia eresce em influéncia © se aproxima de seu sentido prépria, ow seja, de seu sentido metalisico (o que se produiziu na época do cha- mado Maneirismo), mais a teoria da arte se afasta de suas origens, ou seja, de seus objetivos priticos ¢ de seus pressupostos ndio problemiticos; e, inversamente, quanto mais a teoria da arte se atém a seus objetivos © pressu= postos (como € o caso do Renascimento propriamente dito e, depois, do Neoclassiciso), mais a concepgao da aia perde a validade metafisica ou, pelo menos, a va lidade a priori que tinha até enti. ‘Segundo as conceposes da “Academia platdnica’’, que encontraram na filosofia de Marsilia Ficino sua for" mulacio definitiva, as Tdéias slo realidades metalisicas las existem como ‘‘verdadeiras substincias”, ao passo ‘que as coisas terrestres so simplesmente suas “ima- ‘gens? (isto €, as imagens das coisas efetivamente e tentes"); e, posta de lado sua substancialidade, so realidades “simples, imutiveis e subtrafdas & mistura dos contrérios""™, So imanentes ao espfrito de Deus (as vezes também ao dos anjos®, sendo definidas, de acordo com a concepeao plotiniana e patrstica, como “os modelos das coisas no espirito divine”). Mas a conscigncia humana s6 pode chegar a um conhecimen- to qualquer porque as ‘“impressbes"” (em latim: “formu lee") das Tdéias existem em nossa alma desde sua exis- \ncia anterior e supraterrestre®!, Essas impresses, sandlogas a "‘centelhas arrancadas & luz originéria de 56 wea Deus”, esto, por causa de uma longa inatividade, “a pponto de serem extintas””, mas, quando reanimadas pela “doutrina’”, tornama-se de novo luminosas gracas As Tedgias, “como os raios da visio gragas & luz das estee- las": “O que se acrescenta ao espfrito, que deste mo- do nfo é afetado progressivamente de um amor sira- plesmente humano, é stibito a luz de uma ardente ver- dade, Mas de onde cla provém? Provém do fogo, isto 6 de Deus que britha ou cintila, Por essas centelhas cle representa as Idéias... representa também as impres- sbes engendradas em nés pelas Idéias, e que, inicial- mente adormecidas por inatividade, so reanimadas a0 sopro da doutrina ¢ iluminadas pelas Idéias, como 0 Mio a8 raios que bratam dos olhos pelos raios que vém das estrelas,""82 ‘Ora, 0 que vale para o conhecimento em geral vax le ainda mais (¢ com maior razio) para o conhecimento do belo. Também a Idéia do belo est impressa em nos- s0 espfrito como uma “férmula’", e & somente essa no- ‘edo inata que confere a nés, ao que hi de ‘“espiritual”” em nés, a faculdade de reconhecer a beleza visivel e de julgé-la em fungio de uma invisivel beleza e saborean- do o triunfo, tal como nela se manifesta, do “‘eidos’” sobre a matéria: bela é a coisa que, na terra, est em hharmonia mais completa com a Tdéin da beleza (¢ 40 mes- ‘mo tempo com sua idéia propria), ¢ reconhecemos essa harmonia relacionando a aparéncia sensivel A f6rmu- Ia conservada em nés!, (O conceita da Idéia apresenta, em Leone Battista Alberti, um caréter! completamente diferente, Meso discutindo sobre os postulados do belo, apés ter vilipen- 0 REwascimeNto 37 diado Demetrius, o realista da Antiguidade, e pouco an- tes de contar a inevitivel histéria de Zéuxis © das vir~ gens de Grotona, Alberti deixa transparecer, como ad- verténcia ao excesso em sentido contrério, uma acusa-

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