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FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO- UFBA

TÓPICOS ESPECIAIS EM TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA, URBANISMO


E PAISAGISMO: HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DA ARQUITETURA E
URBANISMO MODERNO
RAQUEL DE SANTANA LOPES

Resenha crítica do texto “História do Urbanismo” de Jean-Louis Harouel.

Jean-Louis Harouel é um autor francês com formação em história do direito e


especialização em direito urbano. Nasceu em 1940 e escreveu o livro de que se refere esta
resenha em 1990.
A princípio, quando se fala em urbanismo, pode-se pensar que é algo que existe desde
que há civilização urbana sobre a Terra. Porém é preciso entender que o termo de que o
autor trata no texto é relacionado especificamente à ciência ou disciplina oriunda do
século XIX, embora o uso do termo seja bastante ambíguo e utilizado para se referir a
atuações distintas, mas entrelaçadas. Ou seja, a questões de desenho urbano, urbanismo e
planejamento urbano.
O urbanismo atual nasce a partir da Revolução Industrial do século XVIII, cujo berço foi
a Inglaterra. A realidade a partir do advento da indústria é um verdadeiro caos urbano, já
que as cidades não estavam preparadas para receber o grande contingente populacional
que cada dia mais migrava das zonas rurais para a cidade, em busca de uma vida melhor
e um salário. O resultado é uma paisagem urbana conturbada, surgem de cortiços e outros
tipos de moradias com muitas pessoas vivendo por metro quadrado, em ambientes
insalubres e desconfortáveis, trabalho infantil, diminuição da expectativa de vida da
classe operária, além da grande poluição gerada pelas indústrias. Por esta razão, as
pessoas que viveram nessa época e principalmente os intelectuais começam a crer que a
cidade era algo ruim, um mal a ser superado, ou que pelo menos precisaria passar por
transformações radicais.
Diante disto, os pensadores e teóricos da época buscam soluções para intervir nas cidades
de modo a sanar esses problemas e construir um ambiente urbano saudável, limpo e livre
da “marginalidade” que havia crescido muito. As principais correntes de intervenção
urbanísticas que surgem a partir dessa demanda são: os progressistas, os humanistas, os
naturalistas.
A corrente progressista baseia-se na definição de um modelo de cidade ideal, capaz de
ser aplicada a qualquer grupo humano em qualquer lugar, considerando a existência de
um homem ideal cujas necessidades são as mesmas independente da origem, cultura,
individualidades, etc. Sendo, portanto, extremamente utópica e irreal. Alguns dos teóricos
que iniciaram este pensamento foram Fourier, com a ideia de substituir a cidade pelo
falanstério; Owen, cuja proposta é a fundação das cidades de harmonia e cooperação; e
Godin, com a construção do familistério em Guise. Ambas de alguma forma incluem a
ideia de habitação em conjunto com construção de grandes edifícios interligados que
acomodassem mais de 1000 pessoas. Estas teorias também estão tomadas da preocupação
com o bem estar humano (presença de luz natural, ventilação e espaços verdes), porém
não estuda de fato as necessidades e interesses dos grupos que iriam habitar ali, já que,
como foi dito, é voltado para um homem ideal (que não existe). Além disto, o modo de
vida nessas “cidades” sugeridas, na maioria das vezes, pretende ser ditado e rigidamente
controlado pelos seus criadores. No caso das construções voltadas para a habitação de
operários essas regras eram ditadas pele empresa, visando o controle total sobre eles.
O urbanismo progressista é obcecado pela modernidade e demonstra um desprezo pela
cidade antiga, incluindo edifícios históricos oriundos dos tempos medievais, de forma que
se permite apenas a preservação dos monumentos considerados mais importantes e o
restante, principalmente moradias, é condenado à destruição para dar lugar a vias super
largas e edifícios altos e imóveis coletivos. Nas propostas dos novos modelos de cidade
há forte influência das ideias de Le Corbusier e é grande a preocupação com a higiene, os
espaços amplos e as áreas verdes. Pode-se resumir o urbanismo progressista ao lema da
abolição da rua e a vida nela (considerada fonte da sujeira, barulho, malandragem, crime,
etc) e isso por que as construções previam que os espaços comuns e de circulação
ocorressem dentro dos limites dos lotes. Além disso, ocorre um desmembramento urbano,
com a definição de áreas de trabalho, moradia e lazer em zonas específicas da cidade.
A corrente humanista, marcada principalmente pelo surgimento do movimento
culturalista, diferente da progressista, traz um pensamento marcado pela carência cultural,
a nostalgia da cidade antiga, o calor das ruas cheias de vida. Por isso Mumford propõe
um sistema urbano que valoriza a vivência comunitária que é polinucleísta (múltiplos
centros, criando pequenas aglomerações). Esse pensamento, partidário da continuidade
do tecido urbano, tende a mostrar que a solução não é sobrepor a cidade nova à antiga,
mas sim construir ao lado, subjacente. O movimento culturalista também procura estudar
a história e tradição de construção de cidades para extrair diretrizes importantes para a
construção das cidades modernas, considerando aquilo que deu certo nas cidades antigas.
Dessa corrente sai o modelo de cidade de Howard: a cidade-jardim - cuja realização se
deu em duas cidades vizinhas de Londres, sem ter, entretanto, a autonomia econômica
prevista, transformando-se, portanto, em cidades-dormitório. Dentro dessa corrente surge
também a contrapartida de que a cidade deve ser feita para homens reais, que tem
necessidades e aspirações que precisam ser consideradas, e propõe uma
multidisciplinaridade nos estudos (levando em conta a geografia, história, economia,
sociologia e estética). Geddes, um dos pensadores urbanistas, rejeita qualquer tipo de
modelo, pois diz que cada caso é particular. Nesse contexto, o urbanismo é visto como
uma ciência de observação cujo objeto é a própria cidade.
A corrente naturalista, cujo pensamento explica muito sobre as organizações urbanas
presentes nos Estados Unidos até os dias de hoje, está ligada à ideia anti-urbana,
valorizando uma relação maior com a natureza. Surgindo nesse país, essa corrente só
funciona de fato ali, culminando na formação dos bairros suburbanos americanos, com
suas habitações unifamiliares amplas e com espaços abertos, e pequenos centros urbanos
isolados uns dos outros. O Wright foi o arquiteto responsável pela idealização desse
modelo em que era imprescindível a posse de uma grande porção de terra para garantir a
felicidade do indivíduo, contrastando com as correntes próprias da Europa nesse
momento, onde era valorizado os edifícios gigantes para várias famílias habitarem juntas.
Porém, dentre os três, o mais difundido mesmo é o urbanismo progressista, com grande
repercussão no Brasil inclusive, principalmente através do arquiteto responsável pela
construção de Brasília, Oscar Niemyer. O principal problema dessa corrente urbanística
é que ela não considera muito as proporções dos edifícios, interiores e ambiente urbano
com a escala humana e sensações do usuário. Prova disto são as ruas enormemente largas
da nova Barcelona (bairros residenciais), nova Paris (praças e pontos de monumentos) e
Brasília (como a praça dos três poderes por exemplo).
A partir da segunda metade do século XX, começa-se a perceber os efeitos negativos das
renovações urbanas que abandonam as ruas. O conceito de zoning passa a cair em desuso
pois acarreta na delinquência, monotonia e insegurança das ruas dos bairros residenciais
e por outro lado congestionamentos nos centros comerciais e empresariais. Dessa maneira
volta-se a construir cidades com bairros com múltiplas funções, com residências, lojas,
prédios comerciais próximos, devolvendo o dinamismo perdido às ruas.
Apesar do interesse da maioria em reconstruir cidades antigas (a exemplo de Paris),
promovendo destruição de verdadeiras relíquias históricas, houveram muitos movimentos
e organizações no séc XIX em prol da preservação de monumentos históricos e da
reabilitação da cidade antiga e de certa forma isso acaba sendo ouvido pelas autoridades
e setores privados influentes, mas é no séc. XX que isso ocorre de maneira mais efetiva e
regulamentada. Aos poucos, foi-se conquistando o respeito pela cidade como um todo,
não mais um edifício, ou uma rua, ou paisagem, mais todo o tecido urbano.

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