Você está na página 1de 18

Artigo

A discussão neste arti-


go se estabelece dentro
A IDEALIZAÇÃO D O
dos parâmetros teóricos
da psicanálise e volta-se
para os alunos das ca-
ATO EDUCATIVO:
madas populares, os
quais são apontados, na
literatura especializada
EFEITOS N O
acerca das diversas mo-
dalidades de inadaptação
escolar, como os que fre-
FRACASSO
qüentemente fracassam na
escola. Apontam-se os
efeitos, nestes alunos, de
ESCOLAR DAS
uma prática educativa
que se espelha no ideal e
na ilusão imaginária e
CRIANÇAS DAS
que tem como conseqüên-
cia o esvaziamento do
papel do professor no
CAMADAS
processo de ensino e de
aprendizagem e a produ- POPULARES
ção do fracasso escolar.
Psicanálise e educação;
fracasso escolar; media-
ção do conhecimento;
ideais educativos; papel V i v i a n e N eves L e g n a n i
do professor
S a n d r a F r a n c e s c a C o n t e de A i m e i d a
THE IDEALIZATION OF
THE EDUCATIONAL ACT:
EFFECTS IN THE
CHILDREN'S SCHOOL
FAILURE IN THE POPULAR
LAYERS
The discussion in this
article settles down inside M u i t o se t e m e s c r i t o s o b r e e d u c a ç ã o ,
of the theoretical parame-
ters of the psychoanalysis n o Brasil, p o r ser esse u m c a m p o a b e r t o de c o n h e -
and focus the students of c i m e n t o e, c o m o tal, e m c o n s t a n t e r e f o r m u l a ç ã o . As
the popular layers, which
articulações d a e d u c a ç ã o c o m o u t r o s c a m p o s de co-
are pointed as the ones
that frequently fail in the n h e c i m e n t o estão s e m p r e presentes nesses questiona-
school. It points the m e n t o s , p o i s a c o m p l e x i d a d e d o s fatores q u e per-
effects, in these students,
of an educational practice m e i a o a t o e d u c a t i v o m o s t r a - n o s a necessidade des-
that mirrors itself in the sas c o n s t a n t e s articulações.
ideal and imaginary illu-
sion and its consequence:
the emptying of the
teacher's role in the tea-
ching and learning pro-
cess and the production
of the school failure.
Psychoanalysis and
education; school • Psicanalista, doutoranda em Psicologia na UnB, professora
failure; mediation of da Universidade Católica de Brasília.
the knowledge;
educational ideals; the • • Psicanalista, professora adjunta do Instituto de Psicologia da
teacher's role Universidade de Brasília.
A crise q u e assola o n o s s o sistema e d u c a c i o n a l , q u e se m a n i -
festa n o n ú m e r o excessivo d e evasão escolar e r e p e t ê n c i a , p r i n c i -
p a l m e n t e das séries iniciais, nas d i f i c u l d a d e s de a p r e n d i z a g e m d o s
alunos, na má formação dos educadores, assim c o m o n o baixo
nível de c o n h e c i m e n t o s t r a n s m i t i d o s nas escolas, a u t o r i z a a b u s c a
e a reflexão de n o v o s subsídios teóricos v i s a n d o à m e l h o r i a da
prática educativa.
O c a m p o d a p s i c o l o g i a d a e d u c a ç ã o t e m c o m o u m a de suas
f u n ç õ e s a p r o d u ç ã o d e t e o r i a s p s i c o l ó g i c a s q u e p o s s i b i l i t e m aos
e d u c a d o r e s u m a reflexão s o b r e suas p r á t i c a s e d u c a c i o n a i s . A s s i m ,
A l m e i d a (1995), e x a m i n a n d o essa f u n ç ã o e t o m a n d o c o m o referên-
cia os p r e s s u p o s t o s de W a l l o n , assinala q u e a relação entre a psico-
logia e a e d u c a ç ã o deveria se realizar de f o r m a dialética. C a b e r i a à
psicologia s u b s i d i a r t e o r i c a m e n t e a e d u c a ç ã o , m a s , ao m e s m o tem-
p o , verificar se esses subsídios são pertinentes para o aperfeiçoamen-
to da prática educativa e, ainda, manter-se aberta em suas p r o d u ç õ e s
teóricas aos n o v o s p r o b l e m a s o r i u n d o s d a p r á t i c a p e d a g ó g i c a , eli-
m i n a n d o , assim, a d i c o t o m i a e n t r e teoria e p r á t i c a .
Sair da área da psicologia e focalizar, especificamente, a relação
da educação c o m a psicanálise requer precauções a i n d a maiores,
c u i d a n d o p a r a q u e essa a r t i c u l a ç ã o n ã o resulte em e q u í v o c o s .
A psicanálise constituiu-se c o m o c a m p o teórico a partir da
clínica e, c o m o tal, m a n t é m - s e aberta para constantes reformulações
a d v i n d a s dessa m e s m a p r á t i c a . P o r t a n t o , a i d é i a de q u e a t e o r i a
psicanalítica possa receber influências de qualquer o u t r a prática,
c o m o , p o r e x e m p l o , a prática educativa, implica riscos de u m a
d e s c a r a c t e r i z a ç ã o de seu c o r p o t e ó r i c o .
Desse m o d o , se p o d e m o s p r e s s u p o r u m a relação dialética entre
a psicologia e a e d u c a ç ã o , p a r a q u e n ã o haja u m a d i c o t o m i a entre
a teoria e a prática, esse p r e s s u p o s t o n ã o p o d e ser levado a t e r m o
ao c o n s i d e r a r m o s a relação d a psicanálise c o m a e d u c a ç ã o .
P a r a d o x a l m e n t e , e n t ã o , p o d e r í a m o s n o s p e r g u n t a r se é r a z o -
ável c o n s i d e r a r a p o s s i b i l i d a d e d a p s i c a n á l i s e de c o n t r i b u i r , efeti-
vamente, c o m a prática educativa, a partir de questões teóricas
p r ó p r i a s a seu c a m p o . P o d e r í a m o s p e n s a r os c o n f l i t o s , as dificul-
dades d a relação p r o f e s s o r - a l u n o o u , a i n d a , refletir s o b r e o s u p o r -
te s u b j e t i v o d o s u j e i t o q u e a p r e n d e , t o m a n d o c o m o r e f e r ê n c i a
teórica conceitos c o n s t r u í d o s na experiência clínica psicanalítica?
P o d e r í a m o s r e f o r m u l a r c o n c e p ç õ e s s o b r e os fracassos o u os êxitos
nas a p r e n d i z a g e n s ?
C a t h e r i n e M i l l o t , e m Freud antipedagogo (1987), apresenta
ressalvas acerca da p o s s i b i l i d a d e de articulação entre a psicanálise e
o c a m p o e d u c a t i v o . Esse t r a b a l h o representa, c o m o a p o n t a Kupfer
(1992), a o p i n i ã o d a m a i o r i a d o s p s i c a n a l i s t a s d a a t u a l i d a d e , q u e
t e m e m u m a a p l i c a ç ã o da psicanálise Iremos nos deter no ú l t i m o
fora d o c a m p o p s i c a n a l í t i c o . eixo destacado pela psicanalista fran-
Ferreti (1982) e A l m e i d a (1998), cesa, p o r ser esse p e r t i n e n t e à discus-
contrariamente a Millot, não postu- são q u e q u e r e m o s e s t a b e l e c e r n e s t e
l a m a o p i n i ã o de ter sido F r e u d u m trabalho.
a n t i p e d a g o g o . Para Ferreti, Millot Segundo a autora, a conceitu-
(1987) c o n s t r u i u u m a leitura d o s tex- a l i z a ç ã o de F r e u d s o b r e a p u l s ã o
t o s de F r e u d d e f o r m a n i t i d a m e n t e de m o r t e vem m o s t r a r a impossi-
c r o n o l ó g i c a , o que, n a sua avaliação, b i l i d a d e de h a r m o n i a entre o ho-
ela c o n s i d e r a p r e j u d i c i a l à a n á l i s e mem e o m u n d o , entre o h o m e m
sobre o posicionamento freudiano a e si m e s m o e e n t r e o " b e m " e o
r e s p e i t o das q u e s t õ e s c o n c e r n e n t e s à desejo h u m a n o .
educação. A l m e i d a a p o n t a que Freud, A a u t o r a expõe, em sua análise,
a p e s a r d e ter-se r e f e r i d o à e d u c a ç ã o que e d u c a ç ã o e p u l s ã o de m o r t e
c o m o u m a tarefa i m p o s s í v e l , foi ele põem-se e m t e r m o s t o t a l m e n t e anta-
m e s m o " u m crítico implacável da g ô n i c o s . A e d u c a ç ã o , s e g u n d o sua
pedagogia tradicional 'ortopédica'" p r o p o s i ç ã o , situa-se t r a d i c i o n a l m e n -
(1998, p.119). te a o l a d o d o " b e m " , e, p o d e r í a m o s
Considerar, no entanto, como acrescentar aqui, o " b e m " em ques-
defendem Ferreti e Almeida, que a tão situa-se, dessa f o r m a , d o l a d o
o b r a de F r e u d n ã o dá m a r g e m a d o ideal.
u m a a n t i p e d a g o g i a n ã o significa atri- P a r a M i l l o t , esse " b e m " q u e se
b u i r m e n o s i m p o r t â n c i a ao t r a b a l h o a l m e j a p o r m e i o d e u m a excessiva
de M i l l o t . Seus escritos t r a z e m ques- i d e a l i z a ç ã o n o c o n t e x t o escolar tor-
tões p e r t i n e n t e s , q u e p e r m i t e m refle- na-se u m a a b e r r a ç ã o q u a n d o p e n s a -
tir sobre o limites da a r t i c u l a ç ã o m o s o c o n c e i t o de p u l s ã o de m o r t e ,
entre a psicanálise e a educação e que solapa t a n t o as questões idealiza-
a l e r t a m s o b r e o e q u í v o c o da aplica- das q u a n t o as narcísicas, as quais se
b i l i d a d e direta da teoria psicanalítica m e s c l a m n a função educativa.
à prática educativa. A morte, como uma verdade
O s três p r i n c i p a i s p i l a r e s t e ó r i - i r r e f u t á v e l d e t o d o s os sujeitos h u -
cos sobre os q u a i s M i l l o t (1987) an- m a n o s , aparece nos escritos de
c o r a sua tese p o d e m ser a s s i m resu- F r e u d e d e L a c a n c o m o u m a força
midos: que remeteria à inércia, ao silêncio
- é impossível a prevenção de a b s o l u t o , o u m e s m o à falta de sig-
d i s t ú r b i o s psíquicos, e n t e n d i d o s a q u i nificações n o c a m p o da linguagem.
c o m o neurose, psicose e perversão; T o m a forma de p u l s ã o q u a n d o
- a existência do inconsciente F r e u d (1920) p o s t u l a q u e essa força
solapa q u a l q u e r tentativa de c o n t r o l e opera entre o corpo e o psiquismo
que o p l a n e j a m e n t o pedagógico possa d o sujeito h u m a n o , l e v a n d o - o a re-
almejar; petir indeterminadamente aquilo
- os ideais d a e d u c a ç ã o , q u e se q u e o faz sofrer, o u , s e g u n d o a ter-
b a s e i a m e m u m " b e m " , n ã o se arti- m i n o l o g i a de Lacan, levando-o àqui-
c u l a m c o m a p u l s ã o de m o r t e . lo q u e r e m e t e a o g o z o .
Freud, n o entanto, propõe u m a reconciliação com a questão
d a m o r t e , u m a vez q u e é d a o r d e m d o i m p o s s í v e l e s c a m o t e a r essa
realidade, e a p o n t a , e m 1915, q u e t o r n a r a vida suportável é tarefa
de t o d o ser v i v o e q u e a i l u s ã o p e r d e t o d o seu v a l o r q u a n d o se
o p õ e a esse dever ( F r e u d , 1915).
I l u s ã o , i d e a l i z a ç ã o e n a r c i s i s m o o p e r a m n o s e n t i d o de i m p o r
u m a força c o n t r á r i a à felicidade possível, a qual, s e g u n d o Freud, se
entrelaça aos verbos a m a r e t r a b a l h a r . A p o s s i b i l i d a d e de reconcili-
ação teria de passar p o r esse p o n t o : apesar da m o r t e , que se i m p õ e
c o m o u m a c a s t r a ç ã o p a r a o sujeito h u m a n o e, c o m o tal, descarta
t o d a s as g a r a n t i a s e c e r t e z a s n a s q u a i s o s u j e i t o p o s s a q u e r e r se
agarrar, m e s m o assim, sem o u t r a alternativa, caberia a esse sujeito
sair de d e n t r o de si e c o n t i n u a r seus i n v e s t i m e n t o s l i b i d i n a i s . Tais
i n v e s t i m e n t o s articular-se-iam n o c a m p o a m o r o s o e n o c a m p o d o
t r a b a l h o , e n q u a n t o u m a p r o d u ç ã o t r a n s f o r m a d o r a de algo para si e
p a r a os o u t r o s .
D e n t r o da a r g u m e n t a ç ã o de M i l l o t a p o n t a m o s , ainda, u m a for-
m u l a ç ã o d e F r e u d q u e se r e f e r e e s p e c i f i c a m e n t e às q u e s t õ e s
educativas:
" D e i x a n d o q u e a j u v e n t u d e vá ao e n c o n t r o da vida c o m u m a
o r i e n t a ç ã o p s i c o l ó g i c a t ã o falsa, a e d u c a ç ã o n ã o se c o m p o r t a de
m o d o d i f e r e n t e a o d o caso d e se c o g i t a r de e q u i p a r pessoas p a r a
u m a expedição polar c o m trajes de verão e mapas dos lagos italianos.
(...) Sua severidade seria m e n o s funesta se a e d u c a ç ã o dissesse: ' O s
h o m e n s d e v e r i a m ser a s s i m p a r a e n c o n t r a r a felicidade e fazer os
o u t r o s felizes; p o r é m é preciso prever q u e n ã o são assim'. A o invés
disso se deixa o adolescente acreditar que todos os h o m e n s obedecem
a essas prescrições, e p o r t a n t o t o d o s eles são v i r t u o s o s . E se deixa
q u e ele acredite nisso p a r a justificar a exigência de q u e t a m b é m se
t o r n e assim" (Freud, 1930, c i t a d o p o r M i l l o t , 1987, p . l 15).
Essas críticas de Freud às metas educativas, feitas em seu traba-
l h o O mal-estar na civilização (1930), s ã o , e m n o s s a o p i n i ã o , de
g r a n d e relevância p a r a refletirmos sobre os impasses existentes atu-
a l m e n t e n o c o t i d i a n o escolar, e m q u e prescrições g r a n d i o s a s e exi-
gentes o p e r a m de f o r m a c o n t u n d e n t e , v i a b i l i z a n d o a exclusão d o s
a l u n o s d a escola.
L a j o n q u i è r e (1996), ao d i s c u t i r a q u e s t ã o d a i n d i s c i p l i n a n o
c o t i d i a n o escolar, p o n t u a que essa questão, assim c o m o a d o fracas-
so escolar, acaba p o r m o s t r a r o excesso de idealização p r e s e n t e n a
e d u c a ç ã o . S e g u n d o o a u t o r , i n d i s c i p l i n a e fracasso c o n v e r g e m e m
m a i o r o u m e n o r g r a u p a r a o p o n t o de fuga da i m a g e m d o a l u n o
ideal q u e r e c o r t a o h o r i z o n t e d o i m a g i n á r i o escolar.
S e g u n d o o a u t o r , o i m a g i n á r i o escolar o p e r a c o m o represen-
t a n t e de u m o u t r o m a i o r , que seria o i m a g i n á r i o social, n o qual a
c r i a n ç a é p o s t a em u m lugar de
esperança narcísica por aquele que
a educa. Desse lugar, cabe à crian-
ça m o s t r a r q u e , q u a n d o a d u l t a , n o
f u t u r o , vai satisfazer t o d a a po-
tência imaginária d o adulto educa-
d o r , o u seja, s e r á u m s u j e i t o s e m
f a l h a s . F a l h a s essas q u e o s e d u c a -
dores percebem neles p r ó p r i o s e
que, p o r isso m e s m o , d e n e g a m o
f a t o d e q u e p o s s a m e x i s t i r , n o fu-
t u r o , n a q u e l e s q u e p o r eles h o j e
são e d u c a d o s .
O a u t o r prossegue sua análise
p o s t u l a n d o q u e , e m b o r a F r e u d te-
n h a c o n s i d e r a d o q u e a c r i a n ç a , en-
q u a n t o f o n t e de i n v e s t i m e n t o n a r c í -
sico, fosse u m u n i v e r s a l p s í q u i c o
t r a n s - h i s t ó r i c o , é a p e n a s c o m o ad-
v e n t o d a m o d e r n i d a d e q u e ela passa
a o c u p a r o l u g a r d e i d e a l e d e des-
taque n o i m a g i n á r i o social. Assim,
o h o m e m m o d e r n o , que tem sua
referência n o futuro e que, p o r t a n -
t o , se vê l i v r e p a r a i m a g i n a r , n ã o
p o d e abrir m ã o da "criança espe-
r a n ç a " n e m , d i a n t e disso, p o d e acei-
tar q u a l q u e r desvio desse lugar idea-
l i z a d o , p o i s essa a c e i t a ç ã o p o d e
a m e a ç a r sua p r ó p r i a i l u s ã o d e , p o r
m e i o d a c r i a n ç a q u e se e d u c a , ser
u m ser p e r f e i t o , s e m faltas (Lajon-
q u i è r e , 1996).
C o m base nessas c o n s i d e r a ç õ e s ,
p o d e m o s p e n s a r q u e as c r í t i c a s d e
F r e u d s o b r e as m e t a s e d u c a t i v a s , re-
s u l t a n t e s de sua c o n c e i t u a l i z a ç ã o so-
b r e a p u l s ã o de m o r t e , a b r e m u m
c a m p o n o v o de reflexão p a r a a filo-
sofia da e d u c a ç ã o .
A s s i m p o s t o pela p s i c a n á l i s e , o
sujeito h u m a n o , c o m sua e x i s t ê n c i a
repleta de d ú v i d a s e sua t ê n u e possi-
b i l i d a d e de felicidade, torna-se u m
a n c o r a m e n t o para se p e n s a r o q u e se
ILUSÃO VERSUS
almeja n o s atos e d u c a t i v o s e p a r a se
refletir acerca das m e t a s grandiosas (REAL)IDADE DO
subjacentes à e d u c a ç ã o .
DESEJO NA EDUCAÇÃO
N a v e r d a d e , os três p i l a r e s teó-
ricos q u e M i l l o t (1987) d e l i m i t a e m
sua tese, p a r a p ô r e m l a d o s a n t a g ô - O trabalho pedagógico funda-
n i c o s a p s i c a n á l i s e e a e d u c a ç ã o , es- menta-se em t o r n o do ideal, c o m o
t ã o e n t r e si a r t i c u l a d o s : o s ideais nos afirma M a n n o n i (1988). Isso
m e g a l o m a n í a c o s das m e t a s p r e v e n t i - p o s t o , a a u t o r a ressalta q u e o educa-
vas q u e , e n q u a n t o e l i m i n a d o r e s d o s dor, p o r sua vez, t e n t a r á i m p e d i r
conflitos psíquicos, m o s t r a m u m dis- q u a l q u e r contestação desse ideal, esta-
t a n c i a m e n t o da realidade da c o n d i - b e l e c e n d o c o m o a l u n o u m a relação
ç ã o h u m a n a , m a r c a d a p e l a falta e na qual a criança deve ilustrar o
pela angústia; o ideal de controle f u n d a m e n t o da d o u t r i n a pedagógica.
q u e m a r c a os a t o s e d u c a t i v o s e o " T a l o p ç ã o t e m as r a í z e s n o
c o t i d i a n o escolar, n o q u a l o i n c o n s - i m a g i n á r i o (do e d u c a d o r ) e p a r t i c i p a
ciente aparece como um intruso, d e t o d a s as d i v a g a ç õ e s r e f e r e n t e s a
por deslocar do registro do egóico u m m u n d o m e l h o r (divagações que
a r e l a ç ã o e d u c a n d o - e d u c a d o r ; e, p o r estão p r e s e n t e s e m t o d a s as civiliza-
fim, o ideal narcísico que p e r m e i a ções). U m a i n v e s t i g a ç ã o p e d a g ó g i c a
o objetivo educativo com o qual o q u e estabelece desde o i n í c i o o ideal
c o n c e i t o de p u l s ã o de m o r t e esbarra a a t i n g i r só p o d e d e s c o n h e c e r a ver-
de forma inelutável. d a d e do desejo (da criança e do
Podemos concluir, então, que adulto). Expulsa d o sistema pedagógi-
o antagonismo entre esses dois co, essa v e r d a d e r e t o r n a sob a f o r m a
c a m p o s de conhecimento,, psicanáli- de s i n t o m a e se e x p r i m i r á n a d e l i n -
se e e d u c a ç ã o , estabelece-se p e l a di- qüência, na loucura e nas diversas
vergência de concepções sobre o formas de i n a d a p t a ç ã o " ( M a n n o n i ,
s u j e i t o h u m a n o . As m e t a s p e d a g ó - 1988, p.44).
gicas o p e r a m p o r i g n o r a r a reali- L o n g e de ser esse u m d i s t a n c i a -
d a d e d a c o n d i ç ã o h u m a n a , e a psi- d o q u e s t i o n a m e n t o f i l o s ó f i c o , os
canálise constrói-se c o m o u m cam- p o n t o s p r o b l e m á t i c o s q u e afligem o
po novo de c o n h e c i m e n t o , mar- sistema educacional brasileiro mos-
cando uma ruptura epistemológica, t r a m - n o s a p e r t i n ê n c i a de u m a refle-
p o r a p o n t a r j u s t a m e n t e essa r e a l i - xão sobre as questões m e n c i o n a d a s e,
dade. A nossa proposição é que a p o r c o n s e g u i n t e , sobre a significação
negação daquilo que marca o hu- do ato educativo.
m a n o , n e g a ç ã o essa p r e s e n t e nas Em nosso contexto educacional,
metas educativas, acaba p o r reper- tais q u e s t õ e s g a n h a m r e l e v â n c i a se
c u t i r , s o b a f o r m a d e f r a c a s s o es- c o n s i d e r a r m o s a p o s t u r a d o profes-
c o l a r , e m t o d a s as m o d a l i d a d e s de sor q u a n d o depara, em sua tarefa
s i g n i f i c a ç ã o q u e essa e x p r e s s ã o p o s - e d u c a t i v a , c o m a l u n o s das c a m a d a s
sa v i r a a s s u m i r . populares, os quais são a p o n t a d o s , na
literatura especializada acerca das diversas m o d a l i d a d e s de i n a d a p t a -
ção escolar (evasão escolar, repetência, dificuldades de aprendizagem,
i n d i s c i p l i n a ) , c o m o os que, freqüente e s i s t e m a t i c a m e n t e , fracassam
na escola.
C o n s i d e r a n d o essa realidade, torna-se f u n d a m e n t a l a p o n t a r os
efeitos, n o s a l u n o s , de u m a p r á t i c a e d u c a t i v a q u e se e s p e l h a n o
i d e a l e n a i l u s ã o i m a g i n á r i a , e, c o m o e x e m p l o , p o d e m o s c i t a r a
p r o d u ç ã o em massa d o fracasso escolar.
O v a l o r d o o b j e t o q u e é i n v e s t i d o n a tarefa e d u c a t i v a , q u e é
o c o n h e c i m e n t o , t a m b é m precisa ser alvo de reflexão p o r p a r t e d o
educador. Q u a n d o investido simbolicamente, ou percebido c o m o
algo q u e p o d e p e r t e n c e r a t o d o s , o c o n h e c i m e n t o c o n t r i b u i , n o
â m b i t o d o p r o c e s s o de e n s i n o e de a p r e n d i z a g e m , p a r a q u e surja
u m m o v i m e n t o desejante e de m u d a n ç a s n o c o t i d i a n o escolar.
Analisemos, e n t ã o , algumas questões relativas à t r a n s m i s s ã o e à
a p r o p r i a ç ã o d o c o n h e c i m e n t o . A u l a g n i e r (1985) p o s t u l a q u e o su-
jeito h u m a n o , e m sua a t i v i d a d e de p e n s a r o m u n d o q u e o cerca,
baseia-se em u m a d u p l a causalidade p a r a c o m p r e e n d e r e explicar as
relações que c o m p õ e m seu c a m p o social: a causalidade demonstrada
e a causalidade interpretada. Dessa f o r m a , o eu teria de, necessaria-
m e n t e , apoiar-se nessas d u a s c a u s a l i d a d e s p a r a a t r i b u i r s e n t i d o à
realidade exterior.
A causalidade demonstrada m a n t é m u m a relação intrínseca c o m
o p r o c e s s o de t r a n s m i s s ã o - a p r o p r i a ç ã o d o c o n h e c i m e n t o . É o c o n -
j u n t o de definições às quais o sujeito recorre e m sua a t r i b u i ç ã o de
s e n t i d o à realidade exterior, c o n j u n t o de pressupostos n o s quais ele
confia p o r q u e são a c o m p a n h a d o s de u m a "garantia cultural que lhe
g a r a n t e q u e f o r a m s u b m e t i d o s às verificações exigíveis e e x i g i d a s "
(Aulagnier, 1985, p.50).
Esse t i p o de causalidade, assinala a autora, estabelece-se, n a ver-
d a d e , a p a r t i r de c o n v i c ç õ e s c o m p a r t i l h a d a s p o r u m g r u p o social
sobre d e t e r m i n a d o s f e n ô m e n o s naturais e culturais. Assim, p o r u m a
adesão a essas convicções, os g r u p o s se c o n s t i t u e m e se definem.
O s parceiros, o par eu-outro, passam a ter, e n t ã o , significações
p r ó x i m a s , m e s m o q u e n ã o idênticas, q u a n d o d e p a r a m c o m a tarefa
de explicar e e n t e n d e r a c o m p l e x i d a d e das relações q u e os cercam.
Dessa f o r m a , a escola, em sua f u n ç ã o de t r a n s m i s s o r a de co-
n h e c i m e n t o , terá u m papel relevante n o processo de levar a criança
a c o m p a r t i l h a r as c o n v i c ç õ e s a c e i t a s p o r u m d e t e r m i n a d o m e i o
c u l t u r a l e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , u m p a p e l d e t e r m i n a n t e t a m b é m a o
i n s t r u m e n t a l i z a r , p o r m e i o d o c o n h e c i m e n t o , o p r o c e s s o de signi-
ficação d o m u n d o e d o s f e n ô m e n o s , p o r p a r t e d a c r i a n ç a .
A s s i m p o s t o , o c o n h e c i m e n t o a n c o r a - s e n a causalidade de-
monstrada, m a s n ã o s o m e n t e nesse t i p o de causalidade; constrói-se,
t a m b é m , a p a r t i r d a causalidade in-
terpretada, a q u a l é referente à reali-
d a d e d o sujeito.
Essa c a u s a l i d a d e , p o r s u a v e z ,
apóia-se, p o r t a n t o , n a p r i m e i r a p a r a
p o d e r existir, p o i s , p a r a que haja
i n t e r p r e t a ç ã o , é n e c e s s á r i o q u e os
parceiros t e n h a m a respeito d o fenô-
m e n o a ser a n a l i s a d o e i n t e r p r e t a d o
significações p r ó x i m a s , q u e possibili-
t e m a c o n t r a d i ç ã o d a q u i l o q u e foi
enunciado.
A a u t o r a s i t u a o a c e s s o a esse
t i p o de causalidade em u m " m o m e n -
t o de d ú v i d a " v i v e n c i a d o pela crian-
ça n a relação p r i m o r d i a l c o m a mãe.
As f o r m u l a ç õ e s d e A u l a g n i e r (1985)
são p r ó x i m a s das de L a j o n q u i è r e
(1992) e das d e B a r a l d i (1994), p o i s
esses autores t a m b é m enfatizam que o
eu, p a r a se c o n s t i t u i r e p a s s a r a ter
a u t o n o m i a para pensar, necessita des-
l o c a r - s e d o l u g a r d e certeza que a
relação c o m a m ã e lhe conferia.
O " m o m e n t o da d ú v i d a " é vis-
t o , e n t ã o , c o m o u m p r e ç o a ser
p a g o p e l o eu a fim de que possa ter
a u t o n o m i a para pensar e entender o
m u n d o q u e o cerca.
A criança, inicialmente, confia
i n t e i r a m e n t e n o s e n u n c i a d o s feitos
pela mãe em seu papel de m e d i a d o r a .
E m u m segundo m o m e n t o , n o entan-
t o , a criança passa a d u v i d a r da ver-
dadeira intenção do discurso mater-
n o , q u e s t i o n a n d o , a p a r t i r desse m o -
m e n t o d e d ú v i d a , se h á a i n t e n ç ã o ,
n o discurso da mãe, de fazê-la conhe-
cer a v e r d a d e o u de induzi-la a erro.
Esse " m o m e n t o m o v i m e n t o " ,
p o n t u a A u l a g n i e r (1985), é de funda-
mental i m p o r t â n c i a para a a u t o n o m i a
d o eu. A p ó s esse m o m e n t o , os e n u n -
c i a d o s n ã o p o d e r ã o m a i s ser i m p ô s -
t o s p o r u m a ú n i c a v o z , o u seja, a e n v o l v i d o s n o a t o e d u c a t i v o a atri-
voz materna. É necessário, a partir b u i ç ã o de s e n t i d o ao v i v e n c i a d o e
d a í , u m t e r c e i r o nessa r e l a ç ã o p a r a apreendido.
g a r a n t i r a v e r a c i d a d e d a q u i l o q u e se A intersubjetividade do par
enunciou. p r o f e s s o r - a l u n o a p o n t a - n o s q u e essa
" U m a das c o n s e q ü ê n c i a s será relação e, p o r c o n s e g u i n t e , o proces-
q u e o j u l g a m e n t o n ã o p o d e r á ser so de a p r e n d i z a g e m q u e dela decor-
garantido, imposto, por uma mesma re, a s s u m e diversas p o s s i b i l i d a d e s
e única voz, mas u m a terceira ins- p a r a se e f e t u a r . A t r i a n g u l a ç ã o q u e
t â n c i a deverá d e s e m p e n h a r a f u n ç ã o se f o r m a e n t r e o professor, o a l u n o
de g a r a n t i a . Através dessa t r i a n g u l a - e o conhecimento tanto pode impli-
ção - o q u e e s c u t a / o q u e e n u n c i a / o car fracasso c o m o êxito n a c o n d u ç ã o
t e r c e i r o q u e g a r a n t e - , o eu p o d e r á d o processo de c o n s t r u ç ã o d o co-
reapropriar-se de u m c o n h e c i m e n t o nhecimento por parte do aluno.
que de q u a l q u e r forma, n u m a pri- As q u e s t õ e s i n c o n s c i e n t e s per-
meira etapa da infância, é sempre p a s s a m essa t r i a n g u l a ç ã o e r e m e t e m -
u m c o n h e c i m e n t o t r a n s m i t i d o " (Au- n o s ao c a m p o transferenciai, c o m o
lagnier, 1985, p.61). n o s m o s t r a F r e u d (1914) e m "Algu-
E m s u m a , o eu, i n i c i a l m e n t e , m a s reflexões s o b r e a p s i c o l o g i a d o
necessita das mediações m a t e r n a s que escolar". M o r g a d o (1995), p o r sua
se b a s e i a m n a s d u a s c a u s a l i d a d e s vez, destaca o p a r a d o x o d a q u e s t ã o
m e n c i o n a d a s . N o e n t a n t o , a causali- da t r a n s f e r ê n c i a d e n t r o d o c o n t e x t o
dade demonstrada, p o r possibilitar à pedagógico. Assim, para que o a l u n o
c r i a n ç a o acesso às c o n v i c ç õ e s c o m - se identifique c o m o professor, fator
partilhadas por uma determinada fundamental para a aprendizagem, é
c u l t u r a , é de f u n d a m e n t a l i m p o r t â n - necessário q u e a relação entre eles se
cia p a r a q u e , n o s e g u n d o m o m e n t o , i n s t a u r e t e n d o c o m o base a r e l a ç ã o
q u a n d o a criança passar a q u e s t i o n a r e m o c i o n a l d a c r i a n ç a c o m os p a i s .
o d i s c u r s o m a t e r n o , c o n s i g a , se n e - N ã o o b s t a n t e , esse é s o m e n t e o p o n -
c e s s á r i o , c o n t r a d i z e r as i n t e r p r e t a - to de p a r t i d a , pois pela identificação
ções subjacentes aos e n u n c i a d o s . cabe ao a l u n o s u p e r a r esse p r i m e i r o
Tais c o n t r a d i ç õ e s , por sua vez, m o m e n t o e, s e g u n d o a p o s i ç ã o d a
a p ó i a m - s e s e m p r e n a b u s c a de u m a a u t o r a , c a m i n h a r d a p a i x ã o transfe-
i n t e r p r e t a ç ã o de u m o u t r o t e r c e i r o , renciai p e l o p r o f e s s o r p a r a a p a i x ã o
q u e passa, assim, a f u n c i o n a r c o m o pelo conhecimento.
u m p o n t o de garantia. O s entraves dessa passagem, n o
A o c h e g a r à e s c o l a , t o d o esse entanto, existem, pois a criança
p r o c e s s o d e n s o e c o m p l e x o , vivenci- p o d e ficar a p r i s i o n a d a pelo viés
a d o n a e s t r u t u r a familiar, p r o d u z i r á t r a n s f e r e n c i a i , p r i v i l e g i a n d o sua pai-
efeitos n o s m o d o s pelos q u a i s a cri- x ã o a m b i v a l e n t e p e l o professor, q u e
a n ç a se a p r o p r i a r á e ( r e ) c o n s t r u i r á se m a n i f e s t a p e l o a m o r e ó d i o , e
o c o n h e c i m e n t o f o r m a l m e n t e aceito. relegar a s e g u n d o p l a n o o i n t e r e s s e
A c o n e x ã o e n t r e as d u a s o r d e n s de pelo conhecimento. Assim, a forma
causalidade possibilita aos sujeitos pela qual o professor r e s p o n d e r á a
esse laço transferenciai será de extrema i m p o r t â n c i a para que o alu-
n o consiga realizar essa passagem e liberar seus i n v e s t i m e n t o s para
o t r a b a l h o de a p r e n d e r .
A a u t o r a , ao c o n c l u i r , ressalta q u e o professor, p o r o c u p a r o
l u g a r p r i v i l e g i a d o n a h i e r a r q u i a p e d a g ó g i c a e p o r ter u m m a i o r
p r e p a r o i n t e l e c t u a l , t e m m e l h o r e s c o n d i ç õ e s de m a n e j a r o c a m p o
t r a n s f e r e n c i a i . A s s i m , p o d e r e s p o n d e r à t e r n u r a d o a l u n o ajudan-
d o - o n o t r a b a l h o d e a p r e n d e r . Q u a n t o aos s e n t i m e n t o s exacerba-
d o s de a m o r e ó d i o , e m vez de r e s p o n d e r c o n t r a t r a n s f e r e n c i a l m e n -
te, a p r i s i o n a n d o o a l u n o pela s e d u ç ã o , p o d e r á r e s p o n d e r i n t e r p o n -
d o o c o n h e c i m e n t o e n t r e eles, o q u e l e g i t i m a r i a sua a u t o r i d a d e
pedagógica.
A ênfase d a d a pela a u t o r a à questão d o c o n h e c i m e n t o que cir-
cula n a relação e n t r e o p r o f e s s o r e o a l u n o é, e m nossa p r o p o s i -
ção, de f u n d a m e n t a l i m p o r t â n c i a .
C o n t u d o , e m nossa leitura, o c a m p o transferenciai n ã o se es-
gota s o m e n t e nas fixações libidinais e hostis da criança. Considera-
m o s p r e p o n d e r a n t e s , t a m b é m , d e n t r o desse c a m p o , as q u e s t õ e s
narcísicas d e c o r r e n t e s da angústia de castração q u e afetam os sujei-
tos e n v o l v i d o s n o a t o p e d a g ó g i c o .
Dessa f o r m a , a n a l i s a n d o as questões narcísicas n a relação p r o -
fessor-aluno, relação essa q u e t e m c o m o característica a atualização
de u m a lógica i n c o n s c i e n t e , q u e i n d e p e n d e das c o n d i ç õ e s objetivas
da a t u a ç ã o pedagógica e q u e escapa ao c o n t r o l e d o s pares n a rela-
ção, A l m e i d a ressalta: "A relação intersubjetiva professor-aluno p o d e
( r e ) p r o d u z i r , s e g u n d o as leis d o f u n c i o n a m e n t o d o i n c o n s c i e n t e ,
u m a relação transferenciai imaginária especular, na qual o aluno-falo
submete-se à Lei d o desejo d o mestre, p a r a ser r e c o n h e c i d o e ama-
d o , e n q u a n t o E u Ideal, p o r este O u t r o s u p o s t o t u d o saber, t u d o
p o d e r . A o p r o j e t a r n o a l u n o suas fantasias (de r e p a r a ç ã o , o n i p o -
tência, o u q u a i s q u e r outras) e ao 'seduzi-lo' para q u e esse r e s p o n d a
desde u m a p o s i ç ã o subjetiva de a s s u j e i t a m e n t o , o p r o f e s s o r estará
a t u a l i z a n d o , ele m e s m o , a sua p r ó p r i a c o n d i ç ã o subjetiva em face
d o desejo e d a c a s t r a ç ã o " (1998, pp.90-1).
T o m a r a criança c o m o aluno-falo remete-nos à questão d o inves-
t i m e n t o narcísico que o educador p o d e fazer em seu a l u n o . A crian-
ça representaria para o educador, os pais e / o u professores o lugar de
Eu Ideal e passaria, então, a receber u m investimento desses para que
realize o ideal que eles mesmos não p u d e r a m realizar. Assim, por meio
de d e m a n d a s idealizadas e demasiadas, o e d u c a d o r pediria à criança
q u e r e s p o n d e s s e de u m l u g a r q u e desse p r o v a s de q u e é possível
t a m p o n a r a falta, o u seja, de u m lugar da o r d e m da perfeição.
E m suma, as questões transferenciais n ã o são reeditadas somen-
te a p a r t i r d o viés p u l s i o n a l , m a s são reeditadas, t a m b é m , a p a r t i r
das questões narcísicas da criança e d o e d u c a d o r . Elas m o s t r a m sua
face q u a n d o , p o r e x e m p l o , o a l u n o t o m a seu p r o f e s s o r c o m o al-
g u é m que se supõe tudo saber e tudo poder. Essa s u p o s i ç ã o , n a
v e r d a d e , d e n o t a a p e r m a n ê n c i a da c r i a n ç a e m u m estado de i l u s ã o
d e q u e a o o u t r o n a d a falta, e q u a n d o o p r o f e s s o r r e s p o n d e desse
lugar prevalece n a relação de a m b o s u m laço i m a g i n a r i z a d o .
P o r sua vez, q u a n d o o p r o f e s s o r n ã o r e s p o n d e d o l u g a r da-
quele q u e sabe, m a s sim d a q u e l e q u e conhece e q u e t o m a esse co-
n h e c i m e n t o n ã o c o m o u m a verdade, mas c o m o u m a c o n v i c ç ã o cul-
t u r a l m e n t e aceita e s o c i a l m e n t e c o m p a r t i l h a d a , o professor passa a
o c u p a r o lugar de m e d i a d o r .
N o s s a p r o p o s i ç ã o é q u e s o m e n t e o c u p a n d o o lugar de m e d i a -
ção d o c o n h e c i m e n t o é q u e o p r o f e s s o r t e m c h a n c e s d e r e v e r t e r
as q u e s t õ e s i m a g i n á r i a s q u e m e s c l a m o c a m p o t r a n s f e r e n c i a i n o
c a m p o e d u c a t i v o . Isso p o r q u e , t a n t o q u a n t o o u t r a s q u e s t õ e s i m a -
g i n á r i a s q u e p o s s a m se e f e t u a r n a r e l a ç ã o p r o f e s s o r - a l u n o , t a i s
q u e s t õ e s a p o n t a m de f o r m a i n e l u t á v e l p a r a as q u e s t õ e s n a r c í s i c a s
desses sujeitos.
O c o n h e c i m e n t o m a r c a a e n t r a d a de u m terceiro e l e m e n t o n a
relação p r o f e s s o r - a l u n o . C i r c u l a e n t r e eles m a s n ã o p e r t e n c e a n i n -
guém, p o r é m , ao m e s m o t e m p o , p o d e pertencer a qualquer u m ,
u m a vez q u e se c o n s t i t u i c o m o u m p a t r i m ô n i o ao q u a l t o d o s , des-
de q u e assim o desejem, p o d e m ter acesso.
P o r ser e s s e n c i a l m e n t e m a r c a d o pela l i n g u a g e m , p o r ser u m a
c o n s t r u ç ã o c u l t u r a l e, p o r t a n t o , ser u m a expressão d o registro sim-
b ó l i c o , o c o n h e c i m e n t o p o d e , e n t ã o , vir a o p e r a r c o m o u m tercei-
r o e l e m e n t o e efetuar u m corte n a relação i m a g i n á r i a e n t r e profes-
sor e a l u n o .
Assim, se c o n c e b i d o sem fixidez e n ã o r e p r e s e n t a n d o u m a ver-
d a d e o u u m a t o t a l i d a d e p a r a os s u j e i t o s e n v o l v i d o s n o a t o
e d u c a t i v o , o c o n h e c i m e n t o e n t r a r i a n a relação educativa p a r a ratifi-
car e conferir veracidade aos e n u n c i a d o s t r a n s m i t i d o s pelo professor.
O c u p a n d o o l u g a r d e m e d i a d o r o p r o f e s s o r n ã o seria o d e t e n t o r
d o saber, mas sim o c u p a r i a u m lugar n o qual faria mediações entre
as c o n s t r u ç õ e s c u l t u r a i s já c o n s o l i d a d a s e o a l u n o e m p r o c e s s o de
aprendizagem.
A prática educativa, q u a n d o não considera o conhecimento
c o m o convicções socialmente c o m p a r t i l h a d a s , p o r m e i o das quais os
sujeitos p a s s a m a ter significações p r ó x i m a s sobre os m a i s v a r i a d o s
f e n ô m e n o s , n ã o c o n s i d e r a t a m b é m as p o s s i b i l i d a d e s de m u d a n ç a s
para os sujeitos; possibilidades essas que, para os alunos das camadas
p o p u l a r e s , é de f u n d a m e n t a l i m p o r t â n c i a .
Para a b o r d a r m o s as particularidades da relação d o sistema esco-
lar e m s u a p r á t i c a p e d a g ó g i c a c o m os a l u n o s das c a m a d a s m a i s
e m p o b r e c i d a s da p o p u l a ç ã o , n o s a p o i a r e m o s n o t r a b a l h o de
C o l l a r e s e Moysés (1996) que, de f o r m a geral, discute c r i t i c a m e n t e
o esvaziamento d o papel d o educador n o processo ensino-aprendi-
zagem desses a l u n o s .
As a u t o r a s a p o n t a m as diversas m o d a l i d a d e s de p r e c o n c e i t o s
presentes n o dia-a-dia da escola, q u e a c a b a m p o r balizar u m a con-
cepção n o c o n t e x t o escolar de que a ausência de u m a aprendizagem
eficaz n a escola diz respeito, a p e n a s , às c i r c u n s t â n c i a s e c o n ô m i c a s ,
familiares e e m o c i o n a i s v i v e n c i a d a s p e l o s a l u n o s . D i a n t e d i s s o , a
instituição escola, c o m o p o n t u a m as autoras, torna-se artificial, pois
deixa de existir o p r o c e s s o f u n d a m e n t a l q u e a caracteriza, o u seja,
o processo de e n s i n o e a p r e n d i z a g e m , e, a partir dessa posição, essa
m e s m a i n s t i t u i ç ã o o u t o r g a - s e o l u g a r d e v í t i m a de u m a c l i e n t e l a
inadequada.
P r e n d e n d o - s e à flxidez d o i d e a l , o a t o p e d a g ó g i c o o p e r a n o
s e n t i d o de fazer c o m q u e o c o n h e c i m e n t o , e m vez de c o n d u z i r a
u m m o v i m e n t o desejante d o p a r p r o f e s s o r - a l u n o , fique c i r c u n s c r i -
t o a u m l u g a r a o q u a l só se p o d e ter acesso n a m e d i d a e m q u e ,
a n t e c i p a d a m e n t e , o a l u n o dê p r o v a s de sua capacidade para c o n h e -
cer e a p r e n d e r . T r a t a se, a q u i , de u m a inversão da tarefa educativa,
n a q u a l , antes de mais n a d a , dever-se-ia e n s i n a r p a r a q u e houvesse,
c o m o efeito, a p o s s i b i l i d a d e d o a p r e n d e r .
Por sua vez, as diferenças culturais que se expressam n a relação
p r o f e s s o r - a l u n o são vistas c o m u m e n t e , p e l o e d u c a d o r , c o m o u m a
deficiência de b a g a g e m c u l t u r a l p o r p a r t e d o s a l u n o s .
O efeito dessa c o n c e p ç ã o n ã o é o u t r o a n ã o ser o fracasso es-
colar, e m todas as suas formas possíveis de expressão, pois o a l u n o ,
p e r c e b i d o c o m o aquele q u e t e m u m a deficiência c u l t u r a l q u e a es-
cola deverá s u p r i r , n ã o é visto c o m o u m sujeito m a r c a d o pelo de-
sejo de conhecer, o que é p r e p o n d e r a n t e para que haja u m a relação
significativa c o m o c o n h e c i m e n t o , p o r p a r t e da c r i a n ç a .
D i a n t e disso, p r e s u m i m o s que o viés narcísico t a m b é m aparece,
de f o r m a c o n t u n d e n t e , n a p o s t u r a d o e d u c a d o r . Até e n t ã o , t í n h a -
mos p o n t u a d o o investimento narcísico do professor n o aluno,
levando esse ú l t i m o a u m a posição de assujeitamento em relação ao
desejo d o O u t r o . U m i n v e s t i m e n t o feito, c o m o a p o n t a Lajonquière
(1996), em u m a "criança-esperança".
T o d a v i a , existe u m a o u t r a face da m o e d a , relativa às m e s m a s
questões narcísicas que p e r m e i a m o ato educativo. O u seja, q u a n d o o
a l u n o , p o r c i r c u n s t â n c i a s várias ( c o n d i ç õ e s e c o n ô m i c a s , familiares,
e t c ) , n ã o consegue causar n o e d u c a d o r u m desejo de investimento é
p o r q u e o viés narcísico m o s t r a sua o u t r a face: em vez de r e s p o n d e r
d o l u g a r d o i d e a l , o a l u n o r e s p o n d e de u m l u g a r q u e r e m e t e o
e d u c a d o r às experiências de gozo, c o m o p o n t u a Stazzone (1997).
A n t e s de e x p l i c i t a r m o s essa c o n c e p ç ã o , vejamos de q u e f o r m a
essas referidas experiências articulam-se n o c o t i d i a n o escolar, n a re-
lação intersubjetiva d o p a r p r o f e s s o r - a l u n o . C o l l a r e s e Moysés afir-
m a m que "nesse espaço p l e n o de preconceitos, o professor lida c o m
a c r i a n ç a q u e existe n o i m a g i n á r i o , n ã o c o m a c r i a n ç a real. P o i s ,
esta, ele g e r a l m e n t e n ã o consegue ver. E a q u e h a b i t a sua fantasia é
feia, sem vida, quase sem a l m a . Dessa criança, n ã o se p o d e gostar.
Rejeitá-la, c o m t u d o o q u e ela traz de s e m e l h a n ç a c o m a c o n d i ç ã o
real d o professor, p o d e ser u m passo inicial p a r a destiná-la ao fra-
casso. I n c o n s c i e n t e m e n t e . E c o m o é m u i t o difícil a s s u m i r q u e se
rejeita u m a l u n o , em processo de transferência, o professor se sente
r e j e i t a d o pela c r i a n ç a . O p r o f e s s o r nega-se a ser p r o f e s s o r de u m
a l u n o , mas faz u m a leitura em que o a l u n o se recusa a aprender. Só
p a r a a g r e d i - l o " (1996, p.148).
P r e s u m i m o s q u e as a u t o r a s , ao falarem dessa criança real, refe-
rem-se à criança que o c u p a o lugar de sujeito. Sujeitos marcados, sim,
p o r diferenças culturais, c o n t u d o t a m b é m desejantes de c o m p a r t i l h a r
das construções culturais socialmente reconhecidas e valorizadas.
A o negar esse fato, o e d u c a d o r , i m a g i n a r i a m e n t e , vivência u m a
r e l a ç ã o d e " c o m p l e t u d e " c o m esses a l u n o s , tal c o m o c o m os q u e
o c u p a m p a r a ele o l u g a r d e Eu Ideal. A o p e r c e b e r esses a l u n o s
c o m o sujeitos i n a d e q u a d o s a o q u e se estabeleceu c o m o ideal, resta
p o r t a n t o à tarefa educativa c o n s t a n t e m e n t e reenquadrá-los e adequá-
los, e isso i m p e d e q u e o p r o f e s s o r os p e r c e b a c o m o sujeitos dife-
rentes e s e p a r a d o s de si.
O g o z o é t u d o a q u i l o q u e n ã o se articula c o m o desejo, c o m o
a s s i n a l a a t e o r i a l a c a n i a n a . É o q u e se r e p e t e , é a q u i l o q u e se
estratifica em t o r n o d o s o f r i m e n t o . A o falarmos em s o f r i m e n t o ,
r e s s a l t a m o s q u e o f r a c a s s o , n a escola, p o r m a i s q u e seja n e g a d o
c o m o p e r t e n c e n t e t a m b é m aos e d u c a d o r e s , confere a t o d o s , n o
m í n i m o , u m mal-estar. É j u s t a m e n t e a p a r t i r desse gozo q u e assola
o c o t i d i a n o escolar que Collares e Moysés a p o n t a m algumas questões
q u e d i r e c i o n a r a m o seu t r a b a l h o . Vejamos a l g u m a s dessas questões:
" - C o m o se o r i g i n a e se d i s s e m i n a , t o r n a n d o - s e c o n s e n s u a l ,
u m a f o r m a de p e n s a r a escola e as pessoas q u e p e r m i t e c o n v i v e r ,
a p a r e n t e m e n t e de f o r m a pacífica, c o m esse fracasso, q u e é de cada
u m e é de todos?
- O q u e faz essa professora, q u e t a m b é m é v í t i m a , a s s u m i r o
p a p e l de agente a c u s a d o r , q u a n d o se percebe e m sua fala a p r ó p r i a
a n g ú s t i a e suas a m b i g ü i d a d e s ?
- C o m o se naturaliza u m a violência social c o n t r a quase t o d o s ? "
(Collares & Moysés, 1996, p.20).
C o m o já m e n c i o n a m o s a n t e r i o r m e n t e , reverter essas q u e s t õ e s
q u e a t r a v e s s a m o c o t i d i a n o e s c o l a r r e q u e r u m a p o s t u r a reflexiva
sobre a tarefa educativa. N ã o o b s t a n - A teoria psicanalítica é m a r c a d a
te, e n f a t i z a m o s q u e tal p o s t u r a refle- pela c o m p l e x i d a d e conceituai e t o d o s
xiva, a n o s s o ver, n ã o p a s s a r i a p o r os seus p o s t u l a d o s f o r a m c o n s t r u í -
u m a " t o m a d a de consciência", mas d o s , c o m o já d i s s e m o s , a p a r t i r d a
s i m p o r u m a ( r e ) s i g n i f i c a ç ã o , a ser prática clínica. E n t r e t a n t o , essa cons-
feita p e l o p r o f e s s o r , d e sua a t u a ç ã o trução gerou u m a ruptura epistemo-
c o m seus a l u n o s . lógica n o c a m p o das ciências e p r o -
Se a psicanálise p o d e c o n t r i b u i r d u z i u u m a c o n c e p ç ã o s o b r e o sujei-
de a l g u m a f o r m a c o m essa reflexão, t o h u m a n o q u e e x t r a p o l a os l i m i t e s
é m o s t r a n d o que o professor deve da clínica. Nossa proposição é que
a b d i c a r das m e t a s idealizadas e gran- essa c o n c e p ç ã o possa efetuar-se c o m o
diosas q u e i n s p i r a m o ato de educar, um suporte teórico para se
p o i s elas n e g a m , a c i m a d e t u d o , a (re)pensar a prática educativa, p r i n c i -
(real)idaáe d o d e s e j o e, p o r c o n s e - p a l m e n t e aquelas nas quais o fracasso
guinte, negam também a criança n o processo de ensinar e de apren-
c o m o sujeito. der se presentifica.
A o a p o n t a r m o s o fato de q u e a E m nossa leitura, M i l l o t (1987),
psicanálise n ã o oferece m é t o d o s n e m ao i n t i t u l a r seu t r a b a l h o Freud
técnicas e que t a m p o u c o tem u m a antipedagogo, faz, n a v e r d a d e , u m a
"aplicabilidade direta" na educação, crítica ao a t o p e d a g ó g i c o q u e se ins-
i s s o t o r n a tal t e o r i a , p a r a m u i t o s , pira filosoficamente e m u m a c o n c e p -
d e s p r o v i d a d e v a l i d a d e p a r a se ção idealizada sobre o sujeito h u m a -
(re)pensar as questões relativas à edu- no. Portanto, n o nosso entendimen-
cação. A urgência em "dar conta" t o , o t r a b a l h o da a u t o r a francesa, ao
dos grandes problemas educacionais s i t u a r a psicanálise e a e d u c a ç ã o em
b r a s i l e i r o s o p e r a n o s e n t i d o de c o n - lados a n t a g ô n i c o s , acaba p o r subsidi-
siderar válidas a p e n a s aquelas teorias ar u m a p o s s i b i l i d a d e de reflexão crí-
passíveis d e serem t r a n s f o r m a d a s e m tica sobre a i n s p i r a ç ã o filosófica ide-
métodos para a prática educacional, alizada da educação.
o u seja, apenas as q u e p o s s i b i l i t a m a P o r m a i s p a r a d o x a l q u e pareça,
criação de técnicas a p a r t i r d o co- a já c i t a d a u r g ê n c i a existente n o sis-
nhecimento teórico. t e m a e d u c a c i o n a l e m s o l u c i o n a r os
Esse i m e d i a t i s m o assola os cur- p r o b l e m a s d o fracasso escolar age n o
sos de f o r m a ç ã o p a r a os professores, s e n t i d o de n ã o trazer para o bojo
t r a n s f o r m a n d o , c o m o i n d i c a m Colla- das discussões a i m p o r t â n c i a d a fun-
res e M o y s é s (1996), t e o r i a s científi- ção básica d a tarefa p e d a g ó g i c a , q u e
cas e m soluções m á g i c a s p a r a a p r o - é a de ensinar. Vários autores, em
b l e m á t i c a e d u c a c i o n a l brasileira. Tal diferentes estudos e concepções teóri-
p r a g m a t i s m o acaba p o r impossibili- cas, v ê m e n f a t i z a n d o essa p r o p o s i ç ã o :
tar ao professor q u e esse se a p r o p r i e A l m e i d a (1993, 1994), Collares e
d o c o n h e c i m e n t o t e ó r i c o e, c o n s e - Moysés (1996), Freller (1997),
q ü e n t e m e n t e , p o r n ã o refletir acerca Lajonquière (1996, 1997), Patto
desse c o n h e c i m e n t o , m o d i f i c a n d o , (1993), Rego (1995), S o u z a (1997).
assim, sua prática pedagógica. P o r t a n t o , a o p e n s a r m o s a ques-
t ã o d a f o r m a ç ã o d o e d u c a d o r , c o n s i d e r a m o s r e l e v a n t e q u e essa,
longe de apregoar técnicas e m é t o d o s pedagógicos de " c o m o fazer",
p o s s i b i l i t e a o p r o f e s s o r a o p o r t u n i d a d e d e reflexão e, p r i n c i p a l -
m e n t e , de significação a r e s p e i t o d o a t o de e n s i n a r e de a p r e n d e r
e de seus efeitos n o d e s e n v o l v i m e n t o social, c u l t u r a l e subjetivo de
seus a l u n o s .
A l m e i d a (1993) a s s i n a l a q u e a r e l a ç ã o e d u c a t i v a c o n s t i t u i - s e
p a r a a l é m das características i m e d i a t a s d o " e n c o n t r o " e m sala de
aula, m a s constitui-se, s o b r e t u d o , a p a r t i r das i n t e r p r e t a ç õ e s e ex-
pectativas d o q u e s o c i a l m e n t e significa ser professor e ser a l u n o , e
essa i n t e r p r e t a ç ã o n ã o é s o m e n t e social, m a s t a m b é m subjetiva.
A teoria psicanalítica, que tem origem na prática clínica,
enfatiza q u e a p o s s i b i l i d a d e de significação só se c o n s t r ó i pelo dis-
c u r s o p r o f e r i d o p e l o s u j e i t o , o u seja, p o r m e i o d e s u a p r ó p r i a
fala, que é sempre endereçada a u m o u t r o . C o n s i d e r a n d o o sistema
escolar, é p o r m e i o de seu p r ó p r i o ato de l i n g u a g e m q u e o educa-
d o r p o d e ter acesso ao e n t e n d i m e n t o de suas expectativas, frustra-
ções, anseios e, dessa f o r m a , i n t e r p r e t a r e (re)significar sua p o s i ç ã o
de p r o f e s s o r .
S t a z z o n e refere-se a u m a m o d a l i d a d e de i n t e r v e n ç ã o e m insti-
tuições educacionais que p o d e viabilizar-se c o m u m dispositivo
que o a u t o r d e n o m i n a "escuta analítica e m instituições e / o u â m b i -
tos coletivos" (1997, p.44). Tal escuta aproxima-se, t e o r i c a m e n t e , da
escuta e f e t u a d a n a c l í n i c a p e l o a n a l i s t a , n a m e d i d a e m q u e , p a r a
p r o d u z i r efeitos, é necessário que o analista se cale em relação a seu
p r ó p r i o desejo e n ã o r e s p o n d a à q u e l e q u e lhe i n d a g a a p a r t i r d e
seu suposto saber, t a m p o u c o a l é m d a q u i l o q u e o p r ó p r i o sujeito
possa d e s c o b r i r e significar e m seu p r ó p r i o d i s c u r s o .
O a u t o r sugere q u e esse d i s p o s i t i v o seja u t i l i z a d o q u a n d o a
i n s t i t u i ç ã o v i v ê n c i a u m mal-estar i n d i f e r e n c i a d o , através d o q u a l
h á u m a r e p e t i ç ã o e c r i s t a l i z a ç ã o d o d i s c u r s o i n s t i t u c i o n a l , restan-
d o aos sujeitos c o m p o n e n t e s d a i n s t i t u i ç ã o as c h a m a d a s experiên-
cias de gozo.
A b o r d a m o s a questão d o g o z o q u a n d o n o s referimos ao traba-
l h o de Collares e Moysés (1996). P o n t u a m o s q u e o gozo assola as
instituições escolares, p r i n c i p a l m e n t e aquelas que fracassam em ensi-
n a r aos a l u n o s de baixa r e n d a : gozo q u e atravessa o d i s c u r s o d o s
e d u c a d o r e s através de queixas, de acusações, de c u l p a b i l i z a ç õ e s às
c o n d i ç õ e s e c o n ô m i c a s , f a m i l i a r e s e sociais d o s a l u n o s e q u e , a o
m e s m o t e m p o , os deixa paralisados, c o n d u z i n d o à cristalização e à
r e p e t i ç ã o de seus d i s c u r s o s .
Stazzone (1997) assinala que, a fim de haver circulação d o dis-
c u r s o i n s t i t u c i o n a l , faz-se necessário, p a r a aquele q u e se p r o p õ e a
escutar a expressão dessas falas, q u e esse consiga deixar de l a d o o
saber todo, q u e a c a b a p o r ser u m
saber em cima, sobre a i n s t i t u i ç ã o e,
p o r c o n s e g u i n t e , acima d o s u j e i t o
m e m b r o dessa i n s t i t u i ç ã o .
F i n a l i z a n d o essa discussão, pode-
m o s r e t o r n a r à q u e s t ã o da f o r m a ç ã o
do educador. Afirmamos, anterior-
m e n t e , q u e essa n o r m a l m e n t e se nor-
teia p e l o i m e d i a t i s m o d e t é c n i c a s e
m é t o d o s d e " c o m o fazer", as q u a i s
a c a b a m p o r se i m p o r a o e d u c a d o r .
U m o u t r o aspecto referente à forma-
ção manifesta-se s o b a f o r m a de u m
saber todo, i n s t i t u í d o p o r aquele que
se p r o p õ e a f o r m a r os e d u c a d o r e s e
q u e versa s o b r e o q u e seja o m e l h o r
para o processo de ensino e de apren-
dizagem d e n t r o da sala de aula.
Referimo-nos aqui aos conselhos
e orientações " d a d o s " aos educadores,
c o m o destaca Kupfer (1997), para
que eles possam t o m a r consciência de
seus atos c o m os a l u n o s . Assim, reto-
m a m o s a q u e s t ã o q u e d i s c u t i m o s ao
l o n g o de n o s s o t r a b a l h o : p o d e m o s
p r e s u m i r q u e , t a m b é m nesse caso, é
o registro i m a g i n á r i o que atravessa
essa m o d a l i d a d e de formação, pois há
uma imaginarização do papel do
professor, q u e acaba p o r c o n d u z i r a
u m a l h e a m e n t o à p r ó p r i a f u n ç ã o de
ensinar.
E m nossa p r o p o s i ç ã o , p o r t a n t o ,
o u s o d o dispositivo da escuta n a
formação do educador torna-se im-
p r e s c i n d í v e l p a r a q u e ele possa criar
o u (re)criar u m elenco p r ó p r i o de
significação acerca d o a t o e d u c a t i v o ,
s o b r e o q u e significa p a r a ele p r ó -
p r i o o o b j e t o de c o n h e c i m e n t o , seu
p a p e l n a m e d i a ç ã o desse o b j e t o e os
efeitos o b j e t i v o s e s u b j e t i v o s de sua
prática pedagógica n o aprendizado
d o s seus a l u n o s .
E n f i m , a p o n t a m o s a necessidade de q u e i x a e s c o l a r : r e f l e x õ e s sobre o
de que haja na formação d o educador a t e n d i m e n t o psicológico. In A. M. Ma-

a c r i a ç ã o de u m l u g a r , n o c o n t e x t o c h a d o & M . P. R. de S o u z a (orgs.).
Psicologia escolar: em busca de novos
escolar, m a r c a d o pelo s i m b ó l i c o , q u e
rumos (pp.63-78). São P a u l o , SP: Casa
possibilite a reflexão sobre as concep-
do Psicólogo.
ções e p r á t i c a s e d u c a t i v a s e crie, a o
Freud, S. (1914). Algumas reflexões sobre a
m e s m o t e m p o , u m espaço de p r o d u - p s i c o l o g i a d o escolar. In Edição stan-
ção de significação efetuada p o r cada dard brasileira das obras completas de
u m e n q u a n t o sujeito de seu desejo. • Sigmund Freud (J. Salomão, trad.) (Vol.
13, pp.281-8). Rio de J a n e i r o , RJ: Ima-
go, 1980.
(1915). Reflexões para o t e m p o de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
g u e r r a e m o r t e . In Edição standard
brasileira das obras completas de
Sigmund Freud (J. Salomão, trad.) (Vol.
A l m e i d a , S. F. C. de ( 1 9 9 3 ) . O l u g a r da 14, p p . 3 1 0 - 3 9 ) . R i o de J a n e i r o , RJ:
afetividade e do desejo na relação ensi- I m a g o , 1980.
nar-aprender. Temas em Psicologia, 1, (1920). Além d o p r i n c í p i o do pra-
31-44. zer. In Edição standard brasileira das
(1994). Psicologia, psicanálise e obras completas de Sigmund Freud (J-
e d u c a ç ã o : três d i s c u r s o s diferentes? In Salomão, trad.) (Vol. 18, pp.13-85). Rio
R. Bucher e S. F. C. de Almeida (orgs.). de J a n e i r o , RJ: Imago, 1980.
Psicologia e psicanálise: desafios (pp. 19- (1930). O mal-estar na civilização.
31). Brasília, D F : Ed. da U n i v e r s i d a d e In Edição standard brasileira das
a
de Brasília, 2 ed. revisada. obras completas de Sigmund Freud (J.
( 1 9 9 5 ) . F i n a l i d a d e s da e d u c a ç ã o : Salomão, trad.) (Vol. 2 1 , pp.75-171). Rio
das concepções t r a d i c i o n a i s a u m a con- de J a n e i r o , RJ: Imago, 1980.
cepção dialética. Criança, 28, 22-6. Kupfer, M. C. M. (1992). Freud e a educa-
(1998). Desejo e a p r e n d i z a g e m na ção: o mestre do impossível. São Pau-
criança: o c o n h e c i m e n t o c o m o u m a sig- lo, SP: Scipione.
n i f i c a ç ã o p o s s í v e l . Estilos da Clínica: (1997). O que toca à/a psicologia
Revista sobre a Infância com Proble- escolar. In A. M. M a c h a d o e M. P. R.
mas, Vol. Ill, 5, 84-93. de Souza (orgs.). Psicologia escolar: em
A u l a g n i e r , P. (1985). Os destinos do pra- busca de novos rumos (pp.51-61). São
zer. Rio de J a n e i r o , RJ: Imago. P a u l o , SP: Casa d o Psicólogo.
Baraldi, C. (1994). Aprender: a aventura de Lajonquière, L. de ( 1 9 9 2 ) . De Piaget a
suportar o equívoco. Petrópolis, RJ: Freud: para repensar as aprendizagens.
Vozes. A (psico)pedagogia entre o conhecer e
C o l l a r e s , C . A. L. & M o y s é s , M . A. A. o saber. P e t r ó p o l i s , RJ: Vozes.
(1996). Preconceitos no cotidiano esco- (1996). A criança, "sua" (in)disciplina
lar: ensino e medicalização. São P a u l o , e a psicanálise. In J. G. A q u i n o (org.).
SP: Cortez. A indisciplina na escola: alternativas
Ferreti, M. C. G. (1982). Psicanálise e edu- teóricas e práticas (pp.25-37). São Pau-
cação. D i s s e r t a ç ã o de m e s t r a d o . Facul- lo, SP: S u m m u s .
dade de Educação, U n i v e r s i d a d e de São (1997). Dos " e r r o s " e em especial
P a u l o , São P a u l o , SP. d a q u e l e de r e n u n c i a r à e d u c a ç ã o . Esti-
Freller, C. C. (1997). C r i a n ç a s p o r t a d o r a s los da Clínica: Revista sobre a Infân-
cia com Problemas, Vol. II, 2, 27-43.
M a n n o n i , M. (1988). Educação impossível.
Rio de J a n e i r o , RJ: Francisco Alves.
Millot, C. (1987). Freud antipedagogo. Rio
de J a n e i r o , RJ: Zahar.
M o r g a d o , M . A. ( 1 9 9 5 ) . Da sedução na
relação pedagógica. São Paulo, SP:
Plexus.
P a t t o , M . H . S. ( 1 9 9 3 ) . A produção do
fracasso escolar: histórias de submissão
e rebeldia. São Paulo, SP: T. A. Queiroz.
Rego, T. C. R. (1995). A origem da singu-
laridade h u m a n a na visão dos educa-
dores. Cadernos CEDES, (35), 65-77.
Souza, M. P. R. de. (1997). A queixa esco-
lar e o p r e d o m í n i o de u m a v i s ã o de
m u n d o . In A. M. M a c h a d o & M. P. R.
de Souza (orgs.). Psicologia escolar: em
busca de novos rumos (pp.17-33). São
P a u l o , SP: Casa d o Psicólogo.
S t a z z o n e , R. (1997). O que deve fazer u m
psicanalista na escola? Estilos da Clíni-
ca: Revista sobre a Infância com Pro-
blemas, Vol. II, 2, 44-52.

Você também pode gostar