O t r a b a l h o d e pre-
venção com crianças
A RUPTURA DA
n a i d a d e de a p r e n d e r
o controle esfincteriano
p e r m i t e , às vezes, ob-
BOLSA NO PARTO
s e r v a r , p o r o c a s i ã o des-
ta e t a p a , u m d e s p e r t a r
a g u d o de a n g ú s t i a s p r i -
OU O DESPERTAR
m i t i v a s de r e s s e c a m e n t o
e de l i q u e f a ç ã o que en-
travam o investimento
DAS ANGÚSTIAS DE
n o r m a l desta f u n ç ã o .
P r o p o m o - n o s , neste ar-
tigo, dar u m testemu-
RESSECAMENTO
nho disto, com duas
vinhetas clínicas, que
r e s s a l t a m o q u a n t o as
DURANTE A
noções teóricas de an-
g ú s t i a de m o r t e p o r es-
coamento e liquefação,
APRENDIZAGEM
d e s c r i t a s n o c a m p o da
c l í n i c a d o a u t i s m o , es-
clarecem, igualmente,
DO CONTROLE
esta e t a p a da i n f â n c i a .
A p r e n d i z a g e m d o con-
t r o l e e s f i n c t e r i a n o ; an-
ESFINCTERIANO
gústia de ressecamento;
vivências intra-uterina
e peri-natais
O CASO DE ADRIANO
Lembraremos o que podem ser as angústias de liquefação e de
escoamento sem fim retomando, sucintamente, as idéias de F. Tus-
tin sobre "os terrores p r i m i t i v o s " que ela particularmente explici-
tou, a partir da clínica do autismo. F. Tustin (1989) descreve, de
fato, medos fundamentais: de cair, de ser atirado, de desmoronar,
de se despedaçar, de transbordar, de se dissolver, de explodir. Ela
relaciona isto ao que Bion chama "os terrores sem nome", e às vi-
vências precoces do lactente.
No que diz respeito ao terror de transbordar, ela refere u m a
paciente para quem transbordar era equivalente a esquecer o pânico
e a angústia que resultam destes terrores devidos à impressão de
cair em um abismo sem fim, no nada, o que remete a u m a falha
do continente, à ausência de retorno psíquico fornecido pela men¬
talização materna.
Essas angústias podem igualmente tomar um outro aspecto: o
de u m a ameaça de dissolução, isto é, o temor de passar de u m
estado sólido para u m estado líquido, daí um risco de morte por
escoamento.
De fato, esses terrores primitivos são vividos pelo sujeito como
verdadeiros perigos de morte. A fim de lutar contra essas angústias, a
criança pode se enrijecer na perspectiva de se endurecer para evitar o
escoamento. Assim, G. Haag (1994) contato com as s u b s t â n c i a s corpo-
relata o caso de uma criança que apre- r a i s da m ã e d a s q u a i s se s e p a r o u
sentava, em seu estado autístico, intensas ao n a s c e r , l e m b r a n d o o c o n t e x t o
angústias de liquefação e de dessecação uterino. As preocupações compulsi-
contra as quais ela lutava lançando mão vas de A d r i a n o p a r e c e m r e a t i v a r
de um hiperfechamento do corpo, ao v i v ê n c i a s a r c a i c a s a n t e r i o r e s à sua
mesmo tempo muscular e visceral. Para vida extra-uterina.
F. Tustin, as condutas de fechamento Ele besunta com fezes seus obje-
são necessidades defensivas derivadas da tos de pelúcia e manifesta muito pra-
"infiltração de condutas de agarramento zer, depois, ao vê-los serem lavados,
no âmbito do domínio". bate palmas quando sua mãe coloca-
O enrijecimento que serve para os no jardim e passa o jato de água
fixar as c o i s a s , p a r a i m o b i l i z á - l a s , sobre eles. C o m freqüência, se atira
pode levar a criança a viver as mu- embaixo do jato.
danças como catástrofes. É o que nos Paralelamente à busca efetuada a
parece revelar-se no caso de Adriano partir das secreções do corpo, a pro-
no nível da retenção das palavras e, cura de algo ú m i d o parece ocorrer
em u m d e t e r m i n a d o m o m e n t o de no ambiente externo.
sua evolução, das fezes. Na sessão, ele pede barro e, ten-
do, várias vezes, conseguido pegar a
terra de u m pote de planta, mistura
esta terra com a água de u m a bacia
OS SINTOMAS na q u a l t i n h a o h á b i t o de afogar,
c o m p u l s i v a m e n t e , seus b r i n q u e d o s ,
u m após o outro. A textura do bar-
A d r i a n o é u m a c r i a n ç a de 4 ro fará amplificar este ritual de "afo-
anos que encontrou dificuldades em gamento" dos personagens, cuja cabe-
obter o controle esfincteriano e que ça ele mergulha no barro, como um
tem problemas de elocução: falta de alucinado.
fluência das palavras e gagueira. Ele A busca da á g u a é c o n s t a n t e :
não consegue encadear as sílabas umas assim que ele vê u m a bacia ou poça
nas outras. Parece conseguir fazer no d'agua, joga-se dentro, colocando de
penico, ao redor dos 3 anos e 5 me- preferência a cabeça dentro da água
ses, depois volta a fazer nas calças, ou mesmo no barro.
aos 4 anos. Neste momento, se inten- Durante esse tipo de atividade,
sificam os problemas de elocução. ele parece totalmente fascinado pela
O c o n t a t o com algo ú m i d o e água e pelo revestimento ú m i d o das
quente em suas calças parece predo- superfícies dos objetos de p e l ú c i a .
m i n a n t e , u m a espécie de júbilo que Parece absorvido por algo fundamen-
aparece enquanto as fezes ainda estão tal p a r a ele. N ã o se d i r i g e a n i n -
mornas. g u é m , não espreita o a d u l t o e n ã o
O. R a n k a n a l i s o u na c r i a n ç a brinca com a reação deste último. A
pequena, a i n d a lactente, esta busca, água parece exercer sobre ele u m a
p o r m e i o d a s fezes q u e n t e s , d o função de "objeto atraidor", confor¬
me o conceito descrito por D. Melt- m u i t o perto do colo, aos 7 meses
zer, ao mesmo tempo reunindo-o e de g r a v i d e z . O p a r t o foi r á p i d o ,
absorvendo-o; esta ação c o m p u l s i v a normal, sem peridural, sem cesaria-
evoca u m a vivência t r a u m á t i c a não na, apesar do parecer do m é d i c o ,
resolvida e c o n s t i t u i u m o b s t á c u l o que diagnosticara parto com cesaria-
quanto à aprendizagem definitiva do na. A c r i a n ç a nasce, h i p e r a g i t a d a ,
controle esfincteriano. c o m os o l h o s a r r e g a l a d o s , o que
Ele se comunica pouco com as surpreende todo o m u n d o .
outras crianças da escola, se retrai. As crises de vômitos foram in-
tensas durante a gravidez, inexorá-
veis, após cada refeição. As sacudidas
repetidas que a criança pode ter sen-
A HISTÓRIA DA tido dentro do ventre materno pro-
vocaram, sem dúvida, a sua descida
CRIANÇA rápida em direção ao colo.
O meio a m n i ó t i c o foi prejudi-
A mãe é anorética desde os 18 cado, durante um certo tempo, pela
anos. Teve Adriano aos 28 anos, pen- pouca quantidade de substâncias que
sando que não poderia e n g r a v i d a r . restavam d e n t r o do corpo, devido
Não menstruando, não era necessário aos v ô m i t o s r e p e t i d o s . P o d e m o s
tomar pílula, pensava ela. Pesava 35 p e n s a r que a c r i a n ç a p ô d e s e n t i r
kg para u m a a l t u r a de 1,63 m. As medos de ressecamento d e n t r o do
crises de b u l i m i a sucederam-se, dia e corpo da mãe e que a descida rápi-
noite, aos 19 anos, após a r u p t u r a da p o d e r i a se e x p l i c a r c o m o u m
c o m u m r a p a z , q u a n d o t i n h a 16 m o v i m e n t o para fugir de u m meio
a n o s . A avó m a t e r n a , a q u e m era aquático insuficiente e perigoso.
m u i t o apegada, adoeceu gravemente A c r i a n ç a suga d e p o i s a v i d a -
alguns meses depois desta ruptura e mente o seio, reclamando uma nova
morreu quando ela tinha 19 anos. m a m a d a alguns instantes depois da
Aos 16 anos, tinha estado grávi- primeira.
da durante 2 meses e meio, após rela- A mãe foi hospitalizada três ve-
ções sexuais com u m jovem de 17 zes, dos 23 aos 28 anos. R e t o m o u
anos. Descobrira sua gravidez durante facilmente alguns quilos, em uma clí-
o aborto, provocado por uma queda nica, mas, nos quatro meses seguin-
violenta após choque com uma rocha, tes, voltou a emagrecer, voltando ao
quando fazia w i n d s u r f U m a depres- seu peso inicial.
são começou aos 18 anos, depois, aos Quando sua mãe foi para a clí-
19 anos, instalaram-se, após retraimen¬ n i c a , A d r i a n o , então com 4 anos,
to total, crises de bulimia sempre se- recomeçou a se sujar e a m a n i p u l a r
guidas de vômitos. os excrementos com u m a evidente
Grávida de Adriano, teve de fi- satisfação. Espalha as fezes sobre o
car sob perfusão a partir do sexto c o r p o , as p e r n a s , o v e n t r e , a s s i m
mês de g r a v i d e z . O corpo do bebê como sobre os objetos de pelúcia,
descera, e a sua cabeça encontrava-se como descrevemos anteriormente.
A d r i a n o vira sua mãe se esva-
ziar, várias vezes, no vaso sanitário.
É provável que ele tenha sido afeta-
do por isto, pois foi surpreendido,
v á r i a s vezes, ao redor dos 4 a n o s ,
com os dedos na boca, para tentar
provocar o v ô m i t o .
Pode-se pensar que os órgãos de
excreção anal substituem a boca e ex-
pulsam, como a boca da mãe, devi-
do a uma espécie de confusão psicó-
tica dos orifícios.
Ele parece reviver, com a separa-
ção do objeto p r i m á r i o , temores de
ressecamento devidos aos primeiros
traumas intra-uterinos e também às
hospitalizações da mãe. Pede para be-
ber, m u i t o freqüentemente, de ma-
neira compulsiva, parecendo adicto à
água (cf. estudos de Anna Freud).
A d r i a n o fica a c a r g o de seu
p a i , d u r a n t e a h o s p i t a l i z a ç ã o da
m ã e . Os d i s t ú r b i o s de l i n g u a g e m
durarão muito tempo e aumentarão
como se não ocorresse a liquidez re-
querida para ligar u m a sílaba à ou-
tra e como se o fluxo salivar se tor-
nasse insuficiente. Queixa-se, com fre-
q ü ê n c i a , de ter a boca seca e, por
isto, pede água.
A mãe aprendera com sua avó
materna, que vivera muito tempo na
Argélia, o hábito de cuidar do cor-
po por meio de massagens e o trans-
mitira para seu filho, besuntando-o,
com freqüência, com creme ou óleo
- e s p é c i e de r i t u a i s em t o r n o do
corpo, sob a forma de abluções. Seu
pai n ã o c o n t i n u o u estes c u i d a d o s
particulares do corpo.
Os dois meses de separação, du-
rante os quais ficou privado da pre-
sença de sua mãe, são uma repetição
do primeiro trauma.
Recupera um pouco da liquidez dada em compensação da que
lhe faltou q u a n d o estava em estado fetal e t a m b é m os cuidados
corporais sob a forma de abluções bastante longas, massagens com
cremes, que o pai não podia lhe dar, produzindo, a partir de seu
próprio corpo, substâncias que desempenhavam o papel de pára-
excitação.
Desejaríamos observar o quanto o momento da aprendizagem
do controle esfincteriano pode despertar problemáticas ligadas ao
nascimento, aos l í q u i d o s intra-uterinos e à ruptura da bolsa, no
m o m e n t o do parto.
O fato de ajudar a criança a mentalizar, a pôr em palavras o
que causou o t r a u m a t i s m o permite-lhe desprender-se, progressiva-
mente, do impacto paralisador, sobre a psique, do que vivenciou e
a ajuda a ultrapassar o aspecto invasivo do trauma. U m contato
físico mais estreito da parte dos pais, seguido de beijos, permitiu
a A d r i a n o sentir-se reunido e contido, não mais ameaçado de se
dissolver. Cessou, então, ao cabo de um certo tempo, de investir
nestas "brincadeiras".
A incompreensão do entorno pode, de fato, provocar um sen-
timento de abandono, de queda catastrófica na dificuldade, o que
reforça as angústias de escoamento, a sensação de extrema vulnera-
bilidade e a impressão de uma ausência de continente.
A etapa da aprendizagem do controle esfincteriano reativa as
angústias de saída do corpo. A criança, de fato, de ambos os se-
xos, como Freud demonstrou, engendra, fantasmaticamente, ao eva-
cuar suas fezes. Esta vivência em torno do s ó l i d o e do l í q u i d o
lembra, s i m b o l i c a m e n t e , sua p r ó p r i a experiência de n a s c i m e n t o ,
isto é, a passagem do líquido para o "seco". Tornar-se seco, ofere-
cendo, definitivamente, as fezes, pode ser uma reevocação traumá-
tica do nascimento e do que o precedeu, se este "seco" foi viven-
ciado no meio intra-uterino.
O CASO DE EMÍLIA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Recebido em 5/6/2001.