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A IDEALIZAÇÃO
V i s l u m b r a m o s a u r g ê n c i a e m t r a b a l h a r c o m as idealizações n a
clínica precoce p o r q u e a c r e d i t a m o s q u e elas carregam u m barril de
p ó l v o r a , p r e s t e s a e s t o u r a r . S o b a a p a r e n t e c a l m a r i a n o m a r das
idealizações sobrevive a t o r m e n t a da a m b i v a l ê n c i a , i n d i c a n d o peri-
go à vista.
Até o n d e n o s foi possível t r a b a l h a r , p u d e m o s i d e n t i f i c a r três
ordens de perigo:
a) A v a l o r i z a ç ã o d o a m o r fusional: a m ã e m o r t í f e r a
A " b o a m ã e " seria aquela q u e , s o b q u a l q u e r t e n t a ç ã o e dissa-
b o r , a i n d a assim, c o n t i n u a r i a a m a n d o p r i v i l e g i a d a m e n t e seu filho.
Seria a m ã e dos i n v e s t i m e n t o s e m demasia, a " m ã e fartante" ( c o m o
n o m e i a Jerusalinsky), o u a " m ã e psicotizante" ( c o m o a psicanálise já
n o s e v i d e n c i o u pela clínica da psicose), q u e , p a r a o b e m da s a ú d e
psíquica e orgânica dos dois - m ã e e bebê -, sabemos, precisaria ser
i n t e r d i t a d a de a l g u m a m a n e i r a .
Segundo Mathelin, "Jacques Lacan nos lembra que é desse desejo
aí que as mães terão de testemunhar para escapar da loucura de serem
mães totalmente satisfeitas e preenchedoras de suas crianças. E m vez de
felicidade a dois, é u m a loucura a dois que estará de fato em questão,
a criança tornando-se inexoravelmente o objeto de sua mãe, destruída
p o r ele, ao m e s m o t e m p o que d e s t r u í d o p o r ela" (1998, p.16).
É nessa l i n h a de p e n s a m e n t o que v i s l u m b r a m o s essa psicana-
lista, d e p o i s de u m l o n g o c u r s o de t r a b a l h o nessa clínica precoce,
p r o p o r u m a ética p a r a n o r t e a r nossas i n t e r v e n ç õ e s , q u a n d o diz:
" N ã o se a t a c a i m p u n e m e n t e o m i t o e m r e l a ç ã o à m ã e , o
mito do amor absoluto. C o n t u d o ninguém ignora que o amor
p a s s i o n a l , a n i m a l , carrega e m si u m a p r o m e s s a de m o r t e . D e m a s i -
a d o fusional, ele está m a i s p r ó x i m o d a m o r t e q u e d a vida. Pensar
q u e existiria u m a m o r m a t e r n o sem v i o l ê n c i a , sem ó d i o , sem a m -
b i v a l ê n c i a seria t ã o radical q u a n t o negar a existência d o i n c o n s c i -
e n t e " (1998, p . 2 8 ) .
A p s i c a n á l i s e n o s p r e s e n t e i a , p o r m e i o d e seu p r o c e s s o
terapêutico, com a possibilidade da simbolização. Desta forma,
a c r e d i t a m o s q u e , a b r i n d o u m espaço a c o l h e d o r p a r a o i m a g i n á r i o
manifestar-se, estaremos c o n t r i b u i n d o para que t a n t o a criança,
q u a n t o os pais e a i n d a os profissionais p o s s a m pela l i n g u a g e m ex-
p r i m i r suas lembranças, seus s e n t i m e n t o s , suas dores e, dessa manei-
ra, a p r o p r i a r - s e de suas h i s t ó r i a s ,
b) A desvalorização d a m ã e real
Nesse jogo, em que os extremos se d i g l a d i a m , t u d o a q u i l o que
estiver r e p r e s e n t a n d o o d e s p r a z e r e o d i f e r e n t e passaria a existir -
c o m o já h a v í a m o s a s s i n a l a d o - s u b s t a n c i a l m e n t e , n a c o n d i ç ã o de
fantasmas d o mal que pressionariam pelo retorno.
Para n ã o os deixar emergir, u m a das táticas da defesa é desva-
lorizá-los. Assim, a m ã e real, esta q u e estamos c h a m a n d o de desmi-
l i n g ü i d a , é a b o m i n a d a , r i d i c u l a r i z a d a , d e s a f i a d a n a q u i l o q u e se
m o s t r a i n c o m p e t e n t e , o u seja, n o d e s e m p e n h o d a f u n ç ã o m a t e r n a .
D i z i a a e n f e r m e i r a e m t o m de desafio:
" H o j e é tu que vais c o m e ç a r a ter t r a b a l h o , hoje é tu que vais
l i m p a r o c o c ô dela e t r o c a r a fralda. M e u s dias d e m ã e d a Vera
estão c o n t a d o s , e os teus de m a d r a s t a estão se a c a b a n d o . A p r o v e i -
t e m b e m os dias de m a d r a s t a , pois t o d o s os bebês q u e p a s s a m p o r
a q u i , e e n q u a n t o estiverem a q u i , são m e u s filhos, e eu sou a m ã e ,
e vocês são as m a d r a s t a s " .
É p o r isso q u e a l e r t a m o s p a r a o p e r i g o de se m a n t e r as rela-
ções (pais e bebê, profissionais e mãe) sob o d o m í n i o das idealiza-
ções, p o i s estas, se n ã o t r a b a l h a d a s , e à s o l t a n o p s i q u i s m o , tor-
n a m os laços f r o u x o s e frágeis, e, p a r a d o x a l m e n t e , r í g i d o s , p o r se
t o r n a r e m i n c a p a z e s de s u p o r t a r as decepções.
L e m b r e m o s q u e , p o r diversas vezes, F r e u d a t r i b u i u à n a t u r e z a
d o a m o r p r é - e d i p i a n o , exigente e exclusivista, u m a das razões pelas
quais a relação entre a filha e a m ã e s u c u m b i r i a "à hostilidade acu-
m u l a d a " . " U m a p o d e r o s a t e n d ê n c i a à agressividade está s e m p r e pre-
sente ao l a d o de u m a m o r i n t e n s o , e, q u a n t o mais p r o f u n d a m e n t e
u m a criança a m a seu objeto, m a i s sensível se t o r n a aos d e s a p o n t a -
m e n t o s e frustrações p r o v e n i e n t e s desse objeto; e, n o final, o a m o r
deve s u c u m b i r à h o s t i l i d a d e a c u m u l a d a " (1933[1932], p.123)
c) O r e t o r n o d o r e c a l c a d o
Temos o c o n h e c i m e n t o de que, p r ó p r i o das leis psíquicas, os ma-
teriais submersos pressionam para voltar à superfície. A clínica psica-
nalítica tem mostrado c o m o o psiquismo da mulher durante a gravidez
e n o p u e r p é r i o , pela fragilidade e m q u e se e n c o n t r a , é u m c a m p o
fértil para a ambivalência manifestar-se em toda sua potência-*.
M . Bydlowski, m e r g u l h a n d o n a pesquisa s o b r e a n a t u r e z a das
a l t e r a ç õ e s p s í q u i c a s q u e a c o m e t e m as m u l h e r e s n a g r a v i d e z e n o
pós-parto, diz que:
" P o d e m o s explicar, assim, p o r q u e a p r o b l e m á t i c a das m u l h e r e s
n o r m a i s (grávidas e p u é r p e r a s ) foi c o n s i d e r a d a c o m o patológica. A
i n t e n s i d a d e c o m que ressurgem certos fantasmas regressivos e o flu-
xo das r e m e m o r a ç õ e s infantis, expressas sobre u m m o d o nostálgico,
c o n t r a s t a m c o m a ausência de u m discurso racional sobre a realida-
de d o feto. Este fluxo regressivo e r e m e m o r a t i v o de representações
t e s t e m u n h a a t r a n s p a r ê n c i a p s í q u i c a característica desse p e r í o d o da
v i d a " ( 1 9 9 5 , p.96).
C o m o e n t ã o esperar q u e nessa m u l h e r (ou em q u e m q u e r q u e
esteja f u n c i o n a n d o n a p o s i ç ã o d e m ã e ) p r e p o n d e r e a M ã e p r é -
edipiana: todo-poderosa, que t u d o p o d e dar, p o r q u e t u d o possui,
capaz de p r e e n c h e r e satisfazer todas as d e m a n d a s de seu bebê e de
se s e n t i r t o t a l m e n t e p r e e n c h i d a p o r ele. A r e a l i d a d e clínica parece
mostrar-nos o q u a n t o e c o m o a mulher, diante da maternidade, é
c o n s t i t u í d a m u i t o m a i s de u m a f r a g i l i d a d e i m p i e d o s a , d o q u e de
u m a fortaleza i m p e r i o s a .
E n q u a n t o psicanalistas, a c r e d i t a m o s ser f u n d a m e n t a l q u e essa
m u l h e r (ou q u a l q u e r pessoa q u e esteja c u i d a n d o d o bebê) possa se
p o s i c i o n a r , d e tal f o r m a q u e faça e m e r g i r o s u j e i t o d o d e s e j o .
Vejamos o q u e diz Lacan (1953-4):
" E n t ã o , o q u e q u e r d i z e r o o l h o q u e e s t á aí? Q u e r dizer
que, na relação d o i m a g i n á r i o e d o real, e na c o n s t i t u i ç ã o do
m u n d o tal c o m o ela r e s u l t a d i s s o , t u d o d e p e n d e d a s i t u a ç ã o d o
s u j e i t o . E a s i t u a ç ã o d o sujeito - vocês d e v e m sabê-lo d e s d e q u e
l h e s r e p i t o - é e s s e n c i a l m e n t e c a r a c t e r i z a d a p e l o seu l u g a r no
m u n d o simbólico, ou, em outros termos, n o m u n d o da palavra"
( p . 9 7 ) . " . . . p o r c a u s a d a m á p o s i ç ã o d o o l h o , o ego n ã o aparece
p u r a e s i m p l e s m e n t e " (p.106).
S t e r n (1997) prevê q u e a m u l h e r , d i a n t e da real c o n d i ç ã o d a
m a t e r n i d a d e , p r e c i s a de u m a r e d e d e s u s t e n t a ç ã o , e m q u e p o s s a
apoiar-se e possa d e s e m p e n h a r seu papel m a t e r n a l , p o r u m p e r í o d o
inicial. Rede essa tecida, s e g u n d o ele, pelo a p o i o d o pai, d o s avós,
das b a b á s , etc.
A c r e s c e n t a m o s t a m b é m , nessa rede de a p o i o , o t r a b a l h o d o s
psicanalistas, q u a n d o , na posição transferenciai, dispõem-se a escutar
h o m e n s e m u l h e r e s que, p o r suas h i s t ó r i a s c o t i d i a n a s , r e m e m o r a m
os fantasmas infantis c o m t o d a s as agruras e c o m t o d o s os deleites
que eles carregam, especialmente diante da estonteante experiência de
ser pai e de ser mãe. •
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NOTAS
^ T e r m o u s a d o p o r F r e u d p a r a referir-se ao l u g a r d a q u e l e q u e se o c u p a
d o b e b ê . S e g u n d o T h o m a s - Q u i l i c h i n i (1998), tal c o m o "o Nebenmensch, o
O u t r o , esse t e r m o l a c a n i a n o p e r m i t e d e s i g n a r , s o b u m t e r m o ú n i c o , se
b e m q u e de m o d o a n a c r ô n i c o a q u i , a q u i l o q u e F r e u d s i t u a , p o r m e i o de
t e r m o s b a s t a n t e v a r i á v e i s , acerca da f u n ç ã o d a q u e l e q u e se o c u p a do
l a c t e n t e " (p.76).
V e m o s que, de u m a f o r m a o u de o u t r a , a t r a j e t ó r i a da p s i c a n á l i s e , n o que
t a n g e à e s t r u t u r a ç ã o p s í q u i c a d o sujeito n o s p r i m ó r d i o s de sua e x i s t ê n c i a ,
vem selar a p o s i ç ã o d e t e r m i n a n t e da Mãe (ou seu s u b s t i t u t o ) , e n q u a n t o re-
presentante simbólico.
^ A t r a d u ç ã o d o francês é nossa.