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FRAGMENTADO
2. A cidade fragmentada
2Importa notar que o que define o enclave não é tanto a sua dimensão, pequena,
mas o tipo de relação (a existência de não-relações) com os tecidos que o cercam.
42 Revista TERRITÓRIO, ano 111,nº 4, jan./jun. 1998
3. Quadro explicativo
diversas redes, algumas quase virtuais, mas na maior parte com consistência
territorial mais fragmentada, isto é, partilhada por diversos lugares afastados.
Os yuppies e hoje os 30s something foram responsabilizados pela
reapropriação da área central para residência e consumo devido à importân-
cia que atribuem ao tempo de deslocamento e à adoção de estilos de vida
cosmopolitas. Ocupam edifícios reabilitados (ou inteiramente novos mas no
geral com um ar antigo), na zona histórica, ou construções inteiramente no-
vas, seja em áreas renovadas anteriormente voltadas a usos industriais ou
de transportes de que as operações nas docas em todo o mundo são
paradigma, seja em locais da coroa urbana valorizados por novas condições
de acessibilidade como sucede em Telheiras ou Lumiar, em Lisboa.
Mas também encontramos novos estratos consumistas em situações
suburbanas, principalmente com a proliferação de condomínios fechados de
moradias providos de facilidades em termos de equipamento desportivo e de
lazer, oferta até há pouco praticamente inexistente, porque espartilhada entre
os bairros clandestinos para grupos remediados ou pequenas classes médias e
grandes moradias com jardim para minorias de grande poder econômico.
Os primeiros se beneficiam da proximidade ao emprego e aos comércio
os e serviços de luxo existentes na área central, enquanto os segundos me-
nos dependentes da proximidade ao trabalho central (ou trabalhando na peri-
feria) valorizam os jardins, os equipamentos desportivos, o sossego. Tanto
uns como outros dividem o seu tempo cotidiano entre a proximidade e a dis-
tância. Para muitos indivíduos o espaço de ação não é mais definido pela
continuidade territorial; freqüentam uma série de lugares, pontos que apenas
as práticas de cada um unificam e dão sentido como conjunto. Efetivamente
cada vez mais os espaços de ação dos indivíduos são formados por pontos
distantes uns dos outros ligados por processos sociais, pelos padrões da vida
social organizada em e por meio de determinados locais (URRY, 1995). O
próprio bairro enquanto extensão e suporte de práticas cotidianas e de rela-
ções sociais perde sentido.
Outro conjunto de explicações com ênfase na procura inspira-se na
teoria social. A cidade industrial espelhava a solidariedade orgânica produzi-
da pela divisão do trabalho e pela interdependência de cada um face aos
outros para cumprir a sua tarefa e dava dela uma representação convincen-
te. Depois perdeu-se o princípio social baseado naquele sentimento, a socie-
dade dessolidariza-se e os que têm mais posses ignoram os desfavorecidos
e fogem das zonas onde estes se acumulam porque comportam custos soci-
ais mais altos. A cidade torna-se então simples projeção aleatória de condi-
ções sociais cada vez mais fragmentadas e sem qualquer princípio de dispo-
sição, produzindo-se "uma desordem espacial das posições sociais"
(DONZELOT,1997).
Finalmente, em termos de empresas, o que importa salientar é o au-
mento da liberdade locativa (aliás comum às residências), ou novas condi-
ções de localização. A segmentação espacial do processo produtivo permite
Cidade pós-moderna: espaço fragmentado 45
crises por excesso de oferta. Em Portugal este movimento foi facilitado com a
entrada do país na União Européia, mas a revolução imobiliária começara
antes, ainda nos anos 60, com uma alteração na escala da produção urba-
na". Ela corresponde à substituição da intervenção no lote, de 150 a 400m2,
pela intervenção mais ampla e acompanha a reestruturação do setor da cons-
trução, isto é, a sua penetração por estruturas capitalistas mais avançadas
traduzida num aumento da concentração e na sua penetração pelo capital
financeiro, numa primeira fase essencialmente de origem nacional e depois
cada vez mais livre.
A reestruturação recente do setor da construção passa também por um
aumento da especialização e profissionalização das várias atividades (pro-
moção, financiamentos, estudos e projectos, construção, fiscalização, medi-
ação, etc.) muitas delas exercidas por consórcios com forte componente
transnacional, ou diretamente por empresas estrangeiras (SALG UEI RO, 1994,
COSTA, 1996).
Os grandes empreendimentos do topo da gama são internacionaliza-
dos pelo capital, pela imagem e até pelos utentes porque muitas empresas
estrangeiras recentemente instaladas em Portugal o fazem nestes novos edi-
fícios. Distinguem-se assim em termos de forma, de processo e de ocupação.
Orientam-se no essencial para áreas recentemente valorizadas da cidade
interior (por renovação de estruturas obsoletas, ou pela construção de novas
acessibilidades) a que se somam iniciativas pontuais na periferia, desde gran-
des superficies comerciais e office parks a condomínios residenciais. De fato,
embora se mantenha o laço entre expansão econômica e geográfica mudou a
forma desta relação. Hoje em dia a expansão econômica já não se realiza
apenas por meio da expansão geográfica periférica, mas envolve diferencia-
ção interna de espaços já urbanizados (SMITH, 1996, sublinhados meus).
O caráter central das novas intervenções é explicado pelas teorias que
se debruçam sobre a valorização do capital por meio da propriedade imobi-
liária, concretamente analisando os processos de desinvestimento e
reinvestimento conhecidos como do rent gap. Estas teorias fundamentam o
regressar ao centro ao explicar como o desinvestimento propicia a nobilitação
de certas áreas atraindo para elas investimentos.
O papel do Estado também acompanhou as mudanças verificadas e
contribuiu para elas. De um modo geral, nas últimas décadas, assistimos à
redução da intervenção do Estado no domínio do planejamento territorial".
seja em articulação com a expansão das ideologias neoliberais, seja porque
4. O caso de Lisboa
6 Iniciativa que não poucas vezes tem se deparado com a resistência dos moradores
locais que pretendem defender o seu bairro da presença de 'indesejáveis' como a
oposição à instalação de ciganos e outros membros de minorias étnicas tem revela-
do.
Cidade pós-moderna: espaço fragmentado 49
Figura 1.
Síntese da Estrutura Socioespacial na Área Metropolitana de Lisboa
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VII
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VIII
Legenda:
1_Centro histórico consolidado e envelhecido. Empregados, no terciário e reformados.
Famílias pequenas. Construção em altura. Fogos sem a totalidade das infra-estruturas;
II - Coroa do Centro. Pequena e média burguesia urbana. Sinais de envelhecimento.
Imp. dos ativos no terciário. Níveis de instrução superiores à zona I;
III - Coroa burguesa tradicional;
IV - Novos territórios burgueses. Edifícios recentes em altura com todas as infra-
estruturas. População jovem com níveis de qualificação médio e superior. Quadros
superiores e dirigentes;
V - Área suburbana consolidada. Zonas novas pela idade dos edifícios e da população
residente, predomínio da construção em altura, bem dotada de infra-estruturas de
saneamento, predomínio de classe média com empregados no terciário e operários;
VI - Área suburbana intercalar, entre os eixos suburbanos da zona anterior, menos
urbano em termos de imagem com maior presença de moradias. Pop. jovem, poucas
famílias pequenas, menor incidência de ocupações no terciário, designadamento
dos grupos superiores, maior importância dos menos qualificados e dos operários;
VII - Enclaves;
VIII - Franja metropolitana onde as atividades agrícolas e a pesca têm alguma
expressão.
52 Revista TERRITÓRIO, ano 111,nº 4, jan./jun. 1998
Referências Bibliográficas
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suburbana de Lisboa, Lisboa, Assembléia Distrital, Boletim n 89.