Você está na página 1de 2

Soberania das Esferas?

 Solano Portela    quarta-feira, novembro 12, 2014    5 comentários:

Algumas pessoas têm me perguntado:


"Afinal, o que é Soberania das Esferas e onde posso aprender sobre isso"? O interesse
redespertado pela teologia reformada tem trazido esse termo e conceitos à tona, junto com
"cosmovisão", "neo-calvinismo" e vários outros. Soberania das Esferas é uma expressão
encontrada na obra do filósofo holandês Herman Dooyeweerd (1894-1977). Seu tratado,
extenso e muito técnico, não disponível em português, é chamado “Uma Nova Crítica do
Pensamento Teórico” (A New Critique of Theoretical Thought, em 4 espessos volumes,
tradução do original holandês publicada originalmente em inglês por H. J. Paris, em 1957).

O pensamento expresso por Dooyeweerd é complexo, mas, simplificadamente podemos


dizer que ele os construiu sobre os conceitos já apresentados anteriormente por João
Calvino (1509-1564) e, com bastante intensidade, na terminologia e e escritos de Abraão
Kuyper (1837-1920). Em resumo, ele ensina que cada instituição criada por Deus (a
família, a escola, o estado), possui uma área específica de autoridade e regência, ou seja,
são esferas bem delimitadas e específicas.

Isso não significa que tais esferas sejam autônomas. Ainda que independentes, cada uma
deve responder a Deus, o doador desta autoridade. A soberania de cada uma quer dizer
que elas não devem usurpar ou interferir na autoridade da outra esfera. Cada uma dessas
esferas, autoridades em si, é responsável por sua missão e pelas suas ações, na
providência divina, perante Deus.

Por exemplo, no caso de uma escola cristã, ela deve entender que não usurpa a
autoridade da família, nem da igreja. Muito menos substitui essas outras esferas, mas
deve trabalhar conjuntamente, em colaboração e respeito. A esfera da escola, e nisso ela
tem autoridade, é ministrar conhecimento, sendo responsável, perante Deus, de transmitir
esse conhecimento reconhecendo o Criador em todas as áreas do saber.

Outro exemplo, ao estado não cabe legislar moralidade, mas sim trabalhar com base em
princípios universais (que procedem de Deus), reprimindo as atividades criminosas,
protegendo os indivíduos de uma sociedade - essa é a sua esfera legítima. No momento
em que se imiscui na esfera da família, ou da igreja (postulando o que é certo ou errado),
ultrapassa a sua "soberania". O estado não tem poder ilimitado, mas deve se reger sob
uma estrutura específica, que emana da Graça Comum derramada por Deus sobre todos
os homens.

Essa ação abrangente da Graça Comum de Deus, além de possibilitar a existência da


sociedade, é que restringe, também, o pecado na humanidade e faz com que cultura de
mérito e qualidade possa surgir nos mais diversos lugares e situações. Sobre isso,
Dooyeweerd diz: “Deus, em Cristo mantém a estrutura de sua criação pela graça temporal
preservadora”. Demonstrando um preciso entendimento bíblico, Dooyeweerd especifica
que a Graça Comum de Deus é que “retém a completa demonização do mundo” e, como
resultado, podemos observar em todas as partes “centelhas da glória de Deus, de sua
bondade, verdade, justiça e beleza”, até nas “culturas idólatras” (Vernieuwing en
Bezinning. Zutphen: J.B. Van Den Brink & Co., 1963, pgs. 36 e 39).

O trabalho de Dooyeweerd já foi abordado por várias obras. Uma das melhores é o
resumo do seu pensamento escrito por J. M. Spier no livro, An Introduction to Christian
Philosophy (Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1954), 155. Em
português temos o seu excelente livro, No Crepúsculo do Pensamento Ocidental (The
Twilight of Western Thought), traduzido e publicado pela editora HAGNOS, em 2010, com
304 pgs. e acabo de saber que a Edições Vida Nova publicou, agora em 2014, "Estado e
soberania: escritos sobre cristianismo e política", do mesmo autor. Esses
livros também podem servir para uma introdução ao pensamento desse grande filósofo
cristão, que nos demonstra como a doutrina cristã é para ser testemunhada, vivenciada e
experimentada em todas as áreas de nossa vida - incluindo o intelecto.  

Solano Portela

Você também pode gostar