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Sexta-feira, 17/03/2017, às 16:31, por Yvonne Maggie

Magia negra no STJ

Imagem de exu Sete Capas, Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro


Foto Luiz Alphonsus - Arquivo Yvonne Maggie
“Dizer que usará forças espirituais para obrigar uma pessoa a entregar dinheiro, mesmo sem
violência física ou outro tipo de ameaça, configura extorsão. Assim entendeu, por
unanimidade, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar recurso de uma mulher
condenada por estelionato, como revelou a revista Consultor Jurídico em 9 de março de 2017.

O caso aconteceu em São Paulo. Uma senhora procurou a médium Priscila Estephanovichil
para “fazer trabalhos espirituais de cura”. Segundo diz a denúncia feita pela cliente nos autos,
Priscila Estephanovichil, com o passar do tempo, começou a ameaçá-la e constrangê-la a
entregar-lhe altas quantias a fim de solucionar os seus problemas. A médium dizia que “tinha
alguma coisa enterrada no cemitério” contra os filhos de sua cliente e por fim bradou: “vou
acabar com a sua vida, a vida de seus filhos, te pego aqui na esquina” falando que agiria “em
nome dos espíritos ".

Diante desses fatos narrados no Recurso Especial Nº 1.299.021 SP (2012/0002922-6) do STJ,


os ministros da 6a turma enquadraram Priscila Estephanovichil no crime de extorsão, artigo
158 do código penal brasileiro e condenaram-na a seis anos de reclusão, seguindo a decisão
do ministro relator Rogerio Schietti Cruz:

“A ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser
considerada inidônea ou inacreditável. Para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a
crença na existência de forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios,
não havendo falar que são fantasiosas e que nenhuma força possuem para constranger o
homem médio. Os meios empregados foram idôneos, tanto que ensejaram a intimidação da
vítima, a consumação e o exaurimento da extorsão”.

O ministro do STJ ainda diferenciou a extorsão do curandeirismo ao dizer: “No curandeirismo,


o agente acredita que, com suas fórmulas, poderá resolver problema de saúde da vítima,
finalidade não evidenciada na hipótese, em que ficou comprovado, no decorrer da instrução,
o objetivo (...) de obter vantagem ilícita, de lesar o patrimônio da vítima, ganância não
interrompida nem sequer mediante requerimento expresso de interrupção das atividades”.

O Portal do Holanla ao divulgar a notícia com o título “Ameaçar com Macumba é crime,
decide o STJ” abriu para comentários. O debate entre os internautas sobre as religiões e a
crença na magia foi intenso. Um dos duzentos comentaristas, Alexandro Oliveira da Silva,
levantou uma questão de suma importância: “Se for verdade então o STJ deve ter medo de
macumba, não é? ”
Alexandre Oliveira da Silva tem toda a razão. Os ministros da 6a turma do STJ, de fato,
condenaram a acusada por crime de extorsão porque acreditam na capacidade das pessoas
usarem forças espirituais para praticar o mal, ou seja, acreditam na magia tanto quanto os
personagens envolvidos na trama da acusação levada a julgamento.

A médium Priscila foi acusada por sua cliente de usar de sortilégios para extorqui-la e fazer o
mal. Os ministros do STJ parecem que também acreditam na existência de forças
sobrenaturais para praticar o bem e o mal e por isso culparam a ré pelo crime de extorsão.

No meu livro Medo do feitiço, a partir de muitos casos de acusação como este ocorridos no
Rio de Janeiro da Belle Époque, demonstro que o medo do feitiço afeta pessoas de todas as
classes. O nosso sistema jurídico está impregnado desta crença porque criminaliza a prática
da feitiçaria e o curandeirismo desde o primeiro código penal republicano de 1891 no seu
artigo 157:

“Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para


despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis,
enfim para fascinar e subjugar a credulidade pública.”

Para criminalizar, como disse o internauta Alexandre, citado acima, é preciso participar da
crença. A legislação brasileira diferentemente da inglesa na África consolidada na Lei de
Supressão à Feitiçaria de 1892, por exemplo, reprime a prática da magia e aceita a acusação
dos que usam poderes sobrenaturais para o mal. Se o caso tivesse se passado na antiga
Rodésia, hoje Zimbábue, até 2006 quando a lei inglesa foi extinta, a cliente que acusou a
médium seria condenada à prisão além de ter de pagar uma multa por ter denunciado
alguém por atos de feitiçaria.

Podemos dizer que desde o código penal republicano de 1891 e até hoje sob o código penal
mais recente, como se vê pelo processo do STJ cuja decisão foi de março de 2017, nosso
sistema jurídico está imiscuído nos assuntos da magia e juízes e magistrados acreditam que
há pessoas que podem usar meios sobrenaturais para iludir a boa fé de outrem.

Enquanto a lei inglesa deixa o Estado fora da disputa e das acusações que produzem o
feiticeiro, a lei brasileira, desde a República, se imiscui nesse assunto para separar o joio do
trigo, o falso médium do autêntico, a extorsão da verdadeira busca pela cura, como no caso
descrito aqui.

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AUTORES

Y
Antropóloga.
v
Autora

o
dos
livros
n
"Guerra
n
de

e
orixá"
e
M
"Medo
a
do

g
feitiço".
Coautora
g
dos
ilivros
e
"Raça
como
retórica"
e
"Divisões
perigosas".
Agraciada
em
2008
com
a
Comenda
da
Ordem
Nacional
do
Mérito
Científico
do
Governo
do
Brasil.
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