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Infancia, educagéo e prdaticas sociais 1 “BRANCO DEMASIADO” OU... REFLEXOES EPISTEMOLOGICAS, METODOLOGICAS E ETICAS ACERCA DA PESQUISA COM CRIANCAS Maria Manuela Martinho Ferreira 1. DESCOBRIR AS CRIANCAS A PARTIR DO QUE ELAS NOS CONTAM OU... A IMPORTANCIA DE REALIZAR PESQUISAS COM CRIANCAS A partir do momento em que a Carlota anunciava: ~ Podem ir brinear para onde quiserem!, as criancas dispersavam-se pela sala do JI, explodindo numa stibita visibilidade e audibilidade que se expressa em deslocagées, movimentos, gestos e posturas quase inapreensiveis, enquanto mantinham conversagées incessantes e cruzadas que se desdobravam e desenrolavam a varias cadéncias quando elas se dirigiam para e enquanto participam nas diferentes areas de actividade disponiveis. As criangas pareciam pequenos imans (STRANDELL, 2000: 451) impelidas por uma forga social que as fa- zia mover, ora em direc&o ao que as outras faziam e ao que nos espacos se fazia, ora a procurar iniciar ou integrar acdes comuns, ora a suspendé-las, interrompé-las, termind-las ou abandond-las sem qualquer aviso prévio... O queacontecia quando finalmente as agées comuns comegavam a decorrer? A Rita, a Lola eo Quim esto sentados nas cadeiras da biblioteca. Em fren- te deles, paradas, esto a Ilda com 0 carrinho do bebé e a Inés que veste a saia azul. Alguém pés misica a tocar. — Danga! - diz a Rita a Inés. Ela comeca a dangar, mas a Rita diz-lhe que “nao é assim!” A Inés comeca a rodopiar. — Eu é que sou a dona dessa saia! — diz-lhe a Rita, em tom autoritario, pon- doo dedo indicador a frente do nariz. - Amanha sou eu com essa saia!, mas a Inés continua a rodar a frente dela. ~ Ela gosta muito de andar sempre com esta saia! - diz-me a Inés aproxi- mando-se de mim. 143 Quem é quecomegou primeiro? — perguntoua Rita a Inés, querendo refe- rir-se ao uso da saia. — A Rita, quando esteva ca a outra educadora é que andava sempre a babe, mas agora somos nos! ~ comenta a Iida. ~ O Inés anda ca! Quero di zer-te urna coisa! - chama ela. / 4 _ O Inés! Nao é s6 para andares com a saia! Daqui a um bocado das-me essa saia! ~ diz a Rita a Inés. / a _Tabem! - responde-lhea Inés, afastando-se a correr e indo ter om allda que agora passeava com 0 bebé, empurrando o carrinho pela sala. De vez em quando a Inés para e rodopia. an bebé grande e eu nao! — diz a — Q ano passado ela andava sempre com 0 21 Iida para a Inés, referindo-se a Rita. Depois, estas meninas vao para a casa e comecam a arruméa (23/, 11/98). [...] © Gilsai da casa vestido de mulher, aos rodopios. ARitaea a cite para ele, gritam edesatam a correr pela sala. Param aolhar para ele. ‘a i, correm a volta da mesa, param e ficam a espera {..]OGil vai para os i 7 : onde estdo o Quim e Rafa, a brincar com Legos, e rodopia a frente deles. Eles olham para ele ¢ param de jogar: = Olha a menina! - diz o Rafa. ~ Olha a menina! - repete o Quim. [...] ~ Sou uma mulher! - diz-lhes o Gil, dancando. ~ Sai daqui! Depressa! - dizem-lheo Quim eo Rafa. OGilvai embora e eles ficam a olhar para ele. Riem-se e retomam 0 jogo. i tir roupa de mu: i] segue para a casa, troca de roupa continuando a vestir a i Dove sbolade dedo em riste diz-lhe: - Nao pode estar! Nao pode estar! Nao pode estar! (22/01/99). O Rafa abraca-se ao Manel e diz todo contente: — Ja tenho 5 anos! ~ Somos crescidos! ~ diz o Manel. para os jogos e, depois, vao para um canto da bibliot: chichando. O Zé vai atras deles. ~O pa, Zé, deixame que eu sou mais velho! ~ diz-lhe o Rafa, mudando com 0 Manel. para outro cant abaixados e aos cochichos e com 0 Zé xados para os jogos como que escont ao Zé. j i is di ue fazias 5 anos, pois foi? Deixa la, ele [0 24) Se ae = 3 anos] - diz o Rafa para o Manel. ~ E um bebe? - pergunta o Manel. = Nao! - diz o Rafa. = 0 Zé nunca arruma nada! = comenta Manel, = continua ele para o 26, referincdoone A brincar, Estes excertos de episédios interativos, retirados dos registos que efetuei du- ite os nove meses em que realizei‘tima etnografia’ com 18 criancas’ num JI da publica situado em meio rural, testemunham um outro lado do seu quotidia- quando elas desenvolvem acées sociais entre si, nos momentos e espagos distantes do olhar e da intervencao direta da educadora. Estas acdes das cri- yas revelam a co-existéncia de uma outra realidade social que, emergindo das interpretagdes acerca do seu mundo de vida, subjaz, fervilhante e intensa, a ‘0 lisa e de superficie que, enquanto adultos, apenas reconhecemos como lo brincar. E no entanto, desde os temas das brincadeiras de “faz-de-conta” § conversas que nelas se cruzam, o que aquelas criangas, meninas e meni- om idades entre os 3-6 anos e com origens sociais diferentes, nos estao a i a i abracadot | — diz o Rafa. Vao os dois para a casa, saem sso feca e agacham-se CO" to da sala. Regressam a biblioteca, sempre sempre atras deles. Depois, vao abil” didos e comecam a brincar com Lego. E 0 Zé, sempre atras deles. - Nao queremos brincar contigo! ~ dizer O Zé nao diz nada, dirige-se a estante dos jogos, tira um puzzle e vem para junto dos meninos. — Tens de fazer todo! - diz o Rafa para o Zé, referindo-se ao puzzle. — Queres que eu te ensine? — pergunta o Manel ao Zé. ~ Quero! - responde 0 Zé. |...] O Zé e o Manel fazem o puzzle: o Zé agarra nas pecas e diz: ~ Ai, ta’qui! Ta’qui! Ta’qui!, e o Manel coloca as pecas. A dada altura, o Zé dé mais uma peca ao Manel ¢ este diz: - O pa, eu é que sei! (07/12/98). O Manel e 0 Gil comecam aos cochichos e, a dada altura, percebo que es- tao a conversar acerca das meninas. O Manel diz quea namorada do Giléa Ida ¢ ele ri-se. O Rafa que seguia a conversa comecou a cantarolar repeti- damente: ~ Olha-as-trés-na-mo-ra-das-do-Ma-ne-el! ~ referindo-se a Rita, Lola e Gabi. ~ Nao é nada! E s6 uma! - diz-lhe o Manel. ~ Nao! Sao duas! - diz o Rafa para o Manel. - A Gabi e a Rita. ~ Nao! E sé uma! - volta a dizer o Manel. - Entao, sou eu! — diz a Rita ao Manel. — Nao é nada! - diz o Manel — Pim-pam-pum... Calha a Gabi! - diz ele, “ti- rando a sorte” uma das trés meninas. Nisto, o Marco que esta sentado em frente, junto do Rafa, diz: - As namoradas sao s6 uma! E a minha éa Gabi! [...] (25/05/99). flexes contidas neste texto baseiam-se numa etnografia com criangas em contexto de JI, com vista a sboracdo da tese de doutoramento em Ciéncias da Educacéo, especializacao em Sociologia da Infancia, GE-UP (2002, po era maloritariamente feminino (1.1 meninas para 7 meninos), predominando as idades mais velhas (1 o de 6 anos, 7 criangas de 5 anos, 5 meninas e 3 meninos, 5 criancas de 4 anos e 5 criancas de 3 anos, ca¥08 a proporgao de 3 meninas para 2 meninos). Do ponto de vista do percurso institu- constituldo sobretudo por novatos/as (11 novatas/os para 7 veteranos/as). Estas criancas origens socials diversas, contrastando os grupos sociais mais desfavorecidos de campone- lifleaclos @ sem vinculo estvel de trabalho e domésticas (9), coneentravam as profissées liberais. De permeio identifica- le ascendente de pequenos proprietarios/as mostrar é que, embora inspiradas no mundo adulto, elas estao ativa e seletiva- mente a apropriar-se dele e, criativa e coletivamente, a ressignificd-lo em funcdo dos seus interesses, necessidades e desejos. A reproducdo interpretativa do mundo adulto, para usar um conceito de Corsaro (1987, 1997), permite-lhes par- ticipar ativamente naquele mundo e, ao mesmo tempo, afirmar-se diferentemente dele. Por isso, alem de uma vida densa e complexa que nao se reduz a dos quadros instituidos, o que sobressai das acées sociais entre criancas é um conjunto pro- gressivamente organizado e sistematizado de valores e critérios préprios de sabe- res, saberes-fazer, saberes-estar e saberes-sentir que, aprendidos e usados como conhecimentos e competéncias sociais para poderem participar no seu mundo social como criangas, sao (re)produzidos num quadro de relagées sociais locais, estavel e duravel. E neste processo de atribuicao de significado a realidade e as re- laces sociais que se forja o patriménio cultural inerente ao grupo de criancas, permitindo que se fale de culturas de pares infantis. As informacées acerca dos mundos sociais das criancas contidas nos excertos das descricdes etnograficas revelam ainda, na microscopia das suas interagdes, que elas, de modos muito variados, estao a explorar, negociar, confrontar, desafi- ar, resistir, desenvolver, procurar afirmar e manter um determinado posiciona- mento social na complexa rede de relacdes de género e de sexualidade, etarias, de classe social e estatuto. Ai fazem intervir ora os jogos de aliancas e solidariedades que alicercam o mundo socioafetivo das suas amizades e amores, ora os jogos de poder, lutas, resisténcias e exclus6es que as diferenciam e hierarquizam interna- mente, segundo ordens de género, etarias, de classe e estatuto que, no seu entre- lagamento, vao estruturando as suas relacées como grupo social organizado. As descricdes etnograficas das acées sociais das criancas, ao testemunharem que nao basta ser crianca para se ser imediatamente reconhecido como tal no gru- po de pares, permitem entdo questionar aquilo que até agora tém sido os grandes mitos da infancia e das concep¢ées tradicionais: i) das criancas como seres em dé- fite, simples objetos passivos e meros receptaculos de uma aco de socializacao; ii) da socializagdo como um processo vertical e univoco, conduzido exclusivamente por adultos que o lideram, de acordo com objetivos claramente definidos e em be- neficio da reproduco social; iti) do brincar como uma aco natural e espontanea das criancas, credo tinico e emblema das atividades da infancia; iv) do grupo de pares como forma de organiza¢ao heter6énima e genuina, de cuja suposta homo- qgeneidade estao isentas relagGes sociais desiguais. Assim sendo, aqueles testemunhos etnograficos chamam a nossa atengao: i) para Os sujeitos que sao cada uma das criancas, valorizando as dimensées social, cognitiva e afetiva que participam na construcao de acées significantes e significa dos partilhados coletivamente — culturas de pares — bem como na sua organizacao Como grupo social; ii) para os processos de socializacao que ocorrem em registos miltiplos e n&o necessariamente convergentes, protagonizados pelas proprias erlangas quando procuram gerir a heterogeneidade dos seus offelos, pay aes, iden tidaces e posigdes sociais; iii) para a presenga de relacdes estral contrapoder, como intrinsecas a toda esta rede de inti que desempenham na conversao de diferencas em desigualdades sociais reconhe- cidas no grupo de pares como legitimas, ou em formas de resisténcia ou potencia- ao de mobilidade social. Posto isto, as experiéncias de aprender a ser crianca entre criancas, nem sem- pre visiveis ou acessivel aos adultos, sobretudo o seu contetido e significacao so- cial no contexto e contingéncias da interacao e das relagées sociais do grupo, co- loca-nos em m&os um problema de natureza epistemolégica, tedrica e metodol6- gica. Lidar com este problema solicita o estudo das criangas a partir de si mesmas, se é que queremos descobrir o ator-crianca. No quotidiano, e no contexto dos _miltiplos constrangimentos/possibilidades que envolvem a relacao da(s) crian- as) com os diferentes espacos-tempos das instituigées educativas, as relagdes verticais com 0 adulto-educadora e as relagées de maior horizontalidade com os pares, trata-se de relevar a sua agéncia “escondida” a fim de desvelar as criancas que habitam os alunos, mesmo que pré-escolares. Trata-se de levar a sério a voz das criancas, reconhecendo-as como seres dotados de inteligéncia, capazes de produzir sentido e com o direito de se apresentarem como sujeitos de conheci- mento ainda que o possam expressar diferentemente de nos, adultos; trata-se de assumir como legitimas as suas formas de comunicacao e relacdéo, mesmo que os significados que as criancas atribuem as suas experiéncias possam nao ser aqueles que os adultos que convivem com elas lhes atribuem. Em suma, trata-se de rom- per com concepc¢éés que avaliam as suas acdes e conhecimento como imperfeitos e em erro, considerando-as como atores superficiais (cf. WAKSLER, 1991; MACKAY, 1991; MAYALL, 1994). Ora, esta tarefa obriga a uma recomposicao do campo educativo e sociolé- gico que requer o exercicio de indagacao da teoria disponivel: i) pelo aprofunda- mento das bases empiricas que informam o conhecimento cientifico acerca da yealidade humana e social que sao as criancas, reconhecendo-as como sujeitos com cidadania epistemolégica (QVORTRUP, 1994); ii) pelo reconhecimento de que ha processos sociais que s6 podem ser compreendidos remontando a gé- nese ea historia das relacdes do grupo de pares no contexto da organizacao do Jl e de acontecimentos que tomam lugar para além dos seus muros, na comuni- dacle local ou sociedade mais vasta; iii) pelo recurso a multirreferencialidade te6- tiea e metodoldgica, a fim de proceder a uma socioantropologia da crianca ca- paz de a “retratar” como crianga; iv) pelo acionamento de metodologias de pes- quisa comprometidas em ultrapassar as perspectivas da pesquisa tradicional so- bre as criancas, e apostadas em penetrar no mundo conceitual dos sujeitos e em envolvé-los como co-participantes, construindo outros conhecimentos com as erlangas. Mas isso implica romper com nocées de poder unilaterais entre adultos @ erlangas e criar contextos de relacao capazes de lhes permitir fazerem ouvir as suas vozes e serem escutadas. Esta inverséo clo sentido da pesquisa, indissocidvel dos modos como os adultos em as criangas bem como dos principios de seletividade relativos as opgdes dgicas e técnicas, sugere portanto o abandono do paradigma da crianga 10 em pro! dos prineipios-chave clo designado novo paradigma da sociologia da infancia, nomeadamente: i) a infancia é uma construcéo social; ii) a infancia é uma varidvel da analise social que nao pode ser compreendida, senao na sua relacéo com outras variaveis da estrutura social de que faz parte, como 0 género, classe so- cial, etnia; iii) as culturas e relacées sociais das criancas sao dignas de ser estudadas em si mesmas no presente e nao em relacdo ao seu futuro como adultas; iv) as crian- cas so e devem ser vistas como seres ativos na construgéo e determinacao das suas vidas sociais e dos que as rodeiam, num contexto intergeracional; v) a etnografia é uma metodologia particularmente Util porque permite captar uma voz mais direta das criancas e a sua participac&o na producdo de dados sociolégicos; vi) a infancia um fenémeno relacionado com a dupla hermenéutica das Ciéncias Sociais (GIDDENS, 1976; JAMES; JENKS; PROUT, 1997, 1998). 2. QUATRO MODOS DE CONCEITUALIZAR AS CRIANCAS, QUATRO- MODOS DE AS PESQUISAR Para melhor se compreender o que esta em causa quando se advoga a pesquisa com criancas como condic&o necessaria a inversdo paradigmatica proposta pela Sociologia da Infancia, importa comegar por recordar que a pesquisa é produzida e conduzida por adultos. Isto significa que no campo das Ciéncias Sociais o conheci- mento produzido pelos adultos acerca das criancas e da infancia tem sido dominado por uma perspectiva de pesquisa que ao olhar para elas de cima para baixo nao s6 as trata como objetos de estudo, procurando explica-las por referéncia ao estado adulto e as suas formas de leitura e interpretacdo da realidade, como, ao fixar-se nas dimensées fisicas do seu corpo — pequenez —, tem, a partir dali, julgado todas as suas outras competéncias cognitivas, afetivas, morais, sociais. Nao é pois por acaso que a pesquisa que perspectiva a crianca como objetoa investigar do ponto de vista adulto - vendo-a como pessoa que age mais sob a ori entacdo e influéncia dos outros, do que como sujeito agindo no mundo - persista e insista na assuncdo da sua dependéncia, incompeténcia e vulnerabilidade, e estas se traduzam nas eternas diwvidas dos/as investigadores/as acerca da veracidade e da sua competéncia para dar e receber informacao factual. A extensao destes efeitos sociais é igualmente visivel nas pesquisas em que as criancas, vistas como sujeitos dotados de subjetividade, embora sejam tomadas como 0 seu centro e ponto de partida, acabam por ver a sua incluséo/exclusio condicionada por julgamentos acerca das suas capacidades cognitivas e compe téncias sociais, de acordo com o critério idade, sinonimo de um dado desenvolv| mento e maturidade (cf. CHRISTENSEN & PROUT, 2002: 480-481). Neste sen tido, a pesquisa da crianca como sujeito, radicada numa concep¢ao da crianga em desenvolvimento, ao salientar 0 néo-acabamento, a incompeténcia, a irres ponsabilidade e a infantilidade (JAMES, 1995, apud O’KANE, 2000: 139) como 08 seus tracos tipicos, tende a evitar as idades mais novas ou apenas a focalizar & sua observacao em detrimento da captagiio da sua subjetividade, Isto significa que m que los, as crlangas ten detalhado: mesmo em estudos que se dizem etnograficos, qualitath o comportamento, a cultura ou a identidade nao dem a ser estudadas de um modo restrito porque apenas sao referenciadas aos objetivos predefinidos dos adultos-investigadores; ou porque se evita o envolvi- mento direto com/das criancas, especialmente em grupo e se negligenciam as suas preocupacées. O que emerge dos estudos sobre as criancas que as tomam. como objecto ou como sujeito éa percepcao adulta de que muito pode ser apren- dido apenas pela simples observacao da crianga e da avaliagéo de como elas rea gem a situa¢ées particulares. Isto significa que as criancas, olhadas mas nao obser- vadas, ouvidas mas nao escutadas, sao silenciadas, uma vez que os adultos, conti- nuando do “lado de cd”, ou podendo até “estar la”, mas afinal nao “estar com” elas (cf. VASCONCELOS, 2002), pouca atencao prestam as suas vozes e pouco espaco lhes permitem para que elas possam expressar as suas proprias preocupa- Ges e experiéncias. Dai que a pesquisa da crianga como sujeito encubra e/ou mascare freqiientemente uma concep¢ao de pesquisa da crianca como objeto (cf. CONNOLLY, 1998), reforcando-a. Pode entao dizer-se que pela natureza das. relacées sociais em que assenta a investigacdo, estas pesquisas tém ambas contri- buido: i) para uma comprensao resumida e/ou segmentada e/ou lacunar da com- plexidade dos mundos sociais das criancas, na sua natureza fluida, continua e em permanente recomposicado em contextos especificos, mas em rede; ii) para a pro- ‘dugao de uma viséo uniformizada das criancas e iii) para aprofundar o estatuto de enoridade social das criancas face aos adultos - dai que a nossa ignorancia acer- ‘a da vida das criancas, e particularmente entre criancas, no seja de estranhar! Levar mais longe o reconhecimento das criancas como sujeitos é adotar a concep¢ao de pesquisa com criancas em que elas sdo vistas como atores so- Jais implicados nas mudancas e sendo mudados nos mundos sociais e culturais que vivem, e como protagonistas e reporteres competentes das suas proprias periéncias e entendimentos —~ elas sdo, portanto, as melhores informantes do eu aqui e agora. Por isso, a pesquisa que perspectiva as criancas como atores iais assume como dimensées centrais o estatuto da autonomia e da eqiiidade inceptual da crianga e a simetria ética com os adultos (cf. THORNE, 1993; IES & PROUT, 1997; QVORTRUP, 1996; CORSARO, 1997). Isto significa nceber as criancas como seres humanos semelhantes aos adultos mas possuin- competéncias diferentes (CHRISTENSEN & JAMES, 2000) e legitimas, e ad- itir que, se do ponto de vista da/o adulta/o-investigador/a, as concepcées e in- retagdes adultocéntricas acerca das criancas e das suas ac6es interferem tei- 8a e amplamente no modo como elas as percepcionam e se relacionam com , feciprocamente, do ponto de vista das criangas, também elas informadas pe- pressupostos adultocéntricos, podem desencadear face ao/a investigador/a, série de interpretagées heterogéneas, reflexivas e criticas acerca da sua pes- @ do(s) desempenho(s) dos seus papéis, pondo-os freqiientemente a prova. _Néo tludinclo as diferengas entre adultos e criangas e, ainda menos, os seus po- desiguais (cf, MAYALL, 1996, 2002), aassuncao como principio epistemol6- metodoldgico e ético de que quaisquer diferencas entre adultos e criangas se- como certas e inquestionaveis é reiterar a simetria ética entre adultos (cl, JAMES & CHRISTENSEN, 2000; CHRISTENSEN & PROUT, 2002). Trata-se, afinal, do/a investigador/a assumir que as preocupacées e rela- oes éticas entre ele/a e os/as informantes sao as mesmas, quer se trate de conduzir a pesquisa com adultos ou com crian¢as. O estudo das criancas, tal como o dos adultos, ao dispensar técnicas “especiais” , requer uma rigorosa aplicacao dos requi- sitos metodolégicos gerais e de técnicas capazes de refletir as particularidades con- cretas das pessoas a serem estudadas nos seus mundos de vida (cf. JAMES & CHRISTENSEN, 2000; CHRISTENSEN & PROUT, 2002). Sobretudo, requer a intensificacao da reflexividade metodolégica, numa atitude critica do “voyeurismo e turismo intelectual” de abordagens etnograficas que se pautam por uma curta pre- senca do/a investigador/a no terreno, uma imersao cultural superficial e pouco en- volvimento na vida dos sujeitos, descurando, muitas vezes, que o que nao é dito & t&o ou mais importante que o que é dito (cf. GORDON et al., 2000). Levar mais longe a perspectiva das criancas como actores sociais é inclui-las como participantes ativos no processo de pesquisa, tal como 0 fazem na vida social, dando assim cumprimento a realizagao dos direitos de participagéo consig- nados na Conveneao dos Direitos das Criangas da ONU: de acordo com as novas metodologias das Ciéncias Sociais que advogam a pesquisa como uma co-producao para a qual contribuem tanto o/a investigador/a como 0/a infor- mante, as criancas devem ser envolvidas, informadas, consultadas, ouvidas e cres- centemente implicadas como co-pesquisadoras (cf. ALDERSON, 2000; CHRISTENSEN & PROUT, 2002: 480-481). O reconhecimento das diferentes capacidades e competéncias das criangas e o recurso a variadas estratégias de co- municac4o com elas, facilitadoras da expressao dos talentos que possuem, visa fundamentalmente garantir a sua participacao mais ativa no processo de pesquisa (cf. OKANE, 2000). 3. O GRANDE PROBLEMA: O ADULTOCENTRISMO Os quatro modos de conceptualizar as criancas e de as pesquisar, embora diferentes, co-existem, podem ser combinados e podem até estar presentes no decurso de uma determinada investigacao acerca das criancas. Todavia, e inde pendentemente da suas. semelhangas, complementaridade ou diferencas, hi problemas comunsa todos eles, e que articulados entre si obstaculizam o conhe cimento social acerca das criancas: um é de carater individual, mais informada pela experiéncia de vida, 0 outro é de carater social, mais informado por um sé ber académico, predominantemente de natureza psicologica, ambos tendentes areconhecer a entidade humana e social que sao as criangas como realidade far miliar e ndo problemitica. O problema da familiaridade deve-se, desde logo, ao “conhecimento” da Ii fancia em primeira mao que cada um de nés, adulto, construiu e “transporta”’ ni sua historia de vida, a que acresce, para algumas/uns, a psicologizagéo decorrery te da formacao inicial como profissionais e do quotidiano “oficio” de eduear, Fist familiaridade integra-se ainda num quadro mental mais yasto fundado nas p pectivas biolégicas que reconhecem na espécie humana, em termos ontologiee a existéncia de uma infancia longa e que, ao contribuirem para a sua naturalizacéo omo bioclasse, a constroem por referéncia ao seu inacabamento organico. A hi- pervalorizacdo da imaturidade biolégica tem permitido aos adultos afirmar um conceito de crianca como Outro (diferente) e atribuir uma identidade categorial que a idade, abstraindo da heterogeneidade bio-psico-social da sua existéncia as uniformiza pela universalizacao dos seus atributos e continua a ser usada one principio classificatorio dominante para especificar, qualificar e definir o seu esta tuto social como crianca. Ou seja, o processo de construcaéo mental que encerra Identidades deduzidas teleologicamente, opostas e exclusivas e ndéo como com- plementares — adulto us crianga —, ao definir a crianga como “bidlogica e emotiva- Mente imatura, socialmente incompetente, culturalmente ignorante e moralmen- le irresponsavel”, remete-a para uma condigao pré-social face ao adulto, A seme- Ihanca do “bom selvagem” perante o homem “civilizado”, e constitui-se no Alibi as perspectivas psicopedagogicas e sociolégicas mais tradicionais que, agindo nome de todas as dependéncias, reais e imaginadas, perpetuam o seu estatuto le menoridade. E neste contexto que se fala do adultocentrismo como 0 ciimulo de obstacu- 95 ao conhecimento da realidade de se ser crianca e como problema crénico nas jesquisas sobre as criancas, uma vez que ao reabilitar na pessoa do adulto os obs- los naturalistas, individualistas e etnocentristas, 1) impede o questionamento categorias mentais mobilizadas e das condigées histéricas e sociais que estive- na base da sua producao; 2) nao permite o trabalho de desconstrucao do es- incialismo pelo qual o estudo da crianca e da infancia tem sido atravessado, nem natureza social da relacgao de poder entre adultos e criancas; 3) dificulta o seu onhecimento como atores que tém uma vida quotidiana intensa e densa, no ladro da qual se produzem como seres sociais a partir do que lhes é proposto: pe- adultos e na sua interac&o com estes e com outras criancas. PARTIR PARA UMA ETNOGRAFIA COM CRIANCAS OU... OS RENCIAIS TEORICOS, EPISTEMOLOGICOS, METODOLOGICOS No ensejo de dar conta da agéncia das criancas como atores sociais, individual letivamente, naquilo que séo as suas formas comuns de agir no quotidiano ea ir dos seus pontos de vista, adotei, num estudo que desenvolvi recentemente, posicionamento tedrico e epistemolégico no paradigma interpretativo e eorrentes de inspiragdo fenomenolégica, interacionista simbdlica e etno- Hodolégica e optei por uma metodologia etnografica. Isto significa que, ao focalizar as interagdes face a face das criancas quando nvolviam agées comuns, visava aceder (compreender e interpretar) ao seu Klo conceptual, as redes de significacao e as conexées de sentido partilhadas po para descobrir os sensos comuns (nos saberes, fazeres, sentires) que tor- ielas agées inteligiveis e relevantes para si e também os seus usos sociais igho da cultura e da organizac&o de um grupo de criangas, nas suas con- @ reatualizagée Significa ainda, na adogao do ponto de vista dos “nativos”, que todas aquelas ac6es séo consideradas como textos sociais cujos fins emotivos, cognitivos e sim- bélicos, apenas entendidos por referéncia ao seu contexto sociocultural mais alar- gado, encontram na sua descrig@o densa (GEERTZ, 1973) esse esforco para des- crever, de uma maneira inteligivel, os fendmenos na sua originalidade, especifici- dade e significagaéo profunda (GEERTZ, 1973: 27). Neste sentido, subscrevo os pressupostos de uma epistemologia subjetiva (DENZIN & LINCOLN, 1998: 27) da experiéncia humana, que postula a interdependéncia do sujeito e do objeto do conhecimento das ciéncias sociais, por forma a poder reconstruir-se a complexi- dade da acdo e das representagées da acao social. Por isso, tal como Velasquez, o pintor que se pinta dentro do quadro Las meninas, queria estar dentro assumin- do que faco parte do processo social de investigacéo como pessoa subjetiva, com uma histéria de vida, localizada socialmente, com interesses, e com a consciéncia de que o meu trabalho apenas representa a minha interpretacao daquela realidade (cf. FOUCAULT, 1966: 19-32; VASCONCELOS, 1997: 40, 41; 2000: 38-39). Ora, uma vez que entender 0 entendimento do outro implica considerar tam- bém o entendimento do outro sobre o investigador (SILVA, 2001: 267), subscrevi a etnografia reflexiva que reclama uma particular atencao a relagao social de in- vestigagdo. Com efeito, nao se anulam as relacées estruturais entre adultos e cri- ancas pelo simples fato de se reconhecer a sua existéncia, nem se anulam os efej- tos dos obstaculos epistemoldgicos e das relacées de poder assimétricas em:pre- senca e os modos como interferem e influenciam a construcéo da intersubjetivida de eas interpretacées do investigador (cf. VASCONCELOS, 1996), por se “apre goar” antecipadamente a parcialidade da investigagao. Por isso, coloco no cern¢ da pesquisa com criancas a nogdo de reflexividade; reflexividade essa que ao questionar as praticas de investigacdo e os processos de construgao de conhecl: mento como processos sociais nao dispensa a vigilancia e obriga a anilise critica dos obstdculos epistemolégicos suscitados pela apreensao da categoria social in fancia, em especial, o adultocentrismo. Advogar a reflexividade metodolégica é entéo compreender como ambos, adultos e criancas, adultocentrismo e processos interpretativos, se influenciarn, constrangem, jogam e controlam no terreno das relagées e interagdes social) ocorridas. Ou seja, a nocio de reflexividade é fulcral para desconstruir os essene| alismos relativos aquelas duas categorias sociais. Do ponto de vista do adulto-investigador, a importancia da reflexividade na pesquisa com criangas avalia-se no seu potencial i) para aprender a lidar com a8 imprevistos; ii) para tomar consciéncia dos preconceitos reciprocos acerca das r@ lagdes sociais adultos-criancas; iii) para criar o distanciamento necessario a Unit atitude de permanente didlogo consigo, de autovigilancia e de controle dos pra” cessos de interpretacao das experiéncias de campo para a investigagao; iv) part aprender a lidar coma sua subjetividade sem ter a pretensao de “querer objetivar subjetividade dos outros” (GORDON, T. 2000); v) para conscienclalizar © im) to da sua presenga na vida das criangas e do Jl; vi) e, finalmente, para aclonar essos de transformacao de si e das relacées tradicionais entre adultos e criangas, prescindiveis a mudanca social. . “BRANCO DEMASIADO” OU... A REFLEXIVIDADE METODOLOGICA. MO ANALISADOR DA RELACAO SOCIAL DE INVESTIGACAO E COMO RADORA DE UM OUTRO CONHECIMENTO DAS CRIANCAS E DOS ULTOS NUMA PESQUISA ETNOGRAFICA COM CRIANCAS {Eraa hora de entrada matinal ...] Acabadas de chegar e sentar no tapete, a Gabi ea Rita mostram uma a outra as unhas das maos pintadas com verniz e fazem comentarios mtituos acerca das cores. Chega a Ana que se senta junto delas, formando as trés meninas um circulo fechado. Eu, que estou mesmo sentada ao lado delas, fico as escuras. S6 consigo ouvir a conversa que continua a ser acerca das cores do verniz até que a Ana diz: - Olhem! Também pintei as minhas! ~ O mostra! O mostra! - dizem logo a Rita ea Gabi, em tom curioso, debru- cando-se sobre as maos da Ana. Siléncio... até que a Rita diz: - Que cor é essa? ~E.., E... hum....-a Ana, hesita. Parece procurar a palavra certa. - Ah! JA sei! E branco demasiado! — Ah! ~diz a Rita. - Mostra I outra vez? As meninas debrucam-se novamente sobre as maos da Ana e naquele mo- mento o que me ocorreu foi: é verniz transparente! — Esta cor é s6 para dar brilho! — explica a Ana. Acabava de obter a “dica’*que abonava a minha interpretacdo, mas o me- lhor era mesmo ver. Dei uma espreitadela: era mesmo! (05/03/99). ~ Qual a densidade de significacao social contida em “Branco demasiado” \o pretendo refletir o conhecimento produzido acerca das criangas e os pro- 0s de as pesquisar”? Bim “Branco demasiado...”, a questao tedrica e epistemoldgica da aborda- Interpretativa com criangas, preocupada com os modos como individual e ivamente elas investem os recursos culturais de significados, ali deixa claro 05 sujeitos, por via do estabelecimento de relacées significativas com/sobre lacle, tem um papel ativo na producdo de conhecimentos; ii) que o significa- e ser contextualizado e entendido em/nas dindmicas da interacao; iii) que a 10 de significado é um processo inerente a acdo, mediado pela linguagem, 1@8 @ relages sociais; iv) que a linguagem, chave-mestra para aceder ao sig- lo, 6 um dos principais recursos para negociar pontos de vista divergentes e iv uma realidade social partilhada (cf. CORSARO; GASKINS; MILLER, 14-15), Como tal, “Branco demasiado...”, 6 um episodio revelador do tra- interpretagdo e atribuigao de sentido bem como dos miiltiplos e simulté- 1@9808 de veflexividade ocorridos entre as criangas, entre a investigado- © comigo propria no decurso da agéo, Numa etnografia em que a observacdo participante foi um dos principais procedimentos, em “Branco demasiado...” também se esclarece o sentido da participacdo. A etnografia visa descrever 0 outro do seu ponto de vista (cf. ATKINSON & HAMMERSLEY, 1994, 1998; BURGESS, 1984/1994; VASCONCELOS, 1996; 1997), mas isso s6 é possivel apenas e na medida em que o observador em presenga nao dissocie a sua interpretacao do contetido sub- jetivo da interacao e esteja simbolicamente implicado nela. S6 assim pode aceder e partilhar o significado que da sentido as agdes observadas. Dai quea escuta sen- sivel (BARBIER, 1993) seja reafirmada como uma nova atitude epistemoldgica mais do que olhar para examinar é preciso escutar para compreender o que as criancas dizem, a partir da sua voz. Trata-se de prestar sentido e nao de o impor, entendendo-se prestar como sinénimo de cuidado e abertura ao outro, levando a sério 0 ator social que éa crianca. Por conseguinte, os miltiplos, simultaneos e re- ciprocos processos de interpretacao e traducao de sentidos comuns entre os dife- rentes participantes em “Branco demasiado...”, incluindo a propria investigado, ra, s40 expressivos, apesar de tudo, da eficacia da intersubjetividade na constru: co possivel de modos liminares de comunicagao. Ali se reitera a importancia que na etnografia tem a permanéncia pro. longa da do investigador no terreno. Permanéncia, por forma a apree nder o mundo social em primeira mao (BURGESS, 1984/1994) e conhecer por dentro o con texto em que as interagées ocorrem. Prolongada, porque sé a dimensao tempo: ral, na sua diacronia, permite consubstanciar a relacao social como um process quotidiano, nas suas continuidades, mudancas, rupturas... A pluralidade de realidades, de sistemas de hierarquias e poderes bem como as direcées do poder que se confrontam e jogam em “Branco demasiado...”, r@ lembra as distingées e relagées de poder entre adultos e criancas, mas tambér) apela a que elas sejam alargadas as relagées entre pares e incluam os poderes dal criancas face a presenca de adultos quando, reservando-se as suas proprias expe riéncias, confrontam a investigadora com o ficar de “fora”. Estando retratada a questo epistemologica, metodolégica e ética do estatula da investigadora-adulta como intérprete e tradutora competente dos pontos dé vista das criancas, ou nao (cf. GEERTZ, 1973, 1983/1999), “Branco demasla do” é também metéfora para que, ao falar de mim e das minhas relagoes cori) os Outros, me assuma como objeto da reflexividade metodologica, desocultand as condigées e relacdes sociais de pesquisa. 5.1. Lidando com o meu préprio adultocentrismo O problema do acesso as criangas e da obtencao do seu consenth mento informado Oacesso as criancas implicou, além do duplo consentimento informado a adultos - uma clara justificagéo dos meus objetivos de pesquisa e a garantia anonimato e confidencialidade a educacora ¢ pals das eflangas =, o consent to das préprias criancas no inicio e ao longo da pesquisa. Mesmo sabendo que um. dos desafios da pesquisa com criancas decorre das dificuldades em discutir 0 eu estudo com elas, abstraindo das suas idades (FINE & SANDSTROM, 1988), ‘observei o principio da simetria ética: tal como qualquer outra pessoa, as ctiancas tém direitos como observados e participantes e, por isso, devem ser tratadas com espeito e deferéncia, i.e.: informadas, consultadas, ouvidas e, crescentemente, in plicadas na pesquisa. J Como adulta observadora participante que quer compreender a experién- a de se ser crianga no JI, comecei entao por entrar A mesma hora que elas, sen- me no tapete, na roda que se ia formando e esperei calada e atenta ao que se Jassava, na secreta esperanga que alguém reagisse 4 minha presenca. Nada! Ape- da proximidade fisica e circunstancial, as criancas s6 me concederam olhares irtivos. O siléncio foi quebrado pela Carlota que iniciou a minha apresentacéo mal ao grupo e me deu, de seguida, a palavra. Falo diretamente as criancas: dis- estar ali porque gostaria de aprender com elas 0 que faziam no JI e pedi-lhes , isséo para as poder ficar a ver. Disse-lhes também que para nao me esquecer le nada precisaria de escrever 0 que fizessem e dissessem. Nada! A persisténcia © mutismo inicial das criancas, durante e na seqtiéncia da explicitacao do meu pel como observadora a descoberto, denotativa de que embora “aceitando” a la presenga 1/4 dentro eu estava de fora, constituiu-se numa tomada de cons- Ha: i) da vulnerabilidade dos poderes, saberes e emocées adultas; ii) do poder rio das crian¢as perante mim; iii) do poder que o siléncio pode impor e do contetido repleto de significado ~ 0 Outro era eul; iv) da contradi¢ao viva que fepresentava ja que tinha agido com comportamentos préximos dos das crian- adotando o papel minimo de adulto (MANDELL, 1991), mas logo a seguir inha socorrido da palavra e iniciado contatos a boa maneira dos adultos tipi- 4 v) de que reconhecé-las como sujeitos reclamava, da minha parte, aceitar a in- 10 da relacdo tradicional adulto-criangas. O problema da definic¢ao do papel da investigadora e dos varios pa- desempenhados confirmagao de que nao basta informar as criancas para que fique definido da investigadora ou que este tivesse sido igualmente interpretado por to- las revelou-se logo naquele primeiro dia, quando duas criangas mais velhas e Maior experiéncia institucional, tomarama iniciativa de averiguar o que eu ali Quando uma me perguntou: - Vens tomar conta dos meninos?, perce- referenciada a um papel institucional que me indiciava como uma espécie educadora ou auxiliar de acao educativa, em que nao era alheia a repre- © dominante de adulto tradicional e suas relagées com as criancas como lor de cuidacos e empenhado na sua socializacao. Ja as perguntas que se mi = Ndo vens fazer um desenho? — Queres fazer colares? ensaiavam Cepgao do meu papel, como alquém mais proximo de si, e acionavam re- lato @ Convivenela social num convite A minha participagao, Aminha pronta negativa a primeira pergunta para reafirmar as minhas inten- 6es iniciais e me demarcar dos restantes adultos em presenga, contrastou, face as alternativas apresentadas pelas criangas, com hesitagdes reveladoras dos dilemas enfrentados naquele instante para lidar com os poderes e saberes do meu estatuto de adulta — que sabe mas no quer saber porque do modo mais informal e confiado possivel pretende deixar-se socializar pelas criangas para ser aceita como seu mem- bro e poder aprender mais sobre a sua cultura e organizagao como grupo social; que desejando ser aceita pelas criancas nao quer ser nem demasiado “clarividente” nem assumir qualquer papel de autoridade explicita porque nao quer correr 0 risco de, no limite, ser vista, nado como ignorante, mas como idiota e, com isso, perder a sua con- fianca. Daf que a minha opcdo por participar na feitura do colar, colocando-me e se- guindo “atras” do meu intercessor, observando-o e escutando-o com atencao para ‘o tomar em consideracao, respeitando as suas indicacées, se tenha constituido num outro modo de apresentaco que, pelo meu envolvimento numa agao concreta com uma crianca, abre, a partir dali, novas perspectivas no processo de pesquisa. Mas nao conclui, de modo algum, nem a (renegociagaéo da minha entrada no terreno nem a definicdo do meu papel como investigadora. O problema da participagao-observante da investigadora No decurso da minha permanéncia do terreno outros problemas surgiram: um deles era o da obstrucdo que o meu tamanho fisico podia causar; 0 outro, era a correlata percepcdo do meu poder pelas criancas, ja que sou adulta, e que procu: rei controlar e reduzir pelo uso de estratégias reativas ~ esperando que fossem as crianeas a iniciar contatos comigo ~ e pela adocao de uma participagdo pe rifért ca (cf. CORSARO, 1997) = nunca tentar iniciar ou terminar um episdédio interat! vo, intervir para por cobro a uma atividade disruptiva, resolver disputas, coorde nar ou dirigir uma atividade. De participante ocasional em interacées de carater individual, depressa passel ( ser solicitada para integrar as brincadeiras de “faz-de-conta” que as criancas desen volviam coletivamente na “casa” ou “médico”. Mas como envolver-me sem que tal afetasse a natureza ou fluéncia das agées? Na participacdo observante em rotinal da cultura de pares, remeti-me para papéis subordinados aos das criangas e de exe: cuc4o das suas ordens - na “casa” sendo “filha” ou “visita” e ndo a “mae”, no “posto médico” sendo a “doente” e nao a “médica”. Visei nado impor o meu 6Oy nhecimento da realidade social como adulta e deixar-me socializar por elas nos § modos e usos de fazer — s6 assim seria possivel compreender por “dentro” o res-fazer que, reproduzidos por mim no contexto de jogo contribuiram, de algury forma, para me colocar aos seus olhos como alguém conhecedor da sua cultura, f forcando as relacdes de confianga entretanto estabelecidas. Observar, escutar com atengao e respeitar as indicagSes das criangas, Seg atrds” delas, deixar ou esperar que elas me “conduzissem’, gnorar as idades @ ‘ue ‘ue modos de pensar e 0 significado de simbolos, valores, regras e principios de aga constitutivos da sua cultura, as relacdes sociais que lhe subjazem e as sociabilidadie que as reforcam/desafiam. Foi 0 acesso ao detalhe de todos esses saberes e sabi lorizar os seus fazeres e dizeres, aceitar participar nas suas atividades na medida das minhas possibilidades e circunstancias e, sobretudo, na medida em que fosse autorizada a fazé-lo por elas ¢/ou pelos adultos em presenca, foram alguns dos rincipios éticos e metodolégicos basicos que acabaram por se constituir num ou- ro modo de apresentacao de mim, de ganhar 0 seu consentimento e de tentar ob- Viar o meu adultocentrismo. 5.2. Lidando com a reproducao do adultocentrismo pelas criancas Apesar das vantagens do papel da investigadora como amiga na recolha de ¢ gpportamentos abertos das criancas, proliferaram interpretacées heterogéneas Por parte de atores ou grupos distintos de atores, de acordo Opri Pe : com o: critérios de aceitacao da relacao. TT Paralelamente a aproximacdo e tratamento como “igual”, outras criangas hou- e que tentaram usar-me como intermediéria entre elas e a educadora, ou como se e mais um adulto-educadora presente na sala. — Sai daf que a lugar é da anela! — Da-me essa mala! Agora é para emprestar a Manela! foram outros usos estratégicos do adultocentrismo pelas criancas, podendo eu ver-me subita- nte empossada como licita proprietaria, ameaca ou ciimplice involuntaria dos ontlitos e disputas que envolviam a apropriacdo de espacos e objetos. Este uso es- tegico da minha presenca e do estatuto social de adulto que represento, bem 10 dos meus papéis como participante nas brincadeiras, ou da relacdo preferen- que crianca(s) que se tinham tornado muito préximas por vezes realizavam, co- eam a investigadora numa posicao dificil e extremamente desconfortavel, na ime. la em que este tipo de situacao levanta a questo do interesse e do modo como as Icas, nas suas relaces sociais ¢ na tentativa de dar corpo aos seus objetivos, se #iam na representacao dominante do adulto como alguém com poder e a figamn. ia exercer e legitimar o seu poder junto de outras criancas. , Em muitos casos em que a minha ajuda foi solicitada verifiquei também que /eriancas com os seus pares foram capazes de resolver o problema em ques- p, Sozinhas, apelando a intervengo da educadora s6 em tiltima instancia e de- Spero de causa. Foi sobretudo o conhecimento do mundo social dos adultos e formas dominantes de pensar desigual e distintamente os “grandes” e os quenos” pelas criancas que, encontrando argumento legitimo para justificar intervencéio do adulto nas suas supostas incompeténcias e ignorancias “. ) posso » “nao consigo...”, “ndo sou capaz...”, “sou pequenina!”, “ nao |..." foi revelador de como sao também elas préprias quem, perante 08 adul- fazem uso estratégico do adultocentrismo, participando por esta via na re- dug&o social e geracional. Sabes escrever? - Nao é assim que se escreve! — diz a Ana, pegando no ldpis e eserevendo q seu nome com letras de imprensa, foram outros dos los adultocéntricos acerca das minhas grafias, mais parecidas com os “ga- 08” do que com a ortografia adulta e, ainda menos, com a escrita convenci iprensa, = Outro ldpis? = Tu ontem néo vieste, E amanhd? ~ Estas a ver os meninos? — Opa, demoras muito tempo a escrever! - Olha, tu antes es- tavas ali, agora estas aqui! — Entao, hoje ficas ai? Se quiseres podes entrar (na “casa”)! exemplificam também como num processo de observacao participante toda a acdo da etnégrafa é igualmente alvo de intensa e esmiugada observacao por parte dos sujeitos observados. Ja perto do final do ano, [...] quando registo o que observo nos jogos, sou “interrompida” pelo Ma- nel que me pergunta: ~ Tens que escrever sempre? Respondo que sim. ~ Por qué? - pergunta ele. ~Tenho que escrever sempre para aprender como é que se brinca e para ndo me esquecer! - respondo eu. ~ Por qué? - volta ele a perguntar, encostando-se a mim. — “Porque é um trabalho para a minha escola!” ~ digo eu. ~ Tu ainda andas na escola? - pergunta ele a rir-se para mim, mas acentu- ando a palavra “ainda” e franzindo o sobrolho, surpreso, como quem pen- sa que esta a ser “gozado”. ~ Ando! Ando a estudar numa escola! - digo eu muito séria. - Nao acredi- tas? ~ Nao! - diz ele a rir-se, sempre a olhar para mim, meio desconfiado (conti- nua a nao acreditar) [...] (27/04/99). Agora, a explicitacao das raz6es originais para estar comas criangas desenca’ deou a confusdo e até uma certa descrenca de que eu estaria a dizer a verdade. A perplexidade gerada face a inverossimilhanca da minha resposta é relevante para compreender até que ponto ela assentava na incongruéncia percebida entre quem eu era, uma adulta, e a representagao do papel dos adultos por esta crianca que parecia ver no meu caso a figura discrepante de tudo 0 que até entaéo conhecia de les: sendo adulta, nao era “educadora” nem “auxiliar”; nado sendo crianca, brinca va “como” elas e ainda estudava, coisa que as criancas pequenas ainda nao fazer) e, supostamente, os adultos como eu também ja nado! Quem era eu, afinal? Tinha mos voltado as perplexidades do inicio! Assim sendo, a sobrevivéncia destas per” plexidades ao longo da pesquisa tem o valor metodolégico de mostrar aincomple tude do processo de definicdo do papel da investigadora e o modo como, do por to de vista das criangas, nele se atravessam pressupostos adultocéntricos. 5.3. Outras formas de lidar e contornar o adultocentrismo ou... Do envolvimento das criangas a co-participacgéo na pesquisa Ao longo da pesquisa, procurei aproveitar as interrogacées das criangas patil prosseguir o esclarecimento das minhas intengées e a redefinicéo dos meus pray prios papéis enquanto investigadora. A sua curiosidade pela minha pessoa e pel que ali fazia traduziram-se num progressivo estreitamento de relagdes e envoll mento na pesquisa; davam-me informagées, teclam comentarios e confidenel vam acerca de pessoas e situagées, incluinde o® mais “secretos”, rel vam episddios passados, faziam ou emp @ pequenos tos, ensinavam-me e igi fs corrigiam-me em determinados i i : 7 ; rotinas da cultura de pares... sirens od De i i ... oo mod; suas as criancas procuravam averiguar a sua presenca gistos: — Onde estou eu?, e o seu ci a 2, ‘ontetido — O que esté. ver? procurei inclui-las c: ici ecatiy Soeiicane omo participantes ativas que i i ae u n que enriquecem e validama i rae de miomaio, dando-me oportunidade de confirmar junto de- eas suas “falas” e as minhas interpretac6: Beno coc c ‘pretagoes acerca dos seus senti- interagdes que desenvolviat lo m. Reflexament tas i GOes tornaram-se num modo d liaca vinha tomado le auto-avaliagao do quant i } ‘© eu me tinha tornad ‘competente acerca da sua cultu iment nto, aft ‘ ra e do conhecimento di i Rance a 0 do grupo, do quanto, afi- r ‘ornado “membro” e até qu fi : le ponto ti i artilhar as nossas culturas. 7 , eee aa TLE ee junto de outras criancas do grupo de pares, isde expressao mais caracteristicas da cultura infantil, 0 jogo de “faz-de-conta” ; iiss cain jogo no oe de pares ~ observar e registar bor “escrito , iS a¢Ges sociais das outras criancas — iti Bids orn alguna ine o Ce permitiram que eu me visse meus papéis, nos seus prdprios term : heus:pa > los e mostravam- le a minha presenca ali nao tinha passado incélume. “meme a uma participacao mais direta como co-pesquisadores. R i Be eae eevee a conversa, suscitaram assuntos, apelaram a memé6- ios... informando-me, portanto, do * i bs , que no momento e retro: tiva- le consideravam ser ou ter sid bern de lo relevante para as suas vidas é S mas @ram os seus desejos e aspiracées futuras. ami IERACOES FINAIS Insercdéo do adulto-investigador/a no conte 7 fexto das “prati i i lunicagao usadas entre criancas” (CHRISTENSEN & JAMES 20 a sam Itura “escondida”, este um dos grandes desafios que se coloca ao/a investigador/a im- 0, N&O confundir esse estatuto como sindnimo de neutralidade Cicio efetivo dos seus direitos de participacdo no “aqui e agora” do seu quotidi Bp aialase 7 reconhecimento da autonomia que lhes esta nec ésaaHarbttl i sociada; na v lorizagao e uso dos seus proprios méri itil : ‘social na tomada e partilha de deitoes ne seus rmundos iO a : 1 ente negados com a justificagao de que as criancas, precisamente pore of a ; 0 sao, nao tém opinides “crediveis” acerca dos seus assuntos. ‘Acrecieees A K : que este estudo poderé contribuir para incitar a reflexdo critica sobre as eae politicas sociais que afetam as criancas, sobretudo as que se reportam i oe { instituicdes que enquadram e estruturam as suas vidas. 7 ae afetiva, simetria social ou relacao inabalavel. Pelo contrario, implica dar conta do que se passa nos meandros da construcdo dessa relacao, refletir o que neles os di- ferentes atores fazem acontecer e detalhar algumas das formas de interacao social ocorridas entre o adulto-investigador/a e as criancas. Trata-se de evidenciar, nos ‘ociais que envolvem relagées de poder, saber e afetivas, desiguais di- uma multiplicidade de papéis e estatutos sociais, cuja expressao osci- partilhados, mas também as suas processos s¢ ferenciadas, la entre a reciprocidade e encontro de sentidos desinteligéncias mttuas. Assumo assim que independentemente do meu esforco como it para transcender as fronteiras da idade, tamanho, formas de pensar adultas e aur toridade, as diferencas geracionais e de poderes entre mim e as criancas nao fo- , ram anuladas, 0 quelarda pesquisa etnografica um processo de reflexividade dual REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS sempre inacabado. Com efeito, a constatacdo de que as minhas relag6es com as criangas se recortavam diferenciadamente em fungao de idades e de género signi- fica que, ao longo da minha permanéncia no terreno com elas, ser aceita, tor nar-me sua amiga, pertencer ao grupo e ganhar acesso ao seu espaco, se tratou de um processo (des)continuado, sujeito A (reJnegociagdo de papéis e estatutos e sua sucessiva reconfigurac4o no decurso da pesquisa, mas sem que isso represen tasse uma uniformidade de interpretacdes face aos papéis assumidos por mim, ou que a(s) relac&o(6es) permanecesse(m) inalterada(s). De igual modo, a constatacao de que estas relacées eram afetadas e variavam consoante a circunstancia das in» teragdes (se mais individualizadas, em pequeno ou grande grupo, se decortiam sob as ordens da educadora ou nao, se se circunscreviam aos seus espacos de jogo dramatico e, dentro destes, 4 composi¢ao do grupo e a determinadas tematica significou compreender, no seu jogo sutil e complexo, a existéncia de arritmias @ compassos diversos em que as relacdes de saber e afeto nao so necessariament@ correlatas nem sinénimas de menor assimetria de poderes. Nesta perspectiva e na multiplicidade de papéis que co-existiram ao desem mpreender que as suas constelay investigadora DERSON, P. (2000). Children as researcher: - 5 i. 's: the effects of participation ri ec methodology. In: JAMES, A. & CHRISTENSEN, P. fads) Hoseereh ‘aith ren: perspectives and practices. Londres: Falmer Press, p. 241-257. mins DENZIN, NK &- LINCOLN. S fee) Sree ot caret sre ondres: Sage, p. 110-136. , Y.S. (eds.). 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San sociais que deles e dela fizeram, o modo como as “fraquezas” socialmente atribill” aPasres- das se tornam forcas capazes de gerar perplexidades que obrigando ao questior . mento das relacées entre adultos-criancas deixam como legado metodoldgico ql : 5. es criancas como actores sociais e a (re)organizacao social do grupo de as distincées entre adultos e criangas ndo sejam tomadas como certas. / Oe edna ee de tenes Porte: Fr Ce [Tese de doutorado em Gao em Sociologia da Infancia]. Por tudo 0 que ficou dito, resta-me afirmar quea op¢ao por um estudo empl G.A. & SANDSTROM co com criancas num J] também decorreu de preocupages sociais politicas, feta = Qualitative Re K, (1988). Knowing children, participant observation meadamente com a construcao de um espaco educativo mais democratico @ : ve Research Methods. Vol. 15. Londres: Sage. , ©, (1999). O saber local. 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Mikhail Bakhtin (2003: 319), campo voltado ao estudo das criancas vem mobilizando pesquisadores brasi- nas tltimas décadas, tanto no que se refere aos fundamentos teéricos e as spgdes de infancia quanto no que diz respeito as politicas sociais, as propostas ogicas eas praticas. Neste contexto, a partir do final dos anos 80. encontra- Mikhail Bakhtin, Lev Vygotsky e Walter Benjamin as bases tedricas para jompreensdo da educagao, da infancia e da formacdo, fundamentadas na psi- , na sociologia e na historia’. Entendemos que 0 conceito de infancia se en- no centro da concepgao de histéria de Benjamin, que a crianca é sujeito da em e da cultura e que cognicao, ética e estética sao alicerces para a compre- das interagées de criancas e adultos na cultura contempordénea. Dela 7 A fluncamento do estudo desses autores e as contribuigdes de coutras areas i0 preliminar deste texto relatando a trajet \jet6ria do Grupo de Pesquisa Infancia, Formaca pone na Revista Vl do Prgrn de Pic Gradua om Bacio de PUCK, mL A versito definitiva contou com a colaboragio de Daniela de Oliveira Guimarées, Maria Ferman. Nunes ¢ Patricia Corsino, bone Tesultados foram compartilhados, Ver; Kramer (1993) com Freitas (1994) e Jobim e Souza como a antropologia e a Sociologia da Infancia — tém nos permitido construir um conhecimento denso, sensivel e ético na busca de compreender as criangas e suas interacdes no mundo contemporaneo. Este texto trata desta trajetoria e desta bus- ca, Situados nos chamados “estudos culturais”, por vezes denominados de “pesqui- sas de base sécio-historica”, o que esta em pauta neste campo éum percurso onde procuramos conhecer as criancas e OS adultos, sujeitos sociais, produtos e produto- res da cultura, situados na histéria e autores de suas historias. Neste percurso, estudando e investigando, organizamos 0 Grupo de Pesqui- sas sobre Infancia, Formac&o e Cultura (Infoc) que vem, desde 1999, realizando pesquisas sobre temas relativos & alfabetizacdo, leitura e escrita, politicas publicas de Educacdo Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, formagao de seus profissionais, interagées de criancas e adultos na cultura contemporanea’. A fun- damentacao tedrico-metodoldgica & delineada com base, de um lado, em autores do campo dos estudos da linguagem e dos estudos culturais, de outro lado, nas Areas de politicas publicas, formagao de professores e Educacao Infantil. Os apor~ tes da Antropologia e da Sociologia da Infancia s4o também considerados, em es peito ao trabalho de campo, incluindo observacées e entrevis- pecial no que diz res professores da tas. O Grupo Infoc tem carater interinstitucional; dele participam UFR3J, Unirio e PUC Rio e doutorandas, mestres, mestrandas, graduandas e es: pecialistas em Educagao Infantil com 0 objetivo de aprofundar estudos relativos a0 referencial tedrico e aos temas por nds priorizados’. Este texto relata a trajetoria da equipe e os projetos de pesquisa realizad 1996 até agora, nos tiltimos 10 anos, portanto. Em seguida, traz 0 projeto de pes quisa interinstitucional em curso terceiro item, apresenta quest6es principais contribuicées de Benjamin, Vygotsky e Bakhtin sao ret uma releitura em especial de Bakhtin. Ao final, outras questées de pesquisa apo tam desafios tedricos, metodolégicos e éticos para continuar. Vale ressaltar qué, m de garantir perspectivas de estuda da pos-graduacao foi, também, for mentador de monografias de especializacio, dissertacdes e teses, cujas referéncliit izadas ao final do capitulo. O quarto item retine teses, dll” neste contexto, o processo de pesquisa, alé para um contingente significativo de alunos encontram-se sistemati sertacdes e monografias de especializagao desenvolvidas neste percurso. _ 2. O Infoc @ coordenado por Sonia Kramer (PUC-Rio). A vice-coo (PUC Rio e Unirio) e Patricia Corsino (UFRJ). Os projetos tém apoio do CNPQ. De da Faper) Integravam o Grupo de Pesquisa Infoc, em maio de 20 gio da PUC-Rio, a saber: Adriana Fresquet, Alexandra S, Couto, Anelise M, Noscimen/o, Daniela Gill res, Denise Sans Guerra Gomes da Silva, Eliane Fazolo Spalding, Flavia Motta, Flavia Morel dullana tetra da Silva, Luciana Alves, Maria Fernanda Rezendle Nunes, Maria Franelsca Mendes, Marla enn tHbe Moura, Nabia de Olivelta Santos, Patriela Corsino, Patrila tain Peraira dow Santo Row Santos, Silvia Néli F, Barbosa, denagao é de Maria Fernanda Null 1999/2004 tivemion af 106, professores e alunos de graduagto ¢ porn los da e suas referéncias tedricas e metodolégicas. No de pesquisa suscitadas ao longo do caminho. Ai omadas, cori! 1. UMA TRAJETORIA INST! Ee ATICAS ITUCIONAL DE PESQUISA: DAS POLITICAS AS A pesquisa “Formagao de Profissionais de Educacao Infantil no Estado do Ri de Janeiro: concep¢ées, politicas e modos de implementacéo” teve como onal ? conhecer a situacao da Educagao Infantil em diferentes municipios do Eade - io de Janeiro, as histérias de formacao dos profissionais que exerciam a c mi - Macao deste nivel de ensino nas secretarias municipais de educacdo, ae le ‘G6es de trabalho, dificuldades e conflitos, compreendendo as politens dees - ( a0, suas propostas e praticas educativas e culturais em sua complexidade. a quisa tratava, portanto, da situagaéo da Educacdo Infantil nos municipios, ee forias das suas propostas de formacdo e das historias dos profissionais Pi a- Veis por sua gestao. Adotamos como caminhos metodolégicos: i) a revisio Halite fa itura eanalise documental, incluindo levantamento de materiais produzidos So i cretarias; iio estudo da situagao da Educacao Infantil e da formacao dos es ip nais coma aplicacéo deum questionario as secretarias de educacao dos, entao, municipios do estado; iii) entrevistas com equipes responsaveis pela Educa fo antil nos municipios da regiao metropolitana; iv) entrevistas coletivas ramindo inicipios por p6los, para conhecer processos e projetos e aprofundar a andl ' formacdo; v) estudos de caso a partir de projetos especificos. an A opcao pela utilizacao de um questionario como instrumento de pesquisa foi eada pela constante busca de superacao do antagonismo quantitativo/quali- Vo. Ao conceber 0 questionario, o desejo era que ele pudesse trazer tent al quisa quanto para os municipios que se dispusessem a respondé-lo, um : 7 nada Educacao Infantil no munic¢ipio. Queriamos nao sé colher os dados, me bém fornecé-los. Numa rua de mao dupla em que o informante ao informer nbem pudesse estar refletindo e se nutrindo das suas préprias informacée: Processo também de formagao. Os dados obtidos com este instrument fe 7 N analisados, apresentados em seminario, na PUC-Rio, as secretarias de edi io do Estado e organizados no livro Formagdo de profissionais de Educacdo til no estado do Rio de Janeiro (KRAMER et al., 2001), entregue as i - no evento. Este trabalho analisa a cobertura do atendimento, a organiza 3 i incionamento do Ensino Fundamental e da Educagao Infantil. a forma olin © @ carreira na rede publica dos profissionais de Educacao Infantil oe resi - inanceiros e materiais e das instituicdes culturais. O contexto da historia es #8 da Educacao Infantil no Brasil séo considerados na anélise da formacdo e afios enfrentados pelas politicas municipais a partir da LDB de 1996 e . “a ite Pee e Desenvolvimento do Ensino Fundamental 7 rofissionais. Uma si ee etercalizoos, intese desta etapa pode ser encontrada em NAlises das entrevistas realizadas com i S os responsaveis pela Educacao Infan- relarias municipais de educagao do Estado do Rio de Janeiro e instancias dlrias (coordenadorias regionais etc.) foram organizadas no livro Profissio- na coordenacdo, mas “séo” professoras, e suas historias de formacao - podemos ci- tar: entrada e permanéncia na profissao; inquietagdes e ambigtiidades das suas tra- jetorias; educar e cuidar; gestéo da Educacdo Infantil, concepgées e distorgdes; identidade profissional; praticas de formacao, seus problemas e dilemas; relacao en- tre teoria e pratica. Também sao abordados a situacao das criancas de 0 a6 anos no contexto sociodemografico nacional e o tema da necessaria institucionalizagao da infancia. Na conclusao destacamos que a formaco de professores é requisito da de- mocratizaco da Educaco Infantil, indispensavel para assegurar 0 direito de todas as criancas de 0 a 6 anos a Educagao Infantil, e fazemos recomendages para politi- cas de Educaco Infantil e de formacao de professores. Os temas de identidade, gestao, concep¢ées de infancia, concepgées de Edu- cacao Infantil e de formacao de profissionais emergiram como eixos importantes e, a partir desta pesquisa, a investigacao iniciada em 2005 voltou-se para as prati- cas institucionais e as interagées entre criangas e adultos. Desdobrando-se de uma perspectiva de carater macro e meso, que estudou as politicas ptblicas e as instancias intermedidrias, a pesquisa atual - “Criancas e adultos em diferentes contextos: a infancia, a cultura contempordnea e a educa- co” - se concentra na dimensdo micro, buscando compreender como a totalida- de se revela na particularidade (BENJAMIN, 1987b; KRAMER, 1993), como as politicas ecoam nas praticas e dialeticamente, como as praticas informam (ou po dem informar) as politicas. Assim, tendo estudado as estratégias municipais das secretarias de educacdo para a organizacdo e o atendimento das criancas de 0a 6 anos, poderiamos observar, na pesquisa em curso, as diferentes formas de apro priacéo dessas medidas de gestao nas escolas exclusivas de Educacaéo Infantil, na quelas de Ensino Fundamental que possuem turmas de Educacao Infantil e nas creches (decodificago das leis no campo da Educacao Infantil, integracao das cre ches vinculadas a assisténcia para a educac&o, os concursos ptiblicos, os turnos de trabalho, as concep¢ées de atendimento a crianga, entre outras questdes). Este estudo tem, assim, o objetivo de conhecer e compreender interagdes en tre criancas e adultos em creches, escolas de menos espacos de Educagao Infantil, A metodologia inclui revisao bibliografica e aprofundamento do referencial tedr|: co. O trabalho de campo tem como estratégias metodolégicas: i) observagao, fim de conhecer ac6es, interacées, praticas, valores éticos, conceitos e preconcely tos que as permeiam; ii) entrevistas individuais e coletivas com adultos e criangas incluindo, no caso das criancas, as narrativas orais e as expressdes nao-verbais a corpo e seus movimentos; iii) interacdes a partir de producées culturais das e pari criancas (desenhos, dramatizacées, construcao de maquetes, livros de historia, fil: mes), com o intuito de compreender interagées entre criangas, de criangas colt) adultos e com producées culturais; iv) fotografias dos diferentes espagos e equijya rais e principios que sustentam o trabalho cotidiano com as criangas. Pretendemos conhecer como se dé a circulagho de conceitos e preconcel! a constituigho das identidades ¢ as relagdes de autoridade em instituigdes sit ic mentos, entendendo que a materialidade desses espagos e os sinais de interagi humana que neles sao percebidos indicam concepg6es de infancia, praticas cull na cidade do Rio de Janeiro. As questées privilegiadas pelo estudo estio relacio- nadas a identidade, diversidade e autoridade. Identidade, com o objetivo de co nhecer quem sao as criangas e os adultos e como sao suas acées e interagdes em contextos escolares. Diversidade, para compreender, nas interagées, os modos de perceber o outro e conhecer contextos que tém uma proposta especifica de in- clusdo. Quanto a autoridade, o objetivo é saber sobre a distribuicao de poder entre criangas e adultos, com vistas a entender as relacdes de autoridade entre criangas e adultos, criangas e criancas e entre adultos e adultos. Além de conhecer praticas einteracoes, é objetivo também levantar as interacées com a produgaéo cultural = livros, brinquedos, murais, artefatos de cada escola ou creche - para compreen- der as suas significacdes, como (e se) constituem objeto das praticas cotidianas, se ficam ao alcance e acesso das criancas, como sao usados. : Em 2005, foi desenvolvido estudo exploratério em 20 instituicdes. Denomi- namos exploratério pelo cardter inicial e abrangente do estudo, mas em cada insti- cdo foram realizadas entrevistas junto a direcao e coordenacao e cerca e de 60 joras de observacao em turmas de Educacao Infantil. A partir deste momento, fo- m escolhidas nove instituigdes que esto sendo objeto de investigacao sistemati- , como estudos de caso simultaneos: trés creches, trés escolas de Educacao In- ntil, trés escolas de Ensino Fundamental que tém turmas de Educacao Infantil odas da rede municipal de educacao. As nove instituicdes foram escolhidas por positividade, entendida de forma abrangente e nao necessariamente em rela- 10. todas as praticas desenvolvidas, porque estas so complexas e contraditérias. Assim, a questao central é, pois, a de identificar e conhecer agées, relacGes e in- es, considerando a dinamica.da cultura e da sociedade contemporanea, en- \dendo que a cultura marca, constitui, institui, nomeia, identifica. As condigdes iais e culturais das instituicdes sao descritas de forma que se possa cotejar resul- los, fazer aproximagées e afastamentos, e delinear conclusées, ainda que parciais pprovisorias, uma caracteristica da pesquisa em ciéncias humanas e sociais. QUESTOES CENTRAIS DO ESTUDO E REFERENCIAS (ORICO-METODOLOGICAS NO PONTO DE PARTIDA _ A pesquisa “Criancas e adultos em diferentes contextos: a infancia, a cultura ilempordnea e a educacao” se baseia em trés campos: i) nos estudos da lingua- @ estudos culturais; ii) nas politicas ptiblicas, formagao de professores e Edu- }0 Infantil; iii) na antropologia e nos estudos da infancia, em especial no que diz ipeito 4 metodologia de pesquisa com criangas. A antropologia e os estudos Infancia trazem contribuicdes essenciais para a compreensao das significa- " atribuidas pelo outro. Nos estudos da linguagem e os estudos culturais te- como principais referéncias as teorias de Bakhtin, Vygotsky e Benjamin: i11n por sua compreensao da linguagem fundamentada na historia e na socio- Vygotsky, por sua busca de uma psicologia fundada na historia e na sociolo- jamin por sua concepgdo de infancia na cultura contemporanea, E como ‘A Infancia @ 4 pesquisa com criangas? Assumimos 0 desafio de abordar 0 objeto da pesquisa (que é sempre, nas ciéncias humanas, um sujeito, segundo Bakhtin) no ambito de uma antropologia filoséfica que, de acordo com Benjamin (1984), é o caminho necessario para 0 es- tudo da infancia. Benjamin (1984) afirma que a crianca nao ocupa um lugar roméntico e idilico na sociedade, mas um lugar envolvido pela luta politica e social de sua realidade mais ampla. Dessa forma, torna-se importante tanto compreender as especifici- dades das construcées culturais das criangas quanto relaciond-las com seus con- textos sociais e as reflexdes politicas de nosso tempo. Identificar particularidades da cultura das criancas, brincadeiras, colegdes, construgées verbais e nado verbais, implica em constituir, tal como propée Benjamin, “protocolos” a respeito das ex- periéncias realizadas por elas nas escolas de Educacao infantil e em outros espa- cos sociais que participam. Trata-se de um esforco inspirado na antropologia. Ao mesmo tempo, produzir relagSes com o contexto mais amplo, questionar valores ecrencas das praticas dominantes a partir do confronto com construgées das cri- ancas, pensando outras possiveis ordens para 0 social é um esforco filoséfico. A pesquisa com criancas que realizamos desenvolve esses dois movimentos tedri- cos: compreender as significacdes, as concepgoes e suas implicagGes. Deacordo com Geertz (1989), 0 trabalho do antropélogo consiste em discernir o significado que as ages sociais particulares tem para os atores e, ao mesmo ter po, apontar o que essas acées demonstram sobre a sociedade na qual séo encontrar das. Nesta perspectiva, a interpretagdo das culturas é sempre proviséria, fruto da re: lacdo entre os significados particulares e as estruturas sociais mais amplas. Temos uma combinacao entre o método socioantropolégico e os estudos di linguagem, combinacao que se torna necessaria para que possamos conhecer in» teraces e praticas entre criancas e adultos nos espacos de Educacao Infantil @ Ensino Fundamental escolhidos, e compreender de que modo a cultura conte) pordanea se manifesta nestes espacos. O resultado do ponto de vista metodologica nao é uma etnografia no sentido estrito, tanto pelas estratégias que sao adotaday quanto pela reflexdo sobre pressupostos e implicagées dessas interagées na edie cacao das criancas, embora se beneficie das estratégias do trabalho etnografico, Para Dauster (2003), a etnografia nao é uma técnica, mas uma opcao tedrlell e metodolégica que aponta para a possibilidade de focalizar o outro, suas organi” zac6es proprias, localizando diferencas e especificidades, ultrapassando esteredtl 5060 pos, lidando com 0 contraste entre oum eo miltiplo, entre o eu eo outro. E intuito da pesquisa com criancas que realizamos. Diversas areas do conhecimento que estudam a infancia e seu escopo {A contribuido também para a reflexao que problematiza as concep¢ées, de infanel como categoria e os aspectos metodolégicos que precisamos considerar Al dar conta de conhecer os diferentes campos e contextos empiricos onde as Oi ancas agem e interagem, com criangas e com adultos, Questées relativas & inlA cia e historicidade (BENJAMIN, 1987b; PASOLINI, 1990; GAGNEBIN, 1994 Sociologia da Infancia (FERNANDES, 1979 Mi ANDON, 2001; SIRO 2001, 2005; SARMENTO, 2000, 2001, Pil 1997; FERREIRA, 2004), as politicas piibli i a 7 , publicas (BAZILIO, 199; i (DaMATTA, 1987; VELHO, 1978, 1999, 20a ema oO método que trilhamos se beneficia de toda esta producao, bem como de Pesquisas ao longo da década de 90 que, com base em Benjamin Bakhtin e Vygotsky, ja buscavam construir um olhar e uma escuta sensivel para captar as acces ¢ interacdes infantis e para compreender as criangas. Orientam-nos ques- toes relativas ao conhecimento, a ética ea estética (BAKHTIN, 1992). A ana da idéia de método como desvio e dando atenco as insignificancias, aos detritos, aos restos, as dobras, a infancia é tomada como categoria central da histdria e as cri- ancas sao vistas como estando sempre em um canteiro de obras. agindo, procu- Yando, provocando a desordem (BENJAMIN, 1987b, 1984). 7 Reafirmar conceitos, reler textos, revisitar autores sao movimentos tedéricos Necessarios durante a pesquisa de campo e que fornecem os instrumentos para erar com seus desafios. A tarefa do pesquisador é sempre marcada pela inquie- lacdo. Temos feito um esforco tedrico-metodoldgico neste sentido, no Projeto co- ivo e nas Pesquisas realizadas nos Ultimos 10 anos como teses de doutorado. lissertacGes de mestrado e monografias de especializagao. Vamos relendo Benja. hin, Vygotsky e Bakhtin, aprofundando as quest6es tedrico-metodolégicas al ango do caminho, conforme abordaremos a seguir: concepcao de infancia Concebemos a infancia, de um lado, como categoria social e como categoria istoria humana e, nesse sentido, engloba aspectos que afetam também o que mos chamado de adolescéncia ou juventude. Mas o que caracteriza a inféncta? ecurando entender as infancias e as criancas na sociedade contempordnea. de doa aprender a delicada complexidade da infancia e a dimensao criadora das infantis, encontramos na obra de Walter Benjamin interessantes contribui- . Emseus escritos, Rua de mao tnica, Infancia berlinense e Imagem e pen- Mento, o autor nao se limita a trazer recordacées da sua infancia, mas. dando #0 menino, traz a forma como ele via e sentia o mundo, falando também de momento hist6rico e de uma sociedade. Esta objetividade permite ao leitor o pertar da sua prépria infancia, e nesta rememoracao quebra-se a idéia de tem- linear e amplia-se o sentido de coletividade. O menino Walter fala dele. do seu mento historico e inser¢ao sociocultural, trazendo uma historia que é simulta- lente individual e coletiva, historia que pode ser continuada e ressignificada ode cada um de nés a partir da nossa experiéncia de ser crianca, historia que m continua na experiéncia de ser crianca em qualquer tempo e espaco. Os textos e fragmentos do autor, como uma monada que contém na parte a to- vio dando voz a crianga totalmente inserida na historia, parte da cultura e de cultura. Benjamin recupera o mundo da cultura dos pais, mas ao mes- de ver da crianca, a sua sensibilidade, seus habitos, desejos, afetos e valores e, sob este Angulo, Bolle (1984: 13) afirma que o texto se lé como se fosse um relato de crianga para crianga, a margem da cultura adul- ta, reafirmando a especificidade do mundo infantil. Porem, o mundo dos adultos, completa Bolle, ndo se opde em bloco ao mundo da crianga, hd os que sabem eo que ndo sabem dialogar. Muito mais proximo da crianga que o pedagogo bem- intencionado lhe sao o artista, 0 colecionador e o mago (p. 14). Esta visdo peculiar da infancia e da cultura infantil do autor oferec: tes eixos que orientam nossa maneira de ver as criancas. mo tempo recupera a maneira e importan- A crianga cria cultura, ela brinca - Aqui reside sua singularidade s6fica de infancia como categoria central no estu- historia dos brinquedos e dos livros infantis. Mos- locumentam como 0 adulto se coloca em our Benjamin, além da visao filo: do do homem, se interessa pela tra que, se por um lado os brinquedos d relacdo ao mundo da crianga e até mesmo como impée a sua expressao, por tro, éno brincar, no uso que a crianga faz do brinquedo, que ela corrige e muda a sua funcdo. Além disso, a crianca também escolhe os seus brinquedos, a partir dos elementos da natureza e do que os adultos jogam fora, pois as “criancas fazem hist6ria a partir do lixo da historia”, aproximando-se dos “inuteis”, dos “ina daptados” e dos marginalizados (BOLLE, 1984: 14) trabalhando nas politicas publicas, nos projetos educacio arantimos espaco para as ages, criagées e intera ces das criancas? Creches, pré-escolas e escolas tém oferecido condigées para que as criancas produzam cultura? Propostas curriculares garantem o tempo e 0 espaco para criar? Nesse “refazer” reside o potencial da brincadeira, entendida como experiéncia de cultura. A palavra “brincar, conforme os diferentes idiomas ificados: dancar, praticar espor - spillen, to play, jouer - apresenta diversos signi! te, encenar uma peca teatral, tocar um instrumento musical, brincar. Todos: eles se relacionam a producao de um sujeito protagonista de suas acées. Ea crianga que brinca e, ao brincar, re-apresenta e ressignifica o que vive, sente, pensa, faz. Ao valorizar a brincadeira, Benjamin critica a ped faz indagar: é possivel ras, sem permitir ou saber brincar? aprofundar a anilise das concep¢oes jnteragir no mundo em que as que na vida cotidiana, sendo f dade que impulsiona o desenvolvimento. Quantos de nés, nais e nas praticas cotidianas, gi A crianga & colecionadora, As criangas, 08 objetos ¢ os libertam de sua 0 pressando, assim, uma experiéne! brigagdo de ser titels, Na ago infantil val # ia cultural ondaalgatitul signifieados div lagogizacdo da infancia e nos | trabalhar com criangas sem abrir espago para as brincadel ? Aqui, os estudos de Vygotsky (1984) permitem de brinquedo e brincadeira, uma forma dé criangas se comportam de forma mais avancada d@ ‘onte de desenvolvimento e de aprendizagem, al ive da sentido ao mundo, produz historia em sua tentativa de descobrir e conhecer o mundo, atuam sobr as coisas, fatos e artefatos. Como um colecionador, a crianga busca, sey 1b) tos de seus contextos, junta figurinhas, pedacos de coisas. brinquedag le iS brancas, presentes, fotografias. Numa légica diferente dados adultos, ord: les agrupa suas colegdes conforme o cenario que compée suas narrativas, ieee cr as falas, as aces sobre cada elemento sdo provisérios e em conse oe Ges. Historias sdo tecidas com fios que nem sempre seguem a Tinearidade di , adultos. “Arrumar significaria aniquilar’, diz Benjamin. Quantos de né ae mos sempre arrumando as colecées infantis? : i Ss bist dos adultos tem também caixas e gavetas em que verdadeiras cole- S : i | dia adia, como partes de uma trajetoria. A historia de cada um e endo a la e s6 pode ser contada por quem conhece os significados de ‘4 7 iige a coisas que evocam situacées vividas, conquistas ou perdas. pes- iy es, tempos esquecidos. Observar a colecao acii 3 3 fF lecao aci Ori users tems Ci ‘iona a memoria e desvela , E idéia . colecao também nos ajuda a pensar metodologicamente a pesqui- ; Be . colegées de falas, gestos, situacées e imagens recolhidas no campo que es Se ane e fener nate pelo pesquisador, compondo suas interpre- f 10 recontextualizar cada excerto sem aniqui signifi c iquilar o seu significado? como garantir a ordem que o processo de pesquisa requer sem destralta criaca IS sujeitos pesquisados? ine A crian¢a subverte a ordem; a ss lem; estabelece uma relacao critica com a omundoa partir do ponto de vista da crianca pode revelar contradicées i Se contoros a realidade. Nesse processo, o papel do cinema, da foto- ib i eee trazendo a crianga-autora é importante por ajudar a constituir sensivel e critico. Atuar com as criangas c signifi i Se ec om este olhar significa agir ma fen condicaéo humana, coma histéria humana. Desvelando o real. cub. Fi lo aparente ordem natural das coisas, as criangas falam nao sé do seu o . le sua se de crlangas, mas também do mundo adulto, da sociedade ranea. Imbuir-se deste olhar infantil critico, i i u , que vira as coisas pelo aves- pe desmonta brinquedos, desmancha construgées, da volta a costura do , - “eer com as criangas e nao se deixar infantilizar. Conhecer a infan- is criancas favorece que o ser humano continue sendo sujeito critico da hist6- que ele produz (e que o produz). A crianga pertence a uma classe social AS criangas ndo formam uma comunidade isolada, mas sao parte do gru rincadeiras expressam este pertencimento. Como sujeitos sociais. ze oa 7 seem no interior de uma classe, de uma etnia, de um grupo social. Os co: i + lores, habitos, as praticas sociais, as experiéncias interferem em aie nos significados que atribuem as pessoas, as coisas e as relacées, No an do seu direito de brincar, para multas 0 trabalho é imposto como meio de sobrevivéncia e pertencimento. Considerar simultaneamente asingulari- dade das criancas e as determinagées sociais e econémicas que CE suas condicdes exige reconhecer a diversidade cultural e combater a desigual da le ea situacdo de pobreza da maioria de nossas populacées com politicas e 7 eas capazes de assegurar as identidades, a igualdade ea justica social. Isso implica ip rantir o direito a condicées dignas de vida, a brincadeira, ao conhecimento, ao ate to ea interacdes saudaveis. A concepcao de pesquisa Na pesquisa em ciéncias humanas e sociais, estudamos sempre relagées. Esta éuma das mais importantes contribuigées de Vygotstky (1987a; 19876). Por ou o Estética da criagao verbal (BAKHTIN, 1992, 2003) e, particular- re 0 autor e o herdi revelara-se importante Se outras obras como Marxismo e filo- sofia da linguagem (BAKHTIN, 1988) haviam ajudado a compreender Os prog cessos de constituicdo da consciéncia na mesma linha que A formagao socia la mente, de Vygotsky (1984), as interagées verbais ea necessidade de el ° contexto eas condicées de produgao do discurso para dimensionar e enten eof seus significados, em Estética da criacao verbal, o pesquisador das ciéncias hu manas e sociais encontra fundamentacdo teérica para a acao cognitiva, ° agir a co ea compreensao sensivel que o officio do investigador exige. Mas, na sesh los textos de Bakhtin, é preciso lembrar que seu foco éa literatura. Como ja a ie tado por varios leitores de Bakhtin, os conceitos precisam ser recontextualizados eressignificados. Assim, como um autor, 0 pesquisador procura conhecer e cor creve o texto da pesquisa (0 diario de campo, o relatério, 0 como 0 heréi do ray tro lado, olivr mente, a analise que faz Bakhtin sobi instrumento conceitual para a pesquisa. preender o herdi e esi qu : artigo, 0 livro), da mesma forma que 0 sujeito pesquisado = = mance — revela-se, outro que é, se expde ao meu conhecimento @, neste esforga, posso ao mesmo tempo conhecer-me, inquietar-me, indagar a mim e a0 mun Ea partir dessa perspectiva que a obra de Bakhtin trata de pesquisa eres faz pe i guntar sobre o lugar das criancas, da professora e do pesquisado nas diferentes 9) tuagdes observadas durante a pesquisa. No aprendizado que temos tido, relendo textos e mergulhando no trabalho dé campo, identificamos alguns conceitos fundamentais. Vamos a eles. Aatividade de pesquisa sup6e inacabamento. Todo conhecimento & provisdy nto e nao estado, e é esse movimerl fala Bakhtin refere-se também a litt rio, jo sabiamos. A eee “ aa i las o inacabamento de que en Se cn humanas sdo sempre estudo e producao de textos h @ proprio homem. O acabamento do homem é dado pelo outro que vé em mi qi nao posso ver, do mesmo modo que nés vemos no outro o que ele nao pode vi E neste sentido, diz Bakhtin (1992: 55), que o homem tem uma necessidade tética absoluta do outro, da sua visdo e da sua meméria; meméria que 0 Jun e que o unifica e que éa tinica capaz de Ihe properelonar um acabamento, terno, Nossa individualidade ndo teria ae” ndo a erla Este aspecto se aproxima da concepcao de Vygotsky (1984, 1987b), onde o ou- tro desempenha um papel fundamental na produgéo do meu conhecimento. Di- tos e ndo-ditos, gestos e entoacao precisam ser captados e compreendidos. Oconhecimento do outro exige exotopia. Esta é a decorréncia do meu inaca- bamento. Observo, interpreto, escrevo, sinto, fotografo, filmo ou falo sobre o ou- ‘0 a partir de um determinado lugar em que, como pesquisadora, posso ver e ou- Vir. O lugar de onde falo, de onde vejo ou escuto determina aquilo que apreendo e mpreendo do outro . Meu lugar de adulto, pesquisador, homem ou mulher, pes- a que brinca ou ri, minha etnia, as condig6es sociais em que nos situamos — pes- luisador e pesquisados -, nossas historias com escola, professores e criangas — igendram sentidos possiveis, esses fios que tecem o entendimento. A exotopia se baseia no excedente de viséo humana. Esta é a visdo de Bakhtin (1992: 287-288). Mas nao é facil exercé-la na pratica da pesquisa. Nao é facil para im pesquisador esse exercicio de afastamento, de se distanciar para ver de mais rto, essa deducao do mundo do outro gracas ao excedente de visdo. Se e quan- vejo as criancas brincando, os adultos interagindo com elas e entre si, este lugar longe de ser neutro — é determinado social e ideologicamente. Aquela professo- que colocava as criancas de castigo, uma a uma ao lado da outra, seis criangas itadas no chao frio do patio porque “ndo sabem brincar”, como ter empatia ela? Posso compreendé-la, mas meu comprometimento ético com as crian- 3 me desloca do meu lugar para o lugar delas. Como calar ou nao manter-se frio inte de 25 criancas nuas esperando, sentadas em cadeiras na sala, a hora do ba- , durante um tempo que parece interminavel. Dialogismo: a presenca do outro. Essa distancia para compreender significa erto modo o processo dialégico. Conhecer, mais uma vez, é reconhecer a pre- Ga do outro. Este é 0 eixo central dessa concepgao de pesquisa para Bakhtin 0 para Vygotsky: o movimento de pegar se transforma no gesto de apontar Jue o bebé aprende com 0 outro a atribuir este significado. A subjetividade s6 le porque é criada pelo outro e, nesse processo, compreensao é sempre ativa, ‘@ em réplicas ou contrapalavras. Nas palavras de Bakhtin (2003) em certa lida, a compreensdo é sempre dial6gica (p. 316). ‘lomo destacamos em Barbosa, Kramer e Pereira (2005), a pesquisa alicerca- sas bases conceituais traz como desafios observar, escutar e compreender 8 em diferentes contextos; analisar os discursos, as interlocu¢6es nas entre- , observacao de brincadeiras, conversas, didlogos entre criangas, didlogos ériangas e adultos, experiéncias culturais. Por outro lado, no texto que des- @relata a pesquisa, é preciso explicitar: as condicdes de produgao do discur- lugar social do pesquisador (posicdo de onde fala/escuta); as marcacées de ‘geénero, classe social, etnia, tamanho; as interacées, falas, ag6es, didlogos, inlos; Os geéneros discursivos produzidos, os modos de producdo da lin- , 8 corrente de comunicagao verbal; os modos com que os adultos e as cri- Wganizam o discurso em termos do tempo verbal e da forma; o auditério jogo (fala para quem?); o “herdi” ou topico da fala; o teor e contetido da J liferentes senticos procuzidos, as “franjas” das palavras e enunciados; Movimentos, a entonagho, as expressdes faciais, caretas, choro, riso, Nao basta que as criancas aparecam; é preciso descricao densa, cuidando para que as interpretacdes nao abafem as falas. E que as descrices — e a transcri- cao das falas - propiciem outras interpretacoes diferentes da que apresenta 0 pes- quisador. O desafio é trazer para 0 texto narrativo a riqueza da/na linguagem que trazem elementos marcadores da discursividade. Por outro lado, garantir a con- textualizacdo das falas, evitando que sejam muito curtas ou recortadas, bem como transcrever didlogos entre as criancas e entre criangas e adultos é fundamental. Breves perfis com dados e trajetdrias de todos os atores envolvidos (com idade, es- colaridade, experiéncia cultural, familia etc.) contribuem também no delineamen- to dos cenérios e das condigées de produgao dos discursos e das interacées. Mais do que “dar voz” trata-se, entéo, de escutar as vozes e observar as interagGes e si- tuac6es, sem abdicar do olhar do pesquisador, mas sem cair na tentacdo de trazer 0s sujeitos apenas a partir desse olhar. Esses conceitos sao operativos e me aju- dam a compreender as criangas (p. 55). Situando-se em um campo chamado por Benjamin de antropologia filoséfica, aqui as figuras do colecionador, do cronista e do trapeiro séo importantes. O per- curso metodolégico esta centrado, assim, nas contribuicdes da antropologia e na construcao de um olhar e uma escuta para captar e compreender criancas, adultos e suas interacées. De acordo com Bakhtin (1992, 2003), a pesquisa em ciéncias humanas é sempre estudo de textos (falados e escritos): diarios de campos, trans- cricées de entrevistas séo, mais que aparatos técnicos, modos de conhecimento. Aqui, @ preciso admitir recortes e vieses e procurar a distancia, o afastamento, a exotopia para favorecer que 0 real seja captado na sua provisoriedade e polifonia Como diz Amorim, “é dando ao sujeito um outro sentido, uma outra configu: racdo, que o pesquisador, assim como o artista, da de seu lugar, isto é, dé aquilo que somente de sua posigdo e, portanto, com seus valores é possivel enxergar’” (2003: 14). Segundo a autora, “é preciso que 0 pesquisador assuma a responsabilidade de sua posi¢do singular, ou seja, assuma a exotopia cons: titutiva da pesquisa” (p. 24). Este lugar singular, continua a autora, éo lugar de minha assinatura [...] somente eu posso assinar por e neste lugar (p. 14). Alem disso, os textos produzidos, para serem entendidos, exigem explicitar condigées de producao dos discursos, praticas e interacoes. Texto e contexto sao, para 0 pesquisador, importantes ferramentas conceituais. No meio das criancas: desafios do campo Oestudo tedrico concomitante ao trabalho de campo permite que as indaga: c6es tedricas alimentem as observagées e vice-versa. O que emerge das observay c6es precisa ser fundamentado; os temas de estudo mobilizam outras formas dé ver e compreender. O proceso é lento, tem idas e vindas. Em vinte creches @ ai colas muito pode ser observado, aprendido, confrontado. Trazemos aqui apena® trés situagées, para tornar visiveis os desafios tedricos, metodoldgicos e éticos q) entram em cena, lembrando que sao observagées no processo de pesquisa, tell por quem esti mergulhado no campo. A Observacao feita em uma escola de Ensino Fund: m lamental publica, que tem turmas de Educacdo Infantil. Criancas de 4 a 6 anos (Diario de campo, escola F12, 02/09/05) Depois que entram na sala, a professora fecha os olhos e as criangas bai- xam a cabeca. A professora vai mandando ir escovar os dentes as mesas mais quietinhas... Me sento em uma das mesas. Uma das meninas (Yasmin) me conta que essa mesa (em que estamos sentados) é sempre a ultima. Falam os nomes delas, perguntam o meu. Entendo que os lugares sdo marcados nas mesas. Sempre sentam no mesmo lugar [vou observar nas pro- ximas vezes]. Yasmin pergunta para a professora se a sua mesa pode ir. Ac is professora responde: “Essa mesa é sempre a tiltima gracas a vocé e ao r, urélio, e ele nem veio hoje. E vocé fala muito porque vocé gosta de apa- recer e isso ndo é legal”. ___ Depois de voltar do banheiro, as criancas cantam alto “Minha boneca de lata”. } Sento em umd das mesas, entre as criangas. [Fico me sentido péssima, que as criangas conversam comigo e ndo pode!] ; Enquanto uns escovam os dentes, a turma vé fotos e/ou televisdo (histo- do Dragao). = Quase todas cantam e fazem os gestos... As criancas desenham e, en- anto isso, cantam “tumba I4 cd tumba”, a musica da caveira, e conversam: Yasmin: ‘Na minha casa sdo quatro meninas. Eu, minha irmé, minha ou- irma, minha mae. De menino sé tem o meu pai”. , Clara: “Eu tinha bisavé, mas ele morreu”. Marco Anténio: “A madrinha da minha mae morreu; ela foi pro céu”. Yasmin: “Eu sei. Quando a mée do meu pai morreu, eu nem tinha nasci- Ela nem me viu bebé”. Marco Anténio: “Eu tenho medo de morrer”. _ Yasmin: “Eu nem tenho. Quando morre, papai do céu cuida” Da outra mesa, escuto: “tem gente que morre crianga!!!” la semana seguinte, sento em uma mesa diferente, também no meio das a8 que logo comecam a conversar comigo. Pergunto a professora se lo bem eu conversar com elas”. A professora diz “tudo bem” (séria). Sin- Melhor, ouvindo as criancas e tendo a autorizagdo da professora que, ndo as escuta, ; Francisco: “Forca, Batman, acaba com a bruxa”. [Gesticula forte, baten- do no ar]. Ao longo de toda a brincadeira, as criangas alteram didlogos, no discurso direto, com narragao “ai, entdo, o pai ia salvar 0 bebé”, como se um locutor xplicasse ou expressasse as interagdes em andamento. Linguagem exterior Observacio feita em escola de Ensino Fundamental privada, que tem turmas de Educacio Infantil. Criancas de 3 e 4 anos (Diario de campo, escola E20, 08/09/05) Sonia (para Francisco, Bia e Fernanda) :“Vocés estao brincando de qué”? Brincadeira no patio, pai, mae. Bia: “De méee filha. Eu sou a mée, ele é 0 pai ea Fernanda é 0 bebezinho” Fernanda (bebé): “Chora”. Francisco (pai): “Ela quer o papai”. Bia (mae): “Ela quer a mamée”. Fernanda: “Eu quero o papai!” [Fernanda joga todos os cartées no chao]. Fe deita em cima do Francisco: “o bebé vai deitar em cima do papai”. A professora chama todos para irem para a sala de artes. As trés criangas do, seguem para a outra sala, conversando coisas da familia... [Desde que cheguei, a brincadeira, segundo a minha observagao, durou minutos.] Bia: “Vocé té de castigo, ndo pode fazer isso!” Fe: “Vamos brincar, papai, vamos brincar”. Francisco: “Nao, porque vocé esta de castigo”. Fe: [Joga os cartées de novo com fora, no chao]. Francisco: “Agora, para, vocé esta de pirraca”. [Nao me agiiento de vontade de rir.] Fernanda fala igual bebé, grita e chora, Francisco propée que brinquem de Batman. Brincam de lutar. Fernanda bate. Francisco bate. Repetem isso varias vezes, até que Fe vai falar com Ane} “O Francisco me bateu”. A professora chama Francisco e diz forte: “Francisco, eu jé te expliquel 0 que tem que acontecer porque vocé jé fez quatro anos” [Fico com vontade dé io 4 s rir de novo]. acao feita em escola de Ensino Fundamental privada, que tem i 7 7 de Educagio Infantil. Criancas de 3 e 4 anos (Didrio de campo, i Itam a brincar. !pO, Depois de alguns momentos, 7 trés vol ; la E20, 15/09/05) Francisco: “Agora o papai vai descansar”. Fe: Bate e mexe no “pai” que tenta dormir. Depois de alguns instantes, Em uma das turmas da Educagéo Infantil, Jiilia, uma menina de 5 anos, A ba 7 a se 0 Francisco €°0 bebé'ou se’é o'pat , interage com criangas e adultos e possibilita um emocionante aprendi- Be 0 do respeito possivel 4 diferenca. “A professora chama a turma: ‘Vamos para a sala de artes!’” 8 criangas pintam. Quando terminam, a professora manda que colo- os trabalhos no secador. Jiilia coloca o seu de cabega para baixo (a pin- para baixo). Leo tenta lhe explicar que ela botou ao contrario. Jtilia nado ile e volta para a mesa. Leo apéia a sua propria folha no chao e cuidado- vagarosamente vira a folha de Julia e a apdia corretamente. Depois @ ua prépria folha. Solidariedade é 0 que vejo. Fico muito emocio- m a atitude do Leo. A partir da conversa e da observacao dessa brincadeira é possivel analisar que varios modelos de familia em jogo, estilos de educacdo e tipos de papéis de méae/filho que se combinam. Diversos modelos entre as criangas e da propria fessora. Diversas condigées de classe social e cultural. O lugar de exotopia do ervador, fora da situagdo, permite pensar nesses lugares vividos pelas criancas \elos adultos no seu cotidiano: lugares de filhas ou filhos que também observam apropriam de formas de ser mae e pai. Esses outros que falam ea eles se mos- . Modelos de familia, incorporados e impregnados no cotidiano, vao sendo ex- sos na brincadeira que resulta uma combinacdo plurilingtie e polifénica dessa jeriéncia. “Eu sou o pai. O Batman”. Prof. (para a Fe): “E por que o bebé esta batendo no pai? O bebé tem qué ser carinhoso com o pai, com a mae e com todo mundo”. A professora se afasta e os trés continuam brincando. Bia: A mamée agora esté trabalhando. Fe (o bebé) sai de casa engatinhando (se afasta do lugar da brincade| desce as escadas de gatinhas). Bia pede ao pai (que ela chama “6 pai”): “Vai Id pegar o bebé”, “O pal, val Francisco: “Nao posso, que eu agora estou descansando”, O bebé comega a brincar de bruxa e fica pedindo para o pal: “Me sal papail” ; dia, depois das atividades na biblioteca (dramatizagao, danga, a8 erlangas estdo arrumadas para descer (a biblioteca fica num —UCCU tos e o aprofundamento de estudos da infancia e da Educagao Infantil e, de outro lado, que fornecam subsidios para politicas puiblicas de Educagao Infantil, Ensino Fundamental e formacao de professores, no que se refere a gestao e as praticas com criancas. belo sétdo da casa). A primeira da fila é Julia. Fico tensa, com medo que as 16 criancas que estdo atrdas dela - e que tém 3 ou 4 anos — poderiam empurré-la. Mas nenhuma empurra. Esperam respeitosamente que a professora dé a mao a diilia e todos descem cantando. Em conversa com a diretora da escola, dias depois, elogio a atitude das criangas e o que ela revela sobre ° trabalho dessa escola. A diretora me diz: ‘mas se fosse uma turma de criangas de Ensi- no Fundamental, sem a convivéncia desde pequenos, pode ter certeza de que 25 ela teria sido empurrada’’ Por fim, levantamos, a seguir, as producées das teses, dissertagdes e mono- grafias de especializacao elaboradas ao longo desse percurso que podem ampliar e dar continuidade as questées aqui abordadas: Patricia Corsino (2003) na tese de doutorado Infancia, linguagem e letra- lento: Educacao Infantil tem o objetivo de conhecer concep¢ées de in fancia, lin- Quagem e letramento que permeiam discursos e préticas das diferentes instan- cias da Educacdo Infantil da rede municipal da cidade do Rio de Janeiro. Fun- lamenta-se na produgdo relativa d histéria e politica da educacéo da crianca le 0 a 6 anos; na concepgao de crianca como produtora de cultura, cidada de lireitos e na linguagem como espaco das interacées sociais e lugar de constitui- jo. da consciéncia, desenvolvimento e formacdo. Tais fundamentos foram de- iIneados a partir de referencial bibliografico especifico de cada eixo de estudo, teve como pilares as idéias de Bakhtin, Benjamin e Vygotsky. A tese discute a nstrugdo histérica e social da infancia e aborda a situagdo da infancia no ‘sil, apontando desafios para os sistemas educacionais, no que diz respeito ducagao Infantil. Analisa a seguir linguagem e infancia, a linguagem escrita mundo contempordneo, infancia e let ramento, os processos de construgdo escrita e limites e possibilidades da literatura infantil para a crianca de 0a 6 . Focaliza entéo a Educagéo Infantil da rede municipal de ensino do Rio de eiro: traga o panorama da cobertura do atendimento da Educacao Infantil, reorre a historia da Educagéo Infantil no municipio e finaliza com questées ntificadas em entrevistas e observacées. Foram 8 meses nesta turma observando criangas e adultos em suas intera- des. Aprendendo com as interagées que podemos aprender com as one que é possivel lidar com as deficiéncias na escola. As criancas aprendem com Jul ia e Julia aprende sobre si mesma, constitui sua identidade de crianga e de cega as sim como aprende com e sobre os outros. Nas duas escolas, nas interacées das criancas entre si e com os adultos, intera~ gem também modelos de familia, concep¢des de infancia, medos, valores e ex- pectativas de vida. 3. AO INVES DE CONCLUIR, CONTINUAR... Assim, a trajetéria do Infoc vai se delineando. Sua natureza investigativa, vol: tada ao estudo das praticas culturais e educacionais que marcam a formacao og professores e as interagées entre criancas e adultos, se cruza no tempo eno espa co com trabalhos com escolas publicas e privadas, a assessoria a projetos de se@ cretarias municipais de educago, a formacao e ao Curso de Especializacao amt Educacao Infantil, desenvolvido na PUC Rio, desde 1994. Pesquisa e interven¢hi vao se realimentando; a pesquisa levanta perguntas, evoca possiveis respostall ajuda a compreender a empiria, num processo tenso edenso, onde se ence questdes relativas a produgao do conhecimento, questoes de natureza ética e est " tica (a arquitetura da pesquisa, no dizer de Bakhtin, 1992). A pesquisa tem ainda como objetivo compreender a realidade — as praticas, as politicas - e visa, Sa que possivel, fornecer subsidios para enfrentar os problemas etuca a ou MW rais e de formacao, o que, num pais como o Brasil, nunca ésimples, diante ja site acdo de desigualdade historicamente constituida ea diversidade que marca nossil} A tese de doutorado de José Alfredo Debortoli (2003), Infancias na cre- | Corpo e meméria nas praticas e nos discursos da Educacao Infantil: um estu- le caso em Belo Horizonte, discute a importdncia do brincar e da brincadei- Jormagao humana de criancas de 0.a 6 anos. Mediante a observacdo do ano, visa conhecer processos de institucionalizagdo da Educacdo Infan- uma creche comunitaria conveniada com a Prefeitura de Belo Horizon- ‘0ram analisados tempos, espagos e relagdes pedagégicas que se expres- como “educagdo corporal” e envolvem professoras e criancas em um to escolar, Na pesquisa de campo foram realizadas entrevistas indivi- e coletivas, trazendo a fala das professoras para o centro das relagées. tem como foco o projeto cultural que, em Belo Horizonte, constitui a igo ea trajetéria de criancas e professoras, para compreender os signi- das narrativas e prdaticas das professoras. Brincadeiras, artes e prati- vals observadas emergem como conhecimentos contextualizados conlempordnea; trazem mareas da institucionalizagdo das rela- populagées e agées. Responsabilidade, dialogicidade, responsividade, exotopia e agir ético orlety tam este percurso. Conhecimento, arte e vida sao os planos onde nos. moval Esperamos que os resultados produzam, de um lado, conhecimentos teenie todologicos necessarios para a compreensdo das interacdes entre criangas @ a E a adultos am diferentes contexton) @ 5. KRAMER, Sonia. Caderno de Campo, E20; Pesquisa "Criangas cla, a cultura contemporanea ¢ a educagio”, 2005 (mimeo), Agradage a Anelise Nascimento ea Marla ‘a Moura por esta possibllidade de observagto, c6es e abrem brechas para a mediacao das experiéncias sociais, revelando-se como dimensdo ética e estética do humano, tempo-espaco de ampliacao das possibilidades de ler 0 mundo e escrever uma historia coletiva. Bakhtin foi uma referéncia teorica central desta tese. Maria Fernanda Rezende Nunes (2005) na sua tese de doutorado Educa- cao Infantil no Estado do Rio de Janeiro: um estudo das estratégias municipais de atendimento, defendida na UFRd, discute o universo que compée a Educagao Infantil no Estado do Rio de Janeiro, considerando o impacto das transfor- macées sociais na formulacdo das politicas de atendimento voltadas para cri- ancas pequenas em diferentes contextos. A autora analisa a institucionaliza- ¢Go da infancia no Brasil e em paises membros da OCDE, abordando os con- ceitos de eqiiidade, igualdade e os direitos das criancas de 0 a 6 anos. Ao mesmo tempo, levanta os avangos legais e os desafios decorrentes de uma realidade de atendimento construida a reboque das necessidades da popula- A investigacdo abrange as secretarias municipais de educagao e suas es cdo. decorrentes da tratégias de atendimento e gestao, enfocando as mudangas implantagdo do Fundef. A andlise revela: i) novos arranjos presentes na Edu- cacao Infantil e no Ensino Fundamental e suas influéncias na estrutura e nd organizagdo dos sistemas municipais de ensino; ii) elementos para a constru cdo de novas praticas no campo da Educagéo Infantil, que restringem as pos sibilidades das criancas de menor renda ao que é possivel e nao ao que éne cessdrio ou desejado. Lea Tiriba (2005), na tese de doutorado Criangas, natureza e Educacao In; fantil tem como pressuposto a idéia de que ha uma relagdo entre a degrada cdo das condicées ambientais e a desatengao ds necessidades das criancas eM espacos de Educagéo Infantil. A pesquisa de campo foi realizada nos Centro de Educacéo Infantil de Blumenau/Santa Catarina que atendem criangas de 0.a6 anos em horério integral. Através da investigacao qualitativa, com ob servacdo participante, questiondrios e entrevistas, foram analisados os espa cos fisicos de 70% dos CEIs de Blumenau, quanto ao tempo livre e contala 0 com elementos do mundo natural (terra, areia, agua, vegetacdo). A pesqul incluiu, ainda, entrevistas com profissionais que atuam com as criangas, material colhido revela concepcées e praticas coerentes com uma visdo mundo que separa ser humano e natureza, corpo & mente, razdo e emogda; tempo entre paredes suplanta o tempo ao ar livre e a natureza é vista coi fonte de doengas e perigos. A dissertagao de Silvia Barbosa (2004), Nas tramas do cotidiano: adull criangas construindo a Educagao Infantil, tem como objetivo estudar ag |n g6es estabelecidas entre criangas e adultos no cotidiano de uma escola pul de Educagdo Infantil no municipio do Rio de Janeiro. Para compreender esse cotidiano, leva em conta 0 ponto de vista da crianga, de como ela se apropria desse espaco, o que ela faz e diz, entendendo a importéncia da brincadeira para a crianga conhecer o mundo e reconhecer-se no mundo. A andlise parte do didlogo com estudos sobre a infancia, a crianca e a Educacéo Infantil (Ben jamin, entre outros). O primeiro capitulo fala dos encontros possiveis entre a Educacdo Infantil, a infancia e a crianca. O segundo apresenta uma descricéo las escolhas, acertos e desacertos, nos quais se estruturaram os rumos desta esquisa. E o terceiro analisa o cotidiano da Educacao Infantil a partir da ob- ervagdo das interagdes entre criancas e adultos e das criancas com seus pares. Esse estudo é um convite a olhar a infancia a partir do que é especifico aa rianga — seu poder de imaginagao, fantasia, criagdo—, entendendo as criancas mo produtoras de cultura e que nela sdo produzidas. Nubia de Oliveira Santos (2005), na dissertagéo de mestrado Infancia. ticas culturais e consumo: um olhar sobre criancas e adultos numa escola pt ica tem como objetivo investigar a relagdo da crianga com o consumo, par- Indo de suas interagées entre si e com os adultos, e da observacéo das suas ticas culturais, numa escola publica situada na zona norte do Rio de Ja- iro. Depois de apresentar as questdes metodolégicas que nortearam a strucdo do olhar da pesquisadora e a concep¢do de infancia e de crianca acompanhou durante todo o processo de escrita deste trabalho, é traga- um panorama tedrico trazendo os autores que ajudaram a pensar sobre lancia, praticas culturais e consumo, fazendo um diélogo com as falas das langas que emergiram do campo. Sdo entéo descritas situagdes provoca- pela pesquisadora para compreender melhor as questées que foram indo ao longo do caminho. Ao final, é feita uma andlise do papel da es- la e de situag6es que mostram como a publicidade tem invadido 0 espaco lar. Benjamin, Sarlo e Ribes Pereira séo referéncias tedricas importan- deste trabalho. Anelise Nascimento (2004), na dissertacdo de mestrado Infancia e cidade: gas e adultos em uma pracinha do Rio de Janeiro considera as criancas 0 atores sociais e considera o espago como mediador das relagées e for- lor da subjetividade humana. A dissertagdo, de inspiracdo etnogrdfica, se para os espacos destinados ds criancas na cidade e é um mergulho em pracinha da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo é pesquisar as relacées erlancas e adultos em um espaco publico. Ao perceber as redes de signi- lo8 que envolvem os freqtientadores da Praca Xavier de Brito, também ida como Praga dos Cavalinhos, 0 estudo pretende contribuir para o sobre a infancia em diferentes contextos sociais, ajudando a pensar o pa- lugar das erlangas na contemporaneidade. Maria Teresa Jaguaribe Alencar Moura (2005), na dissertagdo de mestra- do Arte e infancia: um estudo das interagées entre criancas, adultos e obras de arte em museu desenvolve uma pesquisa no Museu de Arte Moderna. Tem como foco criangas, jovens e professores que aderiram, em visitas escolares, ao Pro- grama Educativo, e profissionais responsdveis por esse trabalho. A partir da observacdo direta de registros escritos e de imagens, busca conhecer e compre- ender interacées entre criancas, jovens, adultos e obras de arte no espago do museu e refletir sobre essas interacdes no que se refere ao desenvolvimento da sensibilidade estética e da capacidade de apreciagdo critica. Reconhece a in- fancia como constru¢do social e compreendendo as criangas e jovens como ato- res sociais, o referencial teérico foi constituido com base na sociologia da in- fancia, na filosofia antropolégica de Benjamin e na psicologia de Vygotsky. Ao perceber a arte como fonte da subjetividade humana, patriménio e direito a ser legitimado, eo museu ea escola como parceiros potenciais na tarefa da forma- cdo artistica e cultural de todos, a pesquisa procura nas redes de significado que se formam entre os individuos envolvidos e as obras de arte expostas, sub- sidios para a construcdo de um texto que se inspira na etnografia como meto- dologia para a descricdo e andlise da realidade observada. Leda Fonseca (2004) analisa na dissertacdo de mestrado Salas de leitura = Concepedes e praticas o Programa Salas de Leitura da rede municipal do Rio de Janeiro. Seu objetivo é conhecer atividades realizadas nesses espacos, em particular as praticas instituidas com o texto literdrio. Para contextualizar as Salas de Leitura, analisa documentos oficiais que regulamentam o programa desde a sua implantacéo. Verifica que as Salas de Leitura deixaram de ser es: pacos privilegiados de prdticas leitoras de textos literdrios, como eram em sua origem, para se tornarem espacos multimididticos. Além da andlise do: cumental, observa duas Salas de Leitura e realiza entrevistas com professo- res e alunos dessas escolas. Analisando o material empirico, percebe que coe xistem diferentes concepgées e expectativas em relacao ao programa. A pet» quisa se situa numa perspectiva sécio-histérica; as idéias de Mikhail Bakhtin sGo importante referencial. Leda Marina Santos (2004), na dissertagdo de mestrado Alfabetizagé letramento: fios que tecem a leitura ea escrita no cotidiano da Escola Beta dis os conceitos de alfabetizacao e letramento a partir da observacao de praticas pedagégicas desenvolvidas por trés professoras do 1° ciclo do Ensino Funday mental, de uma escola ptiblica de Niteroi. Fundamenta-se em Magda Soares e Paulo Freire. Faz observagées sistemdaticas nas salas de aula e entrevistat com as professoras pesquisadas que revelaram contradigées no ensino da lel: tura e da escrita. O caminho para enfrentar as contradigées fol 0 didlogo ea) a antropologia, uma vez que este campo busca compreender os fendmen: partir da légica dos sujeitos pesquisados. A escola como instituigdo de ensino da leitura e da escrita revela investimento maior no ensino da técnica de ler e escrever do que no desenvolvimento de praticas leitoras e escritoras, A litera- tura é um dos caminhos possiveis para desenvolver de forma concomitante conceitos de alfabetizacdo e letramento. Como conclusdo, sugere que haja Propostas de praticas sociais que envolvam a lingua escrita com reflexdo so- bre a concepgdo ideolégica do processo de letramento. Infancia, Educacao Infantil e inclusdo: um estudo de caso em Vitéria (2005) é a tese de Rogério Drago realizada com o objetivo central de investigar como se dd a inclusdo da crianca deficiente nas salas regulares da Educagao Infan- til do municipio de Vitéria, d luz das representacées sociointerativas da rianga deficiente com o meio que a cerca, ou seja, o contexto das relacées es- abelecidas entre a educacao, as caracteristicas fisicas e o cotidiano da crian- deficiente em interagéo com o meio regular de ensino. O foco de observa- do do cotidiano foi o Centro Municipal de Educacéo Infantil do Sistema de nsino de Vitéria que possuia criancas deficientes incluidas nas salas regula- s do ensino comum. A pesquisa de campo foi realizada em uma sala de ré-escola, composta por vinte e cinco criangas e incluiu a professora, o corpo icnico-administrativo e as equipes de assessoramento tanto de Educagéo In- intil quanto de Educacao Especial da Secretaria de EducacGo que presta- m servico de acompanhamento no referido CMEI. O referencial tedrico foi lelineado com base na obra de Vygotsky. Hilda Linhares da Silva Micarello, na sua pesquisa realizada como tese doutorado Professores da pré-escola: trabalho, saberes e processos de cons- iGo de identidade (2006) tem como objeto os saberes docentes de professo- da EducagGo Infantil, que atuam em pré-escolas. Partindo da nogdo de sa- r relacional, que se constréi e se explicita na linguagem, a tese se baseia em revistas com sete professores da Educacao Infantil da rede ptiblica muni- pal de ensino de Juiz de Fora e a reflexdo, entre pares, desses docentes so- Sua prdatica. Os enunciados proferidos pelos professores sdo analisados ma perspectiva dialégica tal como formulada por Mikhail Bakhtin, como logo entre textos. Na andlise, os enunciados e as praticas dos professores Gonfiguram como contrapalavra aos discursos oficiais e cientificos sobre o fissional da Educagéo Infantil. A pesquisa aponta a relacdo entre as con- es institucionais em que se dé a pratica dos professores, os saberes por construidos e a identidade do professor de Educacao Infantil. M laria Batista Lima (2005) pesquisa as Praticas cotidianas e identidades ét- tim estudo com criangas no contexto escolar, na tese de doutorado que compreender o lugar das prdaticas cotidianas na formagéo da identida- lil de das criangas a partir das interagées entre criangas, entre criancas e adul- tos e destes com os artefatos materiais e simbélicos (brinquedos, livros, carta- zes, revistas, murais). A partir de um estudo de caso realizado em uma escola de maioria afro-descendente, situada no municipio de Duque de Caxias (Re) que tem neste tema um eixo de atuacdo, Lima analisa importantes questoes relativas a constituicdo da subjetividade e aos preconceitos e ds agoes da es- cola e de professores para enfrenté-los. Monografias do curso de especializagao em Educagao Infantil vém sendo também produzidas. A monografia de Anelise Nascimento (2000) foi elabo- rada no contexto da pesquisa institucional “Formacdo dos profissionais da Educacao Infantil no Estado do Rio de Janeiro”. Analisa as propostas peda- gogicas dos municipios do Estado do Rio de Janeiro. Suas reflexdes tém como base a fundamentagéo teérica desta pesquisa, eseu objetivo é conhecer as propostas pedagégicas de Educagao Infantil dos municipios do Estado do Rio de Janeiro. As propostas analisadas foram enviadas pelas prefeituras, em anexo ao questiondrio. Rosaura Santos e Luzia Sé (2003), na monografia de especializagao em Educacdo Infantil Resgate da histéria de vida: uma experiéncia que orienta edu cadores tem 0 objetivo de retomar suas trajetérias de educadoras. A partir do estudo teérico, refletem sobre as prdticas desenvolvidas, trazem depoimen- tos e analisam suas agées, numa perspectiva de formagao. Denise Sans Guerra Gomes da Silva (2004) na sua monografia de especl- alizagéo Um olhar sobre o diélogo entre o aspecto arquiteténico e o mobiliario das classes de Educacao Infantil enquanto instrumentos ambientadores e coadjuv vantes no processo de descobertas na aprendizagem buscou compreender as possiveis interferéncias causadas pelo espaco ambiente ao processo de cons trucdo de conhecimentos na Educacao Infantil. Foram pesquisadas duas cre ches, levando em conta as caracteristicas arquiteténicas e do mobilidrio e sud relagdo com os afetos que os mesmos despertam no cotidiano de tais unida- des. Patricia Elaine Santos (2006), na sua monografia de especializacao Entre o género € o profissional: pensando no professor de Educacao Infantil, estudou profisséo de professor homem de Educaco Infantil a luz da identidade e da questado como a desvalorizacao e o desprestigio. Investigou a identidade de pro; res que trabalham na Educagéo Infantil buscando entender a feminizagdo magistério, A autora, com base no estudo sobre género na histéria da edu a - de género, buscando abordar dilemas enfrentados nesta profissd@ fewer ¢do brasileira e na andlise do feminino e masculino, com énfase no mito da masculinidade, realizou cinco entrevistas individuais e observagdes em duas instituicdes. Os professores da Educacdo Infantil falam de magistério, de questées de género no cotidiano e de como eles percebem a profissdo. Adriana Fresquet (2005), no seu projeto de pés-doutorado intitulado Re- lagdes entre cinema, educacdo e infancia na cultura contemporanea tem suas principais referéncias tedricas em Benjamin, Bakhtin e Vygotsky. Indaga: pode 0 cinema, através dos personagens infantis, recriar os significados e sentidos predominantes nas culturas? Além desses trabalhos, estado sendo desenvolvidas: uma tese voltada ds interagées entre bebés, em duas creches, uma publica e uma comunitéria (GUIMARAES, 2004); uma tese sobre as relagées culturais da primeira esco- de Educacao Infantil do muni io do Rio de Janeiro, situada no centro da ‘idade (FAZOLO, 2004); duas dissertagdes de mestrado que focalizam inte- icdes entre criancas e adultos, sendo uma voltada para 0 estudo da autori- ide do ponto de vista de criangas que freqtientam uma escola de Educagao ifantil privada, no Rio de Janeiro, e uma que analisa 0 didrio de uma profes- ra alfabetizadora que atua em uma escola publica. Todos estes trabalhos se neficiam do referencial tedrico-metodolégico construido nesta linha de pes- luisa pelo grupo “Infancia, Formacdo e Cultura” e, ao mesmo tempo, levan- im questées para a pesquisa institucional. Neste debate, com estudo, espiri- critico, o rigor e a disciplina necessdria para o trabalho académico, vai sen- construido um conhecimento sempre inquieto. RENCIAS BIBLIOGRAFICAS ORIM, Marilia (2003). A contribuicao de Mikhail Bakhtin: a tripla articulacao éti- estética e epistemolégica. In: FREITAS, Maria Teresa; SOUZA, Solange Jobim; IER, Sonia. Ciéncias humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. Sao lo: Cortez. (2001). O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciéncias humanas. Sao Pau- usa. TIN, Mikhail (2003/1992). Estética da criagéo verbal. Sao Paulo: Martins (Trad. Paulo Bezerral. [(1982). Estética de la creacién verbal. Buenos Aires: Veintiuno]. (1988). Marxismo e filosofia da linguagem. Sao Paulo: Hucitec: (OSA, Silvia N. Falcdéo (2004). 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A CRIANCA, A ESCOLA E A ESCRITA O desenvolvimento da crianca, desde seu nascimento até seu nee no En sino Fundamental, passa por duas grandes transformagSes marcadas Ps ° la ae a trada na linguagem. A primeira é, sem duvida, afala. A segunda, a a Pa desta tltima ja estar presente no contexto infantil através de diversas pri cas S004 ais, de intimeros suportes e recursos tecnolégicos proprios da oa ive ‘ an contemporanea (televisdo, cinema, revistas, jornais, placas ecartazes liver: da ‘ tulos e embalagens, objetos de uso cotidiano...), antes de seu ee oe af obrigatério na instituicdo escolar, que, em geral, se da por volta dos — oa de, é somente a partir deste momento que seu aprendizado se sistematiza e ganhe tratamento didatico. Desde o inicio de sua histéria, a escrita escolar primou por vincular o a de escrever aos exercicios e redacdes que devem responder aalguma a la a malmente estabelecida pelo professor, geralmente ditada por normas pet agi i cas, manuais escolares ¢ livros didaticos adotados . Assim, a escola a a ‘- ponsabilidade por este aprendizado, adotando métodos econstituindo praticas 4 versas voltadas, principalmente em seu momento inicial, para a compreensao sistema alfabético. Apesar de recente’, a nocao de letramento, em sua articulagdo com a leitura @ aescrita, vem constituindo uma ampla literatura especializada. Malgrado sua dit: sta relacéio quando diz “os manuais escolars # 1. Em Chartier (2001: 74) encontramos alguma referencia a arabes textos manuscritos produzidos pelos estudiantes e alunos vinculam a fixagdo Impre stia propria produgao”. déenda de 80 (BRICE HEATH, 1 LEVINE 198610 Ol | TORRANCE; HILDYARD, 1 1981). tes investigagdes comegam » BOI GUMPERZ, 1986, GOODMAN, 1982s LEVINE, I SCRIBNER & COLE, 1981) STREET, 1985) STU seminacdo entre miltiplas areas de conhecimento’, como por exemplo, a socio- lingtiistica, psicolingtiistica, sociologia, antropologia, e também com significativas diferencas de abordagem tedrico-metodolégica dentro de uma mesma area, po- demos apontar um tinico aspecto que parece ser comum a todas elas: a necessida- de dese considerar praticas discursivas e formas de interacao social mediadas pela presenca da escrita em suas mtiltiplas e complexas manifestagdes. Deste ponto em comum, direcionaremos nosso olhar para a relagao da crianga com a escrita no momento em que esta em “processo de alfabetizacado”. E nesse sentido que muitas das praticas escolares atuais tém enriquecido o luniverso dos textos a serem oferecidos aos alunos em processo de alfabetizacao, nao mais o restringindo as atividades que enfatizam letras e silabas. Além de uma grande gama de textos que comecam a ser lidos para os alunos em idade pré-esco- lar, sua escrita, mesmo antes que domine o sistema alfabético, passaa ser validada e interpretada como elemento essencial para o desenvolvimento de seu processo de alfabetizacao, ficando para a escola a tarefa de criar as condigées necessarias ara seu pleno aprendizado. De modo mais restrito que as propostas de leitura, as Praticas de producdo de texto compdem um leque de atividades que tem na escola seu lugar de legitimacao, na medida em que ela se autoriza neste espaco social, en- quanto que os atos de leitura se difundem e se disseminam tanto dentro da escola quanto fora dela. Naquilo que diz respeito as praticas de escrita efetivadas em sala de aula e in- lluenciadas pelos estudos sobre letramento, minimizando as atividades descontex- ualizadas de producdo de texto, como aquelas em que se pede, por exemplo, a redacdo intitulada “minhas férias” ou que se invente uma histéria com as pa- \vras “amor, sonho, sol e paz”, a-escola passa a considerar no processo escritural lo aluno a necessidade de se garantir as condigGes efetivas de uso, buscando pre- irvar as caracteristicas dos “géneros discursivos”, entendidos aqui conforme de- ne Bakhtin (1992)*. Todavia, ainda que algumas praticas de textualizacdo na es- estejam incorporando significativas mudangas qualitativas, a posicao institu- Jonal ocupada pelo professor sustenta-se, por sua vez, em padrées de avaliacao e ecao determinados por contetidos e orientacées estabelecidos por matrizes iculares, livros didaticos e seus respectivos manuais. Estas praticas sociais pré- s das instituicdes escolares interferem tanto nas possibilidades dos alunos es- lherem sobre o que escrever quanto nas convengées e normas que devem se- @ se apropriar ao produzirem seus textos. f ‘Pentre alguns clestes estudos que podem expressar essa diversidade, citamos Bagno, Stubbs, Gagné (2002); Pali! (20040); Kleiman et al. (1995); Signorini (2001); Rojo (1998b); Soares (1998, 2004). 8 ppréticas letradas na Educagao Infantil séo fortemente valorizadas inclusive em documentos oficiais 19 pode ser constatado no volume 3 do Referencial Curricular para Educacdo Infantil (BRASIL, Kanlemente foram publicados documentos intitulados Parémetros Curriculares Nacionais (BRASIL, ), que Visavam estabelecer, nas diferentes areas de conhecimento, referéncias tedricas e didaticas para o 0 do professor, Na area de lingua portuguesa, as orlentagdes sobre praticas de produgdo de texto nas «lo Ensino Fundamental poclern ser encontiadas tanto naquele documento quanto no jé eltado ! Curricular Naciona ASI, 1998), Do lado de fora da escola, porém com uma maior antecedéncia, um outro olhar sobre o universo infantil tem sido dado por uma literatura especializada que, ano a ano, alarga seus titulos, recursos e modos de aproximacao com este publi- co. A cultura letrada que se constitui ao redor da crianga em idade pré-escolar pode interferir significativamente em seu processo de escrita, conforme tem sido mostrado por varios estudos sobre “letramento emergente”, 0 contexto familiar e a relagéo da crianca com a literatura infantil (GALLART, 2003; PURCELL- GATES, 2003; SNOW & TABORS, 1993; TAYLOR, 1985; ROJO, 1998; den- tre outros). Edo cruzamento destas duas pontuacées, a escrita produzida em um momento inicial do processo de alfabetizacao e a literatura infantil de hoje, que seguiremos 0 percurso dos textos escritos por uma menina de 6 anos, identificando de que modo estes textos guardam relacdo com 0 universo letrado que envolve a crianga em sua fase inicial de escrita. Para sermos mais especificos, nossa questao se configura em tomo do que se escreve quando se esta grafando suas primeiras historias eo modo comoaaliteratura infantil pode exercer efeitos sobre estes manuscritos, sem as restri- c6es diretas impostas por um contexto escolar. Procurando minimizar os efeitos di- relivos dessas praticas de textualizacao propostas em situa¢ées de sala de aula, deli- mitamos nossa investigacdo para aquilo que se escreve em casa, isto @, para 0 pro- cesso de escrita efetivado em contexto familiar, sem que houvesse interferéncias da figura de um professor, de alguma tarefa escolar especifica, de um limite de tempo preciso, evitando-se assim tomar o texto do aluno como objeto de avaliagao & prov curando resgatar, por um lado, a escrita em sua dimensao inventiva e, por outro, @ relacdo autoral entre aquele que escreve e 0 texto escrito”. 2. A ESCRITA EM CONTEXTO FAMILIAR Ao evitarmos as interferéncias dos processos de escrita estabelecidos em con textos educativos regrados e formais, criamos condigées de investigacao em que os alunos poderiam escrever de forma mais informal e espontanea, sem qualquer destaque aos aspectos avaliativos, tematicos ou mesmo nossa presenca direta. Inil- cialmente, nosso objetivo estava centrado em documentar a emergéncia de texlow a partir do interesse e da iniciativa da crianca e, posteriormente, em analisar aquila que surgisse desse processo, como por exemplo, os temas tratados, as titulacées, 0s tipos de textos, as formas de anotacées registradas em cadernos escritos ely} contexto familiar. Para isto, ofertamos a Nara e Isabel, duas alunas que estavai) quisessem. Estavamos cientes de que somente o fato de se oferecer um “ cadena” 6. Uma anélise aprofundada daquilo que alunos escrevem em sala de aula ¢ 0 modo como al se constitieit) processos autorais podem ser encontrados no livro Autorla: a crlanga @ a escrita de historias inveriti (CALIL, 20046), onde discutimos alguns processos de escrlta ern Ato, @stabelecidos por duns meniniak di ‘anos que deveriam, em dupla, combina e escrever um (inieo texts, Apraveltamos uma pratica didétion ana da escola para filmar estes momentos de produgio de! recurve pernnitiy, ndo somente o que diaiam, mas tambérn @ que rasunayann jam contexte no tiltimo ano pré-escolar em 1991, “cadernos” em que poderiam escrever 0 q\ltt e solicitar a escrita de textos ja produz expectativas e interfere naquilo que se pe a4 7 se escrever’. Contudo, procuramos minimizar este efeito colocando-nos apenas como leitor e apreciador dos textos escritos, sem fazer qualquer tipo de restrigho quanto ao que deve ser escrito ou ao que foi escrito. : Durante 0 periodo de dois anos em que acompanhamos estas meninas, elas freqtientavam, respectivamente, 0 tiltimo ano de Educacao Infantil e o 1° ano de Ensino Fundamental de uma escola particular da cidade de Sao Paulo. Vale dizer que o contexto socioeconémico e cultural das alunas envolvidas era afortunado, eus pais pertenciam a uma classe social altamente letrada® e havia um grande in- entivo para as atividades de leitura e escrita em casa, o que certamente favorecia processo de alfabetizacdo e as praticas de letramento. Neste periodo de coleta obtivemos 137 manuscritos’ distribuidos em 3 cader- os de Nara e 3 de Isabel. Vale dizer ainda que estes manuscritos pertencem ao \cervo “Praticas de Textualizacao na Escola”, cujo objetivo principal esta em pre- ervar e documentar a escritura’” efetivada por alunos em diferentes momentos iistoricos e através de praticas sociais diversas. |. OS GIBIS E ALGUNS DE SEUS RECURSOS Antes de iniciarmos a anilise de alguns destes manuscritos, é preciso descre- certas caracteristicas da linguagem dos gibis que podem nos ajudar a interpre- a relacdo entre esse universo literério e o que aparece nos manuscritos que lisaremos. ; A primeira delas refere-se ao fenémeno intensamente presente nas historias quadrinhos, a saber, a “onomatopéia”. De definic&o aparentemente simples. emprego esta relacionado ao uso de “fonema em vocabulo para descrever usticamente um objeto pela agao que exprime” (BECHARA, 1999: 74), como eles termos que representam “vozes dos animais” (“AU-AU”, “PIU-PIU”, “QUEIN- E N’ , “COCORICO”, etc.) e “sons das coisas” (“TIQUE-TAQUE BIB-FONFON”, “FIU- , ‘DING-DONG”, etc.). Todavia, devemos observar as duas distincdes apresen- las por Houaiss (2001) que ira mostrar outros elementos na composicao deste meno lingiiistico. De inicio pode-se separar as “onomatopéias lingtiisticas” — aquelas que, como plificadas acima, se integram ao nosso sistema fonoldgico, possuindo, justa~ ramos que o pesquisador também era professor da escola em que as alunas estavam estudando. Além 10, 48 duas alunas participavam de coleta de dados sobre historias inventadas escritas na sala dle aula. ial de Isabel era professor universitario, poeta e mtisico, enquanto sua mae era coordenadora pedagégica le-educadora, O pai de Nara era médico-psiquiatra e a mae artista plastica, mos tomando a nocdo de “manuscrito” a partir do trabalho de Grésillon (1994), em especial o capitulo {ue define os elementos que compéem 0 manuscrito moderno. Nossa investigagao sobre os manus- | gicolares, apesar de suas profundas diferencas com os manuscritos literarios, mantém alguma rela- fom 08 estudos desta Area, apoiando-se, por exemplo, em nocbes como “rasura”, “dossié genético paralingdistic izanos no site www, cedu.ufal. br/grupopesquisa/manuscritosescolares uma pequena parte dos i escolares que compHem nosso acervo @ alguns outros materiais preparados por nossa equipe mente por esta razdio, uma estabilidade maior e sendo, muitas delas, ja dicionariza- das - das “onomatopéias nao-lingtiisticas”, como, por exemplo, “Z2ZZZZ”, “PSSST”, “pst”, “TSC”, “CHT”, “BRRR”, “GLRR”, “ARGHH”, “MPLGMNR™"', etc. que designam ‘ou tentam imitar “os sons do mundo com 0 aparelho fonador, sem necessariamente articularem a emissao vocal da maneira usualmente empregada na lingua”. Uma outra distincdo procura separar as “onomatopéias brutas” das “gramati- calizadas”. Aquelas sao sintaticamente aut6énomas, nao havendo necessidade de se combinar com outros termos para formar frases, enquanto as “gramaticais” de- correm dessas para a formacao de novas palavras como € 0 caso do verbo “tique- taquear” ou “cocoricar”. Ainda com Houaiss podemos definir uma outra distincao entre as chamadas “onomatopéias brutas” que evocam acusticamente sons do mundo eas “interjei- ces primarias” que expressam fenémenos subjetivos relacionados aos estados psiquicos daquele que as emite. Como pode ser constatado em diferentes gramaticas, dicionarios e, também, pela literatura especializada” este recurso tem um papel de destaque na lingua gem das histérias em quadrinhos, ampliado pela “palavra expressiva”, isto é, for ma de representaco grafico-lingtiistica que nao se reportaa um som determinado de um objeto, mas sugere, por seu aspecto fénico/actistico, alguma caracteristica daquilo que é designado/denotado (zas, vapt-vupt, créu, vruumm, crash, etc.), As “onomatopéias” e “palavras expressivas”, assim como muitos outros ele mentos presentes em gibis, tem seu sentido intensificado e, até mesmo, garantido através dos recursos graficos e tipograficos: 0 contorno, a cor e o tamanho da le tra. Ha cédigos relativamente estabilizados que indicam ruidos, sentimentos e set) sacées, como, por exemplo, medo ou raiva (letra tremida, geralmente com cor vermelha), sussurro (letra pequena e fina) ou frio (letra tremida, com cor azul)!", Além destes recursos grafico-lingtiisticos, ha também aquilo que Rama et al, (2004: 54) definem como “metafora visual”, isto é, o uso de imagens, como @ contorno de balées para indicar que a personagem esta sonhando ou com medo, pelo personagem, “coragées” para significar alguém apaixonado, “nota musi eal! 111, Essa inusitada onomatopéia ndo-linglistica foi encontrada na historinha “A dificil arte de montar \na rede natal”. Magali, n. 273. Sao Paulo: Globo/Mauricio de Souza dez. /1999, p. 26. O baldo em qué ay rece expressa a raiva ¢ o ranger de dentes do personagem Cebolinha 2-04), 12. Para maiores detalhamentos, consultar Houaiss (2001), Bechara (1999: 74) e Rama et al, (200 13. Nao se pode deixar de observar que estes cédigos podem mixlar ce agordlo com a historia em isto &, um gibi do Batman néo apresenta exatamente os masmos reetirses # convencdes gréfien: bis da Turma da Ménica (nosso foco de andlise) ov do ‘Tie Patinham: Eegerto que isto tema ver-eo! tilo” proprio de cada publieagto, com o pablicon quem “estrelinhas” e/ou “passarinhos” para marcar uma pancada ou batida sofrida quando algum personagem esta tocando algum instrumento ou cantando, “cavely ras”, “cobras” e “bombas” para indicar palavrdes ou xingamentos, etc. Esses N cursos visuais estdo atrelados aos desenhos e expressdes dos personagens, JQ” dendo aparecer juntamente com as palavras e sinais de pontuacao, como é 0 Cast da indicacao de alguém gri indi ; gritando, indicado pelas letras grandes e repetica: - gais: CHEEEEGAAAAA!!!! ou BUUUAAAA!!!!! ea Desta breve observacdo sobre alguns dos recursos presentes nas histérias em Bp ccnhos cabe finalmente chamar a atencdo para quatro pontos a eles relacio- nados: 1)a preponderante interferéncia da linguagem oral nas onomatopéias e pala- vras expressivas; 2) 0 carater ludico que 0 jogo com os “sons” e suas formas de representacéo podem propiciar; 38) 0 fato de apontarem para uma experiéncia subjetiva do falante com os re- cursos expressivos oferecidos pela lingua; 4a caracteristica monossilabica e a propriedade duplicativa presente na re- presentacao das formas onomatopéicas. A importancia destes aspectos sera observada durante a anilise que desen- Iveremos sobre alguns dos manuscritos produzidos por Nara, mas é importante ixar claro que a riqueza de cédigos, convencées e recursos utilizados pelos gibis apassa em muito esta breve descricdo. OS CADERNOS DE NARA Iremos expor e analisar a producao escrita de Nara’ que, no inicio de 1991 ava com 5 anos e 11 meses, e registrou, em seu “caderno 1”, 16 manuscri- . No “caderno 2” foram apenas'5. E, ao final de 1992, quando contava com 7 completos, havia escrito mais 41 manuscritos no “cademo 3”, totalizando a itura de 62 manuscritos ao longo dos dois anos. ‘ Como pretendiamos interferir o menos possivel no processo de escritura em itexto familiar, demos 0 “caderno 1” para Nara e dissemos que ela poderia es- er A vontade e nos mostrasse quando houvesse feito algo ou quando quisesse. esta razdo, os espacos de tempo entre um manuscrito e outro sao irregulares, como nao foi possivel controlar as datas em que os textos foram escritos. , Nosso enfoque central incidird sobre a descricao dos textos, o modo como al- deles se constituem a partir de elementos lingiiisticos recorrentes que surgem liferentes manuscritos e das relagées associativas, interdiscursivas e contextu- je se manifestam nos manuscritos de Nara. . O que se “repete” em alguns manuscritos entre © conjunto de 62 manuscritos registrados nos trés cadernos de Nara ia certa dificuldade em classifica-los a partir de géneros ou tipos de textos em varios deles, ha um intenso “cruzamento de enunciados” indiciando, Inbel” sro analixados e discutidon em Outre momento, _

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