OUTRO LIVRO:
ia humana têm sido propostos e revi- sados desde os anos 1960 e 1970, como o
modelo proposto por Atkinson e Shiffrin (1968) diferenciando a memória de cur- to
prazo da de longo prazo. Posteriormen- te, o modelo multicomponente da memória
operacional (Baddeley, 2000; Baddeley & Hitch, 1974) substituiu o modelo mais sim-
ples de Atkinson e Shiffrin (1968) e a distin- ção entre memória episódica e memória
se- mântica (Tulving, 1972) foi incluída como uma subdivisão da memória de longo
prazo declarativa em oposição à memória não de- clarativa (Squire, 1992). Para fins
didáticos, utilizaremos a estrutura básica dos sistemas de memória proposta por
Strauss, Sherman e Spreen (2006) (Fig. 8.1).
A memória declarativa é caracterizada pela capacidade de arquivamento e recupera-
ção consciente de informações relacionadas a experiências vi- vidas ou informações
adquiri- das pelo indivíduo (“o quê”).
MEMÓRIA DE LONGO PRAZO
Memória declarativa (explícita) A memória declarativa é caracterizada pela capacidade
de arquivamento e relacionadas a experiências vividas ou infor- mações adquiridas
pelo indivíduo (“o quê”) (Ullman, 2004). A memória declarativa en- volve dois sistemas
adjacentes propostos por Tulving (1972): a memória episódica e a memória semântica.
A memória episódica es- tá relacionada ao sistema de resgate de in- formações
vivenciadas pelo sujeito (eventos pessoais – casamento, formaturas, término de um
relacionamento). Em geral, a memória episódica é avaliada por testes como o Rey
Auditory Verbal Learning Test (RAVLT) – o teste das 15 palavras de Rey (Rey, 1958)
–, que inclui evocação livre e resgate com dicas de reconhecimento de uma lista de
palavras não relacionadas entre si aprendidas anteriormente. O sistema episódico é
bastante suscetível à perda de informações.
O RAVLT é particularmente confiável para mensurar perda de informação ao longo do
tempo, apresentando alta consistência interna e estrutura bifatorial relacionada aos
processos de armazenamento e evoca- ção de material (de Paula et al., 2012). O
examinando é submetido a cinco tentativas de aprendizagem de uma lista de palavras,
que são lidas em voz alta pelo examina- dor; após as cinco repetições, o examinador
apresenta uma lista distrativa e, logo em seguida, solicita que o examinando resgate a
lista inicial, em procedimento que permite avaliar interferência de material distrativo
Após um intervalo de 30 minutos, solicita- -se outra recordação da primeira lista. O ní-
vel de confiança para avaliação da perda de informação entre a quinta tentativa e a
evo- cação tardia (após o intervalo) é de cerca de 0,70 (Uchiyama et al., 1995); outra
etapa de reconhecimento (escolha forçada) é rea- lizada na sequência com palavras-
alvo (da primeira lista) e palavras distrativas (pala- vras da segunda lista e palavras
não apre- sentadas anteriormente). Os testes de memória declarativa ssão bastante
úteis para verificar alterações neu- ropsicológicas presentes em uma extensa lista de
problemas e mesmo como instru- mentos auxiliares para avaliação de estres- se
psicológico ou depressão (p. ex., Gainot- ti & Marra, 1994; Uddo, Vasterling, Brailey, &
Sutker, 1993). Nesses casos, os resulta- dos devem ser analisados de modo não
apenas quantitativo, mas também quali- tativo, identificando, por exemplo, a pre-
sença de interferência proativa (i.e., efeito
de material aprendido em momento ime- diatamente anterior à aquisição de mate- rial
novo), interferência retroativa (inter- ferência de material novo sobre a retenção de
material aprendido em momento ime- diatamente anterior) ou perseveração. No Brasil,
existem versões normatizadas para adultos com idades entre 20 e 60 anos (Sal- gado
et al., 2011) e também para pacientes acima de 65 anos (Malloy-Diniz, Lasmar,
e adolescentes com dados normativos cole- tados em nosso meio (Oliveira &
Charchat- -Fichman, 2008). Trata-se de um recurso importante para avaliação nos
quadros de demência e suspeita de declínio cognitivo. Diferentes regiões cerebrais
podem participar de etapas distintas desse tipo de tarefa. Outro teste sensível para
medida de memória episódica verbal é o California Verbal Learning Test-II (CVLT-II),
incluindo sua versão para crianças (CVLT-C). Além de mensurar o nível geral de
lembrança nas tentativas de armazenamento e após intervalo, o teste é bastante útil
para verificar aspectos qualitativos do desempenho, como, por exemplo, tipos de erro,
estratégias de recordação e mecanismos de falhas da memória (Strauss et al., 2006).
De fato, as características qualitativas do CVLT po- dem fornecer ao neuropsicólogo
inferên- cias importantes sobre o funcionamento mnêmico do indivíduo; no entanto,
ressal- ta-se a relevância de entender os resultados com cautela, uma vez que os
coeficientes de confiança são menores para os componen- tes específicos e maiores
para os resultados gerais do teste. A memória declarativa tem o papel de
estocar/acumular informações tanto do ti- po espacial como do tipo temporal (Squire,
1986). Testes de memória visuoespacial, co- mo o Rey-Osterrieth Complex Figure
Test (ROCF) (Corwin & Bylsma, 1993) – tam- bém conhecido simplesmente como
Figu- ra Complexa de Rey ou Figura de Rey –, são úteis na detecção de déficits na
memó- ria visual. Entretanto, parece haver uma in- dicação razoável de correlação
entre a ha- bilidade para copiar a figura complexa e a habilidade para resgatá-la, o que
indica cui- dado nos casos em que a cópia já apresen- ta pontuação abaixo do
esperado (Meyers & Meyers, 1995). Kneebone, Lee, Wade e Loring (2007) mostraram
que o ROCF é menos sensível para epilepsia refratária do alguma nomeação de seus
componentes, apresentando maior sensibilidade quando o lobo temporal prejudicado é
o esquerdo. Aspectos neuroanatômicos da memória episódica Conforme já
mencionado, a importância das porções temporais mediais foi eviden- ciada
primeiramente pelo estudo do pa- ciente H.M. Estudos com modelos animais
permitiram identificar algumas regiões, co- mo a amígdala, que desempenham papel
muito importante na aquisição de apren- dizagem emocional (Coelho, Ferreira, Soa-
res, & Oliveira, 2013; Le Doux, 1994; Mc- Gaugh, 2004), corroborando estudos com
pacientes com lesões nessa estrutura do lo- bo temporal medial (Adophs, Cahill,
Schul, & Babinsky, 1997)
Respostas emocionais a fotografias com conteúdo emocional foram mensuradas em
amostras da população brasileira (jovens: Ribeiro, Pompéia, & Bue- no, 2005; idosos:
Porto, Bertolucci, Ribeiro, & Bueno, 2008). Ressalta-se que as emoções aumentam a
retenção de memórias, mas também podem induzir falsas memórias (Santos & Stein,
2008). O hipocampo é a principal estrutura envolvida no aprendiza- do de novas
informações, mas outras regiões temporais mediais – tais como córtices en- torrinal
perirrinal/para-hipocampal – tam- bém apresentam grande importância e serão
discutidas a seguir. Para um melhor enten- dimento do papel das diferentes regiões
nos diversos mecanismos envolvidos na aprendi- zagem, vale ressaltar que a
formação de no- vas informações compreende as seguintes:
aquisição de material; 2. armazenamento; 3. resgate do material. Para que ocorram
essas etapas, vários processos neurais são necessários, como solidação desse
material mais firmemente na memória e a decodificação para resga- te (Squire, 1992).
A participação de regiões cerebrais que não as porções temporais mediais ocor- re
sobretudo nos processos de codificação e resgate de material. O processo de codifica-
ção demanda uso de diferentes estratégias, tais como categorização de informações,
associação da nova informação com tra- ços já armazenados na memória de longo
prazo, chunking ou agrupamentos, etc. Tais estratégias envolvem a participação de re-
giões pré-frontais, embora essas áreas não tenham conexão direta com o hipocampo
(Simons & Spiers, 2003; Thierry, Gioanni, Dégénétais, & Glowinski, 2000).
As pontes entre hipocampo e regiões pré-frontais são, em grande parte, mediadas
pelas regiões pa- ra-hipocampais. Porém, o córtex entorrinal é a região que concentra
as principais pro- jeções para o hipocampo, ao passo que as regiões perirrinal/para-
hipocampal são res- ponsáveis por aproximadamente 60% das projeções que
chegam ao córtex entorrinal. Além de regiões pré-frontais, as regiões pe- rirrinal/para-
hipocampal recebem também projeções de outras áreas associativas, co- mo
temporais laterais e parietais, tanto uni como polimodais, representando informa- ções
de diferentes vias sensoriais (Fig. 8.2). Outras regiões também apresentam papel
estratégico em processos de codifica- ção de material. Warrington e Weiskrantz
(1982) sugeriram que inputs para o córtex pré-frontal através dos corpos mamilares e
tálamo medial teriam papel importante na mediação da codificação de material (p. ex.,
organização, formação de imagem men- tal, elaboração), uma vez que essa descone-
xão pode causar graves déficits mnêmicos (Vann et al., 2009). Estudos com prima-
tas sugeriram também que o córtex retro- esplenial e os núcleos talâmicos anteriores
e rostrais também têm projeções conver- gindo para os córtices pré-frontais mediais