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Memória operacional e de curto prazo Essa memória é o sistema responsável pelo

armazenamento de informações na ordem de segundos ou de poucos minutos


(Baddeldey, 2000). Além disso, esse sistema permite a manipulação de informações
necessárias para o processamento de funções cognitivas superiores, entre elas a
habilidade de cálculo, linguagem, resolução de problemas, etc. Os principais
componentes desse sistema incluem o executivo central, responsável pela
manipulação e organização dos estímulos, a alça fonológica e articulatória, capaz de
codificar estímulos verbais fonéticos, o esboço visioespacial, responsável pela
codificação de estímulos visioespaciais, o registro episódico, que pode armazenar
informações ou episódios, e a memória sensorial tátil. Os principais testes que avaliam
a memória operacional e de curto prazo abrangem (Strauss, Sherman, & Spreen,
2006): 1.Dígitos ordem direta e indireta, das escalas Wechsler de Inteligência e de
Memória 2.Span Espacial ordem direta e indireta, da escala Wechsler de Memória
3.Sequência de Números e Letras, das escalas Wechsler de Inteligência 4.Repetição
de Sentenças e Janela Digital, do Wide Range Assessment of Memory and Learning.
Memória episódica A memória episódica é o sistema capaz de armazenar informações
e eventos vividos em um determinado tempo e espaço (Tulving, 2002). Por meio
desse sistema, podemos recordar trajetos, o que fizemos no dia anterior ou em nossas
últimas férias, o local onde guardamos objetos pessoais ou estacionamos nosso
automóvel. Trata-se de um dos sistemas mais frequentemente afetados após lesões
cerebrais adquiridas e quadros demenciais. Entre os testes neuropsicológicos que
avaliam esse sistema, podemos encontrar: o Rey Auditory Verbal Learning Test
(RAVLT), com normas para a população brasileira (Quadro 14.2), o Hopkins Verbal
Learning Test – Revised (HVLT-R) e o Brief Visual Memory Test – Revised (BVMT-R),
com normas preliminares para a população brasileira (Quadro 14.2), o teste Figura de
Rey, o Recognition Memory Test, que avalia reconhecimento verbal e visual, o
Camden Memory Test (testes com estímulos da vida real que avaliam a memória de
reconhecimento visual e verbal), a bateria Wechsler de Memória, com os subtestes
Memória Lógica, Pares Associados, Listas de Palavras, Reconhecimento de Faces,
Figuras de Família, Reprodução Visual, além de testes de memória operacional verbal
e visioespacial, e o Wide Range Assessment of Memory and Learning (WRAML), que
avalia aprendizagem e memória de curto e de longo prazo em crianças, adultos e
idosos. Memória semântica Esse sistema de memória é responsável pelos
conhecimentos gerais que adquirimos e armazenamos ao longo da vida e que estão
diretamente relacionados à escolaridade e à cultura, como, por exemplo, saber que o
Pão de Açúcar é um ponto turístico no Rio de Janeiro, que o tigre é um animal
selvagem, etc. Os testes que avaliam esse sistema incluem os subtestes Vocabulário
e Informação, das escalas Wechsler de Inteligência para crianças e adultos, o Boston
Naming Test, a Fluência Verbal Categórica (animais, itens de supermercado,
vestimenta, etc.), o Pyramids and Palm Trees (Strauss et al., 2006). Memoria implícita
Esse sistema possibilita adquirir gradualmente uma habilidade percepto-motora por
meio da exposição repetida e abrange um conjunto de subsistemas, entre os quais
pré-ativação, memória procedural e formação de hábito. Pode ser avaliado por meio
da aprendizagem de palavras ou imagens mediante a repetida exposição dos
fragmentos dessas palavras ou imagens, como no teste de Gollins Fragmented
Pictures and Words, e mediante a apresentação de parte de uma palavra (ver Miotto
[2012] para uma descrição mais detalhada desses processos e exemplos de testes a
serem utilizados). Memória prospectiva A memória prospectiva é um dos sistemas
mais utilizados no cotidiano e envolve tarefas como lembrar-se do horário das
medicações, transmitir um recado, comparecer a um compromisso. Esse sistema
possibilita criar intenções e recordar-se dessas intenções no futuro para que ações
possam ser implementadas (Graf & Utti, 2001). As diferentes versões da bateria
ecológica RBMT incluem tarefas de memória prospectiva, como solicitar ao paciente
que se lembre de perguntar quando será a próxima consulta/sessão depois de um
período específico de tempo, solicitar que o examinador devolva pertences pessoais e
lembrar-se de transmitir um ou dois recados. O Cambridge Prospective Memory Test
(Wilson, Emslie, Foley, Shiel, & Watson, 2005) é um instrumento de memória
prospectiva que inclui tarefas baseadas no tempo e em eventos. LINGUAGEM A
investigação da linguagem é complexa e abrange os domínios da nomeação,
produção oral, compreensão, repetição, escrita, leitura e cálculo (ver Miotto [2012]
para detalhes sobre esses domínios e alterações relacionadas à linguagem
decorrentes de quadros neurológicos). Para avaliação da produção oral, utilizam-se
testes de descrição de cenas, como o Roubo dos Biscoitos, da bateria Boston
Diagnostic Aphasia Examination (BDAE).3 Para compreensão, há o Token Test, com
normas para a população brasileira (Quadro 14.2), o subteste Vocabulário do WAIS-
III/WISC-IV, as baterias BDAE e Psycholinguistic Assessments of Language
Processing in Aphasia (PALPA).4 Para avaliar a nomeação, o teste Boston Naming, da
bateria BDAE, tem sido o mais utilizado, e há normas preliminares para a população
brasileira (Quadro 14.2). Para avaliar leitura, escrita e cálculo em crianças, há o Teste
de Desempenho Escolar e o subteste Aritmética, do WAIS-III e WISC-IV. FUNÇÕES
VISIOPERCEPTIVAS E VISIOESPACIAIS As funções visioperceptivas abrangem a
capacidade associada à identificação e ao reconhecimento de objetos e apresentam
subsistemas que consistem nos processos primários, entre eles acuidade visual,
discriminação de formas, cor, textura, movimentos e posição, os quais podem ser
avaliados pelo Cortical Vision Screening Test (CORVIST)5 e pela bateria Visual Object
and Space Perception (VOSP).6 Os processos perceptivos integram os processos
visuais primários em estruturas perceptivas coerentes como a forma de um objeto e
podem ser avaliados pelo CORVIST, VOSP e, qualitativamente, pelo Teste de
Nomeação de Boston. As funções visioespaciais possibilitam uma análise da posição
e localização espacial de objetos no espaço e em relação a nós mesmos e podem ser
avaliadas pelo VOSP, Cópia da Figura de Rey, Desenho do Relógio (ver Miotto [2012]
para uma descrição pormenorizada dessas funções e instrumentos de avaliação). A
visioconstrução ou praxia construtiva são comumente avaliadas pelo subteste Cubos,
do WAIS-III/WISC-III/WASI, Cópia da Figura de Rey, Desenho do Relógio, cópia de
figuras bidimensionais.
FUNÇÕES EXECUTIVAS E ATENCIONAIS As funções executivas compreendem as
habilidades envolvidas em comportamentos complexos, entre os quais planejamento,
organização, formulação de objetivos, resolução de problemas, monitoramento do
comportamento, inibição de respostas irrelevantes, raciocínio, abstração, etc. (Lezak
et al., 2012; Miotto, 2012; Miotto et al., 2009). A avaliação dessas funções deve
abranger o maior número possível de instrumentos, uma vez que nem todas essas
habilidades encontram-se alteradas dentro de um mesmo quadro clínico. Entre os
testes utilizados para avaliação das funções executivas (Strauss et al., 2006),
encontramos os testes de Fluência Verbal Nominal e Categórica, Wisconsin Card
Sorting Test, BADS, Hayling and Brixton, Torre de Londres, com normas preliminares
para a população brasileira (Quadro 14.2), Delis-Kaplan Executive Function System
(D-KEFS). Em relação aos processos atencionais no contexto da área clínica, são
comumente avaliadas a atenção concentrada, alternada e seletiva. A atenção
concentrada, que é um estado de prontidão por períodos prolongados para processar
informações, pode ser avaliada pelo teste D2 (Cetepp),7 Teste de Atenção
Concentrada (AC, Vetor),8 Continuous Performance Test (CPT)9 e Test of Everyday
Attention (TEA).10 Para a atenção alternada, ou seja, capacidade de alternar o foco
atencional em duas ou mais fontes de estimulação, utilizam-se o Trail Making Test A e
B, com normas preliminares para a população brasileira (Quadro 14.2), o Color Trail
Test, com padronização brasileira pela Pearson, e o Symbol Digit Test (Straus et al.,
2006). A atenção seletiva, que envolve a capacidade de manter a atenção em uma
fonte de estímulo ignorando-se distratores, pode ser avaliada pelo Stroop Test
(Strauss et al., 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS O exame neuropsicológico que objetiva estruturar uma
intervenção cognitiva ou comportamental deve abranger um espectro mais amplo de
investigação quando comparado ao exame neuropsicológico que visa a apenas
esclarecimentos diagnósticos. Além das etapas de entrevista clínica (anamnese) e
avaliação das funções cognitivas, é necessário avaliar o comportamento, por meio de
tarefas funcionais, testes ecológicos e escalas sensíveis a alterações cognitivas e de
comportamento encontradas na vida real, estratégias que passaram a ser utilizadas
após a instalação ou incidência do quadro neurológico ou neuropsiquiátrico, bem como
a maneira como essas alterações afetam as atividades instrumentais e básicas do
paciente ou sua funcionalidade. Além disso, a análise do comportamento com o uso
de técnicas comportamentais é de extrema importância em quadros nos quais são
observadas alterações cognitivas e do comportamento. A investigação do humor é
essencial para identificar a presença de sintomas de ansiedade e depressão e
conduzir ou encaminhar o paciente para intervenções complementares. Em resumo,
essa ampla abrangência de investigações é necessária, uma vez que o foco da
avaliação não se restringe aos sintomas decorrentes do impacto do quadro
neurológico, mas também aos diversos fatores e condições que possam interferir na
capacidade funcional, no comportamento e na participação do indivíduo.

OUTRO LIVRO:

ia humana têm sido propostos e revi- sados desde os anos 1960 e 1970, como o
modelo proposto por Atkinson e Shiffrin (1968) diferenciando a memória de cur- to
prazo da de longo prazo. Posteriormen- te, o modelo multicomponente da memória
operacional (Baddeley, 2000; Baddeley & Hitch, 1974) substituiu o modelo mais sim-
ples de Atkinson e Shiffrin (1968) e a distin- ção entre memória episódica e memória
se- mântica (Tulving, 1972) foi incluída como uma subdivisão da memória de longo
prazo declarativa em oposição à memória não de- clarativa (Squire, 1992). Para fins
didáticos, utilizaremos a estrutura básica dos sistemas de memória proposta por
Strauss, Sherman e Spreen (2006) (Fig. 8.1).
A memória declarativa é caracterizada pela capacidade de arquivamento e recupera-
ção consciente de informações relacionadas a experiências vi- vidas ou informações
adquiri- das pelo indivíduo (“o quê”).
MEMÓRIA DE LONGO PRAZO
Memória declarativa (explícita) A memória declarativa é caracterizada pela capacidade
de arquivamento e relacionadas a experiências vividas ou infor- mações adquiridas
pelo indivíduo (“o quê”) (Ullman, 2004). A memória declarativa en- volve dois sistemas
adjacentes propostos por Tulving (1972): a memória episódica e a memória semântica.
A memória episódica es- tá relacionada ao sistema de resgate de in- formações
vivenciadas pelo sujeito (eventos pessoais – casamento, formaturas, término de um
relacionamento). Em geral, a memória episódica é avaliada por testes como o Rey
Auditory Verbal Learning Test (RAVLT) – o teste das 15 palavras de Rey (Rey, 1958)
–, que inclui evocação livre e resgate com dicas de reconhecimento de uma lista de
palavras não relacionadas entre si aprendidas anteriormente. O sistema episódico é
bastante suscetível à perda de informações.
O RAVLT é particularmente confiável para mensurar perda de informação ao longo do
tempo, apresentando alta consistência interna e estrutura bifatorial relacionada aos
processos de armazenamento e evoca- ção de material (de Paula et al., 2012). O
examinando é submetido a cinco tentativas de aprendizagem de uma lista de palavras,
que são lidas em voz alta pelo examina- dor; após as cinco repetições, o examinador
apresenta uma lista distrativa e, logo em seguida, solicita que o examinando resgate a
lista inicial, em procedimento que permite avaliar interferência de material distrativo
Após um intervalo de 30 minutos, solicita- -se outra recordação da primeira lista. O ní-
vel de confiança para avaliação da perda de informação entre a quinta tentativa e a
evo- cação tardia (após o intervalo) é de cerca de 0,70 (Uchiyama et al., 1995); outra
etapa de reconhecimento (escolha forçada) é rea- lizada na sequência com palavras-
alvo (da primeira lista) e palavras distrativas (pala- vras da segunda lista e palavras
não apre- sentadas anteriormente). Os testes de memória declarativa ssão bastante
úteis para verificar alterações neu- ropsicológicas presentes em uma extensa lista de
problemas e mesmo como instru- mentos auxiliares para avaliação de estres- se
psicológico ou depressão (p. ex., Gainot- ti & Marra, 1994; Uddo, Vasterling, Brailey, &
Sutker, 1993). Nesses casos, os resulta- dos devem ser analisados de modo não
apenas quantitativo, mas também quali- tativo, identificando, por exemplo, a pre-
sença de interferência proativa (i.e., efeito
de material aprendido em momento ime- diatamente anterior à aquisição de mate- rial
novo), interferência retroativa (inter- ferência de material novo sobre a retenção de
material aprendido em momento ime- diatamente anterior) ou perseveração. No Brasil,
existem versões normatizadas para adultos com idades entre 20 e 60 anos (Sal- gado
et al., 2011) e também para pacientes acima de 65 anos (Malloy-Diniz, Lasmar,
e adolescentes com dados normativos cole- tados em nosso meio (Oliveira &
Charchat- -Fichman, 2008). Trata-se de um recurso importante para avaliação nos
quadros de demência e suspeita de declínio cognitivo. Diferentes regiões cerebrais
podem participar de etapas distintas desse tipo de tarefa. Outro teste sensível para
medida de memória episódica verbal é o California Verbal Learning Test-II (CVLT-II),
incluindo sua versão para crianças (CVLT-C). Além de mensurar o nível geral de
lembrança nas tentativas de armazenamento e após intervalo, o teste é bastante útil
para verificar aspectos qualitativos do desempenho, como, por exemplo, tipos de erro,
estratégias de recordação e mecanismos de falhas da memória (Strauss et al., 2006).
De fato, as características qualitativas do CVLT po- dem fornecer ao neuropsicólogo
inferên- cias importantes sobre o funcionamento mnêmico do indivíduo; no entanto,
ressal- ta-se a relevância de entender os resultados com cautela, uma vez que os
coeficientes de confiança são menores para os componen- tes específicos e maiores
para os resultados gerais do teste. A memória declarativa tem o papel de
estocar/acumular informações tanto do ti- po espacial como do tipo temporal (Squire,
1986). Testes de memória visuoespacial, co- mo o Rey-Osterrieth Complex Figure
Test (ROCF) (Corwin & Bylsma, 1993) – tam- bém conhecido simplesmente como
Figu- ra Complexa de Rey ou Figura de Rey –, são úteis na detecção de déficits na
memó- ria visual. Entretanto, parece haver uma in- dicação razoável de correlação
entre a ha- bilidade para copiar a figura complexa e a habilidade para resgatá-la, o que
indica cui- dado nos casos em que a cópia já apresen- ta pontuação abaixo do
esperado (Meyers & Meyers, 1995). Kneebone, Lee, Wade e Loring (2007) mostraram
que o ROCF é menos sensível para epilepsia refratária do alguma nomeação de seus
componentes, apresentando maior sensibilidade quando o lobo temporal prejudicado é
o esquerdo. Aspectos neuroanatômicos da memória episódica Conforme já
mencionado, a importância das porções temporais mediais foi eviden- ciada
primeiramente pelo estudo do pa- ciente H.M. Estudos com modelos animais
permitiram identificar algumas regiões, co- mo a amígdala, que desempenham papel
muito importante na aquisição de apren- dizagem emocional (Coelho, Ferreira, Soa-
res, & Oliveira, 2013; Le Doux, 1994; Mc- Gaugh, 2004), corroborando estudos com
pacientes com lesões nessa estrutura do lo- bo temporal medial (Adophs, Cahill,
Schul, & Babinsky, 1997)
Respostas emocionais a fotografias com conteúdo emocional foram mensuradas em
amostras da população brasileira (jovens: Ribeiro, Pompéia, & Bue- no, 2005; idosos:
Porto, Bertolucci, Ribeiro, & Bueno, 2008). Ressalta-se que as emoções aumentam a
retenção de memórias, mas também podem induzir falsas memórias (Santos & Stein,
2008). O hipocampo é a principal estrutura envolvida no aprendiza- do de novas
informações, mas outras regiões temporais mediais – tais como córtices en- torrinal
perirrinal/para-hipocampal – tam- bém apresentam grande importância e serão
discutidas a seguir. Para um melhor enten- dimento do papel das diferentes regiões
nos diversos mecanismos envolvidos na aprendi- zagem, vale ressaltar que a
formação de no- vas informações compreende as seguintes:
aquisição de material; 2. armazenamento; 3. resgate do material. Para que ocorram
essas etapas, vários processos neurais são necessários, como solidação desse
material mais firmemente na memória e a decodificação para resga- te (Squire, 1992).
A participação de regiões cerebrais que não as porções temporais mediais ocor- re
sobretudo nos processos de codificação e resgate de material. O processo de codifica-
ção demanda uso de diferentes estratégias, tais como categorização de informações,
associação da nova informação com tra- ços já armazenados na memória de longo
prazo, chunking ou agrupamentos, etc. Tais estratégias envolvem a participação de re-
giões pré-frontais, embora essas áreas não tenham conexão direta com o hipocampo
(Simons & Spiers, 2003; Thierry, Gioanni, Dégénétais, & Glowinski, 2000).
As pontes entre hipocampo e regiões pré-frontais são, em grande parte, mediadas
pelas regiões pa- ra-hipocampais. Porém, o córtex entorrinal é a região que concentra
as principais pro- jeções para o hipocampo, ao passo que as regiões perirrinal/para-
hipocampal são res- ponsáveis por aproximadamente 60% das projeções que
chegam ao córtex entorrinal. Além de regiões pré-frontais, as regiões pe- rirrinal/para-
hipocampal recebem também projeções de outras áreas associativas, co- mo
temporais laterais e parietais, tanto uni como polimodais, representando informa- ções
de diferentes vias sensoriais (Fig. 8.2). Outras regiões também apresentam papel
estratégico em processos de codifica- ção de material. Warrington e Weiskrantz
(1982) sugeriram que inputs para o córtex pré-frontal através dos corpos mamilares e
tálamo medial teriam papel importante na mediação da codificação de material (p. ex.,
organização, formação de imagem men- tal, elaboração), uma vez que essa descone-
xão pode causar graves déficits mnêmicos (Vann et al., 2009). Estudos com prima-
tas sugeriram também que o córtex retro- esplenial e os núcleos talâmicos anteriores
e rostrais também têm projeções conver- gindo para os córtices pré-frontais mediais

FIGURA 8.2 Esquema resumido da conectividade de porções temporais mediais. O


córtex entorrinal funciona como a principal via de projeções para o hipocampo; os
córtices entorrinal e para-hipocampal recebem projeções de regiões poli e unimodais
e também projetam para o córtex entorrinal. O córtex entorrinal também recebe
projeções de regiões pré-frontais, do giro do cíngulo e do giro temporal superior. As
setas sinalizam projeções recíprocas. e orbitais. As mesmas regiões pré-frontais
também recebem projeções para-hipocam- pais e hipocampais – estas últimas seriam
As mesmas regiões pré-frontais também recebem projeções para-hipocam- pais e
hipocampais – estas últimas seriam mediadas pelo fórnix. Além da participação na
codificação, as regiões pré-frontais tam- bém são importantes para processos de res-
gate de material, além de monitorarem o desfecho do próprio resgate. Os processos
de codificação e resgate de material envol- vem as projeções pré-frontais que agem
de volta sobre o hipocampo por meio de pro- jeções que chegam às regiões para-
hipo- campais. Estudos com crianças demonstraram que a evocação do ROCF,
realizada tal qual na prática clínica – isto é, evocação depois de um intervalo de até
30 minutos após a có- pia –, apresenta maior correlação com es- pessura cortical de
porções pré-frontais, evidenciando uma possível influência de funcionamento
executivo durante a codificação e o resgate do material complexo. A influência do
volume do hipocampo revelou- -se mais importante apenas após intervalo de
aproximadamente uma semana (Østby, Tammes, Fjill, & Walhovd, 2012), o que po-
de sinalizar ao clínico diferentes possibilidades de aplicação do instrumento,
dependendo do objetivo em questão.
foi alvo de estudos. Existe relativo con- senso de que a memória de reconhecimento
tem a participação de dois aspectos distin- tos, porém relacionados: lembrança (res-
gate consciente e contextualizado de um evento) e familiaridade (ideia de exposição
prévia sem contextualização) (Vann et al., 2009). Há evidências de que a lembrança
seja mediada pelo hipocampo, enquanto as regiões entorrinais e perir- rinais são
importantes pa- ra a familiaridade (Aggleton & Brown, 2006). Desta for- ma, é possível
hipotetizar um papel importante da fami- liaridade para tentativas de lembrança, o que
poderia explicar, ao me- nos parcialmente, a melhora de desempe- nho em tarefas de
reconhecimento em in- divíduos com certo grau de dificuldade de memória.
Processos de lembrança têm pa- pel específico para rejeição de familiaridade,
evitando respostas do tipo alarme falso (fal- so-positivo) (Dobbins, Kroll, Yonelinas, &
Liu, 1998). Dificuldades mais evidentes em processos de lembrança podem se
associar a respostas baseadas principalmente na fami- liaridade com os estímulos
(podendo gerar respostas do tipo alarme falso); dificuldades em familiaridade e
lembrança poderiam se associar a um padrão de rejeição para itens previamente
apresentados.
Memória semântica e seus aspectos neuroanatômicos A memória semântica foi
definida como nossa enciclopédia mental, sendo responsável pela memória
necessária para a linguagem episódica, a semântica é caracterizada pela perda de
dados contextuais temporais e es- paciais. Por exemplo, o significado da pala- vra
coqueiro é conhecido em uma comuni- dade linguística, mas o episódio real em que
tal informação foi adquirida, isto é, quan- do exatamente e onde, geralmente se per-
deu na memória. A memória semântica (ou conheci- mento conceitual) também
envolve rela- ções com percepção e ação. Por exemplo, o conhecimento que temos
sobre deterninado animal envolve suas características visuais, seu movimento,
número de patas, presença de pelos, etc., enquanto o conhecimento de uma
ferramenta envolve o uso que se faz dela, o material de que é feita, ET
em a memória semântica em redes de nódulos interco- É possível hipotetizar um pa-
pel importante da familiarida- de para tentativas de lembran- ça, o que poderia
explicar, ao menos parcialmente, a melho- ra de desempenho em tarefas de
reconhecimento em indiví- duos com certo grau de dificul- dade de memória. se
distribuem nectados conforme a proximidade de signi- ficado entre eles. Por exemplo,
o conceito de fogo está fortemente associado ao conceito de incêndio e mais
fracamente com o con- ceito de água (Bueno, 2011). Uma teoria distributed-only view
(Pat- terson, Nestor, & Rogers, 2007) sugere que a rede seja distribuída e
parcialmente organi- zada de acordo com a neuroanatomia dos sistemas sensoriais,
motores e linguísticos. Essa teoria sugere que tais regiões, bem co- mo as conexões
entre elas, constituam a re- de semântica neural. O modelo distributed plus-hub view
(Fig. 8.3) (Patterson, Nestor, & Rogers, 2007), sugere que o cohecimen- to seja
distribuído em diferentes áreas do cérebro, havendo, porém, um eixo central que
concentra o fluxo de ativação dessa re- de que pode ser desencadeado por uma ta-
refa específica (p. ex., nomeação de figuras) que conectam e se comunicam
convergindo para um eixo central (hub) amodal, o qual seria dependente do polo
temporal anterior.
“É possível hipotetizar um pa- pel importante da familiarida- de para tentativas de
lembran- ça, o que poderia explicar, ao menos parcialmente, a melho- ra de
desempenho em tarefas de reconhecimento em indiví- duos com certo grau de dificul-
dade de memória”
. Nesse polo, a associação entre diferentes pa- res de atributos (nome e forma, forma
e mo- vimento ou forma e cor) seria processada por um mesmo grupo de neurônios e
sinapses, independentemente do tipo de tarefa – por isso ser um eixo “amodal”.
Alguns estudossugeriram que porções perirrinais do lobo temporal medial teriam
também papel im- portante para o processamento de informa- ções semânticas,
sobretudo para a identifica- ção de estímulos ambíguos, tanto do ponto de vista
perceptivo como semântico. Memória não declarativa (implícita) A memória não
declarativa ou implícita de adquirir habilidades perceptomotoras ou cognitivas por
meio da exposição repetida a atividades que seguem regras constan- tes mas que
não requerem resgate é a ha- bilidade consciente ou intencional da ex- periência
(Schacter, 1987). Alterações no funcionamento dessa modalidade de me- mória
podem interferir na aquisição de habilidades rotineiras extremamente úteis, como usar
o computador ou o celular de modo adequado. Há diversas modalidades e hábitos
adquiridos e treinados progres- sivamente, tais como aqueles desenvolvi- dos em
tarefas como jogar futebol, usar pré-ativação (priming); condicionamento clássico,
encontrado nas respostas emocio- nais de medo, com ativação da amígdala;
condicionamento operante, e na aprendi- zagem não associativa (Fig. 8.4). A
avaliação neuropsicológica de um tipo de memória implícita, a pré-ativação, em geral
envolve identificar palavras, com- pletar sentenças, completar palavras, so- lucionar
anagramas e outras tarefas que envolvam sobretudo o uso de dicas prévias ou de
conhe- cimento prévio já automati- zado (Rajaram & Roediger, 1993). Testes para
avaliação de habilidades e hábitos cos- tumam envolver tarefas mo- toras ou
visuomotoras, tais como a escrita ou o desenho a partir da imagem projetada em
espelho, labirintos e tor- res (Torres de Hanói, etc.).
MEMÓRIA DE CURTO PRAZO Quando falamos de memória de curto pra- zo,
estamos discutindo a recuperação da informação, dentro de poucos segundos após a
exposição e limitada a cerca de qua- tro itens (Cowan, 2008). Essa memória ne-
cessita de reverberação do conteúdo ou de uma aglutinação de seus elementos para
sua ampliação (capacidade). Do ponto de vista funcional, a memória de curto pra- zo
foi assimilada ao conceito de memória operacional. O modelo tornou-se relativa-
mente simples para explicar os componen- tes presentes no registro imediato e no
uso da informação, que passaram a ser com- preendidos dentro do modelo de
memória operacional.
Memória operacional A memória operacional é um sistema de da informação,
ultrapassan- do os limites da memória de curto prazo, que exige rever- beração
constante da infor- mação (Strauss et al., 2006). O modelo multicom- ponente,
originalmente pro- posto por Baddeley e Hitch (1974), prediz que a memó- ria
operacional é dividida em um sistema supervisor memória responsável pela
temporária e pela manipu- lação da informação, servin- do para que operações men-
tais sejam realizadas on-line, isto é, no decorrer de sua coleta ou recoleta (Baddeley,
2007). A memória operacio- nal permite o uso, o gerenciamento e a organização
manutenção da informação, ultrapassan- do os limites da memória de curto prazo,
que exige rever- beração constante da infor- mação (Strauss et al., 2006). O modelo
multicom- ponente, originalmente pro- posto por Baddeley e Hitch (1974), prediz que
a memó- ria operacional é dividida em um sistema supervisor memória responsável
pela temporária e pela manipu- lação da informação, servin- do para que operações
men- tais sejam realizadas on-line, isto é, no decorrer de sua co- leta ou recoleta
(Baddeley, 2007). A memória operacio- nal permite o uso, o geren- ciamento e a
organização manutenção – o executivo central – e dois sistemas es- cravos – a alça
fonológica e seu equivalen- te para material visuoespacial, o esboço vi- suoespacial.
As alças seriam subordinadas ao executivo central, que funcionaria como um
gerenciador dos subsistemas e alocador de recursos atencionais. Mais recentemen-
te, foi acrescido um quarto componente ao modelo: o retentor episódico (Baddeley,
2000), que seria o responsável pela conexão de informações da memória de longo
pra- zo às informações de curto prazo, integran- do, assim, a lembrança de episódios
(Fig.
bem como envolvendo-se na associa- ção (binding) de diferentes grupos de infor-
mação (ver Baddeley, Allen, & Hitch, 2011). Existem muitos testes para avaliação da
memória operacional. O mais comum é o span de dígitos das baterias Wechsler
(WAIS, WISC, WMS). O teste consiste de sete pares de números em sequência alea-
tória, os quais são lidos pelo examinador a uma média de um número por segundo,
tanto na ordem direta como na inver- sa. Uma variante dessa avaliação é o teste de
span de letras o qual exige um desempe- nho mínimo com um número de letras le- A
avaliação neuropsicológica de um tipo de memória implí- cita, a pré-ativação, em
geral envolve identificar palavras, completar sentenças, comple- tar palavras,
solucionar ana- gramas e outras tarefas que envolvam sobretudo o uso de dicas
prévias ou de conheci- mento prévio já automatizado (Rajaram & Roediger, 1993).
A memória operacional é um sistema de memória respon- sável pelo arquivamento e
pela manipulação temporários da informação, servindo para que operações mentais
sejam realizadas no decorrer desse tempo. vemente inferior, pois o span de dígitos
permite a transfor- mação de número da sequ- ência em pares de números. Por
exemplo, em vez de 4-8- 3-2, o examinando poderia criar uma estratégia como
48031, facilitando, assim, a recordação dos algarismos.
maior demanda da memória operacional, como, por exemplo, as tarefas que
envolvem números e letras que devem ser repetidos separadamente e em ordem
crescente pelo examinando (p. ex., a sequência 6-3-M-2- -R-G deve ser repetida
como 2-3-6-G-M- -R). Um exemplo desse tipo de tarefa é a sequência de letras e
números das baterias Wechsler, a partir da versão III. A memória operacional está
envolvida em tarefas diá- rias, como registrar um número de telefo- ne por um tempo
curto para uso posterior. Para a avaliação da memória opera- cional visuoespacial,
um dos testes mais utilizados é o de Cubos de Corsi, que con- siste de nove cubos
numerados distribuí- dos em uma placa. O examinador toca uma sequência
progressiva de itens, solicitando que, logo a seguir, o examinando toque-os tanto na
ordem direta como na inversa. É uma prova de fácil aplicação e bastante sen- sível,
sobretudo para lesões do lobo frontal e prejuízos no hemisfério direito (ver Lezak,
Howieson, & Loring, 2004).
Memória prospectiva A memória prospectiva refere-se à capaci- dade de lembrar-se
de executar uma ação planejada para o futuro. Ela requer que o indivíduo recorde
tanto da natureza de um evento futuro como da hora em que ocorre- rá (intenção
baseada no tempo) ou, então, lembre um conteúdo a ser tratado em um evento futuro
(intenção baseada em even- to). Em geral, as avaliações de memória prospectiva têm
sido realizadas experimen- talmente em procedimentos variados que costumam
envolver a apresentação de situa- ções futuras e a sustentação de um estímu- lo-alvo,
como, por exemplo, uma palavra a ser lembrada todas as vezes que determina- do
estímulo for apresentado. O teste mais utilizado para a avaliação de memória pros-
pectiva é o Cambridge Test of Prospective Memory (CAMPROMPT) (Wilson et al.,
2005), que ainda não
fCONSIDERAÇÕES FINAIS Os sistemas de memória são construtos va- lidados na
pesquisa experimental, tendo grande utilidade na prática clínica. Ape- sar de não
haver um consenso, há aceita- ção bastante razoável para os sistemas de memória
de longo prazo dual e de memó- ria operacional, expostos neste capítulo. A
proposição de novos tipos de memória (p.oi validado no Brasil (Piauilino et al., 2010
ex., memória prospectiva) e a revisão das propostas existentes (p. ex., retentor epi-
sódico da memória operacional) permiti- ram expandir o entendimento proporcio-
nado pelas teorias apresentadas no século passado. Os instrumentos de avaliação de
memória expostos neste capítulo e ao lon- go deste livro são vinculados tanto à teoria
como à necessidade de compreensão clíni- ca de pacientes com disfunção ou lesão
ce- rebral. Enquanto há uma disponibilidade de testes neuropsicológicos validados
para memória em outros países, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, no
Brasil, os pesquisadores têm que desenvolver tanto a validação de instrumentos já
consagrados na literatura neuropsicológica como no- vas ferramentas adequadas à
nossa popula- ção (ver Malloy-Diniz et al., 2007; Malloy- -Diniz, Fuentes, Mattos, &
Abreu, 2010).
A compreensão dos sistemas explicativos do funcionamento da memória e dos
melho- res instrumentos para sua avaliação é cru- cial para a formação e o
desenvolvimento do pesquisador e profissional especializado em neuropsicologia.

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