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São Paulo
2001
I. BREVE HISTÓRICO
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analítica, poderíamos dizer que se trata de manifestações fundamentais do
inconsciente (arquetípicas) que podem aparecer simbolizadas como fenômenos
naturais (o Espírito Santo como línguas de fogo) ou personificadas (como
divindades).
Enquanto na Grécia não se fazia, ou pouco se fazia, em termos experimentais,
no Egito havia uma técnica químico-mágica que, embora altamente desenvolvida,
não era acompanhada de qualquer reflexão teórica, nem filosófica. Ao contrário, sua
fundamentação era religiosa. A técnica consistia em banhar o corpo do morto em
sódio, que é natrium, cuja raiz n t r significa Deus. Portanto, o morto era banhado em
substância divina, sendo a técnica essencialmente religiosa. Os egípcios acreditavam
que através da preservação do corpo (mumificação) era garantida a imortalidade da
alma e que esta era atingida quando a pessoa (o cadáver) se transformasse na
Divindade cósmica. Apesar do panteão de deuses, para os egípcios havia uma
espécie de espírito cósmico que reinava sobre os diversos deuses, um deus que podia
ter diferentes nomes: Atum, Num ou Osíris cósmico. Por volta da metade do antigo
império um deus torna-se cada vez mais importante: o deus solar Rá e,
coincidentemente ou não, foi a época em que houve um grande desenvolvimento da
matemática, da medição e mapeamento dos campos, da arte de escrever, etc., ou seja,
um desenvolvimento das atividades conscientes. Dessa forma, as regras e normas
coletivas assumem maior importância e certos impulsos, não se adaptando às regras
vigentes, tornam-se inconscientes.
Enquanto a consciência coletiva estava identificada ao deus solar Rá, o
inconsciente identificava-se a Osíris, o deus da vegetação, não no seu aspecto
concreto, mas no que diz respeito ao que não se move, aquilo que não tem vontade
própria, aquilo que sofre. Osíris representava então o aspecto passivo e sofredor da
natureza e da psique. Além disso, os egípcios acreditam que, após a morte, o
indivíduo encontrar-se-ia com sua alma Bá, imortal e individual, o aspecto eterno do
ser humano. O corpo ficou associado à alma Bá e a Osíris, que representava a
verdadeira consciência da própria individualidade em oposição à coletividade
dominante.
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Dessa maneira, parece que a Alquimia nasceu do casamento entre a filosofia
racional da natureza dos gregos e a técnica químico-mágica da mumificação dos
egípcios.
Com a expansão do império árabe, a partir do século V da nossa era, as obras
gregas foram traduzidas pelos árabes. Dois nomes importantes: al Razi ou Rasis
(latim) introduziu a necessidade de quantificação, e Mohamed ibn Umail, conhecido
como Senior, preocupou-se com o aspecto simbólico. Por volta do século X, a
Alquimia retornou à civilização ocidental através dos árabes e dos judeus na
Espanha e na Sicília e, também, por meio das cruzadas. No Ocidente, entrou em
contato com a filosofia escolástica e, mais uma vez, dois nomes são importantes:
Alberto Magno, que se preocupou com o aspecto técnico, e o autor de Aurora
Consurgens, provavelmente Tomás de Aquino, que enfatizou o aspecto simbólico.
A Alquimia pereceu no século XVIII quando ocorreu uma cisão, uma
separação entre aqueles que se dedicavam à filosofia hermética, abandonando o
laboratório e perdendo, assim, a base empírica, e aqueles que permaneceram no
laboratório, os químicos.
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construção que lhe era estranha. Mesmo no sonho se espantava com o fato de não
conhecer essa parte da casa que sempre estivera lá. Finalmente, sonhou que foi a essa
ala desconhecida. Lá encontrou uma biblioteca, provavelmente do século XVI ou
XVII, onde havia livros com ilustrações que jamais tinha visto. Posteriormente, viu
tratar-se de símbolos alquímicos. Porém, o sonho que considerou como decisivo para
o seu encontro com a Alquimia ocorreu por volta de 1926: ele estava com um
camponês numa carroça prestes a sair de uma zona de guerra. Sabia que era preciso
afastarem-se dali o mais rápido possível, pois estavam em grande perigo. Tinham
que atravessar uma ponte, depois um túnel. No fim do túnel, avistaram uma
paisagem ensolarada. Jung reconheceu a região de Verona. Na estrada encontraram
um edifício grande, como uma casa senhorial. Atravessaram o portal e perceberam
novamente uma paisagem ensolarada através de um segundo portal mais adiante.
Havia, do lado direito, a casa senhorial, que lembrava um castelo, e do lado
esquerdo, casas de empregados, granja, etc. Estavam no meio do pátio, quando os
dois portais se fecharam e o camponês gritou: “Ei-nos prisioneiros do século XVII!”
Jung pensou que não havia o que fazer pois seriam prisioneiros por muitos anos. Em
seguida, teve um pensamento consolador: algum dia, depois de passados esses anos,
ele poderia sair. (Cf. JUNG, 1989, p. 179)
Após este sonho, Jung estudou história do mundo, história da filosofia,
história das religiões, sem nada encontrar que o explicasse. Mais tarde percebeu que
se relacionava com a Alquimia, cujo ápice ocorreu exatamente no século XVII.
Em 1928 entrou em contato com a Alquimia chinesa através do texto O Segredo
da Flor de Ouro que Richard Wilheim lhe enviou. Por outro lado, os sonhos de seus
pacientes traziam símbolos para os quais não encontrava paralelos históricos, mesmo
que reconhecidamente arquetípicos, como o da ave voando no céu que vira-se para
comer a própria cauda e despenca por terra.
Todavia, muitos perguntam: mas por que estudar justamente a Alquimia? Não
bastaria o estudo da Mitologia ou da história comparada das religiões?
De acordo com Von Franz (1991, p. 4 et seq.), tanto o simbolismo das religiões
como da mitologia é material formado na coletividade e transmitido por uma
tradição mais ou menos organizada. Portanto, o inconsciente é abordado de forma
conscientemente direcionada e não como nos sonhos ou na imaginação ativa, de
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forma espontânea. Na Alquimia é isso o que ocorre: o alquimista projeta na matéria
desconhecida o seu inconsciente. Isto podemos dizer hoje, mas o alquimista não
conhecia essa separação, para ele tudo era uma coisa só.
Jung, em Psicologia e Alquimia, obra publicada em 1944, tem como objetivo
mostrar que o mundo simbólico da Alquimia não pertence ao entulho do passado,
mas que está presente em nossos dias. Para ele, a psicologia fornece a chave para o
segredo da Alquimia, como inversamente que esta última cria a base de compreensão
histórica para a primeira. Nesta obra, ele apresenta a Alquimia como o subterrâneo
do Cristianismo, a superação da tensão, do conflito entre os opostos.
Alquimia Sonhos
----------------- = ---------------
Cristianismo Consciência
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Essa Matéria está diante dos olhos de todos; todas as pessoas a vêem, tocam,
amam, mas não a conhecem. Ela é gloriosa e vil, preciosa e insignificante, e é
encontrada em toda parte ... Para resumir, nossa Matéria tem tantos nomes quantas
são as coisas do mundo; eis por que o tolo não a conhece. (apud EDINGER, 1990, p.
31)
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Jung refere-se à indecisão entre o 3 e o 4 como a hesitação entre o espiritual e o
físico, pois o 3, como número ímpar, representa o masculino, o paterno, o espírito,
enquanto o 4, número par, ao feminino, ao materno, ao físico (matéria).
A idéia central do processo alquímico constitui exatamente na união entre o
espiritual e o físico, entre o masculino e o feminino, entre os pares de opostos. Como
disse Maria Prophetissa, “do três provém o um que é o quarto”. Para os alquimistas o
opus “provém de uma só coisa devendo retornar ao UNO”. Por isso, uma paralelo
com Mercurius:
- é a prima matéria;
- é o dragão que morde a própria cauda, devorando-se a si mesmo para
depois renascer na forma do lápis;
- é o hermafrodita, o ser primordial que se divide para depois se unir na
coniunctio;
- é metal e líquido;
- é matéria e espírito;
- é frio e ígneo;
- é veneno e o remédio que cura;
- é, portanto, um símbolo unificador dos opostos.
A união dos opostos ocorre dentro do vaso hermético (vas hermetis), outro
elemento fundamental para o processo alquímico. Não é um simples instrumento,
mas tem relação com a prima matéria e com o lápis. Unum est vas (um é o vaso), ele é
redondo como o cosmos esférico para que as estrelas possam influir no sucesso da
operação. É a matriz, o uterus do qual deve nascer o filius philosophorum, a pedra
milagrosa. Não só é redondo como tem a forma de um ovo.
Para Jung, o que foi descrito acima corresponde ao que ele denominou de
processo de individuação: do caos inicial, presente na prima matéria, do confronto
com a sombra, a nigredo, chega-se a albedo, o embranquecimento que constitui na
reunião da alma ao corpo. Mas aqui se trata do estado lunar e é necessário alcançar o
estado solar, a rubedo, o nascer do sol. Por meio do aumento da intensidade do fogo,
o branco e o vermelho, a Rainha e o Rei podem, então, celebrar núpcias.
Jung conclui Mysterium Coniunctionis apresentando uma síntese do significado
da Alquimia:
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[...] todo procedimento alquímico [...] pode muito bem representar o processo de
individuação num indivíduo particular, embora com a diferença não desprovida de
importância de que nenhum indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do
simbolismo alquímico. Este tem a seu favor o fato de ter sido construído ao longo dos
séculos.
1
Apud por Roob (1997, p. 9). Esta versão foi retirada de KHUNRATH, Heinrich, Amphitheatrum sapientiai
aeternae, Hanover, 1606.
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É a força de todas as forças, pois vence toda a sutileza e penetra toda a densidade.
Deste modo foi criado o Mundo.
Assim serão operadas admiráveis variações e adaptações, para as quais é aqui dado o
meio.
E foi-me dado o nome de Hermes Trismegistos, porque possuo as três partes da
sabedoria de todo o universo.
REFERÊNCIAS:
EDINGER, E. Anatomia da Psique. São Paulo: Cultrix, 1990.
JAFFÉ, A. Ensaios sobre a Psicologia de C.G. Jung. São Paulo: Cultrix, 1988.
JUNG, C. G. Mysterium Coniunctionis. Petrópolis, Vozes, 1988.
______. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
______. Psicologia e Alquimia. Petrópolis: Vozes, 1994.
ROOB, A. Alquimia e Misticismo.O Museu Hermético. Lisboa: Taschen, 1997.
VON FRANZ, M.L. Alquimia. São Paulo: Cultrix, 1991.
______. A Alquimia e a Imaginação Ativa. São Paulo: Cultrix, 1992.
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