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PSICOLOGIA E ALQUIMIA I

Lilian Wurzba Ioshimoto

São Paulo
2001
I. BREVE HISTÓRICO

Alquimia parece derivar do árabe Alkimia, Al significando o artigo o, mas a


origem de Kimia não é clara. Popularmente, está associada à palavra egípcia chem
(preto), relacionando-se com Egito como “Terra do Solo Preto”. Portanto, Alquimia
poderia ser definida como a Arte Egípcia ou Arte Negra.
Pode ainda ser derivada de chyma, do grego fundição de metais ou fusão de
metais. Chyma parece derivar de cheein, derramar, possuindo variantes: chymos, suco
de plantas, e chylos, associado a sabor.
É difícil precisar seu nascimento em virtude da dificuldade de entendimento
dos textos. Por exemplo, theion pode significar enxofre e divino; arsenikon refere-se a
macho ou à substância masculina (ácido). Mas, parece que a Alquimia nasceu no
século I a.C. (alguns estudos ampliam esse período para os 3 últimos séculos antes de
Cristo), tanto no Oriente (China) como no Ocidente (Alexandria). No Oriente a
preocupação era com o “elixir da longevidade”, enquanto no Ocidente era enfatizado
o trabalho com os metais e minerais.
Von Franz (1991, p. 15) define Alquimia como “uma ciência natural que
representa uma tentativa de entendimento dos fenômenos materiais na natureza”.
A ciência natural nasce no século VI a.C. com os filósofos pré-socráticos (Tales
de Mileto, Empédocles, Heráclito). Porém, nasce enquanto teoria, conceito geral, uma
especulação filosófica que, embora tenha levado a uma mudança na visão da
existência do mundo (de uma visão mítico-religiosa para uma visão filosófica), não se
preocupava com investigações experimentais. A ciência natural entendida como a
manipulação de elementos tais como água, terra, pedra, animais, fogo, enfim, a
matéria, é muito mais ampla, pois os povos primitivos já empregavam diversos
materiais em seus rituais religiosos. Portanto, podemos dizer que o homem sempre
teve idéias e conceitos, imagens e símbolos para explicar as realidades fundamentais
da existência, mas também lidou com materiais exteriores. Um bom exemplo é o uso
da água na adivinhação.
O que se percebe na história das religiões é que existem símbolos religiosos
que são personificações ou representações de deuses e demônios, isto é, fatores
poderosos que possuem um aspecto material. Do ponto de vista da psicologia

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analítica, poderíamos dizer que se trata de manifestações fundamentais do
inconsciente (arquetípicas) que podem aparecer simbolizadas como fenômenos
naturais (o Espírito Santo como línguas de fogo) ou personificadas (como
divindades).
Enquanto na Grécia não se fazia, ou pouco se fazia, em termos experimentais,
no Egito havia uma técnica químico-mágica que, embora altamente desenvolvida,
não era acompanhada de qualquer reflexão teórica, nem filosófica. Ao contrário, sua
fundamentação era religiosa. A técnica consistia em banhar o corpo do morto em
sódio, que é natrium, cuja raiz n t r significa Deus. Portanto, o morto era banhado em
substância divina, sendo a técnica essencialmente religiosa. Os egípcios acreditavam
que através da preservação do corpo (mumificação) era garantida a imortalidade da
alma e que esta era atingida quando a pessoa (o cadáver) se transformasse na
Divindade cósmica. Apesar do panteão de deuses, para os egípcios havia uma
espécie de espírito cósmico que reinava sobre os diversos deuses, um deus que podia
ter diferentes nomes: Atum, Num ou Osíris cósmico. Por volta da metade do antigo
império um deus torna-se cada vez mais importante: o deus solar Rá e,
coincidentemente ou não, foi a época em que houve um grande desenvolvimento da
matemática, da medição e mapeamento dos campos, da arte de escrever, etc., ou seja,
um desenvolvimento das atividades conscientes. Dessa forma, as regras e normas
coletivas assumem maior importância e certos impulsos, não se adaptando às regras
vigentes, tornam-se inconscientes.
Enquanto a consciência coletiva estava identificada ao deus solar Rá, o
inconsciente identificava-se a Osíris, o deus da vegetação, não no seu aspecto
concreto, mas no que diz respeito ao que não se move, aquilo que não tem vontade
própria, aquilo que sofre. Osíris representava então o aspecto passivo e sofredor da
natureza e da psique. Além disso, os egípcios acreditam que, após a morte, o
indivíduo encontrar-se-ia com sua alma Bá, imortal e individual, o aspecto eterno do
ser humano. O corpo ficou associado à alma Bá e a Osíris, que representava a
verdadeira consciência da própria individualidade em oposição à coletividade
dominante.

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Dessa maneira, parece que a Alquimia nasceu do casamento entre a filosofia
racional da natureza dos gregos e a técnica químico-mágica da mumificação dos
egípcios.
Com a expansão do império árabe, a partir do século V da nossa era, as obras
gregas foram traduzidas pelos árabes. Dois nomes importantes: al Razi ou Rasis
(latim) introduziu a necessidade de quantificação, e Mohamed ibn Umail, conhecido
como Senior, preocupou-se com o aspecto simbólico. Por volta do século X, a
Alquimia retornou à civilização ocidental através dos árabes e dos judeus na
Espanha e na Sicília e, também, por meio das cruzadas. No Ocidente, entrou em
contato com a filosofia escolástica e, mais uma vez, dois nomes são importantes:
Alberto Magno, que se preocupou com o aspecto técnico, e o autor de Aurora
Consurgens, provavelmente Tomás de Aquino, que enfatizou o aspecto simbólico.
A Alquimia pereceu no século XVIII quando ocorreu uma cisão, uma
separação entre aqueles que se dedicavam à filosofia hermética, abandonando o
laboratório e perdendo, assim, a base empírica, e aqueles que permaneceram no
laboratório, os químicos.

II. ALQUIMIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA

Jung, após o rompimento com Freud, passou por um período de incertezas, de


desorientação; precisava saber qual era sua própria posição. Foi quando se entregou
ao que chamou de “confronto com o inconsciente” (JUNG, 1989, p. 152 et seq.). Isso
ocorreu no início da segunda metade da vida e se estendeu por vários anos (1913 –
1917). Só depois de mais ou menos 20 anos, ele compreendeu o conteúdo de suas
fantasias. Era preciso encontrar uma prova histórica dessa experiências interiores:
“onde se encontram minhas premissas, minhas raízes na história” (ibid.).
Entre 1918 e 1926, Jung dedicou-se ao estudo dos gnósticos e percebeu que
entre a gnose e a tradição de seu tempo havia um enorme vazio. Encontrou na
Alquimia o elo, a continuidade entre o passado e o presente.
Mas antes de descobrir a Alquimia, Jung tinha sonhos que se repetiam,
envolvendo sempre o mesmo tema: ao lado de sua casa havia uma outra, uma

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construção que lhe era estranha. Mesmo no sonho se espantava com o fato de não
conhecer essa parte da casa que sempre estivera lá. Finalmente, sonhou que foi a essa
ala desconhecida. Lá encontrou uma biblioteca, provavelmente do século XVI ou
XVII, onde havia livros com ilustrações que jamais tinha visto. Posteriormente, viu
tratar-se de símbolos alquímicos. Porém, o sonho que considerou como decisivo para
o seu encontro com a Alquimia ocorreu por volta de 1926: ele estava com um
camponês numa carroça prestes a sair de uma zona de guerra. Sabia que era preciso
afastarem-se dali o mais rápido possível, pois estavam em grande perigo. Tinham
que atravessar uma ponte, depois um túnel. No fim do túnel, avistaram uma
paisagem ensolarada. Jung reconheceu a região de Verona. Na estrada encontraram
um edifício grande, como uma casa senhorial. Atravessaram o portal e perceberam
novamente uma paisagem ensolarada através de um segundo portal mais adiante.
Havia, do lado direito, a casa senhorial, que lembrava um castelo, e do lado
esquerdo, casas de empregados, granja, etc. Estavam no meio do pátio, quando os
dois portais se fecharam e o camponês gritou: “Ei-nos prisioneiros do século XVII!”
Jung pensou que não havia o que fazer pois seriam prisioneiros por muitos anos. Em
seguida, teve um pensamento consolador: algum dia, depois de passados esses anos,
ele poderia sair. (Cf. JUNG, 1989, p. 179)
Após este sonho, Jung estudou história do mundo, história da filosofia,
história das religiões, sem nada encontrar que o explicasse. Mais tarde percebeu que
se relacionava com a Alquimia, cujo ápice ocorreu exatamente no século XVII.
Em 1928 entrou em contato com a Alquimia chinesa através do texto O Segredo
da Flor de Ouro que Richard Wilheim lhe enviou. Por outro lado, os sonhos de seus
pacientes traziam símbolos para os quais não encontrava paralelos históricos, mesmo
que reconhecidamente arquetípicos, como o da ave voando no céu que vira-se para
comer a própria cauda e despenca por terra.
Todavia, muitos perguntam: mas por que estudar justamente a Alquimia? Não
bastaria o estudo da Mitologia ou da história comparada das religiões?
De acordo com Von Franz (1991, p. 4 et seq.), tanto o simbolismo das religiões
como da mitologia é material formado na coletividade e transmitido por uma
tradição mais ou menos organizada. Portanto, o inconsciente é abordado de forma
conscientemente direcionada e não como nos sonhos ou na imaginação ativa, de

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forma espontânea. Na Alquimia é isso o que ocorre: o alquimista projeta na matéria
desconhecida o seu inconsciente. Isto podemos dizer hoje, mas o alquimista não
conhecia essa separação, para ele tudo era uma coisa só.
Jung, em Psicologia e Alquimia, obra publicada em 1944, tem como objetivo
mostrar que o mundo simbólico da Alquimia não pertence ao entulho do passado,
mas que está presente em nossos dias. Para ele, a psicologia fornece a chave para o
segredo da Alquimia, como inversamente que esta última cria a base de compreensão
histórica para a primeira. Nesta obra, ele apresenta a Alquimia como o subterrâneo
do Cristianismo, a superação da tensão, do conflito entre os opostos.

Alquimia Sonhos
----------------- = ---------------
Cristianismo Consciência

A crise do homem moderno deve-se antes às falhas no entendimento dos


dogmas cristãos, não nos dogmas, pois estes correspondem aos arquétipos.
O dogma da imitatio Christi diz que o homem deve seguir Cristo, que é o
modelo. Se o fizesse, seria capaz de um pleno desenvolvimento interior, pois Ele é o
modelo da totalidade. Porém, Cristo é adorado como objeto externo. Assim, o
homem não atinge as profundezas da alma e não a transforma na totalidade que
representa o modelo. Jung aponta que isto ocorre talvez em função da atitude do
ocidental que considera o objeto, o particular, o eu, deixando as raízes do ser no
inconsciente. Diferente do oriental, para o qual o particular, o eu, são um sonho, pois
ele está enraizado no fundamento originário.
Para o homem ocidental, Cristo carrega os pecados do mundo. Se Cristo está
fora, os pecados também estão e a responsabilidade é colocada, então, em Cristo, o
que leva o homem a não assumir nenhuma responsabilidade. Dessa forma, Cristo,
como o maior valor, e o pecado, como maior desvalor, são externos e a alma fica
esvaziada, porque não tem o mais alto nem o mais baixo. Para o oriental, o mais alto
e o mais baixo estão no interior do homem.
Por outro lado, o homem nasce com o pecado original. Mas, através da
imitatio Christi o homem pode chegar ao renascimento. Entretanto, o sofrimento seria
insuportável. A Igreja institui o “probabilismo moral”, pelo qual o homem orienta
seus atos de liberdade moral não pela consciência, mas pelo que é dado como certo
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por uma doutrina, uma autoridade que serve como modelo. Embora essa atitude da
Igreja seja humanitária, de caridade, a vivência dos opostos bem/mal fica subtraída,
o conflito fica em aberto. No Cristianismo a cisão, a dualidade bem/mal,
claro/escuro, superior/inferior, não forma uma unidade e, ao mesmo tempo, não
existe a dualidade. Aceita, porém, que 3 são 1 e nega que 4 sejam 1, que é o axioma
central da Alquimia: O um torna-se dois, o dois torna-se três e do três provém o um que é o
quarto (Maria Prophetissa).
Contudo, o que se pode perceber é que tanto o Cristianismo como a Alquimia,
bem como a Psicologia Analítica, buscam a mesma meta: a totalidade.

III. O PROCESSO ALQUÍMICO

A base da Alquimia é a obra – o opus alquímico que se constitui, por um lado,


de uma parte prática – a operatio (as operações) e, por outro, de uma parte simbólica
que designa as transformações anímicas que fascinam o alquimista – a theoria, que se
originariamente era a filosofia hermética, depois se ampliou com a assimilação das
idéias dogmáticas cristãs.
São características do opus:
- É sagrada, pois o que se busca é algo supremo e essencial.
- Ocorre no laboratório: labor / oratório, local de trabalho e de oração.
- Pede, então, uma atitude religiosa do alquimista.
- O trabalho é secreto.
- É, também, solitário.
- Embora iniciada pela natureza, exige esforço consciente para ser
completada.
A meta do opus é encontrar a Pedra Filosofal, o Elixir da Vida. Para isso, é
necessário encontrar o material adequado: a Prima Matéria. Este termo vem da
filosofia pré-socrática e significa algo que é dado a priori, não é fabricado; é matéria
única e original. Pode ser a água em Tales, o fogo em Heráclito, o ar em Anaxímenes
ou o ápeiron em Anaximandro. Diz um texto alquímico:

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Essa Matéria está diante dos olhos de todos; todas as pessoas a vêem, tocam,
amam, mas não a conhecem. Ela é gloriosa e vil, preciosa e insignificante, e é
encontrada em toda parte ... Para resumir, nossa Matéria tem tantos nomes quantas
são as coisas do mundo; eis por que o tolo não a conhece. (apud EDINGER, 1990, p.
31)

A Prima Matéria é ubíqua, está em toda parte, diante de todos. Ao mesmo


tempo que possui um valor intrínseco, apresenta-se como desprezível, insignificante.
É múltipla e, simultaneamente, una. É indiferenciada, o increatum – o que não foi
criado, como a chamou Paracelso.
Outra idéia importante para o opus alquímico é a de kairós que, segundo
Zózimo, alquimista do século III, significa o momento certo, o momento em que as
realizações encontrarão êxito. Como para o alquimista o que é superior tem
correspondência ao que é inferior, assim como o que é exterior ao que é interior,
quando trabalhava com a prata, a lua deveria estar em posição favorável, pois há um
vínculo oculto ligando os planetas aos metais: Saturno ao chumbo, Marte ao ferro,
Vênus ao cobre, Júpiter ao estanho, Mercúrio ao mercúrio, Lua à prata e Sol ao ouro.
Para a realização do trabalho alquímico é necessário, ainda, imaginatio e
meditatio. Esta se refere a um diálogo interno, com alguém invisível. A imaginatio abre
a porta para o segredo do opus: consiste em fantasias ou imagens, mas não do tipo
fantasma, sem substância, mas algo corpóreo (corpus sutil), não sendo nem matéria
nem espírito.
Mesmo não havendo concordância quanto à seqüência do processo alquímico,
a maioria dos textos aponta 4 estágios, caracterizados pelas cores que aparecem em
Heráclito: melanosis (enegrecimento), leukosis (embranquecimento), xanthosis
(amarelecimento) e iósis (enrubescimento), é a tetrameria filosófica. Por volta do
século XV ou XVI, foram reduzidas as cores para 3, sendo subtraída a xanthosis ou
citrinas.
A questão de 3 ou 4 estágios está relacionada ao fato de que a Alquimia trata
do germe da unidade divina. Esta tem um caráter trinitário na Alquimia cristã, e
triádico na pagã. Outros testemunhos apontam o germe como correspondendo à
unidade dos 4 elementos, a quaternidade. Encontramos, na Alquimia, tanto a
trindade (as cores preto, branco e vermelho) como a quaternidade (os elementos:
água, ar, terra e fogo, ou as qualidades dos elementos: quente, frio, seco e úmido).

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Jung refere-se à indecisão entre o 3 e o 4 como a hesitação entre o espiritual e o
físico, pois o 3, como número ímpar, representa o masculino, o paterno, o espírito,
enquanto o 4, número par, ao feminino, ao materno, ao físico (matéria).
A idéia central do processo alquímico constitui exatamente na união entre o
espiritual e o físico, entre o masculino e o feminino, entre os pares de opostos. Como
disse Maria Prophetissa, “do três provém o um que é o quarto”. Para os alquimistas o
opus “provém de uma só coisa devendo retornar ao UNO”. Por isso, uma paralelo
com Mercurius:
- é a prima matéria;
- é o dragão que morde a própria cauda, devorando-se a si mesmo para
depois renascer na forma do lápis;
- é o hermafrodita, o ser primordial que se divide para depois se unir na
coniunctio;
- é metal e líquido;
- é matéria e espírito;
- é frio e ígneo;
- é veneno e o remédio que cura;
- é, portanto, um símbolo unificador dos opostos.
A união dos opostos ocorre dentro do vaso hermético (vas hermetis), outro
elemento fundamental para o processo alquímico. Não é um simples instrumento,
mas tem relação com a prima matéria e com o lápis. Unum est vas (um é o vaso), ele é
redondo como o cosmos esférico para que as estrelas possam influir no sucesso da
operação. É a matriz, o uterus do qual deve nascer o filius philosophorum, a pedra
milagrosa. Não só é redondo como tem a forma de um ovo.
Para Jung, o que foi descrito acima corresponde ao que ele denominou de
processo de individuação: do caos inicial, presente na prima matéria, do confronto
com a sombra, a nigredo, chega-se a albedo, o embranquecimento que constitui na
reunião da alma ao corpo. Mas aqui se trata do estado lunar e é necessário alcançar o
estado solar, a rubedo, o nascer do sol. Por meio do aumento da intensidade do fogo,
o branco e o vermelho, a Rainha e o Rei podem, então, celebrar núpcias.
Jung conclui Mysterium Coniunctionis apresentando uma síntese do significado
da Alquimia:

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[...] todo procedimento alquímico [...] pode muito bem representar o processo de
individuação num indivíduo particular, embora com a diferença não desprovida de
importância de que nenhum indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do
simbolismo alquímico. Este tem a seu favor o fato de ter sido construído ao longo dos
séculos.

Em Psicologia e Alquimia, Jung (1994, p. 500) mostra a importância do


simbolismo alquímico para o homem moderno:

[...] os velhos alquimistas estavam mais próximos da verdade anímica ao tentarem


resgatar o espírito dos elementos químicos, tratando o mistério como se ele estivesse
no seio da natureza obscura e silenciosa. Mas ele era ainda externo a eles. A evolução
da consciência a um nível superior, mais cedo ou mais tarde deveria por fim a essa
projeção, devolvendo à alma aquilo que desde o início era de natureza anímica. Mas,
a partir do Iluminismo e da época do racionalismo científico, o que aconteceu com a
alma? Ela fora identificada com a consciência. A alma tornou-se o que se sabia dela.
Fora do eu, não existia. Era inevitável pois a identificação do eu com os conteúdos
retirados da projeção. Acabara o tempo em que a alma ainda se encontrava “fora do
corpo” e imaginava essas coisas maiores não captáveis pelo corpo. Assim, pois, os
conteúdos outrora projetados deveriam aparecer como algo pertencente à pessoa, isto
é, como imagens fantasiosas do eu consciente. O fogo esfriou, transformando-se em
ar, o ar tornou-se o vento de Zarathustra e causou uma inflação de consciência. Esta,
pelo visto, só pode ser dominada pelas mais aterradoras catástrofes da civilização, ou
seja, pelo dilúvio que os deuses enviaram à humanidade pouco hospitaleira.

A TABULA SMARAGDINA DE HERMES1

Na verdade, na verdade, sem dúvidas e incertezas:


O que está embaixo assemelha-se ao que está em cima, e o que está em cima ao que
está embaixo, para realizar os prodígios do Uno.
E como todas as coisas emanam do Uno, da meditação do Uno, assim também todas
as coisas nasceram desse Uno por adaptação.
O Sol é o pai, a Lua a mãe; o Vento transportou-o no seu ventre e a Terra é a sua ama.
Ele é o Pai de todas as maravilhas do mundo. É plena a sua força quando se converte
em Terra.
Separa a Terra do Fogo e o sutil do imperfeito, docemente, com grande engenho.
Sobe da Terra ao Céu e daí regressa à Terra, e recebe a força das coisas superiores e
inferiores. Assim obterás toa a clarividência do mundo, e toda a obscuridade se afastará de ti.

1
Apud por Roob (1997, p. 9). Esta versão foi retirada de KHUNRATH, Heinrich, Amphitheatrum sapientiai
aeternae, Hanover, 1606.

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É a força de todas as forças, pois vence toda a sutileza e penetra toda a densidade.
Deste modo foi criado o Mundo.
Assim serão operadas admiráveis variações e adaptações, para as quais é aqui dado o
meio.
E foi-me dado o nome de Hermes Trismegistos, porque possuo as três partes da
sabedoria de todo o universo.

REFERÊNCIAS:
EDINGER, E. Anatomia da Psique. São Paulo: Cultrix, 1990.
JAFFÉ, A. Ensaios sobre a Psicologia de C.G. Jung. São Paulo: Cultrix, 1988.
JUNG, C. G. Mysterium Coniunctionis. Petrópolis, Vozes, 1988.
______. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
______. Psicologia e Alquimia. Petrópolis: Vozes, 1994.
ROOB, A. Alquimia e Misticismo.O Museu Hermético. Lisboa: Taschen, 1997.
VON FRANZ, M.L. Alquimia. São Paulo: Cultrix, 1991.
______. A Alquimia e a Imaginação Ativa. São Paulo: Cultrix, 1992.

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