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Avtoe: SERGO FERfo © CANTEIRO E 0 DESENHO Texto publicaci originaimente em 1976, em duas partes, nos niimeros 2 © 3 da revista A/manaque, com os titulos “A forma da arquitetura e desenho de mercadoria” ¢ “O desenho"; e depois em livro, O canteiro # 0 desenho. S60 Paulo: Projeto, 1979 {reeditade em 2005, com apreesentagéo de Paulo Bice) 105 A FORMA DA FORMA-MERGADORIA Bu nfo parto [..] de “conceitos” [...] meu ponto de partida é a forma social ‘mais simples que assume’ produto do trabalho na sociedade contempordnea: amercadoria* Do comego. Na afirmagio de uso e senso comum, o objeto arquitetdnico, assim como a pa ou a arma, é um utensilio, AfirmagGo pelo menos destoante: sem “mé-fé", todos pressentimos que 0 uso hoje nao é muito mais que a con- ‘trafagio de uso e a funcionalidade, Alibi suspeito. No fundo, pouco importam ‘uso e funcionalidade, ex-nogées perdidas em desencontros. A palavra utensi- lio s6 aparece aqui por transferéncia. Porque, na verdade, a figura que tran- sita & outra: 0 objeto arquiteténico, assim como a pé ou a arma, é fabricado, Gircula e é consumido, antes de mais nada, como mercadoria. No interior do regime capitalista em que vivemos, a casa, a habitaglo, é uma mercadoria como nfo importa qual outra, que é produzida tendo por objetivo a finalidade geral da produgio capitalista, isto &, 0 lucro? 1 Karl Marg, “Notes Critiques surle Trité économie Politique Adolph Wagnes", emi Ocuares Pars: Pléade 1, 1968, p.1.545 Paul Singer, “Aspects eoondmicos da habitago populas”, em Semindrio de habit do popular Poblicagi 9 do Museu, Avs, 1962, p- 29 E nao somente a casa, a habitagao— mas ainda o escritério, a loja, a usina, a ponte, a praga, o monumento... As distingdes decorrentes da posigéo na pro- dugdo (componente do capital constante, da reprodugio da forga de trabalho ou o entesouramento burgués) ainda nfo pesam nesse nivel de generalidades. ‘Todo e qualquer objeto arquiteténico, entre nés, é um dos resultados do pro- cesso de valorizagiio do capital. Descreveremos rapidamente, adiante, a forma manufatureira atual da produgéo do objeto arquitetdnico. Convém resumir, para o que nos interessa neste momento, que é processo descontinuo, heterogéneo, heterénomo, no qual a totalizagio do trabalhador coletivo, sua raiz, vem inevitavelmente de fora, do lado do proprietério dos meios de produgdo, Sem essa totalizagfo, nas condigées dominantes de esfarela- mento e acefalia impostas & produglo, nio ha produto —e mercadoria, portanto. Recordemos algumas passagens de Marx que nos serao essenciais: O que estabelece porém a conexo entre os trabalhos independentes do cria- dor de gado, do curtidor e do sapateiro? A existéncia de seus produtos respec- tivos como mercadorias, O que caracteriza, ao contrario, a divisio manufa- tureira do trabalho? Que o trabalhador parcial nao produz mercadoria. S60 produto comum dos trabalhadores parciais transforma-se em mercadoria.* [...]a cooperagao dos assalariados é mero efeito do capital, que os utiliza simultaneamente. A conexiio de suas fungdes e sua unidade como corpo total produtivo situa-se fora deles, no capital, que os rete e os mantém unidos. A conexio de seus trabalhos se confronta idealmente portanto como plano, na prética como autoridade do capitalista, como poder de uma vontade alheia, que subordina sua atividade ao objetivo dela. Se, portanto, a diregaio capitalista é, pelo seu contetido, diiplice, em virtude da duplicidade do proceso que dirige, o qual por um lado é processo social de trabalho para a claboragao de um produto, por outro, processo de valorizagio do capital, ela é, quanto & forma, despética, Com o desenvolvimento da cooperagio em maior escala, esse despotismo desenvolve suas formas peculiares.* Indiretamente, nessas citagdes esto contidas as posigdes suficientes para a compreensto do desenho de arquitetura hoje. Eas nos permitem afirmar sinteticamente o principal de nossos coment&rios: « fungito fundamental do 3, Karl Marx, O capital. Tradugéo de Regis Barbosa e Flivio Kothe. Si Paulo: Abril Cultural, 1985, v2, £2, p.27g. 4+ Karl Marx, op.cit, v.21, p.265, desenho de arquitetura hoje é possibilitar a,forma mercadoria do objeto arquite- tinico que ser ele ndo seria atingida (em condigdes no marginais) Com efeito, o desenho de arquitetura é mediagiio insubstituivel para a totalizagio da produgio sob o capital. Dados seus pressupostos habituais (0 programa, enumeragao geralmente descosida de pegas e “fungées” salpicada de vagos propésitos; o “prego” limite; a técnica, menos escolhida que imposta pela conjuntura da procura de mais-valia; etc.), ¢ 0 desenho a partir de ela- borado que orientard o desenvolvimento da produgdo. Nesse primeiro emprego, conta pouco o que se queira chamar de qualidade ou adequagao, ou ainda o fato comum de ser continuamente adaptado a novos parémetros, de fornecimento ou de venda, de financiamento on de caricatura do que foi, ha tempo ja, 0 gosto. O que vale é que esse desenho fornece o solo, a coluna vertebral que a tudo con- formar, no canteiro ou nas unidades produtoras de pegas. Em particular —e & o principal —, juntard o trabalho antes separado, e trabalho a instrumento. Que esse desenho seja, em alguns de seus tragos, dependente de poderes supe- riores, que ndo nasga sendio j4 submetido ao capital, nao sdo restrigbes que amorte- gam sua necessidade estrutural: é parte indispensivel da diregao despética. Alids, falar de desenho como o conhecemos é conotar simnultaneamente dependéncia e despotismo, como na velha metifora do ciclista: cabega baixa e pés rancorosos. Porque néo é senio como raziio separada da concregéo, efeito da ruptura da pro- dugio pela violéncia, que foi feito o que é: parte que, por ser parte, é dominada e transmite para baixo as formas da forga sob a qual aparece, sofre e governa. Esperamos mostrar, no nosso texto, que a elaborago material do espago é mais fungio do processo de valorizagao do capital que de alguma coeréncia interna da técnica.* Para nés, néo hé divida posstvel, ¢ porque o canteiro deve 5 Nahipttese duvidosa de desenvolvimento téenico auténomo: de fato, aqui emergem os efeitos da mesma causa. As relagbessociais bisicas de produgfo conformam a técnica és suas imposigles. A literatura sobre esse tema é vasta e dispersa. Somente como indicagio, ver Critica da divisto do trabalho, textos escolhidos ¢ apresentados por A. Gorz. Sdo Paulo: Martins Fontes, 1980; A. Glucksmann, “Nous ne sommes pas tous prolétaires”, Les Temps _Modernes,n. 330 (jan. 1974), © 331 (ev. 1974); D. Pignon, “Pour une critique politique de la technologie”, Les Temps Modernes, n. 345 (abr. 1975); Y. Maignien, La division du travail manuel et intellectuel, Maspero, 1975; H. Marcuse, Ideologia da sociedade indusrial-o homem unidimensional Rio de Janeiro: Zahar, 82. Mendel, Pour une autre société, Pars: Payot, 976; para um ponto de vista discordante, ver. Habermas, Téenicae citncin como idelogia Lisboa: Kdigées 70,1986. Sobre a arquitetura e suas relages com a oxganizagio do canteiro, ver M. Tafuri, Teoree storia dell’Architttura Bari: Laterea, 1970; ¢ ainda L'Architettura delumanesimo. Bar: Laterza, 1972. i 1 ser heterdnomo sob o capital que o desenho existe, chega pronto e de fora. 0 desenho é uma das corporificagies da heteronomia do canteiro, Ou, para dizer amesma coisa mais claramente: 0 desenho de arquitetura é caminho obriga- tdrio para a extragio de mais-valia e nfo pode ser separado de qualquer outro desenho para a produgio. Detalhe sintomaticamente esquecido pelas teorias em moda, opostas nisso as que hipostasiavam, hé alguns anos, esses vinculos com 0 conjunto da produgao, como as de M. Bense ou A. Moles. Observagao: & por isso que os arquitetos que o quiserem podem exibir o titulo de trabalhado- res produtivos, se lhes agrada (trabalhadores produtivos no sentido da econo- mia politica do capital, é evidente). Se nossa afirmagao de que o desenho de arquiterura ¢ momento que no ‘pode ser eliminado do processo de valorizagao do capital aplicado na constru- __gio quase dbvia, cla merece, entretanto, alguns desenvolvimentos. Em espe- cial, a natureza desse desenho que nio existe sendio na separagao, dependente e autoritério, pede melhor exame. A FORMA DE “TIPO-ZERO" No canteiro, os planos e memoriais ~ dos arquitetos, dos engenheiros, da “equipe-pluridisciplinar”, tanto faz —, decodificados pelos mestres e comunica- dos como ordens de servigo, comandam o trabalho dividido. Nesse momento, repetimos, nfo representam mais que uma forma particular do despotismo da diregio capitalista. E, portanto, entre a forga produtiva do trabalhador parcelado e seu produto unitdrio que se interpde o capital, sob a forma técnica do trabalho de fiscalizagio e de unificagio das tarefas.* Esses planos e memoriais constituem, com efeito, os tmicos lagos imediatos entre as atividades dispersas de carpinteiros, pintores, encanadores, pedrei- ros etc., durante a produgéo material. Eles designam o a-fazer (e assinalam © affaire), assujeitam aos caminhos que outros determinaram a fabricagio espicagada, repSem deformado o que dela foi subtraido. O papel destes papéis 6 claro: retinem trabalho a trabalho, trabalho a instrumento, atividade feita acéfala & finalidade funcional (no sentido da escola de M. Weber). Mas, vere- ‘mos, é menos clara sua motivagio, pois, pelo simples fato de existirem, agra- vam essas separages que fingem reparar. 6 D.Deleule eF Guéry, Le corps productif Paris: Mame, 1972, pp. 39-40. 109 No canteiro, no momento da produgio, portanto, a razlo prioritéria do desenho ¢ introduzir ligadura, comunicagao e estrutura. Do que resulta que pode ser comparado ao que Lévi-Strauss chama de forma de “tipo-zero”: Mas nao ¢ a primeira vez. que a pesquisa nos apresenta formas institucionais de tipo zero, Estas instituighes s6 teriam uma propriedade intrinseca: introduzir as condigoes prévias a existéncia do sistema social do qual revelam e que se impée como totalidade pela sua presenga ~ em si mesma desprovida de significagio” Sabemos: a comparagio é talvex exagerada e valida somente para 0 papel do desenho no canteiro. Mas nfo nos precipitemos, ‘Ainda uma vez: 0 desenho pode assumir os padres dominantes ou ni, seguir a “fiungio” ou fazé-la seguir, ser qualificado como racional, organico, brutalista, metabélico ou como se queira no interior da confusio das pseu- dotendéncias, ser mais ou menos conformista em relagao ao “utensilio” que informa, ser modulado, modenado ou a-sistemAtico, ornar ou abolir o orna- mento: a constante tinica é ser desenho para a produgio. Entretanto, a necessidade técnica do desenho, excluidos casos de complexi- dade ou dimensdes extraordinarias, s6 se mantém se embrulhada em axiomas escorregadios. Note-se que as dimensées extraordindrias so raramente inocen- tes, Nao é sem motivo que a arquitetura, crescentemente, recorre ao discurso como acompanhamento diplomatico ao desenho. Afinal, na maioria das vezes, a construgao dos edificios é simpléria e monétona, quase mesquinha. Mesmo essa espécie de “atengéo flutuante” ou de atengao sendide de que fala A. Leroi- Gourhan,? obrigatérias para o operdrio ainda que feito meio autémato, como dizem, so suficientes para deslindar 0 mistério de farsa da construgio — desde que se oriente nesse sentido. $6 que tal orientagio é rara. Ko contrério seria aberrante: para que serviria na obra imposta o que nao pede resposta, feita de hora concreta apodrecida pela hora abstrata jugulante e que apaga a meméria da pena de que ¢ filha, sen‘io para rasgar mais a ruptura interna de cada um? Assim, se ndo contarmos as exceges de evidéncia primaria do que ha que fazer, o proprio trabalhador deixa que seja encoberta de promovida obscuridade a significagao para o conjunto dos atos que exerce. Sem diivida, for curiosidade deslocada ou dificuldade diante do embrutecimento requerido, alguns seguem “Logica” (generosidade das palavras) dos encadeamentos de etapas, das esperas, 7G Lévi-Strauss, “As orgunizacies dualistanexistem?”, em Antropologia extrutural. Rio de Tnneiro: Tempo Brasileiro, 1967, p85, 8 Ver A. Leroi-Gourhan, O gests ea pala, Lisboa: Raigles 70,1987. # i dos cuidados de previsio etc. Mas a maioria —e com maior motivo os trabalha- dores sem qualificagZo ou novos no canteiro, cerca de 70% do total — nfio acom- panha os porqués do que faz. Nao por incapacidade, insistimos (hipétese que implicaria o corolério de imbecilidade “natural” dos operarios), mas por justo desinteresse, por melancélico acantoamento defensivo na tarefa imediata e por- que a compreensio global, por um a priori instaurador do sistema, é coisa que nio Ihe cabe. A exclusio é intencional e suas conseqiiéncias programadas, Ora, retomemos ainda: essas condigées de incompreensio e alheamento, provocadas no interior do campo do.trabalho e que implicam conseqiiente- mente 0 desenho exaustivo que o comanda, sao as condigSes necessirias para a produgio enquanto produgdo de mais-valia. O desenho é assim nuclear para a produgdo que ¢ imediatamente mercadoria. Em outros termos, 0 desenho do produto acabado, enquanto tal, s6 afeta —e relativamente — as etapas de circulagao e consumo. Antes do acabamento do produto, 0 desenho é meio (mediagao ambigua, veremos) para canalizar para o produto acabado, para 0 momento em que adquire forma mercantil, para o produto coletivo, o traba- Iho dos trabalhadores parcelados. No nivel do canteiro, o desenho é o molde onde o trabalho idiotizado (na expresso de A. Gorz) ¢ cristalizado. A configu- ragioo ¢ 0 destino particulares dessa cristalizagio so aleatorios aqui: 0 que faz a lei é a deposigo (em todos 03 sentidos da palavra) dos trabalhos decompos- ‘tos no mesmo objeto. O desenho do produto é sobretudo desenho para a pro- dugio ¢ hé contradigées agudas entre esses seus dois papéis, o primeiro domi- nado pelo segundo. A realizagio da mercadoria ¢ etapa posterior e joga com outros coringas que a pura (e problemstica) adequagio ao uso: publicidade, caréncia, efeito-demonstragio ¢ a enrolada divergéncia entre a demanda e 0 desejo. Como a evidéncia ¢ evasiva, reafirmamos: a finalidade do desenho no canteiro, e que & hegeménica, é recolher a grande massa de trabalho disperso (particfpio passado: que sofreu aco de dispersio) na manufatura da cons- ‘trugdo em um tinico objeto-mercadoria, sem que preocupe muito a natureza desse objeto. Os lagos entre as fungées individuais dos trabalhadores e sua unidade como corpo produtivo aparecem fora deles, no desenho insepardvel de outras manifestagées do capital. Nele se exprime a poténcia de uma von- tade que submete seus atos & sua finalidade, despoticamente. I essa vontade, cuja finalidade mediata é a mais-valia, visa imediatamente, como pré-requi- sito, a concregio da mercadoria, Mies Van Der Rohe, quando propie a niio especificidade dos espagos, desce A crueza enquanto arquiteto a servigo do capital (quase tautologia). Desenha espagos vendaveis, cumpre sua missdo; o que deles é feito nio 0 ocupa. E, por isso, é capaz de passar do monumento (felizmente destruide) a Rosa Luxem- bourg e Karl Liebknecht ao Seagram's building. f. que nele encontramos como que o arquétipo da forma de “tipo-zero”, paralelepipedos andnimos prontos para qualquer — ou nenhum ~ uso. ‘A separagdo entre trabalho ¢ trabalho, trabalho ¢ instrumento, atividade feita acéfala e finalidade funcional, assim como a separagéo entre trabalha- dor e sua forga de trabalho sio manifestagées de uma relagio de produgio especifica. No seu interior, inversamente, é como enganosa relag&o que a separagdo se manifesta, do mesmo modo como no interior do espago posto em perspectiva, continente obtido por vazios e disténcias, os corpos isolados se fecham em si mesmos, unidos somente no olhar que dispde do espetaculo. L figurando relagdes que o desenho revela a separagio: a separagiio, negagio da unidade simples, é negada e, na negagio da negagio, no desenho, reaparece —mas sem o movimento da aufhebung: Reaparece integralmente porque essa separado negagio da separagdo ndo é experiéncia de uma unidade superior: negado é mantido dentro de sua falsa negagio. ‘A ligagéo que o desenho propée é ligagao do separado. Que se leia Viator, a, da perspectiva: para nos mantermos nos limites da metafora, em nada arbitr a ia Lesquelles plates formes sont commencées et dressées par les pavements aptement pourtraiz adnombrez et considerez sur iceulx les espaces et distances ou mesures opportunes. VHLONGE B, na adaptagio de L. Brion-Guerry: comegando por um desenho apropriado dos pavimentos que poderemos erigir os planos, intervalos e distancias sendo desenhados sobre eles € representados com as proporgées requeridas? E : z & 3 = m S : aT 20 Oe OO Wea er i e Fi de intervalos ¢ distdncias que se compie o quadro da perspectiva (logo voltaremos & questo da trama no chiio). Para ela, como para o desenho de arquitetura em geral, toda particularidade ¢ aleatbria (no tratado de Viator, 0s corpos sdo esquemiticos, contornos simplificados): na fungao de ligagao exterior do separado (que mantém o separado enquanto separado) deve guar- dar a mesma generalidade (universalidade abstrata) que @ que fundamenta o sistema. As perspectivas, como 0 desenho de arquitevura, so sinteses s6 for- mais: baseadas na autoridade ou do olhar privilegiado ou da posigao hierdr- quica do desenhista na produgio: na submissio brutal, portanto. 9 L-Brion-Guerry, Jean Pélerin Viator, Sa place dans Ukistoire de la perspective. Pais: Les Glassiques de L’Humanisme; 1962, p. 210 € p. 226. 112 ‘Assim, para a obra, o desenho nfo é representagiio de um objeto de uso. Representa, ou melhor, impde sincretismo ao trabalho parcelado, que deixa esfarelado para preservar sua missio unificadora, E como o trabalho foi idio- tizado, e como para o capital, na produgao, mais que nada interessa a reuniao dos trabalhos atrofiados pela desunido que cle mesmo provoca antes como con- digo para a extragio de mais-valia, sua coagulagdo sucessiva no mesmo objeto, em tese o desenho que possibilitar essa coagulaglo numa totalidade formal pode ser qualquer: forma de “tipo-zero” euja presenga, em si mesma despro- vida de significagao, permite, ao propesso de trabalho na construgio, de se pér como totalidade. Mas, porque pode ser qualquer, o desenho sera uniforme e totalitério. Bo que comentaremos, depois de um giro pelo canteiro. © CANTEIRO OBSTINAGKO: A MANUFATURA Chi puo dir com’egli arde, é in picciol fuoco. (Petrarca}!® A areia, a pedra sto descarregadas. Um servente as amontoa nos locais previs- tos do canteiro; um outro leva parte para o ajudante de pedreiro que ajunta Agua e cal ou cimento, trazidos do depésito por um ajudante diferente; um quarto despeja a argamassa em baldes ou carrinhos e a conduz ao pedreiro que coloca tijolos, faz um revestimento ou enche uma forma, seguido por seu ajudante que segura o vibrador ou recolhe o excesso caido. Em cima, 0 car- pinteiro prepara outras formas com a madeira empilhada perto dele depois de encaminhamento semelhante ao da argamassa e percorrido por ajudantes € serventes préprios; 0 armador dobra as barras de ferro assistido do mesmo modo e, por todos 0s lados, pintores, marceneiros, eletricistas, encanadores etc,, sempre rodeados por ajudantes e serventes, constituem equipes numero- sas, separadas, especializadas, verticalizadas. Avancada divisao do trabalho e, om cada parcela, hierarquia detalhada. Pés, enxadas, desempenadeiras, colheres, prumos, esquadros, réguas, fios, serrotes, martelos, alicates, goivas, plainas, rolos, espatulas etc. Instrumentos simples, isolados, adaptados as diversas operagies, resultado de lento aperfei- goamento ¢ diferenciagéo para um uso preciso, Mais raramente, betoneiras, elevadores, guinichos, vibradores, serras elétricas ete. Sempre, entretanto, 10 “Aquele que pode dizer como arde, s6 vive uma pequena paixdo”. Petrarca, Soneto 157. méquinas somente auxiliares nas tarefas pesadas; nenhuma operatriz que retina os instrumentos particularizados. ‘Um mestre transmite as instrugées, organiza a cooperagio, fiscaliza, impede atrasos: é, também, feitor. ‘A descrigio — de um quadro freqiiente em pais subdesenvolvido como 0 Brasil —é de tipica manufatura serial. Simplesmente, na produgio do espago, amanufatura é mével, néo seus produtos. Hi sinais evidentes de outras formas de produgio. Por exemplo, varios produtos industrializados intervém, no canteiro, seja como materiais de base (Cimento, ago, isolantes etc.) seja como componentes (equipamento elétrico, hidrdulico, caixilharia, paredes ou lajes pré-fabricadas etc.) seja como com- plemento instrumental (guinchos, betoneiras ete.). O conjunto da produgio e cada etapa, porém, so dominados pela estrutura da manufatura. E essa domi- nante estrutural define a produgao do espago, mesmo se nao é a mais avangada técnica ou historicamente. E, por isso, aliés, que as diferengas na organizagao do canteiro em pais subdesenvolvido e em pais desenvolvide, como a Franga, fora casos pontuais, podem ser limitadas as que distinguem 2 manufatura serial (baseada principalmente no trabalho interno e cumulative) da manu- favura heterogénea (baseada principalmente na montagem de elementos pré- fabricados). Nao negamos a importancia dessas diferengas, sobretudo para a analise das empresas, da diluigao de sua identidade e fechamento, no caso da manufatura heterogénea. Nao é a mesma coisa somar tijolos ou montar pai- niéis, malaxar 0 concreto no canteiro ou recebé-lo pronto, preparar as formas no local de utilizagao ou construi-las em galpio. Nada disso, entretanto, justi- fica as exclamagSes de industrializagao a cada aumento das dimensdes ou da quantidade dos guinchos, da pré-fabricagao. A transformagio da manufatura em industria, se chegar ao canteiro, pressupde ruptura mais funda. Mas, mesmo reconhecendo a importancia das diferengas que isolam a manufatura serial da heterogénea, ndo nos preocuparemos com elas neste . texto, Nosso objetivo é outro, mais esquematico e pré-cientifica— razio pela qual utilizamos exemplos e informagées sem cores nacionais ou locais. Entretanto, se nos desviassemos de nosso tema — as relagées da desenho de arquitetura com a organizagéo do trabalho no canteiro ~, encontrariamos em outros critérios de avaliag&o, como a composigio organica do capital, indice relativo de salirios, composigéo da forga de trabalho etc., elementos indiretos de apoio para a nossa caracterizagao.t 11 Ver, além dos conhecidos estutlos de C. Topalov, F. Ascher e J. Lacoste, Les producteurs du cadre bat, 4, vols. Paris: Cordes, 1972, e A. Touraine, La conscience owuridre, Paris: Seu, 1966. Repetimos: a manufatura da construgio, feita de equipes internamente hierarquizadas, provoca uma divisio avangada do trabalho — avangada como se diz de um estado patologico. Vejamos primeiramente alguns aspectos orga- nizacionais dessa divisio tida como técnica, isto é, neutra. Voltaremos depois para outras observag@es. ‘Na indistria, a divisdo é em grande parte regulada pelo processo objetivado | de produgéo, pela cadeia de montagem, por exemplo. Ou, mais modernamente, i pelo sistema de empregos que dissolve a importAncia do posto de trabalho na nova estrutura industrial.** Aparentemente, o que a provoca so as necessidades suplementares do maquindrio, os momentos da produgio ainda nfo automati- zados — momentos de escolha, reparo, readaptagio etc. Aparentemente: 0 glacis do capital, que é o real suporte, colore todas estas figuras, com perdao para a | metéfora de pintor:** Em conseqiiéncia, ou o trabalho é “desqualificado”, enco- | Ihido em alguns comportamentos regulares e simplérios** ou se faz mais trans- | setorial, vinculado a uma série horizontal qualquer do complexo tecnologico i disponivel.‘? Em todo caso, 0 trabalhador industrial tem mobilidade possivel, ‘escapa das amarras do ramo produtivo exclusivo. Na manufatura, ao contririo e apesar do mesmo glacis, o essencial é a des- | teridade, a habilidade, a presteza ¢ a quantidade de esforgo compativeis com a unidade de produgio, o trabalhador, sua equipe e seu instrumento, postos sob i; a pressio do mestre. A produg&o nao abandonou seus fundamentos muscula- | res e nervosos, no adotou a independéncia relativa dos processos mecinicos e automaticos, Prisioneira, em grande parte, de fatores subjetivos, aprisiona necessariamente os que a constituem tecnicamente. Seu micleo é o trabalha- dor coletivo, trabalhadores parcelados em colaboragiio forgada: A maquinaria especifica do perfodo manufatureiro permanece o proprio trabalhador coletivo, combinagdo de muitos trabalhadores parciais.** ‘Mas nem por isso ha manutengo das tradicionais divisdes dos oficios, campos diferenciados de técnica ampla e homogénea. K, como se houvesse fratura- ‘mento desses oficios (se imaginassemos uma historia imanente das forgas de produc), conservando, entretanto, uma caracteristica importante de sua a2 VerP. Rolle, Introduction & la sociologie du ravail. Paris: Larousse, 1973. 1g, Ver A. D, Magaline, Luta de classes e devalorizagao do capital. Lisboa: Moraes, 197 14 Ver G. Friedmann, O srabatho em migathas, Sio Paulo: Perspectiva, 1972. 1 VerP. Rolle, op.cit. 16 Karl Marx, O capital, op.cit, v1, 1, p.275, constitnigdo: a condensagio de gestos e procedimentos do trabalho no indivi- duo e nfo exteriorizada na maquina. A condensagdo é menos larga que nos oficios (estamos longe das corporagées): a repetigao do mesmo género de ope- rages mitidas no interior das equipes, ds quais cabe 0 mesmo tipo de servigo sempre na imobilidade quase secular do canteiro, dispensa ao conhecimento a busca de generalidade. As equipes, e mais ainda o trabalhador, sd acantona- das em tarefas limitadas, reduzidas a wma area estreita. Tecnicamente esgar- gado entre a autonomia nem sempre leve do artesio ¢ a oca disponibilidade do trabalhador iridustrial, o trabalhador manufatureiro parece servo de seu ramo produtivo. Em particular, o conflito entre um certo orgulho ““profissio- nal” ¢ as pressies da organizagao do trabalho, abafado sob a ameaga constante de desemprego no setor, gera uma violéncia tfpica do comando que recorda a * da servidao. O enrijecimento da organizagio ante o subjetivismo de suas par- * tes provoca tensées permanentes que logo estudaremos.7 O ideal sempre aspirado pela manufatura da construgéo é 0 da unidade de servigo e da sepatagio cuidadosa das equipes. Os desencontros sem conta, perceptiveis em quase todos os canteiros, tém origem, em parte, nessa tendén- cia ao ilhamento dos varios passos que o compiem: os colocadores de portas ¢ pegas que deterioram o revestimento, o qual, por sua vez, bloqueia as esperas deixadas por eletricistas e encanadores, os quais so obrigados a reabrir as paredes erguidas pelos pedreiros... No canteiro, cada etapa deve ser executada de uma sé vez e pressupée outra anterior acabada: a simultaneidade rara- mente & permitida (salvo se a intengio da simultaneidade é acelerar a suces- sio~& comum, por exemplo, fazer intervir uma equipe antes que outra tenha esgotado seu tempo previsto e, portanto, sua tarefa. Assim, a segunda é apres- sada pela primeira, eujo tempo também contado jé corre. Dupla vantagem: redugdo do tempo global e criagio de hostilidade entre equipes). Na indistria, é sabido, o principio marcante é o da simultaneidade ~ 0 que, lateralmente, provoca difrag&o na apreensio de seu objetivo, a apropriagdo da hora abstrata. Marx sublinha a incompatibilidade entre a divisio manufatu- reira e a industrial do trabalho: A prépria manufatura fornece ao sistema de méquinas [...]o fiindamento naturalmente desenvolvido da divisdo ¢ portanto da organizagéo do processo de produgao. Ai se introduz, porém, imediatamente uma diferenga essencial [..] Embora o trabalhador seja adequado ao processo, também 0 processo ¢ adaptado antes ao trabalhador. Esse princfpio subjetivo da divisao é suprimido / 17 Ver A. Touraine, op.cit, pp.55-54 na produgio mecanizada. O proceso global é aqui considerado objetivamente, em sie por si, analisado em suas fases constituintes (...] Se na manufatura 0 isolamento dos processos particulares é um principio dado pela propria divisio do trabalho, na fabrica desenvolvida domina, pelo contrério, a continuidade dos processos particulares.® Sucessio contra simultaneidade, isolamento dos processos particulares contra continuidade, especializagao dos estigios contra fluidez, sincretismo contra osmose, somatério contra integral: pares de oposigées fundamentais para o entendimento do canteiro. E, se cruzarmos essas oposigées com a cor viva do ptinc{pio subjetivo da divisdo na manufatura, a produgdo do espago comegar& a aparecer em sua especificidade ~ e violencia. Na verdade, alids, a simples aproximagao de um canteiro assustaria, no fosse a preparagdo que nos habitua as aberragSes. B, sobretudo, se sao fami- Jiares, cotidianas. Visto de uma certa distancia, o canteiro é eminentemente ago concatenada: os gestos de cada operdrio, compostes com os complemen- tares de outros operdrios, seguem uma ordenagio precisa. O axioma fundador de um dos métodos mais utilizados para o controle dos tempos produtivos no canteiro — o das observages instantaneas ~ é a evidéncia dessa ordenagao.** Mesmo se a ordenagio néo se deixa compreender com facilidade, sua pre- senga é dbvia. E seu espetdculo, visto dessa distancia, sustenta as corriqueiras imagens que se querem positivas sobre os construtores, degradagao para uso retérico do mito de Dédalo Porque, de mais perto, se procurassemos, em nenhum momento localizariamos 0 acordo que corresponderia a desejo de cooperagio. E notariamos, entre outras decepgies, que a totalizagio do tra- balhador coletivo é fungao particular, fungao do mestre. i dele que partem as ligagdes entre as equipes ~ e cada equipe s6 de sua cobertura abrangente recebe a substncia que a mantém. Como em Liebniz, 0 caminho eficaz entre duas ménadas passa pela monas monadum, por deus ou pelo mestre2* E desde que haja “mestre” — em Hegel, na universidade ow no canteiro— ha “escravo”. Dédalo, arteséo de e do brilho no mito, desdobrado irreconciliavel- mente em poder e ago submetida, em saber e dever, inclui agora um talho desfigurador. 18 Karl Marx, O capital, op.cit,,v.1, 2, pg. 1g Ver E. Olivier, Organisation pratique des chanters, vols Paris: EME, 1968, pp. 84-85. 7 20 Ver F. Frontisi-Ducroux, Dédale: Mythologie de Vartisan em Grice Ancienne. Paris: Maspero, 197 a1 Ver M. Serres, Hermes 1: La communication. Paris: Minuit, 1968, pp. 154-264, Mas mesmo o mestre, se é mestre no canteiro, nfo passa de elo secundario na cadeia de poderes. ff leitor submisso de planos, memoriais, cronogramas de origem exterior e anterior A obra. 0 canteiro é s6 ago: visto de uma distancia ‘um pouco menor, é ago heterénoma ~ e, portanto, monstruosa. Heteronomia: “condig&o de pessoa ou de grupo que receba de um ele- mento que Ihe é exterior, ou de um prinefpio estranho & razo, a lei a que se deve submeter” 2 Nio inclui lei escolhida e assumida, razo propria: é deter- minado por ausentes que, de algum ponto da seqiiéncia de heteronomias, impdem a cada um 0 movimento separado. Diminuida a distancia, perdida a imagem de concatenagio endégena, o movimento mostra que é movimento de quase ensimesmados teleguiados, desenha uma espiral cujo né interior & a solidéo pendurada a uma vontade distante. Incoerentemente, ainda dessa dis- tancia menor, a ago conta passividade. O objeto & procura de corpo, o modo e a cadéncia de sua incorporagio so dados como que celestes, despejados das alturas dos artistas, dos proprietarios, dos s4bios. Como barra, interpem-se éntre operario e operario, entre equipe e equipe, entre sujeito e sua forga de trabalho. Como cadeia, ceifam o impulso nem bem esbogado ou jé desistido de nascer, retendo somente o programado ato ~ assim falho. Atengio: hé perigo de inversio de imagem, o que favorece muita ves- guice teérica. No discurso autojustificativo da técnica, o resultado é posto como causa. Estamos diante de um retorno bastante embaralhado, espécie de feedback caolho, apresentado como o tmico trajeto de ida da questo. A partir da separagio entre ago e vontade determinante — separagio que com outras abre a brecha para a extragio de mais-valia— 0 trabalho escorrega no sentido da tarefa absurda e sem conexio interna. A desagregagio, exi- gida pelo comando, de toda organicidade na base (organicidade que suporia a responsabilidade auténoma) reduz a cacos estranhos uns aos outros os momentos do trabalho, cujo principio, contraditoriamente, é subjetivoe A. segregago de equipes e operdrios (em “grande mimero”, nfo esquegamos) xequer, como efeito inverso da segregagéio, um catalisador exterior para che- gar ao produto — que, enquanto mercadoria, é a “forma social mais simples que assume 0 produto do trabalho na sociedade contemporartea”. Esse “sim- ples”, portanto, integra ruptura, violéncia, descontinuidade. (Seu correlato no sistema é, por um lado, 0 patronato; por outro, a “sélida unidade” operd- ia, feita de vacuo introduzido que, fazendo vazio na matéria ou na “massa”, a A. Buarque de Holanda, Novo diciondrio da lingua portuguesa. So Paulo: ENF, 1975. 25, Ver André Gorz, “Técnica, ténivos e uta de classes” em Critica da divisto do trabatho. ‘Sio Paulo: Martins Fontes, 1980. chama a si o que o envolve. O outro da segregagio nlo é 0 bloco monolitico, mas as mil flores. Sua rejeigéo é necessariamente divergente.) O que foi des- feito ndo pode mais dispensar a preparago minuciosa de sua exploragio ~, a partir dai, as “necessidades técnicas” justificam o comando. Na verdade, 0 comando ¢ a conseqiiéncia da oligofrenia forgada e da irresponsabilizaglo dos produtores imediatos por todas as formas que a violéncia sabe tomar. Mestres, planos, memoriais, cronogramas, a hierarquia estrangeira, tais como os conhecemos, formam o contrapeso de uma ago dependente porque feita acéfala. Retomemos: “é o trabalhador coletivo... que constitui o meca- nismo espectfico” da manufatura. Os gestos e procedimentos do trabalho nfo esto exteriorizados na maquina: sio homens que os carregam na sua carne, na sua experiéncia. Por outro lado, entretanto, esses mesmos homens ‘yéem seu trabalho espicagado em momentos absurdos sob o comando alheio e devem, a quem compra sua forga de trabalho, um comportamento de oli- gofrénicos. A inabilidade de nossa exposig&o nos obriga a seguir um lado e, depois, 0 outro: 0 salto constante seria fatigante. Mas tal é o ritmo exigido do canteiro. Em cada passagem, a oposigao entre a ancoragem subjetiva do saber prético e 0 desmembramento do trabalho manufatureiro esta pre- sente. A separagdo polimérfica nfo tem data e sua reabertura sem tréguas alimenta cotidianamente a produgao enquanto processo de valorizago e reprodugio do capital. COLA E RACHADURA ‘Vejamos primeiro um pouco da (re)organizago que condiciona a atividade seccionada— com um exemplo entre muitos possiveis, Supomos que um carrinho ligue, no solo, uma betoneira a. uma plataforma que sobe até o andar (em que o concreto é necessirio), movida por um. guincho. O carrinho transportado pela plataforma distribui o concreto no andar e desce novamente pelo guincho até o solo para ser carregado de novo na betoneira. O sistema comporta trés carrinhos.[...] O ciclo de trabalho compor-se-4, pois, da seguinte maneira: Operdrios 1 ¢ 2: (carrinho) © 1, Recepgio do concreto no carrinho > 2, ‘Transporte até o guincho D 3. Espera © 4 Recuperacao do carrinho vazio de volta do andar © 3. Fixagio do carrinho cheio > 6. Volta & betoneira com o carrinho vazio p_ 7. Hventualmente, espera na betoneira Operdtio 5: (guincho) D8. Espera pelo descarregamento do carrinho vazio e pelo carregamento do carrinho cheio > 9. Subida D_ 10, Espera pelo descarregamento do carrinho cheio e pelo carregamento do cartinho vazio > 1, Descida 12, Espera eventual pela chegada do carrinho cheio Operdtios 4 ¢ §: (carrinho) 13, Retirada do carrinho cheio da plataforma do guincho 14. Fixagio do earrinho vazio 1g. Transporte do concreto até o local de utilizagéo 36. Espera eventual antes da utilizagio x7. Descarregamento no local de utilizagio 18. Volta a plataforma com o carrinho vazio ag. Espera eventual pela chegada da plataforma trazendo um carrinho carregado* wLouyoo Cinco operdrios. Os “n1 e 2” cumprem 7 fases (3 operagBes [0], 2 transportes [5] 2 esperas [p]); 0 “n. 5”, 5 fases (2 transportes, 3 esperas); os “n™ 4€ 5,7 fases (3 operagies, 2 transportes, 2 esperas). “Operagées”, para a work-simplifi- cation, denota receber a argamassa num carrinho, amarrar e desamarrar 0 car- rinho ao guincho, descarregar a argamassa. “Transportes”, empurrar o carrinho, manobrar 0 guincho. “Espera”, suspenséo vazia, Em média 1,5 minuto por fase, 6 ciclos por hora, 8 horas por dia (ou mais durante os periodos de concretagem) ¢, assim, durante meses e meses. Uma equipe ~ de transportadores — como as ‘outras: os mesmos passos fridos e raquiticos, as mesmas pausas brantcas, intermi- navelmente a mesma asfixia, o mesmo vinculo externo —o transporte ~ frente & massa de cumhas divisoras ~ origem, espago (2 em cima, 2 embaixo, 1 no guin- cho), salério (4 Mz, 1 C1), atividade, endormecimento, ritmo ete. . Gorz niio exagera chamando de idiotizado esse tipo de trabalho. Mas nao repetiremos as intumeras e dolorosas andlises jé feitas, a partir de Marx, sobre 24 G:Pastrand, Lexploitation du chantier, 2 vols. Syndicat National du Béton Armé et des ‘Techniques Industrialisées, s/d, p. 34.€- 57: 120 esse tema. Se insistirmos, entretanto, em anoté-lo é que na construgéo, como -veremos depois, esse fracionamento entra em conflito com outras exigéncias simulténeas. Mas continuemos a seguir 0 canteiro. ‘Uma infinidade de parcelas primérias de trabalho, quase todas do mesmo género que as dos transportadores, é adicionada no interior das diferen- tes e numerosas equipes, Bastaria esse parcelamento, que ultrapassa todo conjunto minimo de comportamentos ainda organica e significativamente coerentes, para assegurar o poder hierarquizador. Dividir para reinar e sugar, lugar-comum nem por isso abandonado. Mas, na fobia por todo germe de reago, os meios de controle sdo multiplicados. As varias legislagées do tra- balho, por exemplo, proporcionam ao empregador um prazo que chega a ‘trinta dias (28 na Franga) para testar os operarios antes de aceitar qualquer compromisso mais duradouro. E, ébvio que o teste nao verifica grande coisa no nivel da qualificagao: 0 nosso transportador deve se mostrar capaz de empurrar 0 carrinho em 1,5 minuto, ito horas por dia, sem atrasos, tarefa de mula ritmada. De fato, é testada a subserviéncia — inevit4vel, aliés — aos esquemas ¢ critérios da produgio, a abdicagao de qualquer reinvidicagao nao permitida. Testado durante um més, o operério ganha direito a contrato mais estavel. Entretanto, mesmo provada a subserviéncia, o controle nfo enfraquece. Todos os dias, o mestre anota, de manhi e de tarde, as horas de trabalho efeuadas, atrasos, auséncias, produtividade, os raros prémios etc. As normas do salario no canteiro provocam a inseguranga indispensavel para a manutengio do dominio. Sob a constante ameaga, a paga de fome segue as anotagies freqiientemente aleatérias, suspensas a arbitrariedade do mestre que é necessirio abrandar com os mil jeitos da adulagio. Envolvimentos quase intiteis, fora o custo em dignidade: se o mestre, por destize de compre- ensio, ensaiar benevoléncia, os planos, orgamentos e cronogramas o denun- ciarfo por sou desvio, Nao esquegamos que as regras da boa diregdo obrigam a vigilancia do empresério sobretudo a propésito das falhas em relagio 4 previsdo (regras de Fayol). E, se nos detivermos no modo como a planificagio é elaborada, sentiremos Jogo que tais amolecimentos so impossiveis. Sigamos mais uma vez Pastrand, cujo estudo tem o peso de representante do Syndicat National du Béton Arme et des Techniques Industrialisées (francés). Suprimidos os tempos anormais (2], podemos ter os dois casos seguintes: 1. Primeiro caso: 0 néimero de tempos levantados ¢ superior a 10. Por definigao ' [?] escolhemos como tempo (a figurar na planificag&o) o ultimo tempo do primeiro tergo, depois de ter classificado os tempos em ordem crescente. 2, A operagéo que foi executada uma vex em trés, em um tempo bem determi- 121 nado, deve poder ser feita constantemente neste tempo que 6 0 minimo standard, [..] Quanto ao operdrio mesmo, é preciso nao tolerar nenhum movimento init. Assim é feita a planificagio: o “tiltimo tempo do primeiro tergo” e 0 que foi realizado “uma ver sobre trés” — nem mesmo a média em um trabalho j& submerso sob muiltiplas presses. A cad@ncia acelerada aspira toda energia, inclusive a no disponivel, e a canaliza para a execugdo centrada em torno da produtividade. Nenhuma reticéncia para a compreensfo, para a critica, para a revolta. Como o tempo, escolhido “por definigo”, nao tolera “nenhum movi- mento imitil”, a produgio enquadra 0 corpo com censura repressora de qual- quer impulso que nao tenha por horizonte o valor. Durante periodo em que & proprietario da forga de trabalho, o empreendedor zela contra sua usura e se horroriza se seu suor escapa ao papel de esperma reprodutor, na boa tradig&o crista. Depois... Nao é a fadiga que o preocupa, afinal o sono repée a forga de trabalho em condigées quase iguais as anteriores. Mas que o gesto nilo se grave no material é pecado de perverséo; 1,5 minuto na série sem limites — ha mui- tas pausas, entretanto. Os poros na produgao, apesar de exprimidos pelo ritmo “uma ver sobre trés”, desarranjam ainda. I. os programadores continuam: Constatamos que o guincho espera durante as operagdes 4 ¢ 5. Com os operarios 4 € §, 0 guincho esperar ainda durante as operagdes 13 ¢ 14, que, como as operagées 4 € 6, sto relativas ao carregamento ¢ ao descarregamento da plataforma do guincho. [..] podemos admitir que dando ordens precisas sera suprimida toda espera na betoneira (fase 7) que deve estar A disposigao dos transportadores. [.-] Suponhamos que cada fase dure 1,5 minuto em média, o que, na origem, pede sete fases por ciclo completo, seja 1,5 x 7 = 10,5 minutos, correspondendo a seis ciclos por hora. Se o carrinho tem uma capacidade de 00 litros (correspondendo a da betoneira), vé-se que o rendimento horério vizinho de: 6x % m° /h = 3m’ /h ong m*/hx 8 = 24 m°/dia. ‘Reduzindo o mimero de fases a 6 ganha-se 1,5 minuto por citlo ou por % m*, o que dé um rendimento de: 1,5 x 6 = g minutos por ciclo e 3,5 m*/h e 5,5 x8 = 28 m°/dia. Suponhamos agora que estabelegamos um sistema permitindo reunir as operagies 4. € 5 €2 € 14, seja, um ganho de 1,5 minuto ainda no nosso ciclo. O novo tempo é: : 25 G. Pastrand, op.cit, p. 34. 1,55 = 76 minutos, do que decorre um rendimento horirio de 60/75 = 8 carrinhos por hora, seja 4 m* /h e, por dia, 4x 8 = 32 m’. No primeiro caso, obtemos uma melhoria de rendimento de: 4.m?/og = 1/6 = 16,66% No segundo caso, obtemos uma melhoria de: 8/24. =1/3= 33,33%, o que é consideravel.* “Melhoria de rendimento” tem um putro nome também, aumento da mais- valia relativa. O qual, no caso, é mais que compensador, j4 que nao implica nenhuma aplicagao nova em capital constante fixo, uma das vantagens fun- damentais da forma manufatureira de produgdo.” Nota: ha aqui matéria para uma confusio comum. O rendimento de um cantéiro é obtido pela formula (ideologica) M/m, em que Mé a “mio-de-obra” e ma totalidade dos “mate- riais produtivos” (grosseiramente, 0 capital constante circulante, descontados os materiais de manutengio). Na Franga, em média, a relagio ¢ proxima de 1: O rendimento cresce com a diminuigao do indice, o que quer dizer que a mesma massa de salarios manipula uma massa maior de materiais. Ora, fre- qiientemente e de modo absurdo, a diminuigao do indice é apresentada como sinal de industrializagao. Uma das razées dessa falta ¢ simples: como a meca- I nizagaio do canteiro é precaria e nao atinge o essencial (trata-se de manufa- | tura de modelo bastante tosco), a melhoria do rendimento vem, em geral, do | aumento da exploragéo do trabalho, o que encontra disfarce na referéncia deslocada & industrializagéo. | De fato, as parcelas primarias de trabalho, decompostas e recompostas it pela légica flutuante da organizagao da produgéo, so apertadas e reaperta- {i das continuamente umas contra as outras para evitar quaisquer poros. Nesse sentido, hé “progresso” ainda possivel; a organizagéo do canteiro esté “atra- sada”. Basta citar, como exemplo, a impraticabilidade dos métodos mais atuais de cronometria, indispensaveis j4 na indistria. A propésito, é curiosa a elasticidade da matemitica nessas programagGes “cientificas”: sempre que ‘ha virgulas, as aproximagées sio feitas contra os operdrios, a favor da maior densidade (no exemplo anterior, 10,5 minutos x 6 = 60 e nfo 63, minutos; 9 minutos x 7 = 60 também, pequenas incorregdes que resultam em 24 minutos por dia, 5% do dia de trabalho). & evidente que uma das causas principais do 26 G, Pastrand, op cit., pp.54-37. 199 a7 VerK. Mars, Ocapital, op.cit, seego 4 do livro 1. cespicagamento do trabalho na construgio é preparar as condigées para tais xecomposigées serradas. & preciso comegar pelas tarefas simples, elementares, comportando um niimero restrito de atividades, e proceder do seguinte modo: 1. Decompor toda tarefa em elementos simples: em atos elementares que hha de distinguir e locelizar durante a observagiio [...] Note-se que: —a tnica fase produtiva é a operagio, que se executa no posto de trabalho, quer se trate de uma agéo direta modificando o material, o produto ou 0 elemento da obra (trabalho eficaz), ou de uma agio indireta indispensivel para a realizagio da obra [..] a fase de controle ¢ [...] necessdria mas imitil se a montagem é correta; ~as fases de transporte, espera e estocagem no valorizam em nada o produto acabado, mas, ao contrério, aumentam o tempo de execugio, a fadiga []e, portante, o prego de custo. A simplificagao do trabalho procuraré, pois, eliminar, ou ao menos reduzir ‘o mais possivel, essas fases improdutivas. [...] 0 estudo do trabalho se orienta assim para a observagéio minuciosa e detalhada dos movimentos ¢ elementos gestuais, cuja seqiiéncia e encadeamento constituem de fato o modo operatorio, Seré, pois, necessdrio que o observador conhega perfeitamente os principios da economia dos movimentos, explorados na maior parte das indistrias e nos quais pode se inspirar para simplificar 0 trabalho. Deve principalmente se interessar pela amplitude dos movimentos, pela sua simultaneidade, sua continuidade, seu encadeamento, sua intensidade, seu ritmo." Ritmo, intensidade, amplitude, distinguidos, classificados, sfo selecionados, aprimorados, distribufdos nos gréficos para a caga ao trabalho “eficaz” (e para 0 bem-estar do operdrio, quase acreditamos: segundo Olivier, as pausas fati- gam). A eficdcia engorda com a separagio que domina, coms categoria, todas as perspectivas: temporais, espaciais, qualitativas etc. Separar-para reinar faz da separagio a esséncia do reino. * Mas hé mais: é forma de defesa também. A quantidade dé meios mais ou menos articulados que introduzem a divisio no interior do processo de pro- dugao, teoricamente caracterizado pela colaboragao do trabalhador coletivo, ¢ enorme. Com a indiistria, o parcelamento das atividades atinge os extremos 28 E. Olivier, Organisation pratique des chantiers, » vols. Paris: EME, t., PP-75~-77. 124 da nao-qualificagio ou a qualificagio perde a especificidade do posto de tra- balho, De qualquer modo, o operario é transformado em uma espécie de com- plemento disperso da maquina. Os lagos fomentados pelo saber e pela prética cotidiana sao relaxados pela mediagéo mecdnica. Ora, o estreitamento desses lagos 6 espontaneamente provocado pela natureza da manufatura. Ocasifio de alarme para o sistema, pois esse género de aproximagao entre trabalhadores 6 considerado como potencialmente ameagador. Assim, por exemplo, as tradi- cionais organizagées de compagnons, tipicas da construgéo, tiveram de escapar pela oposigéio clandestina ou foram quase forgadas a adotar cobertura politica reaciondria. Nunca, porém, foram constatadas sem aversio.% Por isso, o medo, associado aos requisitos da dominagao, provoca reagio — constituida funda- mentalmente por uma série de medidas desconexas, focalizadas no aprofun- damento da divisio. Fé fatal que seu emaranhado esbarre em contradigées, intensificadas pela ansiosa pressio. Apesar dos riscos e da ameaga laterites, entretanto, a forma manufatureira de produg&o do espago é mantida — por mil razées que no discutiremos neste texto, E, com ela, permanecem também ameaga e riscos, representados pela quantidade e qualidade dos lagos evocados entre operdrios. Como precaugao, hé hemorragia de investidas preventivas: insisténcia na sucessiio das equipes separadas; impedimento, enquanto possivel, de toda simultaneidade (o que contraria a propensio para acelerar a rotagao do capital); estruturagao diversa das equipes, mais rigida, por exemplo, nas situadas sobre o caminho critico dos pert e proporcionadamente enfraquecida na medida do afastamento; determinagao heteréclita dos ligamentos externos que definem funcional- mente cada equipe; quase individualizagao dos salérios (multiplicidade de taxas hordrias, variago do miimero de horas, horas suplementares irregula- res, faltas, taxas de produtividade, prémios... a lista é inesgotdvel); dispersto espacial; rotagdo entre canteiros; qualificagao extremamente complexa apesar de achatada (oito niveis para os empregados em alvenaria e concretagem na Franga); hostilidade promovida pela superposigao dos tempos de trabalho; ahierarquia sempre exasperada... etc. etc. A diregao do canteiro estimula a separag&o com orientagées que reclamam acrobacias para cabere nalizagao” tecnolégica. Um populismo teatralizado tenta imagem inversa de companheirismo “profissional” ~mas sua hipocrisia se denuncia ao menor contratempo. Quase que a teatralidade mesma jé assinala o que quer escon- der: muita cola trai a rachadura. 12g Ver E, Coomaert, Les Corporations em France avant r789. Paris: Bd. Ouvriéres, 1968, A Snsia em segregar é tio forte, que, por vezes, chega a contrariar 0 sacros- santo critério da rentabilidade imediata, geralmente hegeménico na cons- ciéncia dos empresarios. £ 0 caso, entre outros, do tratamento dispensado as equipes “por tarefa”. De habito, so mais produtivas, como provam os estudos de job enlargement (estudos desenvolvidos sobretudo pelo movimento de work simplification de AH. Mogensen, do qual, alias, Pastrand é adepto).* Para os trabalhadores, esse tipo de equipe permite maior maleabilidade no ritmo e na atribuigio dos postos de trabalho, maior autonomia, menos fadiga, uma com- preensdo alargada da produgéo etc. Mas é notavel também um aumento na coesto do grupo, o que facilita, pouco a pouco, a obtengo de pequenas vanta- gens: transferéncia de algumas responsabilidades para fora da equipe, aquisiggo de prémios e reforgos que so incorporados como parte normal do salério, com “o tempo ete. Conquistas, em si, bastante ambiguas"* Ambiguas mas suficientes ‘para envolver esse tipo de equipe em descorifianga. A submissio que é somente formal da manufatura da construgo ao capitalismo tardio corresponde a pre- feréncia pela organizagio do trabalho que também somente na forma é subme- tido (segundo a hipétese de D. Pignon e J. Querzola no artigo citado) ~ mesmo se em outros setores da produgio, menos dominados pelo trabalhador coletivo, a submissio real fez suas provas. Aparentemente, o despotismo inerente & dire- do manufatureira tem como dever de eficiéncia que se mostrar, 0 que néio é incoerente com a teatralizagGo populista, como vimos, Em conseqiiéncia, provi- déncias de contra-ataque sio adotadas e recomendadas pela work simplification aplicada aos canteiros: no deixar ficar na obra, ao mesmo tempo que esas cequipes e sob nenhum pretexto, qualquer outro operério; impor o desmante- lamento da equipe assim que cesse sua atividade contratual e antes que outra equipe comece seu servigo. Os perigos de uma organizac&o auténoma dos traba- Thadores no seu interior so demais para a manufatura que deles é feita. Mas o receio gera modos de segregagio mais sutis. POUR FINIR ENCORE ‘Talvez voces estejam confusos com a prépria simplicidade da coisa... Talvez 0 mistério seja um pouquinho simples demais* “ 30. Ver, arespeito, G. Friedmann, O trabalho em migalhas. SGo Paulo: Perspectiva, 1972, caps UV 31 Ver D. Pignon e J. Querzola, “O despotismo de fébrica ¢ suas conseqiiéncias”, em Critica dda divisto do trabatho, Sto Paulo: Martins Fontes, 1986. 32 EA. Poe, “A carta roubada”, em Os assassinatos da rua Morgue/A carta roubada. S80 Paulo: Imago/Alumni, 1999, p. 8 ‘A auséncia de objetivagio mecanica na manufatura, do aparelhamento cuja aparéncia sugere & nossa credulidade o rigor da razdo, num tempo em que a razao foi feita adequagao de meios a fim, sem julgamento do fim, nao {facilita a confusio entre técnica de dominagao e técnica de produgio.* O arbitrario do comando e a explorago tendem a transparecer, ao contrario do que se passa na industria, O rosto frio do maquinario nfo pode iludir 14 onde os meios de produgio sao de carne. Os estudos sobre a construgio muito facil- mente esquecem essa particularidade que a marca. Como explicar de outro modo 0 que dissemos sobre as equipes, em particular sobre as equipes “por tarefa”, ou ainda a instabilidade ser tréguas nesse setor que, teoricamente, deveria buscar estabilidade aciimulo de experiéncia? Os obstdculos ao apro- fundamento do saber para a produgio sb podem ser interpretados como sin- ‘tomas da emergéncia temida e sempre eminente do conflito entre a imagem da técnica de produgio e as correntes polimérficas da técnica de dominaga Ainda uma vez: no canteiro, sio homens que carregam os gestos e procedi- mento’, gravados por continuo exercicio coletivo, que compdem o micleo do trabalho. Poderiamos esperar que a prética depositada nessas equipes, nesses operdrios fosse cuidadosamente resguardada — mas o que observamos é a sua sistematica de corrosio. Curiosamente, para subsistir, essa reserva de dominio formal do capital, para vencer sua fragilidade crénica, deve continuamente enfraquecer os que a sustém. A corrosio da pratica depositada na forga de trabalho da construgao, entre- tanto, nao pode chegar a rompé-la totalmente. A defesa, mesmo mérbida, sabe que serd imitil desembocar no suicidio. Ora, o controle direto do corpo e de seus movimentos, a separagao fisica, apesar de comporem os meios privile- giados para a exploragao, sio insuficientes para garantir a seguranga (0 ideal seria a conivéncia) desejada. Portanto, se a submissio total é invidvel, mas 0 gesto submisso indispensivel, por que nio tentar uma lobotomia um pauco menos grosseira, uma afemia operdria sem laringotomia? Caminhos mais insinuantes, menos esperados, mas talvez mais persistentes. Instalar hiatos diéfanos, cesuras quase elegantes... S40 conhecidos os instrumentos adequados para talhar téo manhosamente: so os do gosto, da harmonia, da linguagem. Para esquizoidar uma cabega, dar-Ihe forma de cebola, romper ligamentos, nada melhor que a injegio de seu mistério servigal: afinal, toda teofania para- lisa, fulmina as reivindicagées de entendimento. 35 Ver M, Horkheimer eT: W. Adorno, Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. “ 54 Ver André Gorz, “Técnica, téenicos e luta de classes” em Critica da divisto do trabalho, ‘Sao Paulo: Martins Fontes, 1980.

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