Recife 2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Orientadora:
Recife, 2017
Dedicatória
E por último, ela que tantas vezes passou pela minha cabeça escrevendo esse projeto e
1. Introdução ……….…………………………………………………………..……6
2. Metodologia ………………………………………………………………………9
5. Conclusão ………………………………………………………………..………37
6. Bibliografia ………………………………………………………………………41
1. Introdução
Por jovens casais, trato de analisar jovens entre os dezoito e trinta anos, que possuem
uma vida de experiências românticas a serem estabelecidas e percebem o futuro como algo
ainda a ser descoberto, havendo toda uma vida pela frente. Dentro da categoria de casais é
importante relacionar a importância que a compreensão das relações amorosas causa na vida
desses jovens, onde as experiências românticas modelam a visão que esses têm sobre seus
relacionamentos, a partir de um repertório de experiências pessoais.
A modernidade líquida, em vários aspectos, se trata da valorização do ser humano
como indivíduo pós-iluminista , onde o investimento em sí supera todas as outras prioridades,
pois não se tem certeza do outro o que ele pensa ou é capaz de fazer, sendo possível investir
confiança total apenas em si mesmo. O autor revela o deterioramento da importância do
parentesco em nossa sociedade junto com o senso de comunidade, onde a constituição de
laços afetivos foi prejudicada pelo estabelecimento do consumo como pilar onde o mundo
globalizado prospera, resultando em uma série de fenômenos sociais singulares do nosso
tempo, como os aplicativos de relacionamentos amorosos e redes sociais como Facebook, que
representam tão bem a modernidade líquida, por estabelecerem a impessoalidade e
acompanhar o ritmo acelerado do capitalismo em nossa sociedade, junto com a influência
cultural, como observada na análise sobre a indústria cultural. A mudança dos
relacionamentos amorosos evidencia mais que a intimidade de duas pessoas e, para esta
pesquisa, em um contexto universitário, representam uma dinâmica pela qual as pessoas se
tornam um bem de fácil acesso, onde o laço afetivo pode ser sempre substituído por outro de
igual valor ou maior.
Para entender o problema da pesquisa entre jovens casais e a modernidade líquida,
foram feitas duas entrevistas estabelecendo um paralelo no que é ser um jovem universitário
em um relacionamento e quais são as dificuldades postas diante desses jovens. Cada casal
sofre problemas específicos, e dificuldades similares, ao mesmo tempo que possuem
perspectivas próprias sobre as dificuldades de se manter um vínculo amoroso.
A divisão do trabalho foi feita da seguinte forma: o primeiro capítulo trata da
metodologia, onde explico o tipo de pesquisa realizada, como ela foi realizada, as
características do trabalho de campo, o tempo que foi passado fazendo a pesquisa, além de
introduzir o perfil dos entrevistados. Foi trabalhado na metodologia as dificuldades
apresentadas durante as entrevistas, assim como as particularidades do método empregado,
esclarecendo um pouco sobre as decisões feitas na formulação das entrevistas.
Em seguida, trato de explicar o referencial teórico utilizado. Foi feita uma análise da
obra de Bauman sobre a modernidade líquida, e os amores líquidos, compreendendo melhor a
respeito de como os jovens estabelecem suas relações amorosas, a partir das dinâmicas e
hábitos que estabelecem entre si, observando no que constitui o relacionamento amoroso para
esses casais, assim como as dificuldades em manter um projeto com outra pessoa em uma
sociedade capitalista, onde a lógica do mercado regula as dinâmicas desses casais, assim
como constitui, segundo Bauman, a forma como se estabelecem essas relações. Também foi
abordada a noção de amor romântico e amor contemporâneo, e a priorização do projeto
individual na constituição desses vínculos, que muitas vezes, são rompidos pelo
estabelecimento de si como investimento mais seguro a ser feito.
Em seguida, faço a análise dos dados apresentando as entrevistas feitas em campo com
os casais: Marina e Thiago, Jamily e Vinicius. O primeiro casal é formado por dois estudantes
de ciências sociais com uma diferença grande de idade e esperando uma filha nascer,
dependentes da bolsa universitária para manterem a casa alugada próxima da universidade, e
contando com o auxílio dos pais, tanto da mãe de Marina, que se mudou para auxiliar a filha,
como os pais de Thiago, que ajudam com as despesas, além de apresentar a complexidade de
um casal jovem que se depara com a responsabilidade de constituir uma família, e finalmente
se tornar pai e mãe, e qual o peso disso para o relacionamento amoroso deles. O segundo
casal é formado por Jamily e Vinícius, Jamily sendo uma estudante de artes visuais e Vinícius
um estudante de ciências sociais. Os dois moram juntos e podem ser considerados um casal
universitário boêmio , independentes e com uma vida social agitada, não necessariamente
presos a responsabilidades outras que da universidade, mas confrontados diariamente com as
dificuldades financeiras e existenciais que são postas pela universidade e família.
Por fim, a conclusão estabelece as últimas considerações sobre os autores utilizados,
tanto a parte empírica como a parte teórica de Bauman, relacionando o capitalismo e a
modernidade líquida, assim como os resultados encontrados sobre o efeito dessa modernidade
nos jovens casais que se frustram para conseguir realizar um projeto conjugal em um mundo
que cada vez mais desvaloriza a constituição de vínculos, e como esses jovens vivem as
dificuldades de estarem em uma sociedade capitalista.
A seguir abordo a metodologia de pesquisa, o perfil dos entrevistados, assim como
onde foi feita a entrevista, quanto tempo levou, quais foram as dificuldades apresentadas em
campo e por que foram tomadas certas decisões de pesquisa ao invés de outras.
2. Metodologia
Atitudes normativas em nossa sociedade podem ser vistas de forma diferente pelos
estudantes universitários, assim como determinismos de classe podem ser rompidos pela
convivência em uma realidade acadêmica plural, no que diz respeito a experiências de vida
dos colegas e professores. Zygmunt Bauman (2004) afirma que estamos nos dando menos ao
luxo de amar e que a sociedade está cada vez mais valorizando o indivíduo e menos os
costumes e tradições coletivas, tornando mais difícil aceitar o outro e ser aceito, devido à
ausência de costumes em comum. Bauman organiza seu pensamento a partir da ideia de que o
mundo moderno está transitando de uma modernidade sólida para uma modernidade líquida,
referenciando a famosa frase de Marx sobre como tudo que é sólido desmancha no ar. O
líquido representa aquilo que sentimos passar por nossas mãos e, quando nos damos conta,
desliza pelos dedos; os contatos breves e superficiais dominam nossas relações, tornando as
redes de amigos impessoais e virtuais cada vez mais populares, superando o valor da
comunidade, onde as pessoas se conhecem por meio do contato intimista e pessoal. Para
Bauman, a modernidade líquida age distanciando os laços que expressam intimidade e
comprometimento, como forma de evitar o trauma da decepção, ou desligamento do vínculo.
Estamos transitando de uma modernidade hardware, onde as dificuldades físicas de
comunicação e transporte se tornam abstrações, onde o acesso é possível para quase todos, e
aqueles que não pertencem a modernidade software são os mais prejudicados e esquecidos
nesse contexto de progresso tecnológico o qual vivemos. Antigamente, havia uma
dependência do acúmulo do espaço e o racionamento do tempo, enquanto hoje em dia, na
modernidade líquida, nos deparamos constantemente com a desvalorização dos bens físicos
pelos virtuais, onde é cada vez mais fácil consumir dezenas de produtos online do que ir a
uma loja e procurar um determinado item.
Na era do hardware, da modernidade pesada, que nos termos de Max Weber era
também a era da racionalidade instrumental, o tempo era o meio que precisava
ser administrado prudentemente para que o retorno de valor, que era o espaço,
pudesse ser maximizado; na era do software , da modernidade leve, a eficácia
do tempo como meio de alcançar valor tende a aproximar-se do infinito, com o
efeito paradoxal de nivelar por cima (ou, antes, por baixo) o valor de todas as
unidades no campo dos objetivos potenciais. (BAUMAN, 2001, p. 137)
As antigas forças que mantinham a solidez do nosso mundo eram caracterizadas por
paradigmas mantidos mesmo na distância temporal, por exemplo, se tomássemos um soldado
romano da época de Julius Cesar e o colocássemos no período colonial brasileiro, não seria
uma mudança tão brusca de vida, se comparado a enviá-lo para Nova York em 1960. Para
Bauman, o pós-guerra foi um momento crucial na sedimentação da modernidade líquida, na
construção de cidades, estabelecimento de um longo período de paz global, o advento da
globalização e, por fim, a democracia e o consumo como pilares pelos quais a paz e a ordem
foram estabelecidos, característica central da modernidade líquida.
Na modernidade líquida, os produtores deram lugar aos consumidores e a globalização
tornou o vínculo comunitário quase inexistente em um mundo de redes impessoais, tornando
tão fácil se comunicar com alguém que tal facilidade tira o valor do esforço empregado,
reduzindo a relevância de serem realizados sacrifícios e promessas, quando a abundância de
opções torna o vínculo um excesso de comprometimento. Essa superficialidade nas relações
interpessoais que Bauman apresenta pode ser observado nos jovens de hoje, na forma como
utilizam redes sociais, e os vícios decorrentes, a dificuldade em se concentrarem e,
principalmente, na própria liquidez de suas relações, ou seja, na manifestação desde jovem da
interação social como algo impessoal e distante de conteúdo emocional. As etapas amorosas
nas quais nossas avós provavelmente passaram eram claramente determinadas: o flerte que
passava pela aprovação dos pais, o namoro, o noivado, até o casamento. Os jovens da
modernidade líquida se contentam com ficar e namorar, mas nada sólido na própria
nomenclatura, já que não há uma nomenclatura adequada considerando a rapidez com que as
relações se constroem e se desconstroem. A dinâmica dos jovens no mundo líquido encontra
dificuldade em estabelecer vínculos duradouros, e a própria aversão dos vínculos preocupa
Bauman, pois é no consumo que se alivia o peso de não haverem vínculos humanos, típicos
de uma comunidade, resultando no isolamento, que, por sua vez, causa uma série de
problemas por necessitarmos do contato social:
A intenção de manter a afinidade viva e saudável prevê uma luta diária e não
promete sossego à vigilância. Para nós, os habitantes deste líquido mundo
moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao
uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode
ser mais do que aquilo que estamos dispostos a exigir numa barganha.
Estabelecer um vínculo de afinidade proclama a intenção de tornar esse vínculo
semelhante ao parentesco — mas também a presteza em pagar o preço pelo
avatar na moeda corrente da labuta diária e enfadonha. Quando não há
disposição (ou, dado o treinamento oferecido e recebido, solvência de ativos),
fica-se inclinado a pensar duas vezes antes de agir para concretizar a intenção.
(BAUMAN, 2004, p. 46)
Bauman sugere que no mundo líquido, onde nada sólido dura muito tempo, temos
medo do vínculo duradouro e do trabalho constante que é manter um projeto de vida com
alguém. A proposta de Bauman parte de uma visão sociológica, na qual encontramos os
dilemas e desafios que se apresentam para uma humanidade, pela primeira vez reconhecendo
a necessidade de algo mais resistente e significativo do que uma rede de interações do mundo
conectado, mas a importância da constituição de uma comunidade global , onde valores
deveriam ser postos acima dos interesses de consumo. Em meio as redes sociais, identidades
fluídas e os dilemas diários dos relacionamentos, é importante pensar como eram essas
relações amorosas e qual o estado no qual elas se encontram na modernidade líquida.
Em sua tese NAMORO E VIOLÊNCIA: um estudo sobre amor, namoro e violência
entre jovens de grupos populares e camadas médias, Fernanda Sardelich Nascimento (2009)
pesquisa com jovens das camadas populares e camadas médias e, a partir das entrevistas,
conclui de forma consistente o que significa namorar para esses jovens entrevistados, uma
etapa tão fundamental das relações amorosas entre jovens hoje em dia.
O amor aparece nas falas como: sacrifício; doação ao outro; essencial para a
felicidade; transcendente, pois vai além do carnal. (...) O amor não se prende à
materialidade ou a algo carnal, transcende essas questões, por essa razão eles
conseguem sentir a presença do outro, mesmo que esse outro não esteja ao seu
lado, pois há uma ligação maior entre o casal, o amor. Essas características são
idênticas às que Costa (1998) identifica como parte da versão ideal/romântica
do amor. Essa versão do amor romântico, segundo Giddens (1993), embora não
sendo parte da construção da sociedade atual, mas ainda circula em nossa
sociedade, por estarmos em uma fase de transição.” (NASCIMENTO, 2009, pp.
87-88).
A ideia de que o amor romântico se estabelece em uma doação mútua, segundo
Anthony Giddens (1993), vem de um contexto que está sendo traçado pelo processo de
reconhecimento da intimidade feminina e liberdade do desejo sexual em um longo processo
histórico.
Anthony Giddens é outro autor que aborda as relações amorosas, porém, sobre uma
luz muito mais imparcial que a de Bauman, observando como a intimidade mudou a partir do
posicionamento da mulher no controle da própria sexualidade e do estabelecimento de seus
próprios desejos, após a emancipação da ideia de que a liberdade só poderia ser almejada por
meio do casamento. Giddens observa como a mentalidade que se leva para os
relacionamentos amorosos começa carregada de uma série de significados que surgem da
emancipação da mulher de seu papel vinculado ao lar. Para os homens, a vida pública e a
noção de indivíduo são muito mais enraizadas do que para a mulher, que experiencia a vida
pública como algo inerentemente conjunto com outra pessoa.
Foi somente na última geração que, para as mulheres, viver a sua própria vida
significou deixar a casa paterna. Anteriormente, deixar a casa significava para
todas, com exceção de uma pequena proporção de mulheres, casar-se. Ao
contrário da maioria dos homens, a maior parte das mulheres continua a
identificar a sua inserção no mundo externo com o estabelecimento e ligações.
Muitos estudiosos têm observado que, mesmo quando um indivíduo ainda está
sozinho e apenas prevendo relacionamento futuros, os homens em geral falam
em termos de eu, enquanto as narrativas femininas sobre si mesmas tendem a
ser expressadas em termos de nós. (GIDDENS, 1993, pp. 63-64).
Por mais que as relações sociais estejam se fragmentando e tornando-se cada vez mais
superficiais e momentâneas, a relação humana vem sofrendo uma série de mudanças
estruturais. Bauman conclui que estamos nos relacionando superficialmente e a ausência de
relacionamentos humanos nos tira a própria perspectiva de poder refletir quem somos. Por
meio de redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram, é possível constatar um
enfraquecimento dos vínculos humanos pela superficialidade das relações, assim como o
desgaste emocional e psicológico que essas pessoas exercem de forma tão espontânea e aberta
nas redes sociais.
É possível observar na fala de Freire a facilidade com que a indústria cultural promove
sensações mais que suficientes para saciar o consumidor. Cada vez mais observamos novelas
e filmes que simplificam a realidade em histórias clássicas com finais garantidos e suspenses
toleráveis. Por meio da narrativa clássica do amor romântico, a indústria cultural perpetua
papeis de gênero, assim como assegura ao consumidor que aquilo visto na tela do cinema,
antes dos créditos, provavelmente será o beijo que simboliza a eternidade para o casal,
finalmente premiados com a felicidade depois de previsíveis desafios, em uma ficção marcada
por um início e fim reconfortantes para o espectador e, assim, podemos esperar de toda
indústria cultural, o conforto e certeza do final feliz, para consequentemente prosseguir a
ilusão como consumidores fiéis daquele conforto momentâneo, eternizado pela infinitas
entradas no cinema ou revistas assinadas.
Quanto a forma como esse casal observa a relação amorosa, e o relacionamento que
eles tem tornado mais complexo devido a questão da gestação, Camila Pimentel (2007), em
sua análise sobre as relações amorosas na ótica feminina, aborda o namoro como uma relação
constante de manejo dos desejos do próximo com os próprios, onde se abrem mão de
determinadas coisas, para em uma relação de troca, se obterem outras, em uma constante
negociação dos fatos e eventos do projeto conjugal de um pelo outro.
Essa afirmação possui total relação com a forma como Thiago e Marina entendem, no
contexto o qual eles estão vivenciando, a relação amorosa pela qual eles se esforçam. O amor,
no que consiste a vida dos entrevistados em suas falas, está relacionado com os esforços que
um faz pelo outro, dentro de um contexto em que fica claro que eles não tinham nada a
perder, e isso não é o mesmo que dizer que eles não tenham sua individualidade, seus desejos
e seus objetivos, mas que a situação pessoal a qual os dois vivenciam, de subsistência
financeira no ambiente universitário e complicações familiares, tornou a ideia de morarem
juntos a melhor na atual condição dos dois, mesmo em um curto espaço de tempo de
relacionamento amoroso — eles começaram a morar juntos meses após se conhecerem — foi
para eles, a melhor solução. No caso de Thiago e Marina, eles estavam dispostos a construir
algo juntos, viver situações conflituosas, e estiveram dispostos a abrir mão de muitas coisas
com a gestação de Iolanda.
É a primeira vez que Marina mora junto com um namorado, enquanto Thiago já
possui experiências semelhantes de se mudar com colegas e namoradas. O casal passou
poucos meses juntos antes de descobrirem sobre a gravidez, não havendo muito tempo para
pensar em resolver possíveis problemas do relacionamento ou trabalhar a convivência do lar,
sendo o lazer a primeira coisa que mudou com a descoberta da gravidez.
A gente enquanto casal vai ser algo que a gente vai aprender sabe, vai ser uma
construção, eu já me vi varias vezes frustrada pensando assim, ‘meu deus o que
eu vou fazer’, mas assim, na hora, na convivência, eu vou aprender também, ele
vai aprender, a gente tá agora, a gente se preparou pra ideia que a gente vai ser
pai, eu vou ser mãe, e agora a gente vai ter que se preparar depois, aprender a
cuidar da criança, saber o que fazer tá ligado, por que é muito doido pensar, meu
deus, eu vou ter um bebê! e a rotina já foi totalmente modificada desde o
começo da relação. E agora vai vir uma surpresa sabe, por que é algo
desconhecido pra mim. (Marina)
Com a gestação, Marina teve que mudar muitos hábitos pela saúde do bebê, como
parar de fumar, parar de beber, melhorar a alimentação, as consultas frequentes ao médico,
etc. e, consequentemente, Thiago a acompanha nas tarefas do cotidiano o máximo que pode,
saindo sozinho apenas para resolver problemas na universidade. Antes de Iolanda, Thiago e
Marina contam como o lazer em conjunto era muito focado nas saídas com os amigos e
conhecidos da universidade, saídas em bares ou shows que aconteciam com uma
espontaneidade substituída pela atenção aos horários, e o barrigão , como diz Marina. Com o
bebê tão próximo, aos 8 meses de gestação, Thiago rapidamente assume que o lazer, privado
nas dificuldades financeiras e logísticas da gravidez, transformou-se em uma rotina do lar, por
enquanto, de “comer e assistir ao Netflix”:
Por um momento Thiago sai da sala para escorrer o macarrão que preparam e eu fico
sozinho com Marina e ela se esforça para responder um pouco mais sobre o impacto do bebê
no relacionamento deles e no futuro que eles tem, tanto individual quanto como casal. Falar
sobre o futuro para um casal “gestante”, como Thiago mesmo coloca. Sobre o futuro do
relacionamento romântico dos dois, Thiago e Marina são categóricos quanto a importância de
estarem unidos sempre, em todas as circunstâncias, afirmando que relacionamentos são muito
diferentes quando se tem uma criança no meio. Para o casal, o bebê assume todas as
importantes características que Bauman coloca acerca do amor, como a própria materialização
do cuidar e preservar abstrato do ideário de relacionamento. Marina fala um pouco da
insegurança que sente em falhar, pelo fato de tudo ser tão desconhecido, mas, ao mesmo
tempo, se assegura ao fato de que Thiago estará presente, eles vão descobrir como superar as
dificuldades juntos e o motivo deles terem engravidado tão cedo na relação faz tudo parecer
muito repentino.
Nesse caso, podemos relacionar com a obra de Anthony Giddens (1993) a fala do
casal. Ao reconhecer que não vale a pena estarem juntos e infelizes ao mesmo tempo. Mesmo
com a filha para nascer, Thiago e Marina abordam uma visão que coincide tanto em Giddens
quanto em Bauman sobre a fragilidade dos laços, que em Giddens, surge mais como uma
tomada de consciência para um contexto muito objetivo da vida moderna: evitar o sofrimento
individual. Tanto Thiago quanto Marina entram em acordo sobre evitar com que a
possibilidade de uma relacionamento infeliz se mantenha na forma de uma mentira, no
entanto, a intenção do casal é estar juntos pela filha a longo prazo, sendo o término
estritamente relacionado a um contexto de infelicidade, ou falha na comunicação, que se torne
insustentável.
(...) um relacionamento nos dias de hoje não é, como foi um dia o casamento,
uma condição natural cuja durabilidade pode ser assumida como certa, exceto
em algumas circunstâncias extremas. Uma característica do relacionamento
puro é que ele pode ser terminado, mais ou menos à vontade, por qualquer um
dos parceiros em qualquer momento particular. Para que um relacionamento
tenha a probabilidade de durar, é necessário o compromisso; mas qualquer um
que se comprometa sem reservas arrisca-se a sofrer muito no futuro, no caso do
relacionamento vir a se dissolver. (GIDDENS, 1993, p. 152).
A diferença de idade é óbvia no que diz respeito às vivências de ambos. Thiago com
31 anos possui experiências que lhe dão muito mais segurança em morar com uma namorada,
levantando um termo muito citado nas entrevistas, “casar”. Thiago já morou com diferentes
pessoas em uma casa (já foi casado), enquanto Marina não teve a mesma experiência. Com
22 anos, Marina teve poucos namorados, nunca morou fora da casa dos pais e, só
recentemente, estava aprendendo o que é morar com um parceiro. Nesse interim, Iolanda foi
uma surpresa para ela que mudou toda a sua realidade. A pouco mais de um ano e meio
Marina morava com os pais, solteira, cursando o ensino superior. Agora, está para se tornar
uma mãe, ter uma família e partilhar uma vida com Thiago.
A situação a qual Marina se encontra, mesmo que não sendo ideal, pois se trata da
busca incessante por manter o meio de sustento da casa, enquanto ela poderia estar investindo
o tempo em se cuidar para a chegada do bebê, observamos que ela consegue manter suas
atividades, dentro de uma normalidade. O sustento não é estritamente vindo de Thiago, sendo
o aluguel e as despesas da casa divididos de forma mais ou menos igual. Marina vive uma
situação que mulheres confrontam historicamente há séculos, onde o pertencimento da esfera
do lar, assim como a constituição de um ideal romântico, e o controle da reprodução sexual,
foram todos transformados, como aponta Giddens, pela revolução sexual do século XX, assim
como a maior valorização da mulher em seu papel de mãe, a detentora de uma importante
parte da psicologia humana, da afeição materna . Marina leva sua vida com perdas mais
graves que as de Thiago, considerando a gestação, mas ela exerce, mesmo que, com
dificuldade seus objetivos e não vê a maternidade como algo que possa impedi-la de terminar
o curso ou de alcançar seus objetivos.
Foi observado no caso de Marina que não houve um domínio patriarcal em relação a
ela, permanecendo sua individualidade, assim como independência, bem estabelecida em
relação a Thiago.
Por fim, acho importante observar que as relações familiares desses casais apontam
para uma mudança fundamental de parentesco, no que diz respeito a constituição de uma
família, que é o agregar a família um do outro. Da mesma forma que Thiago e Marina serão
para sempre pai e mãe de Iolanda, a família extensa de cada um está unida pelo laço
indissolúvel do parentesco, agora colocando eternamente Marina para a família de Thiago
como a mãe de sua filha, e Thiago como pai. Bauman aponta a importância, ao mesmo tempo
que desgaste, da importância do parentesco na modernidade líquida, sendo esse um sinal
observado também na família de Thiago.
A afinidade é uma ponte que conduz ao abrigo seguro do parentesco. Viver
juntos não representa essa ponte nem o trabalho de construí-la. O convívio do
viver juntos e a proximidade consanguínea são dois universos diferentes, com
espaço-tempos distintos, cada qual um universo completo, com suas leis e
lógicas próprias. (...) O fato de a afinidade ortodoxa estar fora de moda e fora de
forma não pode ser rebatido à custa do parentesco. Carecendo de pontos
estáveis para suportar o tráfego crescente, as redes de parentesco se sentem
frágeis e ameaçadas. Suas fronteiras se tornam embaçadas e contestadas, e as
redes se dissolvem num terreno sem títulos de posse nem propriedade
hereditária — uma terra de fronteiras. (BAUMAN, 2004, p.47)
Thiago possui uma família que Marina vê de forma muito positiva, como um grupo de
pessoas que se juntam para conversar sobre política, almoçam juntos e são abertos às mais
diversas discussões que ela julga serem positivas, na percepção dela, como pessoas
progressivas. Thiago reconhece a tolerância dos pais, assim como a compreensão da
importância de serem estabelecidos vínculos familiares duradouros, havendo os encontros e
rituais que sustentam a relação familiar, agora mais importante do que nunca com a chegada
de Iolanda.
Thiago aponta como seus pais tem sido cada vez mais tolerantes desde seu primeiro
relacionamento, em como eles não ligam tanto para eventos familiares, ou a presença de
Thiago nestes, mas, ao mesmo tempo que, ele vê a importância de sua presença e respeita o
acolhimento caloroso, mesmo sabendo do valor que eles atribuem aos rituais e eventos
familiares. Já Marina se encontra em outro contexto, onde ela aborda o pai como alguém que
“não dá a mínima”, e na mãe vê um apoio muito mais circunstancial do que materno.
A segunda entrevista foi realizada com Vinicius e Jamily, entre às 14h00 e 16h00 na
casa deles, localizada no bairro da Várzea. Para chegar lá encontrei Vinicius na UFPE e fomos
direto para o portão mais distante, próximo ao departamento de engenharia, apenas para andar
mais quinze minutos por um beco que daria em um grande terreno alugado, onde ele e Jamily
moram em uma das duas casas cercadas pelo portão que Vinicius abre com chave pelo
cadeado. Ao lado, o vizinho, amigo próximo deles, treina escalas no trompete com um
professor.
Vinicius nasceu em Recife e tem 22 anos. Vem de uma família grande, a qual os pais
estão casados, e já se mudou de casa algumas vezes com amigos, mas essa é a primeira vez
que ele sai para morar com uma namorada. Vinícius ingressou no curso de ciências sociais da
UFPE em 2014, mas enquanto isso já estava realizando um curso técnico de química com
planos para entrar no mercado de trabalho técnico, caso a vida acadêmica não fosse
satisfatória. Vinícius continua cursando ciências sociais, preocupado com o futuro financeiro,
mas conseguindo se manter dividindo moradia com Jamily.
Jamily nasceu em Serra Talhada, tem 23 anos e faz o curso de artes plásticas na UFPE.
Ela tinha uma casa onde dividia com diversas pessoas, já que era uma com muitos quartos
onde todos compartilhavam as despesas, e contando, também, com o dinheiro das festas que
eram feitas na casa para o público, como oportunidade de vender bebida para fazer um
dinheiro extra. Em uma dessas festas, Vinicius e Jamily se conheceram, passaram um tempo
namorando, para finalmente morarem juntos, já que Jamily não tem condições de arcar com
uma casa sozinha, Vinicius e ela decidiram dividir as despesas vivendo juntos.
Vinícius e Jamily vivem os impulsos e desejos, atestando como o tempo livre deles se
configura em sair para “beber e fumar” com os amigos. Em pouco mais de um ano e dois
meses eles se conheceram, em uma das festas promovidas por Jamily e seus amigos. Vinicius
por indicação de um amigo foi, e ao chegar lá conheceu Jamily, que segundo ela, já estavam
“grudados” poucos dias depois, já fazendo viagens de fim de semana para a praia e
convivendo quase que diariamente desde o primeiro dia.
Vinicius e Jamily são um casal que melhor poderia encarnar a boêmia do mundo
universitário. A parte das responsabilidades com a faculdade, Vinicius coloca que muito do
tempo livre deles é passado com os amigos em comum, no entanto, afirma, da mesma forma
que Thiago e Marina sobre a órbita do lar, sendo raro deles sairem de casa para bares ou festas
pagas. Como muitos jovens universitários que vivem de auxílio estudantil, o casal se esforça
para pagar as contas ao mesmo tempo que se acomoda com uma rotina partilhada por uma
boa parte da comunidade da Várzea. A várzea, por ser um bairro universitário, possui uma
auto-suficiência de uma quantidade grande de jovens estudantes que se entretém com o que o
bairro proporciona. A esfera de relações de Vinicius e Jamily gira em torno da comunidade
formada por esses jovens, que estão sempre a uma caminhada de distância das amizades,
proporcionando, como Vinicius coloca, que eles recebam pessoas para beber e se divertir em
sua casa, por conta do preço e da comodidade para todos.
Diferente do que Bauman aborda sobre os laços afetivos, Vinícius e Jamily aparentam
entender a relação amorosa deles na necessidade mútua por afeto, assim como a reciprocidade
dos interesse e desejos que eles possuem. Na fala de Vinícius, eles conversam sobre daqui a
dez anos fazer algo, ou seja, eles se planejam sem o terror constante o qual Bauman com tanta
freqüência explicita. Parece que a instabilidade do mundo não alcançou determinados pontos
do globo, inclusive aparentando que o casal vive em um ponto onde a aceleração, e a
instabilidade do mundo líquido não alcançaram, e eles demonstram a intenção de irem morar
longe da cidade, desse caos.
Quando Vinicius foi visitar a família de Jamily em Serra Talhada, nas ruas, para os
amigos e conhecidos de Jamily, Vinicius foi apresentado como o “marido”, trazendo um ponto
interessante de se pensar a mudança da tradição, assim como a flexibilidade do casal em
manter uma tranquilidade nas dinâmicas com a família. Vinicius e Jamily de forma alguma
tem intenção de casar, seja pelo irrelevante vínculo jurídico que proporcionaria às suas vidas,
mas, principalmente, pelo peso simbólico do casamento para relação deles. O fato deles
morarem juntos implica que o relacionamento seja algo sério e a seriedade é reconhecida
nessa condição de reconhecimento para os familiares como marido, no caso de Vinícius, na
interação de demonstrar respeito a família de Jamily, mas não significa de forma alguma que
qualquer um dos dois não possa do dia para a noite findar o relacionamento ou que os
familiares possam se surpreender com isso.
Mesmo em um ambiente tradicionalista, como uma pequena cidade no interior, as
coisas não são mais como antigamente, é difícil de acreditar que as pessoas que ouviam de
Jamily que aquele era seu marido, realmente tenham contemplado uma cerimônia entre eles.
Mesmo sendo dois jovens com forte personalidade, eles se esforçam para manter as
aparências, em troca do respeito e aceitação por parte da família de Jamily, em um movimento
duplo de respeito da cidade natal com seu parceiro.
Na cabeça da gente e de amigos também, que tem proximidade, soa como morar
junto, dividir as coisas (...) no interior, quando eu cheguei pra conhecer a família
dela no interior, eu era o marido dela, a galera me apresentava como o marido
dela, “olha o marido de Jamily, veio lá de recife!” (Vinícius)
Com a família de Vinícius, as coisas são diferentes. A família de Jamily, como ela
mesma coloca, termina na avó. Ela reconhece o pai como um ausente e valoriza muito a mãe
e a avó, pois não tem irmãos ou primos. A família de Vinícius é o oposto, havendo muitos
primos, primas, irmãos, tios e tias, com isso, além do tamanho da família, a pressão familiar
não se concentra nas expectativas de um relacionamento firmado, mas no comprometimento
de Vinícius com sua independência financeira. Vinicius admite que sua família agride nas
pequenas falas sua opção profissional como sociólogo, desacreditando no seu êxito
profissional, devido a demora para se formar e por puro preconceito pela ideia de ser um
intelectual como profissão. A família cobra muito do projeto de vida de Vinicius, mas
desconsidera as cerimônias de relacionamento, reconhecendo que jovens possuem essa
rotatividade de relações e que o comprometimento não é tão fundamental quanto a
independência individual que a família de Vinicius deseja para ele.
Quando questionados sobre o uso de recursos tecnológicos para se encontrar parceiros
românticos (ou sexuais), os famosos aplicativos de relacionamento, como Tinder, há muito
tempo tomaram lugar dos sites de relacionamento. A evolução desses sites de relacionamento
para aplicativos de celular, uma coisa clara é a impessoalidade construída pelas empresas que
produzem esses aplicativos. Antigamente era necessário um cadastro que constituísse diversos
pontos significativos para demonstrar a personalidade do usuário às pessoas que visitariam
sua página online , ainda assim acusados, na época, como superficiais, mesmo com longas
fichas biográficas, ou as formalidades no desenvolvimento de um perfil e a clara intenção de
um romance, não uma noite de sexo. Agora, com o Tinder, e outros aplicativos celulares
similares, a dinâmica se resume em passar para direita ou esquerda fotos de possíveis
parceiros, baseado na distância geográfica dos mesmos. Para direita você rejeita alguém, para
a esquerda você aceita, e aguarda a possibilidade de ser aceito, para assim realizar algum
contato com essa pessoa. Vinicius diz ter utilizado mais que Jamily, ela que encontrou
dificuldade em utilizar o aplicativo no celular brinca com Vinicius sobre o uso que ele fez
desse aplicativo durante a vida, enquanto ele aponta uma visão muito mais amarga sobre esse
tipo de encontro, afirmando haver momentos em que você encontra alguém, conversa, e até se
relaciona um pouco, mas dificilmente se constrói um vínculo duradouro com alguém, e a
impressão que fica muitas vezes é de uma superficialidade que deixa algo faltando:
Eu já usei, mas, nunca (...) nunca consegui usar, sei lá, achar que eu tava
fazendo uma parada massa, tá ligado eu só conhecia pessoas bem
superficialmente, trocava uma ideia, no máximo, o máximo que rolava era um
primeiro encontro mas nunca teve, tipo, um segundo, ou terceiro, assim com
uma pessoa, acho que na verdade já rolou mas em casos assim, encontra , bate,
e tal, e depois já era. Ai tipo, eu nunca gostei não, mas usei, usei na época que
tava solteiro. (Vinícius)
A dificuldade sentida em se relacionar com pessoas por meios digitais invoca a ideia
de Bauman sobre impessoalidade nas relações e a velocidade com que elas se constituem. A
velocidade com que as relações acontecem, muitas vezes, sendo noites casuais de sexo
consideradas como “fazer amor”, dificilmente preenchem todas as barreiras emocionais
necessárias ao vínculo amoroso, proporcionando essa sensação de vazio. O que Vinícius vê
nas relações, por meio de aplicativos, como superficiais, é cada vez mais a norma no mundo,
caso contrário esses aplicativos não seriam tão utilizados atualmente. A modernidade líquida
coloca seus agentes em um limbo difícil de se relacionar, como se a dinâmica natural, com
que os relacionamentos se estabelecem fossem constantemente cortadas em seu processo.
(...) a definição romântica do amor como até que a morte nos separe está
decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em
função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava
servir e de onde extraia seu vigor e sua valorização. Mas o desaparecimento
dessas noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma
experiência deve passar para ser chamado de amor . Em vez de haver mais
pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram
baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos
com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas
pelo codinome de fazer amor. (BAUMAN, 2004, p.19. grifo do autor).
A partir dos dados coletados, as conclusões que podem ser tiradas da pesquisa dizem
respeito a utilização da metodologia empregada, os pontos positivos e negativos apresentados
no momento das entrevistas e as mudanças de perspectiva do referencial teórico em relação às
categorias utilizadas para a análise de dados e, por fim, as considerações finais a respeito da
pesquisa como um todo e os resultados encontrados.
Quanto a metodologia, o momento das entrevistas foi marcado por diversas incertezas
que entraram ou não na pesquisa. Tratar de conceitos mais abstratos que envolvem um
conhecimento da obra de Bauman não foi benéfico para o projeto, se mostrando muito mais
proveitoso tratar nas entrevistas sobre os temas cotidianos no que diz respeito aos
relacionamentos amorosos. O preparo para as entrevistas a partir de uma ideia mais
abrangente sobre os relacionamentos amorosos, entrevistando casais em diferentes contextos,
inevitavelmente levou a certas questões a serem quase irrelevantes, como o futuro de um casal
grávido, enquanto outras foram surpreendentemente produtivas, como no caso de Vinícius e
Jamily, revelando respostas muito seguras do laço afetivo construído por eles, de início
contradizendo a visão baumaniana empregada no referencial teórico, e se aproximando mais
do que Giddens aborda sobre o amor.
Embora o número de entrevistas não tenha sido grande, o objetivo não foi desenvolver
uma estatística dos jovens do curso de ciências sociais em relacionamentos amorosos, do
ponto de vista quantitativo da sociologia, mas fazer uma análise exploratória de uma amostra
interessante de casais, no caso da pesquisa, um casal que espera uma criança com diferença
considerável de idade e outro no qual uma das partes não pertence ao curso de ciências
sociais, ambos da mesma idade. Assim, o objetivo foi desenvolver uma análise qualitativa o
mais analítica possível para a compreensão desses casais, inclusive abordando uma dinâmica
diferente nas entrevistas, feitas ao mesmo tempo em duplas, proporcionando resultados
curiosos sobre o casal.
No que diz respeito ao referencial teórico, e o uso de Bauman para contemplar uma
possível modernidade líquida entre jovens casais de estudantes universitários, tendo como
foco os estudantes de ciências sociais, creio ter sido importante para a tomada de conclusões a
respeito da obra de Bauman, assim como os principais pontos trabalhados nas entrevistas, e o
movimento feito na teoria com a análise dos dados.
A partir do livro Amor Líquido de Bauman, grande parte da pesquisa foi embasada
nesses pequenos trechos em que eram expostos o pensamento do sociólogo a respeito da
modernidade líquida. Acredito que no decorrer do trabalho ficou bem clara minha percepção
da obra de Bauman como algo pessimista e depreciativo aos relacionamentos amorosos
modernos.
Por mais que o formato do texto seja no mínimo inconveniente, Bauman é demasiado
coerente em diversos pontos da pesquisa, seja no pessimismo de Thiago ao reconhecer que o
relacionamento dele com Marina pode acabar de forma inesperada pela infelicidade de uma
das partes, ou no desconforto de Vinícius em utilizar aplicativos de relacionamento. Durante
as entrevistas, foi claro que Bauman não estava distante da realidade tropical brasileira
presente na UFPE, no entanto, as dinâmicas não apresentavam toda a complexidade que ele
abstrai no seu trabalho, sendo muito comum que os entrevistados abordassem temas
complexos de forma descontraída, reconhecendo as dificuldades em relacionar-se apesar de
estarem diariamente lidando com esses conflitos.
A pesquisa demonstrou como a rotina pode ser algo tanto positivo quanto negativo,
dependendo da dimensão em que se trata desses aspectos. Na entrevista com Jamily e
Vinícius, ambos chegaram a um acordo de que a rotina, por mais que ela desgaste o vínculo
um com o outro, ela desenvolve a resistência para as questões menores que são apresentadas
no dia-a-dia e fortalecem o vínculo dos dois. Quando questionados sobre a rotina como algo
que fortalece ou fragiliza os laços, posteriormente na entrevista ficou claro que o cotidiano, ou
rotina, trata tanto de um quanto do outro, fragiliza e reforça o vínculo, ao mesmo tempo que
se torna inevitável na relação amoroso. Nesse sentido, foi possível observar muito mais uma
ambiguidade quanto ao manejo dos relacionamentos do que uma visão decididamente
negativa quanto ao parceiro como relação com data de validade. Como Zamboni aponta em
sua tese “Quem acreditou no amor, no sorriso, na flor: A confiança nas relações amorosas”, os
entrevistados, diferente do pensamento baumaniano utilizado no trabalho, não demonstravam
ansiedade quanto a possibilidade da pessoa amada decidir romper o vínculo. Os entrevistados
estavam muito mais preocupados em lidar com os desafios do dia-a-dia, tendo como certa a
presença do parceiro (a) diante das dificuldades financeiras e emocionais, e não revelavam
interesse na impossibilidade de estabelecer um vinculo outras pessoas, aproximando muito
mais da visão que Giddens propõe sobre relação pura.
A liberdade apresentada por Giddens quando se refere às relações puras é
marcada por algumas limitações não apontadas pelo autor. Segundo Bauman
(2005: 72), o primeiro problema deste tipo de relação estaria localizado na
ansiedade gerada entre os parceiros quando da liberdade existente entre ambos.
A abertura na relação não faz calar a constante pergunta geradora de ansiedade:
“e se a outra pessoa se aborrecer antes de mim?”. A outra questão estaria ligada
ao baixo esforço desprendido nas relações de longo prazo, em decorrência dos
aparentes substitutos disponíveis no mercado. Nas palavras de Bauman (2005:
p.72): “Somos cada vez mais moldados e treinados como, acima de tudo,
consumidores, todo o resto vindo depois”. (ZAMBONI, p. 175)
Bauman trata das relações amorosas em relação com as tecnologias e como as mesmas
podem prejudicar o vínculo afetivo, e a fala de Vinícius não poderia ter sido mais baumaniana
do que o esperado. O uso das tecnologias está diretamente vinculado a ideia de solidão que
pode ser considerada o preço a ser pago pela liberdade e segurança na modernidade líquida.
Ficou claro que a solidão permeia as relações amorosas modernas, seja no vínculo
estabelecido entre Thiago e Marina, que deixam em aberto mesmo com uma filha a
possibilidade de término, de forma muito mais aberta e sem receios do que Vinícius e Jamily,
que abordam com otimismo a relação amorosa, desenvolvendo planos a longo prazo capazes
de suprir os desejos e anseios do casal que, na maior parte do tempo, se esforça para se manter
financeiramente. Se o uso de aplicativos demonstrou algo para Vinícius, é de que o vínculo
não é fácil de ser estabelecido e vale a pena ser mantido, por tempo indefinido e com um
compromisso a longo prazo.
Por fim, acredito que o vínculo apresentado em Amor Líquido não é precisamente o
demonstrado nos casais entrevistados, ao mesmo tempo que não podemos excluir certas
características demonstradas durante a pesquisa. O individualismo prevalece nos
relacionamentos, mas o vínculo não é enfraquecido por isso, muito pelo contrário, como pode
se ver no caso de Jamily e Vinícius, que em momento algum demonstraram incerteza em
estarem juntos, enquanto Thiago e Marina foram distintos nesse sentido, sendo muito mais
francos quanto a possibilidade de um término pela felicidade do próximo. Não foi fácil tratar
desse tema, mas ficou clara a constituição de uma identidade no próximo em relação a si
mesmo. Vinicius e Jamily apresentam personalidades muito próximas, assim como ideias
sobre o mundo, como a independência financeira e o apego emocional com outras pessoas.
Ambos são indivíduos dispostos a exercer contato humano, e apresentam forte indícios de
apego um com o outro, e o mesmo pode ser dito sobre Thiago e Marina.
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad.:
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
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Paulo: Novos estudos. CEBRAP. n. 73, 2005.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia, São Paulo: Cosac Naify, 2003.
WEIDNER, Sônia. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 5, n. 12, dez. 1999.
ZAMBONI, Marcela. Você inventa o amor, Eu invento a solidão: Do essencialismo aos
determinantes culturais em Georg Simmel. Tese. 2009.