Você está na página 1de 563

C A R T A S ’,

Informações, Fragmentos Historicos e Sermões


do PADRE JOSEPH DE ANCHIETA, S. J.

4
C O L E Ç AO AFRANIO PEIXOTO
publicações pela Acaiem ia Brasileira, decisão anaam *
(nome dado ás suas
de 25 de Junho de 1931)

b ib l io t e c a de cultura n a c io n a l

I — L iteratura
Publicados:
O Diãlogo, de deão de l jè r j.

u JcT Z p S ''- ® '! - " — - de M‘"“el BOtelh° d'


O e e T M o de ^ ^

DisS o7 * s°““ NUM5'


(prefacio de Alberto de O liveira), 1 .3 .
A publicar-se: „„
, ,n . \io to s - V I — Ultima, 1 v o l., 1933.
O bras, de G regono de ^ t o s . i Pinheiro, 2 rola.
O P eregrino da A merica , de M ino Marques
I I — H istoria
Publicados : _ H is t o r ia da P r o v ín c ia S a n ta
TEA1^ z D± L T e r o ^ d e M agalhães Gandavo (n o tas de Rodolfo Gar-

,H « f - VlAfiEM *> B basu . (re v ista e anotada por Teodoro


S am paio), 1930. f not as de Rodolfo G arcia), 1930.
^ r 5no” - " “ rC u d da N obrega (n o ta . de Vaie C abral e

CAETAS ato S s “ f JESUlTiE (1550-1068), ( « .* « de. A franio Pei-


xoto), 1931. H is to r ic o s e S erm ões, de Joseph

« ■ r * — “ >■
1933.

H i s ^ r ^ ^ r o s JíSOlTAS do B.A S.L, (n o ta . de Rodolfo Gar-


cia e A franio Peixoto) . G abriel Soares de Sousa
T ratado D escritivo do B rasil , em 1o»7,
(notas’ de M. P ira já da Silva) -
I I I — B io - bibliografia

Publicados:

r S T w
IV — I n éd ita

A publicar-sc:
P edro L u ís , por A franio Peixoto, 1933
C artas J esuíticas
hi

CARTAS,
Informações, Fragmentos Historicos
e Sermões
do

Padre J oseph de Anchieta, S. J.

(1 5 5 4 - 1594)

19 3 3

CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S. A.
R U A DO LAVRADIO, 160 RIO D E JA N E IR O
NOTA PRELIMINAR

Reunir suas cartas, seus escritos


▼arios. . . é uma dívida que não admite
m oratoria.
C apistra .no ub A bk.hu .

Assim terminava o Mestre um dos seus últimos escritos, pubh-


rcado n '0 Jornal, do Rio, em 31 de agosto de 1927, sobre a o »a
Anchieta no Brasil”, representando, com autoridade, a consciência
nacional, nestes quatro séculos: uma confissão, urna penitencia, uma
esperança. Vimos hoje, a Academia. Brasileira, havendo reunido
essa obra, pagar essa dívida, pelo Brasil.
Com efeito, essa obra estava dispersa, escondida ou medita.
No livro “Copia de diversas cartas de algunos Padres y er-
manos de la Compania de Jesus. Recebidas en ano MDL . . . ar-
celona vendese en casa de Cláudio Bornal 1556 , saiu, em caste­
lhano, uma carta de 1555, (a nossa I V ) . .
Nos “Diversi avisi particolari dalVlndie di Por og ,
vuti dalVanno de 1551 fino al 1558 dalli Reverendi padn delia
Compagnia de Gesu. .. in Venetia per Michel Tramerzz.no1559 ^
sairam, vertidas para o italiano, dmas cartas de ■> e o
T 6 " V lij • .j • 7 i r/» 9 ^ it l i d -
Nos “Diversi nuovi a visi... terza parte, id. id., a ~ , v
receu versão italiana da parte final da importante carta de lo60

çuarlparU, « .

italumo, B . Joseph Z Z e f J ”!pelo Padre Sebastiano Be-

5
NOTA P R E L IM IN A R

rd a rio , Colonice Agrippina., 1617, traduzida do latim em castelhano


pelo Padre Esteban Paterm ina, “ V ida del Padre Joseph de A n -
cheta”, Salamanca, 1618, como na “ Vida do Venerável Padre J o ­
seph de A nchieta” pelo Padre Simão de Vasconcelos, Lisboa 1672
sairam pequenas cartas de edificação (as nossas X X I I , X X I I I ,
X X I V ) . E m Bcretario e Paterm ina também a nossa X X V . E m Vas­
concelos, tombem as nossas II, X V I I I , X X I .
Publicou o conselheiro Diogo de Toledo Lara Ordonez, na
“Coleção de Noticias para a historia e geografia das Nações Ul­
tram arinas”, da Academia Real dm Sciendas de Lisboa, em 1812,
com anotações, o texto integro e original latino da grande carta
de 1560 (a nossa X ) , da qual fizeram tiragem a p a rte : “Joseph
de Anchietai E pistola . ” . . . Lisboa, 1799. .
O mesmo Conselheiro Lara Ordonez oferecera á incipiente
Biblioteca. Nacional, ainda ao tempo do principe regente D . João,
o precioso Códice que lhe dera o Marquez de Pombal, livro de R e­
gistro de Cartas dos Padres Jesuitas, escritas do Brasil á casa de
Rão Roque de Lisboa, hoje cotado na secção de Manuscritos I, 5,
2, 38, ao qual se refere o catalogo de 1873, t. 1, p . 16. Dêle, V ale
Cabral e Capistrano de A breu copiaram “ Cartas” de Nobrega e
“ Cartas avulsas” de Jesuitas, como Teixeira de Melo as de A n ­
chieta.
Nos “Annaes do Rio de Janeiro”, de Baltazar da Silva Lisboa,
Rio, 3184-5, t. V I, sairam as nossas cartas X I , X I I , X V I .
Na “Revista do Instituto H istorico”, o Conego Januario da
Cunha Barbosa publicou, no tomo II, a nossa carta X I V e, no
t. I l l , a X V I.
Teixeira de Melo tentou, pela primeira vez, uma coleção «ias
“ Cartas” de Anchieta, tiradas sobretudo do livro de “Registro”
aludido acima, e publicou-a nos “A nais da Biblioteca Nacional”,
t. 1. I I , X I X e são elas as nossas cartas I, I I I , V I, V II, V I II , I X ,
X . X I I I , X V , X V I I , X X V I , X X V I I , X X V I I I . Mais tarde, quan­
do Capistrano de Abreu e Vale Cabral empreenderam a coleção
de “M ateriais e Achegas”, a Teixeira de Melo coube as Cartas de
A nchieta, anunciadas na capa do primeiro volume da coleção (as

6
NOTA PR ELIM IN A R

« Cartas do Padre Manoel da Hobrega", publicadas e anotadas por


Vale Cabral), a saber :
“ Cartas do Padre Joseph de Anchieta publicadas
por Teixeira de Melo (em preparação) . . . D e facto no “Diano fi-
ciai", onde primeiro se publicaram os que term tm n a m em
volume, começaram a sair, desde 30 de novembro, 1, 2 5, 7 9 ,1 3
16 17 22 24, 26 de dezembro de 188/. 2, 7, 8, 17, ~4, ~ ,
29’ de’.janeiro,
’. „3,c6, ia14, iK
15,16
lt>,17
ir , 19m ee 27
~/ de fevereiro,
j - 7, 8 e 1-7 de
março de 1888, traduzidas as cartas em português, escamados os
erros porém m utiladas nas expressões, e até longos periodos e mes­
mo paginas, quando a crueza de linguagem podia
Z dos leitores oficiais do “Diário". A publicação em volume, po-
rêm, nunca apareceu .
Capistrano de Abreu, perto de morrer, já, ha muito, desapa­
recidos os seus colaboradores, tornou ao proposito. Disso e P
vm Códice que se encontrou no sen espólio litera.no. e que contem
Z Í t t C a f a d a das publicações do
as omissões aludidas, as nossas Cartas I, II,
T I X I I X I I I X I V , X V . X V I . Esse códice de Capistrano que en-
Z Z S U de Teixeira de Melo no “ Diano O fic ia r, prova
aue - ou não conheciam outras cartas - ou só estas
como as de A nchieta, Ha a limitação d , datou 1554-1569 A Im ita ­
ção diz isso. Será um depoimento ainda mais do valor do nossa
lum e, muito mais rico de documentos, que vao ate lo M .
E m 1897, celebraram-se, em S . Paulo, festas anchieUmas e pos­
teriormente saiu o livro do “Centenario do Venerável Joseph de
A nchieta", A ü la u d , Paris-IAsboa, 1900, de algumas
onde vem, em reproducção fac-similar, uma pequen , ^
chieta (a nossa X I X ) . Tombem em 1900, pelo te n te m
coberta do Brasil, retr-aduziu-se a nossa X (a publicada »<*
pelo Conselheiro Lara, - vertida em tempo para »_
Teixeira de Melo com o concurso de Correa d S a .a g
pelo professor João Vieira de Alm « * « * £
nessa V II nesse fasciculo, das ‘ Cartas meditas , » >
D eC a U lo ço de Maggs B ro s., os conhecidos livreiros de Lon-

7
N O TA P R E L IM IN A R

dres, o dc n. 429, conheceu-se carta á venda, por iniciativa de P au­


lo Prado adquirida pela revista paulistana “ Terra roxa e outras
terras”, simbolicamente obtida, com café, e oferecida ao Museu Pau­
lista, cujos “ A n a is”, t. I l l , p . I, a publicaram, em seguida a Gen-
til Moura, que primeiro o fizera, na “Revista do B rasil”, n . X
(S . P aulo): é a nossa X X . Dela, e da nossa X V I I , já pbl. nos
“A nais da B ibi. N a c . , t . X I X , deu notícia A fonso de E . Taunay,
no seu opusculo “A ntigos aspectos paulistas”, S . Paulo, 1927. ^
Está aí o que havia sobre as cartas: dispersas, escondidas, m e­
ditas algumas em português, a que todas foram trasladadas: temos
2S cartas, numero que dobra o da coleção de Teixeira de Melo-Ca-
pistra.no de Abreu, apenas de 13. Não é pequena a vantagem.
Quanto ás outras obras em prosa, a história será menos delon­
gada. Da Biblioteca de Evora tirara preciosas cópias F . A . Var-
nhagen, que as oferecera ao Instituto Historico e Geográfico B ra­
sileiro, para a sua “R evista” ( t . V I, e tc .) . Capistrano de Abreu,
de copies mais fieis, constituiu o primeiro volume da coleção de “M a­
teriais e Achegas para a Historia e Geografia do Brasil”, atribuin-
do-as, deliber adament e, a Anchieta, sob o título: “Informações e
Fragmentos Históricos do Padre Joseph de A nchieta ( 1584-1586),
com introdução e notas de Capistrano de Abreu, Rio, 1886”
Consta de “Informação do Brasil e suas capitanias ; In fo r­
mações da provincia da Brasil para Nosso P adre”; c “Fragmentos
históricos”, excerptos recolhidos das “Anotações’ de Anchieta, a
qUe se refere Simão de Vasconcelos e que A ntonio Franco aprovei­
tou na “Imagem da virtude em o noviciado da Companhia dc Jesus
no Colégio de Coimbra” : são esses os nossos números X X I X ,
X X X II, X X X V I.
A “R evista do In stitu to Historico”, no seu tomo V III, pub li­
cou a “Informação dos casamentos dos indios do Brasil , segundo
copia de Evora, obtida por Varnhagen, e atribuída a A nchieta: e
o nosso número X X X I I I .
Também nesta revista saiu “ Trabalhos dos primeiros jesuí­
tas no B rasil”, t. L V II, que Capistrano, de uma sua cópia, in ti­
tulou “ Informação das primeiros aldeiamcntos da Baía”, sem ou-

8
NOTA P R E L IM IN A R

,ar attribui-la a Anchieta, o que faz, com as razãcs apresentadas


o sr. A ntonio de Alcantara Machado, o nosso anotador: e o nos.o

^ Xs f i XI X dos “Anais da Biblioteca Nacional" apareceram


, « d» Padre Gonçalo de Oliveira" e a “Resposta do
Padre Joseph de A nchieta": são os nossos ns. X X X IV e X X A ,
e também a “ Breve Narração das aos
sidencias da Companhia nesta provincia bramhca no ono d o m i ,
em latim, vertida para o vernáculo pelo professor Joao V ,e»a da
Alm eida e publicada no fasciculo das “ .Paulo,
1900: é o nosso n. X X X I . w rv rm
Finalm ente, os Sermões. Um, de 1568, (nosso n AAA )
foi publicado na“Revista doInstituto t LO ,
Conselheiro Tristão de Alencar Araripe. segundo fotografua -
m i s do originai (então emoA
ntuferendas ao
pelo Barão do Bio Branco.
o outro é “inédito" (nosso nc
cascão graças á caridade do revmo. padre Luiz Gonzaga a
s T' que nos deu tal prim azia, cófotográficas por ele tomadas
í a s à l a , em Bruxelas, no “ Archives Générales d« Royanme onde
F a ch a « o rig in a l “ Archives Jesu
Carton n. 31-7":n unca lhe agradecerei bastante este favo,,
U
de insigne a humilde anchietano, a quem assm, graUfu-on.
Z a obra em prosa: a obra em verso, o que podemos conse­
guir, em vernáculo,tudo o que atP—

-------c T ~ Õ l “ Cantoe « • A nchieta” , n ê,te livro, co rnton sêrSêó


‘■Ao ^ Santíssimo Saeram ento", “ C arta da „ B . U m l,a ” ; “ V illo” ;
S . F rancisco"; “ Da ReBurre.çao ; DeJS. > ,,PoMia ” ; “ P a ra quo
“ Poesia” : “ E n trai ad altare D e i ... > . mos” • “ Poesia” : So-
queres a n d a r” . . , ; “t o f t ”- " * " » que G e ra ra
berano principal’ . . . ; O P e’ p rovincial Març.al B elliarte” ; “ Dansa de
os índios de G uarapanm ao P adre Agsumpção” ; “ Seis Selvagens que dan-
Dez Meninos” ; “ Assumpção ; Dda d PS perdidos estavamos vos
— “ , ^ ” >,.‘^ ^ 1 d f C f mui I r l o l " ■ “Poeein": ‘‘N 6. t a » ,
amamos ; Cantiga . ra p oesia” : “ Quem conhece a Deus . . . .
bem somos am antes” . . . , u u tra r o w »

9
NOTA PR E L IM IN A R

E is aí tudo o que podemos lograr : o disperso, reunido; o es­


condido, descoberto; o inédito, publicado. E ’ a dívida, ja sem mo­
ratoria, paga finalm ente. Outros pagarão os'juros, de novas con­
tribuições, é possível; mas o principal, o devido, aqui está.
Quando a gratidão, aos santos da Companhia de Jesus, por­
que disse o nosso Anchieta, dos seus: “Convem ser santo para ser
da Companhia'’ — que educaram e criaram o Brasil infante nos
levou á publicação dos tomos das “ Cartas Jesuíticas”, tivemos o
propósito, simbolicamente, de interessar, na empresa, a todo o
B ra sil.
A Rodolfo Garcia, pois que já nos faltava Capistrano de Abreu,
pedi as anotações das “ Cartas do Padre Manuel da Nobrega”, ( o
plim eiro daquelles santos .) pois representa, o sabia historiador, a
escola tradicional de seu mestre, fundadora dos estudos jesuíticos
vo Brasil: êle renovou a obra de Vale Cabral, no I tomo das nossas
publicações jesuíticas.
O 11 tomo. o das “ Curtas A vulsas'’, coube á Academia B rasi­
leira, que promovera tais publicações e, por faltar outro, o mais
humilde dos seus empreendeu, por contraste, anotar os escritos des­
ses vinte e tantos Apostolas da Companhia, no Brasil: o essencial,
n obra d'Elcs, foi enfim publicada.
A nova geração, não podia, esquivar-se, e, por isso, um joven
anchietano, — anchictano já de quarta geração, — pois que pai,
avô e bisavô, Alcantara Machado, Brasilio Machado e J . J . Ma­
chado d ’Oliveira já eram devotos do santo — o S r . A ntonio de A l­
cantara Machado, consagrado peia Sociedade Capistrano de A breu
com um prêmio, á sua memoria, “ Anchieta na Capitania de São
Vicente”, foi escolhido, vara as anotações deste volume: não esqueci
que era a sua terra de, São Paulo que devia tal oblação a A n ch ieta .
Ele, como mestre que se revela, cum priu o seu mandato, nas mais

p inam bã” ; “ Dos Mysterios do Rosário de N. Senhora “ Jesus n a festa de


S. Lourenço” ; “ Dança que se fez na procissão de S. Lourenço de 12 meninos ;
“ P o esia” : “ Menino muito formoso” , (pags. 23-201). Foram os m ateriaes es­
colhidos principalm ente de Mss. do In s t. Historico, do Rio de Janeiro,
n s. 2105 e 2106, copias do D r. João F ranklin M assena, obtida em 1863 em
Roma, nos arquivos de Gesü, m atriz dos Jesuitas, além de outra copia do Barão
de Arinos comunicada a Mello Moraes Filho. Op. c i t ., p . 19-22.

10
NOTA PR E L IM IN A R

de 700 exaustivas e sábias anotações deste liv ro : alem disto, trasla­


dos e traduções de cartas, tudo perfeitamente feito. Ao merito de
se ju n ta r tal volume, este de o esclarecer e agora o de pubUcâ-lo : en­
carecemos nosso contentam ento.
A lém da caridade do Padre Luiz Gonzaga Cabral, 8 . J n u n ­
ca bastantemente louvada, nos agraciou a do Padre Cesar Bai-
ncse S . J ., com a da « Bibliografia de A nchieta ”, por Sommervo-
qcl-Rivière, haurida na sua livraria do Colegw Anchieta , de F n -
burgo; o Padre M urilo Moutinho 8 . J . nos favoreceu com uma
nota ás “Inform ações ”, de Capistrano. Afonso d ’E scrag nolle Tau-
nau sábio historiador e acadêmico, buscou-nos, no seu Museu Pau­
lista, alguns valiosos documentos iconográficos. A todos vai o re­
conhecimento da Academia Brasileira, que acredita, mais que nun­
ca, representar o Brasil. E m posfácio, A . de Alcantara Machado
nos dá preciosa suma da vida do apóstolo.
Joseph de Anchieta, já Venerável, talvez seja Santo da Igre­
ja, para 1934, data do I V Centenário de seu nascimento terreno.
Será o primeiro santo nacional.
Como bons romeiros, muito do propósito, para chegar prime,-
ro, chegamos do vespera, nesta homenagem, que é uma oraçao pela
nossa Patria, a quem Ele deu a rida, o apostolado, a santidade.

A . P.
R io, 1933.

A OBRA DE ANCHIETA NO BRASIL

{Artigo de Capistrano de Abreu, alu­


dido e citado, que saiu n O J ornai ,
do Mio, de 31 de agosto de 1JZ7).

T ' /u Anr*Viipt‘A íeserevia-se também, Anxeta e Anxieta, o

S B S c J iH 2 5 S 3 I
— e mãi guanche, in-
eid en ts" d ^ h S lévaram-no "cedo á Coimbra, aonde <*«**>»

1 1
A OBRA D E A N C H IE T A NO B R A SIL

os estudos. Seduziu-o a fraganeia da recem-fundada Companhia de


Jesus, e, aos 17 anos, alistou-se na milicia de Loiola. Vinte contava
ao ser expedido para o Brasil, mais propicio, no entender das au­
toridades de além-mar, ao seu estado valetudinario.
Na cidade da Baía estavam apenas o padre Salvador Rodrigues,
moribundo que só esperava a permissão do superior para passar
á vida melhor e Vicente Rodrigues, irmão da primeira leva de 49,
que servia de enfermeiro e ensinava a rezar. Um semestre bas­
tara ao padre Manoel da Nobrega para prever os tristes sucessos
que não tardariam a provocar o novo bispo e sua clerezia. Assim
aproveitara-se do navio em que Tomé de Sousa ia visitar as ca­
pitanias de baixo e deixou-se ficar na de São Vicente.
Pouco depois chegou á capital, o padre Leonardo Nunes, que
por mandado de Nobrega conduziu a Anchieta e quasi todos os
outros para o sul.
Na sua ausência Nobrega tinha transposto a serra de Parana-
piacaba e escolhido Jogar para seus súbditos se recolherem e tra­
balharem na conversão dos índios sem os inconvenientes da ma­
rinha. Deixando a borda da mata, com a vila de Santo Andre,
erigida pelo governador geral, procurou os campos de Piratininga,
já conhecidos de Martim Afonso. Atraia-o a proximidade do rio
Tietê, caminho do Paraguai, sobre o qual fundara e algum tempo
nutriu esperanças, levado de informações favoráveis quanto á do­
cilidade do gentio e facilidades de catequizá-lo.
No dia da conversão do apostolo do gentio, a 25 de janeiro
.de 1554, lançaram-se os fundamentos da atual cidade de São Paulo,
em Piratininga. Anchieta esteve presente.
Em breve começaram a aparecer os quilates de noviço. As
solidas humanidades que adquirira indicaram-no para a redação
das cartas quadrimestres. Fez-se professor de primeiras letras, de
latim, não só de irmãos como de sacerdotes, o padre Manoel de
Paiva, por exemplo .superior da missão. Para suprir a falta de
livros de ensino perdia parte da noite a trasladá-los. Fazia peças
manuais proprias ao escambo com os vizinhos que ajudaram a
minguar a fome. Sua atividade fisica e sua atividade intelectual
não conheciam fadiga.
Se em sua casa de Tenerife o basco era a lingua de familia
fica explicada a facilidade com que aprendeu o tupi, lingua de
estructura congenere e reduziu-a á gramatica.
O mesmo sucedera ao padre João de Aspilcueta Navarro. “ O
padre reza uma carta de Nobrega, de 10 de agosto de 1549, me­
nos de um semestre depois da chegada com Tomé de Sousa, “ o

12
A OBRA DE A N CH IETA NO BRASIL

padre já sabe, a lingua deles, que, ao que parece, se^ conforma com
a biscainha, de modo geral que com eles se entende .
A arte da lingua ainda manuscrita, íoi tornada, revista obr
gatoria desde 156Ü, pelo padre Luiz da ü ra. Levista diuturna-
mente por entendidos, foi impressa a primeira vez em 1595 no
ultimo quartel do século passado reimprimiu-a e traduziu-a Julius
Platzmann, benemerito alemão a quem os estudos amencanistas
tanto devem. . . ,
O prestigio de Anchieta junto a Nobrega, ja Provincial da
Companhia de Jesus, manifestou-se no chamado^ armst.eio de Ipe-
rnií? As hostiliddes entre os moradores de bao Vicente e os
moiós, Comarcãos do Norte, subiram a tal ponto> que Nobrega de-

dações de São Vicente, fez voto de consagrar a Virgem se conse


guisse atravessar incólume as tentações da earn .
a1^ r r d4

r n a r r a " n g neTa de Pedro


Í T P “ a T ^ S C^ i h e t i t a v a passados em papel. O feitio

“ t:„ “ er0I e fa6i:‘ — I X e portanto seu im­


prescindível auxiliar, em organúmr . ^ p r e s * d .
mandado sem recursos suficientes, a J o r t « A armada,
abandonado depois da derrota dos ftanc^es em 1 .
d - i « ‘t r l C ç a í j t S b v S : — ti e de AnUieta,
S o “ “ te % £ fazer superior mas ^deii as suas o ^ o e s
e a despedida, perante a comun^ade declarou, o ^
sacerdote, .sera superior, ma.s em déve ter e de tomar seus
mestre do respeito e reverencia que lhe deve ter

13
A OBRA D E A N C H IE T A NO B R A SIL

inimigos; os Tamoios das cercanias, realmente, pacificados, pre­


feriram retirar-se para o sertão a fazer causa comum com os pa­
rentes do Rio de Janeiro e Cabo-Frio.
Depois de assistir aos primeiros dias da instalação da futura
cidade, do que uma carta sua, infelizmente muito mutilada pelo
tempo, é o unico documento conhecido, Anchieta seguiu para a
Baía a tomar ordens sacras. De caminho visitou a casa e as al­
deias do Espirito-Santos, segundo ordem do superoir.
Da Baía, já clérigo de missa, voltou com Mem de Sá, terceiro
governador, com o bispo, d . Pedro Leitão, seu antigo colega de
Coimbra, com Inácio de Azevedo, primeiro visitador da Compa­
nhia. Com esta armada Mem de Sá esmagou os Tamoios, ainda
resistentes e os Franceses espalhados pelas aldeias e mais peri­
gosos agora que na derrocada da fortaleza de Villegaignon. Da
entrada da barra transferiu a cidade para a mata secular do
morro do Castelo, de pitoresca memória.
Nesta estadia autores jesuítas inserem a historia de Boulés,
o Jean Cointa da narrativa de Léry, francês, fidalgo e hereje
condenado á pena ultim a. O carrasco mostrava-se bisonho no ofi­
cio: o hereje reconciliado de fresco ,podia explodir em blasfêmias
e reincidir nas mesmas erronias. Anchieta, para evitar a perda
de uma alma que conquistara, substituiu o corrasco. Desta his­
toria pouco edificante, têm-se aproveitado os incréus e protestan­
tes. Será verdadeira? Manca pelo menos num ponto capital: Bou­
lés não morreu no Rio, mas na Índia, para onde foi mandado de­
pois de anos de vida ruidosa no Brasil e de um processo rigoroso
no Santo Oficio de Lisboa. Se vitima houve não foi certamente ele.
No Rio ficou Manoel da Nobrega como reitor do novo Colégio
e poucos anos mais viveu. Anchieta seguiu para o Sul, nos anos
seguintes aparece como superior de São Vicente ou Piratininga ou
simples sacerdote, descendo rios encachoeirados como o Tietê, de
que um salto ainda perpetua sua lembrança, perambulando na in­
findável praia de Itanhaem, que ainda hoje guarda o aspecto sob
que Anchieta a conheceu, ideando e representando autos, especie
de antecipação de cinema, literatura para quem não sabia ler, poe­
tando em quatro linguas tupi, latim, português e castelhano.
A Companhia possuia embarcação propria para os Provinciais
inspecionarem a provincia e os superiores locais irem ás congre­
gações da Baía. Naturalmente assistia a uma dessas congregações
na cidade de Salvador, quando recebeu a nomeação de provincial
em 1577.
A nomeação só surpreendeu a ele.
Em toda a provincia ninguem o ingualava em credito. A Roma1

14
A OBBA DE A N C H IET A NO BRASIL

chegaram como pregoeiros suas proprias cartas, tão instrutivas


Lmpre que podia forrrar-se dos padrões obrigatorios e as impres­
sões levadas por Inácio de Azevedo, deixaram-no assinalado.
No decurso de seu provincialato chegou ao BrasilL o segun o
visitador dos Jesuítas, Cristovão de Gouvea. Com e s t e e « Fernao
Cardim que assim descreveu o Provincial em uma P“ °
reino- “ o padre vinha de traz, a pe, com as abas da cinta, des-
calço,'bem cansado; é este padre um S a n to de grande exempk e
oração clieio de toda a perfeição, desprezador de si e do mundo,
um feoluna grande desta provincia e tem feito grande cristandade
e conservado um grande exemplo: de ordinário erê
retirá-lo de andar sendo muito enfermo. Enfim, sua vida

^C^ardim* feitor0 d ^R ^d e^ an ^ w /co n v en ceran ase^ en tào ^ p m

S1°” Este periodo aproveitou em escrever apontamentos sobre as


missões da Companhia e alguns dos missmnarios
nhecem-se apenas "^L d” — a d i e i s . Se

as gemadas de Simao de Vasconselos. 1597 em Reritiba


« J iZ a X " ^ m ^ n a v e n te na reação pombalina, hoje

AnCt ? a m ! 1 S ’ t a t r " á 0íinba em


tum ulo; desde logo começaram a ^ "otados e aut

uma divida que não admite mais moratoria.

15
INTRODUÇÃO

astaria talvez o artigo de Capistrano de Abreu, que repro­


B duzimos, no fim da precedente nota preliminar, para intro­
dução deste volume: ele resume “a obra de Anchieta no Brasil” .
O nosso escopo, aqui, é mais modesto: apenas o da apresentação da
obra literaria subsistente, de que este livro é maior parte, nunca
reunida.
*
Anchieta. . . Foi Capistrano de Abreu quem rectificou a pro­
núncia que, antes dele, ainda pelo fim do século passado, era aqui
A nquiêta. Insistia então, no que repetiu no primeiro periodo desse
último escrito, sobre o Apostolo: “ Anchieta (escrevia-se também
A nxeta e A nxieta, o que fixa a pronúncia)” . Ficou “A nxiêta ” .
Entretanto não é tiido. Primeiro, o “ch” basco tem som de
“ t x ”; portanto será “A n tx ie ta ” . Mas, ha mais: os que escreviam
pela ortografia, escreviam “A nchieta”, mas, os que escreviam pela
prosódia escreviam “A ncheta” ou “ A n xeta ”, sem i . Esse i

Pig i __ Ampliação da assinatura de Anchieta, que escreveu Anchièta ( Carta


X I X ) , segundo o facsimile pbl. no Livro do “ Centenário do
P . Joseph de Anchieta, Faris-Lisboa, 1900.

que nos faz hoje fechar o “ e”, circunflexo, “A nchieta”, é que pa­
rece errado, porque é o proprio Apóstolo que acentua, com acento
grave, esse “ e”, como para não fechá-lo expressamente, ao que o “i ”

17
2
INTRODUÇÃO

Fi„ 2 _ Coto ío manuscrito de Anehteta, qne « “ « * « * *


J pe„lielu. onde mão contemporânea escreveu Anelte

■ . ~7 r

■dca40<*^.>y bomb;fc dcvg^f^'*1^

' : |
S
,.y pcogreiio gtau patu n u if

c° “^

•zes yua a vcc,y eiifeáar* y ale

i p i ^ & F,IX ’*1


.'• ■ •:■■'■ . ' -
■ ■- ■ - « r r r
Sucejjo dt lojspb car, vn Ifidiarejif
. • Ç its d o * .1
ii. ■. * W í$ k - ’ ' , fi
?, y* N San V i c e ore vlula cl Padrd ^c*r
v. \ cjt_ fcpb
Panina(dudo
clo livroíUocsq pciPadre
“ Vida del io n a^jpa rc,i~
Joseph de gr0”
*,
Ancbeta”,
S a la m a n ca 1618 do P . Esteban Patermina. no qual, nem vma vez,
Q .5 ■ *“ **£»_'. •
T Z Z ' o n L e t o T e n a c e , „r „«<™ .....Z T ' S T ’ * ““
mesmo, nesta amostro. Ires vezes: A ncneta .

1 8
INTRODUÇÃO

parece conduzir. De onde, talvez outros escrevessem, como pronun­


ciavam: “A nchièta” ou “A n xeta ” . Portanto: “ A ntxèta ” nos pa­
rece a maneira de pronunciar o nome do Venerável, pelos seus con­
temporaneos.
Dessa reivindicação ortoépica, completando a de Capistrano,
temos varios documentos. Primeiro, a assinatura de Anchieta, na
sua carta a Schetz (a nossa X IX ). Segundo, a nota do verso de
uma das cartas autógrafas do Museu Paulista, onde mão contempo­
ranea escreveu “A ncheta” . Finalmente, em livros espanhóis con­
temporaneos, dos quais um e muito significativo. Na Vida do
padre Beretario, em latim, é sempre ‘‘Anchieta . Na tradução, em
castelhano, desse livro, o padre Patermina escreve sempre, não como
lia, mas como ouvia: “A ncheta” . Como quer que seja, não é pos-
sivel. escrevendo “A ncheta”, ler “A nchieta ”, como nós pronuncia­
mos, e não devemos mais pronunciar.
Anchieta sim, escreve-se, mas é “A n tx è ta ” que se deve pro­
nunciar.
*

Refere Teixeira de Melo que o pai de Anchieta saiu foragido


de Espanha, a acoutar-se das perseguições do Imperador Carlos V,
nas ilhas Canarias, vindo da provincia de Biscaia. “ Incidentes des­
conhecidos levaram-no cedo (ao filho) a Coimbra, aonde começou
os estudos”, diz Capistrano de Abreu.
E ’ óbvio que procurasse para o filho estudo em Portugal, se,
em Espanha, fora perseguido. Daí a lenda “lusitana’ , referida por
Simão de Vasconcelos, que o quisera nascido no Reino, e não em
Tenerife.
Nas “ Cartas A vulsas” mostramos que João de Azpilcueta Na­
varro, era primo de São Francisco Xavier, cuja mãe fôra Dona
Maria de Azpilcueta, e cujo irmão mais velho tinha o mesmo nome
do nosso Padre Navarro. Simão de Vasconcelos pretende, para An­
chieta, o parentesco com Inácio de Loiola, primo de Xavier; por­
tanto, o nosso santo parente de dois santos.
E ’ verdade. Recentemente, Adolphe Coster, no seu livro Juan
de Anchieta et la f 'amitte de Lay ala, Paris, 1930, conta, documcn-
tadamente, as relações dificeis e intrincadas, inimigos < reconci ia
dos entre os Anchieta e os Loiola, personagens nobres, abastados
e parentes. Juan de Anchieta, musico de talento, chantre da Ca­
pela Real sob Fernando e Isabel, mestre do Infante Don Juan,
conego prebendado, influente reitor, — ambicioso, e, por isso, abas­
tado, __ era primo germano de Beltran de Onas y Loyola, pai tie
Santo Ignacio. Quando Juan de Anchieta morre, em 1523, no seu

19
INTRODUÇÃO

■ t - . - J S“ T s ^ r i / y Z % m e n u T ’t ^
l Z £ 7 X s u Z a J ie n to . . , ; (òb d t P. « T O
em 23, que, em 34, bem moço ainda, vai ser o p

Ch,e Depois da morte do reitor, o primeiro João de

= s = B f l E Í Í = « “
poderia tornar o rebento ausente dates, talJ “ ’hP“a se ' easa com
lado de Espmha, em TenerKe^ ■ breza local; em Laguna,
L “ terceiro “ o d * de S. José, (19 de março) de
lf)34 o nosso José de Anchieta. _
Daí se assim foi, os estudos deste em Portugal, e nao em ^
panha Em Coimbra os Jesuitas haviam de atrai-lo. j " ^ ^ h n ig o s ”
S™h por diferentes caminhos£
“ algum tempo encontradas ■ ^ V“ ^ e Loiola) agora para
; " ™ o : ^ ■ « “ c ^ . Ã T l i n b a . , . H » por que, dizem, Deus
escreve certo.

De compleição franzina e doentia, o Brasil lhe foi destinado,


peio bom clima, de J 1™.lt*eC o ? % u -
gu^^hardam ^e^a^d^eserivã^de^cartas, redactor de info™açfes^

hà Pretende Capistrano, arrimado em Nobrega para Navarro,


Í m „ sfr btsednho lhe facilitaria a tarefa, linguas de estrutura
congênere. Facilitar não é tudo.
As orações, a doutrina, as perguntas de c o n fi^ o .^ . que o
Padre Azpilcueta primeiro, com bons línguas de Porto g ’
teu em tupi. seriam redigidas, e Anchieta, e, depois dele, outr
acrescentaram e aperfeiçoaram a obra comum, destarte co e iva, pe
colaboração. ^
Assim, até o Catecismo Jesuíta de catequese.
Entretanto, a obra pessoal de Anchieta sobrava, e, muito mais

20
INTBODUÇÃO

que versões e traslados, ia ele empreender: foi a gramática da lin­


gua geral.
Quando, em 1560, o Padre Luiz da Grã torna á Baía e dá
novo alento á catequese, ao ensino dos brancos, ás leituras dos pa-

ARTE D E GR A M A
H AT I CÁ Da L i N C O A ;
m aisv fA d a n a co lia d o B raíil. . 'i
jjjjfjt *< U rt lo jiy b d t ^ M b U U Ê é J ^ é n b i à & J

4 _ Reprodução da primeira pagina da Artinha de Anchieta


F ig.
(iexemplar da Biblioteca A acionai )

21
in t r o d u ç ã o

a re . e irmãos, dú, numa carta, Rui ‘^ d" W


cm casa que houveste cada cl« « , o mJ re dela pola saber
sílica, que ca. chamamos g r- > tocios posto que sejam
entender e explicar suas regras y y y t X ) Dissera o Padre
mui boas lingoas.” (Cartas Avulsas X X X IX ). D.®era
João de Melo: “ Logo que o Padre Joseph;
casa se lease a S T e instruído nela
O mesmo lad re e o mestr mesmos lingoas. Desta
que leva a vantagem nas cousas da arte aos mesm « B .
lição nem reitor, nem pregac.oi, nr ) dentr0 de um ano
Vai a cousa tão devéras que ^ ^ mais
<c. x x x v iii).
Essa artinha composta ,»1. irmão fe e p h Ar " a ^ ^ q u e
iá se lia ou ensinava em bO, em traslados puos coi g •

h i ~

• T .-’" " ’’“o ? : Z D r Z rouba, em 1732, disse no-los ter


5 S 1 ; mas »dr J U V .... . * » * Batista c “ -
tan,,N?o ^ p i Z t ' v ^ o ^ ^ r s o s e autos tupis, no original,
‘ram sua ntiHdade. de edificação. Rezas e mistérios na lin-
gua dos Indigenas, como orações. catecismo, leiras-, forem a a
da em que „ Brasil começou a soletrar n omhraçoo. Auto.
tre, Anchieta. . ,
' F m nortu°riês para reinóis, mamalucos ou m e s tiç o s ta m b é m
M i» ” ;nl,os OU mistérios, o , - » - » « g pe ;
didos, inauguraram a literatura J “ ru‘ o òt g r i a da
blime de evangeli/.ar, domesticar, polir, * »* \ neMeta
forra entretendo-os. divertindo-os, bondade pela arte. Ancme
r n- primeiro artista, o iniciador da literatu ra’
Mas nem tudo desapareceu ou c maproveitavel. t « »
0 c outros papeis, aqui reunidos, ha só^ rela­
ção. mas documentas inapreciáveis de h.stona h isto n . B ra ,

compara-se e excede aos melhores, antes e depois. Pero \ as,


INTRODUÇÃO

pucio, Pero Lopes, Hans Staden, Gandavo, Nobrega, os Jesuitas


das Cartas Avulsas, Fernão Cardim ... têm em Anchieta um com­
petidor, em observação, descrição, interpretação, que os hombreia
e sobreleva, só mais tarde excedido por um tratado sistemático, o
inventario descritivo de Gabriel Soares: até o seu tempo nenhum
excedeu, descrevendo o Brasil e os Brasis, a Anchieta.
Mas, esse muito é, por êle mesmo, excedido. A Carta XIV, de
1563, contando ao Padre Geral Diogo Lainez o assalto dos índios
a Piratininga, é tão vivida e expressa, que o leitor brasileiro, com
o coração batendo, ainda sabido o resultado, se confrange allito
pelo termo da peleja, como se vacilasse, um instante, a sorte da ci­
vilização latina e cristã em S. Paulo. Quaisquer que tenham sido
outros of egos de respiração, coração apertado, alma ai Ida (pie a
sorte d'3 São Paulo tem dado, aos brasileiros que sabemos querer
devidamente o melhor de nossa Patria, foi o Pad™ Joseph de An­
chieta (piem, comunicando, pela primeira vez. este estado de tran­
se. deu também a confiança da vitoria lina!, na e < na cei <za.
Épica esta página de história do Brasil.
Outra página, longa como um pesadelo, entrecortada de susto
e de esperança, entre a incerteza, a desconfiança, o medo, que ins­
pira a barbárie, e a serenidade, a espectativa a íi 1 Com
a fé, é esta outra Carta XV. de 15ba. que relata a
os Tamoios Para que lêr Varnhagen, o Historiador? ou Maga
lhães, o Poeta? Anchieta viu. foi o refém, sentm r
e alcançou: leiam nas escolas essas cartas XTV e ^ ,1

m"'Mui e t s r v ? » . .
âVdo Mo de Jan eiro ... E ’ a certidão de baUsmo do Eto ea
cnrta Não sei como ela não é lida nas escolas publicas, tad -
de ' t " : ou 1- de M a ,,o ... O
guio, conta esta carta de ha quatro s,-culos, rcvm tome>vc e
siste, naquelas paginas, nascer senão o Lidw l [aneiro nas
o coração, - o rosto da P a tn a ... Nasce o Kio de Janeiro,
paginas de Anchieta. , . „ ,
Essas cartas não são apenas document,» de h.s ona>, « o a
coisa mais. que ainda vive: a Histona, “ “ '’r ^ f t e m a n h o , um
nas recordação, pois que vive na emoção de um Pslemun
actor, — José de Anchieta. _ Rrasileiros para elas,
Estas linhas, que chamam a atençao dos Bra. V
valem por todo o esforço e por toda a pena que este Im o M
senta.
23
INTBODUÇXO

Informante, naturalista, etnógrafo, m oralista... Mais que isto,,


historiador da propria história, que viveu, ajudou a v iv er... Será
preciso mais! H a mais.
Pelos seus versos remanescentes, seus autos perdidos, sua arti-
nha da lingua geral, suas escolas e lições, Joseph de Anchieta era
o iniciador da literatura brasileira. Escrevera, insisto, a cartilha
em que os primeiros brasileiros soletraram a Civilização.
Abertos os olhos do espirito á luz da razão, os Brasis iriam ser
o Brasil. Aos velhos, os que ignoravam a propria cultura que tra­
ziam abriu também Anchieta os olhos do espírito á latinidade, cur­
so superior já no Brasil desse tempo: o bom Padre Manuel de Pai­
va um dos fundadores de S . Paulo e outros, foram, em b . I aulo,
alunos de latim do irmão Joseph de A n c h i e t a o primeiro nestas
partes”, são palavras do biografo Padre Pedro Rodngues. Portan­
to, Anchieta poeta, dramaturgo, linguista, mestre. Mas isto e his­
tória, é recordação. . .
Mais que isto. O nosso livro tem dois sermões do Padre. ..
Leiam-nos... Toquem na substancia deles. Um século depois ha­
verá o genio-solar de Vieira. Sim. Mas não sei se, em todo Vieira,
haverá uma ideia tão prof unda, tão íntima, tao certa como a de An­
chieta, comemorando a fundação de Sao Paulo, que foi dia da con­
versão do seu orago, o Apostolo das Gentes. Depois
neleia de Cristo ofendido, e de Paulo perseguidor: Paulo, 1 aulo,
noraue me persegues?”, o orador que não recorda apenas, mas lem-
L T p a ra ^ i c a r 8 passa a descrever o caminhe£
em que nós pecamos, isto é, perseguimos a Deus, e Deus que no
fundo de nossa consciência nos murmura, piedosamente. Porque
me persegues?” . . . E ’ a tragédia única de Paulo, transposta para
o quotidiano incessante do m undo... E ’ o d ram aP erC-Se ^ Vaiüo
ciência invocado para comover, edificar e reformar. E ’
co T 8er Paulo, não resistiu, porque, misero pecador miserável, has
do continuar nerseguidor? E ’ sublime. Ha quatro séculos, num
Anchieta achara este simbolo, trans-
S e n te : o Demonic dentro, de n ó . ..
cedendo a um, vem-nos da consciência, a voz d q
gunta: “ Pecador, pecador, porque me persegues. •
Estes sermões contam, literariamente, foi o que ‘^ e n t o e
tas e informações foram genero trivial desde 0 di^ e.
Anchieta se confunde com os outros, entre os melhores, que ais.
“ m Z Braeü. Mas. antes de 1567 e 68, não ha
literatura brasileira, em prosa Ha agora:os, sermoe " r e ^ e
de Anchieta. O seu poema a Virgem e latino, e s £ mbem já.
ridade; os seus catecismos, gramatica, aut ., P?

25
INTRODUÇÃO

„oS são, senão estranhos, hoje esqueeidos Ha os r e ^ n e c ^ t o d e


seus versos que publicamos nas 1 *tMU grandes obras em
mões”, que hoje publicamos, com as suas outras gram
I,rasa- ■ • o A
0 Missionário, etniA no Qanto
Apostolo, banto José
Josc de
ue Anchieta tem ou-
Histo.
tras coroas gloriosas no mundo, de Mestre, de Lmg . ,
riador, de Iniciador da Literatura B rasileira...

A f r a n io P e ix o t o .

2 6
BIBLIOGRAFIA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA S. J.,
pxtractada da BiNiothèque ãe la Compagnie de Jesus, por Carlosi Sommervo-
gel S J . , tomo I, pags. 310-312, Bruxelles-Paris, 1890 o \ I U , pags-
1631 Bruxelles-Paris, 1898 e Suplemento: Corrections et additions à la
Bibliothèque de la Compagnie de Jesus — Por Ernest Kuion'
Fasciculo I I , p a g . 64, Toulouse, 1912-1930 ( ) .

j, _A rte de gramatica da lingoa mais usada na cosia do


B rasil. Fevta pelo Padre Joseph cie Anchieta, da Cõpanhia de Jesu.
En Coimbra, por Antonio de Mariz, 1595, 8" íf . 58. ...coin
chi eta publicada por Julio Platzmann. Edição facsimilaria stereo-
tipa. Leipzig, Trubner, 1874, 16° ff. 58.
_ Jos de Anchieta, A rte de gramatica dg lingoa num usada
ow costa do B ra sil novamente dado á luz por Julio llatzmann.
Leipzig. Trubner, 1874. 8° pp. X I1-82.
_ Grammatica der Brasiliamschen Sprache mit Zugrunc -le-
gung des Anchieta, herausgegeben von Julius llatzm ann. Liepzig.
B. G. Tlubner, 1874. 8o, pp. X III, 178.
- Margraviuk (O. ) - De lingua n
P . Joseph! do Anchieta ; p. 274 de Uistonm rerrnn Eras.t e
- R eland (H ad r.) De Ihujua Brasilia,- ex GrammnL A ,irine-
f a • _ dans Dissertationes Misccllanoce, t. Ill, P- 1 ' :)■
: No colégio dos Jesuitas de Palermo havia urn exemplar msc
desta gramatica- . . . nova mente acrescentada, e red tu a a a 01
desta gramauca. . . . P _,1rp u n\y Figueira, da mesma
da arte de gramatica la tin a . Pelo lad re muz n h
Companhia. Ano 1620. In-4" de 108 pags.

X U . ao Livro 111 Centenaria


L isb o a/ 1900, p a g . 343-MS, rev,» a polo j a f U . do t o g
do Nova Friburgo, polo revmo. P adre Cosar Dame»,. »■
os aumentos do P adre E . Itiviere.

27
BIBLIOGRAFIA DO PADRE ANCHIETA, S. J.

2 . — De Beata Virgine Dei Matre Maria.


E ’ um poema de 2086 dísticos, insertos de pág. « i á„528 na
Crónica eto Brasil, do P . Simio de Vasconcelos S J " e “ a >
do Ven P Joseph de A nchieta, pelo mesmo autor, ps. 4M-&8o.
_ V ita Beatissimae V irginis Mariae, a Josepho Anchieta Lusi­
tano societatis Jesu ex^voto eompcisit^ f c j o seeulo >
com uma aprovaçao do P . J . lienauuam
131 n 26)
’ — Poema Marianum Antore Venerabili P . Josepho de A^ ie*
+a Lacunensi Sacerdote Professo Societatis Jesu, Apostolo Brasi-
ta nuncupato. Ano M
Lacunensi,
lien.si MT DirrrL X XAXAVVIIu. Typis
IO U jA xyi »
Vicentn a Bon-
net. In Urbe Sancta Crucis (Tenenfa), 8 PP- 176 • g '
— Breve oficio de la Immaculada Concepcion de la b b . Vtr-
gen ,escrito en versos sitiens latinos por el \ . P . Jos.i de Anchieta^
S. J „ traducido al Kuskarra en cl mismo metro poi el l • “
Arana; — na Euskal-erria ,revista bascongada, t. M U (ban b
bastian, 1883). p. 415-418.
3 - Informações c fragmentos historicos do Padre Joseph de
Anchieta (1584-1586), publicados por Capistrano de Abi eu. Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886, 8" pp. XM -84.
Em tom 1 de: Materiais e achegas para historia e geogtafia do
B ra sT jxtU ica d o s por ordem do Ministerio da Fazenda. Na mesma
coleção acham-se:
4 . — Cartas do P . Joseph dc Anchieta (1554-1567) ( ), pu-
blicadas por Teixeira de Mello.
a) Duas cartas ■em Cartas
: dc unas cart as de algunos padres
y hermanos de Com pa nia de Jesus, que escrevieron de la India, J a ­
pon y Brasil a los padres il hermanos de la misma Compania en Por-
tngal, trasladadas do por■tugues en castelhano. Fueron rccibidas el
ano de mil y queinientos y cincuenta y cinco. Lisboa, por Juan Al-
vares, 1555, ff. 33 uch.
As cartas do Padre Anchieta foram reproduzidas no t. H I,
p. 316-323 dos Anais da Biblioteca Nacional do Bio-de-Janeiro.
(*) A proposito destas cartas o “ Suplemento” inform a:
a») C arta escripta de S. Vicente sobre a morte do P . Veteo Co:^ ^ - 1 5
dc março de 1555; acha-se nos “ Diversi avim p a rtico la n dall Indie . (Vene

tia ’ C arta a^Igm ocio de Loyola: de P ira tin in g a (1555?); ibidem, f l.


248r-249v .
1>) E sta c a rta acha-se: fol. 150r-172*.
c) E sta c a rta acha-se: fol. 182*-189*.

28
B IB L IO G R A FIA DO PA DRE ANCHIETA, S. J .

b) Copia d ’alcuni capitoli della lettera dei Brasüle dei mese


di Maaciio 1560, scritta da Joseph, che tratta degli animali, et pian-
* e t d Z t r e cose notabili dell'Indie; - p . 150-171 de Nuom avm
particolari d e lV In d ie ... 3a parte. Venetia, 1562, 8
c) Copia di im a dei fratello Josepho, scritta < da Brasil per
il padre general da Compagnia di Giesu alli 30, di Lluglio dei lo61,
_ib id ., 4a parte, Venetia, 1565, p. 182.
d) Na Josephi A nchietce... V ita ... a Seb. Beretcmo (Lu-
ffduni 1617) ha cinco cartas. Citamos as pags., onde se acham as
cartas, segundo a edição de Colonia (1617) _
A d A ntonium Rtbetrum Societatis í i . (pp- 3J1' J )•
F r a n c i s c u m Escal anl i mn (pp. 396-398) - (p.399).
_ Ad eum ( pp. 400-403) ; e um extrato da sua edita Ad
dem

,m m r Z L % “ !ernm de Portugal; Carta a hum Ca-


e a r d l l X Z Z : pãgs. W e 302-308 da Vida
seph de Anchieta, do P . S.mao de Vasconcelos, S. J ., Lisboa, 164i.
f \ Fnistola auam plurimarum rerum natui ahum, qua- S.

S K K i t r = . ‘S S S S ®
ções ultramarinas (Lisboa, 1812,^ , 'üriraeira vez) e publi-
Foi trasladada para português (p P Taneiro) I
cada nos “ Anais da Bibliotéca Nacional” (do Rio de Janeiro), 1,

PP' o )5 'Topia de uma carta de S . Vicente, do Irmão José de An­


chieta! para o Padre mestre JLnsti-
r S ™ » - e i t o , 1840), ,

m \ r T Z Z a do
zsx & r - s : t: s * PP. -
258 'i) Informação dos casamentos
mação do Brasa e de suas cap,tamas, 1584. I W - , t. VI, P
Cat. dos Mss. de Evora, I, P- l b - PC!r)rita de S. Vi-
i) Carta do P . Manoel da Nobrega a d -,m , esc ‘ a0
rente a 1 de Junho de 1560; excertos l 7 2a serie do
seu geral da mesma data e lo g ar...
Brasil Historico de Melo Morais (1866).

29
BIBLIO G RA FIA DO P A D ltE ANCHIETA, S. J .

fr, Umacarta da Haia, de 7 de Junho de 1578 que se encon­


tra em UneSncr erie nversoian M l, par le P. K.eekens, S. J.
A
(Anvers, 1883, 8") (*)•
As poesias (Cantos) de Anchieta foram impugnadas pelo
D r. B a t S Caetino de Almeida Nogueira nos o art.gos suee-vos
uue a éste respeito publicou o “ Diano Oficial de 11 a 15
zembro de 1882, sob o título "Cantos do l adre Anchieta .
Nos mesmos artigo, (Diário O f,ciai de 14 de dezembro de 1882)
Batista Caetano classitica de impostuia a 1,11 ■
<ln CJWoa Morais filho, no seu “ Parnaso Brasileiro (B L, Gamier,
editor, 1885)” publicou de Anchieta as poesias seguintes (em poi-
tuguês) :
A o Sol iti ss im o Sacramento (Inédito);
Santa Ursula (Dialogo entre um Anjo e Satanaz) ; e
O pelote domingueiro (Inéditos).

5 . _ Poesias do venerável podre. José eVAnchieta, escritas em


tupi. castelhano, latim e português, f f . 64. (Cat. dos Mss. <o n -
tituto Historie o e Geogr. Brasileiro). Rio de Janeiro. 1884, p. 14b,
número 40.
_ Poesias del venerable P . José de Anchieta, escritas en len-
„ Ua Tupv. (Seguidas de una traduceion portuguesa, del p. Juan
da Cunha). Copiadas de un mse. autentico exmtente en los A^hr-
vos de la Compania de Jesus en Roma por el Di . Jos< I r a n
Massena y Silva. Roma 1863. S'\ pp. 1«.
E ’ um drama em dois atos, intitulado: Jesus na festa de Sao

L<nn™resino Melo Morais filho, no seu “ Curso de Literatura” (2a


edição, Rio, 1882), publicou:
Da ressurreição e outras poesias de Anchieta.
_ Poesia en lengua Tupi , por el P. Joseph de Anchieta. Co­
par J . Franklin Massena. Roma, 6 de Deciembre de 1863 Iractu-
cida al português por el P. D. Juan da Cunha. 8o, pp. •
(Vintém: “Dança que se fez na procissão de S . Lourenço, roe-
, ia - Vid. Conde de la Vinaza : Bibliographia espanola de lenguas

(• ) Al Scnor Gaspar Sclietz


en Antvers
A carta foi escrita da Baía c traz a data seguinte: “ 7 de Junio 157%” .
Acha-se no “ Bulletin de la Société royale de Géographie d ’Anvers” , tom . V il
p ag. 471.

30
B IB L IO G R A FIA DO PADRE ANCHIETA, S. J.

indigenas da America. Madrid, 1892 pp. 2^1'212^' ÍV*


obra p 243, cita-se a seguinte peça: Poesias del \enerable P . J
s(ph’ de Anchieta escritas en lengua Tupy. ires codices ongmales
existentes en la Bibliotheca de la Compaina de Jesus, de Roma.
As copiadas por Franklin Massena estão reunidas sob o se­
guinte títu lo :
Camões de Jose de Anchieta. - A Nossa Senhora dos I raze-
0 _ L , ta Inês — Vaidades das cousas do mundo. — Da
— Carta (em verso) da Companhia de Jesus para o feera-
o S Francisco. Conforme-copias de um manuscrito de Pedro
(ndremii P riv ncial que foi da Companhia de Jesus, extraídos
Andreom. n o ^ Franklin Massena, socio correspon-
eZ u Z \ Z Z o âl ^ o Brasileiro, e pertencentes ã Bibliothca
do Imperador.
6 _ Sermão sobre a Conversão ele S. Paulo. No t LÍV 0*92)
(la Revista T ri mensal elo InstUulo Historico e Geografuo.
Sotwel dá a seguinte lista das obras do P. . typis
1 _ A rs grammatica lingual Brasüicai. — In Lusitania n p is
PV(.usa — 2 Dictionarium ejusdem hnguiv brasílica.. - •
rírim Christiana pleniorqne calechis,nus cac em h n g “ P ' V
- \ . Dialog» '10 Religionis mysten,s. - o
ad interrogandos inter Confessionem paio " ( liminis
...... itornni adjurandos mon hna, -

Z Z tifm t^ o i n X oi,™ I’otruin n-


.rerun!. „ . ÍA.. . p Franco extraiu as
Foi sem duvida do n. 10, i « ‘ ' ] pndrinues F r. Pires e
Vidas dos P . Manuel de Paiva, Salva 212-2U e 215-219 da
Gregorio Serrão que se acham no - , nimi,ra,. A p. 205 cita o
Imagem ela Virtude em o o- ^ ácerca das primei-
p Franco do Padre Anchieta: Apontarmmus „
ras lousas e primeiros Padre, da provmc.a do Brasd. .
O Suplemento traz mais esta adiçao:
Concio B . P . Josephi A M
Brasilia Baga 7 Januam 162!) et accept,, M r b ^ 7 de
In- 4 », pp. 19: com um a carta do 1 • 1 animciando-lhe a
à Bruxelles; Ar-
chWe? Jésuitiques, Flandro-Belgique, n. 1437.

31
Cartas
i

Q u a d rim e s tre de Maio a S e te m b ro de 1554, de P ik a tin in g a (1)

Partida do Padre Leonardo Nunes. — Residências da Companhia


no Prasii. — Padres Manuel da Nobre go, Luiz da Grã, Anto­
nio Pires e Irmão João Gonçalves. — Morte de Domingos Pe-
corella. — Porto Seguro. — Padre Ambrosio Pires e Irmão
Antonio Blasquez. — Espirito Santo — Padre Praz Lnu-
renço e Irmão Si mão Gonçalves. — São Virente. Panics
Manuel da Nobrega, Manuel de Paiva, Francisco Pires, Li­
cente Rodrigues, Afonso Braz, Leonardo Nunes, e Irmãos lho-
(,o Jacorne, Gregorio Serrão, Pero Corrêa, Anton,o Rodrigues,
Manuel de Chaves, Fabiano, Antonio, Mateus Nogueira, Joao
de Sousa c Gonçalo Antonio. — Trabalhos e frutos da cate­
quese em Piratininga. — Carijós. Guerras do gentio.
Os ma malucos de Joao Ru malho. - Ida de leio oi)<a e
mais dois Irmãos ã terra dos Ibirajáras. - Espera do Padre
Luiz da Grã.

A paz de N. S. Jesus Cristo esteja sempre nos nossos cora­


ções. A men.
Nestas cartas passadas creio que se explicou satisfatoriamente
o que nestes lugares, maximè nesta nova habitaçao cios Cristãos se
passou: porque porém julgamos ser-te pelo menos pouco conhecido,
Reverendo Padre, o estado singular do que se passa junto de nos;
induzidos também pelas tuas cartas, que lia pouco íecebemos, cui
daremos de te fazer sabedor de todas as cousas, cujo conhecimento
dizes ser-te necessario, posto que pelo Padre Leonardo (2), que ha
poucos dias dentre nós para aí partiu, mais claramente as conheças.
Vivemos nesta índia Brasílica sob a obediência do Reverendo

35
JOSEPH HE A N C H IET A

em Cristo Pa,ire ManuC da Nobrega,


Na Bala tie Todos os ®“ 6(3) com os principais, está o Pa-
o.de reside o prop no ' oão Gonçalves (5) e o Padre
dre Luiz da Bra (4) com da cidade de Pernam-
Antonio Pires ( 6 ). que nao ha, nna > « # mesm„ Irmão e
buco, distante da primeira 300 miinas.
oei.pa.se eon. o ensino dos meniMS. Peeorella (7 ). intér-
0 u ,r 0 Ir“ “°’ ‘’" " “ recebido na Companhia, passou-se não ha
prete dos índios, aqui ~ Co antes da morte.
nn'i,n P . » " * ■ * ? • ^ X pelo W de ISO
N’a onira Cap.tama separada desta ^ q padre Ambrosi.
mil lias (a que chamam Io r■ > | ( 9 ) _ Esta divide-se em
i'hoa W com.° ’"“ “portugueses ( 1 0 ), distantes entre si umas,
quatro habitações de « , cada semana, não sem gran-
e outras, seis milha ^ ora celebrando m.s-
,.S trabalho, ele mm * necessario frequentemente que
sãs, ora fazendo predicas, . tambtn pregações nos dias
-lo «. * diga..... mas n - com» que ^ d u a s p ^ g ^ ^

il'- u m 7 "rande fruto se espera daí, não só por causa


milhas destas, assim, P • j ^pi., ^oa opmiao que
(|o amor com que todos o cercam, como ( ndo cremos) se

r ; : ; : ' " : ' : " ’— • - - —


bastante pela razao cnviada 5 da Cidade do
Nas cartas quadrimestiais, que feit0
Salvador, se referirá mais largamente o 1 “ d ‘ 1 facilmente
, como foi ordenado aos mesmos Irmãos), porque mais
: „»« » ,» « . * * * » •■ • ^ eks ,r *
1'“ - I,r r ~ T f . . r e e . r a Capitania, distante da Baía de
A estas duas Espirito Santo, na qual

r r ^ s:r r
::r r ;“:r —ssrir
3G
I. _ CAHTA D E PIRA TIN TN G A (1554)

casam com suas escravas concubinas, por lei de matrimonio, e outros,


abandonando-as, adotam um modo de viver salutar: no que prin­
cipalmente brilha a nobre virtude de um certo principal, que, re­
pudiada a manceba, com quem vivera por muitíssimo tempo e da
qual tivera filhos, se voltou para salutifera e reta forma de vida.
Não aparece na verdade pouca emenda e correção em extirpar ou­
tros vicios: para que os homens se dissuadissem dos juramentos,
estabeleceu-se uma como Confraria de caridade; os que a ela se
filiarem, se, quando jurarem, a si mesmos se acusarem, pagam uma
determinada quantia de dinheiro para o casamento de alguma
órfã; acusados, porém, por outros, pagam o dobro; assim, rara­
mente se pronuncia o nome de Deus com irreverencia: se, porém,
chegando a outra parte, juram por ignorarem estas coisas, repre­
endidos de continuo pelos outros, acautelam-se para o futuro ( 1 :1).
As habitações dos Índios estão longe destas; os escravos, po­
rém. de que ha aqui grandissima multidão, sao instruídos na dou­
trina cristã.
Quatro ou cinco meninos órfãos, dos nascidos de pai poitu-
guês, mas de mãe brasílica, que viviam em casa e sob o regímen
do pai, foram recolhidos por algum tempo ao Colégio, e submi-
nistra-se a todos alimento, á mesa de Cristo. Estas e outras cou­
sas que ali se fazem, pelas cartas do mesmo Padre largamente e
em particular se conhecerão.
O sustento para todos vem de esmolas; o vestuário, porem, e
o mesmo que a nós e aos Irmãos em Portugal é fornecido pelo se­
reníssimo rei de Portugal (14) ; em lugar de cama, usa a maxima
parte dos Irmãos de uns panos tecidos á maneira de rede, suspen-
sos por duas cordas e traves; todavia, os que padecem de enfernu-
dade de corpo por algum tempo, usam de camas como em Eor-
tugal
Resta a quarta e última morada dos Cristãos. 720 milhas dis­
tante da Cidade do Salvador; esta está dividida cm seis aldeias
(15): em uma delas (cujo nome é São Vicente) estão os Irmãos
da nossa Companhia, a saber: o Reverendo em Cristo Padre , -
nuel da Nobre*. (16), o Padre Manuel de Paiva (10 , o 1 adre t u ■3

37
JO S E P H DE A N CH IETA

Cisco Pires (18), o Padre Vicente Rodrigues (19), o Padre Afon­


so Braz (20), e o Padre Leonardo (21), que partiu este ano para
Portugal, para que se tivesse conhecimento mais exato e seguro o
„ i se pratica: e os Irmãos Diogo Jaeome (22), Oregon» S r-
rno (23) e eu, que fomos todos mandados de Portugal. Aqui o
ram recebidos na Companhia o Irmão Pero Correa (24), os prin
cipais dêste reino e grande sabedor da lingua dos índios, que nos
trouxe valioso auxílio para a conversão dos infiéis, nao so pela
muita autoridade, que tem entre eles, como pelo exatíssimo eon -
cimento da lingua; os Irmãos Antonio Rodrigues (2o), -O
de Chaves (26), Pabiano (27). Antonio (28) todos intvrpre e
índios; Mate,,» Nogueira (29), João de Sousa (30) e Gon-
c;i 1o Antonio ( 31) .
Todos estes (como acima disse), residiam com os Portugue­
ses em São Vicente, onde ajuntaram de diversas partes muitos dos
filhos dos índios, e os instruíam otimamente nos rudimentos ( a
j(. c r i s t ã no estudo dos elementos e no escrever. _
Para n sustentação destes meninos trazia-se da região medi­
terranea, de 30 milhas na distância, farinha de pau. o que lhes
custava grande trabalho e dificuldade, por causa da ardua aspe­
reza do caminho; pareceu mais conveniente ao Padre m Donn-
1]„ (:r_>) (jue nos passássemos para esta habitação dos Índios, e isto
por muitas causas: primeiro, seguramente, pela falta de viveres;
depois, porque pouco aproveitava aos Portugueses, embora logo
em princípio grande resultado trouxe aos mesmos a frequência os
Padres, como a do Padre Leonardo, primeiro da Companhia que
para aqui vein, fácil será saber; maximè, finalmente, porque se
patenteava por esta parte entrada a inúmeras nações, sujeitas ac
jugo da razão. Assim, alguns dos irmãos mandados para esta a -
deia, que se chama Piratininga (33), chegámos a 25 de Janeiro do
ano do Senhor 1554, e celebrámos em pauperrima e estreitíssima
casinha a primeira missa, no dia da Conversão do Apostolo Sao
Paulo e. por isso. a ele dedicámos a nossa casa. De tudo isso falei
mais longamente nas passadas cartas escritas até o mês de Junho;
do pouco que falta e que depois ocorreu tratarei brevemente.
Moramos aqui presentemente oito Irmãos aplicados na dou-

38
I. _ CARTA DE P1RAT1NINGA (1554)

trina destas almas e pedindo a infinita misericordia divina, para


que finalmente nos conceda por algmn tempo acesso para com­
bater outras muitas gerações com a palavra ele Deus, as quais
todos cremos que, se lha pregamos, se converterão á fé.
Êstes, entre os quais vivemos, trazem-nos voluntariamente
«eus filhos para os ensinarmos, os quais, sucedendo depois a seus
pais tornem o povo agradavel a Cristo; dentre eles quinze bati­
zados e muitos outros catecumenos frequentam a escola otimamente
instruídos, tendo por mestre o Irmão Antonio Rodrigues; antes
do meio dia, depois da lição, recitam juntos na igreja a ladainha c
depois do meio dia, entoado o cantico , se dispersam;
em cada sexta-feira, disciplinando-se com suma devoção ate ta-
zi rem sangue, saem em procissão. ,
Nesta aldeia, cento e trinta de todo o sexo e idade foram c .-
mados para o catequismo e trinta c seis para o batismo, os quais
são todos os dias instruídos na doutrina, repetindo as oraçoes en
português e ua sua propria lingua; o concurso e trequencia c as
mulheres é m aior; em cada domingo celebra-se missa para os -
mos- sendo muitos catecumenos despedidos gravemente depois do
ofertorio, com dificuldade e gravemente o toleram, e nos rogam m-
eessantemente que os promovamos ao batismo, o que e de cautela
que se não faça, para que não voltem ao êrro dos antigos costu­
mes; porquanto, julgamos que não se lhes deve conceder o bat.s-
mo senão depois de uma longa piova.
Vendo o Senhor por esse tempo que êstes se chegavam para o
verdadeiro estado e culto da fé, começou a pnvar a tnmto ^ deste
vida e (segundo oremos) a chamá-los para a eterna, no que .
tem cuidado com diligência o aplicação, para que « £
veis e firmes na fé; entre eles nao poucos inocentes, d p
tizados, se foram para o Senhor.
Um certo dos principais que viera para no:s com Pero 0 «
rêa, deixada a patria, distante daqn. m a ia de SOO m ., P

r p t r -j*

39
JO S E P H D E A N CH IETA

nós lhe havíamos proibido que o fizesse. O outro porém disse-lhe:


“ Nada receies porque isso não chegará ao conhecimento deles.
Vencido assim pela longa importunação, acedeu ao convite e en­
tregou-se á bebida, pelo que caiu em gravissima languidez, a que
sc seguiu a morte. Confessado e arrependido, morreu, tendo re­
cebido o batismo. Esse costumava dizer-nos fôra convidado mui­
tas vezes do céu por um seu filho inocente que tinha morrido de­
pois de batizado, e incitado a vir a nós, que de modo nenhum du-
vidava que fôra guiado para aqui pelo mesmo. _
Outro, que já havia muito tempo se tinha feito cristão com
os Portugueses que outrora moraram nesta aldeia, e se apartara
de nós para que mais licenciosa e livremente pudesse viver á ma­
neira dos gentios, oprimido por grave enfermidade (manifesto
juizo de Deus) não pôde aproveitar-se do socorro dos Irmãos, pois
quando nos aproximámos dele já tinha perdido o uso da pala­
vra • privâmo-lo. para terror dos outros, de sepultura eclesiástica,
de maneira que, quem vivera como pagão, também como pagao se
sepultasse. ^ „
Nem pareça digno de menor admiração que ordenando o Pa­
dre que certos índios (chamados Carijós), que viviam já havia
muito tempo entre nós, fossem por nós levados para sua patria,
para que. com auxílio e favor deles, pudessem os restantes conver­
ter-se á fé de Cristo, acometeu-os uma enfermidade repentina, da
qual morreram quasi todos.
listes depois conhecemos que não nos eram muito afeiçoados
e estavam determinados a, quando estivessem na patria, retirar-se
da nossa sociedade ou a fazer-nos algum outro mal mais grave. Sem o
auxílio dêstes. se em algum tempo nos chegaremos àquela nação e
;1 muitas outras suas vizinhas, o maior fruto, esperamos, se co­
lherá delas. .
Aqueles com quem vivemos trazem antiquissimas inimizades
com outros da mesma nação, e por isso de uma e outra parte se
declara e se aceita frequentissimamente a guerra, para a qual con­
correm muitos de diversos lugares; assim também estando nos en-
tre eles, partiram contra os inimigos.
Pm dia antes de entrarem em combate, os que vinham de ou-

40
1. — CARTA DE PIRATININGA (1554)

tra parte (como é costume entre eles) começaram a oferecer sacri­


ficio a seus feiticeiros (a que chamam pages) em uma casita para
isso construída, interrogando-os eles sôbre o que lhes sucederia no
conflito: ao que, não só os nossos catecumenos, mas também ou­
tros, entre os quais a palavra de Deus fôra já semeada pelos ir ­
mãos da Companhia, perguntados se queriam dar crédito àquelas
mentiras, responderam que não, e que traziam o seu Deus no co­
ração, em cujo auxílio confiados alcançariam maior vitória do que
os mesmos com seus imundos sacrifícios.
Tendo eles, pois, entrado em combate e aparecendo a imensa
multidão dos inimigos, estes, abalados pelo medo e terror, come­
çaram a perder o ânimo; vendo isso a mulher, já batizada, do ca­
pitão dessa aldeia, que partira com seu marido para a guerra,
aconselhou a todos com valor varonil que fizessem nas frontes o
sinal da cruz para perder o tem or; e assim, dois só. que se des­
denharam de o fazer, foram feridos e um sucumbiu; os inimigos fo­
ram desbaratados e dispersados pelos restantes; dos nossos cate-
cumenos nenhum foi feito prisioneiro, os quais dantes com maxima
alegria e suma solenidade de cantares costumavam comê-los: os
mortos, porém, segundo o costume dos cristãos, foram sepultados:
a estes, ainda ha pouco deixados, vêem os inimigos, encontram-nos
enterrados, desenterram-nos, julgando serem dos contrarios, e le­
vam-nos para comer.
Quando voltaram da guerra, um certo, como não encontrasse
a mulher, e ouvindo dizer que fôra por ela repudiado, vem a Igre­
ja, onde a mesma assistia á doutrina, arraneou-a pelos cabelos a
vista de todos com murros e bofetadas, tratou-a com modos mr 1-
cnos- ao qual o capitão sabendo disso prendeu, rogando-nos que
consentíssemos em se lhe pôrem algemas, porquanto todos os faci­
norosos e maximè êste que eometêra tão grande desacato no tem­
plo. deviam ser postos a ferros. Contudo, sôlto a rogos nossos, pe­
diu-nos perdão, pois que não pelo sen, mas induzido, pc o conse
de uns certos malvados fizera aquilo; essa submissão e digna de
não mediocre admiração, porquanto êstes a nenhuma lei, a nenhu­
ma autoridade se submetem, nem ao imperio de mnguem obe-
clecem.

41
JOSEPH DE ANCHIETA

Aqueles feiticeiros de que já falei são tidos por eles em gran­


de estimação, porquanto chupam aos outros, quando são acometi­
dos de alguma dôr, c assim os livram das doenças e afirmam que
tem a vida e a morte em seu poder.
Nenhum deles comparece deante de nós, porque descobrimos
os seus embustes e mentiras; a um, porém, que aqui viera com ou­
tros para a guerra, um dos catecumenos se apresentou para que o
curasse, do que vindo a saber o filho, que frequenta a nossa es­
cola. o repreendeu asperamente, dizendo que seria assado pelo de­
mônio, e não entraria mais na igreja, quem, dando crédito ao fei­
ticeiro, recusaria crer em nós.
Uma criança de quatro ou cinco anos de i d a d e , assaltada de
£,-ave enfermidade, rogava muitas vezes em prantos á mae que a
trouxesse ao templo, e a mesma criança, gemendo deante do altar,
dizia na sua propria lingua: " O ’ Padre cura-me!” Esta, mterro-
gada por seu pai, se porventura queria que lhe chamassem aquele
feiticeiro para lhe aplicar o remédio, chorando com grandes la­
mentos lançou-se por terra, dizendo que, não com o dele, mas com
o auxílio de Deus lhe seria restituído o antigo vigor: o que o mes­
mo Senhor operou, pois, aplicado pelos nossos Irmãos um certo
remédio, recobrou a não esperada saude.
Esperamos que se colherão com a graça e o favor divino co­
piosissimos frutos pelos obreiros que Deus envie para esta sua tao
fecunda vinha: por agora não pouco fruto, antes, o maior benefi­
cio de Deus, julgamos ser só livrarmos dos dentes e dos manjares
dos proximos a estas poucas ovelhas dentre tanta multidão de
infiéis.
Aqui, pois, habitamos presentemente com o Reverendo em
Cristo Padre Manuel da Nobrega sete irmãos separados da con­
vivência dos Portugueses, aplicados somente á doutrina dos ín ­
dios. Temos também em casa comnoseo alguns filhos dos Gentios,
mie atraímos para nós de diversas partes, e estes ate abominam
os costumes paternos a tal ponto que, passando por aqui para ou­
tro lugar o pai de um e vendo o filho, êste longe de mostrar para
com ele o amor de filho, pelo contrário só lhe falava rarissima-
inente e de má vontade, e compelido por nós. Outro, estando ja

42
CARTA DE PIRATININGA (1554)

de ha muito separado do contato dos pais, passando com os nossos


Irmãos pela aldeia em que morava a mãe, dando-lhe os mesmos li­
cença para ver sua mãe, não a saudou no entanto e passou além;
assim, antepõem em tudo ao amor dos pais o nosso. Louvor e gló­
ria a Deus, de quem todo bem procede.
De Janeiro até o presente tempo permanecemos, algumas
vezes mais de vinte, em uma pobre casinha feita de barro e paus,
coberta de palhas, tendo quatorze passos de comprimento e apenas
dez de largura, onde estão ao mesmo tempo a escola, a enferma­
ria, o dormitorio, o refeitório, a cozinha, a dispensa; todavia, não
invejamos as espaçosas habitações, de que gozam em outras par­
tes os nossos Irmãos, pois N. S. Jesus Cristo se colocou em mais
- estreito lugar, e dignou-se nascer em pobre mangedoura entre dois
brutos animais e morrer em altíssima cruz por nós. Os Índios por
si mesmos edificaram para nosso uso esta casa; mandamos agora
fazer outra algum tanto maior, cujos arquitetos seremos nós, com
o suor do nosso rosto e o auxílio dos índios (34). Em tantas es­
treitezas nos achamos na verdade colocados, que é muitas vezes
necessario aos Irmãos explicarem a lição de gramatica no campo,
c como ordinariamente o frio nos incomoda da parte de fóra, e,
dentro da casa, o fumo, preferimos sofrer o incômodo do frio de
fóra do que o do fumo de dentro. Já os meninos que frequentam
a escola, cujo ânimo não se abala expostos ao vento e ao frio, agora
também, aquentando-se ao calor da fogueira, em pauperrima e an­
tiquissima, porém, decerto, feliz cabanazinha, vemos que se apU-
cam á lição. , „ ., ,
o principal alimento nesta terra é a farinha de pau, feita c
um as certas raizes que se plantam (a que chamam m andioca), as
quais, se se comerem eruas, assadas ou cozidas, m a tam ; e preciso
serem deixadas nagu a até que apodreçam ; apodrecidas porem que
sejam , convertem -se em farinha, que se come, depois de torrada em
vasos um tanto grandes, feitos de b arro; isso ^ubsti iu entre u
a farinha de tr ig o . C onstituem a outra parte da ah“ ™ ta«
carnes selváticas, como sejam os macacas as corças ce
anim ais sem elhantes aos lagartos, os pardais ) ,), [
tam bém os peixes dos rios, mas esses raram ente. A parte m a » m

43
JO S E P H D E A N C H IET A

portante, porém, do sustento consiste em legumes e favas, em abó­


boras e outras que a terra produz, em folhas de mostarda e outras
ervas cozidas: usamos, em lugar de vinho, de milho cozido em
agua. a que se ajunta mel, de que há abundancia; é assim que sem­
pre bebemos as tisanas ou remedios; e se isto temos com fartura,
quasi que não nos parecemos a nós mesmos pobres.
O que pois pertence á conservação da nossa vida, adquirim os
com o trabalho das nossas mãos, como o bem aventurado apostolo
Paulo, para que não sejamos pesados a n in gu em . O que, porém,
principalm ente nos abastece é o trabalho de ferreiro de um Irmão
ao qual, como nada pede em paga do que para eles faz, os
índios oferecem farinha, e legumes e algumas vezes também car­
nes e peixes, ao que se ajuntam as esmolas, que os mesmos nos tra­
zem movidos pelo amor de Deus, e assim, muitas vezes, o Senhor,
a cujo cuidado nos entregamos, nos provê de todas as cousas de
que carecemos, até de onde menos esperávamos.
O que, sendo assim, não podemos admirar com demasiado ar­
dor. a suma bondade de Deus para comnosco, o qual como care­
çamos inteiramente de todos os refrescos e as cousas necessarias
ao sustento sejam insipidissimas e de pouca estimação, contudo, nos
conserva perfeitamente a saúde do corpo, na verdade mais delica-
damente do que a propria terra o permite; porquanto, um Irmão
chegou de Portugal sofrendo na saúde, como vivesse em uma al­
deia distante desta nossa 90 milhas, tendo por alimento diario uma
galinha que, com bastante trabalho, e todavia por baixo preço, se
ia procurar a diversos lugares, o seu estomago não a podia conser­
var e logo vomitava: veiu para junto de nós e, com as paupérri­
mas comidas de que usamos, se fez mais robusto.
Em outra aldeia (36) de índios estão os Padres Francisco
Pires e Vicente (37), com outros irmãos, semeando a palavra de
Deus entre os mesmos índios; colhendo, todavia, pouco fruto por
causa da sua dureza.
Esta parte da região brasílica que habitamos está situada em
24 graus para o Sul; toda ela porém é costa de m ar; desde Per­
nambuco (que é a primeira habitação dos Cristãos) até além, que
não abrange o espaço de 900 milhas, é povoada por índios que

4 4
I. — CARTA DE PIRATININGA (1554)

usam todos comer em seus banquetes carne humana, no que mos­


tram achar tanto prazer e doçura, de modo que comumente cami­
nham mais de 300 milhas para a guerra; se reduzem ao cativeiro
quatro ou cinco dos inimigos, voltam sem mais outro motivo e os
comem com grande festa de cantares, e copiosissima libação de vi­
nhos (que fabricam de raizes), de modo que nem as unhas per­
dem; alegram-se toda a vida com o desvanecimento da singular
vitória; os prisioneiros no entanto julgam ser assim tratados ex­
celentemente e com distinção, e pedem uma morte tão (como eles
mesmos imaginam) gloriosa; porquanto, dizem que só os medro­
sos e fracos de ânimo é que morrem e vão, sepultados, suportar o
peso da terra, que eles crêem ser gravissimo.
Estes entre os quais vivemos estão espalhados 300 milhas (se­
gundo nos parece) pelo sertão; todos eles se alimentam de carne
humana e andam n ú s; moram em casas feitas de madeira e barro,
cobertas de palhas ou com cortiças de árvores; não são sujeitos a
nenhum rei ou capitão, só têm em alguma conta os que alguma
façanha fizeram, digna do homem valente, e por isso comumente
recalcitram, porque não ha quem os obrigue a obedecer; os filhos
dão obediência aos pais quando lhes parece; fmalmente, cada um
é rei em sua casa e vive como quer; pelo que nenhum ou certa-
mente muito pouco fruto se pode colher deles, se a força e o au­
xílio do braço secular não acudirem para domá-los e submete-los
ao jugo da obediência.
o que faz coin que, como vivam sem leis nem governo não
possam conservar.se em paz e coneordia, tanto que cada aldeia
contém somente seis ou sete casas, nas quais se nao se interpuses­
sem o parentesco ou aliança, não poderiam viver jun os e uns e
outros se devorariam; bastantes vezes e em mm os omios
vimos fazerem isso, e não moderam a msacmvel raiva nem

SC" aÍ r " ; contraído o matrimonio com os mesmos


parentes o primos, se torna dificílimo, sc porventura q ™ ^ ^
-1í ios «o batismo, achar mulher que, poi causa do p ■
^ possa ser iomada por esposa. O£ * — *
rac-o nos traz; porquanto, nao podemos admitir a

45
JOSEPH PE ANCHIETA

mo á que se conserva manceba. Por isso, parece grandemente ne­


cessário que o direito positivo se afrouxe nestas paragens, de modo
o ue. a não ser o parentesco de irmão com irmã, possam em todos
os graus contrair casamento, o que é preciso que se faça em ou­
tras leis da Santa Madre Igreja, ás quais, se os quizermos presen-
temente obrigar, é fora de dúvida que não quererão chegai-se ao
culto da fé cristã; pois são de tal fórma barbaros e indomitos, que,
parecem aproximar-se mais á natureza das feras do que á dos
homens.
O (pie não é tanto para admirar como a detestável maldade
dos proprios Cristãos, nos quais acham não só exemplo de vida
como favor e auxílio para cometerem delitos: porquanto, uns cer­
tos Cristãos, nascidos de pai português e de mãe brasílica (38),
que estão distantes de nós nove milhas, em uma povoação de Por­
tugueses (39). não cessam, juntamente com seu pai. de empregar
continuos esforços para derrubar a obra que. ajudando-nos a gra­
ça de Deus. trabalhamos por edificar, persuadindo aos proprios
catecumenos com assiduos e nefandos conselhos para que se apar­
tem de nós e só a eles. que também usam de arco e flechas como
eles, creiam, e não dèm o menor crédito a nós, que para aqui fômos
mandados por causa da nossa perversidade. Com estas e outras
semelhantes fazem que uns não acreditem na prègação da palavra
de Deus, e outros, que já viamos entrarem para o aprisco de Cris­
to, voltem aos antigos costumes, e fujam de nós para que possam
mais livremente viver. Tendo os irmãos gasto um ano quasi in­
teiro no ensino de uns certos, que distam de nós 90 milhas e ti­
nham renunciado a costumes pagãos, estavam determinados a se­
guir os nossos, e haviam-nos prometido que nunca matariam aos
contrários, nem usariam de carne humana em suas festas: agora,
porém, induzidos pelos conselhos e palavras destes t ristãos e pelo
exemplo da nefanda e abominável ignominia dalguns deles, pre­
param-se não só para os matar, mas também para os comer.
Tendo. pois. um d e s te s Cristãos cativado um tios inimigos na
guerra de que acima fiz menção, trouxe-o a um seu irmão para que
o matasse, o qual o matou, pintando-se de encarnado nas pernas e
tomando «> nome do morto por insigne honra (eomo é de uso entre

46
I. — CAETA I)E PIBATININ6A (1054)

os gentios); se não comeu, deu certamente a comer aos índios,


para os quais, e não para si mesmo, o matára, exortando-os para
f,ue não o deixassem escapar, mas antes o assassem e levassem com-
gig0 para comer. Tendo outro, irmão deste, usado de certas prá­
ticas gentílicas, sendo advertido duas vezes que se acautelasse com
a Santa Inquisição, disse: “ Acabarei com as Inquisições a fle­
chas" (40). E são cristãos, nascidos de pais cristãos! Quem na
verdade é espinho, não pode produzir uvas.
Êste atravessou por quasi cincoenta anos esta região, tendo
por manceba uma mulher brasilica, da qual teve muitos filhos,
em cuja saúde os Irmãos da nossa Companhia puseram o maior
cuidado e trabalho, rogando-lhes com toda a mansidão e convidan-
do-os com o espirito da brandura a que se deixassem da má vida,
do tal modo que o Padre Manuel de Paiva, conhecendo o paren­
tesco de sangue que havia entre eles. cuidou em firmemente hga-los,
julgando por esse modo fazer alguma cousa por ele.
* Venluun fruto, porém, tirando disso, mas antes observando
oue continuavam os maiores escândalos por causa do indecoroso e
dissoluto modo de viver, não só do pai como dos filhos, que esta­
vam amancebados com duas irmãs e parentas, começaram a exer­
cer algum rigor e violência para com eles. expelindo-os sobretudo
da comunhão da Igreja, os quais, devendo com isso mudar de vida,
de tal modo se depravaram que nos perseguiram com o maior oc 10,
esforçando-se em fazer-nos mal por todos os meios e modos, amea-
cando-nos também com a morte, mas especialmente trabalhando
para tornar nula a doutrina com que instruímos e doutnnamo* os
índios e movendo contra nós o oelio deles. E assim, se nao se ex­
tinguir de todo este tão pernicioso contagio, nao so nao progre­
dirá a conversão dos infiéis, como enfraquecerá, e de dia em cia,
necessariamente desfalecerá. Toquei nessas cousas de passagem:

casta de índios grandemente dissenti-


nada por teda a parte (â qual chama,„ em nada, . e
dM es no alimento, no-modo de viver e
mais mansos e mais propensos as cousas dum as I
conhecemos pela conversação de alguns que conhecemos aqm e. t

47
JOSEPH DE ANCHIETA

r.ós. bastante firmes e constantes. Êstes estão sob a jurisdição dos


Castelhanos, cujas casas fazem de boa mente, comprando-lhes o ne­
cessario para o uso da vida e com quem vivem em amigavel dispo­
sição .
A êstes seguem inumeráveis gerações para o ocidente pelo ser­
tão, até a provincia do Perú, que um nosso Irmão percorreu, as
(piais são na verdade muito mansas e facilmente se chegam á razão;
são todas sujeitas a um principal, vive cada um separadamente em
sua casa com mulher e filhos, não se alimentam por maneira algu­
ma de carne humana, e aos quais, se se anunciar a palavra de Deus,
não é duvidoso que mais se aproveitará em um mês com eles, do que
com êstes'em um ano.
E também ha, vizinho destas, outra iniinita multidão de na­
ções (que propriamente se dizem “ escravos” ), pelas quais se vai
até o Amazonas, e cremos que vivem em outra parte do mar da
Et iopia.
Mandou-se agora o Irmão Pero Corrêa com dois outros I r ­
mãos (41) a umas povoações de índios, que estão situadas perto do
mar. a pregar entre eles a palavra de Deus, e maximè se se puder,
a manifestá-la em certos povos, a que apelidam Ibirajáras,
os quais cremos que se avantajam a todos êstes, não só no uso da
razão, corno na inteligência e na brandura de costumes. Obedecem
todos êstes a um unico senhor, têm grande horror á carne humana,
A-ivem satisfeitos com uma só mulher, c resguardam cuidadosamente
as filhas virgens (o que outros não curam) e a ninguem, senão ao
proprio marido, as entregam. Se a mulher cai em adulterio, o ma­
rido m ata-a; se porém ésta, evadindo-se das mãos do marido, foge
para a casa do principal, é recebida benignamente e conservada por
êste, até que se abrande a cólera do marido e ele se aplaque. Se al­
guém faz sua, por furto, a cousa alheia, é levado á presença do
principal, e êste ordena que seja açoutado pelo algoz. Não creem em
idolatria alguma ou feiticeiro, e levam vantagem a muitíssimos ou­
tros em bons costumes, de sorte que parecem aproximar-se da lei
mais conforme á natureza. Só uma cousa pode parecer merecedora
de repreensão neles, é que, quando algumas vezes entram em guerra,

48
I. — CARTA DE PIRATININGA (1504)

matam os prisioneiros e guardam-lhes as cabeças como troféus de


honra.
Esperamos agora a chegada do Padre Luiz da Grã (42), para
que se delibere com o seu conselho o que se deva finalmente fazer,
e se enviem ao mesmo tempo alguns dos Irmãos àquelas nações,
contanto que sobejem, pois tanta falta sentimos deles que, de todos
os que acima mencionei, apenas um sabe a lingua latina; como, pois,
bastará para acudir-se a tal e tanto trabalho ? Maximè por esse mo­
tivo, Reverendo Padre, cumpre que mandes obreiros para tão fe­
cunda seara, o que confiadamente esperamos que faças, pois que
esta região está ao cuidado do Senhor Onipotente, e cuja especial
administração está a ti mesmo confiada.
Acresce também a isso que, como todas as orações e gemidos dos
nossos Irmãos, depois que aqui estão, se afadigam pedindo contínua
e fervorosamente a Deus Ótimo e Maximo que enfim se digne al­
gumas vezes mostrar e descobrir algum caminho em que para aqui
se dirijam os gentios a receberem a sua fé, agora finalmente se des­
cobriu uma grande cópia de ouro, prata, ferro, e outros metais, (43)
até aqui inteiramente desconhecida (como afirmam todos), a qual
julgamos ótima e facilima razão, de que já por experientia estamos
instruidos. Porquanto, muitos dos Cristãos, que aqui têm vindo,
submetem os mesmos ao jugo de Cristo, e sejam eles assim obrigados
a fazer por fôrça o que não se resolveriam a fazer por amor. Resta
que, Reverendo Padre, nos encomendemos humildemente á tua e ás
orações de todos os nossos Irmãos.
Piratininga, na Casa de S. Paulo, lo 34.
O minimo da Sociedade de Jesus.

XOTAS

rn rvmioda no livro de registro, códice manuscrito, letra do século 16,

(Cat. de Mss ■, 1878, 1, p . ■ • ^ í. . &. r . «0 .7 5 e no “ Diário


de Melo, nos “ Anais d a Biblioteca N acional , Rio, ., I • >
O ficial” : do Bio, de 30 de novembro, 1 e 2 de dezembro de 1887.

49
4
JOSEPH DE ANCHIETA

(2) Leonardo Nunes nasceu n a vila de São Vicente, bispado de G uarda,


e entrou p a ra a Companhia cm 1548. No ano soguinte 3a ordena,do cde m m a
veiu n a ra o B rasil na prim eira missão chefiada por N obreg ’
I Z cf irmão 7)iogo Jaeom e, a Ilhéus. A 18 de Julho t
recendo o cÔro na m issa solene celebrada por N obrega nesse dia (Cor<as
nuüicas I — Cartas do Brasil de Manuel ãa Nobrega, p b l. da Academ ia B ra ­
s e i r a Rio 1931, I I I ) . Em priueipios de agosto, sempre acom panhado por
D ioco’ Jaeom e j á havia voltado para Ilhéus, devendo ser engano de N obrega,
ou então S r o ’de cépia, a afirm ação de que a 1 de novembro p a rtiu com eles
N unes e Jaeom e, B aíJ ^ 8 acrescenta logo a v * ™ C a b r a l) .
1 2 , o’’f a i . ^ q u e ' d J H héU e ’por essa epoca Leonardo N unes e
Diogo Jaeom e seguiram com N obrega p a ra P orto Seguro, de o n d e . ^
N unes com dez ou doze meninos p a rtiu p a ra São Vicente, antes de laneiro de
Ti50 CNobr. 1. c ., V I ) . Aí os reinois, que viviam em alguns cinco luga
ie s ” c “ em p a rte eram peores (pie os mesmos brasis” , movidos pelo ze o de
i l n a r d o L u í s , “ e d if ic ia m c a ia e ig re ja » para a Companhia trazendo os
“ nrincinais da te r r a ” a “ m adeira do m ato ás costas e contribuindo todos com
suas esmolas” (B a lta za r Teles, Crônica da Companhia de Jcsr na Frovincaa de
Portugal Lisboa, 1645, I, p . 477). Em sua passagem pelo E sp .rito Sante
Leonardo Nunes acolheu na Companhia o irm ão Mateus N ogueira e cm -
Vicente recebeu outros, europeus e mestiços, entre os quais Pero Cm rea, - a-
uuel de Cliaves, Leonardo do Vale e G aspar Lourençn (Simao de \ . sconcclos,
Chronica da Companhia de Jesu do Estado do brand. Lisboa, ed. de 1865, U ,
„ 70) Na catequese mostrou-se incançavel: formou um seminario em Suo
Vicente- entrou repetidas vezes sertão a dentro em visita aos lainoios e can-
ids tendo por intérpretes os irm ãos; com a provisão que Tome de Sousa lhe
'dora na Bate, restituiu á liberdade os earijús escravizados pelos portugueses,
enfrentou João Ramalho, a quem certa vez expulsou da igrejat de Sao V m en e,
„ <,ue lhe valeu uma te n ta tiv a de agressao por parte de um dos filhos do Ta
11iarca - e a todas as coisas de seu m ister acudiu com ta n ta solicitude, peicor­
rendo velozmente as povoações portuguesas e indigenas, que foi chamado Aba-
rebchê ( “ P ad re que voa” ) . Em 1553 recebeu N obrega, que pela primeira, vez
visitava a Capitania, e, por ordem dêste, p artiu p a ra a B aia em busca de
“ m ais número de obreiros” (S . de V a se ., o. c ., 1. L n . 134) . Ao desembar-
car na cidade do Salvador, já encontrou instalada no Colégio a nussao u n d a
com d D uarte da Costa. E em outubro tornou para o Sul com o socorro pe­
dido por Nobrega. do qual fazia p a rte A nchieta. A chegada a _Sao Vicente
f 0-, a 04 âe dezembro. N a Capitania ficou Leonardo Nunes ate lm>4, quando,
a mandado de Nobrega, embarcou para a Europa, afim de “ dar conta a
,1 João 111 e a Loiola " d a s cousas destas p a rte s” (N o b r., o. c .. X i l l ) . n a u ­
fragando n a viagem, morreu a 30 de junho. De seus companheiros poucos se
salvaram (B . Teles, 0 . e ., I, p . 4 7 8 ). São dele duas das Cartas Avulsas
(Cartas .Jesuíticas II. pbl. da Academia B rasileira, Rio, 19.,1, Ll e l lH m
(•;>,) d , D uarte da Costa, com (piem Anchieta chegou ao B rasil a L, de
j ul ho de 1555.
(4) Luiz da Grã. filho de Antonio Taveira, de fam ilia nobre, nasceu em
Ljgboa cêrca de 1523 ( Primeira Visitação do Santo Oficio — Denunciaçõcs da
Haia S Paulo, 1922, p . 329). Em 1543, quando estudante da U niversidade,
entrou para 0 Colégio de Coim bra. Ordenado padre, foi reitor desse Colégio
de 1547 a 1551. Vein p ara o Brasil com d. D uarte da Costa, em 15o3, chefian­
do terceira missão, de que participou A nchieta e encarregado do governo da
I. — CARTA DE PIB A T IN IN G A (1554)

provincia como colateral de N o b re g a . P erante este, fez sua profissão solene


dos 4 votos em São Yicente, onde chegou a 15 de maio do 1555. Aí recebeu,
cm dezembro de 1559, a patente de provincial, trazida pela leva que veiu para
o B rasil com o bispo d . Pedro Leitão, exercendo esse cargo até 1570. Na
C apitania vicentina, de acordo com Nobrega, transform ou em “ perfeito colé­
gio”, prim eiro d a Companhia no Brasil, a escola de São Paulo de P iratinin-
ga (1556) e, quatro anos m ais tarde, com auxílio de Mem de Sá, mudou-o para
São Y icente (S . de V asc., o. e ., 1. 1, n . 202, e 1. 2, n. 8 4 ). Enfrentando
Bolés, c u ja influência ju n to aos moradores era crescente, por duas vezes de­
nunciou-o ao ouvidor eclesiástico, o vigário Gonçalo M onteiro: a prim eira de­
vassa se perdeu e a segunda, feita em 1560, terminou com a absolvição do
acusado (v. nota 179) . Aos esforços de Grã e Nobrega, no dizer de Anchieta
(v . c a rta X I I ) , deve-se a transferencia em 1560 da vila de Santo André da
B o rd a do Campo para P iratin in g a, determ inada por Mem de Sá. Ainda em
1560, a 25 de junho, seguiu Luiz da Grã em companhia do governador para
a B aía, onde chegou a 29 de agosto. Aí ativou extraordinariam ente a cate­
quese, restaurando a aldeia de São João e promovendo a fundação das de San­
to Antonio (E rem bé), Santa Cruz (Ita p a ric a ), Bom Jesus (T a tu a p a ra ), São
P edro, Nossa Senhora da Assunção (T ap ep itan g a), São Miguel (Taperaguá)
e Santo André, ao mesmo tempo que visitava as antigas povoaçoes indigenas
(S . de V asc., o. c ., 1.2, n . 99 e s. ; cf. I n f . dos Prim. Aldeiam, da Baia).
Conhecia perfeitam ente a lingua brasílica, de que foi mestre na Baía, tendo or­
denado em 1560 que no Colégio se lesse a a rte composta por Anchieta (Cart.
A v . , X X X V III) . A 21 de janeiro de 1501, achando-se n a aldeia de São Paulo,
depôs no auto de culpas instaurado contra João de Bolés, prêso na B aía desde
dezembro do ano a n terio r. Empreendendo uma entrada até o rio São F ran ­
cisco, foi obrigado a voltar “ pelos muitos assaltos dos indios” (Cart. A v .,
nota 165 de A franio P e ix o to ). Em julho de 1568, por ordem do visitador pa­
dre Inácio de Azevedo, seguiu com outros religiosos para Pernambuco, afim
de estabelecer a li definitivam ente a residência da Companhia. Em 1571, ja
tendo deixado o provincialato, da Baía tornou a em barcar com o bispo d. Pe­
dro Leitão p a ra Pernam buco, onde salvou o padre Amaro Gonçalves das acusa­
ções cio “ clérigo nigrom atico” Antonio de Gouvêa (Hist, dos Colégios do Brasil,
nos “ Anais da Biblioteca N acional”, X IX , p . 8 0 ). Nos primeiros dias de
ju lh o de 1572, com o recemchegado provincial Inácio de Tolosa, mais um a vez
p a rtiu da B aía com destino a Pernambuco, estando de volta em outubro do
mesmo ano (Hi st, dos Col., 1. c ., p . 9 6 ). E a 20 de novembro acompanhou o
provincial n a sua visita ás C apitanias, de Porto Seguro (onde chegaram em
dezem bro), E spirito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente, tornando a Baia a
9 de outubro de 1573. Aí foi reitor do Colégio. Em 1575, a. mandado do pro­
vincial Inácio de Tolosa, esteve no rio Real com o irm ão Francisco P in to . )i-
rig iu depois o Colegio de Pernam buco, em substituição ao padre Agustin dei
Castillo. Em 1584, quando lá esteve o visitador Cristóvão de Gouvêa, ainda
exercia esse cargo. P ela mesma epoca, era t a m b é m coadjutor do bispo d. A n -
tonio B arreiros, na comissão passada a êste e aos padres da Companhia para
aqui exercerem o Ofício de Inquisição. Sete anos mais tarde, precisamen e a
14 de agosto de 1591, denunciou Jo rg e Fernandes e outros perante o trib u n al
instalado n a B aía (Den. da Baía, p . 329). Daí tornou pai a ernain meo,
onde, em junho de 1594, em sua denúncia á Inquisição, Antonio de Brito ni­
form a haver se aconselhado com Luiz da G rã quatro ou cinco inesis an cs, no
Colégio da Com panhia (Primeira Visitação do Santo Ofício —- enunciações
Pernambuco, S. Paulo, 1929, p . 2 9 7 ). E em Pernambuco faleceu a_5 de» maio
de 1613, já nonagenario portanto (nota de Rodolfo Garcia a. Ic in a o a
JOSEPH PE ANCHIETA

400 ). E ’ dele uina das


Tratados da Terra e Genic do Brasil, Rio, 10 2 P 1
Cart. A >'. (XE11) ■ _

(5) João Gonçalves, castelhano, era. ^ .'" t e U ê s anos cozinheiro do


B rasil na missão de Luiz da G rs (1 o 3 L J to t a » A ig de agosto
Colepio da R aia (Car< A r . , nota 87 de estaildo presente o governa­
do 1006, ordenando se, disso sua j E)J1 6 -7 ensinava latim e, p o r
dor d. D uarte da Costa [ f oi incumbido de “ co n tratar com om
ordem de Nobrega vinda lc -ao , ’ . nílU)S para o Colégio da B .u a
A? - - a t drea ^ m b , o

(fí, Antonio Pire,, n a t u r a l <lc foi


o m c o m p a n h i a d e N o b r e g a TJ n ^ o n M c — o ^ (k> p o r t e i r a , tnlve*
discipulo do p ad re O onça o da & d ( ,m i sua perm anência na
ao tem po em que era reitoi • ’ 1,-47 o u e n t ã o e m P>48 (Cart.
C om panhia, « que in d ic a ter■ w o o °rndo ^ N „,,ro ga em Ilhéus o
A r.. XIII). E n tre L>fJ e - ‘ Baj a . Em 1551, a c o m p a n h o u N o -
Porto Seguro, snbstituiu-o como r u P ir _ n a ^ Elil O l i n d a , A n t o m o
p,icga a P e r n a m b u c o , ai c h e g a n d o a " ir ..;'s a D u a r t e Coelho q u e l h e
Pires deu inicio A residencm da " ‘1’‘T r .t i',;, 1i u ,u '■‘ p « r s u a s p r o p r i a s m a o s e m
e n f io u a ermida dc X . , v ; , t .,;1)a (B . Teles, 0 . e ., J, P-
oficio .1« )K'<lrcii‘(i". « a » * ' ií a „ Itai», * * * , ~
47<i-7). ofício esse <|ue, com o Ic ' P ( c urt . , I I I ) . Com provisão do
dizer dc N obrega, “ nosso oficial ele tud [ l 5 trl2 Segundo S. de V ase,
bisou d. Pedro Sardinha visitou « ™ J n a aldeia d e
, . 1 . 1 , 1«. 1 3 2 ) . esteve em P m . , em Kt ’p . 11PSSl, a ll0 chegado
M nniçoba. Mas deve haver ai m m .usaoco » - , - - 4 Antonio P ires tornou &
H Sã.. Vicente em com panhia dt No^ ir por „Uiito tempo, as desa-
B aía. E no ano seguinte come^u • • o ,TOVenuldor d. Duarte da Costa,
venças surgidas entre 0 bispo, oe nm , . j )ojs am>s deoois, P .J7 ,
e seu filho d. Alvaro, de outro « r !. A ■•• • foi designado p o r
residiu com Aspicuelta A avarrn im M du. ^ r « ’ p X Y I I I) ■ Mas se d e
Nobrega para uma missão a • »0 > , torn<lU p „ :„ para a Baía, poi»
fato aí esteve, 0 que parece pomo | _ ’ (. X Y I I I ) . Residiu depois
ainda om 15.17 foi reitor do seiM olegio (X ^ pn(le adoeceu gra ve­
na aldeia de Sao doao. 'o ltam .o < ' 'f . • p ulo que 0u 0 tive por m o rto ” ,
..(„ i tào r » d . « > 7 7 . r C l S Í ^ « l ? £ * f e - c r» ,
escreve N obrega (.<•• < ■’ A ' v ), auxílio. M estre de noviços no Co-
1 lha dc Ita p a n e a , então .undad.i , ,issumiu 0 oargo de vice-pro-
le-gio da B aía em 1:>64, era seu supi <' 1 ,-K,la segunda vez fo ra
vineiul, p o r n .o r tc dc Nobr-fia /o .d „ b ro ' ■> J , M>*<- V „ ove
«.•«.«d» i»»u»d»i- P' “ P r ;'i(,
encampou ao governador g ira i Mei 1 lc
'A '-,: ,*v»U
-
» * • 1 « *fizera
» . ~ E ernao
***>
ã vista dos agravos que contra es A encampação, fe ita
Cabral e da lentidão da .,us H;a e i j ' ; J Antonio Pires dela desistido,
a 9 de setem bro de l . o l , n-o ím ecei,!U ' 7 Prim jj d e ia w . ). Faleceu n a
d » - « » « p lk a ,5 c 8 f * £ dec (v , m
Baía a 27 do março de !•>'-• 1 (UI '7

(7) Donnnços PccorcUa foi recebido l>or ^ t0 ^ ° ^


ad ju to r tem poral. 7Joiurnpae.‘|. 7K% ^ s im o c 1 ‘ ng> 1 8 8 .9 i ) , “ de um a a -
n. 8 6 ) , morreu, segundo S. de \ a s c . (.0 . •
I. — CARTA DE PIKATININGA (1554)

.flente extraordinario de p e d ra " a 24 de dezembro de 15o4 A carta de An-


eh ieta dem onstra, porém, que a m orte do suave e humilde recorella foi ante­
rio r a junho dêsse ano, talvez a 24 de dezembro de L>53.
(8) Ambrosio Pires já era padre quando chegou ao Brasil em 1553, no
socorro chefiado ,>or Luiz da G rã. Logo a seguir, foi enviado a Porto Se-
snm>’ com o irmão Antonio Blasquez. De Porto Seguro tornou á Baia, onde
« se encontrava em junho de 1555 e foi reitor do Colégio, tendo sido em L>56
destituído por N obrega dêsse cargo e designado p a ra cozinheiro (C art. A y ,
XX) Repetiu, assim, N obrega na B aía o «pie no Colégio de Coimbra vira
fazer o padre Simão Rodrigues de Azevedo, transferindo, em L>4«, da reito-
i i a p a ra a cozinha o ilustre e fidalgo Luiz Gonçalves da Camara (B . Teles,
1 l T> 3 7 1 -4 ) Em 1557, Ambrosio Pires, já dispensado do oficio de co­
zinheiro,’ ensinava latim no Colégio e tinha " a seu cargo as prêgações da ci­
d a d e " (N o b r., o. c ., X V I I I ) , misteres de que se ocupava nmda em loa8
(Cnrt A v . X X I I I I ) . N este último ano, porém, embarcou com <1. Du.iitc cu
C osta p ara P ortugal, “ por ordem da obediência" (Tlist. dos Col. 1. c ., p. . - ) •
A fran io Peixoto!gconi Lpoio n a Synopsis de Antonio Fram e, dá o motivo d a
p a rtid a do m issionário bem como de seu afastam ento da ( ou,panl.ia em P o r­
tu g a l- Ambrosio P ire s não tin h a a hum ildade necessaria para sei .psuit.i (( •
Av "notas 12, p . 41, e 82, p . 145). E foi, com certeza, para experimenta
essa’ hum ildade quo N obrega, como já se viu o tirou da reitona- para <•«> oca-lo
mi cozinha do Colégio da B aía. Ao contrário do que acont e no cubo J
L uiz Gonçalves da Gamara, a experiência «ao provou bem. Af. a o <h>/ ou
panliia, Ambrosio Pires, reduzido á miséria, morreu em PoitugaL L
u m a das C a rt. A v . (V I) .
m o castelhano Anlonio masquez ora Irmão quando veia na missão do
I iiir da G rá F oi logô enviado com Ambrosio Pires a Porto Seguro, onde ens ■
nòu^ doutrina cristã í „ , Índios, escravo, e meninos Deve to, voltado para a
B ain com o mesmo Ambrosio P ire s. Aí. .ia em looo, exeieia sou .
p ro fesso r. Em 1562, sempre ensinando no Colégio, foi ordenado pa ].
bispo d Pedro Leitão, provavelmente a.o mesmo tempo cjuo Gregoi m >
d S o Jaeom e e M aaaÒ do Cl,aves, nosso ano chegado, do Suo Vicente. Em
b-ibl’ residia no Colégio da Baía (Primeira Visüaçao do Santo O fuio
L -’ i, residia n g inoo q«\ rmio são declaradamente nove
Confissões * , « t í G X T H X X IX X X X V XLV, L l l í , LIV 0 LV ) . Mas

S S : K r : sir
p Z a , por » ?s« o bom conceito em que era tido por sens super,o,es.
(10) S de Vasconcelos dá o nome de três: Porto S eguro,.S anta Cu,/.
« Santo Amaro (Cro n ., 1. 1, n . 142).
(11) B ros Lolirenço, português, vein em M 'J' n° i'
j á ordenado. Em outul.ro desse ano, partru da B a.a p a a
N ones, ficando no E sp irito Santo como subs itu 0 do pad 0 A ftm » I
seguiu para São V icente. Em 1W 5. a consei o de Lum d #
do n atario Vasco F ernandes Coutmlio que a tia . 1'.rincipal lios temiminfis,
«hefe indigena Maracayaguaçu ( Grande Gato K e K n ic a d a ,.«>m os tamoios
qne nas partes do Rio de Janeiro viviam em lu ta enc, rn çada < ^ Con.
( S . de V ase., o. c „ 1. L n . 204) Locahzadoa na a l d e i a ^ u q ^ ^ ^
eeição os temiminós do “ Grande Gato , qu ; p q q obyg ( “ Peixe
Ontario (como Tibiriçá em P i » * ™ » * ) ■ ™ “ m ‘ " ümer„ d . tníinncnta
V e rd e " ) com seus Índios e, de Porto Segui o, gianae n

53
JO S E P H D E A N C H IE T A

,R V juv O c 1. 1, n . 205) . Logo começaram as desavenças sangren­


ta s dos Índios’ entre si e as revoltas contra os portugueses, o que fez com que
os tem im inós em grande número se embrenhassem pelo sertão. B raz Lourenço
se esforçou quanto pôde p a ra rem ediar esse estado de cousas, tendo conqms-
tad o a amizade e confiança do “ Grande G ato” . Em 1558 socorreit os audios por
ocasião da “ m ortindade” que assolou a costa desde o Eio de Ja n eiro (CaijL
A v X X V II e nota 123 de A. Peixoto) c em 1562, quando duas naus francesas
vendas do Itio Se Janeiro atacaram a capitania, encorajou os n,oradores aos
onais a inferioridade em arm as e número tira v a o animo de com bater (Cart.
A v . , X L V I I I ) . Em princípios de 1564, seguiu p a ra a B aía, sendo s u b s titu te
no E spirito Santo pelo padre Manuel de Paiva (Cart. A v ., )•
seguinte, o provincial Luiz da G rã levou-o p a ra P orto Seguro, onde o dc.xou
como reitor da casa de São Pedro, em lugar do padre I rancisco A iegas ( C m t.
A v . , L X ) . Em dezembro de 1572, o provincial Inacto de Tolosa, de passagem
por Porlo Seguro, levou-o comsigo para o Rio de Janeiro (His . os o ., . .,
p 07) aí chegando em janeiro de 73. No Rio de Janeiro ficou Braz Lou­
renço como reitor durante alguns anos. A ele refere-se de passagem, o jesuíta
Antonio Dias cm sua denúncia perante o Santo Oficio (Deu. tia Java. p . ■'«■O*

n o ) Si mão ou Simeõo Gonçalves .leve ler sido recebido por N obroga, em


i "4 9 na Baía, sendo então muito jovem . Aí ensinava os meninos na casa da
Companhia Em 1551, já se encoiitVava no Espirito Santo auxiliando « padre
Afonso Braz (Cart. A v . , V ) . Em 1561, na Baía. foi escolhido por Gra p ara
restabelecer, com o padre G aspar Lourenço, a casa dn aldeia de *’fto Jo a o .
S. de Vasconcelos ainda o dá como irmão nessa época (o. c ., 1. P-
o <iue não faz Antonio Blnsquoz, seu contemporâneo, que o cham a padre hi-
meão Gonçalves (Cart. A t . . X.LV ) . Mas como, em 1564, o mesmo Biasquez o
nomeia irmão, é difícil fix ar a data exata em ouo foi ordenado (Cart. A v .,
L I V i. Nesse ano, 1564, a 20 de junho, esteve presente ao segundo jubileu ha­
vido no Brasil, em São Tomé de Paripe, povoação distante três léguas da Baia,
antiga, aldeia de Tubarão, assistindo, com os indios da residência a seu cargo,
á missa pontifical resada pelo bispo d. Pedro Leitão (Cart. A v . . LIV e nota
017 do A franio P eixoto). Em 1567 já residia em P iratininga, onde morreu
em julho de 1572 ( F i s t . dos Col., 1. c ., p . 127; Cart. A v . , n o ta 34 de A fra ­
nio Peixoto; A nch., carta X V I I ) .
(13) Igual “ Confraria de caridade” estabeleceu B raz Lourenço quando
superior em Porto Seguro (Cart. A r .. L X ).
(14) Determ inando a vinda dos prim eiros jesuítas ao Brasil, d. Joao I I I
lhes concedeu “ os mesmos favores e despezas reais, com que m andara á í n ­
dia o padre Francisco X avier, e com que depois continuou com todos seus m is­
sionários" (S . de V asc., o. c ., 1. 2, n . 2 8 ). Consistiam tais favores em
“ m antim entos e vestuário” , recebendo a princípio cada jesuíta “ um cruzado
em ferro, que saía pouco m ais de dois tostões em dinheiro, para a mau tença
e am ialm ente “ cinco mil e seiscentos réis p a ra vestido” (X o b r., Cart., X I I ) .
Dos Documentos Historicos, pbl. da B iblioteca Nacional (v. X I I I da série e
X I dos does., Rio, 1029, p . 355, 40], -117, 441 e 453) constam _vanos p a g a ­
mentos mensais de dois mil e quatrocentos réis, feitos cm lo50-15ol ao “ la d r e
Manuel da N obrega, M aioral dos P adres da Ordem da Com panhia de Jesus ,
p ara o “ m antim ento de seis P a d r e s ... a quatrocentos réis cada um ” . Com o
correr do tem po, tiveram os jesu ítas o seu “ m antim ento” grandem ente aumen­
tado. além do que recebiam p a ra sustento dos Colégios (V arnhagen, Hist o n a
Geral do Brasil, S. Paulo, 4* e d ., I, p . 392, e notas 33 a 35 de R . G arcia).

Õ4
X. _ CARTA DE PIR A TIN 'IN G A (1554)

(IS") As seis “ aldeias” vicentinas, a que se refere Anchieta, eram com


certeza" São Vicente, Santos, Santo André da Borda do Campo, São Paulo de
P ira tin in g a e Ita n h a cn .
(16) N obrega, chegado a São Vicente com Tomé de Sousa em lo.>3,
aí ficou até 3 de maio de 1556, quando embarcou de volta á B aía.

/ 1 7 ) Manuel ãe Paiva, n a tu ra l de Aguada, bispado de Coimbra, entrou


p a ra a Companhia em 1548, “ já sacerdote de boa idade’' (A neh., Frag
P Teles o. c ., I p . 4 9 2 ). Em 1550, veiu n a segunda nnssao chefiada por
Afonso B raz. Chegado á B aía, submeteu-o N obrega a um exercício ^de m orti­
ficação e obediência, mandando-o “ vender a pregão pelas praças (S . de
v n e i ] n . 8 2 ). Logo depois foi enviado a llheus, de onde voltou
n a ra a B a ía ’ em 1551, afim de n a direção da casa substituir a Nobrega, du­
ran te a ausência dêste em Pernam buco, de julho de 15;>1 a janeiro dc h m -
/ cart A v . , n o ta 61 de A . Peixoto) . O cargo de superior nao 0 impedia de
tra b a lh a r como pedreiro e carpinteiro (Cart. A v ., X I ) . No mesmo ano de
seguiu p a ra o Sul com três meninos, que deixou no Lspirito Santo, de
onde em barcou pouco tempo depois p ara São Vicente. Aí foi dos jesuíta
tie usados em 1553, por João Ranmlho e, seus filhos, perante Nobi-ega, quo,
i n ^ r r t o a que ( r l e d e » , verificou a improoodencú, d a . “ 7 * ”*
uni-te referente a um mestiço noviço, logo expulso da Companhia (> • de . ■>
i 1 ns 126-8). Aliás, de um trecho desta mesma ca rta de A n c h o ,
pode-se deduzir que Manuel de Paiva era parente de Joao Itomaiho, ambos
n a tu ra is de Coimbra (Paulo Prado, O Patriarca, na Revista Nova , 8 . 1 au. ,
£ p. 543) A 25 f c i - e i r o * U H , m il' ~
u l n è í S m i c f X ^ s í m a casinha” d , que fala Anchieta. Homsm de ,»«<■.»»
l, t r T » n r è m l m lathu com o «m erino o, embora „ e.fo r,ja.se■]» r saber » Ira-
1 , t o r a “ não chegou a m ais que saber ensinar a doutnna por esc,n o.

n r .: = * .n

ssiTad? v tr “ t
sub stitu ir a B raz Lourenço na reitoria da casa (o u C om panhia no Bra-
dezembro de 1584, sendo então na idade o mais velho da Lompai
ali. E oi sepultado na ig re ja de S . Tiago.
(18) Francisco Pires, j á padre vein na de J e ^ b i ^ N o s s í
P o rto Seguro, deu aí início á casa da om pani a urante a qual,junto ao
Senhora da A ju d a . E ra ele o oficiante da ^ durante a ^
altar-m ór, rebentou a fonte que logo oinou . ■ p eixoto). Em 1552 se
o . c ., I, p s. 467-9 e 492; Cart A v . , nota 70 de A. P e a o t ^ ^
encontrava de novo n a Baia No ano segam , ■ t P caluniados por
N obrega, n a fro ta de Tome de Sonsa F oi m dos r e iip Com
João Ramalho e é possivel que tenha participado da fundãrao

55
JO S E P H D E A N C H IE T A

Vicente K odrigue. residiu em s in to


tin,,,, de M o Vreen e . g g ^ J S a seu eafgo a e.eola
continuam ente a aldeia do. « . P a o l^ = , de doente
(Car,. Av„ XIX e XXXVII) Ne.se ~ o ano, p e la ^ g n n ^ e ^ ^
Perior da caaa do I orto Segur° ( ... fic o u ’como re itor do Colégio da B aía.
p a rtid a de N obrega p a ra 0 ’ 11 5 p p a rtiu como superior p ara

no8 C o t ^ ”daa Itaia, on, janeiro de 1586 Devia te r sido

" S t* i „ u e s e ^ J v ia T e V ™
r:::z z 5 ^ r s . «
tu n ic 4 p o rta do P araiso quanto 0 pa­
dre” Francisco Piros esta™ no palpito a prègar, antes n .o q u e „ a n no P a m -
S(,’'. São de Francisco Pires emeo das Carl. Ai . ( M ' ■ A .
X X X V I e X X X V II). — V . Frag. Hist.
a 9 t Vicente Bodrignes, natural de Fonte da Talha arrabalde de L is­
boa entrou para a Companhia no Colegio de Coim bra. “ Mmto achaeoso e su-
S ò T grandes dôres d i cabeça” , foi enviado p a ra a casa de K A ntao onde
peiorando cada vez mais seu estado de saúde., recebeu a visita do padre . una
Bodrigues de Azevedo. Disse-lhe êste: “ Confiai, irmão, que nao haveis dc
morrer desta” Mais não foi preciso para que recuperasse im ediatam ente a
saúde, segundo B . Teles (o. c ., I, ps. (518-9). Não era ain d a sacerdotequando
vein para o Brasil com N obrega. Na Baía, no ano de sua <• legada (L>49), ei
sin o iia doutrina aos meninos e teve “ escola de ler e escrever (N o b r., f a i t . I ) .
Além disso, cuidava como erm itão da horta da casa, da
irmão, ficou como superior durante a ausência de N obrega em Ilhéus c
Seguro (N o b r., o. c ., I I I ) . Em 1550 foi o pregoeiro da venda sim ulada de
Manuel de Paiva e aprendeu o oficio de tecelão (H i s t . dos Col., 1. ■, P- 1 >
o i , y-isc o c 1 1 n S3) . Esteve doente de febres quartas por espaço
de um ano (S . d e V a s c .,’ o. O., 1 . 1. n. 93) e foi enviado com Aspicuclta N a­
varro para para Porto-Seguro. Aí ficou com Francisco I ires voltando a B aia
em 1551. No ano seguinte residiu em Itap o an (Cart. A r . , nota <3 de A.
x o to ) . Em outubro de 1003, reeem-ordenado, seguiu para o Sul com Leonardo
Nunes, chegando a São Vicente a 24 de Dezembro, Co-fundador em L>54 da
casa de São Paulo, logo depois residiu com Francisco I ires na. aldeia de Ma
niçoba. J á era superior de P ira tin in g a , em 1562, quando d o g n a m ^ ataqiic
dos índios, e nesse cargo ainda se m antinha em 1567. Em 1570 (Hit'< ■
Col. l. c. p . 128; S. de V asc., Vida do Venerável Padre Joseph de Anchie­
ta Lisboa’ 1672, 1. 3, n . 8-11), acompanhou A nchieta na expedição pelo
Anhembi, durante a qual se deu o naufragio do canarino, tido por milagroso
e que Machado d ’Oliveira (Quadro Historico da Província de S Paulo ..ao
Paulo 1864, p. 58) fixa em 1560, durante a perm anência de Mem de ba n a
C apitania. Em abril dc 1573 seguiu p a ra o Bio dc Janeiro com o provincial
Tnacio dc Tolosa c daí p a ra a B aía, com escala pelo E spirito Santo. Porem,
no mesmo dia, em que os jesuítas deixaram V itória, 28 de abril, sofreram um
naufragio de que conseguiram escapar, alcançando a te rra . A 8 de maio esta­
lam de novo na casa do E spirito Santo, onde perm aneceram quasi cinco meses
por fa lta de embarcação, só chegando á B aía no dia 9 de outubro (His . < _
C d i o ps 131-5). Vicente (Rodrigues voltou mais ta rd e ao Bio de J a n e i­
ro, onde m orreu a 9 de junho de 1598. Era irmão do padre Jo rg e Ri.io, pro­
fessor de Anchieta no Colégio dc Coim bra. Daí o nome que lhe da N obrega.

56
I. — CARTA D E P IR A T IN IN G A (1554)

Vicente R ijo (Cart., I ) . Três das Cart. A v. são dele (XT, X II e X V ). Gran-
de amigo de A nchieta, testem unhou vários de seus m ilagres (Hist, dos CoL, 1. c.).
(20) Afonso Braz, j á sacerdote de missa, chegou ao Brasil em 1550,
chefiando a segunda missão que veiu na arm ada de Simão da Gama de An-
drade Em 1551, foi enviado para o Espirito Santo com o irmão Simao Gon­
çalves. No ano seguinte, esteve em Porto-Seguro, onde comunicou a Aspi-
e re lta “ casos de conciencia”, tornando logo ao Espirito Santo (Cart. A t . ,
IX ) Em 1553, quando Leonardo Nunes voltava da B aía para São Vicente
com o socorro pedido por N obrega, embarcou, ficando Braz Lourenco em seu
hurar Co-fundador de São Paulo de P iratininga, dm giu a construção da
casa e ig reja, trabalhando de pedreiro e carpinteiro, ofícios que exerceu tam ­
bém em São V icente. Com o provincial Inácio de Tolosa, seguiu em 1.)/,, para
() Rio de Jan eiro , onde ficou encarregado das obras do Colégio, por ser
grande c a rp in te iro ” ( H i s t . dos Col.. 1. e ., ps. 130-1). Anula vivia em b> 0
( Anch ., Fraff. H i s t . ) .

(21) Leonardo Nunes (v. nota 1).


(22) Diono 'Income, recebido na Companhia em 154S, no ano seguinte
vein para o B rasil na missão chefiada por N obrega. Foi o primeiro que aqui
soube i n “ ofício m ecânico” (B . Teles, o. c ., L !>■ 479): “ levantou um
tôm o de p é ” , fabricando coroas e rosarios de pau que distribuía áos imlais
ou vendia aos devotos em proveito da Companhia (S . de V ase., O " » ., • , »
n 72). Enviado com Leonardo Nunes para llheus, esteve na mia en i
do mesmo ano de 1549, tornando para Ilhéus em agosto Segam
companhia de N obrega e Leonardo Nunes, para Porto-Seguro, onde tn k
Fm 1551 iá estava em São Vicente, auxiliando com grande zelo Reonuid
Nunes Aí. co.no main ta rd e o.n São Panlo do Pim H nm ga, dc J » » ÇV
fundador, e no Kio de Janeiro, trabalhou de ear,nrde.,o m. ™ id ,n e, c
easas e ig re jas da Companhia (A nch., In ag. H i s t . ) . J “ ' ,
S â n u e i de Paiva para a Baia, onde chego,. e„, sc tc .l.rr, c to, ordenado pa e
pelo bispo d. Pedro Leitão, seguindo logo para a aldeia do
\ T a r t À v „ L ) . Em 1563, residiu em Ilhéus com o padre B * " 8'
£ » principio, de , m ei.egon
teve a. seu cargo a aldeia de Nossa Senhoia < , pie
dios durante a peste de bexigas que dizimou 0S. " X ^ e l a m ' “ os sangradores,
c o irmão Pero Gonçalves, que morreu contaminado, a n ™ sangi. ç
S Ururgioee, Vi;
td r ia ,' onde passori alguns meses, tornando i aide,a do
Conceição, apesar de nao restabelecido, poi ‘ v itó ri:i onde fa-
Av L V 1II) . Agravando-se seu estado, vem de no ] <■ [)aspart
Ieceu em abril de 1565, sendo sepultado na igreja de hao Pnigo. Das
A v ., a de n . X é sua. —• V . Frag. H i s t .
(» ) G r e g o r i o Serrãe foi recebido e.n 2 ® ° n« Çologi. ^
serviu de enferm eiro, sendo escolhido por Drogo M „ .» 1 - a e.uda I (Mil
m estre Gonçalo de Medeiros, falecido na“ últim casaa de S.
peregrinação que fez a Hao
abril de 1552, a quem acompanhou na Lisboa”, segundo inform a Anchieta
Gonçalo de A m arante, donde tornou a 0 Bra9Í1 “ i|UaSi
nos F r a g . Hi st. Adoecendo gravemen e, 01 Enfermo quasi toda u
incurável” (A n ch ., 1. c . ) , n a m m . , de t, ( est eve
viagem, seguiu, logo depois de chegado a Ba.a, paia *
JO S E P H D E A N C H IETA

s ^ ’s r - s r i “; r « f e . « * * £ r r r ^ :
b a tib a com M anuel da Chaves fiervm do.de' ^ ,56^
acompanhou os portugueses em duas expediç d j bispo d . Pe-
-* -■ K » > ? V U c T a e n a U c l a d°erd S « a g í ° ^ o i = a de
P a r ip e . No ano seguinte já em rcit(.r ^ o l^ S ^ ro ^ ra ^ r

rJ rssK « ~ v S * t
f: -4 ^ % r r .r £
&*« 5v
on. Pi.rnambuco o mu* foi teito, 10£0 cmu i -u j . ^ iu 1 .L . .
eil' trazendo 16 missionários, o m aior socorro recebido pela provincia no L -
Í e i r o “ culo Keassumiu «á B aía o cargo de reitor tendo por auxil nr o
n d re Luiz da Fonseca, .... . afinal o substituiu defim tivam cnte em U S é .
N arra Anchieta (! «■. i que Serrão indo uma noite em mn barco a faze
uiná obra de serviço de Pons e misericórdia como costumava, lhe deu « a r ma
cabeeu de que eon.eçou u enferm ar, e pouco a pouco se foi alienando Ln-
í adT por Cristóvão de Gouvêa ao Rio de Janeiro, afim de obter melhoras
para sua saúde, parou no E spirito Santo e a, morreu «.emente •' ->
venibro de 1586, sendo enterrado na igreja de S . Tiago.
( 04 ) Pero Corria, em 1549. foi o primeiro 'meão recebido por Leonardo
Nunes" em São Vicente. Português, dos principais moradores e grande Im gua
L erra antes dé e n trar para a Companhia como noviço “ gastou muitos anos
£ Z?vid" ã 'm n ,à ,;„ d o -S' ......... !,« Vivor ,1o l„ s „r sol.e.mdo o oohvoodo
Índios" (8 . de Y asc.. o. <•.. 1. L »• 170). Tendo obtido ao tempo do ca-
pitão-iuór Compilo Monteiro, a te rra “ que era dada a um meet:re Cosme, i
c h arel” além de outra situada em Permbe, requereu em l->42 a Antonio de
Oliveira, loeo-tenente do douatario, carta de confirm ação, pois a p rin.eira
‘•lhe caira no m a r". P o r essa. carta, passada a 2-> de ma,o do mesmo .n o ,
conseguiu ainda a concessão da maior das três ilhas “ que estão defronte da
dita terra de Peruibe para seu aposentam ento de carga e descarga das naus .
A 20 de março de 1003, declarando-se «o-fundador ria casa. de Sao Em ente,
fez doação de todos os seus bens á Companhia fN obr Cart.. X , - ■ ;
de Azevedo Marques, Apontamentos E isto n c o s, Rio, 1879, I I , p . 98) . A ind.
om 1553, foi enviado por Nobrega a P a ran a itú , de onde trouxe p a ra feao Vi­
cente alguns castelhanos cativos dos tupis. Em Lm4 participou da missão
fundadora de 8ão Paulo de P ira tin in g a e foi ai aluno de grainatica de Ar
chief a Nesse mesmo ano, pelo N atal, Pero Corrêa e João de Sousa m orre­
ram ãs mãos dos Carijós, quando se dirigiam á te rra dos ib ira ja ra s, com
form e n a rra A nchieta nas cartas TV e V (v. notas 72 e 75) Sao de Peio
Corrêa cinco das Cart. A r . (V II, V I I I, V III-bis, IX e XX ) .
/25) Antonio Rodrigues, n a tu ra l de Lisboa, antigo soldado no P a r a ­
guai e grande conhecedor dos costumes dos carijós, foi recebido por X obrega
em São Vicente, no ano de 1553. E com N obrega nesse mesmo ano, entrou
ciuarenta léguas pelo sertão até a aldeia de J a p iu b a ou M am çoba ( 8 . de
{ a8Ci, o. c ., 1. 1, n . 130). M uito provável que, em 15o4, tenha sido c.os

58
X. — CARTA D E P IR A T IN IN G Á (1554)

fundadores de S . Paulo (A ntónio de A lcântara Machado, Anchieta na ca­


pitania de S . Vicente, Rio, 1929, p . 22, nota 1 1 ). A 3 de maio de 1556, em­
barcou p a ra a B aia, em com panhia de Nobrega, chegando a 4 de agosto.
N a escala pelo E sp irito Santo, ensinou doutrina em português e na lingua da
te rra (C a rt. A v . , X I X ) . N a Baía, em 1557, construiu a igreja de Nossa
Senhora n a aldeia do Rio Vermelho e a í residiu com Nobrega (N o b r ., o. c.,
X V I I I ) e depois Ambrosio Pires (Cart. A v . , X X ). Em 1558 tomou parte
na expedição de Mem de Sá contra certos indios inimigos (S. de V ase., o. c.,
1. 2. n . 5 6 ). Em 1559. com o padre João Gonçalves, deu início á igre.ja da
aldeia do E spirito Santo (N o b r., o c. , X I X ) . Visitou também Itapuan,
de onde levava meninos p a ra a de E spirito Santo (Cart. A v ., X X X e
X X X I) . Deve te r recebido ordens sacras por essa época, pois em 1560, quan­
do passou a residir no Colégio da Baía, já o chamava padre o jesu ita Rui
P e re ira (Cart. A v . , X X X IX ). Em agosto de 1561, fundou a aldeia de Bom
Jesu s (Cart. A v . , X L III, X L IV e X L V III) e logo depois tornou p a ra a
B aía por ordem de G rã (Cart. A v . , X L V ). Em 1562 e 1563 residiu na a l­
deia de São Pedro (Cart. A v . , X L V III e L ) . Em 1564 assistia na aldeia
do E spirito Santo novamente (Cart. A v . , L I I 1 ) . Foi professor de flauta dos
meninos que em 1565 tocaram na. festa de Jesus realizada, no Colégio du
B aia (Cart. A v . , LV ) . Em novembro de 1566, seguiu para o Sul na frota
de Mem de Sá, em com panhia do visitador Inácio de Azevedo e do provin­
cial Luiz da G rã. P articipou da fundação do Colégio do Rio de Janeiro e
aí m orreu a 20 de janeiro de 1568, contando 52 anos de idade. Dele são seis
das Cart. A v . (X X X , X X X I, X X X II, X X X III, X L V III e X L IV ).
(26) Manuel de Chaves, grande lingua da terra e dos principais mora­
dores de São Vicente, foi aí recebido por Leonardo Nunes, em 1549, ju n ta ­
m ente com Pero C o rrêa. Figurou entre os jesuítas injustam ente acusados pe­
ra n te N obrega por João Ramalho e seus filhos, em 1553. Co-fundador de São
P aulo de P ira tin in g a , residiu com Gregorio Serrão na aldeia de Je rib a tib a .
Em 1562 p a rtiu p a ra a B aía em companhia de Manuel de Paiva e ai foi or­
denado pelo bispo d. Pedro L eitão. Em 1567 residia de novo em Suo Paulo.
(27) E ’ o irm ão 'Fabiano de Lucetia, recebido em Sao Vicente, muito
provavelm ente por Leonardo Nunes. Em 1554 seguiu com João de Sousa e
P ero Corrêa na expedição em que estes encontraram a morte, tendo porem
voltado a. meio do caminho (S . de V asc., o. c ., L L n. 174). e aiaio
de 1556 embarcou para a B aía com Nobrega, aí chegando a 4 de agos o.
F oi d is p e n s e d do Colégio (Cart. A v . , X X ) c em 1558 residia no Esp.ntO
Santo, onde foi ordenado padre e ainda se encontrava em L as ( a n .
Av. é provável que seja sua a de n. XLV1I (nota 183 de Afranio 1 e .x o to ).
(28) P e rg u n ta A franio Peixoto (Cart. A v ., nota 44, p . 45) se êste ir­
mão Antonio, a que se refere Anchieta, não é Antonio de A u to r ia , que em
1556 residia com B raz Lourenço no Espirito Santo (Cart. A v . , X - L \
provável, ao nosso ver, que seja António de Sousa que em lo,>6seguiu de
São Vicente, p a ra a B aía em companhia de Nobrega (S . d e ^
n . 4 ) . E ’ verdade que Rui P ereira (Cart. A v X X X I X ) da Antómo de
Sousa como chegado a 29 de agosto de 1560 na Baia. vindo de Sao Vicente
com Luiz da G rã p a ra so ordenar. Caso nao se ra e (_e e tornado
Vasconcelos, António de Sousa teria, portanto, entie •>■> c
a São V icente.
(29) Mateus Nogueira, português, foi soldado na Africa,
pois para a sua p a tria . Desgostoso por descobrir que sua mulher,

59
J O S E P H D E A N C H IE T A

. ., , .... .... n Brasil, feito soldado,


ausência dele “ tin h a vivido ®” ^ a '" en, , s [rito Sa^ t o. “ No tem po que Ilie so-
numa leva de povoadores, fieand 81 f ir0 Quando Leonardo Nunes,
b ejava da g u e rra ” , exercia o olicio d e J e r r e i r q p a ra São VP
-
passou pelo E spirito Santo em > A „ o a0 Vicente, continuou
cente, recebeu M ateus N ogueira na Com panhia. Em S g q maig
ele a t r a b a l h a r como ‘ ndemente ao sustento dos meninos e
™ r° d enf e F o r X s a 'fundadores de São Paulo de P ira tin in g a , ajudando a sus-
da casa . F oi dos tu n aaao res ut e vclho. D urante o ano que
ten ta r a casa com seu oMcio, aim pnf erm0 andava am parado em m uletas
antecedeu sua morte, ju grave tiracolo ao pescoço p a ra te r as mãos
que ele mesmo fabricara, assim como de 1RB1, sendo sepultado na
erguidas na oraçao. Faleceu a -9 <•■ .1 1 ni
Cl ee 772,
2 cc l 2,
ig reja do Colégio de São Paulo ( 8 . de V ase., o « . , 1 . 1 , « • um dos interlo-
i f 117 a 123; N o b r., 0 . c ., X V ; A nd»., carta X I I ) . E
chama de “ fer-
«WWW» de N obreza (» . V 0
reiro de Jesus C risto".
/ 30) João ile Sonsa, aparentado c o m T o m é de Sousa, foi dos p n n ie i-
ros pov o ad o res de São V icente, onde X o b re g a o r « -e l* u n a (mi.q.aimia

ir :
flw hado pelos carijós (v. nota 21 e c a r t a s 1\ e A. notas t •

H l) Além d e s t a c a r t a d e A n c h i e t a , n ã o lui n e n h u m d o c u m e n t o o u c r o -
nica, ao menos d e nosso conhecim ento, que c o n t e n h a 'm a l q u e r r e f e r e n c i a a
Gonçulo A ntónio.
(32) Manuel da N obrega.
n r» Treze foram os jesuítas que em janeiro de 1-V4 passada a Epi-
f t j ,í„ix»ra „I S ã . Yi-enCe, p a » ftm dar « . M . *
podem ser apontados com certeza nove; padres Manuel de P a x 'a (8UP* >
Afonso Braz, Vicente Rodrigues e irm ãos José dc Anchieta, Gregorio Sermo
M anuel de Chaves. Pero Corrêa, Diogo Jacom e e Leonardo do A ale. Mas t
provável que os quatro restantes fossem o padre Francisco 1 ires e os> xrinnos
M ateus N ogueira, António Rodrigues e Jouo de Sousa (A . de ^ ' <K ia_ ° ’
»2 nota 11) — Piratininga, “ c. pirá-tininga, o peixe a seca ,
seca-peixe. "D esig n a rio que, por efeito dos transbordam entos deita pe.xe
tfóra e o deixa em sêco, exposto ao sol. E a explicação de Ancliie . ■ •
Yatinim, Pirai inn" (Teodoro Sampaio, O tvpi na geografia minimal, 3 ed.,
“ R ev. do I n s t. Geogr. e H ist, da B a ía ” , n. f,4) . - Sobre n y n v v u . fo r­
nias por que era designada a povoaçao, depois vila, no século lb, v L rn e
lindo A. de Leão (O rilrjo ãe Pirathiin, “ R evista Nova , Sao P a u o, ,
p ág in a 49) .
(34) A casa e ig re ja novas, construídas sob a direção de Afonso Braz,
BÓ foram inauguradas a 1 de novembro de l'*õ6 (v. carta A I I I , nota 8 4 ).

(3õ) M ateus N ogueira (v. nota 2 9 ).


(36) Provavelm ente M aniçoba.

(37) V icente R odrigues.


(38) São os filhos de João Ramalho, que tin h a por mulher uma filha

60
I. — CARTA DE P IR A T IN IN G A (1554)

de T ibiriçá, M a rtira (ou B u rtira, ou ainda Mbcy), batizada com o nome


de Isabel.
(39) Santo A ndré da Borda do Campo.
(40) A frase do mamaluco é ás vezes citada como dirigida a Anchieta,
o que porém não se pode deduzir das palavras dêsto. i

(41) V . c a rta s IV e V, e notas 72 e 75.

(42) Luiz da Grã chegou a São Vicente em 15 de maio de 1555.


(43) A descoberta, a que se refere Anchieta, era certamente atribuída
á expedição de Francisco B ruza de Espinosa^ na qual tomou parte o padre
João de A spicuelta N avarro, iniciada em L)53. Boatos iguais a esse, reco*
liado pelo canarino, é que levaram Tomé de Sousa a organizar a entrada de
Espinosa, como em 1550 a de Miguel Henriques (Afonso d ’Escragnole Tau-
nav. História Geral das Bandeiras Paulistas, 1, p . o4) .
II

Aos I r m ã o s e n f e r m o s d e C o im b r a , d e S ã o \ i c e n i e , 1554 (44)

P artida do Padre Leonardo Nunes. — Saúde de A nchieta.


Notícias de Gregorio Serrão e Manuel da Nobrega. — E studos
da lingua geral. — Trabalhos dos missionários no B rasil.

Christi.
A graça, de Nosso Senhor vos console, cavissimos Irmãos en­
fermos, e vos dê obras conforme ao nome que tendes. Amen.
Já escrevi outras, principalmente pelo Padre Leonardo Nunes
(45), depois de cuja partida chegaram as vossas, e nos deram gran­
de consolação. As novas que ha por cá nas quadrimestres se verão
largamente. Njesta quero sómente dar-vos uma nova e é que virtus
in infirm itate p e rfic itu r; a qual f oi para mim assás nova todo o
tempo que aí estive.
Muito tendes, carissimos Irmãos, que dar graças ao Senhor,
porque vos fez participantes de seus trabalhos e enfermidades, em
as quais mostrou o amor que nos tin h a: rezão será que o sirvamos
algum pouco, tendo grande paciência na.s enfermidades e, nestas,
aperfeiçoando a virtude.
A larga conversação que tive nessas enfermarias me faz não
me poder esquecer de meus carissimos coenfermos, desejando vê-los
curar com outras mais fortes mezinhas, que as que lá se usam; por­
que sem dúvida pelo que em mim experimentei, vos passo dizer que
as mezinhas materiais pouco fazem e aproveitam. Por outras cartas
vos tenho já escrito de minha disposição, a qual cada dia se renova,
de maneira que nenhuma diferença ha de mim a um são, ainda

62
I I . — CARTA D E S. V IC E N T E (1554)

aue algumas vezes não deixo de ter algumas relíquias das enfer­
midades passadas, porém não faço mais conta delas que se não
fossem (46).
Até agora sempre tenho estado em Piratininga, que é a pri­
meira aldeia de índios, que está 10 léguas do mar, como em ou­
tras cartas tenho escrito, em a qual estarei por agora, porque é
terra mui bôa; e porque não tinha purgas nem regalos de en­
fermaria, muitas vezes era necessario comer folhas de mostarda
cozidas com outros legumes da terra e manjares que lá podeis
imaginar, junto com entender em ensinar gramatica em tres clas­
ses diferentes; e ás vezes estando dormindo me vêm a despertar,
para fazer-me perguntas; e em tudo isto parece que saro, e assim
ó, porque em fazendo conta que não estava enfermo comecei a
estar são. e podeis ver minha disposição pelas cartas que escrevo,
as quais parecia impossível poder escrever estando lá.
Toda quaresma comia carne, como sabeis, e agora a jejuo toda.
O mesmo digo do Irmão Gregorio (47), o qual ainda que não está tão
são como eu, por .ser de mais fraca compleição, todavia não quer
ele dar-me a vantagem: ao menos vos sei dizer que para um
negócio de importância ir daqui a Piratininga mui depressa, que
é caminho mui aspero e segundo creio o peor que ha no mundo
(-18) dos atoladeiros, subidas e montes, o escolheram a ele como
mais rijo, havendo outros mais sãos em casa, e assim foi, dor­
mindo com a camisa ensopada em água, sem fogo, entre montes;
“ et v iv it et vivim u s”.
Neste tempo que estive em Piratininga servi de médico e bar­
beiro, curando e sangrando a muitos daqueles índios, dos quais
viveram alguns de quem se não esperava vida, por sei em moitos
muitos daquelas enfermidades (49). Agora estou aqui em São
Vicente, que vim com nosso padre Manuel da Nobrega para des­
pachar estas cartas. Demais disso tenho aprendido um ofício que
me ensinou a necessidade, que e fazer alpergatas, e sou já bom
mestre e tenho feitas muitas aos Irmãos, porque se não pode andar
por cá com sapatos de couro pelos montes (50).
Isto tudo é pouco pera o que Nosso Senhor vos mostrara
quando cá vierdes. Quanto á lingua eu estou adiantado, ainda
JO S E P H DE A N CH IETA

..... é mui pouco, pera o que soubera * “ ^ . “ S T p o T . ^


gramatica; todavia tenho co ígi o 1 não o ponho
e pera mim tenho entendido quasi todo “ u eu me apr0_
em arte porque não ha cá a quem apniv it ( » U ,
veito dela c aprovei.ar-sc-ao os que d e ™ er que se o padre
m atk .„ p in a lm e n te , <=“ S “ o s q u e a n d a is op ilad oa e
.Mirão (5 2 ) q u iser m a n d a r -v As m ed icin a s

Também vos digo que não basta de virtudes

( 'üira,,ra: sení° ; i r d: verdade11*! trabalho» que a Companhia tem


....................................................................
™ '™ 5" entre os
K il is Zm
eses no meio da maldade e seus ministros e sem
hubos Mis, sete m donde convem ser
COm T " : l i ; vos digo mais, senão
*......: Z Z : Z or," t e r i o r e grande» deseJos de pa-
.....- ......r
Fase, um grande eoraÇão.
..... -ocimi ..... m o s.
.. estar meditando em vossos recolhimentos, senão
Z , u Z Z t super fh m im B ^ o n i , e sem dúvida porque em
Babilôniar o g o vos o»i..« «f srmp W e’ ^ r
W . A meus rarissimos Padres e Irmãos em suas oraçoes, e
partieularmente a meu carissimo p a d . ^ ^
- o s Padres que foram e «ao meus pais, rogo e \
deste pobre que engendraram em Cristo d opto
omnes bem valere.
Pau ver et inutilis.

NOTAS

H - ,pbv r . W
de Anchieta, 1. , 1 ■
. M x
de são Vicente, é indicada no texto, e o ano
d f m s r s e infere da referencia 4 partida do padre Leonardo M ines p a ra
ít Eurojin (v. nota 42.i .
, , ,■ ....... i i r.nr.
que n:i c.irtn
carta ou
ou foi escritr
(4T) i Das palavras de Anclneta se conclui
da morte de Leonardo Nunes, ou, se
antes de 30 de junho de 1‘ 34, data

64
XI. — CARTA DE S. V IC E N T E (1554)

depois, quando ainda não havia chegado a São Vicente a notícia do nau­
fragio do Abarébebê.
(46) Ao tempo em que A nchieta e ra noviço em Coimbra, j á com o
corpo m altratado pelas longas orações e vigilias, uma escada caindo 1 e
ofendeu seriamente os rin s. Doente por espaço de quasi dois anos, vem
p a ra o B rasil em busca de melhoras para sua saude.
(47) Gregorio Serrão, tam bém enviado p ara o B rasil por motivo de
doença (v nota 2 1 ). Chegados em 1549, Nobrega e seus companheiros de
m issiS logo escreveram p a r i P ortugal louvando o clima brasileiro. E vanos
foram os jesuítas que vieram, como Anchieta e Serrao, fiados na salubr
dade da terra, sempre decantada, apesar das pestes de bexigas e do im pa­
ludismo Assim, confirm ando as cartas do canarino os dizeres dos primeiros
missionários, embarcaram doentes p a ra o Brasil, o padre D.oio o irmão
L v S de Carvalho (ambos, aliás, não se dando bem com os ares do Brasil,
tornaram logo para P o rtu g a l), o padre Ruí P ereira e outros.

(48) Sôbre o caminho de Paranapiacaba, “ que põe assombro aos que

s .r r , ? s r " ^
pag. 1-42.
(49) As “ enferm idades’’, a que se refere A nchieta,foram ,íu ™ « °
peste de priorizes, com ta l rigor, que era o mesmo acometer que d em b ar,
nriv ar dos sentidos, e dentro de três ou quatro dias levar a sepultura .
Como não houvesse “ no te rra o,Mico, ou s a n g r a d o r “

r = p S - - t >
m itâe " a t o m esírupulo” em servirem de sangradores "peio perigo da ir-

“K,l "í°o ^ » < e . a«é ....... - o padre N obrega r - s-


em easoB de ncecssidade” <8 . de V ase., o c L , *

u s . dLfi s r
do bandeirante, 2‘ ed ., S . Paulo, 1330, p . .o e seg
(rao e
,rf|N u aluar catas eram feitas de “ certos cardos ou caragoatás bra-

V ase., o. c ., 1. 1 , n . 7o.).
Kf)o n 0 Colégio da Baía, e provavelmente desde 1555 no
de P iratm inga, j i se estudava a lingua '“ “ S , t a ! [ i r c s s l em Coim-
£T ÍS^ iSJTri*, ■
(52) Diogo Mir&o, aragonês, provincial de Portugal, depois de ha
sido reitor dos Colégios de Coimbra e V alençn.
(53) O padre Antonio Corrêa, natural do P orto
n h i a (fm 1542,? foi m estre de noviços no Ç o l* o de Z
1553 as Constituições da Companhia e instalada a ca i

65
JOSEPH DE ANCHIETA

paaaou ai a » - - ^ » ^ . ”»0“ ^ - » ^ S S
labendo como nenhum outro Quebrar ‘ Mir5o então provincial, se viu obn-
,|,eKou a tal ponto que o padre D l 0 JJ°dcra8se’ 0 rigor excessivo dos exerci-
_ Jn intervir, ordenando-lhe que ‘ i boca Antonio Correa foi
E j M ag lo,V o c M , ■»<■>* “ f j i “ motivo <ia poste *•
S , . “ ? » W . - « • Hoq" U (eS P»“ t i m b r a . Kvora. M ç n »
Lieboa, 0 » «o. amctpolo. >6 tmn. ^ cn,a, U r . v i.*
nesse mesmo nno, de un 1 r ,
(B . Teles, o. c ., II, P- ' /•

66
Ill

Ao PADRE MESTRE INÁCIO DE LtOIOLA, PREPOSITO GERAL DA C oM PA -


NHiA de J esus, de P iratininga , ju lh o de 1554 (54).

Meninos órfãos. — Luxuria das Índias. — Troca, de mestiços da


terra por Irmãos de Coimbra. — Ida do Padre Leonardo
N u n e s. — A expedição de que participou Aspúcueta Navarro.

esus, Maria.
J A paz de Nosso Senhor Jesus Cristo seja sempre em nossas
almas. Amen.
Mui Reverendo em Cristo Padre.
Todo êste tempo que aqui temos estado nos hão mandado de
Portugal alguns dos meninos órfãos, os quais havemos tido e te­
mos comnosco sustentando-os com muito trabalhe* e dificuldade
( 5 5 ) ; o que nos moveu que aqui também recolhessemos alguns
órfãos principalmente dos mestiços da terra, peia assim os ampa
rar e ensinar, porque é a gente mais perdida desta terra, e al­
guns peores que os mesmos índios.
Como disse na quadrimestre de Agosto e durante esse tempo
pretendemos conquistar um destes como um índio, porque neles
está muita parte da edificação ou destruição da terra como tam­
bém porque como linguas e intérpretes para Hos ajudarem na
conversão dos Gentios e destes os que fossem aptos e tivessem
boas qualidades recolhê-los para Irmãos e os que não fossem tais
dar-lhes vida por outro modo. Agora quis Nosso Senhor por sua
misericordia dar-nos a conhecer que não é gente de que se de\a
fazer caso pera a conversão dos Infiéis. Porque um deles que
era casado e outros daqueles de que fazíamos alguma conta ten-

67
JO S E P H DE A N C H IETA

, „ w do espirito do f o r n ir ã o no mês de Julho fugiram. Pôs-so


muita segurança o di.igeneia e foram P ia d o s o due nos d .
conhecimento hem ciaro d e ^ . Por
(56) junto com todos os k serviç„ de
mondando-o a Nosso benhor, <1 • índios o quando
n . u, tê.los e criá-los na mesma conta que os Indtos e quamto
. l i r e m a anos do .iiscreçào mandá-los a Espanha, onde h«t me-
n o s inconvenientes o perigos para serem rmns que aq , .
mulheres andam nuas e não sabem se .togar a mnguom mas a ^
t a mesmas cometem o importunam os homens, jogando-se om
r u * uv.,, P.>.- h « ™ . . o ™ ««* - ^ -
V „<sim prouvera a Nosso benhor, que daqui a oito ou note
.'.odo ele.s „ que devem e tendo as qua.ida.les, que se requerem
t • M* NHM Hili <o' estas partes
, , .... .i ( ornnmihltt \,<x
laçam
*
grande iiuto
r d n t i o , . que agora não fazem. porque não têent nenhuma

........K' assim"mesmole se fizessem aqui casas da Companhia seria


horn, que fizeasemos troca com os Irmãos do Coleg.o de Onmbr*
i,e maneira que nos mandassem para ca os n.d.spostos de la t e
de que tenham propensão a virtude, os qua.s aqu. se curanam
„» trabalhos e bondade da terra, como temos experimented
nos enfermos que de lá vieram, e aprenderiam o lmgua dos -
aios; 0 de cá lhes enviaríamos destes mestiços, dos quais alguns,
que tivessem qualidades para ser Irmãos, recolhessem nos Coe­
i s e os que não. pusesem nas vasas dos órfãos como agora se
faz a alguns deles e isto é grande serviço de Deus. porque estes
(como tenho dito) se são ruins destroem o edificado. A -super­
intendência destes se devia exercer pelos Padres da Companhia,
apartados dos Irmãos; a resolução do que V. R. P- juntamente
c0m o Padre provincial de Portugal deveria negociar com o Kei,
porque é grande honra de Deus e proveito de seu Reino, e porque
destas e outras cousas por cartas não se pode dar bastante in­
formação. Mandou Nosso Padre êste ano o Padre Leonardo Nu-
ne8 ( 5 7 ), o qual leva tudo apontado, para praticar com \ • R- •
Sua Altesa. , ,
Estando Nosso Padre na Baía de Todos as Santos, d eteim -

68
III. OAB TA DE P IE A T IN IN G A (1554)

iiou Sua Altesa mandar doze homens pelo sertão a descobrir ouro
que diziam que havia para o que o governador Tomé de Sousa
pediu um Padre, que fosse com eles em lugar de Cristo para que
não fossem desamparados e por Nosso Padre não poder negar e
principalmente para descobrir muitas gerações, que sabia por in­
formação que naquelas partes havia mui boas e vendo tão boa
ocasião, por serem aquelas grandes linguas e escolhidas, mandou
com eles o Padre Navarro. Eles vão buscar ouro e ele vai buscar
tesouro de almas, que naquelas partes ha mui copioso e por aque­
las partes cremos se entra até ao Amazonas. Agora temos novas
de que no mês de Março de 1554 entraram pela capitania cha­
mada Porto Seguro (58). E o que mais suceder da Baía se es­
creverá .
Do mês de Julho de 1554, de Piratininga.
Por comissão do Reverendo em Cristo Padre Manuel da
Nobrega.
O minimo da Sociedade de Jesus.
Pode vê-la o Padre Provincial de Portugal.

NOTAS

(5 4 ) P b l., em castelhano, nos “ Anais da Biblioteca N a c io n a l’, X IX ,


p . 53-4.
(55) Desde os prim eiros trabalhos dos jesuitas no Brasil, de P o rtu ­
gal eráni enviados meninos órfãos que aqui auxiliavam a catequese (N obr.,
Cart., V II) . Os mais aptos entravam para a Companhia, como aconteceu
com Antonio de P ina e João Pereira (Cart. A v ., LI A) .
(5(1) Padre Manuel da N obrega.
* (57) Anchieta, portanto, não tinha ainda conhecimento da morte de
Leonardo Nunes, ocorrida a 30 de junho (v. nota 2 ) .
(58) A franio PeLxoto (Cart. A v ., nota, p. 24-5), aproximando a in­
form ação constante de uma nota de Capistrano a V arnhagen (História Geral
do Brasil, 4» e d ., S . P au lo ), I, p . 338) do que o proprm, Aspilcueta declara
em sua carta de 24 de junho de 1555 (Cart. A v ., X V II I ), da edmo coisa
decidida a partida da expedição em 15o3. E com razao, porque entre o de
poimento de A spilcueta e o de A nchieta não ha escolher: aquele deve pre­
valecer evidentemente. Como chefe da expedição, seguiu o castelhano F r a n ­
cisco B ruza de Espinosa, comandando doze homens. Resumindo o que se
sabe acerca do roteiro seguido pela expedição, diz A franio I eixoto que ela

69
JOSEPH PE AXCHIETA

in rio P a rd o ” . AfonBO de E . Taunay (


iS ^ S
ta um documento ‘ obscuro
c á tr r tà a to N o a .id c r a a citada e«ta de A jpüeae a a to lito de que todoa
f 5 5 ? ai i» * > W W ,,O T r r » . á S « ? o d e a fin c a r tóbrc o ttm e-
l a ^ ' T S c i r f ' r E ^ iT a a «pecar d o . « .u d o s J " ’U . d o .
F r a n c * » .Lofc? ' ' t Ô leu vTr, a dnica e a p » ^ » bcm tun-

s & S & I & r s . ' i & r n - ’? *

íS tíS S ín t S S i «
do Abreu, Hio. 1930, p . 151 e »■)•
k ís ü
IV

C ompanhia de J esus em P ortugal, DE


Aos P adres e I rmãos da
P ikatininga , 1555 (59).

Besidenàas do Companhia « ^ t
ninga. - O ver, a, do Gent e - < » * » “ • ,.£ ,« » rf« Ir-
, ^ o s Expediçãodo
Pero Correa Jo,ao de Sousa ^ ^João de S e. Fabiam, l(e aos
Ibirajara.s. — v va u
Pero Corrêa e João de Sousa.

BTiMOS p adn!s e Irmãos caríssimos, em esla India do lirasil,


E “ ’i o da obediência do nosso Reverendo
dre Nobrega, repartidos em quatro partes, em a
£

vador, onde reside o Governador e o Senhor


tem cuidado de («>
Seguro, donde um » WMS vai a uma que está daí a
com muito trabalho * frut0. Também aí ha um Ir-
seis léguas, de que se espe escrever aosmeninos.
- m i ,,,,,, ensina a doutrina e a ler e esciever ao.
mao (63) que ensina * „if|ad„ do Salvador 60
r ^ C ^ d X T ^ b . também uma casa
dTcom panhia, donde por graça do Senhor^se^ -_

pitama de b. vicenie, 4 , outra parte, donde

»• — filh,,s de Im,ios’
clsinaram-tties a doutrina e a ler e escrever. Agora nos hemos

71
JO S E P H DE A N CH IETA

passado a esta povoação de índios que se e ^ a Piratímnga d„n-


de estamos entre os índios. Dia da conversão de Sao Paulo
somos a primeira missa em este lugar.
A g0ra com a ajuda de Nosso Senhor nos ocupam os em a
doutrina destes índios e em rogar ao Senhor que abra a po
para a conversão de muitas nações de que temos novas e em que
i : : ; “ farã m * frato P»r não haver entre elas eostume de
comer carne humana (64). Estes índio», entre quem estarn
agora, nos dão seus filhos para que os doutrinemos e por a mau
depois da lição, dizem ladainhas na igreja e a tarde a
a .rendem as opções em português e em a sua P™pna h n g»a;
e por graça do Senhor vêem muitos, assim homens como mui e-
res os domingos, á missa, e os que são cateeumeuos se saem depois
do ofertorio. Importunam muito por o santo batismo, mas tem-se
muito aviso de não batizados até haver deles murta « p e n e n m
para que se tem desta terra. Alguns inocentes hao passado aq
desta vida batizados, as quais esperamos roguem por nos e por seus
pais a nosso Senhor. Um índio principal que vem aqui de mais
de cem léguas, a converter-se á nossa santa fé. morreu com sinais
dc bom cristão, recebida a água do batismo: este nos dizia muitas
vezes que um filho seu inocente, o qual havia falecido batizado,
lhe havia muitas vezes do Céu dito que deixasse os horrores da
gentilidade e por sem dúvida tinha que o havia trazido aqui (65).
Estes índios têem grandissimas guerras entre si, umas nações
contra outras, o que é comum em toda a India do Brasil; e depois
que aqui estamos foram á guerra e um dia antes da batalha fi­
zeram uma cabana, segundo seu costume, onde puzeram uma ca­
baça cheia ao modo de rosto humano, ataviada com plumas. Os
feiticeiros (pie fazem isto chamam Pages, para sacrificar-lhe e
perguntar-lhe do sucesso da guerra, e como chamassem a nossos
catecumenos, eles responderam que tudo aquilo era grande falsi­
dade e que eles esperavam a vitoria de seu Deus; e ao dia se­
guinte aparecendo grande multidão de inimigos, começaram a des­
maiar. e uma mulher já batizada do capelão desta povoação, que
havia ido com seu marido, os começou a animar admoestando-lhes
que fizessem o sinal da cruz em a frente e fazendo-o assim, os
IV> — CARTA B E P IR À T IN IN G A (1555)

inimigos foram vencidos. Os catecumenos deram grande sinal de


ser inteira a sua intenção, porque aos inimigos que mataram, que
dantes soiam comer com grandíssimas festas, deixaram enterra­
dos- os quais desenterraram e comeram os mesmos de sua parte,
porque tornaram ao lugar da batalha, como eles costumam pen­
sando que esses eram dos contrarios. Os que fase.,, estas feitiça-
rias. que disse são mui apreciados dos índios, persuadem- es que
em seu poder está a vida ou a m orte; não ousam com tudo is o
aparecer deante de nós outros, porque descobrimos suas mentiras
e maldades. *T c, ,
Esperamos cm a infinita misericordia de Cristo Nosso Sem
que assim por os que cá estão, como por os que a santa obediên­
cia enviará, se porá remédio á cegueira em que estão tantas na­
ções de índios, e creiam, carissimos Irmãos, que ainda que cm
estas partes lia faltas das cousas exteriores, que Nosso Senho,. a
quem as quer assim, por seu amor dá muita alegria interior o
que se vê bem aqui. que desde Janeiro ate agora estamos, sen
algumas vezes 20 pessoas, em uma casa feita de madeira e pa ia,
a qual terá de comprido 14 passos e 10 de largo, que nos serve de
escola, dormitorio e refeitório, enfermaria e cozinha e despensa
eom recordar-nos que N. Senhor Jesus Cristo nasceu em um po-
pre presepe, entre dons animais e morreu em outro lugar mu, mam
estreito, estamos mui contentes nela e muitas vezes lemos a HçdO
de gramatica no campo. . ,
o principal mantimento desta terra é uma farinha de pau,
que se faz de certas raizes, que se chamam mandioca, as quais sa„
plantadas e lavradas a êste fim. e se se cornem cruas ou assadas
ou cozidas matam, porque é necessario deixa-las em
apodreçam, e depois de apodrecidas se fazem e m tarn,h a : eaU
principal mantimento, com alguns legumes e foil,as de mosta .
Também os índios nos dão algumas vezes alguma carne de caça
alguns peixes e muitas vezes Nosso Senhor, de onde menos es­
perávamos nos socorre, e somos muito obrigados a sua bondade
one em tanta falta das cousas corporais nos dá sanidade e foiç , .
Estes são os lugares em que estão pessoas da Companh a, e
em outro lugar dos índios estão dois Padres nossos, com out,os

73
JOSEPH DE ANCHIETA

, i„ npna Esta Piratininga, em que


Irmãos semeiamlo a palavra de ■ 0 toda está, desde
agora estamos, esta 24 graus paia Pernambuco, até
a primeira habitação do* portuguesa que e ' índios
aqui e ainda mais adeante, e de 300 éguas P ^
que têm por sumo deleite comer-se uns aos o • „ ca.
zes vão á guerra e havendo andado^m a, de ^

Tz£ : r r i: r -
t x " - r r - ’ - m#mr mür-
te. que a seu parecer. « mui w estende muito por
Esta nação de Índios daqui ha m,tra naíã 0
» terra a dentro. Fóra destas nações ..Carisos" (Carijós),
em o Brasil mui estendida quí esta0 já debai-

nmi mais mansa e capar. da* ^ experiencia deles por al-


x„ do poder do Imperador ( 6 o-A) , temos expe
K,n,s que tivemos aqui. ” £ in„ e i s por a ter-
Seguem-se depois destas ■ e £, maior parte delas ba
rfl a dentro, para <> ocidente, at
Pud,-p Vsnilcueta. .tomo sabereis por .sua caita (bb).
corrido agora o 1 ad * *1 , e p0r ser mais

r = .r :
-.'StATeiCtS.rS
Brasii e tem muita autoridade entre os índios por o minto tem-

S d o s ã razão, porque obedecem a um senhor e nao teem m


de uma mulher, nem comem carne humana, nem Um dolatna
nem feitiçaria alguma, e. segundo ouvimos, assim e
em outras cousas se diferenciam muito dos_ outros M io . P
descobrir este caminho foi a umas povoaçoes de Índios -
“ r , n e havia sido recebido mui hem e que determina-

74
CAR TA DK PIR A T IN IN G A (1555)
IV .

, tv i 0 {So7f>r uma grande povoação ,para que nos-


Yam/ q „ue e lsL -lo !, fizessem com mais facilid.de,
SOS Irmãos que verdadeiro lhe entregaram um
e para prova deste “ “ dCJ relhavam suas miseráveis solenidades

— - r r :
que tinham c a t i v o de Outubro para efetuar o
que os ensinasse (70), se p •„ ,ievein Ser de
:„ e disse. Agora h e m o s p a d e c i d o s
grandissima consolação paia touos, e i , ^so
devemos de dar á Suma Bondade muitas graças por elas, e pm

escrevei^e ad^ e^Majjuei ^ Nobrega enviou o Irmão Pero Lo" ed ^ 1


descobrir os « a s uns
portancia que haviam de laze., que 1 deUoa.
Castelhanos de q— 0» - - “ Pargay, que d suieita
das, aportaram aqui (' h depois de alguns
ao Imperador, e como nao pudessem .. I» terra P ^
a„os constrangidos d* ÒI h a v l de esperar
uma.s aldeias de Inoos. rizessem mal: partiu, pois, com
para fazer que os n ^ ]Jartolomeu (72), depois de rece-
outros dons Irmao „ eom muitos trabalhos e fomes che-
bido o Santíssimo Saci amento, donde se presumiaqne
garam a um rio que « > “ m # caminho lhe sucedeu o que disse
haviam de ir os Castum > , nrègado a palavra de
atrás; e não achando-os aqui, por „ caminho, deixou
Deus, como havia leito por as determinados de não fazer
o.s índios mui pacíficos, ocupados em fazer-lhes
mal aos Castelhanos q^ n'J |,J v|e^ an1e> deixando um Irmão para
mantimentos; e assim ■ 1 ' , - ,iUf. eatava maltratado,
curar o Castelhano cativo, que disse o „
e depois de ele sarar, enfermou o I m - O s ^ ^ saa,
favoreciam; mas — ^ im e n (e r m 0 como estava trabalhava
festas costumadas, e o rli/endo-lhes quantas cousas
com muitas razões a aparta-los dmto duendlo 1 1 ^ man.
Deus Nosso Senhor havia cread» m o . ^ ^ „ pedaç0 de
timento, e depois se foi a. sua,
JO S E P H B E A N CH IETA

carne que achou posta ao fumo. Eles lhe tomaram por isso grande
odio, o enfermo como estava se vein. Louvores ao Senhor que no-lo
restituiu. _ .
O Irmão Pero Corrêa passou adeante com o Irmão doao üe
Sousa; o demonio persuadiu àqueles índios, havendo mostrado ao
princípio muita benevolencia e amor aos Irmãos, e querendo-se eles
já volver, que cressem que iam por espias de outros índios seus ini­
migos e assim despedindo-se se sairam com eles 10 ou 12 índios
principais, e estando apartados já das povoações, começaram a fle-
(dmr o Irmão Sousa, que (segundo dizem) se pôs de joelhos louvan­
do ao Senhor, e assim o mataram.
O Irmão Pero Corrêa, vendo isto, lhes começou a falar, e
a resposta deles era flechadas; ele todavia esteve falando com eles
um pedaço, recebendo-as, até que. não podendo mais sofre-las, dei­
xou o bordão que tra/.ia e se pôs de joelhos, encomendando sua alma
ao Senhor, e assim morreram nossos dois Irmãos: bemdito seja o
Senhor. A nós outros muita consolação nos causou sua morte e pe­
dimos outra semelhante ao Senhor, e agora cremos que quer fundar
aqui sua Igreja, pois lavra pedras desta maneira para o fundamento.
Com esta consolação temos misturado assas de dor e de sau­
dade que nos deixa de sua suave conversação. O Irmão Pero ( or-
rêa era um homem dos principais Portugueses que havia em o
Hrasil e andava em um navio salteando estes índios, pensando que
em isto fazia grande serviço a Deus, porque os tirava de suas ter­
ras e os trazia á lei dos Cristãos, e por ser nobre e mui prudente
era mui temeroso de Deus, e assim foi o primeiro que em esta terra
entrou na Companhia, e em cinco anos que esteve nela aproveitou
muito com a lingua, que ele sabia mui bem, e com o bom talento
qUÇ Deus Nosso Senhor lhe havia dado e muito crédito que em
esta terra tinha com os índios, até que morreu em serviço de suas
almas; e bem mostraram aqui os índios em lástimas que disseram.
Entre outros prantos foi notável o que fez êste principal de Pira-
tininga, que .se chama Martim Afonso, que. desde a meia noite ate
a manhã, andou ao derredor de suas casas (segundo eles costu­
mam). dizendo lástimas que nós outros ouvimos, scilicet-. “ J á
morreu o senhor do falar, aquele que sempre nos falava a verdade,

76
XV. — CARTA D E F IR A T IN IN G A (1555)

aquele que com o coração nos amava; já morreu nosso pai, nosso
irmão, nosso amigo”, — e outras cousas semelhantes.
O Irmão João de Sousa também foi dos primeiros que aqui
entraram na Companhia, donde nos deu a todos mui bom exem-
pio • e assim do ofício de cozinheiro, o chamou o Senhor a tao g o-
riosa morte. Não podemos deixar de nos envergonhar, vendo que
dois Irmãos recebidos no Brasil correram mais que nós outros que
viemos de Portugal. Praza a nosso benignissimo Jesus dar-nos a
todos sua graça com sua santíssima vontade.
Uma cousa desejamos cá todos e pedimos muito a Nosso Se­
nhor sem a qual não sc poderá fazer fruto no Brasil, que deseja­
mos e é que esta terra toda seja mui povoada de Cristãos que a te­
nham sujeita, porque a gente é tão indomita e está tao encarniçada •
em comer carne humana e isenta em não reconhecer superior, que
será mui dificultoso ser firme o que se plantar, se nao íouver
este remédio, o qual eontinuamente pedem cá os Padres e rmaos
a Nosso Senhor e estão mui consolados por haver quasi certeza que
pola terra a dentro se descobrem muitos metais, porque com isto
se habitará muito osta terra, e estes pobres índios que tao tirani­
zados estão do demonio, se converterão a seu ( reader. < e no,
nha sempre a todos de sua mao.
Desta Piratininga.
SO TA S

< « ,, P b l . „ o liv r o “ C o p i a d o d iv o ,» ™ c a r t a » J e .^ X o e lo n T ™ » '


d e l a C o m p a n ia d e .J e s u s . R e c e b id a s en haio m>s in te r e s s e m
d e u s e e n c a s a d e C l a u d io B o r n a t 1 5 o 6 . ^ s t e n v rc> » ^ « C a r t a A v u l-
duas cartas: uma do Padre ^ pudèmos conferir com o nosso
sas” ) e esta de Anchieta, e m ^ S e s - P a r i s , que nos favore-

S T o

Corrêa ^ ~ ^
e 5 vem no livro aludido acima, como desse ano de MDIA .

(6 0 ) O g o v e r n a d o r e r a df i ^ ^ " c h e g a d ^ e m 1552 Í T n o r f o p e lo s c a e t é s
r a n d es S a r d in h a , p rim e iro do B r a s il, c h e g a d o em
em 1556.
(61) Ambrosio Pires (v. nota 8 ).

(62) V . nota 10.


JO S E P H DE A N CH IETA

(63) Antonio Blasquea (v. nota 9 ) .

cxpedieão de Pero Corrêa e Joan dc Sousa.


(65) Êate “ in d i. prm«Sp»r' » » • P - C oirto I»™ S5« ViM nte
(v. carta I ) .
(65- a) Carlos V, rei da Espanha a in,porad»r da Alonraaha, que nesse
mesmo ano abdicou.
{66) E ’ a famosa, apesar cle infelizmente mal esclam uda entrada de
Jofio de Aspilcueta, que andou 350 léguas pelo sertão (v. nota . )•

(67) V. nota 24.


(6 8 ) João de Sousa e Fabiano de L ueena.
_
(69) Como se vê. do
, texto,
, tf od " P ja dacue
re ” a a q>
que alude Anchieta é o irm ão
Pero C orrêa.
(70) Fabiano de, ,Lueena, que„„ ficou em rm tan
Cananéa
a n c * doutrinando os indios
e tratando do espanhol ferido.

cançar o Eio da P rata (S . de \n s e ., o. c . t 1. b n. -)•

gundó boforma Anchieta nesta c «a carta seguinte, e n * o d ^ à T v 7 o


S. de Vasconcelos (o. c ., i. L «• t
Corrêa e João de Sousa, v. nota <o-
V

D e S ão V ic en te , a 15 de Março de 1555 (73)

Projetada, missão d e Nobrega aos Ca-


A escola, de P ira tm m g a . _ ■ Morte de Pero Corrêa e doao
rijós. — Padre L m z da G ra .
de Sousa.

C ™o que sabereis estarmos alguns da Companhia em uma terra


V-* de ludios, chamada Piratininga. eêrca de «0 milhas para o
interior de « o Vicente, onde Nosso Senhor favorece cornea sua
glória, a salvação desta almas; e ainda que a gen 3
mandada, algumas ovelhas ha do -banho do S e n h o r ^ ^
Temos uma grande escola de menino.
... leitura escrita e em bons costumes, os quais abominam os usos

. .... ,*»« ... . ■ rXT. .

cn assim os houvéramos aceitado.


1 Ocupamo-nos aqui em doutrinar êste povo. não U n to por este,
iras pelo fruto que esperamos de outros, para os qua

!,' >el E s t ^ c o m n o s c o um principal dos Índios chamados Carijós (c«-


rijis). o qual é senhor de uma vasta terra, e vem com mui os c

79
JOSEPH DE ANCHIETA

wus servit]ores só á nossa procura, afim de que corramos as suas


r » „ara ensinar, dizendo que vivem como bestas feras, sem -
nhecer as cousas de Nosso Senhor. Digo-vos, cansarmos
é um mui bom cristão, homem mm discreto e «em P dret
alguma de índio. Com ele resolveu-se o nosso la d re Manuel r ou
m a n l r a U , * - espera a chegada do Padre L u» da G - ( W -
AK.m desta, outras »
fiue dizem pessoas que as tem trequemauu, j
q lc chamam Ibiraiâras; » esses d e sa n d o enviar um « nosso,
Manuel escolheu o Irmão Pero .Correa, para que fuesse» demais,
outros trabalhos do serviço divino na mesma viagem, e especia
rò m e lindasse certos Castelhanos que tinham de se passar para o
Paraguai, aos quais o dito Pero Corrêa dêsse socorro, se o s v is a e ®
grande necessidade, de matalotagem, e ll.es desse companhia P
Irem com segurança. E começou pelos índios dessas paragens, que
bem receberam a palavra de Cristo e determinaram reunir-se
o viver em uma grande terra, onde pudessem mais taeil ser ensinado
nas cousas da Fé. Tinham os índios em prisão para comerem um
Cristão, que era dos Carijós, e pedindo* Pero Correa, logo lhe fa­
re,am entrega sem taxar preço algum e o mesmo obteve acerca
outro prisioneiro inimigo, o que não é pouco, como sabeis, poiquan-
to nisto põem os Brasis toda a sua honra. a
Estavamos a 6 de Outubro de 1554 quando Pero Correa com
outro chamado João de Sousa, também nosso, e os dois índios que
tinham livrado, partiram para essas terras dos Cargos e se inter­
naram muitos dias pelas terras mencionadas pregando o Eva g
lho de Jesus Cristo, nosso Senhor, passando muitos trabalhos as
mais das vezes fome, não tendo que comer e estando enfermo Joao
de Sousa. Isto seria talvez em Novembro quando apareceu nessas
terras um intérprete dos Castelhanos e outro Português; escreveu-
lhes Pero Corrêa para se reunirem todos em um lugar, afim, c e que
conformemente pregassem a mesma cousa, por ser uma só a verda­
de do que fizeram pouco caso: todavia, veiu visita-lo o or g
e esteve uma noite com os nossos e ouviu Pero Corrêa pregar gran­
des cousas de Nosso Senhor e também que fizessem a paz com os
outros O intérprete Castelhano, que grã tempo estivera entre os

80
v. _ CARTA D E S. V IC E N TE (1555)

Carijós e vivera em seus costumes deles, pregava o contrário, que


fizessem guerra, que os ajudaria; e tais intérpretes, obreiros da ini­
quidade, soem muitas vezes pregar cousas semelhantes. Ouviu-o tam­
bém o Português dizer muitas palavras que patenteavam a malícia
daquele coração, e entre outras dizia aos Carijós, que o nosso Ir­
mão Pero Corrêa'abria a estrada pela qual haviam de vir os ini­
migos para matá-los e outras cousas para mcita-los (contra os

Querendo, pois, no tempo marcado da obediência, que era o


Natal havendo semeiado a palavra de Deus naquelas nações que
tão bem dispostas estavam, o que fez dizer a Fero Correa. para o
Português que nunca vira igual, acompanharam-o ou
jós dos principais até ás fronteiras dos seus inimigos. Do qne e
testemunha de vista o Português que nomeei acima; o qual assim o
narrou ao padre Manuel e a mim, estando doente em perigo
vida já confessado e comungado; pelo que se presume, ou ra cou­
sa não direi a não ser a verdade, atan d o , pois, este interprete
dos Castelhanos e o outro Português em eertas terras, viram des­
cer por um rio alguns índios Carijós, movidos como se cre por
aquele intérprete, que os concitava á guerra com muitas mentiras
e que nos tinha em odio por não lhe darmos uma sua coneubi
índia mataram logo dois índios que vinham com os nossos e de-
p"„is ;oHaram-se contra o nosso Irmão João de Sousa, que andava
enfermo, e começaram a atirar-lhe flechas; es e, porem eam de
ioelhos louvando o Senhor e dêste modo o mataram. Vendo as..im
nosso irmão Pero Corrêa que assim maltratavam a Joao, começou
a arrazoar com os índios, não sabemos sòhre que assunto, m ^ cre-
mos que se tratava de Nosso Senhor. A resposta que lhe davam
eram flechadas e com recebê-las não cessou de clamar por um pou­
co de tempo vindo a termos de não mais poder suportar deixou
cair o bordão que trazia e ajoelhou-se encomendando sua alma a
Deus e assim acabaram de matá-lo, despiram-o e deixaram-o no ca­
minho O mencionado intérprete que tudo moveu foi o mesmo que
estando prêso entre os índios, foi libertado pelos da Compai, ,
sem o que seria morto e comido por aqueles, de modo que pagou
com o mal o hem que se lhe fizera; ainda que tenhamos de enco-

81
6
JOSEPH DE ANCHIETA

mendà-lo a Deus pelo bem que a nossos t a á » te

deparar a morte, pela obed.eueta e pela * lhes

r •,.r ;r.= r-sr-s- rrrx


dade e justiça e finalm ente pela exaltaçao cia no. <1

V“ ; Ü ^ o s esses que mereceram lavar a e s to la n o


g ue do cordeiro imaculado, dando-lhe a ele e ao prox.mo a tu ,a ,
„„„ maior caridade não podiam ~ ^ £q. peque.
Procurarem os haver os corpos aeies i e se_

nnor. n ati eremus, i m nedras. Quisera


de igreja, havendo posto Por teria sucedido
a bondade divina que fosse eu a terce.r , j me
S(. „ não tivera impedido o meu mm,o pecado, porque
i .cr» p-ifirp bem ciue não se resolvesse.
qU,S N o l d T r m T r e r õ Corrêa entrou na Companhia aqui no Bra-
.. p rin cip a is Portugueses que estavam nesta ter
t a ™ 1 « "am por toda a parte, m atando M * «
narecendo-lhe que fazia um grande serviço a t o »
“ ; ; e por sua prudência, edificante bondade e nobreza de san­
gue e“ a dos que mais temiam a Deus entre os Cristãos que aqm
encontrám os. E iogo que a trom beta de Cristo — a “ r
d a Companhia, foi ele o prim eiro que dobrou o eolo ao jugo dela,
„ dizia m uitas vezes, e de tal se persuadira, que se q u e r . , « £ • « *
m ister que todo se disse ao serviço destes Índios, ate m orrer pe
a l m a ' deles, não achando nenhuma satisfação com que reparasse o

m a' n t e m l h a n o s que esteve em nossa Companhia, prègon


sempre o Evangelho de Cristo aos mesmos Índios, por ser dos m -
lhores linguas da te rra c de mais autoridade, com grandtssimos tra
ballhos por muitos matos e campos e desertos, afadigando-se ie
,é na pregação, até que conseguiu o feliz, termo que tan to desejava
m orrendo em serviço de suas almas. .
' sêm pee entre nós conversou sem ofensào, m u. humilde, m ui
v. _ CARTA D E S. V IC E N TE (1555)

obediente, sempre desejoso da perfeição, mudando a prudência da


carne, que primeiro tinha, naquela que é verdadeira segundo Cristo.
Pelo seu bom exemplo de vida e prègação na lingua desta terra
havia mais edificado do que nenhum outro, de maneira que todo este
povo de S . Vicente, de índios, havia fundado, reformado e ensinado
a viver segundo Cristo; e bem o hão mostrado todos porque fizeram
em toda a terra geral pranto por ele.
E ra cousa de grande compaixão ver as muitas lamentações de
homens e mulheres, que relatavam as suas virtudes, e não é de mara­
vilhar, porque cada um sabia que o lume que tinha e notícia do seu
Creador e Redentor Jesus Cristo, por meio da sua prègação e cari­
dosas exortações, o havia recebido de Deus.
O outro nosso Irmão, João de Sousa, foi dos primeiros que en­
traram para a Companhia, sendo ainda no mundo no meio da ini­
quidade; era pessoa santa, jejuava todas as semanas, a quarta-feira,
a sexta e o sabado, e não consentia deante de si que se fizesse ofensa
a Deus Nosso Senhor. E sendo desprezado daqueles que eram de ma
vida, o suportava com muita virtude. E desde que entrou na Com­
panhia a todos excedia na penitência, humildade, simplicidade e ca­
ridade. E assim, e detrás das panelas da cozinha, porque era o nosso
cozinheiro, tirou-o o Senhor e o elegeu para tão grande coroa.
Não podemos não nos confundir de ver que os recebidos aqui no
Brasil correram mais do que nós que viemos de Portugal, e foram
dignos de alcançar aquele prêmio, ao qual todos corremos. Praza a
Nosso Senhor de dar-nos graça, que nos conformemos, vivendo com
sua santa vontade, de modo que mereçamos receber da sua bondade
na morte tal corôa.
De S. Vicente, a 15 de Março de 1555.
Por comissão de nosso Padre Manuel da Nobrega. Servo indi­
gno da Companhia.

NOTAS

( 7 3 ) T raduzida do livro Diversi A visi Particolari dall’Indie dl Porto-


Diario O ficial” do Rio, em 9 e
gallo, Venetia, lõõ9, fls. 242-õ. P b l. no
13 de dezembro de 1887.
suas terras em busca dos jesui-
( 7 4 ) O principal carijó, que veiu de

83
JO S E P H D E A N CH IETA

5* ir. inaio dc lo55, cni


ta s ehamava-se Antonio de Leiva. N o mesmo> ehegou a São Vicente o
que Nobrega devia p a rtir eom e|* *8 «Tachavam cm guerra, dificultando as-

S ~ de8i8tiuda viagem
(75) ftHte trecho de Anchieta ^ .n o n s tr a
O João de Sousa ocorreu de pom> do * ^ 1 ’0 mesmo dia de 1555 (N o­
nno (P o rt. A v ., nota 40 de Afranio Peixoto j ^ um& c a rta de Pero Cor-
brega, C art., nota 52 dc Vale C a b ra l). & data dc g dc junho de loo4
rêa (Cart. A v . , .qUf ,0> 0 3 9 .4 2 sendo aí vertida para _o italiano,
nos Diversi A w n Porttcolari, \ ■ ^ a íôr do com as informações de An-
bnn mais extensa qiie nos ( a r t . . ^ g de Vasconcelos ( 0 . c ; , 1. 1,
chieta, nesta e na c a rta anion , term inou com 0 m artin o de
ns. 171 a 184), os sucessos da cspedn^ ^ rC8 umidos: Manuel da No-
pero Corrêa e Joao dc * (> » 1 jb ira iá ra s ou bilreiros, estabelecer
brega, desejando iniciar a catequese d» »raj r 0 Rio da P r a ta
a p i ' entre tupis e carijós e assegurar a hvre n 0 porto dos
de uns castelhanos que ^eomirdo ^ eacarregou dessa triplice missão os ir-
P atos e trouxera p a ra Sao * .. , Lucena P artiram os tres a
, 5 0 , Poro C o n to . J o io dc tu p i,. Ai doutriua-
H dc agoeto dc 1554 p ara 0 u,„ ia,lio cri,!»». A «
ram os indios e livraram da 11 » doixaJldo Fabiano de Lucena como
de outubro. Pero Corrêa e Jo 0 ‘h ferido, seguiram para a terra dos
enfermeiro do castelhano <t« indi 08 prègando o Evangelho e a paz quando,
c a rijó s. Estavam eles “ tre “ um espanhol 0 outro português.
Z Z ' T l ' i S E E T d í “ w S f dc k o Vicente, por l.avet .ido - t o o .
unia sua concubina carijó,
...... - Manue] ,1C noivo,, ounndo. com
morte certa pelos jesuítas,
ostavi cativo entre oa tu p is ■ ^ l ‘T d» eo'ncubina,
i i.. t . o / t i i V \i o

b » r« .ar o m i.slo de Pero Correu . Joao^ de b „ „ & ^ a r


guerra contra os tupis. No N atal, que P ^ urarem a dos ibirajáras,
Nobrega para deixarem a te rra do J®os dJ dez ou doze principais até
Pero Corrêa e Joao de > 0UB< ’ ‘ J 8ua gente, se em brenharam pelo ser­
os limites da região que ocupavam com sua ge . q do intérprete
tã o . B ai morreram flecimdo. p o r ^ g u a , I . Bartolomeu
^ tl í r (“ S ' Coroa d ’W o r ta d o , R e l i v e , da C om pa.ãta dc d e c ,
e tc .. Lisboa, 1642. p. 306-10)

84
VI

CÓPIA DE OUTRA, OU COMPLEMENTO DA ANTERIOR,


DA MESMA DATA ( 76)

Vinda de um
Grande escola de meninos cm Piratininga.
principal Carijó.

\ g raça e amor de Nosso Senhor Jesus Cristo seja sempre em


nosso contínuo favor e ajuda. Amen. , .
Carissimos Padres e Irmãos, grande creio que sera o desejo q
lá terão de saber de nós outros, porque, se lho mecUmos por o que
nós outros eá temos de saber deles, não poderá de,xar de « r mm
grande; mas é necessário que tenhamos pacienc.a, pois. 1
L o apenas parte um navio; será isto ocas.ao de mats mtun mente
nos amarmos e unirmos espiritualmente, _po,s nem, am da
tas podemos corporalmente, em o qual nao lhes cam). < ’
ptrque não se p L apartar de nossos c o r a i s a — “
que dos carissimos Irmãos temos de sua v,da para odtor
fruto do muito que por falta de obreiros se perde em e a grane ^
simas terras da gentilidade, que estão mu, seeas por falta da aD
saudavel da palavra de Deus.
Estamos, como lhes hei escrito, em esta aldeia de Firatminga,
onde temos uma grande escola de meninos, films de índio*. em. -
dos iá a ler e escrever, e aborrecem mu,to os costumes de seus pa: ,
Laleuns sabem ajudar a cantar a missa; éstes são nossa alegna e
„ X ã o porque seus pais não são mui
_ .„ i diferentes dos das outras aldeias, porque ja nao matam
L m e m ^contrários, nem bebem como dantes. Dia de 8 . I ~ o se

85
JO S E P H DE ANCHIETA

aeram algumas roupas a alguns deles do pano que El-Rei d i de


esmola (7T), cousa com que folgam muito; e assim “ de
tea se ajuntam a cantar cousas de Deus em sua
mitras aldeias se vêm aqui a pousar em esta com suas casas.
Da mancim dos Carijós dc que outras veres escrev., e de ou­
tras nações para as quais ha por aqui aberta entrada, temos mui
b o i novas e muita esperança que ha o Senhor dc fazer em elas
muito fruto, c ainda agora temos mais novas, porqueha v.«i o aqui
„m principal dêstes índios que chamam Lanjos ( 1 8 ), que e
nhor^daquela terra, com muitos criados seus. e n*o> v ,u a mam qu
a buscar-nos para que„ vamos aa suas
onas terras
ten a ensmar-üies, dizem nu»
sempre que eles estão lá como bestas, sem saberem as cousas de
Deus, e afirmo-lhes, carissimos Irmãos, que « bom vis ão> e
discreto, que nenhuma cousa tem de índio. * °sso ^
infinita misericordia plaute em toda a terra sua santa fc Im a
" grande cativeiro em que está do demonio. o
rissimos Irmãos, devem pedir com muita instancia a c o s s o Senhor
cada dia em suas orações, recordando-se nelas e nos ou r ...
A 15 de Março de. 1555.

XOTAS

(76) P b l., cm castelhano, noa


“Anais da Biblioteca N acional’’, III,
p . 322-3.
(77) Y. nota 14.
(78) Y . nota 74.
VII

T rim e n s a t. d e Maio a A g o s to de 1556, de P ir a tin in g a (79)

D o u tr in a ç ã o dos ín d io s . - A s s i s U n c ia . a o s d o e n * " . -
dos meninos. — Notícias d e Jenbahba. - Padre I m u O .

esus Maria.
J » Baz de Jesus Nosso Senhor esteja sempre comnosco.
. Nas passadas quadrimestres, foram já detalhadamente narra­
das as cousas que se passam entre nós, agora tocare, de leve nas
que se me oferecem. , .
Na doutrinação dos índios guardamos a mesma ordem:
vezes por dia são chamados á igreja, pelo toque da campainha, ao
qual acodem as mulheres daqui e dali, e la recitam as oraçoes n
q;„ p r io idtoma, recebendo ao mesmo tempo conti:nuas exoraçoes, e
se instruindo em tudo quanto respeita ao conhecimento _ •
Algumas se mostram de tal maneira dedicadas, que nao p
sam um Só dia sem que vão duas ver.es á igreja, e de la se nao apa -
tam, nem mesmo com o rigor do frio, que é intensissi.nc, nesta q -
dra do ano, algumas se confessam todos os anos, duas ou tres
e outras tantas se aproximam da mesa eucarística.
Certa mulher uma ver se admirou de que nos
o, remedies de que usamos, no curativo de um indivíduo, atacado
de doença contagiosa, que parecia lepra; e também porque nao t -

— - £
t a t eC asCaprensava e desejava, nós nos desculpávamos, dizendo que
isso nos parecia acontecer por culpa dos proprios índios que,

87
JO S E P H B E A N CH IETA

,,s vezes em ocasiões de grandes enfermidades e mordeduras de


cobras prometiam pautar a sua vida pela lei de Deus e pelos co -
" L o s e que, restituídos â saúde,
tumea, o que ela julgava que nos “ nós"'restituição á saúde,
cie, capacitando-se de que dependia
porque oenhecemos e pregamos a Deus. .
' Esta e uma outra que estava doente eram vmttada por nos e
uma delas se restabeleceu, após alguns dias e P" g™ h ia
mãe como estava, ela respondeu que ia mu. bem, e que » » h a™
que admirar, visto que o padre lhe tinha import.■• ^ P°r
' mulheres nos demonstram extraordinaria estima.
*' q“l , “ u T om ns L b e m assistem, aos Domingos, * celebrabo
Missi e nessa ocasião, depois do «fertorie, se lhes prega algu-
. •, rcsneito da fé da observância dos mandamentos e alem
: r r ; . e T " . U - n d e n d o ã sua rude natureza, nenhum dia
deramosq passar, sem que vamos a sua casa, exortando ora u n , ora
,.Oiros -1 aceitar a fé. tomando parte na sua conversação, e trata
do com oles na maxima familiaridade: com especialidade aqueles
qu,” êste encargo é imposto pela obediência; pois que as conver­
sações particulares os impressionam muito, ao verem o nosso esfoi^
ci e o nosso cuidado, não podem deixar de admirar « reconhecer o
nosso amor para com eles, principalmente, porque vem que empre­
gamos toda a diligência no tratamento de suas enferm.dac es se
nenhuma esperança de lucro. E fazemos isto, na intenção de pre­
parar para o recebimento do batismo, caso haja necessida e o
seus espíritos, em tais circunstancias mais redutíveis e mais bran-
dos ■por igual motivo é que desejamos assistir as parturientes, a
de batiza, mãe e filho, se o caso exigir. Assim acontece atender-se a
salvação do corpo e da alma. ,
certo rapaz, tendo vindo de outra parte para aqui, tao ardeu
te desejo demonstrava em abraçar a fé cristã, que abandonando
seus parentes se juntou a nós, e se reunindo aos meninos para
aprender os primeiros elementos, queria se converter todo ao culto
de Deus; esforçava-se por aprender as orações e muitas vezes e
noite de frio. deixando aa t-aon
'10, aeiAttllUU casa udos
w parentes,
---- dormia debaixo de uma.
espeeie portico, pedindo que se lhe concedesse i.o batismo,
, _ __ i batismo, oo qual
qua

88
V II. _ CARTA DE P IR A T IN IN G A (1556)

em seguida foi admitido como catecumeno, admoestado entre os


perseverantes, e depois levado ao batismo. .
No que diz respeito á doutrinação dos meninos, suficienteme
me explanei nas cartas antecedentes. Duas vezes por dia se reúnem
na escola, e todos eles, principalmente de manhã, porque depots do
meio dia, eada um precisa de prover á sua subsistência, caçan o,
on pescando; e se não trabalharem, não comem O principal cuida­
do que deles se tem, consiste no ensino dos rudimentos da fé,
omitir o conhecimento das letras, ás quais tanto se afeiçoam, que
se nessa ocasião se não deixassem seduzir, talvez outra se nao pu­
desse encontrar. Em matéria de fé, respondem por certas formu­
las que se lhes ensinam; alguns mesmo sem elas.
Muitos se confessaram este ano, o que fizeram ja muitas outras
vezes, do que nos resulta não pequena alegria; pois alguns se con­
fessam tão santa e discretamente, não omitindo as menores cousas,
que facilmente póde a gente censurar os filhos dos cristãos, um e os
quais que se preparavam com eles para receber este sacramento
respondeu, quando o admoestei, que tão grande era a virtude da
confissão, que depois de feita, parece que queremos voar paia o
céu com toda a velocidade.
Se por acaso algum deles se entrega a qualquer ato, que saib
aos costumes gentios, ainda que em proporções mínimas, quer nos
trajes, quer na conversação, ou qualquer outra cousa, imedia
mente o censuram e o escarnecem.
Como eu encontrasse um deles, tecendo um cesto ao Domin. ,
„„ dia seguinte o levou para a escola e, na presença de todos »
queimou, porque o começara a tecer no Domingo i muitos conhecem
tão bem tudo quanto respeita á salvaçao, que nao podem a g
ignorância perante o tribunal do Senhor. Contudo tememos que
cies, quando chegarem a idade adulta, condescendendo com a von­
tade dos pais, ou no tumulto da guerra, a qual dizem que Deque
tementT se faz, e quebrada a paz entre eles e os erislãos, voltem ao,
antigos costumes.
Isto quanto ao que se passa entre nós.
Em Jeribatiba (80), porém, daqui a seis milhas, da qua J
tratei nas cartas passadas, a doutrina cristã marcha cm boa ordem,

89
JO S E P H D E A N CH IETA

e onde também duas vezes por dia as mulhet-ea j â

: eut bem'os hZ Z ’ v ô r l Z ^empregam na cultura daa terras,


- — o aabado, deixam o t r a ^ . P ^ - ^
v n /ião epffuinte, vao assistir a Missa wmoua
No dm segu , estejam «usem

r i r — S U P- - de boas razões os afastaram

*" c Z Ut: que têm a seu cargo o ensino da doa


m
T
C
„.ina a eks se demorassem aqui alguns dias, por causa da ce ­
l l das festas da Pascoa, alguém não p re n d o suportar o ela-
. rn„ postumes duas vezes convocou o povo a igreja, o
fun,-,es, „ra de « * . * e -
r-itaram por sua ordem, a doutrina crista.
Depois que para aqui voltaram os irmãos, se queixaram, um
de que fossem deixados sozinhos nas grandes solum ac es, ou
de mu* faltavam quem lhes indicasse os dias que deviam ff™ -
p ignorância dessa materia, quando trabalhava no mato
" 1 santo ficou todo espicaçado pelas ferroadas dos mosquitos,
„ to vin obrieado a voltar para a casa.
’ Trabalho agora entre eles o Padre Luiz <«>. « * " ■ “ * » mi­
nucioso cuidado na sua doutrinação, não só a , mas também em ou­
tra aldeia daqui a duas milhas, lançando os alicerces da , •
tando-a frequentemente, mas residindo em Jeribatiba, onde alguns
enfieientemente instruídos ua fé se uniram pelo sagrado vinculo

d° " ^ Z t o e e n t e a se batizam, dos quais alguns emigram para


O Senhor. .
Especial cuidado se emprega no ensino dos meninos.
Estes são os assuntos que se oferecem para tratar no present

tr,m p'edimos pelo amor de Deus que todos se lembrem de nós em


suas orações, e que nenhum esquecimento invada os nossos Irma
a respeito desta nação, perante o Senhor.

90
VII. _ CARTA DE PIRATIN1NGA (1556)

Em Piratininga, na casa de S. Paulo da Companhia de Jesus,


ínfimo da Companhia de Jesus.

NOTAS

( 7 9 ) p b l. cm p arte, traduzida irara o italiano, nos Diversi A visi Par-


ti-colari dali’Indie d i Portogallo, c it., fl. 248-9; e em p o r tu ^ e e tra d u n d a
pelo p rof. João V ieira de Almeida, no fascículo, Padre .lose de
C^rtos Ineditas, p re f. do d r. A. C. de M iranda Azevedo. S. Paulo, 1900,
p. 51-6.
(80) Aldeia do chefe Caubi ou Caiubi, batizado pelos jesuitas com o
n o m e d e João. As terras dc Je rib a tib a ficavam entre a serra de Paranapia-
caba e o lito ra l. N as vertentes orientais da serra, nasce o rio cu ja d e si^ a c a o
o vulgo modificou p a ra Ju ru b atu b a (Azevedo Marques, Apontamentos His-
líln 1879 I ir 94 e 168). — Jeribatiba, Jaraibatiba, Jenbatuba,
Jiribatuba ou Jerivâtuba, corr. Yaritibá-tyba, significa o sitio dos jiribâs, o
palm ar de jiribás, segundo T . Sampaio (o. c . ) .
(81) Gregorio Serrão e Manuel de Chaves.

(82) Luiz da G rã.

91
VIII

DE P i r a t i n i n g a , fim de D ezembro de 1556 (83)

Trabalhos e frutos da M e
Padre A forno Braz.
Irmão Gregorio £5 errão. ,1aruibaiiba.

4 PAZ o amor de Nosso Senhor Jesus Cristo seja sempre em

‘ « r " « s aconteçam cousas dignas de notar


bJ Z Z Cristo Padre, 5 difícil achar sempre= - » -
I|U0 w escrevam, e repetir o mesmo muitas vezes gera fastio,
contudo tratarei brevemente o que se passa.
Procedemos pela mesma ordem que em outras se ha i <,
„ doutrina e so.itos exercícios, ensinam-sc todos os ^
ia de sua vontade, aos que nós outros traremos p o rforça batu
se * inocentes que seus pais oferecem, dos quais alguns
morte se partem á vida, e porventura que esse e o maior fruto q
lesta ainda se pode colher, o qual não é pequeno pois que nas-
cendo como rosas de espinhos regenerados pela água d » » »
admitidos em as moradas eternas, porque nao som en^ j a n d e s
homens e mulheres, não dão fruto nao se querendo aplica, te e
doutrina cristã, mas ainda os mesmos muehaehos quequam c
mos a nossos peitos com o leite da doutrina ensta, ^ c t T d e -
já bem instruídos, seguem a seus pais primeiro em ^ <
P„is nos costumes; porque os dias passados, apartando-se alguns
dêstcs a outras moradas levaram comsigo bôa parte dos moços, e
agora a maior parte dos que ficaram se mudou a outro lugar on
possa viver livremente como soia. aos quais necessariamente hao

92
VIII. — CARTA DE PIRATININGA (1556)

de im itar os filhos assim divisos, nem se podem ensinar, nem eles


mais o desejam, e ainda sobretudo não ha quem queira ser ensina­
do E se m uitas vezes não viessem á igreja alguns escravos de Por­
tugueses que aqui vivem, tocar-se-ia a campainha por demais e nao
haveria nenhum dos índios que se ensinasse. De m aneira que os
meninos que antes aprendiam , andam de ca para la, e nao som
não aprendem nada de novo, mas antes perdem ja aprendido;
mas não é isso m aravilha porque quasi é n atu ral desses Índios nun­
ca m orar em um lugar certo, senão que depois de haver aqui vivido
algum tempo se passam a outro lugar, e dai a outro Alguns dos
que vivem no campo, em suas fazendas, os dias de testa vem .

""^A brnns se passam desta vida (e bem, segundo cremos) confes­


sados primeiro e chamando sempre o nome de Jesus, prmcipajmente
um moço de doze anos dos que ensinamos na escola, o qual depois
de uma longa enfermidade, chegando á última hora, nos mandou
chamar para se confessar, e daí a três dias morreu, de.xando-nos
«randes sinais de sua fé, porque nunca deixava de invocar a Jesu.
maximè já no fim, e assim uma vez, antes de cantar o galo, nos
mandou eliamar; fômo-lo visitar, e ouvímo-lo, ainda no cam. ,
que estava gritando a Nosso Senhor e depois que entramos pedia-
nos com muita instancia que lhe disséssemos as orações, o que ele
fazia e em sua lingua dizia estas e outras semelhantes cousas;
rhor Jesus Cristo, sois senhor da vida e de todas as cousas atu-
dai-me” . E assim chegando a manhã sem nenhum trabalho deu
espirito a Cristo. Outro de dez ou doze anos, chegando ao ultimo
artigo disse: “ J á tenho mui boas e fermosas vestiduras e da. a
pouco expirou. Também algumas velhas, depois de batizadas
passaram desta vida.
Antes do dia do Nascimento do Senhor procuramos que se con­
fessassem, o qual fizeram muitas mulheres e alguns homens, os quais
diligentemente examinámos nas cousas da fé e o que principal™ nte
pretendemos é que saibam o que toca os artigos da fe scilicet ao
conhecimento da Santíssima Trindade e aos mister,os da vida de
Cristo que a Igreja celebra, e que saibam, quando lhes for per­
guntado, dar conta destas cousas, o qual temos em ma.s que saber

93
JO S E P H D E A N CH IETA

as orações de memoria, ainda que nisto se põe muito cuidado e


diligência, porque duas vetes cada dia se lhes ensina na w
a nenhum batizamos senão assim instruído, e ainda dep is
confissão lhes pedimos conta dessas cousas, a qual muitos, máximo
das mulheres, dão bem que não ha dúvida, senão que levam van-
tagem a muitos nascidos de pais Cristãos, de maneira que muitos
aptos para receber o Santíssimo Sacramento da Eu a-
ristia principalmente dos que chamam Carijós, dos quais muitos
n — aqui por amor da nossa dotdrina i nestes reluz mam
fervor e prontidão ás cousas divinas, e sao muito inais apa.elha
dos para todas as cousas que és,es com que vivemos, os qua,s na
por ignorância porque assas capacidade de pu/o ia neJ S’
P„r malícia c pelo longo costume que têm em os males, se deixam

dC 'Alguns” velhos que não podem saber as orações de memoria,


como cm o demais não tenham impedimento, e entendam o que
toea aos artigos da fé, se recebem ao batismo. Assim que um, ja
de dias cateeumeno, pedindo mui iustautemeute que o batizassem
não somente trabalhou em aprender o necessário, mas também s
mulher velha, a qual ainda que muitas vezes a ensmavamus, quas
nada podia aprender. Um domingo na igreja, dean,e de todos
antes de o batizar, o examinámos, e ele respondeu a cada questão
mui bem, e com muito fervor de maneira que nos deu muita con­
solação, depois disto o batizámos c casámos. Neste mesmo tempo
do Nascimento do Senhor sc confessaram e comungaram muitas
mulheres mestiças com muita devoção, o qual em outros tempos
muitas vezes fazem. ,
0 primeiro de Novembro nos passámos e entramos com p
eissão cm nossa igreja nova, feita coin os trabalho» dos Irmãos,
maiormente com o suor do Padre Afonso Braz (84). e ao seguinte
dia. de finados, trouxeram as mulheres suas ofertas á igreja como
é costume dos Cristãos.
Assim que trabalhamos quanto podemos em os doutrinar, pro-
curando de os apartar de seus antigos costumes: alguns crêem; a
maior parte ainda permanece neles, ainda que todos dizem que
crêem em Ileus porque nenhum deles lia que nao diga que eie e

94
V III. — CARTA DE PIR A T IN IN G A (1556)

tem nossa fé; se concordarem as obras com as palavras, o Senhor


de quem todo bem mana. lhes dará graça para que tornando em
si se tornem a seu Pai, do qual tanto tempo ha que se apartaram,
dissipando sua substância.
Nós outros todos estamos bem; procedemos conforme as Con­
stituições em a via do Senhor, guiando-nos o Padre Luiz da Gra,
o qual os dias passados teve grave enfermidade porque se lhe fi­
zeram umas postemas nos peitos, com perigo da vida. Mas nem
por isso deixava de dizer as orações frequentemente, ensinando
uns e outros, c o que é mais, indo-se ao mar, entie os 1 ortunueses
daqui a dez léguas (85) por bosques mui asperos, onde esteve
algum tempi pregando, e tornando a nós outros, não somente nao
cresceram as postemas, como temiamos, mas ainda parece que quis
o Senhor usar dessa mezinha para se sarar. Também o Trnião
Gregorio Serrão teve umas agudas febres, mas como quer que falta
a mezinha corporal e terrena, superabunda a celestial com a qual
se curam as enfermidades ainda que perigosas, assim que em breve
convalesceu e se foi para suas ovelhas que estão em Jaraibatiba,
a duas léguas daqui, com outro Irmão intérprete (86), e cada sa*
bado vai daqui um dos sacerdotes a lhes dizer missa.
Também visitamos outros lugares de Portugueses e índios se­
meando em todas as partes a palavra de Deus. a qual para que
dê fruto abundante, roguem nossos Irmãos continuamente a Nosso
Senhor, e tenham assidua memoria de nós outros para que não dei­
xemos de semear porque em seu tempo colheremos.
Em Piratininga e casa de S . Paulo da Companhia de Jesus,
cm o fim de Dezembro de 1556.
Minimus Societal is Jesu.

NOTAS

/831 Copiada ao livro de registro Cartas dos Padres ãa Companhia de


J e J s L e o^Brasü, e it., fls. 82. PM. nos “ Anais da Biblioteca Nacional ,
t I I . P. 266-9. e no ' Diario O ficial" do Rio, de » de Dezembro de 18 .
/ 0 4 \ Ainda em 1554, ano da fundação de São Paulo, resolveram os
.j(. , X ). u b . S r T p a 1h « a . «ue ati « e d it» ,,,» , por um» ea„> conforta,O
JO S E P H D E A N CH IETA

• ta in a de pilão. Quando Nobrega, a conselho de


e a construir uma igreja ^ J a i p a de pu ^^ prim itiva, a s o b ra a
Luiz da Grã. transform ou em J° ^ dre Afonso B raz, m estre de
j ã estavam quasi term inadas . D m g m aiuno8 de Anchieta que “ pera a obra
alvenaria e carpintaria, auxiliado r n0 tempo que podiam
traziam ãs costas os cestos de te rra e pote g 202) . .
poupar de seu estudo” (S . de v a sc ., o.
Santos e São Vicente.
(86) Manuel de Chaves.

96
IX

QUADRIMESTRE DE SETEMDRO ATÉ O P 1M DE DEZEMDRO DE 1556, DB


P ir a t in in g a , a g r ie pe 155/ (87)-

Doutrinação dm menios.- Ida. do Padre U m da is vilas


da mar — Notícias doscatecu — pages. A to-
nue dos Índios. — Destruição de três aldeias pelos castelha­
nos do Paraguai. — E ntrada para a Companhia de um Irmão
intérprete.

m as cartas passadas escrevi brevemente o que se oferecia,


E agora em poucas palavras o que ocorre. Guarda-se a mes­
ma ordem de doutrina que dantes aqui e em Jaraibatiba e pe­
culiar cuidado acerca da instituição dos meninos, dos quais alguns
perseveram, outros se mudam com seus pais a outras moradas,
aonde sossegam, o que parece haver de produzir fruto, porque como
dos pais nenhuma ou mui pequena esperança haja (porque na
faltam alguns que queiram seguir os costumes dos Cristãos), tudo
se converte em os filhos, dos quais alguns inocentes se vao para
o Senhor, oa outros que são mais grandes se instruem e ensinam
sempre diligentemente na fé. Assim que insistimos com os contí­
nuos sermões aqui e em outros lugares ao derredor; agora c ido
o Padre Luiz da Grã ao mar a ensinar os escravos de Portuguese,
e pregar aos senhores, aonde sem cessar os ensina, colhendo mui o
fruto de confissões, e admoestações, maximè dos escravos com os
quais principalmente entende, aos quais quasi todos traz a con­
fissão, ensinondo-lhes os rudimentos da fé de que carecem; mo­
vem-se eles a isto com grande fervor e devoção, e alguns deles ha

97
JO S E P H DE A N CH IETA

«ahem dar melhor conta das cousas, que locam á fé, que os
mesmos senhores. , mocas as unais de-
Ilaptizamos todos os pequenos, e J inam na

(como teem poi costun ) re-


...... depois ; r - * apartou1dele, e saiu-se
preendida por nos out os, a repe ^ tomanli„.a por fôrça,
casa para nunca nuns n sna ma vontade a
" ; r ” Z Z Z + . qual. deitando-o de si, se aco-
queimou, e íof 111 mie consentir
, , \ ,, . (vistqfK onerendo antes monei que
liuMi a casa de yms ' t ar Dor fôrça, acudimos
no p eca d o . E como ..........V>**** \ ^ ' ^ T e p m n á m A o ao

outro, porque que « 1 . - Vencido com as nos-


.. *.: rn ;rr^ “ . ê d em » T
.an to lb o rrec....... .to .... . o fea cessar de seu da-

............................................................... ao. catecumenos uos a m e a ^


morte mas não são para tanto, que perfetçoem ta.s
'Z a s 1 Nós outros’ aparelhados para tudo o que vier. tendo ao
Senhor por defensor, nada tememos. E eles amansando sua^na

; : rtr r : < « -**:


- - r t : : : ; ^ n " x - : r

°r r ~
"i . V,, is,o mesmo lhes dizem outros Índios. que os en-
:::::: 'para . ...............
eies de tal natureza e condirão que nuns creem a q«ak te
íasamo:;;:::: e„n r
,t„s seus. que a quanto lhes P i a m o s , c se lhes dtz 9

93
IX . — CARTA DE P IR A T IN IN G A (1557)

Kum de seus íeiüeeiros a que chamam Pagés nenhuma cousa lem


por mais verdadeira ainda que destes nenhum ousa v.r aqui senão
ocultamente porque os repreendemos mui gravemente. Polo ser­
tão anda agora um ao qual todos seguem e veneram como a um
orande santo. Dão-lhe quando têm, porque se isto nao fazem crem
que ele com seus espíritos os matará logo. Este, metendo fumo pela
M c . aos outros ll.es dá seu espirito, e faz seus semelhantes; aonde
quer que vai o seguem todos, e andam de eá pera la, deixando
suas proprias casas. Contudo alguns dos mesmos ludios o teem p
mentiroso, como nos disseram de dois Catecumenos, que daqui lo­
ram, em cuja casa o santo com os seus ousou entrar. Diz ele que
há de passar por aqui a guerra aos contrarios, e que da tornada
ha de destruir esta igreja cuja fama anda por todo o sertão, do
qual nenhum medo temos, senão ele desta maneira quer ser temido
dos seus. . .. ,
Porque se ofereceu fazer menção dos contrários, direi alg -
mas cousas, não fora do proposito. Vein, poucos dias ha, grande
cópia deles, e combatendo um lugar de Portugueses, o roubou;
acolheram-se á fortaleza, -sete ou oito Portugueses, que se acha­
ram presentes, e como quisessem entrar com eles os inimigos o-
ram mortos muitos deles: por outra parte acometeram uma casa
onde estavam dois Cristãos e saltando como sinnos no telhado dei-
ribando as telhas, os tomaram por fôrça e levaram com muitos tos
escravos e demais presa. Não muito depois se seguiu uma peste
de que morreu grande número dos contrários, tiravam os mortos
de casa e deitavam-os ás onças, as quais de noite \im am e '
comiam. Desta maneira os castigou a dextra do Senhm e <<
indo a eles os Portugueses em navios, tomaram mais de o , j
estavam fazendo grandes festas com muito vinho e cantos so ic
a morte dos dois Portugueses Cristãos que já tinham comit o. e-
pois de tornados ao porto sentenciaram dois a iorca. os <Piais °
pastor que tem as vezes do Bispo, pouco ha defunto ( •)> (Bie
pouco antes tinha chegado, consolou e instruiu na fc (porque nao
estava presente nenhum de nossos Irmãos) e assim recebidos a ba­
tismo, chamando sempre o nome de Jesus, foram enforcados. _
Torno aos nossos, os quais estão divididos em tres habitações,

99
JO S E P H DE A N CH IETA

tv ra nUe possam ..livremente


, beber, normie
poique êste costume de beber,
r por m L o r dizer, natureza, mui dificuüosamente se lhas a de
extirpar, o qual permanecendo, nem se poderá plantar a ie de

Cr'8 Aconteceu pouco ha em uma delas uma veronica, ou por me­


lhor dizer diabolica façanha. Convidava um a seu irmão mats moço
„ue fosse a seguir e acabar ( .'I aquele grande feiticeiro que an a
pelo sertão i êste outro, que » era Cateeumeno, tendo «pulo por
mentira não quis ir, pelo qual se indignou muito seu irmao. B
assim achada ocasião, em anoitecendo, depois de haveç ^ -
meçou a pelejar com seu irmão, e tomando um manchil o f
mui mal, e dando-lhe três feridas, o deixou me,o
a mãe deles, já Catecumena, começou a pelejar mui gravemente
uma nora mulher do que ferira, a qua! cuidava haver sido
ousa desta discordia; pôs-se em meio delas um mancebo pera as
apartar, mas a velha tomando duas flechas lhas meteu pelo es-
Z Z o e deu a ele em terra, o qual, ao canto do galo, expirou.
Depois'disto tomando um|tição em a mão deu a fugir, mas nao foi
muito adeante. que logo não tornou a seus filhos dizendo-lhes que
não na deixassem estar muito tempo solicita e triste, mas que logo
a matassem. Ao dia seguinte seu filho mais velho que tinha fe­
ndo ao outro, fez uma cova pera enterrar o morto, e tomando
sua mãe pela mão, lhe deitou um» corda ao pescoço, e a enforcou,
, enterrou, e pôs em cima dela ao que ela tinha morto. Nenhum
(|0 todo o povo lho impediu, não lhe falou uma só palavra, porque
assim soem vingar os semelhantes homicídios, porque nao façam
«nierra os parentes do morto, e ,se comam uns aos outros.
Ao outro dia nos fomos lá mui depressa, para curar o feri
e aparelhá-lo para o batismo, c encontrando-o em caminho, que o
traziam a nós outros para que o curássemos, nos tornamos, cura­
mos-lhe as feridas até sarar, e entretanto por remediar as chagas
(te sua alma o instruímos em os rudimentos da fé. Aprendeu ele
de boa vontade boa parte, e determina daqui adeante viver se-
o-undo o que Deus manda, de maneira que por mui fera que seja
a sua natureza, trabalharemos com todo cuidado pola domar, pois
não estão cerradas aquelas entranhas de misericordia, em as quais

100
CARTA DE PIR A T IN IN G A (lõõ7)
IX.

nos visitou o Senhor nascendo do alto. para que também a êstes


abra caminho para entrar no tabernaculo do Senhor.
Em Jaraibatiba se ensinam pola mesma ordem, onde alguns
inocentes batizados se passam ao Senhor; na doutrina dos outros
se tem diligente cuidado, c peculiar na instrução dos men,nos, mas
também êstes se dividiram em tres moradas, onde nao se poc.
ensinar com tanta facilidade.
Não me pareceu bem calar uma cousa, que fez um destes já
batizados Hão ha dias que alguns Castelhanos daqueles que m
" a cidade do Paraguai, da qual em as passadas se fez mem
cão não podendo sofrer a malícia e soberba destes Índios, que .)
em'd,versos tempos têm mortos muitos Cristãos, os ^
destruíram três aldeias, matando alguns e ca ivam o ■ p
com mulheres e filhos; e tornaram-se por rogos de al„uns P
tugueses, que em aquela sazão andavam pelo sertão, mas ame an­
do e determinando de tornar a destruir esta brava « f » 1 m esta
cousa os índios mui enojados, vendo que nao se podem g
Castelhanos, tornam-se aos Portugueses, os quais dizem que todo.
£ T 1 e assim roubaram cinco ou seis que andavam ent™ « ;
em diversos lugares, e agora novamente mataram - , ao qua t e
nindo arrastaram pelo campo, e deitaram em um bosque, e aco
metendo um seu companheiro não puderam matar, mas rou aiam,
tomando-lhe os escravos e quanto trazia. A ^ a— ~
índio já batizado dos que se ensinam em Jaraibatiba, e ve
uma imagem mui fermosa de Nossa Senhora em maos dos ladroe
arremeteu com eles, pondo-se em perigo de vida e tomou- a
mãos e guardou-a, e não sômente em isso se m o s tr o « u
também em outras cousas, sendo deshonrado e injuriado dos .,
qu“ lb bamam escravo dos Portugueses. Se disto nascer aiguma
discordia entre os índios e C ristã» não será pequeno nnpecbmento
para a doutrina e conversão deles, mas, por agoia, na
cedido com o negócio, mais adeante.
Pouco ha que o Padre Luiz da Grã recebeu um
prete que dá boas mostras de si. Todos estamos bem e louvamos
aò Senhor, o qual nos deu grae» e fortaleza interior, para que com

101
JO S E P H DE A N CH IETA

nenhuma adversidade nos apartemos da conversão destes para o


qual não será pequena ajuda a oração de nossos Irmãos.
Em Piratininga e casa de S. Paulo da Companhia de Jesus,
em o fim de Abril de 1557.
Minimus Societatis J esv.

NOTAS

Copiad» HO «'•ro lie , C“^ " J ^ Í ^ B i b l i t e c a N acional”,


Í7 o W £ » ;ík - « * * 1887,.
„ i> „0 Fernandes Sardinha, primeiro Mspo do Brasil. V iajam

102
X

Ao P adre G e r a l , de S ã o V icente, ao ultimo de ma, o de 1560 (89)

Descrição d m coisas naturaisda % £ £ £ £ São £

í£$T - z t% £ .
— Z Z g u e j Z - t l i n d u j Z 'd e ~

m- V Z 2 . - -A n t° _
JU an nu* „ , ; Ouriços. — Macacos. — la ta .
— Preguiça . ~ (rabiou . y Thnmn do P eru .
^ iaZ l u l h m Z M oL e
— Bicho da taquara. — 1' oi migas vassaros. —
m<Mí»«<w- - PaW®»*,. l ef Z rA ves T Z , i m . - A « h i -
Guará e outras aves marinhas. “ Yeticopê” —
m a .- U M . •*>«*•«• - p
Frva viva — Arvores medicinais. — tin iie v
U v a viva. Piastica — Conchas e pérolas. — &$-
medicinais. — Pedia elastic . ^ def ormidades en-
pectros noturnos ou demonios. henna-
tre os Brasis. - Criança monstruosa. - h m pono ne
frodita.

faz de Cristo seja comnosco.


A Pelas tuas cartas, que ha pouco nos c regai am
vimos, Reverendo Padre em Cristo, que desejas (para que s
da ao voto e desejos de muitos) que escrevemos a c eic a do q ^ ‘
eeder comnosco que seja digno de admiraçao ou desconhec
parte do mundo Conformando-me com tão salutar mandado, cum­
prirei diligentemente, quanto me fôr possível, a presen a
gação.
103
JO S E P H DE A N C H IETA

Em primeiro lugar certamente (o que fiz de passagem nas


anteriores cartas) tratarei desta parte do Brasil, chamada Sao
Vicente, que dista da Equinocial vinte e três graus e meio medi­
dos de Nordeste a Sudoeste, na direcção do Sul, na qual a razao
da aproximação e do afastamento do sol, as declinações das som­
bras e como se fazem as diminuições e crescimentos da lua, nao
me é facil explicar; por isso, não tocarei nessas cousas, nem vejo
nelas razão para que sejam diferentes do que ai se observa.
Na divisão, porém, das partes do ano é cousa mteiramente di­
versa: são na verdade de tal maneira confusas, que não se podem
facilmente distinguir, nem marcar o tempo certo da primavera e
do inverno: o sol produz com os seus cursos uma certa tempera­
tura constante, de maneira que nem o inverno é demasiadamente
rigoroso, nem o verão incomoda pelo calor; em nenhuma quadra
do ano faltam os aguaceiros, pois de quatro em quatro, de três em
três, ou de dois em dois dias, uns por outros, alternativamente, se
sucedem a chuva e o sol; costuma contudo em alguns anos a cer­
rar-se o céu e a escassearem as chuvas, de tal modo que os campos
V so tornam estereis e não dão os costumados frutos, não tanta pela
força do calor, que não é excessivo, como pela carência de água;
algumas vezes, também, pela muita abundancia de chuvas, apo­
drecem as raizes que temos para alimento. Os trovões no entanto
fazem tão grande estampido, que causam muito terror, mas raras
vezes arremessam raios; os relâmpagos lançam tanta luz, que di­
minuem e ofuscam totalmente a vista, e parecem de certo modo
disputar com o dia na claridade; a isto se ajuntam os violentasse
furiosos pègões de vento, que sopra algumas vezes com ímpeto tão
forte, que nos leva a ajuntarmo-nos alta noite e corrermos ás ar­
mas da oração contra o assalto da tempestade, e a sairmos algu­
mas vezes de casa por fugir ao perigo de sua quéda; vacilam as
habitações abaladas pelos trovões, caem as árvores e todos se aterram.
Não ha muitos dias, estando nós em Piratininga, começou, de­
pois do pôr do sol, o ar a turvar-se de repente, a enublar-se o céu,
a amiudarem-se os relâmpagos e trovões, levantando-se então o
vento sul a envolver pouco a pouco a terra, até que, chegando ao
N o rd e s te , de onde quasi sempre costuma vir a tempestade, caiu

104
X. — CARTA DE S. VICENTE (1560)

com tanta violência que parecia ameaçar-nos o Senlior com a des­


truição: abalou as casas, arrebatou os telhados e derribou as ma­
tas; a árvores de colossal altura arrancou pelas raizes, partiu pelo
meio outras menores, despedaçou outras, de tal maneira que fica­
ram obstruidas as estradas, e nenhuma passagem havia pelos bos­
ques; era para admirar quantos estragos de árvores e casas pro­
duziu no espaço de meia hora (pois não durou mais do que isso),
e na verdade, se o Senhor não tivesse abreviado aquele tempo,
nada poderia resistir a tamanha violência e tudo cairia por terra
O que, porém, no meio de tudo isso, se tornou mais digno de ad­
miração, é que os índios, que nessa ocasião se compraziam em be­
bidas e cantares (como costumam), não se aterraram com tanta con­
fusão de cousas, nem deixaram de dansar e beber, como se tudo
estivesse em completa traquilidade (90) . ,
Vou entretanto referir um fato, que por si mesmo julgaras
se mais digno de dôr do que de riso; lamentarás certamente a ce­
gueira e escarnecerás da loucura.Poucos dias depois de se p -
sarem estas cousas, em uma certa aldeia de índios, a que vim
com alguns sacerdotes aplicar a medicina da alma e do corpo a
um enfermo, encontrámos um feiticeiro de gran e ama e m e
índios, o qual, como o exortássemos muito que deixasse de mentir
e reconhecesse um só Deus, Creador e Senhor de todas as cousa
depois duma (por assim dizer) longa disputa, respondeu: En
.0 não só Deus, como o filho cie Deus, pois ha pouco, mur-
dendo'-me o meu cão, chamei o filho de Deus que me trouxesse re-
médio; veiu ele sem demora e, irado contra o eao, trouxe com .„ 0
aquele vento impetuoso, que soprou ha pouco paia que
basse as matas e vingasse o dano que me pausara o c - -
falou ele, e respondendo-lhe o s a c e r d o t e 1» menteS . P
deram conter o riso as mulheres ja cristas as qua.s en. •
cousas cia fé, escarnecendo de certo da estu t.cia 0 “ ‘ _ e
Omito outras eousas porque não são para aqui; menos aquilo q™
r.ão fora fóra de proposito para advertido, nem a frase tu men­
tes” parece proferida com menos reverencia, p is ■
costumam usar de rodeio algum de palavras para « p h e a r j co -
s a s ; assim, ao Tvniflvrn
palavia “ mentes”
memes e outras nesse sentido sao clitas

105
JO S E P H DE ANCHIETA

r a ofensa alguma: pelo contrário, pronunciam claramente sem


nenhum vexame, as palavras que significam os orgaos seeietos de
um e outro sexo, a cohabitação, e outras da mesma natureza.
A divisão das estacões do ano (se se considerar bem) é total­
mente oposta á maneira por que ai se compreende; porque, quan­
do lá é primavera, aqui 6 inverno, e vice-versa; amuas, poiem,
de tal modo temperadas, que não faltam no tempo de inverno os
Majores do sol para contrabalançar „ rigor do frio, nem no es„o
para tornar agradareis os sentimentos, as brandas ~ •
húmidos chuveiros, posto que esta terra, situada («orno ^
á beira-mar, seja regada e.n quasi todas as estações do ano pelas
águas da chuva.
Todavia, em Piratininga. que fica no interior das terras a
30 milhas do mar. e é ornada de campos espaçosos e abertos, e
outros lugares que se lhe seguem para o O c i d e n t e , a natureza pro­
cede de tal maneira que. se os dias se tornam extremamente cah-
dos por causa do calor abrasador (cuja maior torça e do Novem­
bro a Março), a vinda da chuva lhes vem trazer refrigerio: cousa
que aqui acontece agora. Para explicar isso cm breves palavras,
no inverno e no verão há grandes chuveiros, que servem paia tem­
pera,- os ardores do sol, de sorte que ou precedem de manha ao est.o,
OU vêm á tarde. Na primavera, que principia em Setembro, c no es­
tio. que começa a vigorar em Dezembro, as chuvas caem abundan-
temente, com grande tormenta de trovões e relâmpagos.
Então, há não só enchentes de rias, como grandes inundações
dos campos; nessas ocasiões, uma imensa multidão de peixes, que
saem da agua para pôr ovas, deixam-se apanhar sem muito tra­
balho entre as ervas, e compensam por algum tempo o dano cau­
sado pela fome que trouxera a subversão dos nos. Assim, es e
tempo é esperado com avidez, como alívio da passada carestia: a
isto chamam os índios piracema, isto é, “ a saicla dos peixes ; por­
quanto. duas vezes cada ano, quasi sempre em Setembro e Dezem­
bro, e algumas vezes mais frequentemente, deixam os nos e se
metem pelas ervas em pouca água para desovar; mas no estio,
como é maior a inundação dos campos, saem em mais consideráveis
x . — CARTA DE S. V IC EN TE (1560)

cardumes e são apanhados em pequenas redes e até mesmo com as


mãos, sem aprêsto algum (91). _
Finalmente, os grandes calores do verão sao moderados pela
muita abundaneia de chuvas; no inverno, porém (passado o ou­
tono que, começando em Março, acaba numa temperatura agrada-
vèl) cesLam as chuvas; a fór5a do £rio torna-se hornvel sendo
maior em Junho, Julho e Agosto; nesse tempo vimos muitas ve­
re, não só as geadas espalhadas pelos campos a queimarem arvo­
res e ervas, como também a superfície da água toda coberta de
oêlo Então esvasiam-se os rios e baixam ate o unto, te sor
que se costuma apanhar á mão, entre as ervas, grande porção de

peixes.^ ^ ^ Dezembro, completando o sol sua carreira em Ihra-


tininga chega a maior altura; esse dia que é muito longo e
one não há declinação alguma de sombras, dura 14 horas e nao
passa além do Sul; dai, porém, volta para o Norte, em cuja r -
tirada sóe ser mais rigoroso o calor e febres agudas com dores de
lado molestam os corpos. O undécimo dia de Junho, que e curtís­
simo 7 . , o qua, o so, está muito afastado de nós, dura (segundo
creio) cerca de dez horas desde o romper do d.a ate o ocaso ( . - ) .
Até aqui falámos do movimento do tempo; passo agoia
tar de outras cousas.

Ha um certo peixe, a que chamamos boi marinho, os Índios


„ denominam i g n a r a m frequente na Capitania do to 8—
t„ c em outras localidades para o Norte, onde o trio ou nao e Uo
rigoroso, ou é algum tanto diminuto e menos que entre nos; e te
l i x e d è um tamanho imenso; alimenta-se de ervas como o in­
dicam as gramas mastigadas presas nas rochas banhadas por m a ­
gnes. Excede ao boi na corpulência; é coberto de uma p d : du
assemelhaudo-.se na cor á do elefante; tem junto aos peitos
7 o t i s braços, com que nada, e embaixo deles; tétas con, qu
aleita os proprios filhos; tem a hôea inte.ramente semelhante »
do boi ' V excelente para comer-se, não saberias porem discernir
se deve s t considerado como carne ou antes como peixe ; da na
gordura, que está inerente á péle e mòrmente em torno da cauda,

107
JO S E P H DE A N CH IETA

levada ao fogo faz-se um môlho, que pode bem comparar-se a man­


teiga e não sei se a excederá; o seu oleo serve para temperar to­
das as comidas: todo o seu corpo é cheio de ossos solidos e duríssi­
mos, tais que podem fazer as vezes de marfim (93).

Convem relatar aqui algumas cousas que vêm a proposito e


que, escritas há mais de dois anos, pelo máu exito da incerta na­
vegação, julgo não terem chegado aí.
Tendo eu e quatro Irmãos (94) saido da cidade do Salvador
(que também é chamada Baía de Todos os Santos), depois de fa­
zermos 240 milhas por um mar tranquilo á feieao do vento, che­
gámos a uns bancos de areia que. estendendo-se para o mar na
distância de 90 milhas, e oferecendo uma como muralha em Unha
reta, tornam dificil a navegação; aí deitando a cada passo a son­
da. gastámos todo o dia e, fundeada a embarcação, pelo meio de
estreitos canais entrincheirados por montes de areia, por onde se
costumava navegar; no dia seguinte, porém, reunidos felizmente
todos á tarde, os marinheiros, julgando-se já livres de perigo, tran­
quilizaram-se e não pensaram mais nele. quando, de repente, sem
ninguém o esperar, o leme salta fóra dos eixos e encalha o navio;
sobrevem ao mesmo tempo uma repentina tempestade de vento e
aguaceiros, que nos atira para apertados estreitos; o navio era ar­
rastado sulcando areias e, por causa dos frequentes solavancos, te­
míamos que se fizesse todo em pedaços.
Entretanto, levados para um lugar baixo e inclinando-se a
embarcação toda para um lado, lembrámo-nos de implorar o so­
corro divino, expondo as reliquias dos Santos, que comnosco tra ­
zíamos. e lançando ás ondas um Agnus Dei. aplacou-se a tormen­
ta ; caímos em um pégo mais fundo, onde, deitando-se a cada pas­
so a ancora e colocado o leme em seu lugar proprio com pequeno
trabalho e com grande admiração de todos nós. esperávamos ficar
tranquilos até o romper da aurora. Era um lugar fechado de to­
das as partes por cachopos e montículos de areia e sómente para
o lado da prôa havia uma estreita saida; quando no entanto se
começava a descansar, eis que tudo se perturba na ameaçadora es­
curidão da noite, os ventos sopram com violência do Sul. caem

103
X. CARTA D E S. V ICEN TE (1560)

^QirAividn pm todos os sentidos, o mar


Z\Z violentamente' a embarcação, a „u»l. jâ gasta pelo temP»

— ' , r í r r r = r ”

.... V T : : - ~ t = r
posta em um. *e “ * m pela p8p. . p d « 1**».!
despedaçai-se n ^ eada um por sua vez, mas dois
corre-se a e o n lm ^ . , p„di„. Em uma palavra,
a dois e o mais üepies 1 romneu-se a amarra:
fôra fastidioso contar tudo que se p j (1e tudo
-E stá tudo acabado” ! gritaram todos mo ^ ^ ^
isso não deixávamos de conhar « m ‘ e mais cura88e sal-
que cada um contasse com certeza, m , dos
var a alma do que o corpo; c o n f i á v a m o s Mari a,
Santos, acontecido estas cousas,
“ = t r (ci^o) nos vem i - » P— ^
certo, e muita consolação me andavam por diversas re-
oeasião, muitos dos nossos Irmãos ^ ” dav^ P ^
giões, tinham todos o espirito alça P '
subindo ã presença piedade
por seus suspnos e giinit -, costumada misericordia,
pudesse trazer-nos os benefícios ^ su a costumada^^ ^ ^
Entretanto, não nos servindo das ve as ^ escolhos, para
mano, éramos levados saos e sa vo m0mento que
onde a corrente nos arrebatava, e esperando a^todo pQr
se despedaçasse a e m b a r c a ^ & inStante) passámos
: r “ ^ r mir. A 0 « ^ ** — d0 ai.

109
JO S E P H DE ANCHIETA

gum alento, concertámos da melhor maneira as ^eías e proenran-


dn a terra desejáramos ao menos encalhar o navio na praia, mas,
do a teria, uesejaca fflv0ravel do que esperávamos, che­
c a d o s por uma corrente mais ía^orave q uos
a um porto bastante seguro, habitado poi
gamos a um poitu trataram com humanidade,
acolheram eles bemgnamente, e • « hor para co-
~ n riru in iso ri cordi d cio j-
" I t a r i p e r n is tosse p.....« a , não só pelos
merecimentos e preces da pelo
tos cuias relíquias tiaziamos c , . ...i
desgraçado naufragio de outro navio que - ^
rtpunih; de ter saído para lugares de vau, impuiuu j
próspero, arrebatado todavia não só pelo vento
pela violência do mar, encalhara na puna e se havi'amos pei-
seus aparelhos e utensílios nos ressarcimos dos u
dido e concertámos o nosso já meio despedaçado navio.
No T a seguinte ao da nossa arribada, visitando eu com . * » »
Irmãos as habitações dos índios, foi-nos apresentada «««»«■ -
einha quasi prestes a expirar e falando nos a seus pais paia
tirá-la eles anuiram de boa mente a isso: batizamo-la. e algtin
horas depois foi levada para o eéu. Feliz naufragio „„e eonsegn u
tal resultado! Aí demorámo-nos oito dias por eausa dos ventos c -
trarios qne reinavam: o como pouea provisão nos sobrasse paia o
resto ,1a viagem, lançaram o s marinheiros a rede ao mai,
ram de um só lanço dois dos tais M , « « "» * « • «
de serem tão grandes não romperam a rede. quando um ao deles
era suficiente para rasgar e despedaçar muitas redes: e assim, I»
vendo-nos com fartura a munificência divina, fizemos o resto
vi a ° em.
Falo porém, disso só de passagem; torno de novo ao propo­
sito o. como começara a fazer menção de peixes, prosseguirei.

Em certa quadra do ano apanha-se uma infinita quantidade


de peixes; a isso os índios chamam pirá-iquê, isto é. “ entrada c.os
neixes,;- porquanto vêm inúmeros deles de diversas partes co mai,
entram para os lugares estreitos e de pouco fundo do mar, a im
de pôrem as ovas (95).
CARTA DE S. VICENTE ( I 0 6 O)
X.

£ • ó ..rhnivuvpl mas unanimemente com-

rovado e 'en f.ca 1 c(tm„ exploradores, e olhando e exa-


laiores sobem a porventura lhes fazem alguma ofensa,
“ ,a" d° 0 ^ 'g“ ^pressentindo a traição, para conduzir a outra
-oitom, com» V * P‘ , j i foi acautelado, para q«c
arte o seu rebanho. , P ^ entrar) tudo lhes
* n certeza nenhum mal taçam aos apv0priado, intro-
perece estar em pei L V estreitas
duzem, voltando, m estâ cercado, deixando apenas
entradas (pois que ja • facilidade faz.er, por
tuna pequena abertura. ^ ^ r a l a d o s aí, e embriagados
causa da pouca " os hulios chamam tm bo (96),
com o suco de um certo lenho que ^ m„ls de doze
são apanhados sem o mm.mo . . em m«itoslugares
" » ^ “ r nd: , ;. X cm abundanda, os deixam atirados na
que, quando os apanham 1erra podem-se comer
jiraia. Os peixes sao m m ^ sau a ^ . ^ doença, sem receio da

sarna,“ que
“ 0 aqui
"e". na o exioit m liarle
i alguma.

Eneontram-se no interior das t^r,m jn*>ns • * * ^

denominam .u c w jú b a ,de M W J animais íerrestres, «pie


prc nos rios, onde apanham * ém ás vezes para a terra
» miúdo os atravessam a nado, corrcl. daqui para
>• * acometem nos ala h », tra0I.dinaria corpulência destas
ali. Não é facil acreditai-st * anilTiais maiores; isto tem
cobras; engolem um veado mten > irmãos o viram com
sido observado por todos; a gU11' serpente a nadar no rio, pen-
espanto, e até um deles v e n d o u m a ^ e .p c n ^ ^ ^ ^ e s6
sou que era um mastro de nav • luzindo.lhes a cauda pelo
SC enroscam nos animais, ma am- devoV&m intcivos. A este res-
aniis, e triturando-os com a ou • gg gerão criveis; mas,
peito contarei cousas estupendas ■ assaram muitos anos
tanto os índios, como os Z
as afirmam. Es,as co­
d' »* “ i r t r ^ ’Z l ^andes, que os ludios
bras engolem, como disse,
111
JO S E P H HE ANCHIETA

— r »
tom ago nao os
t r r r : -: “
pode diger , V
r r r ;
iuntamente com a co-
,i(, em mover-se, até , « ^ a barriga e a devora»
„,kla: entao, as aves de ™P“ « r“ ® meio devorada,
" ‘ esiende-se-ihe Por
“ T a pele, e volta â antiga férma (97).

Ha igualmente lagartos que vivem do memo modo ern rios, c


a que chamam jaearé (98). São êstes animais le e ® ^ ^

cam^'durissimas^^a^madosTle6agudíssimos dentes’; passam a vida

moitos enqm sao boas de

zz. n:rir: —- —•-«-de


está a maior fôrça do cheiro.

Ha também outros animais do genero anflbl0' °


vinúára isto é. “ que pastam ervas”, pouco diferentes dos porcos,
de eôr um tanto ruiva, com dentes como os da lebre, exceto os mo
t ; : dos quais alguns estão fixos nas mandibulas e outros no
rneio do céu dabôca; não têm cauda; comem ervas, donde lhts P
vem o nome; são proprios para se comer; domesticam-se e
se em casa como os cães; saem para pastar e voltam para casa por
si mesmos (99).
Ha muitas lontras (100), que vivem nos rios; das suas peles,
cujos pelos são muito macios, fazem-se cintos. Ha também
troa animais quasi do mesmo genero, designados no en a
nome diverso entre os Índios e que tem idêntico uso ( )•
pouco tempo tendo um índio atravessado com a flecha a ™ nde
e saltando na agua para apanhá-lo, apareceu uma m u M ao de ou­
tros que estavam debaixo dagua. acometeram-o com unhas e de
de ,ai maneira, que trazendo com dificuldade o que havia
morto.6 saiu quasi em pedaços, e passaram-se muitos dias pr.me.ro

112
x. __ CAKTA DE S. VICENTE (1560)

nTlp lhe Sarassem as feridas. Estes animais são quasi pretos, pouco
rire s “ atos, «un id o s de dentes e unhas agudíssimas.

Seria fastidioso referir os generos dos caranguejos <e suas va


riedades e diversas fôrmas. Deixo de falar dos que sao teirestr ,
quetivem em cavernas subterraneas, que para si mesmos cavam;
em toda a parte são frequentes, exceto entre nos de^ ^
rrtnitn maiores do que os aquaticos (102). S

•^ « " ^ r S o r i f i c i l cura) i facilmenteeurado


a q u i U índios. Dão a essa doem, o ~
curam-a, porém, dêste modo: aquecem gP
bem amassado, com que se fazem ^ " os , 1 * mor-
carne possa suportar o “ Sg tem êste curativo até que,
rem pouco a pouco, e an j st0 f0; ha pouco
mortas as pernas, o cancro se solta e un I a , „ al
provado com experiencia em uma escrava dos Po.tugue ,
sofria desta doença (104).

Até qqui tenho falado dos d e i


tarei agora dos terrestres, alguns dos quais sao c0.
parte do mundo. Prim eiram ente direi das diversas espec
bras venenosas. abundam nos campos,
Algumas, chamadas jamracas (105), ag eneontra.
nas matas e até mesmo nas casas, on e horas,
mos: a sua mordedura mata no espaço ' umas vezos a
posto que se lhe possa aplicar remedio e e mordi-
morte. Isto acontece com certeza entre “ * im n U , não só
dos uma só vez e escapam á morte, „ q’ue tive.
não correm risco de vida, como sentem ate menos dor,
mos mais de uma vez ocasiao de observar.

113
8
JOSEPH I)E ANCHIETA

A outra variedade denominam bóimmuja, que quer dizer,


“ cobra que tine", porque tem ua cauda uma especie de chocai o,
com o qual sôa quando assaita alguém. Vivem noa campo, em bu-
racoa subterraneos; quando estão ocupadas na pioci i
a gente; andam pela grama em saltos de tal modo apressados que
os índios dizem que elas voam; uma só vez que mordam «m. ha
mais remédio; paralizam-se a vista, o ouvido, o andar e
■icões do corpo, ficando somente a dôr e o sentimento do veneno es-
H ^ d o s pelo corpo todo. ató ..... no fim de vinte e quatro horas
itu expira (1 06) • i
Entretanto, quasi todos os Índios torram ao fogo e comem des­
sas cobras c de outras, depois de lhes tirarem a cabeça; assim como
lambem uão poupam aos sapos, lagartos, ratos e outros a,i,mais
desse genero (106-A). , . * .
Ha também outras admiravelmente pintadas de varias cores,
de preto, de branco, de encarnado semelhante ao coral, as quam os
Índios apelidam ibtbabóca, isto ó. "terra cavada”, porque e as no
rojarem fendem a terra á maneira de toupeiras; estas sao as mats
venenosas de todas, porém mais raras ( 1 0 l) . ...
Ha também outras, que são denominadas peios n< '?s •
U,Ua. isto ó. "cobras pintadas", por causa das suas diversas varie­
dades de pintura; estas são igualmente mort.teras 10 b ,. _
Ha também outras quasi semell,antes, chamadas e
lambem W * isto é, "cobras cl,atas", porque, quando íeriduts
contraem-se e ficam mais largas; a mordedura dessas « também
mortal (1091. . , <( v
Ha ainda outras, que se chamam bómnçamjo. isto e. eob
Vrias" porque a .sua mordedura comunica ao corpo um grane o
frio * estas, conquanto maiores do que as outras, sao menos vene­
nosas (por isso que não causam a morte): tem toda a boca arma-
p., de dentes agudos, o que não se dá com a- outras, pois as out _
tá„, apenas quatro dentes c u rv o s , tão subtis e ocultos que, se não
S(. observa com cuidado, poder-se-há supor que os nao tem. neles t
<me está a peçonha (HO) -
Todas cias. porém, « w t» m> que venenosas, das quais ua,
não grande cópia, mas lambem grande diversidade, sao tao ie-
X. — CAKTA DE S. VICENTE (1560)

nuentes que não se pôde viajar sem grande perigo: vimos cães,
poreos e outros animais sobreviverem quando muito se.s ou sete
horas á mordedura delas. Não raro temos ca.do em semelhantes
perigos, tendo-as encontrado muitas vezes correndo pelos caminhos
de um lado para outro em alguns povoados, a que nos tem c la ­
mado o nosso dever. Uma vez, voltando eu para ^ a tin in g a de
certa povoação de Portugueses, para onde a obediência m
ir com outro irmão a ensinar a doutrina, encontrei uma cobra en­
roscada no caminho: fazendo primeiramente o sinal da cruz, ba l-
Ihe com o bastão e matei-a. Pouco depois começaram tres ou qua-
tro pequenos filhos a andar pelo chão: e adm.r_ando-.,os de onde
aquelas que antes não apareciam tinham saido tao do repen c . ■
que começaram a sair outros do ventre materno: e sacudindo eu o
cadaver, apareceram outros filhos ainda, em numero de onze. todo
L n a d » e jã perfeitos, exceto dois. Ouvi também c o ^ pm l a ­
scas dignas dc crédito, de uma outra em cujo ventre foi am < c
tradas mais de quarenta (111). Todavia, no me,o de uma multi­
dão tão grande e frequente delas, o Senhor nos conserva
e confiamos mais nele do que em contra-veneno on pode al
humano: só descansamos cn, Jesus. Senhor nosso que e o u, o
que póde fazer com que nenhum mal soframos, andando W l 1
cima de serpentes. .. ,
Ha também outras como pequenos escorpioes, que habitam em
certos montes de terra feitos pelas formigas: a estas chamam
índios bóiquía,isto é, “ cobras de pés pequenos piolhos de co­
bras; são vermelhas, pouco maiores que aranhas: tem luas cabo
ças, como os caranguejos, e a cauda recurvada, na <1^ « -
unha também curva, com que ferem. Nao ma am, mas
extraordinariamente, de maneira que a dôr que produzem nao pas-
Sa antes de vinte e quatro horas (112).

O que direi das aranhas, cuja multidão não tem conta! limas
são um pouco ruivas, outras côr de terra, outras pintadas, todas
cabeludas; julgarias que são caranguejos, tal e o ta” an “ ‘ ° r'e
corpo: são horríveis de ver-se, de maneira que so a sua usta pa.e
trazer deante de si veneno (113).

115
JOSEPH DE ANCHIETA

Um certo animalejo do genero dos vespões, inimigo destas, per-


segue-as encarn içad am ente, mata-as com o ferrão leva-as para pe-
tmenos buracos que cava para si, e aí as come (1 )•
’ Ha aqui umas aranhas de genero diverso, tendo também um
nome diferente do destas, e que exalam muito mau cheiro: sao irias
por natureza, não saem das casas, senão quando o sol esta muito ar­
dente; por essa razão os que bebem delas, pois as mulheres brasi l-
cas muitas vezes soem preparar bebidas envenenadas, sao acometi­
dos de um excessivo frio e tremor; para isso o vinho e excolent.
médio.
H a outro bichinho quasi semelhante á centopeia, todo coberto
dc- pelos, feio de ver-sc. do que ha vários generos, diferem entre si
na côr e no nome, tendo todos a mesma tornia (115). He a guns ce es
tocarem no corpo de alguém, causam uma grande dôr que dura mui-
tas horas; os pelos de outros (que são compridos e pretos, de cabeça
vermelha) são venenosos e provocam desejos libidinosos. Os índios
costumam aplicá-los ás partes genitais, que assim m etam para o
prazer sensual; incham elas de tal modo que em tres dias apodre
cem. donde vem que muitas vezes o prepúcio sc fura em diveisob
limares, o algumas vezes o mesmo membro viril contrai uma corru­
p ç ã o incurável: não só so tornam elos feios pelo aspeto horrível
,1a doença, como também mancham e infecionam as mulheres com
o*ii em têm relações (116).

Encontram-se também entre nós as panteras, das quais ha duas


variedades: umas são côr de veado, menores essas e mais bravias;
outras são malhadas e pintadas de várias cores: destas encontram-
se em todos os lugares (117) : os machos, pelo menos, excedem no ta­
manho a um carneiro, embora grande, pois as femeas são meno
res- são em tudo semelhantes aos gatos e bôas para se comerem, o
une experimentámos algumas vezes; são de ordinario medrosas e
acometem pela retaguarda; dotadas porém de grande forca, com
um só golpe das unhas ou uma dentada dilaceram tudo quanto apa­
nham : escondem as presas debaixo da terra, segundo afirmam os
Índios, e aí as vão comendo até consumirem. São de extrema fero-

1 16
«idade, o que, conquanto possa ser
que sucessivamente e de quando em quando se dao, bastaia

d01Sr — alguns Cristãos descansando uma


noite em pequenas cabanas, dormia um índio debaixo da cama, o
antes na réde de um, que aqui se suspende sustentada ror duas eu.-
das- eis que sobrevem um tigre alta'noite e agarrando-o por uma
nerna que por acaso tinha e ste n d id a , arrebatou-o, nao podendo
multidão que ali se achava reunida, arrancar-lho das garras e dos
le n £ ; que aconteceu com muitos outros, que as
arrebatam no primeiro sono do meio de miuta gente; des.e fato po-
floriam .ser apresentados muitos testemunhos.
Quarenta homens armados de balas, arcos e lanças, teneionan-
1 „m tmre que tinha feito muitos estragos trucidando com
: a« r e x o r a n d o a muitos, a
fã,, orande fôrca de homens armados, acometeu a um deles
matá-lo-ia eom as unhas enterradas pela cabeça e pelo peito sm .U-
rigida com a ajuda do Senhor ao eoraçao. uma flecha nao a

" " ‘ p fsfa rio T o ls índios por um caminho perto de Piratininga,


por onde sempre vamos e voltamos, saiu-lhes ... ■encontre. uma pan­
tera e investiu contra ambos; um das homens tugiu,_o outr , P
ÍLdo os ímpetos da féra, combateu valoi-osameut^na^s^com fle­
chas, mas também com a agilidade t « * segur0 COIltra
uma árvore porém nem mesmo este mei ’ .
tais féras pois são dotadas de grande destreza; esta ficou J'-"' 0
1 vfndo se achava aignma subida; labutou toda a no, e (, i-
Z L se passou quasi ao entrar do sol), e bramiu, ate que subm
do á árvore ou derribou o homem, ou ele mesmo cans do d “ °.
-grande luta e l i o de pavor, caiu. Em baixo era um alaga
digo, coberto de lôdo, no qual ele ao cair
não pôde ser apanhado pela fera, a qual gas o
noite em diiigãncias para tirá-lo dali; afinal
amanhecer, chegando os outros, que ja tinha,
na vespera em auxílio do homem, mataram a feia, que ja P
mais mover-se pelo excessivo trabalho que tivera, e ac aiam-1

1 1V
JO S E P H HE A N CH IETA

ventre o dedo polegar do referido Indio, que se supõe que ela devo­
rara quando ele subia á árvore: viam-se ainda nesta os vestígios das
suas unhas. . .
Existem aqui também outros animais (querem que sejam leões),
do mesmo modo ferozes, porém mais raros.

Ha também outro animal de feio aspeto, a que os Índios cha­


mam tamanduá (118). Avantaja-se no tamanho ao maior cao, mas
tem as pernas curtas e levanta-se pouco do chão; é, por isso, vaga­
roso, podendo ser vencido pelo homem na carreira. As suas cerdas,
que são negras entremeiadas de cinzento, são mais rijas e compri
das que as do porco, maximé na cauda, que é provida dc cerdas com­
pridas. umas dispostas de cima a baixo, outras transversalmente,
com as quais não só recebe, como rechassa os golpes das armas; e
coberto de uma pele tão dura que é difícil de se atravessar pelas
flechas; a do ventre é mais mole. Tem o pescoço comprido e tino;
cabeça pequena e mui desproporcionada ao tamanho do corpo; bôca
redonda, tendo a medida de um ou, quando muito, dois an eis;ji
lingua distendida tem o comprimento de três palmos so na porção
que pode sair fóra da bôca. sem contar a que fica para dentro (que
ou medi), a qual costuma, pondo-a para fóra, estender nas covas
das formigas, e logo que estas a enchem de lodos os lados, ele a re­
colhi1 para dentro da bôca, e esta é a sua refeição ordinaria: admira
como tamanho animal com tão pouca comida se alimente. As patas
deanteiras são robusticissimas, de grande grossura, quasi iguais á
coxa de um homem, as quais são armadas de unhas muito duras,
uma das quais principalmente excede em comprimento ás de todas
as demais féra.s: não faz mal a ninguem, senão em sua defesa pro­
pria: quando acontece ser atacado pelos outros animais senta-se e,
corn as patas deanteiras levantadas, espera o ataque, de um só golpe
penetra-lhes as entranhas e mata-os. E ’ saborosíssimo; dirias que é
carne de vaca. sendo todavia mais mole e macia (119) •

ITa outro animal, bastante frequente, proprio para se comer,


chamado pelos índios tapiíra (120) e pelos espanhóis “ anta” ; jul­
go que é o que em latim se chama “ alce” (121).

118
X. CARTA DE S. VICENTE (1560)

F ’ uma féra semelhante á mula, um pouco mais curta de P“ '"

“ x^:a:;^ rvr:rr
lim mUSCUl° r ^ r a a fronte e abre caminho por espessos
tanto mais alto, aima eanda muito cur-
bosques, - P á - c i o os ra o » ^ obio em Ye2 (le Sri,o ; de

se de diversos frutos, e, quan ^ frente a dentadas e coi-


— Quand0 perSegU1f f^ p o ar muito tempo debaixo dagua; por
ces. ou lança-se ao u f ribanceiras costuma
' isso vive quasi sempre perto dos nos, em cu.]
cavar a terra e comer barro. fabricam

*....

■ H “ °0f c a u s a l leessiv a 2 Z « r-
d l l p re ^ ilo p o ia é ^ Z Z
grande, cor de cin/a , a sua eomuridos, munidos de unhas
do rosto de uma mulher; tem os raç . ^ &liatiu.e/a para poder
também compridas e curvas, com que e aU-
trepar em certas árvores, no que £ t a u m a boa P» 1» „
menta-se das suas folhas e r e b e n t o s '^ c o tendo porém subido,
certo, quanto tempo leva em mo\ei árvore toda; passa de-

a.«—— ■qr r r —c ;r r i
ír ™ , : r : r s . i ; » - ,=
s r r r ; = : - . ' - -
119
JOSEPH DE ANCHIETA

cada um em sua têta e dali não saem até que, não precisando mais
do auxílio materno, possam ficar em pé e andar por s i; mas antes,
depois da morte da mãe, só com muita dificuldade podem ser ar­
rancados vivos de suas tetas. Já matámos muitas e entre elas uma
com sete filhos encerrados na mencionada bolsa.

Existem também certos pequenos animais do genero dos ouri­


ços (126), cobertos de cerdas compridas e mui agudas, pela maior
parte sobre o pálido, pretas na ponta, as quais, se tocarem em algu­
ma cousa, principalmente carne, entram pouco a pouco poi si, sem
ninguem as empurrar; as mulheres brasílicas costumam servir-se
delas para furarem as orelhas, sem sentirem dor. Eu vi um couro
dobrado, de não pequena grossura, transpassado de lado a lado no
espaço de uma noite por uma cerda desse modo introduzida por
si mesma.

Ha uma infinita multidão de macacos, dos quais se contam qua­


tro variedades (127), todas elas mui proprias para se corner, o que
muitas vezes provámos; é comida mui saudavel para doentes (128).
Vivem sempre nos matos, saltando em bandos pelos cumes das
árvores, onde se, por causa da pequenez do corpo, não podem pas­
sar desta árvore para aquela que é maior, o chefe da tropa, cur­
vando um ramo, que ele segura com a cauda e com os pés, e segu­
rando outro macaco com as mãos, dá caminho aos restantes, fazendo
uma especie de ponte, e assim passam com facilidade todos.
As femeas têm mamas como as mulheres; os filhos pequenos
agarrados sempre ás costas e ombros das mães, correm daqui paia
ali. até que possam andar sozinhos. Contam-se deles cousas mara­
vilhosas, que omito por incríveis.

Existe também outro animal muito comum entre nós, chamam-o


taiú (129), que habita pelos campos em covas subterraneas, e quasi
semelhante aos lagartos pela cauda e cabeça. Tem o corpo todo co­
berto da parte de cima por uma concha muito dura, impenetrável
ás flechas, semelhante á armadura de um cavalo.
Cava com muita velocidade a terra para se esconder; quando se

120
X. — CABIA DE S. VICENTE (1560)

mete em sua toca, se não lhe arrancares a perna, debalde te can­


sarás em puxá-lo para tó ra : agarra-se á terra com as conchas e os
pés com tanta lôrça que, embora lhe segures a cauda mais laml
será destacar-se esta do corpo, do que a ele da cova: e de delicioso
sabor.
Dois generos ha de veados; uns como os nossos de chifres;
êstes, são, porém, raros, outros, de cór branca, sem chifres, e que
nunca entram nos matos, antes pastam sempre em magotes pelas
planicies. (130)
Ha abundante multidão de gatos monteses muito ligeiros (1:11),
de gamos, de javalis (132), dos quais ha várias espee.es, _
Longe daqui no interior da terra, para os lados do 1 eru a
que chamam Nova Espanha, l.a umas ovelh.8 selvagens ( o .),
iguais ia vacas no tamanho, cobertas de uma la branca e linda,
quais se servem os Índios para levar e tracer cargas, como ju­
mentos. Um dos nossos Irmãos, que andou muito tempo por aquele
lugares, afirma que, não só vira corner, mas tambem -m e ra da c -
ne delas. Trata-se largamente dessas ovelhas nas eromeas do Peru,
vulgarmente escritas em espanhol.

Nascem entre as taquaras certos bichos « li* » «,


todos brancos, da grossura de um dedo, aos quais os
ivhii (1341 e costumam comer assados e oriac . . .
grand por,ã„. indistintamente amontoados, que facem com ele» um
guiado em nada difere da carne de porco
T)ara amolecer o couro, mas tambem para com > ’
tos uns se tornam borboletas, outros saem ratos, que
habitação debaixo das mesmas taquaras, outros porem .
mam em lagartas, que roçam as ervas.

Encontram-se m uitos outros animais de d ^ el&0&g ^ ^ e n A l e


entendi dever omitir, por não serem dignos de

" I a muito difícil representar por palavras as d h ^ sa s espe


eies de formigas, das quais ha várias naturezas e nomes, o que,

121
JO S E P H HE A N CH IETA

di-lo-ei d e passagem , é m uito usual n a h n g u a b iasihca, poi isso q u

dão diversos nom es ás d iv e rs a s especies e r a r a s vezes os g e n e ro s c

conhecidos por um a d en om inação p ro p ria; assim , nao ha nome „e-


n rico da f L iig a , do caranguejo, do rato e de m u ito s o utros am -

: : : : : d»s ^ * , * * ^
de ter o seu nome proprio, de maneira que com razao te admira
rias de (5o grande cópia e variedade de palavras. No entanto, las
formigas só parecem dignas de comemoração as que destroem as a l­
vores; estas são chamadas ,™ 0 * '„ = «*« >»" tant0
das cheiram a limão; cavam para si grandes vasas deba xo da terra
Na primavera, islo é. em Setembro, e daí cm deante iacem sou, o
enxame dos filhos, quasi sempre no dia seguinte ao de clima e tr -
v o a d a , se o sol « tiv e r a r d e n t . ......... . p a i s v ã o a d e a n t e e. c o r r e m « «>m
a bôea ab erta de .............. d o pata on tro . .. ....... t e m todos os cammhos e

pregam m ordidelas m ais cruéis do que em ou tro qua quoi 1 ,

até fazer sangue: seguem dhes os filhos ........... a s a s ,1.1(0. de corpo


mni(J1. logo ............ í procura de novas casas p a ra si. t a o n u m e r o s o s

m u ita s vezes que form am uma nuvem no ar: em qualquer p arte que
caiam cavam im ed iatam en te a terra, construindo cana um a sua ha­

b ita ç ã o ; depois, porem , de pouco tem n o m o rrem , e de seu v en tie ge-

rain-se inú m ero s ou tro s filhos, d e m aneira q.ie nao ad m ira haja tao

orande mul t i dão de form igas, quando de uma so n a s c e m tan tas.

Para ver quando elas saem de suas cavernas a j u n ta m - ,se as

aves. ajuntam -se os Índios, que ansiosam ente esperam este tem p o ,

tan to hom ens, com o m ulheres: deixam as suas casas, apressam -se,

correm com grande alegria o saltos de prazer para colher os i ru­


tos novos, ap roxim am -se das entradas dos fo rm igueiros e enchem

de a<m a os p e q u e n o s buracos que elas fazem , onde. estando, se


fendem da raiva dos pais e apanham os filhos que saem das covas,

e enchem os seu s vasos, isto é, c e r t a s cabaças grandes, v oltam para

casa. assam -as em vasilhas de barro e com em -as; assim to rrad as,
conservam-se por muitos dias. sem se corrom perem . ,

Qucão d e l e i t a v e l é esta c o m id a e com o é sa u d a v e l, sa b em o - o nos,

que a provám os (137). M as um as aves sem elhantes ás andorinhas,

das quais ha três variedades, aglom eram -se quasi sem conta no ar,

e co rtam pelo m eio com ad m irav el celeridade aq uelas form igas que
X. __ CARTA DE S . V IC EN TE (1560)

saem voando, devoramJhes os ventres, deixando a eabeça com as


asas e pernas, e assim aeontece que mu. poucas escapam (138).

Encontram-se quasi vinte especies diversas de abell.as (139).


das quais umas fabricam o mel nos troncos das arvores, outras em
cortiços construídos entre os ramos, outras debaixo da terra, donde
sucede que haja grande abundaneia de cera. Usamos do mel pa
curar 2
feridas, que saram facilmente pela proteção divina. Ha­
vendo porém, como disse, muitas especies de mel. talarei ™>c“mel\ 0_
de ura que os índios chamam e  r a a q u õ y e ta , quer dizer, me c e m
t buracos-, porque estas abelhas têm muitas entradas nas co ­
rneias Logo que se bebe deste mel, toma todas as .pintas do corpo,
contrai os nervos, produx dôr o tremor, provoca vonntos e deste.,.-
pera o ventre.
Ha pelo mato graúdo cópia de moscas c mosquitos, os quais,
sunando-n o sangtm, mordem cruei,nente, max,mó no verão,
„"„s c a m p o s estão alag ad o s; u n s têm o ferrão e as p e r n a s c o m p n -

2 2 1 sub L i m a s : furam a pele e c h u p a m o sangue, ate que, t a -


m » co rp o m u ito cheio e d is te n d id o , nm l ^ a r : ^ -
tra estes é b o m rem ed io a fum aça com a qua 1
Outros chamados marigut, . que habitam a be,ra-mar ao una
a e a t e r r ív e l: são tã o p e q u e n o s q u e m a l os podes p e iu te
v ls ta : r ^ d i d o , e não vês q u em te m o rd e ; sen tes-te q u e im a r e
n ã o h a fo g o em p a r te a lg u m a ; n ã o sabes de onde te v em ic p c n ^
m e n te se m e lh a n te in c ô m o d o ; se te coças com as ™ h * s ^
s e n te s : ren o v a-se e a u m e n ta p o r d o is ou tie s c ia s
x a r a m no corpo ( 1 4 1 ) .

Em verdade, não ó facil dizer quanta diversidade ha de aves


ornadas de várias cores. Os papagaios são m ® - - «
o'uJ i m i t a m a vox

hrmianl- outros ha que. comendo o milho quando está granado, voam


em bandos c quando estão nesse trabalho, fazem de maneira que
quando descem para comer, fiquem sempre um ou dois no alto de

123
JO S E P H DE A N CH IETA

uma Árvore ,como de vigia,


lados, em vendo alguém a p ^ a r - ^ to am - b J
mas sc não houver perigo algum, quandc on out
descem OS vigias por sua ver. para comer (14-).

Ha lambem avestruzes, que não podem voar por causa do « -

tS .n .» a a r
- — <
tie todos;
ha vários generos, dos quais um.
borboleta (146). f,nm 0 o-anso
Ha outro pcm.ro semelhante ao corvo, p c c u d o « .
por causa do bico, o qual mergulhando nos nos, esta
debaixo dagua a comer peixes.

I I . também outro, de menor corço, mas. quando sacode as asas


faz tanto barulho, que a.s árvores parece que eaem por er

,,a ainda um a ave m arinha, por nome „ . « * (148). .gm tl ao

m ergulhão porém de p ern as m ais com pridas, de pescoço ig n . m


: 0,1 bico comprido c adunco; alimenta-se de caranguejos e
■ Zu,voraz. Passa por » » . metamorib.se, com......... P * r p r t « . ^
„a primeira idade eobre-se de penas brancas, que depois se t.ans
formam em côr de einza, e. passado algum tempo tornam-se segun­
da vez brancas, de menos alvura todavia da» da prim ei»; !>»' 111
ornam-se de uma cõr purpúrea lindíssima; estas penas sao de gran­
de estimação entre os índios, quo usam delas para enfeitai o.
belos e braços em suas testas.
Ha ainda outra ave marinha semelhante á ádem, que. em lugar
<lc asas tem pequenos membros, vestidos de macia penugem; tem
os pés quasi na cauda, de maneira que não podem sustentar o corpo
c só lhe servem para nadar, quando ela não pode voar nem
andar (149).

Das aves de rapina ha muitas especies, das quais algumas sao


de tal tamanho que matam e despedaçam até veados, maxime uma,

124
X. CAETA DE S. VICENTE (1560)

para a qual, quando está no ninho, não só seus pais que tem com ela
particular cuidado, mas todas as outras aves que vivem da rapina
trazem comida como a um principe: têm isto coms.go, que mesm
que passem muitos dias sem comer, mal nenhum isso lhes faz (150)
Ouvi falar de outro genero ainda de aves de presa, a qual,
quando está aquecendo os filhotes recem-nascidos no ninho, qu
constroi no mais alto da árvore, se o caçador sobe para t.ra-los, na
voa mas, abrindo as asas para protegê-los, conserva-se .movei, con­
sentindo antes que a apanhem, do que em desamparar os filhos.

11a outra ave que se chama ankima (151), muito grande;


quando grita parece o zurrar de um asno. Tem em cada asa como
que três cornos (152), um também ua cabeça, iguais nos espoio
dos galináceos, porém muito mais rijos: quando acossada peta- c >
não foge, ainda que a grandeza do corpo nao a embarace de v ,
antes os afugenta, ferindo-os gravemente com as asas assun
madas.
11« ainda galinhas silvestres, das quais sc contam três espe-

^ « rr» r — r a i™
cores (153).
Isto quanto aos anim ais.

Das ervas e árvores não quero deixar de dizer isto, que as rai
Das ervas nos ul;ilzamos como ali-
zes a que chamam mandioca (154), d q _ nreoara-
l u t o são venenosas e nocivas por natureza, se nao forem p re p a y
das pela indústria humana para se comerem; com. ^^ ^ ^
a gente, assadas ou cozidas com em -se ; todavia, o, I
comem cruas impunemente; se porém beberem o suco que delas
expreme, incham de repente e morrem. semelhantes ao ra­
lla outras raizes chamadas yeticope ( ) > . e
bão de agradavel sabor, muito apropriadas para acalm
Z m J o peito. A sua semente, que se assemelha a favas, . am
violentissimo veneno.

125
JO S E P H DE AN CH IETA

Entre outras, ha aqui certa e r v a esp^ ' h®^‘ ^ viva (156),


• - — r t J ^ — r ; » L , se a toeares a . teve
porque parece ter ta q imediatamente as suas fo-
com a mão ou com qualquer ou ra ’ como que se gru­
lhas, fechando-se sôhre st mesmas, s e ju n ta m
da m ; depois, daí a pouco tornam a abrir-se.

Das árvores uma parece digna de


tras haja que distilam um I W » » * lalllem seja o balsamo,
médio, escorre um suco suauss ■< ^ ful.os {eitos pelo ca-
oue a princípio corre como o (U, milchados, coalha de-
runcho ou também por a i s ie (ie balsamo; exala um
pois C parece converter-se em um -P eurar feridas,
cheiro muito forte, porem su v mm ter.se por „ p e -

Ha também outras ârvum v » b«J„das quasi


teiros do mar, onde nasce , 3- os ramos que r e b e n t a m
do meio do tronco, outras c , . ent0 de uma ]a„ça, se in-
se dirigem para cima, quasi . ^ fjm de muitos dias
elinam pouco a pouco para a tena. ate que
chegam ao chão (l ^S)•
s tv , Cgntd é muito comum uma
Na povoarão que se ^ admirável'. fiste é semelhante
certa arvore muito a K J tl.aba]hacla a torno, com que
« uma Panela’ * "* ,, J ' ’ abl.,, p„r si mesma quando está ma­
esta pendente ela ai - semelhantes a castanhas,
duro; aparecem então d em o mu ■ tos muitissimo
„ nr delgadas tiras como inteipostos sepi
separadas pen de gae ^ m.M em que estão encerrados,
agradaveis ao paladai. facilmente iulgar do seu

z r ^ — r : - : " - * . — <»-■
x. _ CARTA DE S. VICENTE (1560)

Os índios dão aos sens frutos, por antonomasia, o nome especial


de ibá, isto é, fruto (nome aliás comum aos demais frutos) ; sao
compridos como os nossos, mas muito maiores, de casca mole, se­
melhantes á amêndoa das castanhas. Os lugares que ficam para o
sententrião não produzem destas árvores.
Ha diversas árvores de frutos excelentes para eomer-.se, mui­
tos de suavissimo cheiro, e de mui deleitavel sabor.

Úteis á medicina não ha só muitas árvores, como raizes de


plantas; direi, porém, alguma cousa, maximè das que sao provei­
tosas como purgantes.
IIa uma certa árvore, de cuja casca cortada com taca. ou do
palho quebrado, corre um líquido branco como leite, porem mais
denso, o qual, se se beber em pequena porção, relaxa o ventre e
limpa o estomago por violentos vomitos: por pouco, porém, que se
exceda na dose. mata. Deve-se, emfim, tomar dele tanto quanto
caiba em uma unha e isso mesmo diluido em muita água; se nao
se fizer assim, incomoda extraordinariamente, queima a garganta
e mata (161). ... .
Ha uma certa raiz. abundante nos campos, utilíssima paia
mesmo fim; raspa-se e bebe-se misturada com agua; esta se bem
que provoque o vómito com bastante violência, todavia bebe-se sem
perigo de vida (162). ,
Iía também outra, chamada vulgarmente marareç-o; as suas
folhas parecem as do bordo, a raiz. pequena e redonda, que se come
assada ou bebe-se esmoida com agua, exposta por uma noite ao
sereno. , „
Descobriu-se ultimamente outra, que é tida em grande estim
o com razão. Esta é oblonga e delgada, contundida e deixada de
infusão em agua pelo espaço de uma noite, bebe-se de man ia sem
dificuldade, não causa nausea, nem produz fastio; desembaraça,
porém, o ventre com abundante fluxo, que cessa logo que se tome
algum alimento, o que é comum ás de que falei ha pouco.
Ha além destas, várias outras que servem muito para soltar
o ventre, quanto para o prender. Exceto os frutos de certas arvo­
res, quasi que nenhum remédio eficaz se encontra.
JO S E P H D E AN CH IETA

Até nas pedras se enC°“ “ 0° o ” " uma que serve


onipotência do supremo e ^ maravilhoso, que qualquer
para afiar espadas; mas e flexível como o couro e
parte dela que tocares em « m a * ^ ^ de maneira que não
a moverás como cousa a p e ^ ^ muitag reunidas por diversas
parece uma pedra • •
juntas (163). habitado pelos inimigos, a umas
Encontram-se em certo cnam cer_
50 milhas de Piratininga. ^ ^ I s o l a s : têm o ta­
tas pedrinhas transparentes, que querem se,
manho do grão de bieo e algumas matures.
.,rv„ dizer das árvores, plantas e pedras.
Isto é quanto me oc * dos espectros notur-
Acrescentarei agora poucas pa & índios aterrar-se.
n0s ou antes demonios - ^ que ha eertos de-
E: cousa sabida e pe • Q que acometem aos In-
monios. a que os Brasis c am®“ d açoites, machucam-os e
dies muitas vezesno ^ ' - ^ t s u l s Irmãos, que viram al-
matam-os. São testemun a. isso c0stumam os índios dei-
gumas vezes os mortos por e e" s brenhas vai ter ao interior
xar em certo caminho. ^ Quando por cá passam,
das terras, no cume c a m outras cousas semelhantes,
P6T -gando fervorosamente aos c o ­
ccino uma espere .
piras que uão lhes façam ma ' ue chamam Igpu-
Ha também nos rues outros ^ do me5ffi„
piâra (165), isto é, que moíam habitado por Cristãos, e
1 índios. Não longe de n6s* a o — ^ {#_

r : r : r r r r - -~
<parte
losz do— eo^
tempo junto do mar e m _ ’ , o mesm 0 como se
(166). que quer dizer coiisa ^ Qutra c0Usa senão um
se dissesse “ o que e todo fog • acomete rapidamente os
facho cintilante correndo daqui para ah, acomete P
X. CARTA DE S. VICENTE (1560)

índios e mata-os, como os curupiras : o que seja isto, ainda nao se


sabe com certeza.
Ha também outros espectros do mesmo modo pavorosos, que
não só assaltam os índios, como lhes causam dano; o que não ad­
mira, quando por estes e outros meios semelhantes, que longo fora
enumerar, quer o demonio tornar-se formidável a êstes Brasis, que
não conhecem a Deus, e exercer contra eles tão cruel tirania.

Destes Brasis direi, em último lugar, que quasi nenhum se en­


contra entre eles afetado de deformidade alguma natural; acha-
se raramente um cego, um surdo, um mudo ou um coxo, nenhum
nascido fóra de tempo (167). Todavia, ha pouco tempo, em uma
aldeia de índios, a uma ou duas milhas de Piratinmga, nasceu uma
criancinha, ou antes um monstro, cujo nariz se estendia até ao
queixo, tinha a bôca abaixo deste, os peitos e as costas semelhan­
tes ao lagarto aquatico, cobertas de horrendas escamas as partes
genitais perto dos rins; a qual seu pai, assim que nasceu, fez en
terrar viva. A esta morte condenam também os que suspeitam te­
rem sido concebidos em adultério. . . .
Não é talvez menos para admirar o ter nascido em Piratinm-
ga um porco hermafrodita que, segundo creio, ainda está vivo.

Narrei essas cousas brevemente, como pude, posto que não du­
vides que haja muitas outras dignas de menção, que são desconhe­
cidas a nós, ainda aqui pouco práticos. Rogamos entretanto aos
que achem prazer em ler e ouvir estas cousas, queiram tomar o
trabalho de orar por nós e pela conversão deste país.
Escrito em São Vicente, que é a última povoação dos Portu­
gueses na índia Brasílica voltada para o Sul, no ano do Senhor
1560, no fim do mês de Maio.
O minimo da Companhia de Jesus.

NOTAS

/qqn roniada no livro de registro Cartas ãos Padres da Companhia de


j eJ ! L o PZ V e it., O . 85, - latim . P M . em italiana noa D «m m

1 29
9
JO S E P H DE A N CH IETA

, T1T iso-72 e, no original anotado, na Col^ a?


ívisi. Venetia, 1565, parte I I I , u ’ ’ Nações Ultramar urns, da Aca-t
ie Notícias para a U istóna e Ge09 ? , conselheiro Diogo de Toledo Lara
acmia Real das Ciências,_ Lisboa, 18 P ãg Anchieta Epistola quamplun-
Ordonez, que tirou edição a p J (nunc S. Pauli) provmcuim rnco
marum rerum naturalium qua: 8 . Vice_ t in 40 3 f l . 'nao numera-
h,nt sistens descriptionem, datadn de 1 portuguesa feita por Teixeira
das e 46 p „ sendo uma de e n a U A ^ sá> foi primeiro pM ;(£OS
de Melo, com o concurso de Martnino e depois, corrigida, no Dm
'•Anais da Biblioteca Nacioiml , I,g Pde dezembro de 1887 e 2 e 7 de janciro
rio O ficial” , do Bio, de 2^, -4 t^õo Vieira de Almeida, foi pb •>
de 1888. Novamente traduzida pe o P Azevedo e as anotações de L ara
com um prefacio do d r. A ^ de descrição das inúmeras coisas natu-

(r o t°7 u c s e \n c m tr a m m província dt, S . " d e Ancliie'-

z i
do Amaral, diretor do Instituto do u ^ Lourenço Correa, tran scritas
Pinto, assistente do Museu Paulista e • pnt e e8Critas para esta edn
som nenhuma indicaç.ao do obra, toram e i revisão de um técnico do
l o , a pedido nosso. O utra, ainda• do dr. Adalberto de
Instituto Biologico de Sao ; ^ m e t e n t e s devemos, assim, em grande
V T . I Z J Z eu,l o » ou menos eU , 0

. admirável « r U » ^ „ a carta
(90) A essa tempestade volta a ■ ;r10 prestaram aos mdios o

è z tT £ . r s -«• s v —
( d ) Piracema ou piracc, “ '" on& ° ' c w q ^ t T v o n " A n ^ d V S • Na-
definição de B . Caetano ^ r ,,7)lí,-saindo. - Observação de OU-
cional” , V I I ) . De piro-peixe e cc sair .f} na descrição de Anchic-
3 M ario: “ Propriam ente nao ha ^ * d:ide que os peixes “ saem
ta ; apenas não se poderá dizer co m t ^ ^ rioS) fi procura das
d ’agua para põrem ovos , senão qi e ^ ^ pm que de f ato “ se metem pelas
cabeceiras, de aguas mais rasas c t a b r i g 0 relativo das causas natu-
ervas em pouca_ a g u a d a desova, ^ ^ | Iagalhiies ( Monografia Irasi-
rais de destruição • Paulo 1931, P- 6 6 ) .
leira dc peixes fluviais. , . «.E8ta maneira de calcular o
(92) N ota de L ara Ordonez ( • { ‘ d • 0 qual depois, isto e, no
verão e o inverno ^ suprimindo dez dias
ano de 1582, Gregorio X II , P o n tm ^ q anQ çivil excedes^ o sol. r
c providenciando para o fu ti • 1 0 tempo da celebração da L a >

z asvs^?ísSs jsíwrss rn n
-‘ü of i. .miBr
dezembro, ou dos passados ou dos se^ Tíealmente eles duram, eon-

S K tt ? « t ’» r» - — 13 - • 2 4 ’ - inmno' 1

— - — -
130
X. _ CARTA B E S. V IC EN TE (1560)

goaragoa (G. Soares I r a i , e , ^ d e d a ra melhor “ guhragm, que

T S ^ r Z r l^ ~ °i “i t ) PÕ . T S “« Í ." a
fe w *
sJ!S z v 45f r ^
America Meridional e as Antilhas^ V ” 1 , T . ' ) s „„ passo quo as costas
M attorer) rive n a . b u i u do Oronoeo ' » £ £ £ « ; ',. un,0‘ o n to (Mo-

u s r ü js tâ x z X X T o X . £ 5

s r s s r K W » ^ ^ • -
fido dado pelos portugueses, segundo L ara Ordouos” .
(94) Tia Baía, en, outubro de 156.. ■» l™ f
e ala pelo Espirito Santo, OS jpgS^de Anchieta, «regi,rio Scrrão e (segundo
B raz Lourenço com os irmãos Jose de Anchieta entretanto, diz “ eu
é corrente) um terceiro, cujo nome * i g * ■ * fogseni realiuente cinco os
e quatro irmãos . E assim muito i 0 pretende S. de Vascon-
jesuitas que embarcaram na Baía, c que na noite de 20 para 21
eelos (o. c .. 1. 1. n . _ Atirnllios a embarcação de Anchieta
*r r ^ r s s w ~ ....- — -
esse o sucesso que Anchieta, n a ira .

(95) Piraicjuc, “ corr. pirá-iU Z


esteiro aonde o peixe entra p ara a de ' N ?), e(] . ) , — Obser-
requê, S. Paulo” (T . Sampaio, O tupi na Oeog •> (lh..gc.A 1>ertu d a
vação de Oliverio M ario: “ Pirmr/wc e^nome^ — |içntiuni vocábulo para
na linguagem vulgar. N«o exist • _• ■ ^ entrada dos cardumes de pei-
designar na fala usual o f ul'10® pe-xes marinhos que desovam nos
xes potamotocos (assim sao chama J? dêstes peixes contam-se no
rios) pelo estuário dos nos acima , . do TJOnto de vista eco-
Brasil, como os seus mais im portantes ^epr ^ eapecies: Mugil brasiliensis
nomico, as tainhas e c u n m a s^á e JIJ® * u ‘ { J is Hancock, M . m rema

£ X X X : s : X X L r
do á desova, em que pese a m aneira antropomoi . t - , gabido que
terpretada, conta forçosamente algum apoio na ealut ■ enlbotado e ru-
os animais, ainda aqueles cujo psíquico se nos ^ t i a n instiu-
dimentar, frequentemente nos m aranlhauí salobras ou
tos relacionados com a procreaçao . P t„ stifira se “ em determinadas
mesmo perfeitumeute doces” para a desova j o , mei o
especies, porque, dadas a,_ es.gencias r h^ , do (lc „ „ ta , cp.e mui-
quilo e farto de ahmentaçao para a fu tu I ’ uf r .18 “ ]0go após
<». ••permanecem no, rio . litoreauos to de S l h t o o / c . ,
os meses de procreaçao, voltam para o m ar (A.
páginas 06-7).
(90) Timbó. da fam ilia das Sapindaceas ( Panhma pinnata L . ) . O nome

131
JO S E P H D E A N CH IETA

- \ fo ™”p ° - Vi° s 6 * •
p ,a ! .° chamavam «« índio. < « » » ( T „ Sampaio. o. « . ) .

*bem*arygboia
% A - r(centro
. : r,"§ £
e i ora ), (Alto Amazonas e A cre), da fa-
boigvmtaú (Amazonia e t ° T L c n n . “ corr. s*fi-e«ri, morde ra-
milia dos Boidcos iEunectes m u n m , . S t r a t a de
p5do. a tira o bote ; co ■ 0 Vq ) _ Observa Afranio do
»«6o. :l sucun ainar®l a , i ntn J a de 4 Séries de afilados e recurvos dentes
Am aral: “ A s w u n v b a 6 dotada de ® Ag 4 séries supCTiores sao
na parte superior da bora e de - n< , „ maxiia r es e pelo par palatino-
form adas de 68 dentes, distri ui■ os\ y _ Rentes insertos na man-
pterigoideu:inferiore. » . di mi aaem de tam anho para
dibula direita e eeauerda Todo» e » e e ^ , oda8 „ p o n ta .. E sta
O fundo da boca. para <» ' . todos os ofidios, serve, na de-
orientação dos dentes, que «mreensao facil da vítim a e sua melhor
fesa das especies. ao duplo tim d * *p mais profundam ente fica im-
retenção: a presa, quanto mais te P ^ referida por Anchieta,
plantada nos dentes da cobra. A suposta " C i a , ^ ^ , tem 1a0 todo i 02
deve ser, não de dentes proprum e - ^ • n0 Brasil s(, ocorrem, respe-
dentes, mas do presas chanfrada ta lideas — Ao que eu tenho ob-
tivamente. nas corais verdadeira ‘ da vítim a p a ra m atá-la.
sorvado, a sucuriuba nao i n t r o u u c. uda i g o «mias ^ causa a
A informação no particular de\e , contricção progressiva, par-
morte dos anim ais por simples enroseamento ou n j t . . i
tindo-ihes o.aoa. diametro
Dessa fôrma consegue reduzir lhe. P Q apodrecimento do ven-
transverso e engulí-los com mais aves de rapina
tre da «ucurmba alimentada c a consequente m te n e n ç a o a a s ^
purecem-me deturpação fantastic» do longo P®r)® ^ ' reparação teci-
cteriza por extrema imobilidade ^ i t H z S ^ t r e L ofidic^ é sem*
“ Í ^ ° a r £ ° im perfeita ’ e r g u i d a de deformações mais ou menos
profundas” .

s íh
ecu” . E Anchieta tam bém. — Jacaré, cor . v . „ ,T g am.
sinuoso. Pode ser, ainda, g-echá-carc, aquele que olha de banda (
pílio, o . c .) -

(»9 > Capyúára (A nch.) , ? ’I bbeví l k, ' m M r i T d a


hara (Cr. Soares, o. c -> 1- “ ’ . {qoo f] 048 v .) . capigudra ou ca-
â° \ PaAr Á Z l Í d o ^ ^ i ^ s m r o c h o r u s L . ) . E s­
pirara. roedor da fa mlm dos Ca ( . tupi vem de capyi,
f J S T , V vomer;. , hue *
x. — CARTA DE S. VICEN TE (1560)

encerram verdadeiras enormidades em p a t o de soologUa


a asserção de cue a capivara apresenta^ • J J » " ™ n5o cxiste em
alguns “ outros no meio do c u , fli ’ nos vertebrados poecilotermicos.
nenhum mamífero, e apenas e ^ t r a d ç niolares da capivara assemc-
/» » “ °, e . « ' d a maior parte a M

(100) N ota de (Pteronura


cies e de dois generos difeientes. 1 pnnirlí (Mamíferos do
Irasüiensis Z im m .), aplicar-se-ia também ou
Brasil, p. 71) a denominação indígena ** M o a c a ta A w

s s r s x j f f ü s s r r s r s r V n u i o „ « . o ™ * *> » *
M ato Grosso). Paraguai e A rgentina .
r <. p, •mimai ouasi do mesmo ge-
(101) Nota dc Oliverio M ano. O banll!Ui 0 ou nutria (Myo-

r i
(]02)r D^ ! i i CT .;IeT T % tle2« ). cS l i « / £2 2 »
b ^ i i m o da fam ilia 1 dos Gec^cinideos {Cardisoina yuanUimi L a t i,) , cu.,a
cór é azul. e imo verde-mar. como diz Anchieta.
(103) N ota de Oliverio M ario: “ Os!
Anchieta que “ a natureza deu-lhes ^ sen3o 0s siris, cuias eximias
n a d a r” , outros decididamente nao P a denominação generica de
qualidades de nadadores inspiraram ? , marea brasileiros
Callinectes icdids. belo e ,.« < e . O. < „ a ,id „ e t e , ; .
mais de uma especie (C. sapiaus, <-• ••„ (.,,e corre, ou deslisa
- Aliás, o nome tupi do crustáceo ^ 60) dá mais o
(T . Sampaio, o c . ) . R . Gare a no _ n ie sm 0 trecho, refere-
signifieado de " afastar-se. andar p a ia tras • (G goares, o. c.,
se Anchieta ao uçá (F . Cardnn, o. c-, 1 9 t 0 braquiuro da fa-
p . 267) ou oussa ( D ’Abbeville, o. c J L . 248'). c r u i s t ^ ^ da fa .
m ilia dos Gecarcinideos {Vendes corça • _> outros caranguejos des-
xnilia dos Grapsideos {Aratus pxsom, M . E dw .) , c
critos por P . Cardini, G. Soares e D Abbeville.
. • in r • íl T?’ min«i CGl’tO QUC A-Iicllicto., COIUO
(104) N ota de Oliverro M ano: E duasi ' dicina, confundia
ainda boie o fazem os menos entendidos em‘ M m a lig n 0 8 que a tecno-
o cancer da patologia, isto e, os diferentes ae P sarcomas, etc., com
logia médica especifica sob os nomes c e l it’ d e la 3 perfeitamente
afecções outras de natureza m teiram ente d„ « s a . mintas ^üe ^ dú_
curáveis, como as neoformaçoes sifibticas. • cürntivo a que o catequista
vida de que ha mais do que abusao T ' virtudes E ’ o processo das
atribui tão maravilhosas quanto estupefac^ à l à e do Vovo, cue com tanto
curas por simpatia, tao do gosto e da c r e d u M i ^ ^ g o c u lta 8 se lhe
m ais convicção acredita na lenda flu ^ destacamento do
aparecem as causas dos fatos nela contados , 1 , "°’,,« 0 desprendimento
corpo do m artirizado crustáceo, corresponderia ° 1 grande
paralelo cia massa tum oral cuia por T ncl.ieta 6 S e ri
interesse a indentificação zoologica do cancio reten ao po

133
JO S E P H B E A N CH IETA

, T m nual como á generalidade dos


talvez o caranguejo CEdipleura corã mèmbros. por um reflexo inconeiente
r s 'Ve M - - w - » . .
/ p 940), da fam ilia dos Cio-
(105) Gercraca de G . Soares Bothrops atrox L . j Bothrops Neuwieãii
tnlideoa (Bothrops jararaca W ie^ , J o t f t r 2 me de yara-roág, que
W a g l.) . Segundo B . Caetano pode derivar se ^ 0 c .. p . 117)
envenena a quem ag arra (nota • , t bote venenoso” . Afra-
ou nas palavras de T . Sampaio (o c .) . q' f u 2 p . 2 5) dá: “ Tupi
rio Amaral (Boletim do M u sc u N a c .o l, V I . cobra muito má
yára-aff, o que envenena mordendo, ou tupi
(M ontoya)” . . ,
(106) Boicininga, boiçnnunga, Be bói-cininga,
« A * fam ília d o . M M » t(^ola-sm j v » 48),
cobra di ehoealbo. Também descri ■* í ,or ■ observação de Afranio Ama-

ri»
a l. : e "A
. , P bowinmpa
- « ■ snao
; a i “pode
J : \ andar
cn,i,pr - «>e J £ ■«•
A rept » » a*ç«5 o da * •cascavel
> m0("?
apressados, que os Índios dizem qu -‘^ die pequena a fôrça
e' das mais lerdas que se conhecem m ^ t u d e - > ^ l costm iia.ge até
muscular em relação ao volume do C ^ muBCUl«r coincidir
exemplificar o fato biologic • • j de dcfCsa da especie. o que,
com o aparecimento de qualquer > '■ ‘ arnrellio venenifero: o ser
no ca » . é representado pelo : : ! • * — » ; confurnen parece de-
torna-so aparentemente tanto ,te „,cra coincidência,
& U S J Í J S S Z ■» « * . * . ataal de nossos e o » b e e im e n to a . . .

( 100, ) Cf. F . « " d in , (o , C-, p . ^ 5 ) , X Í


duzida por Paul G affarcl, BisU Léry
Paria, l’s7K, 881), T hetot ‘ '% y bastante Ipreeiou

S S .T : r n i ’1 " n ^ m ^ a r e c e u é fo r t fade et d .u e a atre ".

(.0 7 ) caA
oU
n,„( nd, ), C .d im ,
ubitboca (G. Soares, o. c ., P- T . Elavs Marcgravii W ie d ).

B. < aetano oe m . 118) . Afranio Am aral (1. c .. P- “ V


(nota de R. Garcia a 1 . Carclmi. p. ■t Segundo T . Sampaio
dá: “ Tupi Un-hoca ou boboca, o que fura ■r t ^ caVa d a ” . como
(o. c..). ihihoca. além de “ terra rachada ou fend da J ^ a c _o de A fra .
diz A nchieta), significa “ saído ou ir|* ° 'p ,u^ adaa de ibiboboca. porque fu-

dos. vermes e larvas de insetos, de, que se nutrem .


(108) Bóiguaiiara, boicoatiara b o i c o t w r a h° ^ lU°™{ mbóT-quatiara, co-
m ilia dos Crotalideos (Bothrops coüara Gome ) Do tnpi <1
I ra pintada (T . Sampaio, o. c. : A. Annual. 1. •• 1 •
(109) Boipeba, boipeva ou boipeua, da famüia, àos ^ t T k . Ama-
n o à o ) r Z r r c J Wa g l ) . Bo tupi mbôi-peaa - ^ ^ ^ d a d se ac h ata r”
ral; 1 . e , p . 2 1 ), “ que tem a propriedade, quando acuaua,

134
x. — CARTA DE S. V ICEN TE (1560)

. . .jararaca também chamada boipeva e a jaracanbeiu


( T . Sampaio, o. c . ) . A K‘ . ‘ 2 5) ou ainda jararacopeba de
ou jararacambeva (A . Amaral, 1. c ., P- - >
F . Cardini (o. c .. P- *17).
a iO ) Havendo comunicado a f ^ ^ 'c i n u n u d T 1 pclos^portugueses boiroy,
a bóíroiçanga referida por Anchiet 1 boiuru’, beiru’ ou bairu’, da
segundo Lara Ordonez (1. c -)> k ^ cloelia D a u d .), ou ainda, como é mais
fam ilia dos Colubrideos { seu e nao é venenosa e tem habitos
conhecida no Centro do p a V 1in s t i t u t o do B utantan: “ Parece antes que
ofiofagos, observou o diretor do ln st .(la de presas deanteiras (co-
boiroiçanga se aplica a ' C „ ^ J id e o ) . cujo contato dá sempre a
lnbrideo áglifo ou opistoghfo ° ocar frio, por efeito, psiquico, dada
sensação de frio ou cun a picada pode pro parte dos indigenas.
r d X i l d a d e de sen \ Z s J m g a ». Into 6 : cobra
Desse modo, a rrvussurana ou bouu seria
fria.
• a .i. “ nossas sementes são oviparas ou
(111) N ota de Afranio Amaia . , todas as colubrideas âgli-
ovo-viviparas. Entre as prim eiras s e ^ ^ H e M c n y s e o u tr 0 8 afins; as opis-
fas com exceção das cobras dagua. g u biracoa generos Tomodon e Dryo-
tó g lifà ., com exeeção cia ™ Amaral, ColeC. lnet- Ba-
p k f t e ; « etapideas ou coçam L„ * Si » o u
tantan, II, 187 — J 9- 1) > ‘ xv> 4 4 „ 1927). E ntre as ovo-vm-
( Amaral. “ Rev. do Museu . b r^deas ' açima excetuadas, as boideas (gt-
naras se encontram, alem das . crotalideas em geral ( cascavel, ja-
loias, araramboia, sucuri e sototnonías) e . ^ out ras) . Os ovos do primeiro
raracas, urutú, jararacussu, co im , fim da primavera e em numero
grupo são postos, uma vez por < , P nascem já bem desenvol-
l e ! a 40 ou maio. O» filhote, ^ n ta e r o toado stdo re-
Vidos e em ninhadas de 12 a 40 e ate
gistrado em relaçao á «ucun .
(112) N ota de A franio Am aral: de Anchieta:
unicos animais venenosos a que pod P rm u .vada. na qual têm
“ tem duas cabecas. como os caia* « * ? £ * ,; Nesie ea8o. as “ duas cabeças
um a unha também curva, com J ® ien' ’ reen8ão das vítimas. E ’ bem
seriam as pinças ou tentáculos a8 la£raias 0u escolopendras,
verdade que o etimo pareceria _ ‘ cobra” , conformo diz Anchieta

;rrrJee, í esc: jlxl


ü — S
zsiJürG&x
C e — o , do toda,

as especies” . 247),
(113) Refere-se Anchieta á rtlmnduaçã ^ ^ ^ f i ^ F i s i c a , trad, b ras.,
nhandú-guassú ou nhambú (J_ • n’ome de caranguejeiras sao co­
pio, p . 388) ou caranguejeira. P or e .p(j indigenas se subordinam
nhecidas no Brasil as ^ p ipiuriãae e Theraphosidae Aa
a quatro fam ilias: aos generos Gramrnostola
psDecies maiores, de que fala Ancii e . P rW -ritas, e Lasxodora, de que
dc oúê exirtem » Brasil uuatorze ^ » ' 2 “ „„ Centro c Norte
to dezoito espertos W i l e . r a s eonbto.dns « estalo veneno da.,
m. p- «• • - >•

135
JO S E P H DE AN CH IETA

' (114) N ota de Pio o I°m ais S o ­


cordem dos Himenopteros, supe BtL íI- mais notáveis pelo seu ta-
taveis caçadores de aranhas existentes pelo seu número. D a sua
manho (aparentam enormes vespas) e to m b a \ ? Ithaca, 1 9 3 0 ,
biologia extraio de Comstock their neste in the ground.
p. 934) 0 seguinte. Most stines it until it is paralyzed, and then
The wasp first finds a spider and .rt“ f end, form ing a cell for the
digs a burrow 'which is enlarged dragged down into the cell and
reception of the spider: the spider 1 , t the cell is filled with
0 » e e B attached ,o i t , then the p a ^ g e ^ V k n o w n tarantula-
earth. ( . . . ) Among the giants^of t i n 1 » ^ ^ burr0W8
hawks of the genus Pepsi* of the ’ d o ’these spider-wasps have with
with taran tu las. Many a hard- oug ■ conquered and ignominiously
these enormous spiders, and sometimes tllis family have
e a te n . ( . . . ) More than family w » published
been described from our fauna. A insetos, a que se
hv Bunks (1911)" Assjm Anchieta conheceu - ^ " Ò u »i« ne-
refere CoIDBtock, aludindo 6 classifica,. aleuns, pelo menos, dos
r S S S ; ^ 7 e , , : . e t T ; r o f n u , ; e " , ) ; e m i s ^ i o . ’ l L a notar, aim
vespão'que ve,u a ser — ^ “ pS

de z z . z : : «
S T b Í . s í Í U m . '«oral menores' que os Pom piiideos".

(115) A, lagartas. • • « * » P * o . T I
de total,rana isto a fogo”( T . Sam-
rana ou. melhor, tatarana, oe im.i
paio, o . c . ) .
(116) A arn„ e provoca "dcse.i.s
m
g a rta preta) a que se refere G. Soares ( o . - 46 e ^ 7 ) e .
tupinam bás. "tã o amigos da carne que , 0 form ou”, sôbre este
seus apetites, com o membro gem a como ‘ ' grandes dôres, mais
colocavam, "que lho faz logo inchar, com o quo tem gr andes

í - —
esperar, nem sofrer .
(117) As duas especies de Felideos, mencionadas P°.r “ °r
a on o a rd . ou . - 1 « (M b '«cL.) e a
(F elis onça L . ) . Além dessas, que sao as maiores, ha mais sete na
b rasile ira .
C11«1 Prvia nome generico de tamanduá são conhecidas as quatro es­
pecies de desdentados da fam ilia dos Mirmecofagjdeos, existentes ™
In n saber: tamanduá bandeira (Myrmeeophaga tndactyla D .
S rii Tamandua tetraãactyla L . ) , Cyclothnrm didactylus L. e
Z J a t a Cope. as duas últim as e n c o n tra d a s a g n a na A » u ^ ;

« írfT J L % r. tH r& A ^
- ; , u Kf“ r « r r . r :v x r s - . j u

136
x. — CARTA DE S. VICENTE (1560)

■ in v ainda a nota de R . Garcia a D Ab-


com o modo de viver do animal . — V . ainda
beville (o. c .. p . 63).
_ ~ j. /„ „ n 4-01 “ não se comem nem pres-
(119) Segundo F . Cardim (o. ? _ • ] • ; N q dizer flc G . Soares (o.
tam mais a m p ara desancar os ornM ^ a<) „„,,„„< 1,16 , “ que os man-
c „ p. 227), só « ' ^ ‘“ J ^ ^ c o n fim a d a por D 'A bteville (o c *>■
echos tem nojo dela . Intorm acao Anciens ’entre les
lha 2 4 9 ,. -50): " E t «O T J '“ t difficnlté d>«. «ser dlsa.a
Indiens en mangent, les leunes neanmo Fourmis, ils deuiendromnt

^ " r o a S n / q i u j o e r d a . qoatro e.pecie.-

(,20) T a p iira (Anel,.), ^ T S S S L


CD’Abbeville, o. o-, f l. 250) \ rT { \ e%
(L
Tnota a F . Cardim,
do. Tapirideo. ,“ 7 ^ e t i v e V d? várias evplicaxpíe», mas nenlm.na
p . 1 1 1 ) : “ O nome tupi e e . . serviu para diferençar o un-
satisfato ria: o sufixo ete verda< ^ f ^ depois do contato europeu
guiado do bovino, que os tupis s Samnaio (o. c . ) , o nome gua-
e ao qual chamaram t a p y r a .. egmCastelhanos (ante e ãanta), explica V ar­
ra ni é tapii. E o que lhe dav^ s “ derivado do arabigo que e seme-
r.hagcn (nota 168 a G. Soares ^ / em a êsse tempo as especies
lan te” (lanta), vem do ™ havia nf Africa e no Sul da Europa, e
dos generos Bison e B u ffã 'Ui que muito se empregavam nos vestua-
rio s^ e ^arm aduras &no ^ século - I . P— ^ nosso tapir,

^ e L6ry (0- c ’ Ij p
sob o de tapiroussu.
(121) AM s — ^ e grã-besta *
latinos designavam as espec.ies mamre d ■ ^ se referem Cesar (1. V I,
portanto erronea a suposrçao^e Anchiet . seu D ic. esta descrição
X X V II) e Pbnio (15 e 16). da f ^ 0 no tamanho c á cobra na
estapafúrdia: “ quadrupede semelhante ao asno

f0 m a ” - . , T) 37) e G . Soares (o. c . P- 224).


(122) C f. F . Cardim (o. c-, P- á 7 >
(123) A id ( A nch. e S. de gencrfco dado ás^ quatro

z&« s ü
deve ter conhecido melhor as du Q
rwa: r.H

especie maior, preguiça-rea
trilaCylu,L . e ,'« ^ “ ilí" 8 c h a V e M atcgrnv n»d«
Ç
U
ratyP
B

( n ó u 0 TeMR . % a r c r Sa ’Car^ u^ J s e 'n o m f ^ o c J d ? do grito do


S U nmito p r o lo n g o . « * * * > *> ' *
e aspirado” (T . Sampaio, o. c . ) . fw r 0 .
(Í24) A p r e d ic a vive na ^ rJ S S T a lim e n to •
pia L . ) . cuias folhas e nroí cerno»

137
JO S E P H D E ANCHIETA

t> 1004 u 105 sendo que a ed. de 1858 registra


p b l. da Acad. B ra s ., Bio, ’ „ 228). sarigueya (M arcgrav)
carigão), serigoé (G. Soares, o. c., P- ^ Nf>t> n i o i ) , ceri.
çarigué (S . de Vasconcelos, • ->seriffU^ sariguê, mneura, micuré (Bio
qão (L a ra Ordonez, 1* c * VranArims “ das espeeies maiores de mar-
da P ra ta ) ou gambá, sáo os nomes J Z ^ D id e l p h is aurita L . ”
supios da fam ilia dos Dideifudeos, p ^ R , ainda R . G arcia quern
(nota de B . Garcia a F . , , animai de saco ou bolsa, com refe-
ensina vir o nome tupi < ■ ’ caracteriza essa classe de mamife-
reucia á particularidade auatomica qu ^ q anQ de i 5 0 0. Vicente
ros, acrescentando: ' O sangue . . . daauelue ano, achou nas costas
Yanez Pinson, em sua viagem de p n 1 ieV0 u-a para a Espanha,
da Guiana uma sariguê femea com Orbl (1532); Oviedo, na
O fato foi referido por Grinoeus, eni |> descreveu o. anim al, que
Historia natural y general de las em todos os tratados
desde loiro passou a fignrar com o ^ ^ & ílludem também
das regu.es americanas . As designaç t 1I0 ven tre (T . Sam-
l “ ,o ele o chama, pareceu a Léry (o. c„
I 161-2) “ tendre et bonne” .
0W , E' o »*■>» . . ..... . i “!/„0:tlS S’ rírê »
dn fam ília dos Coeiidideos, do oue C^ ’!lior da fam ilia (Corndu
delas, coandú. ruim e ave troa. sendo a T ‘ F Cardim descreve
villosus L ic h .). refere-se G S^ J ^ / : J L ^ r i ( o . c.. p. 40-1). En-
duas espeeies. com o nome . C01U 0 diminutivo mirim, “ não
tretanto, quer com o aument.it q „ ( t de R . Garcia, p. 113).
sc conhece esse animal na nomenclatma 'u lg a r m ora
,1271 t a . i m m * W « í™ d, a» *> ►
mios brasileiros, das onais a maioria habita o Norte.
(128) Segundo Wappaeus (o. c., P - 2 7 0 ) ; os “ “ f 0/ ^a-
ne dc algumas espeeies de macacos e paiticu arl ,u. macaco de ureqo. A
crocrphalus Spix, vulgarmeiite conhecido pelo nom selvagens” . Note-se,
carne do sanhv. Passa por saborosa .g u an a entre pe-
entretanto, que macaco-prego, m a c a c o ’ iefdes algumas ocorrendo de
culiares aos genero Ateies, de nue h. . - 1 £ denominação m ito

% s i s s r . — — - - aia
pertencentes aos genero fe b v s .
n 2 q) Taíú nome generico dos desdentados da fam ilia dos Dasipodi-
deos, de^ quelha <cêrca de dezeseis espeeies “ £.
c a s e encorpado, denso, grosso, segundo B atista Cae ano (nota
cia a F . Cardim. o. c .. p. 113; T. Sampaio, o. c . ) .
m o ) No Estado de São Paulo têm sido registradas as seguintes es
peciei de veados: leado-galheiro, euguaçú-apára veado do^ n9guaJ J ta,

etc. \ í a , a m a rufina B aur.).

ga j r osP^ it É s T iB í s r ^ r í - r s -

13 8
x . — CARTA D E S. VICENTE (15(50)

, , • _ a jaguatirica ou maracajá {Felis pardalis L- ) -


01oi

— yj* •' T ’ w T c . «.,»• *> • «• ( »• *">■ QI7\ t(X~
(132) Javali (A u d i.) , g ™ do maio, é o un-
iaoú (G. Soares, o. e., P - .,? 2 9 V _ o,Kaeos genero Taiaçú, de que existem
guiado artodactilo da fai“ lia * fl(JaS m icotyles pecari L .) e o caitatú, cai-
duas especies brasileiras. <P r \ sendo a primeira maior. A essa
cotéte ou cf lo Tfl^ “ Í tayaçutirica (tajaçutirica de G. Soares),
especies F . Cardim da _ vermellio (nota de R- Garcia, o. •,
porco medroso, e tayaçuptgta, P f também ao taiassou.
p. 112). — Léry (o. c ., I, P-
(133) E ’ a lhama {Camelus glama L . ) .

(1M ) P or bichos ,1a “ “S m


riposa Pyraliãae — narcotico, entre os indios, e como suceda
Ao seu emprego como alimento e portugueses, refere-se Saint
neo da manteiga, depois de derretido entre ^ ef (U M im s Qeraes,
H ilaire {Voyage dans les provinces de B observações são reproduzidas
P aris, 1830, I, p- 432‘4> e IIj„ ? . •' t description ãe tons les peuples, de
por F . Dénis { L ’Vnivers ou Histouie ^ ? 863j p . 83). A propriedade
lewrs religions, coutumes, etc. 1 q - + Hilaire, “ résiderait umquem
ca do bicbo da ,a,,m ra. » » < ”'c01Mm ■■leque \ * * m
t o a le tubo intestinal”, no ^ “ ^ “ 'ombent t o s « .
leur cause des insomnies ( . . . ) et aio mangé un ver déssecM

— só»’aa8a es r r « .í a ^ > -— ....- 1,0 ■


dangereux”
Q ■ /o c ) • “ O vocabulo ygá è contração de
(135) Explica T ' / a'UT>^ s unham os indios por tal o que bc contém
caba, significando gordura, pois a denominavam ta n a ^ a - G. -oa

- t ° r r p . e 2?0) escreve içan. _ ^

(136) N ota de Oliverio M ario: “ os’’° o s ^ d iv íd u o t A la d o s'd a


t0 sobremodo im propria. Com c h a n m r jo significação de m d iv ,

duos*' reprodutor es,mmachos ^ ou ^ ^ 0 ) ! ^ ^ í d a d e de

iinferíeis,
L r áde sexualidade
s ^ abor a a .
de operari03’ i8t0 e’
esta3 formigas comem os
073 Of. G. Soares (0. c ., P - f . e aiguns homens bran-
indios torradas sôbTe 0 fogo. ®g f^gti<jos têm por bom jantar, e 0 gabam co
cos que andam entre eles. as de Alicante” .
saboroso, dizendo que sa suiriri (ou hemtevi) “ se
/1383 Diz G. Soares (o. c ., P- 21 )' ^ue _ a que em Portugal cha-

e 0 Tanagra auneapüla. da tam in a


paeus, 0. c ., P . 325 e 327).

139
JO S E P H B E A N CH IETA

0 3 9 ) N ota de O liver). M ario, "A s 'r S . Í ’


Apideos, dividem-se em dois p a n d e s grup r0 M dipona (com que foi
As últimas, ou mais precisamente ao ^ g Brasil mais de ses-
“ S cf o do A nchieta”
• u •„ “ Típfpre-80 Anchieta aos pernilongos
(140) N ota de Oliveno M a n o . Befero da f amUi * (los Culi-
(moriçocas na Baía, campanas na Ama/.oni. , generos e numerosissimas
cideos. representada no B rasü por grande, tó p .a de |e>« llum M a, , m
especies. A aeão maléfica dêrtes h e m a to f o g o s ju " ^ a ^ „
transm item , entre outras molestia,, 1 arela era então e durante ain-
interm itentes da lingua popular) e a febie amarem, ir a
da mais de três séculos completamentc insuspeita ■

„41 I M «r,««! ( •
I Z Z Z I . T Z * ’ - ta - pertence o mo, „ n , » - , ^ o r a . geneto C U -
( aides.

milia dos Psitacideos, de <tue ia t . ,nde ( 7 3 p ara M iranda Ribeiro,


do no Brasil aproximadamente urna ta u . paiU ( u P“
“ Rev. do Mus. P a u l . ”, XIT, parte I , P-
(143) Nhandugoassú ( F . Cardini, 0 . e 1>. •'<>), * * ^ ' j , . De
o. e , p. 2 0 «), nandu-guassii ou nanti» <■„« « ‘ ^ Q ' R,smo
vhã-dk “ corre com estrépito, a corredora T Sampaio. 0 .
vocabulo designa também a aranha (v. nota 1 1•>>-

De gva-nã-obv, “ individuo preto azulado (T . ^.m pam , 0 . )•


Índios, ainda segundo T . Sampaio, “ como mensapeiio da outia
/li-i Tvmt'1 de Oliverio M ario: “ E ’ das afirm ações mais pitorescas esta
*à áfcfiías • pura ciuanto é ela no caso 0
r i* - ^ ^ V e J S r J T
fruto da <o id -^ , (1 niau grado não des-

« H S rs
laudo no ar, espreitando as aranhas ( 0 . c ., p. - o ).

(>««> E™ CSS“ * '-E- S ~ t e ' a & Ã T S


; f i ! ' ° ‘de“ oue a e i a T dê í.nla dás m a i o r a 'borboletas esfingides, a U aerafite-

C T i -
mM' ™ , r a t i r ” tóbre ú tm bò boleta, supondo a p o .t . 1 p a r . «m pequeno
Z ,Ó rò ê ’í í t e f i n q u e result» , crença dos indigenes de que aa borbo-
lotas se transform am em passares .

140
X. CARTA DE S. VICENTE (1560)

( H 7 ) Segundo L ura Ordonez <1. e . ) . Anehietn “ parece falar da pom-


ba do mato, chamada ju ru ty ” .
M481 Guará, da fam ilia doa Ibidideos (Eudocimus ruber L - ) . O nomo

observando eT JÜ passaro’,
ave, por guará” .

(149) N ota de Podii ^ b u s p o l T c c p ^ T ^ Z ,

a nom enclatura vulgor aplica o er ‘ , maneira que não ha estra-


muito diferentes nos seus caracteres m o r ^ c ^ ^ g u l h ã o , prova-
nhar que Anchieta ho u v essese_re ‘ depreende que os Podicipedideos
velmente Sula leucogastra Bo d d . , apenas i36 ^ re® 0^hecido do autor” ,
eram naquela epoca anonimos, ou de nome vulgar desconnecm

(150) i aOliveno
N ota de t • ivTo^ir*
M a n o .• u T?pfprp-so
R etere se Anchieta
Aiu u ^ aos jgaviões dc pe-
L Na,ia a
— observabo biologica ha precon­
ceito absurdo e evidente’ .
(151) Anhim a (A ncli.), anliigma (P . Cardini, o - c ^ P-
o . L u n a , da familia dos Palamedeideos U n h m a .c o n u a L . ) ,
dificil de explicar” (R . García, nota a F . Caidim, p. 1 - ) •
_ r\ i ~r,r, n o ^ • u Enfir&na-se Anchieta, atribuin-
(152) N ota de Lara 1(011 ' C • ’ s a s . têm unicamente dois em
do a estas aves três esporões em cada uma das asas.
cada u ma ” .
.... . \ro rín . “ Faz-se aqui alusão ás aves Tmannfor-
(153) Nota de Oliveno M ano GaKfonnea { m is, jacús, Ja­
mes ( perdiz, codornas, inambus, jaos, matucos)
cviinaas, m u tu n s)” .
( ,54) A ' . . * « (M anibot « M M m P»M) i * ’ ™ "“ *
detalhadam ente na I n f . de 1585.
(155) Segundo M iranda de Azevedo (pref. a t * a d .J [ * a fydo ao jaca-
Alm rida p . X I I ) , “ d» * « * « . W * fc » •
tope, Pachyrrhyzus angulata, raiz bulbifera grossa, proui
cuia saborosa e apreciada” .
(15C ) E ’ a sensitiva, leguminosa da sub-familia das Miinosaceas.

(157) Trata-se da eupaigba ( F . Cardim, o . c ., P1• J\ . ^ c o ­


res o. e , p . 183), copiiba (M arcgrav), copayva (Lara. Ordo ^
paliyba, copauva, cupay, copiuba ou c«P« »3j' ™™(,eas das quais as mais ira­
da fam ilia das Legummosas, ^ l ianen8l, D e sf.), Jutaí (Copai-

* * * * * * 00 < " t0,n


ja z id a ” .

141
JOSEPH HE ANCHIETA

(158) referindo-se Anchieta z o ^ n g u e v e r n e l l ^ da fam ilia


das Bizoforaceas (.Bhyzophora mangle L .) • Canapauoa u
página 199) .
(159) E ’ a iaçapucaya (F . Cardan, o^ P- y a3c.’
7ri" " P)' *<?.’ '( L a r a Ordinez, 1 c.), on
^ . ’generic” vária» e»p«ie.P ae Lecitidaeeas, genera U ^ » .
(160, P i.lm da P a r e d , da fan,ilia da» Conifera» (dronenrio I

lactescente pelas incisões que so • ' semelhantes, e tão usada ainda no


de Veloso, corn propriedades^ terapêuticas se
Interior em várias infecções?”
(16” ) Talvez se refira Anchieta, como sugere Lara Ordonez í tpeea-
,.,J v . í r c e L a y a de P . Cardim (o. P- W ), 1 > « ~ <l e G '
C. « - tSTiaa especles-
T r\ a n Arenarius flexilis, L . , vulgo pe-


tomou a form a de um arco de -’O" .
H641 Escreve Couto de Magalhães (O -selvagem, ed. 1913, p . 157>:
(.164) r»screie e. . tradições representam-o como
curupira é o deus que protege as fio esA. s. As tradiç
um pequeno tapuio com os pes io ta los P<>< * ■ Paríl diz que ele
p ara as secreções indispensáveis á vida, pelo q u e R r a e ü em
é m ím ico. O curupira ou currupira, como nos lie ■ ^ m >t0 P a r£

ÍT ía r £
Ermano Strndelli ( Vocabulários da lingng g e l
j~ z
qúai

s r w a s rc Jí
Í » ^ f » c , , 'p r e X w i a V c íJd õ r S , V » » H . f U .tr conforme a» sua, ne;

i f -p r;r: ; m ,
T T r u p i m ? mono» terrível que o ju n g a r i, é um espirito-do-mato c a ^ s t o que
encontrado sol, diversas forma», entra em conversa com os ind os « « g ™ »“
entretem sentimento» de inimizade entre mdmdu<» » '°™ 1“ “ ie s
desgraças hum anas” . M arcgrav e Nieuhofs, escreve A . M etraux (i.a j

142
X. — CARTA D E S . V IC E N T E (1560)

tvuinam ba, P aris, 1928, p . 65), “ qualifient curupira d ’esprit des passions (nu­
men m entium ), je ne sais tro p pourquoi” . B a tista Caetano (nota a 1 . Car-
(ji,n o e p 237-8), igualm ente não achou “ saida etimológica para a
significação *dada por M arcgrav. Segundo o autor do Vocabulário da Conquis­
ta curupira pode “ ser traduzido literalm ente por sarnento, de curub sarna, e
pir pele” . T . Sampaio, por sua vez, dá (o. c . ) : “Curupira, s., curupyra, o
chagado, o individuo coberto de pustulas. Nome de mn gemo da m itologia sel­
vagem que presidia aos maus sonhos e pesadelos” . E . Stradelh, final mente,
faz derivar o vocabulo de curu abreviação de curumi, menino, e pira, corpo:
corpo de menino.
(165) 1gpupiára (Anch. e F . Cardim, o. c ., p . 89), hipupmra (Gan-
dava H is t., p . 123), upupiara (G-. Soares, o. c ., p. 2 õG), ypupiaprae (B ar-
laeus* p. 134) ou ipupiara, “ genio das fontes, anim al misterioso (pie os índios
davam como o homem m arinho, inimigo dos pescadores, mariseadores e lava­
deiras” , de acordo com a definição de T . Sampaio (o. o..). A proposito do
etimo, escreve R . Garcia (nota a F . Cardim, p . 139): ‘ O nome tupi serve
de prova de que a idéa era fam iliar ás gentes dêsse grupo im portante. Sua
etim ologia consigna B atista Caetano em upypeara, ou y-pypiara, em que apa­
recem os elementos y agua, e pypiára de dentro, do intim o: o que e de dentro
dagua, o que vive no fundo dagua, o aquatico; o nome era também atribuído
a peixes, especialmente á b a le ia ” . E ’ o “ monstro marinho ’ que em ln64 se
m atou em São Vicente, segundo G andavo.
n 66) Baeta tá, mar tatá ou boitatá, um dos genios da mitologia selva­
gem, é o fogo fatuo, a fosforescência, e traduz-se por “ coisa que é toda togo,
luzeiro” ( T : Sampaio, o. c . ) . A mesma significação tinha o vocabulo ma-
cai era.
(167) Na carta. XV, Anchieta explica a ausência de deformidades entre
os indios, que enterravam os nascidos “ com alguma falta ou ^ n c h i d e , ^
por isso mui raram ente se acha algum coxo, torto ou mudo em esta n .iu o .
V . A. M étraux (o. c ., p. 102).

1 4 :j
Ao P adre G eral, de S ão V icente , a 1 de J unh o de 1560 (16S)

Resistenda d o s Brasis A catequese. — s“eS

fIrmão
M- %D m
C joTJ a«c o»m íe . - Olidos
J dos
^ _ — wCastidade
c/m (U
d^ l 0 ln^ ' \ r w f i o “ilanuel de Chaves. — Batismo de dois catt-
v o s ' condenados Amorte - Z™õ«
Guerras comos Índios do seitao
Janeiro. - Jean des Boulez em Suo V,rente, - j w j t e p u t a
com Luiz da Grã e partida, pr
do Uem de Sá contra os Franceses do B, . _ y in.
rir, rie Virente — A tomada do forte de Coiigny .
t d e Z ‘w"
ea - Grõ r t c » . . » * « * . * * » * * ■ « * •

N O ano de 1558, no fim do mês de Maio escrevi, Reverendo em


Cristo Padre, o que se passou, assim acerca^de nos outros,
como da conversão e doutrina dos índios, e de então a esta hora,
nunca achámos ocasião de poder escrever, visto neste ultimo tempo
não partir daqui navio algum, porque mais é para se compadecer
de nós outros, que para se irar, que tanto tempo carecemos das car­
tas dos nossos Irmãos, e vimos a tanta falta, que ate para ízer mis
sa nos faltou vinho por alguns dias.
Darei agora conta do que depois sucedeu, e primeiramente que
recebessemos grande alegria com as cartas que agora recebemos, ma­
xime em as de Vossa Paternidade, em as quais se mostrava o pa­
ternal amor e singular cuidado, que tem de nós outros, porquealem
de Vossa Paternidade não cessar de nos oferecer a Divina Mages-
X I. — CARTA DE S . VICEN TE (1560)

tade em suas orações, ordenou que todos nossos Irmãos nos enco­
mendem mui particularmente a Nosso Senhor, do que está claro que
nos há de vir muita ajuda e proveito. Porque como era possível que
pudéssemos sofrer tanto tempo, e com tanta alegria, tanta dureza
de coração dos Brasis que ensinamos, tão cerrados ouvidos a Pala­
vra Divina, tão facil renunciantes dos bons costumes, que alguns
hão desaprendido, tão pronto relaxo aos costumes e pecados de seus
maiores, e finalmente tão pouco e nenhum cuidado de sua propna
salvação, se as contínuas orações da Companhia nos nao dessem
mui grande ajuda? _ .
Ha tão poucas cousas dignas de se escrever, que nao sei que
escreva, porque, se escrever a Vossa Paternidade que haja muitos
dos Brasis convertidos, enganar-se-á a sua esperança, porque os adul­
tos a quem os maus costumes de seus pais têem convertido em na­
tureza, cerram os ouvidos para não ouvir a palavra de salvaçao, e
converter-se ao verdadeiro eulto de Deus, não obstante, que con­
tinuamente trabalhamos pelos trazer á Fé; todavia, quando caem
em alguma enfermidade, de que parece morrerão, procuramos de
os mover, a que queiram receber o batismo, porque então comu-
mente estão mais aparelhados; mas quantos sao os que conhecem
e queiram estimar tão grande beneficio? Não são por dois outros
exemplos que isto se póde entender.
Adoeceu um destes catecumenos em uma aldeia nos arra
des de Piratininga e fomos lá para lhe dar algum remedio, prm-
cipalmente para a sua alma; diziamos-lhe, que olhasse para a sua
alma e que deixando os costumes passados, se preparasse para
batismo; respondeu, que o deixássemos sarar prime.ro e e^a re ­
posta somente nos dava a tudo que lhe dizíamos nos m tios decla
ravamos abreviadamente os artigos da Fe, e os man amen os
Deu, q«e muitas vezes de nós outros tinha ouvido, e respondido
como’ enjoado, que já tinha os ouvidos tapados, sem ouvir ao que
lhe dizíamos em todas as outras cousas fora deste I P • >
p o n d t “ ontamente, que bem parecia não ter tapados os ouvidos
do corpo, e somente os do coração.
Adoeceu outro em outro lugar, e como muitas vezes o admoes-
ta v a m o f o mesmo dizia, crendo que se sanaria; mas aumentando-

1 45
10
JO S E P H DE A N CH IETA

sc cada dia a enfermidade, visitei-o, e vendo por outra parte estar

L :r r r : £ E i a^ r
Senhor, trabalhando nisto com muitas palavr *, 1 P
tn 0 uiccp. ‘-Pois que assim e, te batiza
haver dado corment.mento ° J _ ^ s6mente não eon-
rí,° ' ”, sem direr mais palavra, e
,U; : “ S - - obstinarão, morreu.
"° t « e d t i r S o , que voltando da guerra com í.ecbadas

“7 , r OTmr ; ^ ° « z * :- .* «. -
P r í h r . i s s i t = = •”
C í " '. " '- . - . ™ .........-
,C„m da mesma maneira, para « quais ser,a mister longa , ^
mm nenhum cuidado têern das cousas futuras, para que ao de em
, . „ vnwfl Paternidade maior motivo de dor, que a
X g r L T e n d o que aqueles que o piedoso Senhor cie tão inúmera-
sujeita ao .i«go do demonic, não os d - o u trazer a
sua Igreja, e vestidos de gloria imortal nos t eus, nao falando nos
inocentes, que morrem muitos batizados, e vão gozar da vrda -
VH.,,s mesmos adultos tinham também muita ocasrao de rrem para
O Senhor, receber grande consolação. _ ■
Havia um Cristão, casado legitimamente. que havia mint
, e m , r j . v « enfermo: fomos visitã-io ao lugar ciu» m üha^ de
Piratininva- eonsolou-se muito, confessou-se com murta dor e con
“ L , voltámos para easa: chegou um b en z e d o r d o sertão: o en­
fermo. assim por leviandade do coração, como pelo desejo da, s -
se deixou esfregar por aquele, e chupar segundo o '
Gentios; mas como não sentisse sinal de saúde que esperara, a -
rendido com grande dòr. uniu-se a nós outros a confessar seu
pecado o estancio junto da Igreja, onde com frequentes con
lf.es pôde limpar a srra ahna dos pecados, e u r â m ^ 0, t o
,,u„s dias. achando-se melhor, se tomou para sua easa.
X I. - CARTA D E S. V IC EN TE (1560)

em uma doença incurável, pela qual se fez trazer a Piratminga,


para aí acabar de expirar. Os dias que aí viveu não os passou ocio­
samente, mas antes confortando-se com assiduas oraçoes, confis­
sões e admoestações saudaveis dos Irmãos, se aparelhava para pas­
sar o restante da vida: chegando depois o termo dela, mandou cha­
mar os Irmãos, e pedindo um Sacerdote com um interprete, disse-
lhes: — “ Assentai-me um pouco, em quanto me dura o uso da
razão, para procurar o que pertence á salvação de minha alma;
encomendai-me a Deus quando tiver falecido, enterrando-me na
Igreja; mulher e filhos morem aqui para aprender as cousas da
Fé e bons costumes —”, e dizendo estas e outras muitas cousas se­
melhantes com muita devoção, daí a pouco se partiu para a eterna,
segundo cremos.
Fma catecúmena que havia dois anos estava enferma cc ca-
lenturas, fez-se trazer a Piratininga pelos seus parentes, para que
a curássemos: fizemos-lhe os remedios que podiamos, mas como a
febre já estava arraigada, curamo-la mais da saúde da alma, mci-
tando-lhe os desejos da eterna vida, a qual ela abraçando com todo
o afeto do coracão, rogava e pedia o batismo. Daí a alguns dias
foi a uma aldeia vizinha, fazendo-nos saber primeiro, para que ai
uma irmã tivesse cuidado dela; ali a visitámos muitas vezes, e per­
severando no mesmo bom proposito de seu coraçao, depois de mui
larga doença, esteve quasi meio dia fora de si, e tornando em si
já tarde, como que acordava de algum sono, mandou logo uns moços
a chamar-nos: fomos sem tardança, sendo o sol posto, e achamo-la
em e x t r e m i s já, e dando-lhe de comer, a admoestamos que se apa­
relhasse para o batismo: respondeu ela que estava aparelhada e
que o desejava muito; logo nessa hora a trouxemos a Piratminga
de noite, aonde um irmão e outro que lá havia diziam, que se ce
ferisse para outras: instruimo-la mais compridamente na Fe, o que
ha muitos meses haviamos feito, e a batizámos: logo parece que se
lhe mudou o rosto e se tornou mais alegre, quando antes pelas an­
gustias da dôr estava afligida sem nenhum sossego: começou logo
a repousar, e a duas ou três horas se passou para a vida.
Depois de muitos dias duas de suas irmãs caíram em uma
grande enfermidade; uma delas morreu ém Piratininga, crista e

147
JO S E P H de A N CH IETA

casada: sangrei-a ■. tinas vezes e f ic u melhor;


duas vezes, bem» instruida
#utr*' * *nas^ eou-
ei a catecúmena, e morava em o ’ exceder a todas as ou­
sas da Fé, e que na bondado na ^
tras, adoecendo de te b re n .n o e juntamentc lhe enst-
0„ cinco dias fomos ™ melhor: depois de alguns dias,
liámos, e depois d • mandou-me chamar para que a tor-
agravando-se mais ^ mas quando cheguei nao tinha
nesse a sangrar: tu. bei P estava jâ frio, de maneira
os sentidos, nem sinal de vrf , ^ ^ ^ eara, come-
qlH, pareça morta; mas do a si lhe perguntei se queria
c-ou a mover os olhos, emi __ t oda sua vida ne­
que a batizasse: mas porque n ^ que a batizei, e pronun-
nhuma outra cousa mais ( esej , . Vome de Jesus, foi con-
Liei fa duas horas da manha o San. imo ^ ^ ^ Creador
f o s s a n d o a verdadeira Fe, ato «l»« meses suecdeu

— ....- r “
particular, e que nao sera oau p ortugnês quasi qua­
l i uma velha que havia s.do manceba d o m Po g fc.
re n » a n o s . e ainda gerando mu, os h ! m s . ^ a m u ^ ^ ^ ^
mãos houvessem m u i t o admoestai o, «O arrependida, e co­
sesse ir-se ao inferno por „ pecado per-
nhecendo a maldtóe com < 1 « ^ « ' ^ dc purgal. seus pecados com
severando na • A<rora ferida de uma longa e m-
inuitas esmolas que nos p . onde deixou uma casa para
curável enfermidade, ò “ ente as cousas tocantes á sal-
ava muitas vezes, e dando
v l^ o de SU am rdhava eternos tabernáculos na vida. M-
- confortavam-a nas divinas pala
,sitavam-a muitas ie -lti tendo corruptos os
— Pnncipairnente quan ; ,a ^ é _
membros secretos, M a era ^ Q Padre Afonso
nestas mulheres do Brasi . ame. « ’ do mais ânimo
Braz. e o Irmão Gaspar Lourenço mteiprete,

148
XI. — CARTA B E S . V IC E N TE (1560)

ao odor que sua alma havia de dar, venceram o fedor que aos ou­
tros era intolerável, estiveram toda a noite sem dormir, esforçan­
do-a com divinas palavras, em que ela muito se deleitava, ate que
espirou com ditoso fim, como ó de c ie t.
De outros muitos podia contar, maximè escravos, dos puais al-
auns morreram batizados de pouco, e outros já ba dias pue o -
ram: acabando sua confissão iam para o Senhor. Pelo que, quasi
sem cessar, andamos visitando varias Povoações assim dos índios
como de Portugueses, sem fazer caso das calmas e chuvas, gran­
des enchentes dos rios, c muitas vezes de noite por bosques mm
escuros a socorrer os enfermos, não sem grande trabalho, assim
pela aspereza dos caminhos, como pela incomodidade do tempo,
maximè sendo tantas estas Povoações, estando longe umas das ou­
tras. que não somos bastantes a acudir tão varias necessidades como
ocorrem e. mesmo que foramos muito mais, não poderíamos "
ta r. Ajunta-se a isto, que nós outros que socorremos as necessida­
des dos outros, muitas vezes estamos mal dispostos e fat,gados de
dôres desfalecemos no caminho, de maneira que apenas o pode­
mos acabar, c assim ainda que mais parece termos necessidade ainda
de médico que os mesmos enfermos. Mas nada e arduo a quem
tem por fim somente a honra de Deus, e a salvaeao das almas, pelas
quais não duvidamos dar a vida. Muitas vezes nos levantamos do
sono. ora para os enfermos e os que morrem, ora para as mulheies
de parto, sobre as quais pômos as reliquias dos Santos (169
parem e o que elas não ignoram, começando a sentir as dores, g
l mandam pedir, havendo-se primeiro confessado Entre estas
cousas acontece que se batizam e mandam ao Ceu alguns menino,
que nascem meio mortos, e outros movidos, o que acontece mui­
tas vezes mais por humana malícia que por desastre, porque estas
mulheres brasílicas mui facilmente movem: ou iradas contra seus
maridos, ou os não têem por medo; ou por outra qualquer oca.smo
mui leviana matam os filhos; ou bebendo para isso algumas e-
beragens; ou apertando a barriga; ou tomando alguma carga gran­
de, e com outras muitas maneiras que a crueldade deshumana in­
venta (169-A). • i „
Lsto me têem dito os doentes, porque o que se ba de jule
JO S E P H HE A N C H IET A

„ otí n fim porque dos sãos não o


rerdadeiro fruto que permane ■ jnconstaneia em
* » » contar nada a Sl V e r^enopdeles cousa que
r Ít0d t o a T 0 MasPbemaventurados aqueles que morrem no Se-
lm.ia dc durai. Mas dêste mudavel mar, abraçada
nhor, que livres das p e n g ■ dos á vida, «.ltos das prisões

^ a; „ : ; " m ° n ™ u e téem aprendido, confessando-se e co-

" ™ r i : r-

t r r r : — -
dores depois da c o n f i s s ã o . Assim »»» ‘ " _ a<wtri.
muito fruto neles se cstnessem iun os. jOTtos
, . orrnra exneriencia na I>aia U<uj, unut, j
”'ar- ,lf " a 1'aKWas por mandado do Governador, aprendem
em umas giamUs ameia i fruto,
mui depressa a doutrina e rudimentos da rY. e d ^
q,,c durará em quanto houver quem os traga
ii-icão que temos. . . , celebra o Nascimen-
Nas Festas priue.pa.s, maxime q u a n * « » os lu.
, ,, T).,;vr-,r ,i0 Senhor, concorrem a riratinm g
r r r « « ..mitos « . « « .p — -
ptviims Oficios e Procissões, diseiplinando.se ate derrama san­
gue. para o que muito antes aparelham disciplinas com muda -
U i . - 0 mesmo fazem cm outros « huando^or ^ ^

r r r i r r — — T

: L ar : : t r : : “ ; r ™ r s dam.
" e dizendo muitas vezes Ave Maria tenham principal amor e de-

150
X I . __CARTA D E S. V ICENTE (1560)

voeão a Nessa Senhora. Êstes rosarios fez Jacome (171) ao tor-


. no mui polidos, o que ele nunca aprendeu, nem exercitou esta
a m , porém constrangido pela obediência e caridade, « d o esta « ta .
nunca antes dele usada, e ainda se tez de mestre de alguns
escravos que gastam nisto algumas horas, máximo em fazer rosa-
rios os quais distribuídos, assim aos índios, como a nos outros
Cristãos, não são pequenos incitamentos de devoção.
Para não deixar de dizer, pois. o que vem a proposito quas:
nenhuma arte das necessarias para o comum uso da vida deixam
de fazer os Irmãos; fazemos vestidos, sapatos, pm.eip.ta.ente »1-
ne,-catas do um fio como cauhamo, que nós outros tiramos de uns
cardos lançados n'agua e eurtidos, cajas alpercatas sao mu, neces­
sarias peia aspereza das selvas e das grandes encheres dag, a -) ■
(. necessario passar muitas vezes por grande espaço ... a u«U ,
algumas até ao peito, barbear, curar feridas, sangrar lazer r s .,
e cousas dc barro, e o u t r a s semelhantes cousas nao s e buscam tora,
de sorte que a ociosidade não tem lugar algum na c a s a .
Prosseguindo, pois, o meu proposito, procw em ns n
doutrina da Fé, e em lugar dos r a t e e i , menos, que c ^ ^
se foram, vieram outros de diversos lugares, q„e se viciam unirse
m.ndo a vida Cristã, fizeram casas de táipa para sempre mora.
para os quais deu grande ajuda o Padre Afonso Braz. eom

“ “ v S m - s T t'm n ito s , maxima nas mulheres assim livres como


escravas, mui manifestos sinais de virtude, prmc.p«dmente «
fugir e detestar a luxuria, e que como seja comum i na
nero humano, nesta gente parece que teve sempre nao so imp
nioso senhorio, mas também tirania a mais cruel, que como -.eja
verdade é para espantar e digno de grande dôr, quantas v,tonas
riunfo alcançam dela; sofrem as escravas que seus — J
maltratem eom bofetadas, punhaladas, açoutes por u —
rem no pecado, outros desprezando-as, as oterece
deshonestos, a outras por fórça querem roubar sua £
fendendo-se não somente, repugnando com toda . J ’
eom clamores, mãos e dentes, fazendo fugir aos
çá-las. Uma qne foi por um acometida, perguntada q
JO S E P H D E A N CH IETA

i De Deus sou, Deus o meu Senhor, a quem


escrava, respondeu ecom estas
, f „ u r op mieres alguma cousa de mim ,
“ ” £ - e i d o , confundido, contando a outro, com grau-

d“ M o f u t r a s a trabalhar por mandado do ^ o r . ^ e g u i d a s j e

um moço de8a^ ^ ° ’de^ L qT o r t eandeo-ar a propulsar aquela

:r c ^ a ,
rões, de lodo em lodo, e po, em que be
^ — d^x:1 acrescen-

.se póde claramente ver, quanto 'ale


Bondade, a, e x o r ta is contínua, dos “ “ “ DiOna,
sa será conhecer quanto seja a força e virtude da palavra ü ^
quc póde fazer correr das pedras copiosas fontes da„
creni a soberana Cidade de Deus. ., petiirlo
Assim nas cousas da doutrina se trabalha com muito estudo
e eufdtóT’ assim em Piratininga, onde ultra da comum ordem em
ue cada dia dos meses são chamados á Igreja, de noite se ajun-
Z mu t machos em casa, dando-lhes sinal para isto, cujas «m
h i r e escravas trabalham com muita diligência em aprende o
que conduz para a sua salvação, confessando-se — * “
valido todos os Domingos, vindo aos Sermões e Ofic
No que trabalham os Irmãos que têem a seu cargo, prmeipa men
o Padre Luiz da Grã, com um trabalho incançavel e continuo, pro­
curando a salvação das almas; tres, quatro e cinco vezes rep
da doutrina aos famintos, e tão alegremente se ocupa em
ensinar dois ou três, como se estivesse a Igreja cheia, pondo grai -
de cuidado em visitar os enfermos, admoestar particularmente a
,.n„ p o outros, e ouvir confissões. .
Os dias passados, depois do sol posto, vem um
vento com chuva de graniso (173), que fazia tremer as casas arre
baton os telhados, e fez grande estrago nos bosques: mandou
dre que se ajuntassem os escravos, e o solito confugio da oraçao
. ornando comsigo ao Irmão Manuel Chaves *
em casa visitando a todos, para saber se havia acontecido

152
X I. — CAETA DE S . V ICEN TE (1560)

gum desastre com a caida das easas. acudindo com a medicina cor-
poral e espiritual, e a todos tea ajuntar na Igreja, que p a« « » ;
Lr mais seguro, admoestando-os, que pedissem a Divina ajuda
^ “ velho doentes e meninos fez tracer á casa at o ou.ro dm,
que fina,mente em todos se viu também um sina, da Divma b -
bedoria que parece que nenhuma eousa se pod.a, e devia fazer
melhor' do que se fez. Pelo que, não sem razão, estiveram todo
com o Padre, assim índios como os Portugueses, a quem também
pregou mui a miudo aqui, e em outras povoaçoes com grande

fieat m : p l r e c e que se conta dos índios, ás quais ajunta


rei algumas, de suas guerras, nas quais como tinham posto qua i
todos os seus pensamentos e cuidados e as’
quão vagas são a virtude e doutrina da vida U .st , .
sados sendo encontrados os inimigos vieram a um lugar, <
maram muitos cativos. Um deles dizia haver de se
povoação perto de Piratiniuga: com seus cautos vim ^ ^ ^
como é costume: sabendo o Padre Luiz da
como e cuMu Qfizessem cometer aquela mal-
batizar aos moradores, que q lucrar

cente Mas como houvesse fama que se aparelhava

minou matá-lo, e tomar o seu nome _g


- — - " I " " : no^escondessem I m o
i i r - v t w i , ; ; r - = :
fcs.se participante dos gozos eternos. B r. * deante
até tres anos, mui elegante e formoso, que haver
de nós outros, e batizamos, pesando-nos, uma par P
Z matar um menino inocente com tanta crueldade, e em cu a
morttTtantos vi, já batizados, haviam gravemente pecar, e por ou-

153
JO S E P H DE A N CH IETA

tra parte akgr.mo-i.os muito, porque logo sua .nocente alma ha


" Te if passar-se á vida eterna. Isto acabado, e a causa es­
tava segura, e não havia perigo de esconder: começamos diante
dT t n u L a detestar aquela maldade, e notar-lhes de cobarde
frouxos que queriam em meninos pequenos vingar mju
“ que recebiam dos inimigos, c ameaçar-lhes com . D m » ,
lui», e com a morte, se fossem comer o menino ja batiza .
p„i8 alguns dias estando nós outros ausentes, o mataram com
c s ornadas solenidades, mas não o comeram, estanch. pre
sentes alguns dos moradores; e outros que .ta haviam de.xado
: a„a: raizes na Fé. foram 1 - o u t^s lugares na„ qnerend
manchar os olhos com tal espetáculo 0 < 4 ). h também m m »
“ u" espantar e dar muitas graças ao Todo Poderoso Deus que
nem estes nem os outros dos lugares v.zinhos que ja em algum
tempo'omiram de nós outros, e ainda agora muitas vezes ouvem
a palavra de Deus. .mo coma... çaruc humana. ..... temlo ces s -
jeicão alguma, nem medo dos Cristãos.
' Ainda contarei outro ..................... dará muda a egrl ’ .
co ha que cativaram outro, que levaram a um lugar para matar,
o detendo-se uma noite em Piratirnnga. foram os I.maos ,
a,, r * * . d m » ., « ™
ati.iolíi Fortaleza, que ha tanto tempo havia estado ocupava
Satanaz. e convertê-lo ao senhorio de nosso Salvador. Logo ao
primeiro combate fugiu o demonio, que estava na sua alma, que
rendo perdê-lo para a Fé: era um moço que parecia ter quinze anc>,
d,, um bom natural, e r e s p o n d i a com tanta prontidão e fervor de
c r a c ã . ás cousas da Fé. que lhes perguntavam, que pareci
havê-las aprendido: instruído pois pelos Irmãos, fot advem . q
se oferecesse corn hour coração ás injurias que os índios lhe fi- -
eem No seguinte dia foi levado a outro lugar, e o seguiu a
Afonso líraz á tarde, e os Irmãos Manuel de Chaves e Gonçalo
d ’Oliveira (175). intérpretes. Perguntando-lhe depois o •
Gonçalo que tomou o cuidado de o instruir, eomo o haviam tra-
t„do, respondeu: “ Uma vez somente me deram uma punhalada,
n a s recordando-me das tuas palavras, não a senti ’. Tomaram en
ião os Irmãos a seu cargo de o instruir mais perfeitamente n

1 54
X I. — CARTA DE S . VICENTE (1560)

Fé e defendê-lo dos que lhe quisessem fazer algumas injurias,


que naquele tempo costumavam fazer aos moços. Davam-lhe tam­
bém uma moça, como era costume, para manceba e guar aí ora,
mas os Irmãos não o consentiram, e o mesmo o aborreceu mui ,
dizendo que nunca fora encasado com o pecado. Não faltaram
Índios que queriam o sacassem do poder dos escravos, e o envias­
sem para as casas a bailar toda a noite, e como nao quisessem os
escravos, lhes falaram palavras insolentes e injuriosas. u ros,
passando junto do moço, lhe diziam: — “Morreras , — que cia
palavra solene daquele tempo, o que ele nao sentia; e como
Irmãos o quisessem proibir, âiáam-lhes que o deixassem, e ja ele
não sentia aquela cousa. A' meia noite o batizaram estando mm
bem instruído na Fé, e admoestado que se entregasse todo a Deus
e le esquecesse desta vida em que tão pouco havia de estar: mas
o Senhor que o havia predestinado, ab M estava .,a tao apo­
derado da sua alma, que não lhe detxava pensar nem d,ser outra
cousa E porque o irmão Manuel de Cbaves perguntasse que de­
terminavam os inimigos, se nos queriam farer guerra, eo.no so,am,
” teu-,be: - -Oh. meu avô, deixa agora isso, „ue me .quer
ir para D eus.” Um pouco antes da manha em que o haviam de
matar urn índio do Piratininga, Cristão mui estimado entre nos,
fez uma fala ao redor dele e casas (como é costume) «bnoes ando
aos seus que deixassem aos Irmãos farer com . ^
■ i n i c r a s s e ser necessario para a sua aim , . ,
,”n g e destruidor. Vindo a alva, quando a sua alma bav.a d
serevestida dos resnlendores do Sol ,1a Justiça. o levaram pau, o
; m .eir„. estando presente uma grande multidão, atado p, a -
tura com cordas compridas, pegando muitos por' - ‘
outra toda solta, chegou-se a ele, o que o hav.a _
primeiro das suas ceremonias e ritos_ com a »1 ™
“ Morrerás” . - Gritáram-lhe os Irmãos que se puscs^ j ^
lhos, o que logo cumpriu, levantando os o ^ br„„ a
Céus, chamando pelo Santíssimo i ome m “ im„rtal dos
cabeça com um pau, e voou a a’Ima d ou.
Céus. Praza ao Senhor qne tal morte nos. d * 0
a eabeea por amor de Cristo. Ao morto lhe tiraram
JO S E P H DE A N C H IETA

deixaram sem fazer mais cousa alguma, e os Irmãos o meteram


em uma rede, e trazendo-o ás costas para Piratmmga, o enterra­
ram na Igreja para se entoar canticos justos pela vmda do Se­
nhor (176). Bemdito seja Deus, cuja infinita sabedoria chama
de diversas partes os seus escolhidos, para que ocupem o numero
daqueles que hão de ser admitidos á sorte dos filhos de Deus.
Dos moços que falei no princípio foram ensinados nao so nos
costumes Cristãos, cuja vida quanto era mais diferente da e
seus pais, tanto maior ocasião dava de louvar a Deus e de rece­
ber consolação, não queria fazer menção por nao refrescar as c a-
gas que parecem algum tanto estar curadas; e daqueles direi so­
mente, que chegando aos anos da puberdade, começaram a apo­
derar-se de si, vieram a tanta corrupção, que tanto excedem agora
a seus pais em maldade, quanto antes em bondade, e com tanta
maior senvergonha e desenfreamento se dão ás borracheiras e li­
xarias, quanto com maior modestia e obediência se entregavam
dantes aos costumes Cristãos e divinas instruções. Trabalhamos
muito com eles, para os reduzir ao caminho direito, nem nos es­
panta esta mudança, pois vemos que os mesmos Cristãos proce­
dem da mesma maneira.
Quanto aos índios do sertão, muitas vezes estamos em guer­
ra com eles, e suas ameaças sempre padecemos: mataram ha pou­
cos dias a alguns Portugueses que vinham do Paraguai, ficando
ensoberbecidos com esta maldade, ameaçando-nos com a morte.
Também os inimigos com continuos assaltos que dao nos lugares,
destroem os mantimentos, e levam a muitos cativos. No ano pas­
sado deram em uma casa aqui junto da Vila, e cativaram muitas
mulheres que tinham saido de casa, e iam fugindo: embarçando-
sc nas canoas as levaram, mas entre aqueles uma mestiça, que
frequentava aqui a doutrina e .confissões, com animo varonil re­
sistiu aos inimigos para a não levarem, e como trabalhassem mui­
to para a embarcar, e não podiam conseguir, a mataram com feias
feridas, e é de supôr que ela obraria com aquela intenção, que
muitas vezes dizia ás outras que andavam na mesma doutrina,
principalmente um dia antes que a matassem, quando se despe­
dira delas, a quem costumava dizer, que, se os contrarios dessem

156
X I. — CARTA DE S. V IC EN TE (1560)

e m c asa de seu P a d r e e a cativ assem , n ão h a v ia d e se d e ix a r le­


v a r v iv a, p a r a que a n ão to m assem p o r m an ceb a, como faziam a
to d a s as o u tra s , p o rq u e se h a v ia d e d e ix a r a n te s m a ta r do q u e
iv com eles, p o is sab ia de c e rto q u e c o rria p e rig o p a d e c e r fo rç a
a su a c a s tid a d e .
A n te s d isto v ie ra m o u tro s, e, com eles, q u a tro F ra n c e se s, q u e,
com o p re te x to de a ju d a r aos in im ig o s n a g u e rra , se q u e ria m p a s ­
s a r p a r a nós o u tro s, o q u e n ão p u d e ra m fa z e r sem m u ito p e rig o .
E s te s como d ep o is se supôs, a p a rta ra m -s e dos seus, q u e estão en
i r e as in im ig o s em u m a povoação que cham am os R io de J a n e iro ,
d a q u i a c in c o e n ta lé g u as, e teem tr a to com eles; fiz e ra m casas e
e d if ic a r a m u m a to r r e m u i p ro v id a de a rtilh e ria , e fo rte de to d a s
as p a rte s , o n d e se d iz ia serem m a n d a d o s p o r E l-re i de F r a n ç a a s ­
se n h o rea re m -se d a q u e la t e r r a ( 1 7 7 ) . T o d o s eles e ra m hereges aos
q u a is m a n d o u J o ã o C alv in o dois q u e lh e s ch am am M u u stro s ( 1 . 8 ) ,
p e r a lh e s e n s in a r o q u e h a v ia m de te r e c r e r . D ai a pouco te p ,
com o é co stu m e d o s h e reg es, co m eç a ra m a te r d ,v e rsa s o p m .o es
u n s d o s o u tro s , m a s c o n co rd av a m n isto que serv issem a G alerno
e a o u tro s le tr a d a s , e logo q u e eles resp o n d essem B to . g u a r d n u
to d o s . N este m esm o te m p o u m d eles (1 7 9 ) e n sin a v a as a r
b e ra is g reg o e h e b ra ico , e e ra m m v e rsa d o n a S a g ra d a
e p o r m ed o do seu C a p itã o que tin h a d iv e rsa o p .m a o , ou p o r q ^
r o r se m e a r os seu s e rro s e n tre os P o rtu g u e s e s, « ^ C° “
o u tro s tr e s c o m p a n h e iro s id io ta s, os q u a is com o h o sp ed es e p
g rin o s fo ra m re c eb id o s e tr a ta d o s m m b c m g n a m e n te . Ê stc que
sab e bem a lin g u a e sp a n h o la , com eçou logo a b la s o n a r que «
clalgo e le tra d o , e com e s ta o p im a o , e u m a ta c il c a g
X X te m , fa z ia e s p a n ta r os h o m e n s p a r a o £
c re v e u ta m b é m u m a b re v e c a r ta ao l a re ma ’ m m
tã o e sta v a em P ir a t in in g a , n a q u a l lhe d a v a con ^

C h a v ia — “ a e s c o l a s das « e -

" i i r belTido d a fo n te — — ^ ^
d e sa b e d o ria , e se h a v ia p a ssa d o ao * an Sa r,
D iv in a E s c r itu r a , a q u a l p a r a m a is au m csmos
h a v ia a p re n d id o a lin g u a S a c ra , B to e a h e b .e a ,

157
JO S E P H DE A N C H IET A

Rabis, dos quais tinha ouvido de muitos peritos, e que praticaria


com o Padre quando se vissem. Estas eonsas quasi compreendia
1,0 fim da Epístola, que concluiu com um dístico. Passáram-se
muitos dias quando começou a arrotar do seu estomago cheio de
fedor dos seus erros, dizendo muitas cousas sobre as imagens dos
Santos, e o que aprovava a Santa Igreja do Sacratíssimo Corpo
de Cristo, do Romano Pontifice, das Indulgências, e outras mui­
tas que adubava com certo sal de graça, de maneira que ao pa­
ladar do povo ignorante não só não pareciam amargas, mas mes-

” ° s X n d o isto o Padre Luiz da Grã. vein logo de Piratininga


a opôr-se á pestilência, e arrancar as raizes inteiras deste mal que
começava o brotar. Tendo receio disto, e pensando que tal bastas­
se para indignar o Padre, c tornado suspeito, se porventura fu­
gisse dele, mandou-lhe logo uma invectiva, cujo principio era este:
A d e s t e mOU r«UU». o fítr te m » i tfW ô» «d
vindictam in Luduvicum Dei osorem &c., na qual o acusava e re­
preendia mui grandemente porque não repartia o pao da doutri­
na com os Portugueses, por trabalhar na conversão dos Infiéis,
e disto se nos amontoou muitas outras cousas, com que esperava
se exasperaria o Padre. Mas o Padre que tratava da causa de
Deus não fugiu, tendo mais respeito á comum salvaçao denodes,
que á sua propria glória: foi ao Vigário, requerendo que nao dei­
xasse ir adeante esta peçonha luterana, e com sermões públicos
admoestasse ao povo que se acautelasse daqueles homens, e dos i
vros que trouxeram cheios de heresias. Porem o vulgo imperito,
em frequentes práticas, louvava aos Franceses, maravilhando-se de
sua sabedoria e eloquência, apregoando os conhecimentos que ti­
nham dos atos liberais, e pelo contrario caluniava ao Padre Luiz
da Grã, dizendo, que enojado pela invectiva que lhe mandara, o
perseguia. E o que é mais, já a pestilência pouco a pouco gras­
sava nos corações incautos da imperita multidão, que sem duvida
muitos se infeccionáram da peçonha mortal, sem haver a menor
resistência Tanto valeu de repente a sua autoridade deante de todos,
que muito se diminuiu a do Padre, que todos tinham em muita
reputação, por seu exemplo de vida e singular doutrina. Depois
X I. — CAETA DE S. V ICEN TE (1560)

disto o mandaram para a Baía, para lá se conhecer mais ampla­


mente da sua causa, e o que lá e aqui se fez ácerca dele, e paia
que por cartas particulares se saiba e não é cousa que convenha
para carta geral, calarei: sómente direi que se tratou a cousa de
maneira, que terá Vossa Paternidade ocasião de grande dôr, con­
siderando quão pouco caso se fez entre os Cristãos fieis da causa
da Fé.
Deste, soube o Governador os projetos dos Franceses
c com naus armadas veio combater a fortaleza (181). Daqui
foi socorro em navios e canoas (182), e nós outros demos o cos­
tumado socorro de orações, além das particulares que fazia cada
vm . diziam-se cada dia umas litanias na Igreja, acabada a missa:
também se mandou daqui um Padre (183), com o Irmão intérpre­
te (184), a rogos do Governador, para que se ocupasse em confes­
sar os soldados, e ensinar aos índios que com eles haviam vindo.
Voltou o Irmão mui doente de febres e cameras de sangue, pelo
muito trabalho e frio que sofreu, mas logo sarou pelo favor da
Divina Bondade. _
lira a fortaleza mui forte, assim peia natureza « situaçao 1 0
limar, toda eereada de penhas, que se não podia entrar senão
por uma subida estreita e alta por rochas, como pela muita arti­
lharia, armas, alimentos, e grande multidão de barbaros que t.nl.a,
de maneira que pelo juta, de todos era inexpugnável. Acomete­
ram (185) com tudo isto por mar e por terra, confiados no 1 ode
Divino e no seu proprio: defeudiam-se os Franceses com os inimi­
gos, travando-se grande e cruel pelejai de ambas as partes moi-
rêram muitos, e os mais deles dos «ossos, e vem a tanto que
tinham perdida a esperança da vitória, e tomaram «nselho como
sem perigo se poderiam embarear e transportar as mumç es que
estavam em terra, com. pelos perigos, o que por „ert„ n 1 de­
ram fazer sem morrerem muitos; mas tendo os nossos comet
« o árdua, e ao parecer de quasi todos temeraria pela j.U >>
ram ajudados do Senhor dos Exercitos, e quando ,a
havia polvora, e os que pelejavam em terra «*"•*" - 1'
pelo muito trabalho, fugiram os Franceses, desampaia, m a 1ton ,
recolhendo-se ás Povoações dos barbaros em canoas, .

159
JO S E P H DE A N CH IETA

-me é de crêr que muitos fugiram mais com o espanto que l h e s 0


1 , rtC1 Tmyinil-Sí1 "pOlS, B- fortâiGZB-j GUI
Senhor que com as òrças “ 0J ,I da g u e rra e m
que se achou grande copta de £ sfnal algum de católica
mas cruz alguma, imagem de Sa > de livros hereticos,

T “ : r < : t r , r í , ”“ « * . « . . . . » -
z »«- s-“ " • 8“ i” “ “
ovelhas. /1QÍ,v
, n Padre Manuel da Nobrega (lso ),
(Vmi o Governador io u o lacue
^ on e - íit,r r. inchada pernas cheias de
“ r « r a s g a s enfermidades, das quais como

— — 8 - ir â e daen a r Ssatde Os
dade do Senhor que pouco a P°™° temp0 convales-
^ ^ " o m :Z d e a: com I sahde dos p r o b o s mm tonm is
trabalham pela sua, servindo ao Senhor com alegm , “ ° “

■**» » « -
rahninga^onde alguns filhos d . Portugal

: t “ ^ ; C a c u d i r a todos, agora estã em Pirati


: m.a onde har muitos Portugueses com toda a sua iam ha, e a, e
em 'outros lugares vizinhos trabalha na doutrina dos índios ago _
aqui, e em outros lugares ao derredor 1 ^ » ^ "

rdisse: :aos1: Irmãos,


chamando a todos na Igreja, e mandando-os se -
- *
tar posto ele de joelhos (188), acusando-se gravemente, aftrmand
não ser apto para tal cargo, e depois prostrado por terra betja -
do os pés a todos os Irmãos. Isto é, Reverendo em Cristo Pad ,
o que queria saber daqui; resta que com assíduos rogos encomen
a Nosso Senhor estes minimos filhos da Companhia, para
samos conhecer e perfeitamente cumprir sua Santíssima
Colégio da Ilha de São Vicente, ano de 1560, o I o de Junho.
Mínimo da Companhia de Jesus.

160
x i. — CARTA DE S. VICENTE (1560)
4

NOTAS

(168) Copiada no livro de registro Cartas dos Padres da Companhia de


Jesus sôhre o Brasil, c it., fl. 79. em castelhano. P b l., vertida para o por­
tuguês, nos Anais do Rio de Janeiro, de Baltazar da Silva Lisboa, VI, pa­
ginas 111-139, e reproduzida no “ Diario Oficial” , do Rio, de 8 , 17 e 24 de
naneiro de 1884, por Teixeira de Melo, que tomou com o texto a liberdade
de suprim ir os trechos m ais realistas. Antonio de Alcantara Machado p b l., no
original castelhano, cerca da quarta parte final desta, carta, na sua me­
m oria Anchieta na Capitania de São Vicente, Rio, 1929, p. 83-6.
(169) Superstição universal essa, ainda, hoje subsistente, de colocar so­
bre a parturiente reliquias e imagens de santos, sobretudo a cintura de
S anta C atarina.
(169-A) C f. Gandavo ( T r a t ., p. 51-2) no trecho em que se refere ao
costume indigena de dar, ao cativo, condenado á morte, “ uma india moça, a mais
ferm osa e honrada que ha na aldeia, pera que durma com ele” : “ E se a moça
que dorm ia com o cativo fica prenhe, aquela criança que pare depois de criada,
m atam -a e comem-a ( . . . ) . E porque a mãe sabe o fim que hão de dar a esta
criança, m uitas vezes quando se sente prenhe m ata-a dentro da barriga e taz
com que m o rra” (ou “ mova” , como registra a ed. das Notícias Ultramarinas
e escreve Anchieta, dando a mover o sentido de abortar) .

Aldeiam.
(171) Diogo Jacom e (v. nota 22).
(172) V . nota 50.
(173) Cf. S . de V asc. (o. e., 1. 2, n . 86) e v. Carta X.
(174) C f. S. de Vasc. (o. e ., 1. 2, n. 87).

(175) V . nota 660.


(176) C f. S . de Vasc. (o. c ., 1. 2, n. 8 8 ).

(177) Villegai
1555. Depois de tr
Beriripe (hoje Ville
(178) Com a de 1557, quatorze enviados da
garam ao Rio de Janeiro, em 7 de março
JOSEPH DE ANCHIETA

lereja de Genebra, cat™


g r » tM ir * “ T’- r ; •
Jean Cointa de Léry (o .
Jean des Boulez o» Joanes íV de
t mu Bolés o
1 *157 foi expulso do fo " rte
-L- de
de
(179)
L v g o ). Vindo com Bois le Comte em ,.l;>o7, i «ah franceses na aldeia de
Coligny por Villcgaignon e refugiou-se co B ertioga (São V icente),
o tria Em 1558 ou 1559 chegou • « artilheiroS franceses, de-
Vom a notícia da invasao dos tan onose e Hie valeu o reconhe-
núncia cue foi a sua vinganc f ^ ^ U g e n t e . falando perfeitam ente o es-
cimento dos vicentinos. escreveu un.a invectiva que
punho!, coinecou logo a hostiliza • . p ;r otinin"a para desmascará-lo. E n
!;" .d o » a L u i, da Grã due d * 'e r « ^ P . r a t m a v ^ Estev, cm I M m ,
troguc A justiça eclesiástica, P, de Sá no p ar dos acou-
Porto Seguro, Pernam buco c Barn, J u a 0 Sul na arm ada do govcr-
tecimcntos do Bio de Jan eiro , nn ] j c ic r n v . tomando p a r e no
nador cue dcsaloiou os t ™ ^ * * * ' ™ * ínf.mmações. Seguiu depois p a ra
combate, que auxiliou grandemeii e ^ qualidade de ouvidor eclesias-
Santos. onde o vigário Gonçalo N mt . nrdpi1on nnm devassa, afim de
tico c n requerimento do padre ^ '• A k gava Luiz da Grã que a de
apurar as heresias de cue era acusado f n ,n<-ês na (’anitam a vicen-
; ! , L feito, por ocosião do pr.mc.ro cs U £ £ * s Anchieta. fe r -
lino, sc perd er» . No sepiuda depuser» • Aflor„ „ . Absolvido pelo
não Luiz e alguns moradores. «uitre os ( , 0ÍI11(,llt0R pr0va de “ cousa uiipor-
ouvidor eclesiástico, que nao para „ bispo d. Pedro Leitão
tanto nem cue obrigue e_apeo ■ ^ ^ voltava para P o rtu g al. Ao
embarcou Bolts na nau d r F ^ ta<' " , ; de 1560, foi prêso, a mandado do
arribar a nau na Baía, a 28 .p! t.«lpís. tornaram-se, entre
bispo, c recolhido ^ T V s S l e Sft e dos jesuítas Gaspar Pinheiro e
m u
L 5 3 Í . C * c o n te . Entregue, a de
Lisboa, res-
do cárc e re <ria Incuisioão de
outubro ,ln mesmo ano. ao alcauh ,ninl requereu uma justificação dos serviços
poll dell 1•1i processo,
i d u r a n te
, o c.1 Tribunal,
i T11,i índ.. pori),,, acórdão de... 12 de ««rosto .de
prestados no Rio de Ja n eiro ; ^ ‘ (’.oim, pedia, sob condição de ab.pi-
1564. recebeu-o na Santa ; d 0 *• „ ,,ena e penitencia ao cárcere,
rar seus “ heréticos errores e e ^ e o u o c.ll1iu) Rolés ao mos-
•-pelo tempo que parecer aos Inquisutore. ■ llH.ses „ 0r lhe ter sido
toiro «le São Domingos, onde m - çhegm ^ ^ peuiton(, ;l.' Mas tardo foi
logo perm itido cumprir <ni ^ rc,(lolulanientc falso que tenha sido exe-
éesterrado para a ín d ia . L . • Anchieta feito seu assistente espi-
cutado em 1567 no Rr0 -d® .‘^ r t Ar X L V III. e nota 192 de A franio
ritual (A n d ... Jnf . de 1•» . • 'justificarão requerida pelo menino,
Peixoto; Procetm ^ „ «í 1-308; I n s ln m e n to dos serriços de Mcm
"Au. d» Bibl. , XXV■ V' J g * M nota a B. Ourem,
de Sé. 1. c ., XX^ II, 1 • , , , j s| „ XLI1. p arte I I , P-
,, i m , Candido Mendes. Hem do i • o83; Capistrano, nota
U : B .» to Gntvão, " Revista Bras.lc.ro «rei V . do Sal-
. V orob.. O. e ■ 3- e d .. I. P '? a 3. c d „ Blo

-/ v r £•
r ™ a ™ n " :;íó - ! * « • - * » « - » > sen c,,samento "'"'l
X I. — CARTA DE S. V IC E N TE (1560)

Uma francesa e as disputas teológicas que tornado sinceramente ou não ao ca­


tolicismo, sustentou contra os pastores de Genebra, v ., alêm do livro citado
de Léry, o capítulo por este escrito p a ra a obra de Jean Crespin, Histoire des
Martyrs persecutez et mis à mort pour la verite dc l EvangUe, etc. (que teve
várias edições a p artir de 1554, sendo mais completa a datada dc Genebra,
1619) e a Tlistoire du Erésil François au seizieme siecle de 1 aul G affarel
(P aris, 1878), onde aliás vem reproduzido em apendice o capítulo que Léry
escreveu a pedido de Crespin. Note-se que, segundo G affarel, _Cointa_ veiu ao
Brasil com Villegaignon, em 1555 portanto. Mas as declarações, não só de
Léry, como do proprio aventureiro e das testem unhas por ele anotadas na ju s ­
tificação constante do seu processo perante a, Inquisição, provam que Comta
chegou em 1557, na fro ta de Bois le Comte. Leia-se ainda a carta de Ville­
gaignon, reproduzida pelo mesmo G affarel (o. c ., p. 401), em que o funda­
dor da França A ntartica se refere a “ un iacobin renyé, nommé Ielian ( ointat,
homme d ’entendement prompt e versatile” , que em P aris se reuniu oas en­
viados de Calvino, que Bois le Comte trouxe ao Rio de Janeiro. A carta é
bastante curiosa, revelando que Bolés “ voulut suivre une doctrine a part :
“ il se m ist à deffendre et publier la confession d ’Auguste, et sans dissimu­
ler impugner la doctrine de Calvin” . Acrescenta Villegaignon que Comta
acompanhou os ealvinistas, quando estes, deixando o forte de Coligny, habita­
ram durante dois meses a aldeia, de Olaria, antes de seu embarque para a Eu­
ropa, em 4 de janeiro de 1558.
(180) Nome dado ás filhas de Pierus, rei da Macedonia, como também
ás Musas, ou porque vencessem aquelas no torneio a que se refere Oiidio
(M et., 1. V), ou porque residissem no monte Pierus ou Pierius, na Tcssalia
(M ito l. ) .
(181) Em novembro de 1559 aportou á Baía, sob o comando do capitão-
mór Bartolomeu Vasconcelos da Cunha, n armada, enviada de Portugal para
combater os franceses do forte de Colignv. Nos primeiros meses de L'b0,
Mem dc Sá com duas naus e oito embarcações menores chegou a barra do
Rio de Janeiro, onde ficou á esprea do reforço de São Vicente.
(182) O socorro se compunha de um “ formoso bergantim artilhado,
com algumas canoas de guerra, e soldados destros em semelhante genero, ma­
ma lucos e indios” (S . de V ase., o. c ., 1. 2 , n. 77).
(188) Fernão Luiz. por alcunha Carrapeta, de quem muito pouco se
sabe. Foi recebido em São Vicente provavelmente, devendo ser ele o irmão
Fernando, “ moco de 15 até 18 anos”, a que se refere Pero Corrêa em carta
de 1551 (Cart. A v .. V I I ) . Em 1561. na vila de Santos, sendo ja ordenado
de missa, depôs na devassa aberta para apurar as heresias de que era acusado
João de Bolés (v. nota 179).
(184) Gaspar Lourenço, que foi recebido em São Vicente por Leonar­
do Nunes, no ano de 1549. Seguiu, como declara Anchieta no socorro en­
viado em 1560 para tomar parte no combale ao forte de ( oligny, de °nc
tornou enfermo a São Vicente. Restabelecido, seguiu para. a Laia. a ob
junho, com Luiz da Grã e outros irmãos, na fro ta de Mem de S‘1’ _ 'f.® / ,,
ii Baía a 29 de agosto, aí se ordenou e, como “ Cicero na língua b ia s iiu
(Cart. A v ., L I II ) que era, grandemente auxiliou a obra de catequese, g u a n ­
do irmão, “ serviu sempre de intérprete das confissões ao )>adre Luiz c.
G rã” e foi por este escolhido em 1561. já padre, para em companhia do
irmão Bimfio Gonçalves restaurar a casa de Kão Joao ( ( ar t . Ar . , N ).

163
JO S E P H DB A N CH IETA

. , cnivador a 1 ". de mar$o daquele ano, com


Com esse fim p artiu da cidade ‘ è£rou Em 1562. acompanhou Luiz
escala pci a aldeia de fe o T ia R O à^V * A n d ré . A inda com o pro-
da Grã na visit* as a ld u a s de I ^ J t Mica> onde os padres se de-
vincial, esteve depois n a de Sarita .]ha p ara a B aía, jogou-se ao m ar
m oraram cinco semanas. . da em que faziam a travessia. Bois
com os índios afim de salvar a . l e g a d a e ^ q u ^ ^ ^ ^ Q padre
anos mais tarde, 1564, resi m ( dp s rH) paui0. Em janeiro de lo7a.
H alt azar Alvares, o visitou con ' viado com um irmão p a ra iniciar a
pelo provincial Inaaio de T o lo . tcrras levantou as ig re jas de Sao
catequese do gentio do l^o Heal, n na aldeia do p n n -
Tomé, Nossa. Senhora da Kspcranç*i o Santo lnaci ig re ja de São
cipal Curubi) . Passou em seg virtude da revolta dos indios dean-
ra-U o. Com n o
fgolpew-’iTi.SS Ü . Ta. «ita «• -«» * *»«• "’™“Mon”°
de gente” ( I n f . do.s- Prim. A ld e ia m .).

( 1Sã ) O ataque se deu a 15 de marco de 1560.


Vasconcelos (o. c. 1. nu-
Í 1KG) Ao contrário do que afirm a S. de (n o ta a V a rn h .. I 385),
mero 77), Nobrega, como observa Capistrano
)reu«i, ninio “-i , .. P a ra São Vicente, só
esteve presente ao combate 1
contra o forte de Cohgny.
-vi,-», ,le Sá depois de term inada a lu ta contra
na carta diri-
o f fÍ a n c ? s e B.CT e ^ d Ò se depreende de suas proprias palavras
.rida ao cardeal d. Henrique ( ( ar t . , X X I ) .
trouxe-a a leva jesuita vinda com o
( 1S7 ) A patente de provincial Baía a 9 de dezembro de 15.>9 (S . cte
1dspo d. Pedro Leitão e que chegou
Vase . o. c.. 1. 2. n. 63 4) .

jo sê de Anchieta, “ An. da B ib i. Nae. , X X I. , P- •


* ■'
1

!:i;

X II
I

Ao P adre Geral D iogo L ainez, de São Vicente, a 12 dl


junho de 1561 (189) .

Partida do Padre L uiz da Grã para a Haiti. — Nohr^ e"1 Pir£


tininga. — O caminho de Parunapiacaba 1 isiia as al­
deias dos antigos discipulos. — Morte de Laiuln e de nm seu I
filho — Notícias de Santos e Itanhaen. — Substituição do
capitão-mór. - Mudança de Santo A ndre da Borf ^ ^
po para Piratininga. — Gregorio berrao — A u d io s dos
índias e desforço dos Portugueses. — Pestücncia de carmins
de sangu e ' _ Morte do Irmão Mateus Nogueira.

o ano passado escrevi por duas vias o que o Senhor teve por
N bem obrar nestas partes, onde andamos na salvaçao das
almas Agora darei conta do que quererá saber Vossa Reverent is-
sima para a consolação dos Irmãos, que desejam saber novas de
nós outros, como nós outros as desejamos deles. ,
Depois da partida do Padre Luiz da G r a p a r a a L a i a
Todos os Santos, com o Governador, no mês de Junho um dia i '<
depois de S. João Batista (190), se foi o Padre Manuel da Lô­
brega á Piratininga a visitar os Irmãos, os quais depois que c e-
gou da Baía ainda não havia visitado por suas muitas enfermi­
dades de que se estava curando, que depois que um pouco con
valesceu, se partiu logo, passando assás trabalho, por ter as per­
nas todas chagadas, lançar sangue pela boca, e os c a m m ms sei
mui asperos e despovoados, onde não ha conversação senão dos 1II
gres cujas pisadas achamos muitas vezes frescas, por onde passa-
Z l \e é necessário .ode se ha de pousar, fazer casa, ou por me-

16 5
JOSEPH DE ANCHIETA

lhor dizer, a cabana de novo de paus e ramos de palmas, e buscar


lenha para fazer fogo de noite, porque não ha outras mantas para
„ frio, que é tão grande, que ás vezes somos forçados atiçar o fogo
mais de doze vezes, e assim passamos a noite, e nela sem poter
dormir, e o que é melhor, que acontece ás vezes nao ter fogo, nem
na cabana, e passar toda a noite no bosque ao frio e chuva co­
bertos somente do divino amparo, por cujo amor isto se padece,
ajunta-se a isto os homens, que por êstes caminhos desertos sem-
pre acompanham os caminhantes.
Depois de estar em Piratininga alguns dias, nos mandou o
Padre visitar as povoações dos índios nossos antigos discípulos, os
quais como que ha muito tempo tomando os costumes do Demonic,
estão já afeiçoados a êste ruim mestre, que mui pouco querem
aprender de nós outros. Porque ainda que ao principio, quando
estavam todos juntos algum fruto se fazia neles, maximè nas mu-
Uieres e meninos, depois que se dispersaram poi diveisas partes
(gomo pelas letras passadas consta) nem se pode acudir com a
doutrina, nem (o que é peor) eles a querem, e assim quando os
visitamos por suas aldeias, parte pelos rios parte por terra, com
não pequeno trabalho, recebem-nos como aos outros Cristãos Por-
‘ 1ugueses, que querem tratar, e resgatar com eles como amigo, sem
ter nenhum respeito á salvação de suas almas, ou doutrina de seus
filhos, totalmente remetidos aos seus antigos e diabolicos costu-
mes, exceto o comer carne humana, do que por bondade do Senhor
parece que estão alguma cousa desarreigados, entre êstes a quem
ensinamos verdades: que fazendo ainda grandes festas na matan­
ça dos seus inimigos, eles e seus filhos, ainda os que sabiam ler e
escrever, bebendo grandes vinhos como antes eram acostumados,
se não os comem, dão a comer a outros seus parentes, que de di­
versas partes vêm, e são convocados para as festas. Tudo isto vem
deles não estarem sujeitos, e em quanto assim estiverem, difícil
cousa será afastá-los do jugo de Satanaz. que se tem deles senho­
reado. Praza ao Senhor que chegue já o tempo desejado, como
aconteceu aos da Baía, com cuja conversão se podem nossos Irmãos
consolar, e entretanto rogará Nosso Senhor pela conversão destes.
Xão deixa porém o Senhor de chamar algum deles que tem

166
XII. CAUTA DE 8. VICENTE <15(51)

escolhido para o seu Beto., assim agora, ora de «ma aide ia ora
íIp nutra vem „ alguns
i aa /inn-fpwar-se
coniessar-se, outros
ounuo a batizar-se e monei
bem, e outros que não podem vir, mandam a pedir remédio de
confissão, outros trazem seus filhos inocentes, de maneira_que « '
pre se colhem alguns manipulos misturados com cl «
sim em Piratininga, como quando os vamos . v « t o pelas s a a ,
aldeias, e destas tais visitações, quando outro nao achasse se
este proveito, que se padece alguma fome, com cansaço e t,aba,h ,
por amor de Nosso Senhor. n-n-timós
Uma vez. depois de termos corrido to.las as Igrejas, pa.tnn
delas por terra mui de manhã, por poder vir á missa, que ei a • -
m ing 0 , e um irmão saiu adeaute. o qual assm, por sabei mal o
caminho, como pela grande escuridade das^uiveus q j mui o
■ i ' i n iitiruc; p suo frigidíssimas, pensaii
po do ano duram quasi ato 10 hoias e * ,
do caminhar para a casa, tomou o eaminho em eon ra , e peuleu
se. andando de campo em campo, de vale em vale. ,1c -
monte sem achar caminho ate quasi meio dia. que ■
„ d o a nevou c Nosso Senhor o encaminhou, sem ele saber o ca­
minho que levava, direito á casa. hem molhado do frio. roxo e assas
suado do trabalho e mui alegre no Senhor. (se„ un.

, “ l í L 1 és.V era « « ,' w


ih o U M ). de mais de cem anos, que sendo morador e»
lugar, duas léguas de Piratininga. como o t o m
se viesse « P iratininga para aprneder as cousas de >, -
sou quanto tinha, e foi o primeiro que começou a
de certos a certos dias a buscar de corner com a sua gei <
que pelo amor de Deus tinha deixado, onde tinha suas -
ças e’ fazendas, e quando havia de partir, vmha pnm e.ro^JIgreja
dar conta a Nosso Senhor da sua paitida, cizen
lingua, posto que de joelhos: - “ Senhor, eu vou a buscar de o .™ ,
hei de tardar tantos dias, guardai-me, que nao me aoon ■ f
mal.” e outras muitas cousas desta maneira, as quais talava co
tanta simplicidade, fazia com Deus como falava com 08 ou ™ ’
nem sempre pedia licença quando havia de ir a jornada, entrava
; : ™ h o T e todos na Igreja a dar graças a Nosso Senhor, e a dizer,

167
JOSEPH DE ANCHIETA

O como tinha vindo, como prometera. E nesta fé e simplidade per­


maneceu sempre, ouvindo cada dia missa, e pregando contmua-
mente a seus filhos e netos, que tinha muitos, para que fossem bons,
e cressem em Deus, e guardassem o que lhes ensinássemos. Trazia
um bordão com uma cruz, que nós outros lhe demos, e tinha muita
fé e esperança, e quando ia fora, aquele era o seu arco e flechas que
levava, e pelo qual dizia que o guardava Deus do mal, e dava larga
vida: e certo que era para maravilhar, ver um homem de tanta ida­
de, que se espantavam todos como tanto vivia, ser tão iijo e são,
que parecia que cada vez se fazia mais mancebo, o que tudo (como
era verdade) ele atribuía a Nosso Senhor, e seus desejos não eram
outros senão de estar com seu Pai, que assim chamava a Deus. Che­
gando depois sua última enfermidade, recebida como dada da mão
do Senhor, pondo nele toda a sua esperança, e desejo que sempre
teve, chamando o sacratissimo nome de Jesus, até que não podendo
falar a bôca, os olhos levantou ao Céu, chamando-o no coração, o
que com a bôca já não podia, e assim se foi para ele, que tanto sua
alma desejava. Deixou em testamento a seus filhos, que com ele es­
tavam, que nunca se apartassem da Igreja e da doutrina dos Irmãos
como havia feito, o que cumpriu muito bem um de seus filhos, que
desde menino se havia criado com a doutrina dos Padres, que en­
fermando de uma longa doença, ia prostrar-se depois de muitas
vezes se haver confessado, nos encomendou sua mulher e filhos para
que vivessem e morressem em Piratininga junto da Igreja como ha­
via vivido, e pediu o Sacramento da Extrema-Unção; e porque hou-
yggge alguma pouca tardança em lhe trazer, tornou-me a dar pres­
sa, dizendo que viessem logo, para que não morresse sem ele, e aca­
bando de o receber com muita fé e devoção, rogou aos circunstan­
tes. que o encomendassem a Deus, e daí a duas horas deu a alma a
Deus.
Dêstes podia contar outros muitos mais dos escravos, que por
ser de geração tão bestial, parece que dão maior ocasião de louvar
a Deus, com sua muita fé e grande conhecimento que mostram e
amor a Nosso Senhor. Praza a ele com sua Divina Bondade de che­
gar a tempo, em que, de dois a três meses, de todos, se dê grande
srlória a ^ua Magestade, e nós outros recebamos consolação. Deixo

16 8
XII. — CARTA DE S. VICENTE (1561)

de contar de muitos, que Nosso Senhor no estado de inocência le\a


a seu Reino cada dia.
Com as mulheres e escravos dos Portugueses se faz muito fru­
to, e nisto nos ocupamos muito, porque lhes é tão necessaria a dou­
trina das cousas da Fé, ao menos aos escravos e aos índios; destes
se batizam e confessam muitos, e se lhes dá estado de vida, casan­
do-os, porque é quasi geral o costume da terra, não se lhes dando
nada os senhores que tenham os seus escravos amancebados, e que­
rendo mais o serviço deles, que a sua salvação, não têm conta com
a sua doutrina, e os tem por suas fazendas espargidos, sem os fazer
vir á Igreja, e não é de maravilha assim a maior parte deles esta­
rem rudes nas cousas da Fé, e que mal sabem que ha Deus, de ma­
neira que é tanta a negligência dos senhores, e nisto e tanta a per­
dição dos escravos, que temos por mui grande proveito ocuparmos
em sua doutrina.
Aqui em S . Vicente ha sempre concurso deles á doutrina e con­
fissões. como é pelos outros Irmãos sabido; na outra Vila (192) se
tem posto um Padre e um Irmão intérprete com que se faz muito
fruto, doutrina e confissões. E ’ mui grande o concurso dos escravos
vtriusque sexus, de noite e de dia, a aprender e confessar-se, de
maneira que quasi todo o dia se gasta em confissões,^ e se mais in­
térpretes houvera, muito mais se confessavam, e não é pequena des­
consolação vê-los estar todo o dia esperando na Igreja. Em outro
lugar de Portugueses, seis a sete léguas pela praia (193), se acode
algumas vezes, porque quasi todos se confessam e comungam quan­
do lá vamos, e os escravos nos não dão vagar nem de repousar de
noite, posto que muito antes de manhã nos vêm a pedir confissão,
desde então até a noite não cessamos. Seja o Senhor por tudo
louvado.
Também de ida e vinda se colhe algum fruto, porque por toda
aquela praia estão fazendas dos Portugueses, e sempre se acham por
elas alguns escravos enfermos á morte, que se confessam, e apre­
ciam bem morrer. Aqui se ordenou outra casa, que eles mesmos que­
rem fazer por sua devoção, para quando os Irmãos lá forem, e para
quando houver algum enfermo, por ser lugar sao e aprazível.
Aos engenhos de assucar se provê também com doutrinas e con-
JOSEPH DE ANCHIETA

fissões quando é possível, de maneira que, toda a gente da Capita-


2 recebe servi,o de nós outros, a quem eles correspondem com o
mor que nos têm. o que muito se mostra neste segundo caso. Ha-
i oni-crn de Capita o-mor 6 Ouvicloi
vnndo OS dias passados vagado cai,-, V
desta Capitania, por se acabar o tempo daquele que o era (194,, e
não prover El-Rei nem o Senhor da terra, foi necessario que o pov
o elegesse e como nestes casos costumam haver parcialida e,
los l desasossêgo na terra, c nêste também se começava, porque u
„ pretendia ser com pouca rarão. sem ser canonicamente eleito, por
se evitar ...... . se temia, .juntos todos os principais da terra, em que
está o Governo, acordaram de comum consentimento, que um 1 -
dre da Companhia se achasse presente a tomar os votos, porque ces­
sasse toda a suspeição, porque dele só confiavam n a o perm., m a £
se,-sc cousa injusta, e pedindo todos isto ao Padre Manuel da N«-
brega, se achou cie presente, de que toda a terra queria ticdi uu
e sossegada, crendo que ele havia vindo por vontade^ do henho
como ó de crer, porque foi pedido com missas, oraçoes. jejuns .

d"* T > P iratin m g a. a.....a se apartassem os Índios dela. para


viver mais livremente á sua vontade, todavia deixaram alguns, ma­
xime da geração daquele velho de que arriba se disse, os quais per­
severaram na fé firmes, e confessando a miúdo aqi.eles._que creio
muitos são salvos, o se salvaram. Além desta uma povoaeao de l or-
tugueses, que estavam tres legoas apartados, se mudou para Pira-
...... . por ma n d a d o do (íovernador a instancia dos I a.lie.s (1. o),
porque estava em mui grande perigo dos inimigos corpora,s, dos
quais estava já espiada, por caminhos que haviam aberto pelos bos-
„ m.s donde sua «erra temia-se cada dia a vir a destruir, ou ao me­
ros saltear c matar alguns deles, ou seus escravos, como costuma­
vam. e muito mais pelo grandissimo perigo em que estavam (los ím-
„d..os espirituais, pelos quais não só espiada, mas salteada e rouba­
da estava muitas ver.es. porque não tinham sacerdote, que lhes ad­
ministrasse os sacramentos, c ainda que em suas enfermidades os
socorríamos, e de noite por silvas muito espantosas; todavia sempie
„ diabo levava muitos dos seus escravos, aos quais muitas ver.es nao
sc podia remediar, que primeiro não morressem. Por estas causas

170
XII. — CARTA DE S. VICENTE (1561)

trabalhavam muitos os Padres que se passassem para Piratininga,


onde agora estão muitos deles, quasi sujeitos á vontade e disposi­
ção dos Padres, no que toca ás suas almas, confessando-se e comun­
gando nas Festas e Domingos do ano, e suas mulheres e escravos, e
é para louvar a Deus ver o desejo e fervor que têm em aprender duas
vezes cada dia, ensinados na sua lingua, onde se lhes declara as cou­
sas mais importantes da sua salvação. E ’ pelo Irmão Gregorio Sei-
rão, que ao presente tem a seu cargo aquela Vila, por saber a lin-
gma dos Brasileiros, e confessar a muitos a miudo, e tanto que se
lião pode satisfazer ás vezes aos seus desejos.
Está Piratininga posta em fronteira destes numerosos índios,
os quais muitas vezes se arruinam pelo pouco temor que têm dos
Cristãos, e tanto que ha poucos dias vimos a uns poucos em uma
fazenda dos Portugueses, e levaram, e mataram quatro ou cinco es­
cravos. e de melhor vontade o fariam aos senhores, se os ajudassem
a isso os outros seus parentes, os quais não querem consentir, por­
que parece, segundo mostram, que estimam a amizade e trato (pie
têm com os Portugueses. Por outra parte têm os contrarios, que é
uma grande geração daquela lingua e costumes destes, os quais es­
tão tão perto, que em quatro ou cinco dias se pode vir de suas ter­
ras. Êstes nunca cessam por mar e por terra de perseguir aos Cris­
tãos, levando os seus escravos, e matando-os, e a alguns deles mes­
mos,’ dc maneira que sempre se vive em contínua inquietação e temor
deles, maximè agora que pelos matos mais bravos, e montanhas mui
espantosas e desertas têm aberto caminhos por diversas partes,
pelos quais vêm de suas terras a saltear as fazendas dos Portu­
gueses sem haver quem lhes impida.
Por estas causas determinaram os moradores de Piratininga,
com alguns mestiços, vendo que não se acudia a estes males, fazer
guerra a um lugar dos inimigos fronteiros, para que pudessem vivei
com alguma paz e sossego, e juntamente começassem a abrir algum
caminho para se poder prègar o Evangelho, assim aos inimigos, como
a êstes índios, sobre os quais já temos sabido, que por temor se
hão de converter mais que por amor, e pa'ra isto se preparassem
todos confessando e comungando, mais zelosos da honra de Deus e
dilatação da Fé, que amigos de seus proprios interesses: foi com

171
JO S E P H D E A N C H IET A

eles um dos sacerdotes dos nossos, para lhes dizer Missa e piegar,
e ir adeante levando a cruz (196), e um Irmão interprete (197)
para os índios batizados, que com eles iam.
O seu caminho é desta maneira: vão primeiro por um rio al-
pumas jornadas com armadilhas, as quais não são mais cada uma
que o âmago de uma árvore, mas tão grandes que numa cabem
vinte a vinte e cinco pessoas com seus mantimentos e armas e-
gados ao ponto do primeiro rio para onde vão, saem fora delas, e
as levam ás costas por quatro ou cinco léguas dos bosques de mui
maus caminhos, e que aí descarregados vão seguindo a jornada a
entrar em outro rio, que está já em guerra com os inimigos. 1 ar-
tiram. pois, de Piratininga, onde então estavamos esta Quaresma
passada, dizendo o Padre cada dia missa, e prègando-lhes antes de
chegar aos inimigos; tornaram-se a confessar e comungar muitos
deles, fazendo Igreja daqueles bravos e espantosos matos, e com
isto lhes deu Deus Nosso Senhor grande vitória, destruindo o lu­
gar, sem escapar mais que um só; sendo-lhes a cousa mais forte que
nté hoje se tem visto nesta terra de inimigos: e bem se pareceu nos
muitos destes Índios que morreram e foram flechados, e dos Portu­
gueses, que logo ao entrar os tomaram quasi todos, e mataram tres,
de maneira que só dez ou doze homens, com ajuda da Real Bandei­
ra da Cruz que o Padre trazia adeante, animando-os, queimaram e
assolaram o lugar, do qual virão muitos inocentes, que estão já me­
tidos no gremio da Santa Igreja pelo batismo.
Enquanto eles andavam em guerra, meu ofício consistia em
ajudá-los com orações públicas e particulares, repartindo a noite de
maneira, que sempre havia oração até de manhã, e acabada a oia-
ção cada um tomava sua disciplina, e o mesmo faziam muitas mu­
lheres devotas, e as mestiças fazendo sua disciplina, vigilia, e ora­
ção: e ordenou Nosso Senhor que a batalha se désse em dias de sua
paixão, nos quais eram tantos os gemidos, choros, e disciplinas no
fim dos oficios, de joelhos, assim os de casa como os de fora, que
Ioda a Igreja era uma voz de pranto que não podia deixar de pene­
trar os Céus, e mover ao Senhor a ter misericordia de nós outos,
tendo padecido assás trabalho dos homens que cansaram pelos ca­
minhos desertos.

172
X II. — CARTA D E S. V IC E N T E (1561)

Depois da guerra hão tomado os Cristãos tão grande ânimo,


que estão determinados a fazer guerra a estes inimigos, até que eles
vencidos se sujeitem, como se fez na Baía, e está agora apregoada a
guerra, em que vai o Capitão com toda a mais gente da Capitania.
Esperamos em Nosso Senhor, pois este é o remédio com esta
brava geração, se querem que favoreça aos Cristãos, para que nao
tenhamos inveja aos da Baía.
Éste ano nos castigou a Divina Justiça com muitas enfermi­
dades, principalmente com camaras de sangue, que deram maxime
nos escravos, de que morreram muitos, e tanto que parecia pesti­
lência. Dois, três, quando muito quatro dias duravam com elas, que
não morressem alguns, que outros escapavam. Isto nos tem dado
muito trabalho, porque de dia e de noite não cessávamos de os con­
fessar, e acudir com os remedios que podíamos, maxime em Pirati-
ninga, em que os Irmãos são médicos espirituais e corporais, e tudo
pende deles, onde não havia casa sem doentes, e em algumas havia
três e quatro, de maneira que bem se havia mister, dia e paite c a
noite, para os sangrar, curar, e confessar, e pela mesma diligência
que os Irmãos nisso punham, não morreram ah tantos, como em
outras povoações onde isto faltava: morreram muitos sem se confes­
sar por as povoações serem muitas e nós outros poucos, e nao poder
acudir a todos.
Depois que tivemos curado a todos, o Senhor começou a dar-
nos o galardão das trabalhos, e rsto foi fazer-nos participantes da
mesma enfermidade das cameras de sangue, mas com elas e com fe­
bres, que sempre as acompanharam; foi necessario acudir uma noi­
te a confessar uma Índia, que delas estava já quasi no fim. Deram
primeiro em um Irmão, e como delas convalescesse, deram logo em
outro, mas bexigas, e de que pensamos não escapasse; mas por bon­
dade do Senhor já está bom. Esperávamos que como^sarasse e desse
em outros, e assim corresse a todos, mas o Senhor não nos teve por
dignos de tanto bem com a enfermidade, maximè nesta terra, onde
tão poucos remedios e consolações ha por ela. Os mais Irmãos pas­
sam bem pela bondade do Senhor, ainda que frequentemente sejam
vexados com diversas enfermidades, qual de cabeça, do estomago, de
febres e outras dores, que das muitas aguas que passam frequente-
JO S E P H D E A N C H IETA

mpnle se geram; mas andam já tão acostumados a sofiêlas i dissi


mulá-las, que parece por não haver médico, que as encareça,
não deixam de fazer o seu ofício de ajudar aos proximos
com doutrinas e confissões, ainda que com assás trabalho, do qual
não pouco se edificam os proximos, maximè aqueles que sao assíduos
á frequentação dos Sacramentos, que nos tem grande amor, e que
sabendo estas mulheres mestiças de S. Vicente, que um Irmão que
íiqui costumava ensinar, estava em Piratininga mui mal do came­
ras de sangue, não se puderam conter, que na Igreja nao fizessem
um grande pranto, e toda a semana de Pascoa que isto sucedia, que
elas costumavam gastar em suas recreações e saídas, nao quiseram
receber nenhuma consolação, antes em jejum, orações e tristeza, pas­
saram em choros a Semana Santa, pedindo ao Senhor lhes conce­
desse aquele Irmão para proveito e salvação de suas almas, e bem
creio que suas orações juntas ás dos nossos carissimos que lá têm
particular memoria de nós outros, lhe alcançaram logo do Senhor
a saúde.
O dia de Janeiro de S. Paulo Eremita quis Nosso Se­
nhor levar para si o nosso Irmão Mateus Nogueira ferreiro, que era
homem de idade, e muito mais velho por contínuas enfermidades
que padecia, em as quais nunca deixava de trabalhar, sendo conti­
nuo na oração, com mui especial zelo da conversão destes Brasis,
pelos quais continuamente rogava a Deus. porque ignorando sua lin­
gua não podia pregar: morreu de uma dor de colica e pedia que
muitas vezes padecia, e com que esteve padecendo cinco dias até que
deu a alma ao Senhor, conhecendo a sua morte antes de falecer. Não
foi necessario acordar a caridade dos Irmãos para rogar a Deus por
um homem santo, assim pelos vivos, como pelos mortos.
O Padre Manuel da Nobrega. pela misericordia do Senhor esta
melhor, e póde acudir ás confissões e sermões, onde se acha como
outro qualquer, e andar os caminhos visitando a todos, e com isto se
faz mais são que quando repousa, s a lv o se as aguas tratam mal os
corrimentos.
Nos trabalhos e ocupações não se esquece do exercício da ora­
ção. e por ele é que o Senhor lhe comunica forças. Fez uma casita
em Piratininga mui a proposito, onde .se recolhem os Irmãos por

174
X II. — CARTA DE 8 . V IC E N T E (1561)

sua ordem, e cada um tem ali seus dias de recolhimento em que se


renova de novo o fervor, e conheça suas faltas e castigo (199).
O estudo da gramatica se continua com os Irmãos das casitas,
de que temos boa espectação, que agora se receberam por eles al­
guns de fóra.
Dê-nos N. S. Jesus Cristo sua copiosa graça, para conhecer
sua santissima vontade, e saber perfeitamente cumprir.
Deste Colégio de 8. Vicente, a 12 de Junho de 1561.
Minimo da Companhia de Jesus.

NOTAS

Teixeira de Melo.
(190) Dia 25.

V » . C™f 7 l r ! , ° "l 0 Í7 ^ 'n Z ', « « « ' £

S L r
cliainou Tabatagoer»
zn
(liojc .Tabat,»fç..c™ .
sa rp a rasSãoã Vi-“
cominho que do alto do espigão e n . ]< < p-uilo no tempo de Anehie-

página 127).
(192) Santos.
/ 1 ()o\ Ttanhaen distante de São Vicente « léguas. — De itá-nhuen, ba-
,-i, de nietiii, panda de ferro (T . Sannp.ro, O <>„«
na geogv. nac-, 6a ed.).

cam aristas de Sao \ íctnie, ua ... •„„„ .-i., af.ârdo com os camaris-
provisão, sob pena de elegerem quem u s« ^ ‘ im ediatam ente eleito Pedro
tas do Santos. Nao a exibiu Moraes B a n tio sei o 0„ 8ua donata-

i
ta ia de ò . y-uente, ua, 1 80-7^
B. Calixto, Capitanias Paulistas, S . Paulo, l í - C p . ‘) ■

175
JO S E P H DE A N C H IET A

(195) Mem de Sá, d e p o i s t o m a d a

^ í
p a ra São Paulo o pelourinho, que P
SKt
Santo André, v. F re i Gaspar
prováveis motivos deterrnm antes da ' {N é das bandeiras, 2» ed.,
< * * .« < * . * « •
Vicente, p . 49-54) .
(196) P adro Manuel de P aiv a (v. nota 17 e F r a g . H i s t . ) .
(197) Gregorio Serrão (v. nota 23 e F r a g . H i s t . ) .
(198) 29 de janeiro. Sobre M ateus Nogueira, v . nota 29.
n Q oi um dos exercícios a que se submetiam os irmãos da Companhia de
J „ „ » era o de ae recolherem a - lag ar M a d o , ond,’ a a“ W
errados, sob a direção de um padre (B . Teles, o. c ., r, P- )
m andada construir por Nobrega serviria para esse fim.
XIII

Ao G e r a l D io g o L a i n e z , d e P i r a t i n i n g a , M a r ç o d e 1562, r e c e b i d a
em L i s b o a a 20 d e S e te m b ro do d ito a n o (200).

Grandes trabalhos e pouco fru to da catequese. Atividade de No-


brega apesar de gravemente enfermo. — Transferencia da aula
de gramatica de São Vicente para Piratininga. — Perversão
dos antigos discipulos.

I-^ a x Christi.
O ano passado de 61, no mês de Julho, se escreveu larga-
mente por a segunda via em êste mesmo navio, havendo já sido a
primeira enviada por outro antes, mas esse não pôde chegar pelos
ventos contrarios, e por isso tornou a arribar (201). O que depois
acresceu escreverei brevemente, mais por cumprir com o manda­
mento da santa obediência do que por haver cousa digna de ser
escrita.
Nossa conversação com os proximos é a costumada: ocupamo-
nos na doutrina das cousas da fé e mandamentos de Deus com as
mulheres dos Cristãos, e seus escravos e escravas, nestes lugares em
que dispargidos sempre se colhe algum fruto pela bondade do Se­
nhor, assim em apartá-los de pecados, como em algum pouco sua
grande dureza em o conhecimento de Deus nosso Creador e Senhor,
e ajudando-os a bem morrer, para o qual comumente somos chama­
dos, assim para os brancos como para seus escravos, aos quais é ne­
cessário acudir a diversos lugares, por mar e por terra, onde fazem
suas habitações. Em o qual ás vezes o trabalho é grande, que se do­
bra com a pouca consolação que se recebe do pouco fruto que dao
campos lavrados com tantos suores. Mas basta-nos salvar uma so

177
12
JOSEPH DE ANCHIETA

a ,ma ou para melhor dizer, ser cooperadores de D*«* em «.» «d-


■ q»«nd. nem isso houvesse, seja o Senhor servido em nos-
sos fracos e pequenos trabalhos recebidos por seu « m « ^ ^
Fm H Vicente se visitam os engenhos com
fi^ T e L povoações dos Portugueses (202), que es.ao cmeo e

sóis léguas distantes entre si, “ " i t l I ^ r ’ega 1


r ? 8 ” r d t dt , 0a f n t q ™ ^ t l a l h » de sua pessoa
muitas e contínuas enfermidades que cada dia padece, se
qu ameslentando, ordenando-o assim . divina disposição, para
maior merecimento seu. Esta quaresma esteve algum tempo em uma
d„ povoações, que é a principal, chamada tsantos, pregan o
a semina, e confessando muitos dos escravos por inter-
r„.'te B perseverou em este ministério até que mais nao pode ,
T L Z P°r seus Irmãos. porque adoeceu tão gravem e,^ q«e
fni necessario trazê-loo i as
' costas
i,,,, o*/,
ate ü v icente h nossn v dss, por
b . \Ktnit,
e não poder vir por seus pés: a enfermidade é p e n o s a . Cumpra-
se a vontade de Cristo Nosso Senhor em ele e em todos nos out. os.
AI runs outros Irmãos são também visitados do Senhor com en ei
midades, como febres, pleurizes c camaras, mas hle que asi( a,
, ,,ra por sua misericórdia, que en, a ler,-a poucas medicinas par
isso Bemdito seja Ele por tudo.
o estudo da gramatica se continuou até o mês de Novembro em
s virente eom o número de estudantes de que em as letras passa-
;,„s faço menção: mas foi tanta a ester,Made dos mantimentos que
nem por muito trabalho que em isto se pos podehaver piovis
C e de farinha e pão da terra, nem os moradores „ tinham para
,i „em para nós outros, pelo qual foi necessario que nos viessemos a
esta Piratininga. onde é a abundancia maior (203). Aqui se pros-
segtte o estudo eom os nossos que são recebidas para escolares, í t
alguns de fóra, os quais continuam suas confissões (como e cos -
,„e, cada quinze dias e cada oito dias: seu proveito em o estudo
pouco é. ainda que por outra parte se póde dizer mu,to, eons'derada
com a rudeza dos engenhos brasílicos e criados em « Brasil, que am
to monta. Também aqui nos ocupamos em a doutrina os e
mulheres dos Portugueses, .a qual sempre se continua duas

17 8
X III. CARTA DE P I R A T IN IXGA (1Õ62)

por dia com confissões a miúdo e comunhões algumas vezes. Acudi­


mos a todo genero de pessoa, Português e Brasil, servo e livre, as­
sim em as cousas espirituais como em as corporais, curando-os e san­
grando-os, porque não ha outro que o faça, e principalmente as san­
grias são aqui mui necessarias, porque é mui sujeita esta terra a
priorises, maximè em os naturais dela, quando o sol torna a declinar
para o Norte, que é em o mês de Dezembro, e daí por deante, e se
não acudíssemos com sangrias, não havia dúvida se não pereceriam
muitos, assim com isto temos melhor entrada com eles para lhes dar
a entender o que toca á saude de suas almas.
Com os Brasis, nossos antigos discipulos, que com tanto afã e
trabalho andavamos criando, não temos conta alguma, e digo não
temos, porque eles se hão feito indispostos para todo bem, disper­
sando-se por diversas partes (204), onde não podem ser ensinados,
e assim tornam-se todos aos costumes de seus pais; mas contudo não
deixamos de visitá-los de quando em quando, trazendo-lhes á me­
moria o batismo que hão recebido e os mandamentos de Deus, e
sempre se batizam alguns de seus filhos inocentes, que levam ao céu
em sua inocência, e alguns dos grandes vêm algumas festas do ano
á Igreja e a confessarem-se pela Quaresma e quando vão ás suas
guerras; mas o mais deles vivem como dantes, maximè aqueles que
tiveram melhor conhecimento das cousas da Fé, como os moços e
moças que se criaram de pequenos na doutrina, os quais todos são
perdidos; mas Nosso Senhor não deixa de castigá-los com doenças e
mortes, porque os que se apartaram de nós outros não fazem senão
morrer aqui e acolá, por suas malditas habitações, sem confissão,
uns amancebados, outros com os feiticeiros, que pensam lhes dão
saúde, á cabeceira; outros levados e comidos de seus contrarios: não
nos fica entre tantas consolações outro consolo senão tornarmos a
Deus e pôr-lhe deante esta causa com orações, encomendando-a á
sua Divina Magestade e piedade, e esta achamos que é a mais sau­
dável pregação que podemos fazer, trabalhar em chorar nossos pe­
cados e os seus, pedindo a Deus misericordia, porque na verdade as­
sim Portugueses como Brasis índios são peores seguindo os cami­
nhos da carne e deixando os de Deus: e praza á Divina bondade não
nos vamos nós outros por nosso descuido declinando como eles, do
JOSEPH DE ANCHIETA

, ' n o s s o Qanhor
mial nos guardara bennor, se
sc V. R. P. com continuos
. . sacri-
-p
f “ ios e orações, assim proprias como de todos nos*>s cansarmos P a­
dres e Irmãos, rogarem por nós outros minimos Mhos da Comp*
r , e creia dúvida se alguns são necessitados, mendigos somos
nós outros, eom o qual bem creio haverá dado Nosso Senhor a sen-
lir mui de verdade em sua ajuda a V . R . P-
Não se oferece outro ao presente. Christo Salus R ostra
nos dê sua mui copiosa graça para perfeitamente conhecer e cnm-
prir sua santissima vontade. . „ v.
Desta casa de S. Paulo de Piratimnga da Capitania de S.
rente, desde o mês de Julho de 61 até o mês de Março de 62.
Mínimo da Companhia de Jesus.

NOTAS

Jcfrus sobre o hrnsu, cit-, n - ’ lt *_ j „ -otwi Nao I, p .

. a ■ -ti/.,o cmiHi todos os documentos enviados p a ra

( 202 ) São Vicente, Santos e Itanhaen.


, o03 n Quando em 1560. Mem de Sá esteve na Capitania, auxiliou No-
b r e « “í G » n o s e u proposito de mudarem para São Vtoento o Oc>legu> de> Bjo
Paulo de P ira tin in g a . A nchieta lecionou nas classes então a b e itas (S.
1a i r rn« 1 ° n 841 Segundo o mesmo cronista, os cursos do Colégio

Bcr feito em P ira tin in g a .


rU U l \ m udança dos moradores da extinta Santo André da B orda do
Csmp?plra São p S for „ * que o , indígena, do P ira tin in g a — —
L I f „ n a nRoPm as aldeias de Nossa Senhora dos Pinheiros e Sao Miguei
a r Mem 3* ed , p . 223). Como sempre, os brasis fugiam a a.pro-
S S ã o X p o " C o l. 13 n ío é improvável f o p a ra ~
contribuído, m ais do que os remoía os n.amalucos de Joao Eam alho (
A lcantara Machado, A n c h . na Cap. de S. V u r n te , p . 49-54).

180
XTV

Ao S ão V i c e n t e ,
G e r a l D io g o L a i n e z , d e a 16 de A b ril
de 1563 (205,).

A taque dos índios contra P iratininga. — Fidelidade de T ibtnçá.


— Assaltos pelos caminhos. — Bens que resultaram da guerra.
— Morte de Tihiriçá. — Padre Manuel da Nobrega. — Mis­
são a Santos e Itanhaen. — Batismo de um índio c e n t e n á r i o .
— Notícias dos Tamoios. — Nobrega e Anchieta se preparam
para a viagem a Ip ero ig .

1-^AX Christi.
Um ano ha, e passa, que se escreveu clesta Capitania pelo
mês de Março de 1562 a V. P ., do que fazem os Irmãos em seus mi­
nistérios em serviço de Nosso Senhor e socorro destas almas; resta
dar conta do que mais sucedeu, segundo manda a santa obediência.
Nas cartas passadas fiz menção de que ficavamos na casa de
S. Paulo de Piratininga com alguns estudantes nossos, e forastei­
ros, ocupando-nos em ensiná-los, e na doutrina dos índios, junta
mente com os escravos dos Cristãos, em nossos costumados ministé­
rios espirituais, instruindo e preparando para o batismo os que nao
são batizados, confessando os que são, e ajudando-os em suas enfer­
midades corporais, curando-os, sangrando-os e acudindo-os, maximè
no tempo de morrer, para que consigam o fim de sua creaçao; e
nisto nos ocupamos esperando sempre os embates dos inimigos, de
uma parte dos contrários destes com quem vivemos (206), e de ou­
tra dos nossos mesmos (207, que estão espavoridos pelo interior da
terra, como muitas vezes tenho escrito; e dêstes nossos temíamos
mais por serem ladrões de casa, e haver muitos anos que nos tem

181
JO S E P H D E A N C H IET A

«meaçado com guerra, maxime aos que estamos em Piratininga qvm


,• fronteira deles, e como que chave (las povoaçoes dos tu s ta e
das nestes portos de mar. Portu-
Havendo, pois, êstes índios morto muitos dos Cristãos Po
gueses em diversos tempos e lugares por suas terras onde mm a res­
gatar suas cousas, como é costume, acrescentaram agora sua malda­
de matando outros dos Cristãos, um dos quaisera homeni mui vir
tuoso que se confessava e comungava quasi de oito em oito dias,
cuj^muíher, que era índia, da geração dêstes Índios, e^ n h a m m to s
irmãos e parentes entre eles. não era menos amiga de Nosso Senhor,
continuando os mesmos exercícios que seu mando, coniessando-se
2 intérprete, e comungando muito a miudo. Esta. que então ia
em companhia de seu marido, depois da morte tornando-se mui
le para os Cristãos, com alguns seus escravos e índios de Pirat
ninga. que a iam sempre acompanhando, foi presa e detida dos seus
mesmos pelo Principal de uma aldeia, para que os Cristãos ie <es-
1 resgate por ela, e entretanto tê-la por manceba por haver sid
mulher de Português, o que eles têm por grande honra. Mas ela
que tinha outro conhecimento e amor de Deus Nosso benhoi
sua santa fé. se tinha determinado antes morrer que em tal consen­
tir ainda que lhe fosse preciso matar-se a si mesma; e 01 o caso,
quê aquele dia em que a prenderam saiu de noite da casa dos ín ­
dios secretamente, e nunca mais apareceu, posto que tosse muito
procurada; pelo que eles mesmos dizem que acreditam que se en­
forcou. ou se lançou em algum rio por não consentir em ser man­
ceba de algum infiel. Mas a nós parece que eles mesmos a mataram
pelo mesmo caso. e depois lançaram essa fama; e porque tínhamos
mui bem conhecida sua inocente vida de muitos anos, que frequen­
tou os sacramentos em nossa casa, não podemos pensai outra cous ,
nem crer que havia Nosso Senhor de permitir que, quem tao liem
vivera sempre, no fim de sua vida se perdesse.
Acabado isto começaram logo a apregoar guerra contra 1 irati-
ninga a qual já tinham na vontade e ha muito tempo, porque
esta gente é tão carniceira, que parece impossível que possam viver
sem matar. E ainda que eles determinavam fazê-lo mui secreta-
mente. todavia deu-nos aviso Nosso Senhor, porque castigando-nos

18 2
X IV . — CARTA DE S. V ICEN TE (1563)

nos não matassem; e ao seguinte dia depois do da visitaçao de Nossa


Senhora, tivemos aviso por um índio (208), que tinha sua gente en­
tre nós, o qual, apartando-se dos malfeitores, veiu correndo por ou­
tro caminho a nos fazer aprestar. Muitas particularidades havia
que contar, que se passaram neste caso; mas sòmente direi as gran­
des misericordias de que Deus usou para comnosco, das quais a prin­
cipal foi mover o coração de muitos índios dos nossos catecumenos
e Cristãos ü nos ajudar a tomar armas contra os seus; os quais, sa­
bida a notícia e verdade da guerra, vieram de sete ou oito aldeias,
em que estavam esparzidos, a meter-se comnosco, não todos, mas so­
mente aqueles que amam a Deus, e ele quis escolher para nos de­
fenderem da torça dos inimigos carniceiros; e era de maneira que
de noite com fachos vinham tremendo de frio (que então e ca mui­
to grande) a chamar á porta da vila, não por medo que tivessem dos
seus. mas forçados como parece pelo poder de Deus, sem saber
quasi o que faziam. Outros misturaram-se com eles, pensando que
a sua grande multidão não pudessem resistir os poucos que esta­
vam em Piratininga: outros houve, que não podendo meter-se com-
iesco, afim de não os tomarem de subito, se esconderam pelas silvas,
não os querendo ajudar, e depois de passados com as cabeças que­
bradas para suas terras, se uniram a nós.
O que deu maiores demonstrações de Cristão e amigo de Deus
foi Martini Afonso, Principal de Piratininga (209), de quem em
muitas cartas tenho feito menção, o qual juntou logo toda a sua
gente, que estava repartida por trás aldeias pequenas, desmanchan­
do suas casas, e deixando todas as suas lavouras para serem destruí­
das pelos inimigos; e era tanto o cuidado que tinha de todos os Por­
tugueses, que nunca outra cousa fez em cinco dias que estivemos á
espera do combate, senão dar-lhes avisos e esforços porque eram mui
poucos, e destes muitos tolhidos e enfermos: pregando conímua-
mente de noite e de dia aos seus pelas ruas (como e costume) que
defendessem a igreja que os Padres haviam feito para os ensinar a
eles e a seus filhos, que Deus lhes daria vitória contra seus inimi­
gos, que tão sem razão lhes queriam dar guerra; e ainda, que alguns
de seus irmãos e sobrinhos ficaram em uma aldeia sem o querer se­
guir, e um deles (210) vinha juntamente com os inimigos, e lhe man-

183
JO S E P H D E A N C H IET A

dou incutir grande medo, que eram muitos . baviau.de


vila, todavia teve em mais o amor de nos ou ros
miP o dos seus proprios sobrinhos, que tem em conta de filhos, le
contra todos eles, e
pintada e ornada de penas de diversas cores, que >' ‘16 '
Chegando pois o dia, que foi o oitavo da v.sitaçao de Nossa be
nhora (211) deram de manhã sóbre Piratininga com grande eorpo
de Inimigos Pintados e emplumados, c eom grandes alaridos aos
ouais sai ram logo a receber os nossos discipulos, que eram mui pou­
cos com grande estorço, e os trataram bem mal, sendo cousa mar -
X a qile se achavam e encontravam ás flechadas irmãos com ir-
mãos primos com primos, sobrinhos com tios, e o que mais e, do s
filhos que eram Cristãos, estavam comnosco contra seu pai, que era
contra n ls: de maneira que parece que a mão de Deus os apartou
assim e os forçou, sem que eles o entendessem, a fazerem isto As
mulheres dos Portugueses e meninos, ainda dos mesmos n i ,
colheram-se a maior parte delas á nossa casa e igreja, por ser um
pouco mais segura e forte, onde algumas das mestiças estavam toda
a n, de em orarão com velas acesas ante o altar, e deixaram as pare­
des e bancos da igreja bem tintos do sangue que se tiravam ‘
disciplinas, o qual não duvido que pelejava mais rijamente eon
os inimigos do que as flechas e arcabuzes.
Tiveram-nos em cerco dois dias somente, dan o-nos sempre c
bate ferindo muitos dos nossos índios, e ainda que eram flechadas
perigosas, nenhum morreu por bondade do Senhor, pois que se reco-
Ihiam á nossa casa, c aí os curavamos do eorpo e da alma e assim fi­
zemos depois, até que de todo sararam. Mas dos inimigos foram mui­
tos feridos e alguns mortos, dentre os quais fo. um nosso catecumen
(212) que fôra quasi capitão dos máus, o qual sabendo que todas a
mulheres se haviam de recolher á nossa casa, e que aí havia mais que
roubar, vein dar combate pela cêrca da nossa horta, mas ai mesmo
achou uma flecha, que lhe deu pela barriga e o matou, dando-lhe a
paga que ele nos queria dar pela doutrina que lhe havíamos ensinado,
e l i a s bóas obras que lhe tínhamos feito, tendo-o ja curado, e no
tempo que estava comnosco a ele e a seus irmãos, de feridas mui pe-
rigosas (!•'• seus contrários.

184
X IV . _ CAKTA DE S. V IC E N TE (1563)

Ao segundo dia do combate, vendo-se mui feridos e maltratados,


e perdida a esperança de nos poderem entrar, deram-se a matar as
vacas dos Cristãos, e mataram muitas, destruindo grande parte dos
mantimentos dos campos, e puseram-se a fugir ja sobre a tor e, com
tanta pressa qse não esperava pai por filho, nem irmão poi• irmao^
em cujo alcance saíram os nossos discipulos e tomaram dois deles
dos quais quis ter padrinhos os padres chamados por ele, dizendo que
o haviam ensinado e catequizado, que seria seu escravo, mas pouco
lhe aproveitou, pois sem nos dar conta disso Martim Afonso lhe que­
brou kgo a cabeça com sua espada de pau pintada c emplumada, que
para isso tinha jà erguida com a bandeira, e assim fez para ™
apartar-se dos seus, que tão injustamente vinham para o matai,
nós outros, se Deus o permitisse. .
Depois disso fez Deus Nosso Senhor muitas merces aos nossos
discipulos e a nós, em diversos assaltos que os inimigos nos m
fazer pelos caminhos, nos quais sempre levaram a peor; e porque
os inimigos haviam levado muitos dos que estavam esparzidos pelas
I d a s antes que se pudessem recolher, e os
quasi como cativos, para que não fossem por nos, juntaram *, u
poucos de nossos discipulos Cristãos e eatecumenos com tres P r-
pjgueses e entraram quasi vinte legnas pela terra dos malte,to­
res e trouxeram 40 pessoas, homens, mulheres e meninos, os ma
deles Cristãos dos quais uns tinham seus filhos em Piratinmga,
Üntres aa mulheres, . alguma, seus maridos. Mas não os tiraram
tanto a seu salvo que não fossem assaltados dos inimigos,
ue por seu mal foram mortos trós deles, . os outros deitaram.
fugir deixando morto um menino inocente batizado, e um nosso
discipulo com tantas flechadas, e tão perigosas, que ninguem ju -
„ou oue vivesse, tendo-se por melhor merce do Senhor eseap
* vida quasi sem cura e tão brevemente, que mais parece qu
obrou o Senhor da vida, do que outra qualquer medicina, po, ser
Óste um dos melhores Cristãos que se tem feito nesta teria,
" d a s cousas de Deus, e o que mais peleja por def nde «.
Cristãos, ficando, depois de sua saúde quasi mespere a e subita,
com grande conhecimento da merce que lhe fez No.
com proposito de melhor viver.

185
J 0 8 E P H DE ANCHIETA

Esta guerra foi causa de muito bem para os nossos antigos dis-
ripulos» os quais são agora forçados pela necessidade a deixar todas
as suas habitações em que se liariam esparzido, e reco ere“ ' ^ °
a Piratininga, que eles mesmos cercaram agora de novo com
I ™ (213) e está segura de todo o embate, e desta maneira po-
ser ensinados nas cousas da fé, como agora se faz havendo com
tínua doutrina, de dia ás mulheres, e de noite aos homens. , ue
concorrem quasi todos, havendo um alcaide que os obriga a entrar
„” at tem-se já batizado e casado alguns deles, e prossegu -se
a mesma obra com esperança de maior fruto;
para onde se apartem, sendo inimizados eom os seus. e estando
p " u n to s de nós eomo agora eslão. não .....cm deixar de tomar ms
costumes e vida f r i s . f i . « « » - » .........................UW>' « " • » “
começado. Pareee-nos agora que estão as porias abertas nesta Ca­
pitania para « conversão (los (ientios. se Deus Nosso Senhor quiser
dar maneira eom que sejam postos debaixo de J»go. porque P
êst,........ de gente não ha melhor progaeao do que espada e
ú,. ferro qual mais ....... ue em nenhuma outra <• neeessano que
se cumpra o - rompcHo M r m r f>U>. Vivemos agora nesta es­
perança. ainda que postos em perigo, por estar toda a len a levan­
tad a; e como são ladrões de casa. era cada dia vêm assaltar-nos pelas
fazendas e caminhos. Kntre outros hens, que „ Divina Bondade sou­
be tirar desta guerra, foi um, que se batizaram e ajudaram a bem
morrer alguns escravos dos Portugueses, que destas povoaçoes ma­
ritimas nos vieram (lar soeôrro. mas já depois de acabada a conten­
do. OS quais enfermaram de graves febres (215), e acudindo a os
sangrar achacamos uns que tinham nome somente de Cristãos sem
o ser. por grande descuido de seus senhores; outros que em toe.a a
sua vida nunca haviam sido confessados, nem ensinados nas cousas
que haviam de crer e obrar, c assim teriam morrido, se por estes
meios não lhes procurasse Deus a sua salvação, levando-os a P.rati-
ninga. onde. pela graça do Senhor, têm os Irmãos grande vigilamus
sobre, estas cousas. . . . w
Também dos índios, que por fôrea haviam sido levados «
seus. regressaram alguns para nós, e parece de muitos que nao vi­
nham mais que a buscar sua salvação, porque dentro de poucos dias

18 6
XIV. _ CATRTA D E S. V IC E N TE (1363)

jnorriam, recebido o batismo, tanto inocentes como adultos. Mor-


reu também o nosso principal, grande amigo e protetor Martim
Afonso, o qual depois de se haver feito inimigo de seus proprios ir­
mãos e parentes, por amor de Deus e da sua Igreja, e depois de lhe
haver dado Nosso Senhor vitória de seus inimigos, estando ele com
grandes propositos, e bem determinado a defender a causa dos Cris­
tãos e a nossa casa de S. Paulo, que bem conhecia ter sido edifi­
cada em sua terra por amor dele e de seus filhos, quis dar-lhe Deus
o galardão de suas obras, dando-lhe uma doença de camaras de san­
gue na qual como não houvesse sinal de melhoria, mandou chamar
um'Padre (216) que todos os dias o visitava e curava; contessou-se,
e no outro dia se tornou a reconciliar com grande sentimento de sua
vida passada, e de não haver bem guardado o que lhe havíamos en­
sinado, e isto com tanto senso e madureza que nao parecia homem
do Brasil. Pez seu testamento, e deixou recomendado a sua mulher
e filhos que seguissem nossas palavras e doutrina; e em dia da Na­
tividade de NT. S. Jesus Cristo morreu, para nascer em vida nova
de o-lória, como espora,no» (Dezembro 25 de 1562). Foi enterrado
em nossa igreja com mui.» honra, aeompanhando-o todo, ™ rmtaos
Portugueses com a cêra de sua confraria, ncou o< <
com -ramie sentimento de sua morte, pela falta que sentem, porq
este era o que sustentava todos os outros, conhecendo-se-lhe muito»
obrigado» pelo trabalho que tomou cm defender a te rra; mais que
todos creio que lhe devemos nós os da Companhia, « por
minou dar-lhe em conta não só de benfeitor, mas anula de u*
dor e conservador da easa de Piratininga e de nossas vidas poique
havendo cie ajudado a fazê-la com suas propria» maos e havend -
ros ajudado a sustentar logo em princípio de sua fundaçao, quan­
do „5,, haviam Portugueses alguns, agora o quis fazer Deus nosso
defensor , pôs em sua mão a vida de dez Irmãos, que no tempo da
guerra nos achavamos em Piratininga, e todo o mais povo dos m
L u e s e s ; c pôs em suas mãos, digo, porque quas. todos os daquela
Comarca que se recolheram comnosco. dependiam dele; e se qui
sesse consentir na maldade dos seus (como eles mal pensavam) pmr-
co houvera de fazer em nos matar e comer. Creu, que basta I SO
para dar a entender a obrigação que temos todos de o encomem

187
JO S E P H DE A N CH IETA

■ :r, r ;
I
como em outros lugares maritimos, ocorrendo * ™ ™he / gam
tee segundo as necessidades T o t o g a aos Portu-
fnito- precando também o la d re Manuel ü , -

i S : = — ‘-tz:z:Tz:rj‘z
d0MN ^ a quaresma se tem socorrido a Vila de Santos. m i a P™ -

-" f - r :
noite se ocupavam em confissões, tom lo-se doutrma de “ “ “
de tarde a todos os homens e mulheres, quantos vinham. ■
'em espè;.ia, aos escravos. Logo que souberam que oramos chegados
„ ra os ensinar e confessar, concorreu grande multidão deles d
íaTndas com grandes desejos de eonfessar-se. E . melhor e, que
como não sabem usar de muitas eortezias, nem haver respei o m i
que á sua devoção, pouco se lhes dá se estamos cançados, se temos
necessidade de sono ou não; e assim se confessaram muitos deles^oa
quinze dias que ali estivemos, com murto proveito de suas almas
e como não tenham tantos embaraços, nem curem de mais que cie
servir a seus senhores, alguns deles já casados, guardando bem ■
ti mando muito as leis do matrimonio, outros solteiros vencendo.mui­
tos encontros de tentações de diabos encarnados, e dando muito ore
dito ao que lhes ensinamos, não duvido de antepo-los a seus sen
r quais comumente eada vez, mais se embaraçam com diversos
generos de impedimentos, com o que não podem, nem q u -em ad­
mitir o remedio que sc inclinam a dar-lhes os da C ompanhia, .-

188
X I X . — CARTA DE S. V ICEN TE (1563)

sim recorrem a outros meios, que lhes cicatrizem as chagasMJ»


deixando dentro a sanie corrosiva, que penetra ate as entranhas.
Aiffuns ha contudo, que se confessam e comungam amiudadamente
com os Padres, seguindo em tudo sen parecer e saudavem conselhos

Pa“ lttT q u in ze dias, que estivemos na Vila de


se confessou grande parte dos escravos e muUwr® d“ Co[
mie são sempre mais devotas que seus mandos, voltamos a este Lo

l e s . ' a " L o s estado outra parte da quaresma, ocupandomos nos

t e e n (L d emTCque ^ ^ 0 , U — bU“ "

°UÍdC " f 7 )’.;r;empo° q T o


d „ cento e trinta anos, ao qual todos os que ha muito tempo q
conhecem dão testemunho de haver sempre vivido s « « « r d . «
tempo que o conheceram, assim com os seus como com os nossos 1 or
t muêscs Outra vez que fomos àquela Vila pela festa da Contei
Çã de Nossa Senhora (218), a quem é dedicada a !
laiiios-Uie que o queríamos batizar para que w a .l» a
desse mas que por então não podíamos ensmar-lhe o q
l i t o ' por falta de tempo, e que estivesse preparado para qumido
voltássemos Folgou ele tanto com esta noticia, como vi ’
° " Tanto em memoria, qne agora quando viemos e lhe p e r^ n -
támos se queria ser Cristão, respondeu com
dA fipsde então o estava esperando. Tomando ,1 >
mãos, e começando a ensinar-lhe as cousas mais
fé, pensávamos que já não pudesse ter tino em nada por g

189
JO S E P H D E A N CH IETA

velhice, por ter já perdido o vêr e ouvir, e seus membros todos pou­
co mais que os ossos cobertos com pele muito enrugada; mas
contrário, que. o que a muita idade lhe negava, supria nele a gram
de vontade e desejo que tinha de ser Cnstao, max.me depots que
lhe demos » entender quanto via nele. e de tal manetra tomou o que
lhe ensinávamos, que não me recordo, entre muitos que se tem ms-
truido pequenos e grandes, ter achado tal disposição e prontidão
como neste velho. Dando-lhe pois a primeira l.çao de ser um so
Deus todo poderoso, que criou todas as cousas, etc.. logo se lhe im­
primi,, na memoria, dizendo que lhe rogava muitas vezes que enas­
se os mantimentos para a sustentação de todos, mas que pensava
one os trovões eram este Deus; porém agora que sahia haver outio
Deus verdadeiro sôbre todas as cousas, que a ele rogaria chaman­
do-o Deus pai e Deus filho; por que dos nomes da «anta 1rindade
êstes dois somente pôde tomar, pela razão de que se podem dizer
em sua lingua; mas o Espirito Santo, para o qual nunca achamos
vocabulo proprio, nem circunlóquio bastante, ainda que o nao sabia
nomear, sabia-o contudo crêr como nós lhe dizíamos.
Tornei depois a visitá-lo, perguntando-lhe por sua liçao ele a
repetiu toda dizendo, que a maior parte da noite (que por sua mui­
ta velhice não pôde dormir) estava pensando e falando comsigo
aquelas cousas, desejando que sua alma fosse para o Céu. Quando
lhe vim a declarar o mistério da Encarnação, mostrou grande es­
panto e contentamento de Nossa Senhora parir e ficar virgem, pei-
£ untando algumas particularidades acerca disto (o que é bem alheio
dos outros, que nem sabem duvidar, nem perguntar nada); e fa­
lando palavras afetuosas de amor de Nossa Senhora, nunca mais se
olvidou nem do mistério nem do nome da Virgem. O nome de Jesus
teve mais trabalho em reter; e para isso chamava seus filhos e netos,
que também nos rogavam que o batizássemos; uns diziam: "B ati­
zai meu avô, para que não vá sua alma ao inferno” ; outros: "B ati­
zai meu pai, para que vá sua alma para o Céu” ; e assim cada um
com o que podia o ajudava. O que mais se lhe imprimiu foi o mis­
tério da Ressurreição, que ele repetia muitas vezes dizendo: "Deus
verdadeiro é Jesus, que saiu da sepultura e subiu ao Céu, e depois
ha de vir muito irado, a queimar todas as cousas.” Finalmente

19 0
XXV. — CARTA DE S. VI CE NTE (1563)

depois de ter suficiente conhecimento das verdades da nossa santa


fé e aborrecimento da vida passada com mui giande desejo do ba
tismo. levâmo-lo um dia á igreja, para onde foi com seus pés, sus­
tentando-se em um bordão, e ajudado de seus netos por um monte
acima, assás aspero para aquela idade; mas o grande ardor da sua
alma dava torças aos membros já desfalecidos. Chegando a porta
da Igreja o assentámos em uma cadeira, onde estavam já seus pa­
drinhos com outros Cristãos a esperá-lo. Aí lhe tomei a dizer que
dissesse deante de todos o que queria; e ele respondeu com grande
fervor que queria ser batizado, e que toda aquela noite estivera pen­
sando na ira de Deus, que havia de ter para queimar todo o mundo,
e destruir todas as cousas, e de como havíamos de ressuscitar todos;
detestando também sua vida passada, dizendo que por falta de co­
nhecimento da verdade comera carne humana, e fizera outros peca­
dos no tempo de sua mocidade,, mas que agora tudo isso aborrecia,
e que bastava que as almas de seus passados estavam no inferno, mas
a sua queria que fosse para o Céu a estar com Jesus, de quem todos
os presentes davam glória a Deus. Fazendo-se-lhe, pois, os exor­
cismos um pouco antes da benção d ’agua, começou a chorar e es­
fregar os olhos mui pensativo: e a causa disto depois direi, corno
ele me contou. Batizado, e feito todo o ofício, 1ornámos a assen­
tá-lo em sua cadeira, dizendo-lhe seus padrinhos e outros que es­
tavam presentes, que se alegrasse, pois de novo era nascido; e como
lho dissessem seus netos que se fosse, perguntou ele muito espan­
tado: “ Para onde?” Parece que pensou não havia mais de tornar
da Igreja, mas que dali subiria ao Ceu, e tendo voltado á sua casa
começou a chorar, e seus filhos e netos com ele. Ao outro dia, tor­
nando nós para este Colégio, fui despedir-me dele, e disse-me, sem
lhe perguntar, que nunca se havia de esquecer de minhas pala­
vras: dizendo-me mais: “ Mui alegre estou porque ha de ir minha
alma ao Céu, e por isso chorava eu ontem quando me batizavam,
recordando-me de meus pais e avós, que não alcançaram esta boa
vida que eu alcancei.” Com isto nos despedimos dele mui consola­
dos. deixando-o recomendado a .seus padrjfhhos. Maravilhas sao
estas que sabe fazer a suma bondade de Nosso Senhor com seus es­
colhidos. tornando este de tanta velhice á infancia e inocência do

191
JO S E P H DE ANCHIETA

batismo, e em tempo que já ele parecia maia menino que velho


sem ter ocupação interior nem exterior alguma, pelo que esta que
tão necessaria lhe era, tanto se lhe imprimiu no coraçao. Pouco
tempo pode viver naturalmente, e parece-nos que Deus nao lhe di­
latava a vida senão até chegá-lo a esta hora, em que recebesse a
vida de graça, para ser participante da eterna. A Deus seja dada
a glória por tudo.
Partindo dali voltámos pela praia buscando almas perdidas
desamparadas dos escravos dos Cristãos que estão guardando suas
lavouras; e achámos em diversos lugares cinco ou seis, e algumas
em extrema necessidade de medicina espiritual, uma aqui, outra
ali em pobres cabanas metidas pelas selvas, onde fazem seus man­
timentos; a uns confessámos de toda a sua vida, porque nunca o ha­
viam feito, sendo já de mui longa idade, e sangrámos juntamente.
A dois inocentes batizámos, que se Deus Nosso Senhor nao os fora
buscar desta maneira, não sei se achariam entrada para a vida eter­
na um dos quais achámos só com uma menina de menos idade que
ele, em uma choça da praia junto de um bosque muito ao cabo, e com
pouca esperança de vida; e sabendo dele que não era Cristão e que
o queria ser, conduzímo-lo a um rio, onde lembrando-nos de S. * e-
lipe quando batizou o eunuco, o metemos no rio e o batizámos, eha-
mando-o Felipe. Êstes pequenos manipulos colhem-se por estes ca­
minhos com assás trabalho e cansaço, calores, e chuvas. Sirva-se de
tudo Jesus Cristo Nosso Senhor, que com imensos trabalhos de sua
vida e morte nos andou buscando, que de todo estavamos perdidos.
Desta outra banda do Norte temos os contrarios (219), inimi­
gos também destes nossos índios, dos quais muitas vezes tenho es­
crito. Êstes parece que têm justiça contra os Portugueses, pelas
muitas injustiças e sem razões que deles têm sempre recebido, e por
isso os ajuda sempre a Divina Justiça, porque vêm mui a miudo por
diversas partes, por mar e por terra, e sempre levam escravos dos
Cristãos, matando os mesmos homens; e agora e no tempo que os
índios se levantaram, deram em umas iazendas, tomaram e mata
ram mais de quarenta Cristãos, tanto escravos como filhos de Por­
tugueses, e de envolta três mulheres casadas das mestiças, uma das
quais fugiu de noite núa, e as outras foram levadas, e temos noticia

192
__ CARTA DE S. "VICENTE (1563)

_ _r J1______ :___ Z r , n- 11« onni E P m nrfi OU-

deu Nosso Senhor esforço, maxime a uma umas, uc u — --------


mos contrarios nos contaram em particular, que querendo o que a
cativara tê-la por mance
com ameaças; basta que
de boa vontade por não ão <
ofender a Deus; e estando já seu senhor para
o pôr por obra, impediram-no outros seus parentes, dizendo que a
deixasse, que a tornariam a resgatar os Cristãos, e com isso a
deixou. Toquei neste ponto para que de tudo se dê gloria a Deus,
o qual ainda das mulheres Brasilieas tem quem de grado queira
receber a morte por guardar castidade.
Vendo o Padre Manuel da Nobrega os grandes trabalhos e in­
quietação de toda esta Capitania com os continuos incursos destes
contrarios, e a muita justiça que têm de sua parte, se determinou
encomendar-se muito a Nosso Senhor, e ir tratar pazes com eles,
se êstes povos dos Portugueses quisessem aí ficar entre eles, e eles
virem cá, havendo assim comunicação e concordia; e sendo ja pas­
sados dois anos ou mais que Nosso Senhor lhe dá isto a sentir, e
faltando sempre oportunidade, agora quis Deus abrir caminho para
isto, e é, que indo lá um barco a saber destas mulheres cativas, fo­
ram mui bem recebidos deles, e souberam como os contrarios conhe­
ciam os nossos desejos de pazes, e como se levantaram muitos Ín ­
dios contra nós outros: pelo que desejam que se efetuem as pazes,
maximè sabendo que os Portugueses hão de ir morar entre eles, dos
quais ha muito que têm notícia, assim por informação de muitos es-
'cravos Cristãos, que daqui fogem, e lhas levam, como dos seus mes­
mos que nós outros impedimos a êstes índios nossos discípulos que
não comam nem m atem ; pelo que mostram grandes desejos de nos
ter comsigo, para lhes ensinar os filhos. E ’ esta uma noticia de
grande alegria para toda esta terra, e muito mais para nos outros,
que esperamos que por ali se nos abrirá alguma porta para se ga­
nharem muitas almas ao Senhor. Agora estão aparelhados dous na­
vios, em que havemos de ir o Padre Manuel da Nobrega e eu (220)
por intérprete, por falta de outro melhor, porque os mais Irmãos
são mandados á Baía a tomar ordens (221), onde têm em que em-

193
13
JOSEPH DE ANCHIETA

pregar seus talentos em serviço de Deus Nosso Senhor, e ajuda das


almas. Querendo os contrarios dar refens que cá venham, a\emos
de ficar em suas terras, e com isto esperamos que terá algum sos­
sego esta Capitania, que anda deles tão infestada, que ja quasi nao
pensam os homens senão em como se hão de ir e deixa-la, e junta­
mente se poderão amansar e sujeitar estes nossos índios, para se
poder fazer algum proveito em suas almas, e assim nos mesmos con­
trários nos quais se lançará agora este pequeno fundamento, sobre
o qual depois se poderá edificar grande obra: e quando mais nao
fosse já poderia ser que por ali se nos abrisse alguma porta, para
„• mais presto ao Céu. Estamos já de caminho para esta jornada,
entregando-nos á Divina Providência, como homens morti destina­
tos, não tendo mais conta com morte nem vida, que quanto for mais
glória de Jesus Cristo Nosso Senhor e proveito das almas, que ele
comprou com sua vida e morte. Nos santos sacrifícios e orações de
V ]>_ p de todos os nossos carissimos Irmãos desejamos e pedimos
muito .ser encomendados a Deus Nosso Senhor, para que nos dê gra­
ça. com que conheçamos e cumpramos perfeitamente sua santíssima
vontade.
Dôste Colégio de Jesus, de S. Vicente, hoje 16 de Abril de
lüfiM anos.
Minimus Societatis desu.
NOTAS

(905, Copiada no livro de registro Carlas dos Padres da Covtpanhia de


J ( su v sôbrr o Brasil, t i t . f l . 139 v.. em castelhano. ÍM»1. na “ Revista do Ins­
tituto Historico". II, p. 538-02, traduzida do espanhol peh, conego Ja n u an o
da Cunha Barbosa, e reproduzida no "D iário Oficial , do Rio, dc -• < ,1<
m iro. 3 c ti de fevereiro de 18SS. por Teixeira de Melo.
( 2 0 (5) Os tauioios, inimigos dos tupis.
C>()7 , Nu,,, ataque (pie fizeram aos tanm ios,. os reinois foram vencidos
o desbaratados, o .pie, diz S. de Vasconcelos (C m n., 1. 2, n. 130-1), assa­
nhou "os indios tupis do sertão confederados nossos .
/» 0 3 ) A notícia do ataque foi, portanto, recebida a 3 de julho de R>(52,
,n casa de P irn tin in g a . Aí se emontravam dez religiosos, sendo superior o
podre Vicente Rodrigues (S . do \ a s e ., o. c ., 1. -■ n. 133).
(209) M artini Afonso T ib iriç á . — Tibiriçá ou, melhor, Tibireçâ, “ eorr.
t t/by-reçá, contração de tyby-reçnha, a vigilância da te rra ; o m aioral ou prm-

194
X IV . — CARTA D E S. V IC E N T E (1563)

cipal. Não se deve escrever TeUreçá, que tem mau sentido” (T . Sampaio, O
tx.pi na geogr. va c ., 3* e d .) .
(210) E n tre os indios sublevados figurava um irmão de Tibiriçá, cujo
filho Jagoanharo procurou sem resultado demover o tio do proposito de de­
fender P ira tin in g a (S . de V asc.. o. e ., 1. 2. n . 134). Êsse principal, irmão
de Tibiriçá, é chamado Araraig por S . de Vasconcelos (1. c .) , Ururay por
Machado d ’Oliveira ( Quadro H is t., p . 60), Araray por T . Sampaio (conf. no
v. do Cent., p . 135). H a aí. entretanto, segundo João Mendes de Almeida
( “ Rev. do In st. H ist, de S . P a u lo ”, V II, p . 456), uma. confusão, atribuindo
os autores citados ao principal Piquerobi o nome da sua tab a ( Yruaray, ou
Ururay, ou ainda A ra ra y). Piquerobi, portanto, te ria sido o chefe que co­
mandou o ataque contra P ira tin in g a .
(211) 10 de julho.
(212) Este catecumeno foi, segundo S. de Vasconcelos, (o. c ., 1. 2, nu­
mero 136) o já citado sobrinho de T ibiriçá, “ chamado por sua valentia J a g o a ­
nharo, que vem a dizer, o Cão bravo” . T . Sampaio (1. c .) grafa Jagoanharo.
(213) A cêrca, inform a S. de Vasconcelos (o. c ., 1. 2, n. 137), “ a
toda a p ressa” foi feita “ de taip a de mão a modo de m uralha” . N as Atas da
Camara da Vila de S . Paulo (1562-1596, p b l. do Arquivo M unicipal de São
Paulo, I, S. Paulo, 1914), são frequentes as referencias aos “ muros e baluartes”
que fortificavam P ira tin in g a .
(214) E ’ o que o proprio A nchieta já reconhecia em 1->•»4 (v . carta 1 ).
E, como ele, N obrega em 1559 (('art., X X ) .
(215) “ P estilente desinteria de sangue perigoso” , diz S. de Vasconcelos
(o. c .. 1. 2. n . 137).
(216) P ad re Fernão Luiz (S . de V asc., o. c ., 1. 2, n . 138).
(217) Chamado Piririgoá Obyg, segundo S. de Vasconcelos (o. c ., 1. 2,
n . 141), “ todo enrugado, só com a pele sóbre os ossos, com m ostras que fora
antigam ente pintada, e galanteada, indicios de indio proncipal” .
(218) 8 de dezembro.
(219) Os tam oios.
(220) N obrega e Anchieta partiram de São Vicente a 18 de abril, dois
dias depois de escrita esta c a rta.
(221) Em 1562 seguiram p a ra a Baía, em companhia do padre Manuel
de Paiva, os irm ãos Gregorio Serrão, Diogo Jacom e e Manuel de Chaves, que
lá chegaram em setembro e foram logo ordenados pelo bispo d. Pero Leitão
(Cart. A v . , L ) . S. de Vasconcelos (o. c ., 1. 2, n . 127) fixa a data da che­
gada á Baía em julho, confundindo-a talvez com a da p artid a de São 5 icente.

195 .
XV

Ao Geral Diogo L ainee, de São V . cente, J aneiro de 1565 (2 2 2 ).

Ihovw de Nobrega e Anchieta o Iperoig. - Paradas na Bertioga


c na ilha de S. Sebastião. — Chegada a Iperoig. — A uiza
J r gve os Tamoios queriam a paz. - Partida de redens para
í Virente — Doutrinação dos meninos. — Projetado ataque
aos Tamoios ás povoações portuguesas. — Chegada de Pindo-
Tuçú - José. Adonw. - Chegada de Aimbire e de um T an^
J luterano. - Notícias dos Franceses do Rui dt[Jane^ ° -
Partida de Adorno c alguns Tamoios ]xira ti. V*ce .
nada de um filho de Pindobaçú. — Visita a aldeia de Cunham-
“é Z - M r w roUn paraS. Vicente. - Dommgos de P.,^
na — Batismo de um maraba. — Amizade de Pmdobuçu
Padre Francisco Cardoso. - Nobrega c Cunhambeba assentam
as pazes com os Tupis. - Ida a PiraUnmga dos Tamoios do
Paraíba - Anchieta socorre os enfermos. — Chegada de
Cunhambeba e partida de Domingos dc Braga - Cunhambeba
e Anchieta embarcam para ti. Vicente. — Assaltos dos Iam nos
d0 Rio de Janeiro. - .1 armada de Estacw de tia chega ao
Rio — Nobrega r Anchieta seguem ao seu encontro — Vmeta
da armada a ti. Virente. - Peste de varíolas. - Anchieta ern
Piratininga.

A graça e amor do Espirito Santo seja sempre em nosso con­


tínuo favor e ajuda. Amen.
B > chegada esta terra a tal estado que já não devem esperar
dela novas de fruto na conversão da gentilidade, a qual pois falta
parece consequente superabundar as tribulações que se passam, com
esperança de poder colher algum, que se guarde nos celeiros do be-
nhor, o qual, pois se dignou de nos comunicar algo delas, determi­
nou com elas algo me dilatar, pois o mesmo disse que o verdadeiro

1 9G
XV. — CARTA D E S. V IC E N T E (156õ)

fruto nasce da paciência, para que com tudo seja seu santo nome
glorificado.
Em as letras passadas toquei algo das grandes opressões que
dão a esta terra uns nossos inimigos chamados Tarnuya (Tamoios),
do Rio de Janeiro, levando contínuamente os escravos, mulheres e
filhos dos Cristãos, matando-os e comendo-os. e isto sem cessar, uns
idos, outros vindos por mar e por terra; nem bastam serras e mon­
tanhas mui asperas, nem tormentas mui graves, para lhes impedir
seu cruel ofício, sem poder, ou por melhor dizer, sem querer resis-
t ir-lhes, de maneira que parece que a Divina Justiça tem atadas as
mãos aos Portugueses para que não se defendam, e permite que lhes
venham estes castigos, assim por outros seus pecados, como maxime
pelas muitas semrazões que têm feito a esta nação, que dantes eram
nossos amigos, salteando-os, cativando-os muitas vezes com muitas
mentiras e enganos.
Pelo que determinou o Padre Manuel da Nobrega de tratar
pazes com eles, com aprazimento de todos êstes povos, para que al­
gum pouco cessassem tantos incursos e opressões, ou ao menos quan­
do eles não quisessem, nos deixassem nossa causa justificada deante
de Deus Nosso Senhor, e abrandasse o rigor de sua Justiça, queren­
do dar sua vida em sacrificio, entregando-a em mãos de seus inimi­
gos, ficando-se com eles em suas terras, mandando também eles cá
alguns das seus em refens e assim tratando-se pouco a pouco até sol­
dar a amizade e paz, n t unus aut duo morientur homines pro po­
pulo, et non tota cjens periret, esperando daqui também outros fru ­
tos da conversão dos mesmos ou, em sua falta, ganhar algumas almas
de seus filhos inocentes com a agua do santíssimo batismo, como mais
longamente em as letras passadas hei referido.
Movido pois com tantas e tão justas causas, e confiando em a
virtude de Nosso Senhor Jesus Cristo, que das pedras duras tira
abundantes rios d ’agua, empreendeu êste caminho, determinado de
se partir em dois navios bem aparelhados á terra dos contrarios, e
depois de renovados os vetos á primeira oitava da Pascoa (223) do
ano passado de 1563 (223-a) nos partimos antes (pie os navios, e eu
indo-os esperar a uma fortaleza daqui a quatro léguas chamada beri-
guioca (224), em uma canoa, onde logo começámos a experimentar a

197
JO S E P H D E A N C H IET A

doçura da Divina Misericordia e Providência, á qual totalmente nos


haviamos entregado e foi que, havendo nós outros chegado a terra,
e desembarcado, veiu tão grande tempestade de vento e chuva, que
se nos tomara em mar, como a canoa era pequena, teríamos grande
perigo de nos perder, a salvo conduziu-nos; bendito seja o Senhor
doador de todo bem.
Nesta fortaleza estivemos cinco dias confessando os moradores
dela e seus escravos e comungando aos que eram capazes do santo
Sacramento, enquanto se aparelhavam os navios, e dai nos parti­
mos aos 23 de Abril (225). com bom vento; mas logo se nos mudou,
c houvera de dar com nós outros á costa em uma ilhota pequena,
mas. ajudando-nos Nosso Senhor, chegámos a uma ilha chamada de
S. Sebastião, despovoada, mas cheia de muitos tigres, onde. o ia
de S. Felipe e S. Tiago (226), dissemos missa, e logo no seguinte,
que era domingo, também encomendando a Deus nosso caminho, dali
nos partimos e com próspero vento chegamos aos -primeiros lugares
dos inimigos, que estavam vinte léguas destas povoações dos Por­
tugueses, pouco mais ou menos, chamados Iperoig (227). onde lo„o
saíram a receber-nos alguns deles bem longe de terra, e sabendo ao
que Íamos se meteram nos navios sem temor, e depois de serem de
nós outros recebidos com paz e amizade, se foram a dar conta do
que passava a seus principais, os quais ao outro dia, que foi de
S. João ante portam latinam (228), vieram todos em três canoas
n ’tratar sobro as pazes. Mas porque temiam que se entrassem
todos juntos nos navios os salteassem (como outras muitas vezes
haviam feito os nossos) pediram que fossem dois dos nossos á ter­
ra e que dos seus ficariam nos navios em refens. para deles sabe­
rem mais largamente a verdade, e assim se fez, deixando eles tres
ou quatro dos seus, levando dois dos nossos, um a um lugar e outro
a outro, onde dormiram uma noite e praticaram largamente até
ficarem satisfeitos, sem suspeita de nenhuma mentira, sabendo que
iam os Padres, dos quais eles têm notícia que não tratam, senão
de ensinar a palavra de Deus, parecendo-lhes que tinham boa pren­
da em nós outros se ficássemos em suas terras, e para mais segu­
rarem-se ao outro dia trouxeram uma mulher comsigo que havia
já estado entre nós outros, para que soubesse de certeza se éramos
xv. — CAETA D E S . V IC E N T E (1565)

os Padres, a qual em nos vendo nos conheceu e disse aos seus como
o Padre Nobrega era nosso superior e que se confiassem ségura-
mente de nós outros, e desejando eles que saíssemos á terra a ver
seus lugares, para se acabarem de assegurar, saímos e com nós ou­
tros oito ou nove Portugueses, ficando muitos dos inimigos nos
navios, já não como refens, mas de sua propria vontade, como em
casa de seus amigos. Chegados á praia pusemo-nos de joelhos dan­
do graças a Nosso Senhor e desejando abrir-se já alguma porta, por
cnde entrasse sua graça a esta nação que tanto tempo esta apar­
tada dela.
Visitámos ambas as aldeias e. entre eles, eu falando em
voz alta por suas casas como é seu costume, dizendo-lhes que se ale­
grassem com a nossa vinda e amizade: que queriamos ficar entre
eles e ensinar-lhes as cousas de Deus, para que ele lhes désse abun­
danda de mantimentos, saúde, o vitória de seus inimigos e outras
cousas semelhantes, sem subir mais alto, porque esta geração sem
êste escalão não querem subir ao céu, e a principal razão que os mo­
veu a quererem a paz não foi o medo que tivessem aos Cristãos, aos
quais sempre levaram de vencida fazendo-lhes muitos danos, nem
necessidade que tivessem de suas cousas, porque os Franceses que
tratam com eles lhas dão em tanta abundanda, assim roupas, como
ferramentas, arcabuzes e espadas, que as podem os Cristãos comprar
a eles, mas o desejo grande que têm de guerrear com seus inimigos
Tupis, que até agora foram nossos amigos, e pouco ha se levanta­
ram contra nós outros (salvo uns poucos de nossos discípulos, como
mais largamente hei referido em outras), dos quais, porque sempre
foram vencidos e maltratados com favor dos Portugueses, queriam
eles agora com o mesmo favor ser vencedores e vingar-se bem deles,
matando e comendo á sua vontade, dizendo que até agora nos ha­
viam feito muito mal, com seus saltos contínuos, porque lhes estor­
vávamos a passada a seus inimigos. Que deles desejavam vmgar-se,
e não de nós outros, mas daqui em deante não nos lembrássemos
mais das guerras passadas, pois também lhes haviamos morto mui­
to dos seus, mas que todo o nosso furor se convertesse contra os
Tupis, que tão sem razão se haviam alevantado contra nos outros,
etc. (229). A primeira e principal condição das pazes foi que eles

19 9
JO S E P H DE A N C H IET A

também haviam de aer amigos de nossos discípulos (que por^nos de-


fender se haviam apartado de seus parentes e haviam j
para o qual levavamos alguns com nós outros nos navms) queMam-
bem lhes disseram o mesmo. O que eles concederam de grado po­
rém depois nos foi isto causa de muita tribulação, mas mm boa e
suave porque, por defensão deles nos oferecemos depois muitas vezes
ã morte, como eles haviam feito por nós outros, como adeante

Cünt Mostraram todos, homens e mulheres, folgar muito com nós ou­
tros e assim assentadas todas as cousas, sacámos em terra nosso fato.
Despedindo-se os nossos de nós outros com muitas lagrimas como
que nos deixavam entre dentes de lobos famintos, e na verdade a
todos os Cristãos desta costa e ainda a nossos Padres, que con ecem
esta brava e carniceira nação, cujas queixadas ainda estão cheias de
carne dos Portugueses, pareceu isto não só grande façanha, mas qua­
si temeridade, sendo esta gente de maneira que cada um faz lei para
si e não dá nada pelos pactos e contratos que fazem os outros. Mas
nós outros em terra, ordenou a Divina Providência que se metessem
doze mancebos das duas aldeias em um navio como refens, sem nos
outros esperar que fossem tantos, os quais partidos logo ao outro dia
vieram a estas vilas, e foram mui bem tratados dos Cristãos, e em o
outro navio se meteram cinco dos mais estimados, e se foram cami­
nho do Rio de Janeiro, onde está a maior força dos seus, e o con­
trato dos Franceses para acabar as pazes com eles, dando testemu­
nho como já ficavamos de assento em suas terras, de cuja viagem
depois referirei.
Nós outros nos ficámos em terra, o Padre Manuel da Nobrega
e eu, e pousámos em casa de um Índio principal que havia muito
tempo que haviam salteado, por engano dos Portugueses com ou­
tros muitos, e haviam escapado fugindo do navio, com uns ferros nos
pés, e andando toda a noite, e ainda que tinha razão por isto^de
ter-nos grande odio, determinou de olvidar-se dele e convertê-lo
lodo em amor, mostrando-se como um dos principais autores desta
paz, movido também por palavras de uma índia que tinha em sua
casa, a qual em o mesmo tempo fora salteada e vendida por escra­
va contra toda razão e justiça, a qual tinha dado grandes novas de

200
XV. CARTA DE S . V IC E N TE (1565)

nós outros, que uão queríamos eonseutir que os que eram sa teados
fossem cativos, e não queríamos confessar a seu senhor dela,
one a pusesse em sua liberdade, e outras muitas cousas de nossos
costumes e maneira de vida, com que deu algum conhecimento e
crédito de nós outros àqueles índios seus parentes, e ela tinha cui­
dado de nos dar de comer e proeurá-lo com muito amor e diligen­
cia e ainda de avisar-nos de algumas cousas, se porventura os seus
maquinavam contra nós outros.
Logo começámos a ajuntar os meninos e meninas do lugar,
com os quais também se achegavam algumas mulheres e homens e
lhes c o m e ç á m o s a ensinar as cousas da fé, anunciando Sosso Se­
nhor Jesus Cristo àqueles que dele nunca haviam ouvido, e os ra­
pazes aprendiam de boa vontade; de maneira que em espaço de uma
semana estavam aptos para receberem o santo batismo, se estive­
ram em terra de Cristãos, aos quais em público e em particular
admoestávamos, especialmente que aborrecessem o comer da carne
humana porque não perdessem suas almas no inferno, ao qual vao
todos os comedores dela e que não conhecem a Deus seu Ciead ,
e eles nos prometiam de nunca mais comê-la. mostrando muito sen­
timento de ter mortos, sem êste conhecimento, seus antepassados e
sepultados no inferno. O mesmo diziam algumas mulheres em par­
ticular. que pareciam folgar mais com nossa doutrina as quais
prometiam que assim o fariam ; aos homens em geral falamos nela,
dizendo-lhes como Deus o defende, e que nós outros nao consentía­
mos em Piratimnga aos que ensinávamos que os comessem a cies,
nem outros alguns, mas eles diziam que ainda haviam de comer de
seus contrarios, até que se vingassem bem deles, e que devagai cai­
riam em nossos costumes, e na verdade, porque costume em que
eles têm posta sua maior felicidade não se lhes ha de arrancai tao
presto ainda que é certo que ha algumas de suas mulheres que
nunca’ comeram carne humana, nem a comem, antes ao tempo que
se mata algum, e se lhe faz festa no lugar, escondem todos seus
vasos em que comem e bebem, porque não usem deles as outras, e
junto com isto têm outros costumes tão bons naturalmente que pa­
recem não haver procedido de nação tão cruel e carniceira.
Os índios nos faziam todo o bom trato possível a sua pobreza

201
JO S E P H DE A N CH IETA

c baixeza, e como têm por grande honra quando vão Cristãos a


suas casas dar-lhes suas filhas e irmãs para que fiquem por seus
genros e cunhados, quiseram nos fazer tal honra, oferecendo-nos
suas filhas, insistindo muitas vezes; mas como lhes dessemos a en­
tender que não somente aquilo que era ofensa a Deus aborrecíamos,
senão que não éramos casados, nem tinhamos mulheres, ficaram eles
, elas espantados, como éramos tão sofridos, e continentes, e tmham-
nos muito maior crédito e reverência. As mais particularidades neste
ca,so não é possível, nem expediente; baata entender-se que é necessa­
ria graça mui especial e fogo do Espirito Santo a quem houver de
viver entre gente que põe nisto uma das essenciais partes de sua fe­
licidade, cujos pensamentos, palavras e obras, que quasi necessaria­
m e n te ha de ouvir-se. e ainda ver-se, todos finalmente vêm parar
nisto. Bemdita seja a Suma Bondade que tanto cuidado tem da­
queles que são membros desta sua minima Companhia.
Km o primeiro domingo (230) depois que saímos fizemos um
aliar em um bosque junto ao lugar e dissemos a primeira missa na­
quela terra, e depois aos 14 de Maio dentro do lugar nos aposen­
taram em uma casa. saindo-se todos dela. porque assim o deixou
mandado seu dono, «pie era um principal dos cinco que foram no
navio ao Rio de Janeiro, como acima disse, e nela celebrámos missa,
aspergindo-a primeiro toda com agua benta por estar mm conta­
minada de mortes e outros pecados que nela seriam metidos; o qual
foi o dia dos Santos Mártires Vitor e Corona, em que pedimos a
Nosso Senhor nos desse vitória contra o demonio para concluir-se e
efetuar-se estas pazes, das quais sc esperava resultar tanto bem e
salvação de tantas almas, assim de escravos e mulheres dos Cris­
tãos que cativam continuamente e têm por mancebas, e depois as ma­
tam e comem, como dos seus mesmos, dos quais tem Nosso Senhor
muitos predestinados para sua glória; e daí em deante sempre dis­
semos missa, com umente antes do dia, por não ser perturbados dos
Índios, os quais se queriam sempre achar presentes por curiosidade
c era-nos causa de alguma inquietação, e ainda com tudo isto nun­
ca pudemos fazê-lo tão secretamente que não concorressem alguns,
e não se contentavam senão com chegar-se mui perto do altar e mirar
mui bem a imagem do Crucificado que ali tinhamos.

2 02
XV. - CAKTA DE S. V IC E N T E (1565)

Desta maneira vivíamos entre eles gastando uns poucos de dias


cm um lugar, e outros poucos em outro, por contentar a todos, ensi­
nando sempre as cousas da fé a quantos as queriam ouvir, e éramos
mui amados de todos, quanto se podia conjeturar por palavras e
obras exteriores, maximè porque tinham eles determinado em con­
selho que o primeiro Cristão que tomassem o entregassem ás ve­
lhas, que são as mais carniceiras, e elas o matassem á sua vonta­
de a estocadas e pancadas de paus agudos, e depois de assim mor­
to. um deles lhe quebraria a cabeça e tomaria novo nome. como e
seu costume, e isto porque lhe.s haviam morto os nossos, pouco ha­
via, um seu grande principal, mas que então estavam já fóra do tal
proposito. ,
Mas porque Nosso Senhor aos que ama castiga e dá tribula­
ções não quis que passasse muito tempo sem nos dar algum dos
semelhantes regalos; ainda que na verdade já anteriormente os
começávamos a experimentar e sempre os haviamos com contínuos
sobresaltos que tínhamos dos grandes encontros, que nos estavam
aparelhados, porque ao tempo que saimos naquela fronteira de
inimigos tinham os índios desta Nação grande guerra junta so­
bre os lugares dos Cristãos, para o qual tinham aparelhadas duzen­
tas ou mais canoas, que fazem de uma cortiça so de uma arvore
cada uma, pondo-lhes outros pedaços da mesma cortiça por bordos,
mui bem atados com vimes, e são tão grandes que levam cada uma
delas vinte e vinte e cinco e mais pessoas, com suas armas e vitua­
lhas; e algumas mais de trinta, e passam ondas e mares tao bravos
que é cousa espantosa e que não se pode crer, nem imaginar, se­
não quem o vê e muito melhor quem as passa e se se lhes alaga,
lançam-se todos á agua, e tiram-a fóra á praia, ou no mesmo mar
a exgotam e se tornam a meter nela, e vão seu caminho, e acresce
muitas vezes que a grande furia da tempestade se lhas faz em pe­
daços, e eles em o caminho vão-se á terra. Pois com estes seus na­
vios assim juntos tinham determinado de dar nos Cristãos, nao
com guerra descoberta, senão de saltos, uns em uma parte e outros
em outra, uns idos. outros vindos, de maneira que nunca a car­
reira estivesse sem eles, e junto com isto os que deles moram pelo
sertão haviam de vir por terra com a mesma continuação, ate des-

203
JO S E P H DE A N C IIIE T A

truirem tudo, se pudessem, e é de crer segundo a pouca industria


que as Cristãos têm em se defender, que em este ano se havia de
assolar grande parte desta Capitania, se não intervieram estas

PftZe Assim que nós outros em terra, cada dia esperávamos por al­
guns destes, porque todos vêm aportar àquela fronteira, dos quais
bem criamos que trariam mui boa vontade de nos matar, como sou­
bessem (pie estavamos em suas terras, e logo aos e i aio c
garam duas canoas; em uma delas vinha um grande principal da
mesma aldeia em que estavamos. que chamavam Pmdobuçu (-■ ),
que quer dizer "folha grande de palma” ; na outra vinha um ir­
mão daquele em cuja casa pousamos, o s quais ainda nao sabiam
de nós outros, e entrando este em casa, como lhe deram conta do
que se passava, dissimulou por então e mandou que lhe desemba­
raçassem sua casa, e como estivesse dentro fazendo lavar nosso
fato a-outra casa. chegou um seu genro, que vinha com ele. e ven­
do-me dentro não pôde passar da porta, mas antes ali parado com
uma espada na mão, perguntou a seu sogro: “ Quem e este. es-
pondeu-lhe: "O Português” . Disse o outro: “ Português? como
homem que havia achado cousa mui natural para executar seu odio
mortal, que todos nos têm. Eu disse-lhes: "Eu sou vosso amigo,
que hei de estar com vós outros daqui em deante’ . Mas ele mui
indignado e soberbo respondeu: "Não quero sua companhia” e ou­
tras cousas asperas; mas não lhe permitiu Deus Nosso Senhor
fazer m al.
Mas como as outros lhes deram conta do que se passava, logo se
assossegaram, maximè Pindobuçú. o qual mostrava grande prazer
das pazes, dizendo que muito tempo havia que as desejava, e que
queria durassem para sempre, praticando com nós outros muitas
cousas, assim das tocantes á paz, como de nossa vida. Nós outros
lhes mostrámos as disciplinas com que se domava a carne, falan­
do-lhe também dos jejuns, abstinências e outros remedios que tí­
nhamos, e que tudo isto fazíamos por não ofender a Deus, que
manda o contrário; e ele replicou: “ E Deus que lhes ha de fazer?
Por que tendes medo dele?” Então lhe falámos do inferno e glória,
etc do que ele ficou maravilhado, e tendo-nos grande crédito,

2 Od
XV. CARTA DE S . V IC E N TE (1565)

porque nossa vida era tão apartada da dos homens, e que nao tra­
távamos senão em cousas de Deus e de bons costumes, e logo come­
çou a pôr por obra o crédito que nos tinha, porque ao tempo que
entrou o outro em a casa de seu irmão, em que pousávamos, e ti­
rando nós outros dela nosso fato, não nos podendo empecer em ou­
tra cousa, escondeu a campainha com que ehamavamos a doutrina,
e nunca a quis descobrir, ainda que a foram buscar muitas vezes,
até que sendo informado disto o Pindobuçú. começou a pregar por
as casas, que descobrissem logo a campainha, e não fizessem cousa
por onde lhes viesse algum mal, dizendo: “ Se nós outros temos
medo de nossos feiticeiros, quanto mais o devemos de ter dos pa­
dres, que devem ser santos verdadeiros, e teriam poder para nos
fazer vir camaras de sangue, tosse, dor de cabeça,” das quais pa­
lavras o outro ficou tão espantado, que logo descobriu que ele ti­
nha a campainha.
\o s 27 de Maio começaram a vir os que tinham a guerra jun­
ta. e o primeiro foi um principal (232), com dez canoas de gente,
o qual já sabia a nova de nossa saida e logo determinou de nos
tomar e matar, e que os que eram vindos em refens ficariam en­
tregues com nós outros, e isto por ser grande inimigo dos Portu­
g eses por causa dos Franceses, de quem é grande amigo, e tem
a um deles por genro amancebado com uma sua filha, de que tem
uma neta, e este seu genro ficava atrás com quatro canoas, que
também vinham á guerra a nós outros, e ordenando assim a Di­
vina Providência, encontrou com um navio que ia tratar as pazes
ao Rio de Janeiro, de que era capitão José Adorno (233), tio ^e
nosso irmão Francisco Adorno, e sabendo que não era Português
entrou no navio abraçando-o e mostrando muito contentamento
das pazes, e deu aviso de como os índios que vinham com ele deter­
minavam de tomá-los ás mãos, e matá-los, aos quais ele ja tinha ti­
rado de seu mau proposito e dali se tornou levando cartas do ca­
pitão aos Franceses moradores do Rio, em que lhes pedia dessem
favor para o cumprimento da paz que se tratava, e o mesmo acon­
selhou a José Adorno que se tornasse, porque se fosse adeante pu­
nha-se em grande perigo de ser morto com todos os seus, e mandou
dizer a seu sogro por um índio seu irmão, que ia em o navio, que

205
JO S E P H D E A N C H IET A

consentisse nas pazes; com isto se tornou o navio e chegou aonde


nós outros estavamos em o mesmo dia que as dez canoas.
Ao tempo que estes chegaram, ordenou Nosso Senhor para
que entendessemos que todo nosso bem e salvação nos vinha dele,
que a maior parte dos índios dos lugares em que tínhamos algu­
ma confiança que nos defenderiam dos seus. se quisessem fazer-
nos mal, estivessem ausentes; chegando pois aquele principal com
suas dez canoas vein logo falar-nos com danado ânimo, p qual era
homem alto. sêco, e de catadura triste e carregada e de quem tí­
nhamos sabido ser mui cruel. Êste. pois, entrou com muitos dos
seus com um arco e flechas na mão, vestido numa camisa, e assen­
tado em uma rêde começou a tratar das pazes, e a tudo o que lhe
dizíamos se mostrava incredulo e duro, trazendo a memona quan­
tos males lhe haviam feito os nossos, e como a ele mesmo haviam
já prendido em outro tempo com pretexto de pazes, mas que ele
por sua valentia, com uns ferros nos pés, saltara do navio e havia
escapado de suas mãos, e com isto arregaçava os braços e bulia com
com as flechas, contando suas valentias. Estando nisto, chegaram
os índios que vinham no navio e deram-lhe novas como seu genro,
o Francês, havia feito já pazes, com o qual parece (pie se abran­
dou algum pouco, e se foi, por ser já tarde, dizendo que ao outro
dia trataríamos mais de espaço, e aquela noite determinaram al­
guns dos seus de ir por a manhã, com pretexto de resgate, a tomar
o navio, e outros a matar aos que estivessem em terra, e puderam
fazê-lo muito a seu salvo, se Nosso Senhor o permitira, porque ao
outro dia. pola manhã desejando Pindobuçú que se efetuassem as
pazes, disse-me que fosse aos navios e trouxesse o capitão á terra
para concertar como haviam de ser. e indo eu por ele. foram lá
cinco canoas mui cheias de gente e começaram uns a resgatar, ou­
tros a falar sôbre as pazes, enchendo-se o navio deles e por fim
chegou um mui depressa dizendo que tosse asinha o capitão, di­
zendo que estava já o principal com os seus esperando, para tra ­
tar das pazes, que ele iria logo. e êste era o principal autor da
traição, ainda que não o sabíamos, mas todavia temendo-nos de
'* r A-
que poderia ser, não quisemos sair ate que se apartaram as canoas,
c, elas idas, o capitão, temendo-se do (pie em verdade se tratava,

206
XV. — CARTA D E S. V IC E N TE (1565)

contudo, por ser grande nosso amigo e devoto, não duvidando de


morrer onde nós outros morrêssemos, deixando no navio um ir­
mão de Pindobuçú, em refens por si, se saiu á terra commigo, e
cm saindo se chegou um menino dos da aldeia, que eu ensinava, a
mim. e me disse: Já são chegados á casa os índios e falam sôbre
nossas cabeças, e nem com tudo isto se quis o capitão tornar ao na­
vio, que o pudera mui bem fazer, que as casas ainda estavam lon­
ge em um monte alto, mas foi-se commigo á aldeia e aquele prin­
cipal entrou logo em nossa pousada com muitos dos seus, os quais
nos cercaram com arcos e flechas, outros com espadas, outros com
punhais nas mãos. como homens que não esperavam mais que a
primeira palavra do Capitão, o qual, assentado em meio de todos,
Com uma boa espada na mão e vestido com um saio preto bem
fino, antes de tratar com nós outros, praticou com um Francês lu-
1erano que trazia comsigo, informando-se dele quem era o Capitão,
ao qual o Francês disse que era homem que sabia bem a lingua
francesa e dizia haver-se criado em França, mas que não era seu
parente, e que vinha a tratar pazes com ele e juntamente com todos
os Franceses do Rio; o principal, ouvindo dizer que não era Fran­
cês, parece que se alegrou para poder executar sua ira e disse: “ As­
sim ? Português é êste?” — Eu, porque o capitão não entendia a
lingua brasilica, avisei-o do que praticavam, e ele disse ao biances
que lhe dissesse a verdade, que ele não era Português, mas Ceno-
vês e grande amigo dos Franceses, com o qual se aplacou um pouco
aquela besta brava e começaram a tratar com nos outros sôbre as
pazes: insistiu muito que lhe haviamos de dar a matar e comer dos
principais de nossos índios que se haviam apartado dos seus, assim
como em outro tempo haviamos feito a eles, e como disséssemos que
nenhum deles lhe haviamos de dar, por serem nossos amigos e dis­
cipulos, que Deus não queria isso, e que assim o haviamos concer­
tado com os da fronteira, respondeu ele: “ Os contrarios não são
Deus; vós outros sois os que tratais as cousas de Deus, haveis de
no-los entregar.” E como nisso altercássemos um pouco, concluiu
ele em poucas palavras: “ Pois que sois escassos dos contrarios, não
tenhamos pazes uns com outros.” E pouco faltou para logo as que­
brar e com quebrar-nos a cabeça, se Deus Nosso Senhor lhe desse

20 7
JO S E P H DE A N CH IETA

licença, a quebraríamos mui de grado por causa tao justa, porque


r.ão só nos pediam carne humana para comer, mas ainda aos ino­
centes que por nos defender se haviam feito inimigos dos seus e
“ J o suas vidas peias nossas. 0 Capitão vendo-o tao bravo como
lobo carniceiro, que não pretendia mais que fartar-se de sanpie e
não dava nada pela razão, por se desembaraçar dele, disse-lhe qu<
se viria cá e praticaria aquilo com o Capitão que o havia mandado,
porque ele não tinha licença para poder prometer-lho. Nisto inter-
veiu Pindobuçú, que até então se havia calado, e disse que assim
seria bem, que bastava o dito, e com isto se foram e nos deixaram,
c antes que o Capitão se fosse a embarcar, lhe descobriu aque
Francês todas as maquinações dos índios que já tenho contadas. Bem-
d ito seja o Senhor, que amansou aqueles feros leões.
Êate Francês se ficou praticando com nós outros na lingua bra­
sílica e dele soubemos como todos os seus que estão no Rio sao
fieis e não papistas e não têm missa, antes perseguem e ainda ma­
tam aos que a dizem, que eles crêm só em Deus.
Dêste mesmo e dos índios que de lá vinham soubemos como de
França foram ali enviados 12 frades, que segundo parece deviam
sei- da Ordem de S . Bernardo, os quais fizeram casa e mantimentos
um ano que aí estiveram, e vivam apartados dos seus, dos quais
eram perseguidos e maltratados, porque eram papistas e diziam
missa; mas dos índios selvagens e erueis eram tratados com muita
humanidade, e alguns lhes davam seus filhos a ensinar, e com tudo
isso passavam muito trabalho de fome. pelo qual sendo forçados a
buscar de comer polas roças, e não conhecendo bem as raizes, come­
ram uma vez de mandioca assada, e houveram de morrer, o qual
este Francês contava com muito gosto e prazer que disso tinha. Ou­
tra vez, andando os fieis do Senhor trabalhando e queimando um
pedaço de mato cortado, para nele plantar mantimento, pegou fogo
ás casas e queimou toda sua pobreza, que tinham, e ornamentos da
Igreja, vendo-se tão perseguidos dos seus, e que com os gentios não
podiam fazer fruto algum, como pretendiam, tornaram-se para a
França, e ainda é mais de crer que os mesmos Franceses os levaram,
porque não seguiam a excomungada seita de Calvino, e segundo me
contou um Indio, no caminho mataram alguns deles e em chegando

208
XY. — CARTA DE S. V IC EN TE (1565)

á França mataram os outros. A vida dos Franceses que estão neste


Rio é já não somente hoje apartada da Igreja Católica, mas tam­
bém feita selvagem; vivem conforme aos índios, comendo, bebendo,
bailando e cantando com eles, pintando-se com suas tintas pretas e
vermelhas, adornando-se com as penas dos passaros, andando nús
ás vezes, só com uns calções, e finalmente matando contrarios, se­
gundo o rito dos mesmos índios, e tomando nomes novos como eles,
de maneira que não lhes falta mais que comer carne humana, que
no mais sua vida é corruptissima, e com isto e com lhes dar todo
genero de armas, incitando-os sempre que nos façam guerra e aju­
dando-os nela, o são ainda pessimos (233-a ) .
Tornando-me agora ao proposito começado, o capitão José Ador­
no livre de tão grande angústia, a qual nos havia dado maior afli­
ção que a nossa propria, se embarcou, ao qual dissemos, e assim es­
crevemos aos regedores destas vilas que de nenhuma maneira se
désse não só alguns dos índios inocentes nossos amigos, mas ainda
nem algum dos culpados a comer, ainda que a nós outros nos
custasse a vida, porque por tal causa de bôa vontade não a queria-
mos, e ainda desejávamos dar partido, pois teve tão bom vento
pela bondade do Senhor, que chegou primeiro cá que os índios em
suas canoas, os quais ainda vinham determinados a combater a
fortaleza de Beriquioca, mas o Capitão da terra, sabido o que pas­
sava, os estava já esperando com muita gente e lhes tinha manda­
do ao caminho alguns dos que cá estavam em refens, com cujas pa­
lavras aquele principal vinha já manso e entrou em estas vilas,
pregando que folgava muito com as pazes, que já cria ser verdade
o que lá lhe dizíamos, nem queria que lhe dessem alguns dos nos­
sos índios a matar, que se nós outros, estando em sua terra e em
seu poder, com tanta constância haviamos resistido á sua petição,
dizendo que não se lhes haviam de dar, quanto mais a teriam os
Cristãos cá, que o tinham a ele em seu poder, etc. : assim que foi
recebido com muita alegria e festas dos nossos, de que ficou mm
satisfeito. Neste tempo que êste chegou aqui, vieram muitos dos
Tupis que se haviam rebelado e meteram-se com os Cristãos em
uma fronteira chamada Itanhen com proposito de matar os que
haviam vindo em refens, para que com isto se quebrassem as pazes

20 9
14
JO S E P H DE A N CH IETA

do, Tamújoa, cue ee .pudessem tambem ma.ar dos nossos o qua!


sabido do Capitão da terra (234), se fo, a °s J ™ *
mou alguns deles que os mais fugiram, dos quais os i a m ]
" „ s i prêsas e «utros que os nossos lhes deram, nara «m i. -
. ,3 ft ,, nal. e nara one cressem verdadeiramente eram nossos im-
m i l com O qual eles se tornaram tão alegres e contentes que
mais se n,-,o pode dizer, e moveram todos os seus, de maneira que
„da onal (iava maior pressa que podia )iara vir ver se p» u
' ar outra tão bôa sorte. A nós outros nos pesou mu.to quando
soubemos, porque da eausa dos Tupis se vinham com trat-
,.f,„ „„ não, não ser bem examinada, bastara quando isso to, a, fazer
verdugos de seus contraries, mas não deixa-los levar a come,.
Neste meio tempo que isto eá se tratava, em que se passaram
mais de quinze dias, nós outros nos ficámos postos entre m»,
angústias, e vindos os de nossas aldeias que estavam ausentes lhes
contámos « que havíamos passado e as traições que os do R.o ut-
contra nós outros e como ainda eram ca vindos com mau
proposito, nomeando-lhes os autores do mal. de que eles mostra.,
ficar mui enojados contra os seus. ineitando-.se uns aos outros que
estivessem aparelhados para quando estes volvessem, que nao con­
sentissem fazer-nos algum mal, ainda que soubessem fazer-se boje
seus inimigos, e junto com isto ficaram espantados, pensando que
Deus „os havia descoberto as traições, inclusive o 1 indobiiçu, o
qual nos disse entre outras cousas: "Vós outros sabeis todas as
cousas, Deus vos descobre tudo. rogai-lhe que me de longa vida,
que, eu me ponho por vós outros contra os meus.” R da. em deante
sempre nos ia a visitar logo de manhã, sabendo se havíamos mis­
ter alguma cousa para comer, e procurando-a c perguntando-nos
muitas cousas de Deus, ao qual contávamos algumas, mostrando-
lhe — • ’ ficava espantado e nos dizia
ie as imagens na .1“ Biblia, de que
1 ele ,
M„e deixássemos o mais para outro dia. que não podia levar tanto
n m i o . e depois tinha cuidado de tornar a perguntar.
Desta maneira vivíamos em continuos temores, esperando cada
dia por c a n o a s , assim do Rio. como das que eram passadas á; Ben-
uuioca, temendo que fossem descontentes ou houvessem recebido al-
dano se acometessem a fortaleza, e se quisessem vingar em nos
XY. — CARTA DP] S . V IC E N TE (]f>60)

outros, e o mesmo temor tinham os nossos amigos de Iperuig, en­


tanto que querendo eles ir a trazer uma canôa á selva, aonde se
haviam de deter alguns dias, diziam seria bom levar-nos comsigo,
porque não viessem estoutros estando eles ausentes como dantes ha­
via acontecido. Mas Nosso Senhor por nos ensinar a verdadeira prá­
tica de maledictus hamo que confidit in homine , e para que só nele
puséssemos nossa esperança, ordenou (pie se fossem aos bosques
todos os Índios de uma aldeia e a maior parte da outra, e ficásse­
mos sós, senão quando, aos 9 de Junho, vespera de Corpus Christi,
estando nós outros no fim da praia, apareceu uma canôa que vinha
do Rio de Janeiro, nós outros tomámos por melhor conselho ir á
aldeia de Pindobuçú. porque estando ele presente, nos parecia es­
taríamos mais seguros de qualquer encontro e demos a andar pela
praia e ás vezes a correr, porque pudéssemos passar antes que a
canôa chegasse, por lhes não dar ocasião, se nos achassem sos, de
executar sua danada vontade, da qual ainda que não éramos mui
certos, todavia estavamos receiosos pelo que já havíamos passado,
e êste foi um outro trabalho, o maior, ao menos dos maiores que o
Padre Manuel da Nobrega teve em sua vida, porque estando ele
mui fraco de suas contínuas indisposições e junto com o da má vida
que ali se passava, se queria correr nao podia, se não corria punha-
se em perigo de vida; todavia correu quanto pôde, e mais do que
pôde, até ao fim da praia, onde, antes da aldeia, que está posta em
um monte mui alto, corre uma ribeira d ’agua mui larga e que da
pela cintura, o Padre ia com botas e calças que com umente traz
por as chagas que tem em as pernas, do que ficou mui mal tratado,
se se punha a descalçar chegava a canôa, que estava já detrás de
uma ponte mui proxima de nós outros, de maneira que o tomei ás
costas e o passei; mas em o meio do rio vínhamos já todos molhados,
e como minhas costelas ainda cansem e doem como soíam, e têm mui
poucas forças, não o pude bem passar e foi forçado o Padre a lan­
çar-se na agua, e assim passou todo ensopado, de maneira que es-
eassamente tivemos tempos para nos poder meter polo monte e en­
cobrir-nos com as árvores, pois polo monte arriba foi (-ousa de ver,
ficou-se o Padre, as botas, calças e roupeta e todo molhado, com
toda a sua roupa molhada ás costas e ele em camisa so. com um
JO S E P H E E A N C H IE T A

liordáo na mão, c o c á m o s a caminhar, mas ele .mm

is sTi
une até que passassem os da canoa, os quais esta^
i— .-^
J

^rtr ^ »a i i /m a flyprain cm tiicii d c<niod <i*

porque encontrámos com urn Indio dela, do qual. com i


r Kos e promoter que se lhe pagaria, alcance, que, agora as costas,
L o ra puxando pelo bordão, levasse o Padre, e ass.m, qua». sem
chegou is casas; mas porque nos mostrasse Nosso be-
Z i i i . . é sotas Permitiu que P.ndob,,,.. em quem
confiávamos não estivesse em casa. e na canoa vmha «m - lü h .
,o 35t um dos mais insignes em maldade que ha ent.e aquela gente
alguns 30 mancebos de sua qualidade, o qual estando com s
r , n “o%anôas para vir á guerra, ouvindo a fama dos nossos; as der-
XOU e se meteu mui depressa em uma delas, ()u-itn o s
levasse a honra de nossa morte, e trariam assentado que entrando
2 Z : senl nada aos seus, porque não os estorvassem uns
aferrassem de nós outros ■■ ele nos désse de estocadas e n , dadas
facendo eonta que nem seu pais nem os outros d» alde.a os h a , .
de matar por is» . que se lhes quisessem dar de paus que os sol e-
mas que eles primei,',, fariam u sua. bntrando ele, po . com
W e proposito em casa de seu pai que estava ausente, d.sso-lhe um
seu tio como nós outros éramos idos e tratávamos pazes, e quem eia
nos com o quê. parece que algum pouco se amansou seu iunoso
coração, mas não de todo. anle.b dali a pouco espaço entraram mui­
tos dos seus onde pousávamos, estando nós outros rezando a ves­
pera, a qual acabada, entrou ura, que era dos que nos haviam e
tomar com uma espada mui reluzente na mão. e sentou-se em uma
rêde com o rosto não mui alegre, olhando-nos de traves sem nos
falar, e detrás de todos vein seu Capitão, o qual assentado junto
de 'nós outros, não estando em casa mais que só nosso hospede, com
tara alegre e grandissima dissimulação nos começou a falar, e p ra ­
ticando mui devagar cm cousas diversas, nos repetia muitas vezes:
“ v • certo que tratai verdades nestas pazes, olhai que os <rances
nos dizem que não pretendeis senão que vamos muitos juntos a vos-

212
XV. — CARTA D E S. V IC E N TE (1565)

sas terras, e matar-nos, e que vós haveis de fugir e deixar-nos em


branco.” Finalmente, depois de mui longas práticas se foi, com
todos os outros, mui brando, e descobriu tudo o que trazia ordena­
do, dizendo: “ Eu vinha a fazer isto e aquilo, mas quando entrei a
ver os padres, e lhes falei, caiu-me o coração e fiquei todo mudado
e fraco, e pois eu não os matei, que vinha tão furioso, já nenhum
os ha de matar, ainda que todos os que vierem hão de vir com o
mesmo proposito e vontade” . Louvado seja o Senhor por todas as
suas obras.
Se houvesse de escrever todas as particularidades que ali pas­
saram seria nunca acabar, não é mister mais senão que dali em
deante cada dia bebíamos muitos tragos de morte, dos quais ainda
liei de contar alguns para glória de Deus. Os Índios que estavam
na selva tiveram logo rebate como eram chegados aqueles do Rio
e que os Padres eram fugidos pelos bosques com medo deles, de
que eles diziam com muita tristeza polo Padre Nobrega: “ O Padre
velho onde se irá agora por êstes espinhos? Bem diziamos nós ou­
tros, que não os deixássemos sós”, e outras semelhantes palavras
de compaixão e de bôas condições, e o mais desenganado de todos
eles, como antes parecera, chamado Cunhambeba (236), se meteu
logo em uma canôa, que ainda não tinha acabada, e se vem já mui
alta noite, meio mergulhado por mar mui bravo, a socorrer-nos,
c sabendo que estavamos em paz, sossegou aquela noite. Ao outio
dia, que foi de Corpus-Christi, nos fomos mui de manha a sua al­
deia, onde ele havia dias que nos havia mandado fazer uma casita
pequena, em meio dela, para dizer missa, e quando nos viu, assim
ele como todas as mulheres da aldeia receberam tanta alegria,
como se ressuscitáramos àquela hora, falando-nos palavras de mui­
to amor, e foi-se logo á outra aldeia a convidar aos outros que
viessem a beber á sua, onde lhes tinha grandes vinhos, e^ andando
bebendo e bailando com grande festa, lhes disse que não queria
que ninguem nos fizesse mal, nem falasse algumas palavra aspera,
e não estorvassem as pazes que ele fazia com nos outros, que de
terminava de nos defender ainda que soubesse quebrar com eles.
e a uns deles mais ruins disse: “ Vós outros não me enojeis, que
eu já matei um dos vossos e o comi”, o qual dizia que um escravo

213
JO S E P H DE A N C H IET A

dos Portugueses que era dos do Rio de Janeiro, que havia poueos
dias que de cá fugira, e ele o havia morto e então mandou a uma
de sua» mulheres que tirasse uma canela da perna que tinha guar­
dada de que sóem laser flautas. Os outros vendo-a disseram:
"Pois tu o mataste e comeste, comamos nós outros também , e pe­
dindo farinha, um por uma banda e outro por outra, começaram
a roer em ela como perros: assim toda a cousa passou em testa e
ficaram grandes amigos. Desta maneira lhes falavam também os
ou,ms em nosso favor, mas tudo aproveitara pouco se nao tivéra­
mos outro maior guardador, porque é esta uma gente tao ma. bes­
tial e carniceira, que só por tomar um nome novo ou «ngar-se de
alguma cousa passada, não tivera em conta qualquer mancebo so-
pe rho matar-nos, como é certo tinham mudos boa vontade de o
fazer, rnaximé sabendo que por isso não havia de ser enforcado,
e que todo o castigo passaria com dizer-lhes os outros: “ E s um
Para prova do qual ó de saber que nêste mesmo tempo
os ,1,, campo deram pela serra em uma fazenda de um homem, o
qual, ainda que tínhamos mandado aviso por cartas, nao sc quis
guardar, parecendo-lhe que. como soubessem que estavam muitos
dos seus entre nós outros, já não lhe fariam mal; mas eles, nao
curando de nada, ainda que lhes disseram que tinhamos já feitas
pazes, lhe puseram fogo á casa e a queimaram e mataram a cie
e á sua mulher e fizeram logo em pedaços, e outra mulher meio
queimada e ferida levaram viva e em sua aldeia a mataram com
grandes festas e vinhos e cantares e junto com ela algumas es-
cravas.
Depois disto, aos 20 de Junho, sendo já idos de cá os Tamu-
jos com suas presas, e ficando-se muitos em terra com desejo de
pelejar com seus contrarios, mandou-nos o Capitão um bergantim
para que nos viessemos, parecendo a todos, polo grande c o n t e n t a ­
mento que eles levavam, que já seriam firmes as pazes, e ao dia
que chegou lá o bergantim eram partidas para aqui onze canoas,
em que vinham muitos do Rio e todos da fronteira, salvo dois ou
três principais que ficavam como em nossa defensão com alguns
seus criados, e logo nêste mesmo dia chegaram dez canoas do Rio,
as quais, com a prêsa que estoutras haviam levado, vinham mui

214
XV. — CARTA D E S. V IC E N T E (1565)

alegres e se partiram logo a alcançar as onze; mas porque os


Índios ainda não estavam de todo seguros, e crendo nossa fé
o verdade pela sua, que é mui pouca, não nos deixaram vir a am­
bos, nem nós outros lhes instamos por isso, todavia pareceu bem
que se viesse o Padre Nobrega, e ainda que a ele lhe foi mui caro,
por deixar-me só, esperando que ainda nos poderia caber alguma
bôa sorte de ser comidos por amor do Senhor, todavia eu lhe ins- ,
tei muito que se viesse e só me deixasse sua benção e manda­
mento, que lá désse minha vida ao Senhor e polo Senhor dela, e
com isso se teve de embarcar, despedindo-se de mim com muitas
lagrimas, sem eu lhe corresponder com algumas, e mandando-me
que com a melhor ocasião que achasse me viesse. Vm minha com­
panhia se ficou um homem muito nosso devoto e amigo de
Deus (237), cuja mulher, filhos, escravos e uma sua cunhada lhe
haviam levado havia quasi um ano, como nas letras passadas hei
referido, o qual, depois de haver passado muitos trabalhos por
resgatá-las, quis então sair-se em terra com muito resgate, espe­
rando, segundo o bom começo que levavam as pazes, que as po­
deria tirar de cativeiro e pecado, e se mais não pudesse não du­
vidando de dar sua vida por causa tão justa, e certo que sua com­
panhia foi para mim não menos boa e suave que se tora um írmao
da Companhia, a qual me foi ocasião de padecer alguma cousa,
mais por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, cui lews in soecula.
Partido pois dela o Padre aos 21 de Junho (238), passou uma
noite grave tormenta junto de uma ilhota, entanto que uns dos
domesticos já tratavam de tomar ao Padre sobre uma taboa e le­
vá-lo á terra a nado. se pudessem, mas amansando a Divina Mise­
ricordia a tempestade, chegaram cá a salvamento, e foi recebido
o Padre com estranha alegria, como quem saia dentre os dentes
famintos daqueles tigres feros, e com sua vinda se ordenaram mui­
tas cousas importantes ás pazes, e dois dias antes deli aviam
chegado as vinte e uma canoas, ás quais se fez muita festa, mos­
trando especial favor aos de Iperuig, por causa de nós outros, por
quem eles haviam tido tão bom cuidado, e dando-lhes a entender
a estima em que éramos tidos de todos, por ser pregadores da pa-

215
JO S E P H DE A N CH IETA

lavra de Deus, com as quais cousas cies mais se asseguraram, e do


aue mais sucedeu logo coutarei.
Nós outros começámos logo a ser visitados de Nosso Senho
em tribulações, porque aos 25 de Junho, assim os^ poucos que> h *
viam ficado da fronteira, como uns do Kao que a, estavam tendo
já determinado de matar um escravo de meu companheiro, ize-
'ram grandes vinhos e beberam todo o dia, e dando-me aviso disso
umas mulheres, falei eu com um dos índios que havia pouco que
era ido de cá. que viera em refem e era um dos principais auto­
res daquela festa, mostrando-me mui triste e enjoado dele querer
consentir tão grande traição, e pois aquilo faziam, também a nos
outros quebrariam as cabeças; ele rindo-se muito disto, disse-me
que não pensasse tal cousa, que não havia ele ido de ca senão para
defender-me de quem me quisesse enojar, e outras cousas^ com
tanta dissimulação que eu fiquei pensando que seria mentira o
que me haviam dito. Mas já sobre a tarde, estando ja todos bem
cheios de vinho, vieram á casa aonde pousávamos e quiseram tirai
logo o escravo a matar: nós outros não tinhamos mais que dois
índios que nos ajudassem, e querendo eu defendê-lo de palavra,
dizendo que o não matassem, disse-me um dos dois: 1 Calai-vos
vós outros, não vos matem os índios, que andam mui irados, que
nós outros falaremos por ele e o defenderemos” ; e assim o fizeram
deitando a todos fóra de casa; mas tornaram logo outros muitos
com eles feito um magote, e grande multidão de mulheres, que
faziam tal trisca e barafunda que não havia quem se ouvisse,^ umas
gritando que o matassem, outras que não, que estavam ca seus
maridos e lhes fariam mal os nossos se o soubessem; os índios como
lobos puxavam por ele com grande furia, finalmente o levaram
fóra e lhe quebraram a cabeça, e junto com ele mataram outro seu
contrário, os quais logo despedaçaram com grandissimo regosijo,
rnaximé das mulheres, as quais andavam cantando e bailando,
umas lhes espetavam com paus agudos os membros cortados, ou­
tras untavam as mãos com a gordura deles e andavam untando as
caras e bôeas ás outras, e tal havia que colhia o sangue com as
mãos e o lambia, espetáculo abominável, de maneira que tiveram
uma boa earniçaria com que se fartar.
XY. — CARTA D E S. V IC E N TE (1565)

Passada aquela noite com assás amargura, ao outro dia mui­


to antemanhã se levantaram algumas mulheres, daquelas em cuja
casa pousávamos, e começaram a pregar pelas casas contra os que
haviam morto o escravo, dizendo que os nossos o saberiam e vin­
gariam, com outras cousas, de que eles ficaram tão sentidos que
houvera de ser cousa de nos mesclar também com o escravo mor­
to, para que os nossos tivessem bem que vingar, assim que nos
foi necessario falar em particular com os principais autores da­
quela morte e dizer-lhes que não se fiassem das palavras de mu­
lheres, que os nossos não haviam de fazer caso da morte de um
escravo, etc. ; com que eles ficaram algo desassombrados, e por­
que, diligentibus Deum video operantem in bonum , vendo eu por
este caso e conhecendo de todo a grande falsidade daquela gente
e sua pouca constaneia no bem começado e muita arte para dissi­
mular maldades que determinavam cometer, acabei de persuadir-
me que mui pouca cousa bastava para os mover a nos dar a morte,
e determinei de me dar mais intimamente a Deus, procurando nao
s/> achar-me mais aparelhado para recebê-la, mas também desejá-la
e pedí-la a Deus Nosso Senhor com continuas orações e inflama­
dos desejos, e confesso minha fraqueza que muito me afligia a
carne com continuos temores (239), mas o Espirito pela graça do
Senhor estava pronto, e ainda que me contristava muitas vezes a
grande tibieza passada, que sempre tive no aproveitamento das
virtudes, maximè da obediência, todavia me dava ainda a esperar
que por aquela última obediência me perdoaria a Suma Bondade
por sua infinita misericordia todas as desobediências passadas, e
queira aceitar minha morte em sacrificio e odor de suavidade;
prouvera a Deus que então achara, mas ainda desespero, porque
não tem uma só benção que dar.
Razão seja que dê conta do fruto que da selva tao inculta
daquela nação se ergueu, e é este. Estando eu, logo depois destas
aflições, aos 28 de Junho, em uma cabana de palma, onde o Padre
costumava a celebrar missa, junto a uma pousada, e como rezasse
as matinas, ouvi junto dela falar e cavar, e como ah as Inchas
costumavam fazer louça, pensei que seria isso e nao me quis dis­
trair; mas, acabadas as orações, o que seria já passada meia hora,

217
JO S E P H DE A N C H IETA

chegou-se ali uma India, e lhe perguntei o que faziam, e mo disse,


que enterravam um menino. Pensando eu. que haviam morto al­
gum, contou-me ela o que se passara, e era que uma havia parido
í fôra tão sem dôr, que não estando mais que a dez ou doze pas­
sos de mim, nem gritos nem gemidos lhe ouvi, porque nenhum
dera e acabando de nascer dela um menino mui fermoso. o en­
terrara vivo a velha sua sogra, porque sendo aquela moca prenhe
de um que havia por mulher, sendo dele deixada, com outro se
casou de maneira que segundo a opinião desta gente. Kvna o me
r.mo mestiço de duas sementes (240). e aos tais, em nascendo,
logo vivos os enterram com tão grande bestialidade e crueza, que
mui menor sentimento tem por ele sua mae que se lhe morresse
um cachorro, porque dizem que o s tais sao depois debeis e paia
pouco, e que é grande deshonra, depois, que venham a ser cha­
mados mestiços. Sem nenhuma confiança na vida dele, por íaver
já tanto tempo que estava debaixo da teria, deixei as matinas
f„i correndo molhar um pano em agua e cavando a terra vi que
ainda bolia e batizei-o, fazendo tenção de o deixar, pareeen o
que .já expirava, mas dizendo-me umas mulheres que podia anula
viver, porque, ás vezes, estavam lais como estes todo um dia en­
terrados, e viviam, determinei retirá-lo, e fazê-lo criar. A este es­
petáculo tão novo. concorreram muitas mulheres da aldeia e eom
elas um índio com uma espada de pau para quebrar-lhe a cabeça,
80 qual disse que o deixasse que eu o queria tomar por meu 1-
]fio e com isto se foi; desenterrei-o e nenhuma daquelas mulheres
lhe quis por mão. para lavá-lo. por mais que lhes rogasse, antes
sc estavam rindo, e, passado tempo, dizendo que já o Padre tinha
filho, e lhes ficou isto depois por gracejo, e a todos os índios.
Vendo-os assim, tomei o menino e depú-lo sôbre um pano e come­
cei a limpar e lavar o melhor que pude; então moveu-se uma delas
a me ajudar e como quer que eu soubesse pouco do ofício de par­
teira. e fôra cortar o umbigo junto da barriga, uma velha tomou-
me a mão. dizendo-me não o cortasse por aí. que morreria, e me
ensinou a cortar finalmente; envolvi-o em uns panos e o entre­
guei a uma de minhas amas, mulheres de meu hóspede, que mo
criasse, e algumas outras mulheres lhe vinham dar de mamar, de

218
XV. — CARTA DE S. V IC E N T E (1565)

maneira que viveu um mês, e ainda viveria, e cresceria, se não


lhe falta a têta, mas por falta dela morreu. Na verdade ele teve
siso em fugir de gente tão má e ir-se ao eéu gozar de seu
Criador, o qual para sempre seja bemdito. Amen.
Outra vez me aconteceu achar-me presente a uma mulher de
parto, a qual deu á luz a uma menina, que de todos foi julgada
por morta e tendo ainda as páreas no ventre pegadas ao umbigo
da menina, sentindo-lhe eu alguns sinais de vida, e batizei, não
sendo ainda bem parida, que em semelhantes casos é necessario
apressarmo-nos algumas vezes. Começou depois a menina a bolir
pouco a pouco e viver e ainda estava viva quando de lá vim, ain­
da que eu mais quisera deixa-la no paraiso: o Senhor que a eiiou
e regenerou pelo batismo tera cuidado de sua salvação, seja lou­
vado por todas as suas obras e maravilhas. Depois soube que era
falecida e ida a gozai- seu Creador.
Logo ao Io de Julho chegaram cinco (241) canoas do Rio, e
ao seguinte dia, que foi da Visitação de Nossa Senhoia, nos vie­
ram muitos a visitar, trazendo a mesma intenção de nos matar
que os outros, os quais, ultra da angústia em que nos puseram
cercando-nos, todos, com suas armas, maximè um que entrou mui
feroz com sua gente, praticando comigo todo seu intento tinham
posto em as casas daquele homem, e falava, de quando em quan­
do. entre dentes,, aos seus, um dos quais estava junto de mim ar­
mando um arco com uma flecha nele, mas, não passou adeante;
ultra disto me deram grande trabalho detendo-me em práticas mui
importunamente, porque cansando um e ido, vinha o outro, e di­
zia: Eu sou fulano, tenho tal e tal nome, e fiz tal valentia, matei
tantos, e outras cousas semelhantes e com isto nunca acabavam, ins­
tando muito com meu companheiro que lhe mostrasse o resgate
que trazia, e assim resolveram tudo; ao outro dia tornaram a be­
ber já sôbre a tarde, depois do vinho acabado nos cercaram com
mui maior importunação, e alguns deles nos davam algumas con­
solações insolitas e de pouca consolação, dizendo-me que não
vessemos medo, que não nos queriam matar. Com isto e com ou­
tros muitos sinais que eu havia visto dantes, me persuadi que eia
já chegada a hora em que nos queria Nossa Senhora visitar, e

219
JO S E P H D E A N C H IETA

disse ao meu companheiro que se aparelhasse; mas depois de mui


longas importunações se começaram a sair poucos a poucos e nos
deixaram, e um deles, que aquele mesmo dia me havia dito que
ele não queria pazes, tomou a entrar em casa mm carrancudo,
com uma espada nua, deixando a bainha em outra parte, parece
por que não lhe fosse impedimento, e passando per mm perto de
mim, devagar, sem falar comigo, nem com outro algum, esteve um-
pouco quedo, olhando para outra parte, e na verdade ainda que
então não era tempo de suspeitar mal do proximo, por nao can­
em algum juizo temerario, todavia meus olhos estavam bem aten­
tos nele, vendo em que parava, e meu coração lhe estava dizendo:
Quod facis, facimus e faze o que Deus te permitir que aparelhado
estou; ele tornou-se outra vez por donde havia vindo e com o
mesmo vagar e semblante, parando-se-me outro momento a raao es­
querda mui contemplativo, mas não .se- estendia sua contemplação
mais que até m im ; nisto vein um seu irmão a chamá-lo, e foram-se.
K porque não passassem muitos dias sem os semelhantes tra ­
gos. logo aos 6 de Julho chegaram as canoas que eram cá vindas
quando chegou o Padre Nobrcga, os quais iam fugindo, com medo
que os matassem cá os nossos, e a razão desta, fugida foi que, es­
tando eles alguns dias mui contentes e bem tratados, esperando
que amansasse o mar, para com ajuda dos Cristãos ir a dar
guerra aos Tupis, seus contrarios, fugindo um escravo de um
Cristão, o qual era parente dos do Rio. e porque o levassem com-
sigo á sua terra, urdiu bem de mentiras dizendo-lhes: Venho-
vos a dar aviso, meus parentes, porque lhes quero bem e não que­
ria que vos matassem, sabei que logo de manhã vos hão de matar
os Cristãos a todos, que já têm apelidada a terra, e não espera­
vam senão que viesse Pindobuçú, Cunhambéba e os outros prin­
cipais de Iperuig, para os matar a todos e a fulano, vosso pa­
rente, que nos parece já o mataram e lhe mandaram quebrai a
cabeça por um contrário” (êste de quem isto dizia era um man­
cebo dos primeiros que cá haviam vindo, o qual havia desapare­
cido sem se saber dele); e como dissessem alguns àquele escravo:
“ Como nos hão de m atar se está o Padre?”, respondeu o escravo:
“ Os Padres não estimam nada suas vidas: de costume têm de fa-

220
XV. — CABTA DE S . V IC E N T E (1565)

zer semelhantes cousas” ; com estas mentiras os do Rio como quer


que tinham os corações danados, levantaram-se logo com grande
medo, que seriam duas horas antes do dia, e dando rebate aos
de Iperuig, que disto nada sabiam, e levando-os quasi por fôrça
fugiram, e de caminho quiseram levar a gente da Beriquioca; mas
'não lho consentiu Pindobuçú, nem os outros, antes o Cunham-
béba, vendo-se corrido de se ver assim fugindo pola mentira de
ura. escravo, se ficou ali com muitos dos seus, dizendo que se ha­
via de tornar cá, que a ele só matariam os Cristãos.
Os outros foram-se seu caminho, e entrando nosso hóspede
em casa com grande carranca me disse logo ás primeiras pala­
vras: "Vieram fugindo, que nos haviam de matar os seus; man­
dava-nos á tua terra para que nos matassem a todos?” Eu lhe res­
pondi: “ Eu não costumo dizer mentiras, mas trato verdade com
vós outros; se os meus porventura vos quiseram fazer traição, para
isto estou aqui, eu só morrerei” . Ele então me respondeu: “ Não
fales em morrer, porque não venho eu cá senão a defender-te.
Também dizia que roubássemos a fazenda a teu companheiro, mas
eu nem os outros não quisemos consentir nisso, porque temos tudo
isso por mentira e engano” . Ele contou a cousa como passava, di­
zendo que aqui ficava Cunhambéba com muitos outros, que ele e
Pindobuçú se haviam de voltar para defender-nos dos do Rio, e
assim parece que isto mesmo foi ordenado por Nosso Senhor para
ir ao encontro a uns bravos leões que naquele mesmo dia chega­
ram do Rio em dez canoas, cujo principal intencionava vingar a
morte de um seu grande principal que os nossos pouco havia ma­
taram em uma guerra, os quais ao dia seguinte me foram para
falar com o mesmo semblante que os passados, e ainda peor, e tra ­
taram muitas cousas das pazes, estando seus corações mui
pouco pacificas, e como repetiam todos que lhes haviam de dar
a comer seus contrarios, que estavam de nossa parte, eu sempre
contradisse, até lhes dizer: “ Não faleis mais nisso, nenhum desses
se vos ha de dar, aqui estou eu em vossas mãos, se me quereis co­
mer, comei-me que eu. nisso não hei de consentir . Ficai am por
uma parte espantados de ver com quanta constância sempre na­
quilo lhes resistia, e por outra mui irados, ainda que trabalhavam

221
JO S E P H DE A N C H IE T A

<it> o dissimular; estes nos puseram em grande angústia, porque


se detiveram ali cinco dias, e não faziam senão ir e vir á nossa
pousada, e uns queriam todavia vir a dar guerra, sem embaigo
que estavam cá muitos dos seus. outros aos mais tinham boa von­
tade de nos matar, ou ao menos roubar a meu companheiro, ten­
do todos mui certo ser verdade a mentira que o escravo havia dito,
e alguns que dantes me haviam falado com mui alegre semblante,
então nem ver-me queriam, senão com olhos cheios de iia, o qual
mostravam com algumas palavras asperas; mas em meio desta tii-
bulação acudiu o Senhor com sua solicita misericórdia, mostrando
como tratavamos verdade, e foi que chegou então á aldeia aquele
mancebo, (pie acima disse haver desaparecido, que o escravo dis­
sera haver sido morto dos nossos (242), o qual mancebo, com um
medo que teve sem razão, fugiu de cá, polos bosques e praias, e
ao cabo de um mês, tendo já todos perdida a esperança de sua
vida, chegou lá em tempo de tanta necessidade, com cuja chegada
conheceram ser mentira tudo o que o escravo havia composto, o
(piai ainda para os de Iperuig, meus amigos, foi causa de grande
alegria e de ter muito crédito a minhas palavras.
Como aqueles do Rio não se aquietavam, e desejavam de efe­
tuar sua danada vontade, tanto que os outros, entendendo-se-lhe
mui bem, lhes rogavam que se tornassem para suas terras e não
quisessem fazer cousas com que estorvassem as pazes. Mas, vendo
o Pindobuçú que não bastavam rogns. vein ali, vindo os outros um
dia á nossa pousada, como soiam, e temendo que nos fizessem mal,
se foi lá com uma espada de pau. com que sóem quebrar as cabe­
ças a seus contrarios, nas mãos, e começou a falar com voz mui
alta e dizer-lhes. dando palmadas em si. como fazem em som de
guerrear, falando: “ Não quero que ninguém bula em minha al­
deia: os Cristãos fazem pa>es comigo que estou fronteiro, e os
meus não me vêm a defender, não querem êstes meus parentes se­
não cabeças de tora dos Cristãos e não de seus contrarios: não o
hei de consentir": com muitas outras cousas em nosso favor, tão
alto que acudiram os de sua casa, pensando que já era a cousa
travada; os outros calaram-se e falando ele com um em particular,
lhe dizia de mim: "Este c o que trata as cousas de Deus e o ver-

ooo
XV. — CARTA D E S . V IC E N T E (15G5)

riadeiro mestre dos Cristãos; se lhe fazem algum mal, logo nos ha
Deus de destruir a todos” ; e esta era a principal causa que fazia
a este índio procurar tanto por mim, porque temia, e assim pa­
rece que o tinha encaixado em o coração, que não tinham mais
vida que enquanto me defendessem e não me permitissem fazer
algum mal, e dizia-me muitas vezes: “ Filho José, não tenhas medo,
que ainda que os teus matem todos os meus parentes, que estão
em tua terra, eu não hei de consentir que te matem porque bem
sei que falas a verdade: se os teus fizeram mal, neles me vingarei”.
Depôis: “ Bem vês como sempre te defendo e falo por ti, por isso
olhe Deus por mim e dê-me longa v id a .” E dizendo-me que em a
outra aldeia queriam matar um contrario, para com ele fazer festa
àqueles do Rio, que ainda não eram idos, determinei eu de ir lá
a ensinar-lhe as cousas de sua salvação e ver se queria sei’ C ris-
tão. e dizendo-o a Pindobuçú, me disse, ainda que mui pesada-
mente. que fôsse, e descendo eu polo monte abaixo, mandou mui
depressa uma de suas mulheres atrás de mim dizendo-me que me
A'olvesse, porque queriam saltear e furtar o contrário enquanto es­
tavam ali os do Rio e talvez (pie eles me matassem. Eu estive em
grande dúvida, e temendo ser temeridade ia adeante, depois de
recebido êste aviso que me mandava como cousa certa, todavia,
parecendo-me que aquele contrário estava em extrema necessida­
de de ajuda espiritual, porque muitos dos tais em aquele tempo
recebem o batismo com muita fe, me determinei a ir, sentindo que
seria mui bem empregada minha vida pola salvação de um meu
irmão e amigo do Padre Francisco Cardoso (243), o qual ocupa-
se da outra aldeia, onde iam muitos meus amigos, e o perigo só
ser em o caminho, que não era mui longo, enfim, fui; mas pouco
aproveitei, que ele não quis ser Cristão, dizendo-me que os que
nós outros batizavamos não morriam como valentes, e ele queria
morrer morte formosa e mostrar sua valentia, posto em o terreiro
atado com cordas mui longas pola cinta, que três ou quatro man­
cebos têm bem estiradas, começou a dizer: “ Matai-me, que bem
tendes de que vos vingar em mim, que eu comi a fulano vosso
pai^a tal vosso irmão, e a tal vosso filho” — fazendo um grande
processo de muitos que havia comido destoutros, com tão grande

2 23
JO S E P H DE A N C H IETA

ânimo e festa, que mais parecia ele que estava para matar os ou­
tros que para ser morto; entanto que não o podendo mais sotrer,
não esperando 'que seu senhor lhe quebrasse a cabeça com sua es­
pada pintada, saltaram muitos com ele, e a estocadas, cutiladas e
pedradas o mataram, e estimou ele mais esta valentia que a sal­
vação de sua alma. T
Tornarei agora aos nossos, os quais depois da fugida dos ín ­
dios, ficaram com grande tristeza, maximè o Padre Nobrega, que
houvera de chegar a ponto de morte sem nenhuma consolação por
haver me deixado só entre os inimigos, principalmente porque nao
havia de ser companheiro de minha morte, a qual ele e todos os
Cristãos tinham por certo que me haviam de dar os índios como
chegassem a suas terras; mas consolou-os Nosso Senhor com a vin­
da de Cunhambeba, o qual, como acima liei dito, achando-se au­
sentado por haver fugido, se tornou da fortaleza da Beriquioea e
se partiu logo com o Padre Nobrega á fronteira de Goiace (Goiaz),
para fazer a liga com nossos Tupis, que se haviam posto de nossa
parte contra os seus, os quais estavam com grande medo pensando
que os queriam dar a Cunhambeba para confirmar as pazes, e o
Cunhambeba com os seus pensavam que o queriam entregar aos ou­
tros, e assim em ambas as partes andava um mesmo temor. Mas o
Padre Nobrega os fez ajuntar a todos na igreja onde se falaram e
abraçaram e ficaram grandes amigos (244). Logo no dia seguinte
chegou grande multidão dos Tupis inimigos sobre a vila, aos quais
sairam ao encontro os índios seus parentes com seus novos amigos
e alguns mancebos mestiços, e pelejaram todo aquele dia, sem lhes
deixar passar o rio, antes flechando muitos deles os fizeram fugir,
e não lhes foram ao alcance por ser muita gente, e os nossos mui
poucos, e depois indo o Cunhambeba com alguns mancebos dos seus
e dos Tupis a correr a praia, tomou um, com a qual presa determi­
nou de tornar-se logo a dar certa informação do que passava e pa­
cificar os que haviam fugido, que cada dia esperavam por nova cer­
ta, mas não havendo oportunidade para logo partir-se, mandou os
mais dos seus a Piratininga, onde também se esperava por guerra,
aonde depois vieram mais de 300 dos Tamújos moradores no cam­
po, em um rio, mui nomeado, chamado Paraíba, cujo Capitão era

224
XV. — CARTA D E S. V IC E N T E (1565)

um que havia ido a falar commigo a Iperuig sôbre as pazes, e asse­


gurando-o eu que entrasse em Piratininga, fê-lo assim, mandando
adeante uns 20, os quais guiados por um que já ali havia estado, se
vieram direitos á nossa portaria, tocaram a campainha, e foram re­
cebidos e acolhidos, onde não usavam sair fóra em meio de seus con­
trarios, dizendo que eu os mandara ir muitos a nossa casa, até que
se asseguraram.
Ali também juntaram os Padres uns e outros na igreja para
que fizessem as pazes, onde um de nosso discipulos posto sôbre um
banco fez grande prática em alta voz dizendo aos Tamújos: “ Eu
sou fulano, de quem vós outros tanta fama haveis ouvido de assal­
tar muitos dos vossos e morto, porque sempre fui grande vosso ini­
migo, e agora, ainda que me apartei dos meus por amor dos Cris­
tãos e de Nosso Senhor Jesus Cristo, posso de minha parte, contudo
nem tenho medo de vós outros, porém queria vossa amizade, mas
porque estando na casa de Deus e os Padres que nos ordenam nossa
vida, foram á nossa terra e ordenam estas pazes, e querem que
sejamos amigos, sejámo-lo daqui em deante, e desde já não se nos
lembre mais das guerras passadas” ; e com estas e outras palavras
que se passaram de parte á parte se abraçaram, e contudo estavam
nossos discipulos tão tristes e enojados polas novas que lhes vinham
dar, que se pensaram e tiveram para si que me haviam morto: de-
sejára eu de saber boa de minha morte, era fato certo por uma vez,
e ainda com tudo isto se não andaram os Padres rezando sós, não
creio que houvera de esperar por novas certas, mas não obstante
isto, tinham muita paciência sofrendo-lhes muitas cousas e reco-
lhiam-òs em suas casas, dando-lhes de comer e beber, porque eu es­
tava lá em suas terras.
Neste mesmo tempo os Tupis deram no caminho de Piratinin­
ga e mataram quatro ou cinco dos seus e três escravos do Colégio,
e também houveram de matar um Padre nosso, senão que, ordenan­
do-o assim a Divina Providência, havendo ele de vir com eles, se
veiu um dia antes e assim escapasse de cair em suas mãos, e com
todos esses perigos, que continuamente estão armados nestes cami­
nhos, não podemos deixar de ir e vir a Piratininga, segundo o pede
a necessidade, entregues em as mãos do Senhor, cuja é a nossa vida.

225
15
JO S E P H DE A N C H IE T A

Nós outros todo êstc tempo que esteve ca Cunham ) , qI


mês e meio, es[>erando oportunidade para sua parti a, p
muito trabalho, assim exterior de fome e enfermidades, eomo inte­
rior de continua aflição por ser muita tardança, nao porque nao
entendeasemos que bem tratados haviam eá de ser, senão P»U»
t ínvios temores que os seus lá tinham de que vinham m *B"
mil mentiras, inaximè as velhas, e certo que fo, muito, sendo aq.ieta
rente a mais subtil que ainda houve no mundo para mventa._ mei -
iras e faeil para as crer. poderia sofrer tanto tempo que nao nos
fizessem alguma cousa movidos por qualquer e max.me por algum
sen feiticeiro, e assim sempre falavam com os seus. dizendo c
teriam do ser eles salteados e mortos, se foram mortos algum hou­
vera de escapar e vir por terra a dar-lhes novas; outros me^dn
riam • ■■Não te disse Deus alguma cousa para os matar a eles. í.
o Rmlobuçú. que me tinha mais crédito, ultra de me o perguntar
muitas vezes, dizia que Cunhambeba e outros pediram-lhe soubesse
tie mint isso. e uma noite, indo-se á minha pousada nao estando eu,
perguntou a meu irmão: ‘Que é do Padre? dorme j a ? bespon-
,leu-lhe o outro: “Ele porventura dorme? toda a noite esta talan­
do com Deus e não vem a dormir senão .iá tarde. lots poique
não te disse o que passa acêrea dos nossos? perguntaste-lho?^ Res­
pondeu o outro: "Tudo o encobre, não me quer dizer nada . 1 <
maneira que era eu forçado de dizer ás vezes: "E u vos tenho dito
muitas vezes que eu não creio em sonhos, nem vás outros o deveis
,H> erêr; sabei que os vossos estão mui bem tratados e nao ha mal
al-.un, eomo logo vereis” . E assim com semelhantes palavras se sa­
tisfaziam, confiando também que estando cá o Padre Nobrega, que
ainda quando eram inimigos, sabiam eles que não os consentia sal­
tear dos nossos, muito menos consentiria agora, que eram amigos,
fazer-se-lhes algum mal.
O outro d i a -me vein um mui queixoso, dizendo: “ Suspeitei
uma de minhas mulheres me fez adulterio e lhe dei uma esto­
cada mas dobrou-se a ponta da espada c não a feri; venho a saber
ti. se te diz Deus que é verdade, se a matarei?” Respondendo-
lhe a última questão disse-lhe: “ Não o faças que não quer Deus,
antes se aborrecerá muito com isso’’, com o que ficou quedo e sa-

2 26
XY. — CARTA D E S. V IC E N T E (1565)

tisfeito e foi-se dizendo: ‘‘Vim a te perguntar, porque me parecia


que Deus te haveria dito” .
Aconteceu que um contrário que tinham lhes fugiu, e o Pin-
dobuçú um dia mui de manhã, estando eu encomendando-me a
Deus. me veiu mui angustiado a buscar, dizendo-me: “ Venho-te a
dizer que fales a Deus que faça ir aquele contrário desencaminha­
do, para que possamos tomar” . Eu ouvi a sua petição, antes ro­
guei a Deus que o livrasse, e ao outro dia o contrário, parecendo-
lhe impossivel passar tantas serras e despovoados, tornou-se para
casa, e os índios começaram a dizer: “ Falou o padre com Deus e
não dormiu toda a noite, por isso o contrário se tornou”, — e eu
não me havia recordado dele; visitando eu o índio, como soia fa­
zer a todos, começou-se-me a desculpar, dizendo porque me não
dava de comer porque não lhe caía caça em uns laços que tinha
armados, porquanto uma velha feiticeira os havia deixado a perder,
e como eu lhe perguntasse a causa, disse-me: “ Porque ao outro dia
me caiu uma caça e não lhe dei parte dela e por isso enojada ha
feito que não venha a caça por a li.” Eu lhe disse: “ Vós outros não
acabais de crer vossos feiticeiros, como se eles tivessem poder para
nada disso; Deus é Senhor de tudo; crê minhas palavras, que ele
a fará c a ir.” Então elo mui alegre disse: “ Faze com Deus que
mande vir toda a caça dos montes em meus laços e teremos que
com er.” Ficando-se ele com esta confiança quis Deus que logo
dali a dois dias lhe cairam dois animais, que são maiores que le­
bres. e ele com muita alegria manda-me logo chamar, contando-me
o que havia sucedido, e deu-me um bom prato de farinha e uns
pedaços daquela carne; sabia Deus que havia muitos dias que não
tinhamos que comer.
De maneira que os índios me tinham muito crédito, maximè
porque eu lhes ocorria a suas enfermidades, e como algum enfer­
mava logo me chamavam, aos quais eu curava a uns com levantar
a espinhela, a outros com sangrias e outras curas, segundo reque­
ria sua doença, e com o favor de Cristo Nosso Senhor achavam-se
bem. Entre esses enfermos foi um que aí estava dos do Rio, que
porventura também veiu com intenção de me matar, ao qual se
inchou uma mão em tanta maneira que toda se corrompeu, a qual

227
J O S E r i l D E A N C H IET A

CU lha abri cm .luas ]’a^ * ^ “ ^ J ^ o l h o s T m â o s de Cristo


®ei0 da P»t a a ' Pm q’U Pnm ist0 se lhe empolou o braço até os om-
Nosso Senhor, e jun o outros não se ousavam
bros de umas inflamações I » t a ^ que 0 curas.

-rs.:i; irr r —
bosques, com que o cuiasse, . buscando-lhe de comer

z rin d io s L:;ímZm:ju™ . "


, úra . ‘j unto com isto trabalhava eu por lhe curar sua alma, mci-
ae
tando-lhe a que quisesse o batismo, para o qual o tinha Ja ^
nnrventura estivesse propinquo á morte; mas deu-lhe Nosso he
nhor saúde ao corpo, porque para a da alma sentia-lhe eu mu, pou-

C" '’ nepois distTenfern.ou meu companheiro; tolheu-se de pés e


m5os l u„s dias, o qual foi não requeue trabalho, porque nem
l u ,„ e o . » » , - ,«* « — « « - -
dios que pude e de quando em qnanoo ia eu a outia able <
b„ scar alguma galinha; enfim deu-lhe Nosso Senhor saúde, mas
porque este genero de gente não sabe ter eonstanc.a no bem come­
çado. começaram-se uns poucos a motinar, max,me contra ele, por-
nitra de não lhe ter o respeito que a mim, e se alguém he Unha
era por minha eausa, o resgate que tinha era ocas,ao aos índios
mal, e medeante foices, machados, contas e outras cousas, havendo-
n,os ele já dado muitas e alegavam-nos que lhes havíamos morto dos
seus e com tudo isso nos defendiam, e era tanta a .mportunaçao
qne não faltava senão tomá-lo por torça; um d m a : - m,m ” f,
deram foice” ; outro; "Nem a mim tal” ; outro; ' Nem a m ,m Jal_ ,
não havia já que esperar senão que aissesse, algum .
]iei feito troco de meu pai ou irmão, que me mataram , qu
em alvum destes.” K assim não se curavam dar-nos de corner, sa

2 28
XV. CARTA D E S . V IC E N T E (1585)

Findobuçú, o qual também não fazia tanto caso de meu companhei­


ro e quando pregava polas casas não falava senão de mim só dizen­
do: “ Não quero que façam mal a êste” ; o que me era causa de
grande angústia, e tinha determinado, se algo sentisse, de pôr-me
por ele em o terreiro e morrer primeiro que ele, e trabalhava muito
por o acreditar com todos, maximè com o Pindobuçú, e o melhor ca­
minho, porque ele era pedreiro (245), foi dizer-lhe: “ Èste e o que faz
as igrejas de Deus; se lhe fazem algum mal, tanto se ha de enojar
Deus contra vós outros como se o fizessem a mim” : com as quais pa­
lavras movido, me disse: — “ Assim? Dize-lhe que não tenha medo,
que se venha sempre á minha casa com er.”
E daí em deante começou a olhar mais por ele e dar-lhe gran­
des esperanças de poder resgatar sua gente que os do Rio lhe ti­
nham. Mas nem isto era bastante para nos poder fazer seguros en­
tre gente que a nada sabe ter respeito nem obediência, e que quasi
sempre anda quente do vinho, no qual gastavam os mais dos dias
bebendo e cantando todo o dia e noite, com grandes gritos, homens
e mulheres misturados, de maneira que, nem em casa nem fóra po­
díamos estar sem ouvir e ver suas borracharias; noite me aconteceu,
chovendo muito e fazendo grande frio, estar grande parte dela fora
de casa, em pé, mal guardado da chuva e padecendo o frio, até que
eles acabassem de beber seus vinhos, e enfim, não podendo mais es­
perar, tornar-me para dentro a guarecer o fogo e acabar a noite en­
tre eles, e aqueles que andavam amotinados já passavam por nós ou­
tros sem nos falar, nem olhar senão de través, como homens que
não nos conheciam, e assim todas as noites, maxime quando bebiam
e cantavam, nos rescostavamos a dormir oferecendo a cabeça á es­
pada, mas não era digna, ao menos a minha, de a receber sobre si.
Entre estas fadigas, tandem chegou o Cunhambeba, vespera da
Assunção de Nossa Senhora (246), com seu contrário que haviam
tomado, com que muito se alegraram todos, etiam aqueles que pouco
havia não nos olhavam com olhos mui direitos, os quais daí em
deante se chegavam a nós outros rindo-se e falando mui alegremen­
te. logo se aparelharam todos para vir cá á guerra a seus contrá­
rios, com os quais eu trabalhei muito que trouxessem comsigo a meu
companheiro, porque não podia por então resgatar sua gente e es-

229
JO S E P H DE A N CH IETA

„ n mi rip conseguir, ordenando assim,


r s o t l ™ ; t”nha aparelhado me,her — o, P - f ™
, ■ T-pstrate se fez peaacos ao sau
canoas em que havia de mi seu n s ecue
da barra, o que foi causa se ficasse M M •» ^
,„ S outros esperando outra melhor embarcaçao, e dali a quatro <n

1'ineo d\as" vein ali um Índio dos do Rio, o qual vendo, o Pindo-
luu-ú queria vir e não tinha em que, movido com a boa nova deter-
” trazê-lo cm nma sua barca, grande c ligeira^ que ba
haviam dado os Franceses, com sua vela e remos. EnUo mstm
muit0 com Pindobuçú c com todos que o trouxessem, que bastara
ficar lá ....... . era o que tratava as pazes, fazendo conta que . os­
so Senhor moveria a Cnhambeba, que havrn logo de vir que me
trouxesse. .......ando não. que cada dia se me acrescentaria a coroa
a pacieneia. resignando-me pendente em as maos do Soi
sire ad vil(ini swe ad nwrton.
\eabei pola bondade de Deus que o trouxessem, ainda que
com muito trabalho. ....que as mulheres, pensando que eu também
me vinha, começaram a entristecer.se. dizendo que não ll.es t.cava
lá Uinguem em trôco de seus maridos, que cá eram vindos, em quem
se pudessem vingar, se algo lhes acontecesse, mas assegurando-as
disso o fiz embarcar com seu resgate aos 5 de Setembro, ficando-me
eu só em terra, os .piais partidos, vieram a metade do caminho com
nruito Irabalho. com ser o vento contrário e haver-se-lhe quebrado o
leme, e faltar-lhes já o mantimento, de maneira que se quiseram
tornar, mas o Pindobuçú não o consentiu e o pobre de meu compa­
nheiro confiado em Nosso Senhor: "Não vos torneis, que amanha
nos ha Deus de dar bom vento com que cheguemos á minha terra ,
e concertando o leme o melhor que pôde, meteu-se só dentro da bar­
ra. encomendando-se de coração á Nossa Senhora e rezando seu ro­
sario. sem dormir até á meia-noite, em que, vindo o vento da terra,
chamou os Índios, os quais embarcados, vieram quasi meio caminho,
ate o golfo, e sendo já passada boa parte do dia encalmou-lhes o
vento, de que eles ficaram esmorecidos, vendo-se tão longe de terra,
vendo-se sem vento e sem ter que comer nem beber; mas meu com­
panheiro lhes mandou levantar hem a vela até á ponta do masta-
réu. dizendo-lhes que logo lhes havia Deus de mandar outro vento

2 30
XV. — CAUTA DE S. V IC E N T E (1565)

com que aquele dia chegassem; escassamente estava a vela bem em


cima quando lhes veiu tanto vento á popa quanto queriam, com o
qual chegaram em mui breve espaço ao rio Beriquioca, que é o p ri­
meiro porto, e ali lhes encalmou o vento e entraram a remos. Bem-
dito o Senhor que manda ao vento e ao mar, e lhe obedecem, paia
que sirvam aos homens que tão mal obedecem á Sua Divina Mages-
tade.
Eu quedei-me em Iperuig encomendando a Deus seu caminho e
esperando que endireitasse o meu, e ao outro dia fui-me a falar com
Cunhambeba e disse-lhe se determinava de me trazer, como havia
prometido ao padre Nobrega. Respondeu ele: “ Verdade é que pro­
meti, se os mancebos cá fossem contentes disso.” Disse-lhe então
sua mulher: “ Queres deixá-lo cá só, que venham os do Rio e do
campo e o matem! leva-o.” Falando pois aos da aldeia, que sei iam
ató 20, que os demais eram cá vindos todos, uno ore disseram pois
não havia já de que se temer, eu por me parecer que havia feito o
que era de minha parte, querendo me deixar de todo em as maos da
Divina Providência, para que estes como meus superiores me re­
gessem, determinei de não lhes falar mais em isto; mas indo-me a
outra aldeia, lhe disse que me mandasse recado quando se houves­
se de embarcar, teve ele tão bom cuidado que logo dali a dois dias,
que foi o do Nascimento da Mãe de Deus, Nossa Senhora (247),
mandou uma sua mulher e tia que fossem por mim. e deixando eu
os livros com algumas cousinhas na caixa, como em penhor de mi­
nha tornada, e deixando a chave a uma mulher de Pindobuçú, que
não me queria menos que a um filho, me vim ao lugar de Cunham­
beba, aonde ainda estivemos oito dias sem poder partir por estar o
mar mui bravo, em o qual muitas das Tndias da outra aldeia come­
çaram a andar mui tristes porque me vinha, porque determinavam
se a seus maridos acontecesse cá algum desastre, de elas mesmas ser
as carniceiras e matar-me e comer-me, e com raiva queimaram uma
casinha em que o Padre soia dizer missa: mas outras que eram mi­
nhas devotas e desejavam que viesse, rixavam com elas dizendo-lhes:
“ Queimai a casa em que os Padres falavam com Deus e vereis se
viveis muito tempo; não estão lá nossos maridos com os vossos, have­
mos de dizer a Cunhambeba que o levem ; e com isto lhe vinham

231
JO S E P H HE A N CH IETA

a dizer-lhe que me trouxessem, porque não viessem alguns ruma de


fóra e achando-me só me matassem; e esta foi a prmcipa causa qu
os moveu a me trazer, porque se houvera lá alguns com quem lhes
parecera que podia ficar seguro, não sei se me trouxeram, e a -
da que este quisera, que sempre se mostrou mais desenganado ami­
go que todos, os outros não houveram de querer, porque bem enten­
diam que tinham bom penhor em mim e que estando eu la 1 es so­
freriam cá os Cristãos muitas cousas, como em verdade lhes sofriam,
assim por minha causa como porque não quebrássemos as pazes por
sua parte. ^ ,
Esperando pois por bom tempo nos embarcamos o dia da Exal­
tação da Santa Cruz (248), em sua canoa, feita de uma cortiça de
pau e éramos 20 por todos, e viemos aquele dia com bom tempo ao
primeiro porto, onde para maior prova de Cunhambeba achamos
uma canôa dos do Rio, que se tornava de cá, os quais lhe contaram
logo muitas mentiras, dizendo que os Índios de Piratininga lhes ha­
viam morto um dos seus e que os Cristãos foram correndo detrás
deles tirando-lhes para os matar, com outras cousas, que puderam
facilmente mover a constância de qualquer destes, que não é muita.
Mas o Cunhambeba depois de lhes ouvir lhes disse: “ Bem sei que
os Cristãos são bons e tratam verdade, vós outros farieis por onde
vos tratassem assim” ; e nem ele nem nenhum dos seus dando cré­
dito ás suas palavras, nos embarcamos ao outro dia e viemos outras
duas jornadas, com algumas tormentas, e enfim, pela misericórdia
do Senhor chegamos dia de S. Mateus Apostolo (249) á Beriquioca,
mas não foi muito a nosso salvo, porque ao dobrar de uma ponta
nos deu tão grande tempestade de vento que estivemos meio afoga­
dos. ao menos eu nunca tive por tão certa a morte em todos os tran­
ses passados como ali, e ainda agora me espanto como foi possível
passar por ali uma só cortiça de um pau por onde um navio tivera
muito perigo e trabalho em passar; contudo os índios esforçavam a
mim e assim remando com grande impeto e dizendo-me que não hou­
se- medo, que eles me tirariam fóra a nado, mas eu em al tinha
posta minha confiança e tinha-me com Cunhambeba, o qual ia di­
zendo: “ Padre Deus, oh Senhor Deus, amanse-se o m a r.” Ouviu-o o
Senhor, e ainda que não se amansou o mar, passámos seguros e aco-
XV. — CARTA D E S . V IC E N T E (1565)

lhemo-nos á terra antes de chegar a povoado com a água que nos


dava pela cara e bôca já coalhada e feita de sal. Ao outro dia se
tornaram a embarcar para entrar na fortaleza, que seria pouco
mais de meia legua, e eu me fui pola praia com dois ou três deles e
tivemos tanta chuva todo o caminho que me passou e esfriou todo,
e segundo a fraqueza que eu trazia, se um pouco mais longe estive­
ram as casas passara muita pena; assim chegámos a estas vilas, ven­
cidos tantos encontros, e com minha vinda houveram todos moita
alegria, como com pessoa que saía de um cativeiro, do qual não es­
perava outro fim senão a morte. Bemdito seja o Senhor todo pode­
roso qui mortificat et v iv ific a t. Êste foi o fim da minha peregiina-
ção, a qual prouvera ao bom Jesus que por outra mão iôra escrita
e a minha, por amor de seu nome, estivera suspensa ao sumo em Ipe-
ruig, e certo que se não pensasse tudo isto haver sido ordenado pola
suma e divina disposição e vontade da obediência, que me arrepen­
deria de haver-me de lá vindo e ainda com tudo isto me ariependo
e pesa, não porque vim, mas porque não foi digna minha vida que
eu desejava de pôr por meu Senhor Jesus Cristo, de ser aceita de
Sua Divina Magestade; mas, porque meu pai celestial é mui rico para
todos os que o invocam e tem muitas bênçãos que dar, ainda não
desespero de alcançar esta de sua mão onipotente, confiando que
primeiro me faria mártir, no cumprimento de meus votos e de toda
virtude e depois se dignaria aceitar meu sangue derramado por sua
glória em holocausto e odor de suavidade, o qual eu peço humilde
o entranhavelmente a todos os Padres e Irmãos, maxime a \ . it. 1
me alcancem do Senhor.
Quero acabar de escrever o fim desta paz, o qual foi verdadei­
ramente fim de paz e princípio de nova guerra, qual se podia es­
perar de gente tão bestial e carniceira, que vive sem lei nem rei;
da qual propriamente profetizou David in Spiritu Sancto, sepul-
chrum ( hom inum ) patens est gu ttu r eorum linguis sms dolose age­
bant, celoces pedes eorum ad effundendum sanguinem, viam pacis
non cognoverunt, obreiros de toda maldade qui devorant pleben
meam, sicut escam panis, e mais que panis e que todo m anjar.
Ao tempo que eu cheguei eram baixados os Tamújas do Pa­
raíba polas montanhas que tinham abertas, por donde soíam vir a

233
JO SE PH DE ANCHIETA

E r - — = - r s : “ “ ■ ;= =
............. t.r .odes us caminhos abertos. ) » » todas as t a r d a s o
Cristão» win nada II.™ poder resistir, porque sao como t y e t q
U dão aqui. agor;..... i e to,™, con, a „rèsa en, o s e n e , e e ^
mesmos .... avisavam que não no» f,assemos tios do Rn, , Jane
....-que estão mui soberbo» com a» muitas cousas que lhes dao os
F r a n c e s e s ; agora são todos tornados a suas terras e nem qi
bem á sua natureza cruel, amiga da guerra e innntga de toda paz,
....... rrimeira vinda que fizerem será a roubar o matar como soem.
Nôsir mesmo tempo eslavam êstes meus amigos de Iperuig que
antes de mim eram vindos e outros muitos do Rio em Piratmmga,
(»n«le assim dos P o r t u g u e s e s eo.no «los Tupis discipulos nossos eram
mui hem trotados, e dali os levaram ao Pampo bem longe a uma
guerra onde tomaram alguns dos Tupis inimigos; mas sabendo de
minha vinda idearam mui amedrontados, pensando que somos como
dos mas logo p e r d e r a m o medo. vendo que da mesma maneira eram
trai ados, eomo «piando eu estava em sua terra, e esta foi a principal
cjuisa porque o Padre Xohrega me mandou vir dentre eles. para que
vendo que eram tão bem tratados, sem ter algum penhor em sua
terra, acabassem de crer nossa verdade e se assegurassem e soldas­
sem de todo. Todavia cmnecaram logo de andar mais quietos o mais
atentos polas casas dos Cristãos, e mm isto ainda lhes sofriam e dis­
s i m u l a v a m muitas cousas, porque pudesse o (íovernador, por quem
esperávamos, povoar o Rio de .Janeiro em paz. Baste para conhecer
csia gente saber que sem estar nenhum de nós outros em suas terras,
andam eles em a nossa mui seguros e á sua vontade, e ainda que
deles estejam muitos entre nós outros, não póde um só dos nossos
pndar seguro em suas terras, porque, se não têm cá pai, filho ou
irmão, ou cousa que lhes doa muito, tanto caso fazem de haver mui­
tos eomo poucos, e ê cousa certa que para ser um principal basta
ter uma canôa de seu em que se ajuntem doze ou quinze mancebos,
com que possa vir a roubar e saltear, de onde parece quão particular

234
XV. — CARTA DE S. V IC E N T E (1ÕG5)

cuidado teve Nosso Senhor o tempo que entre eles estivemos de nos
conservar a vida. Glória seja a seu santo nome.
Dos do Rio já quasi tinhamos o desengano que não queriam
pazes, porque tinhamos certa notícia que eu havia mui bem alcan­
çado em Iperuig dos mesmos índios que tinham cerca de 200 ca­
noas juntas, com as quais determinavam com êste título de pazes
entrar em nossas vilas, que já muitos deles tinham mui bem mi­
radas, e pôr tudo a fogo e a sangue, se pudessem, e ainda que isto
não se soubera por outra via, suas obras o estavam pregoando, por­
que, ultra deles virem sempre com proposito e vontade de nos matar
enquanto estivemos entre eles, em Iperuig, depois de eu vindo, es­
tando cá muitos deles, vieram outros por duas vezes e saltearam,
levaram e comeram alguns escravos, depois vinham umas quarenta
ou mais canoas, para começar a efetuar sua vontade, mas não che­
garam cá mais de dez ou onze. os quais logo descobriram que vinham
com determinação de tomar um dos lugares do campo, de nossos dis­
cipulos, o qual sabido pareceu bem ao Padre Nobrega,^ e assim o
disse ao Capitão e Regedores da terra em conselho que sobre isso se
fez. que se retivessem os principais daqueles, que eram senhores
das mulheres e filhas dos Cristãos, que lá tinham cativas, e haviam
morto e comido um rapaz Português depois das pazes, porque estes
retidos. OU de grado ou contra sua vontade, fazendo-se-lhes todo o
bom tratamento, não só se houveram as mulheres cativas, mas lo­
ram grande parte para.se povoar o Rio em paz. Êste conselho na o
pareceu bem, e eles, ou sentindo-o ou temendo-o, se volveram logo
quasi fugindo e fizeram volver as mais canoas que vinham; dali a
bons dias, depois de longa dissimulação, vieram outras sete canoas
dizendo que nos vinham ajuclar, os quais foram recebidos de paz em
a fortaleza de Beriquioca, e eles dentro, vendo bôa ocasião, toma­
ram ás mãos quantos puderam, e atados os levaram, dois deles eram
mestiços, um homem e um menino, os mais eram escravos; ao guar­
da da fortaleza tiveram aferrado, mas quis Deus que teve um mon-
lante ás mãos e fez tal estrago neles que se dava por satisfeito dos
escravos que lhe haviam tomado; ali ficaram alguns mortos, mui­
tos foram mui mal feridos e deles morreram no caminho; contudo,
ele ficou ferido de uma flecha de que agora está tolhido com uma

2 35
JO S E P H D E ANCHIETA

quem estão comendo e bebendo, matam e coin , ,

e e s --
cios seus fi/erem. i /ocn\ nup ps-
Estando a cousa nestes termos chegou a am ada ( ) 1
peravamos da Baía, a qual vindo-se ao Hio de J a n e ir o o ehtda
dos contrários como amigos, logo ao principio, mas ent.etanto
tava-se ajuntando a gente das aldeias, a qual junta 'com quam cem
canoas, acometeram uma náu e um barco, que vtnham p ta a e
puseram-os em tanto aperto que, se não foram as grandes end
cue faziam, houveram-os de tomar, porque 4 náu romperam por
partes com machados junto á agua, dando-lhes para isto fato e
ardis os Franceses que vinham com eles misturados, e mataram nl-
guns homens c flecharam muitos. Ao barco, depois da gente
mal ferida aeolher-se á náu, lhe puseram as maos em um bordo para
entrar a lhe despojar, mas eram tantos que o trabucaram c meteram
„o fundo; mas dos inimigos foram muitos mortos, fendo» e quei­
mado» com polvora, e assim se houveram de ir. e a nau se tem seu
can.... .... também outro dia mataram oito homens o fenram todos
OS mais que tomaram em uma barquinha que se desmandou, e se
não tires íôra socorro mui depressa, todos es levavam para « m » .
O capitão-mór da armada, logo que chegou ao Eto mandou ca
lim navio pequeno em que fosse o Padre Nobrega. para com o seu
conselho assentar o que havia de fazer, em o qual nos embarcamos
o Padre e eu com alguma gente, aos 111 de Março, e de eamm o
fomos a visitar nossos antigos hospedes de íperuig, como lhes havia
prometido que havia de tornar quando me vim, os quais nos vie­
ram a ver ao navio e me trouxeram os livros e tudo o mais que es
havia deixado em guarda e algum refresco. Partimos, donde chega­
mos ao Rio á sexta-feira santa (251). e entrámos pola barra bem a
meia-noite com grande escuridfro c tormenta de vento, e estivemos
meio perdidos todos nós outros dentro do porto « lançada ancora
não vimos os navios dos nossos, e mandando logo á terra a uma ilhe­
ta (252) que foi dos Franceses, acharam todas as casas onde os nos-
XV. _ CARTA D E S. V IC E N T E (1565)

sos pousavam queimadas e alguns corpos de escravos que ali ha­


viam morrido de sua doença desenterrados e as cabeças quebradas,
o qual haviam feito os inimigos, porque não se contentam de matar
OS vivos, mas também desenterrar os mortos e lhes quebrar as ca­
beças para maior vingança e tomar novo nome (253); êstes sinais
nos punham em grande confusão e nos faziam pensar que algum
grande desastre havia acrescido á armada, e como amanheceu vimos
vir flechas que trazia a água, de maneira que pouco mais ou menos
atinavamos o que havia sido e esperávamos o que nos poderia vir,
que era ser tomados e comidos, em o qual não púnhamos dúvida,
entrando por meio da barra, e em nenhuma maneira podiamos sair,
mas ali havíamos de aguardar o que Nosso Senhor nos enviasse e
assim enviou, que foi sua costumada e fraterna misericordia, e foi
o caso que a armada, vendo que tardavamos tanto e que no porto
não havia nada, determinou de vir-se a esta vila a refazer, e havia
dois dias (254) que era saida quando nós outros entrámos, e Nosso
Senhor lembrando-se de nós outros que não estavamos mui longe de
ser tragados em os ventres dos Tamújas, que são peores de que ba­
leias. mandou-lhes aquele vento de través, que é o mais furioso que
ha nesta costa, com o qual nenhuma outra cousa poderia fazer ain­
da que quisessem senão tornar a entrar em o Rio, e assim entrou
logo ao sabado, vespera de Pascoa (255), querendo-nos Nosso Se­
nhor fazer participantes da alegria de sua Resurreiçao, porque já
era passada a sexta-feira da Paixão. Gloria seja a ele por tuco.
Dia de Pascoa se disse missa em aquela ilha, e determinando to­
davia a armada, por estar mui desbaratada, de se refazer, nos vie­
mos a estes lugares de S. Vicente, onde agora se esta refazendo,
com determinação de tornar a fazer povoação ao Rio de Janeiro,
assim por desarreigar dali a sinagoga dos contrarios Calvmos, como
porque ali é a melhor força dos Tamújas e seria uma grande porta
para sua conversão: o Senhor que tem as chaves lha abra presto,
para que lhes entre o conhecimento de seu Creador^e Reden or
Resta agora dar conta dos exercícios dos Irmãos em seus Mi­
nistérios, os quais ficaram repartidos aqui e em Piratinmga acudin­
do a todas as necessidades, como sempre soem, e ordenaram que se
fizessem algumas procissões por o bom sucesso das pazes, ultra de

2 37
JO S E P H DE ANCHIETA

privadas orações e diseiplmas, a que eoncormm m urto»d e v o ^ o


qual faziam com tanto maior fervor de candade , t tanto sab.am
maiores as tribulações que paasavatnos entre os ^ tanto qu
homem casado nosso especial devoto e irmão de tmt nosso Pad c
«. açoitou tão fortemente que daí a poucos dias morreu lançando
muito sangue pela bôca, parece ,ue do fígado, que hav.a p.sado
Mande-o V P . encomendar a Nosso Senhor. Depots que eu vim de
minha peregrinação h» Nosso Senhor visitado e castigado esta erra
com muitas enfermidades (25(1,. de que ha morto grande parte dos
escravos do» Cristãos at residuum l o c u ta oomederot h r m h m , os
que haviam escapado e restado da bôca dos contrarios comesse a
enfermidade, o qual (• acrescentamento «le trabalhos para os Iimaos,
qu......... . cessam de noite e de dia de os socorrer com o esptri-
„,»1. confessando-o» e batizando-os. e com o corporal, sangrando-os
e curando-os. segundo o demanda a necessidade de cada um. A
Itafiae (Itanhaen), que são sete léguas. que vai por uma praia, se
ha socorrido por vezes assim aos Portugueses como aos índios nos­
sos amigos, que se meteram com nós outros, os quais tem contínuos
combates dos inimigos, seus parentes, e ainda que são poucos sim
prc levam a melhor com a ajuda de Nosso Senhor. Alguns dos adul­
tos se andam aparelhando para o batismo. Dos meninos inocentes
se lia enviado uma boa cópia deles á glória com estas enfermidades.
Louvores ao Senhor de todos que de todos tem tanto cuidado.
A principal destas doenças hão sido variolas, as quais ainda
brandas e com as costumadas que não têm perigo e facilmente sa­
ram: mas ha outras que ó cousa terrível: cobre-se todo o corpo dos
pês á cabeça de uma lepra mortal que parece couro de cação e ocupa
lo g o a garganta por dentro e a lingua cie maneira que com muita
dificuldade se podem confessar e em três. quatro dias morrem; ou­
tros que vivem, mas fendendo-se todos e quebra-se-lhes a carne pe­
daço a pedaço com tanta podridão de materia, que sai deles um ter­
rível fedor, de maneira que acodem-lhe as moscas como a carne
morta e apodrecida sôbre eles e lhe põem gusanos que se imo lhes
sc corressem, vivos as comeriam. Eu me achei em Piratininga um pou­
co de tempo, onde fui mandado depois que vim dentre os Tamújas, a
visitar nossos discipulos, os quais me desejavam lá muito, porque

238
XV. — CARTA DE S. VICENTE (1565)

me têm por bom cirurgião; ali se encrueleceu muito esta enfermi­


dade, de maneira que em breve espaço morreram muitos e a maior
parte foram meninos inocentes, de que cada dia morriam três, qua­
tro, e ás vezes mais. que para povoação tão pequena foi boa renda
para Nosso Senhor; dos adultos morreram alguns dos batizados rn
■ultimis, e os que já o eram com grandes sinais de fé e contrição, in­
vocando sempre o nome de Jesus: dava em as mulheres pejadas, e
morriam elas e os filhos, os quais se batizavam, salvo um, que, por-
aue nasceu sem nariz e com não sei que outras enfermidades, o man­
dou logo um irmão de seu pai enterrar sem nÔ-io fazer saber, que
assim fazem a todos os que nascem com alguma falta ou deformi­
dade. e por isso mui raramente se acha algum coxo. torto ou mudo
nesta nação. 1
Assás de trabalho e ocupação tive ali. como sempre, acudindo
a todos, sangrando dez, doze cada dia, que esta é a melhor medicina
que achamos para aquela enfermidade, e era necessario correr suas
casas cada dia uma ou mais vezes, a buscar deles que, ainda que pas­
seis por suas casas, se não s revolveis toda e perguntais por cada
pessoa em particular, não vos hão de dizer que estão enfermos,
melhor é que em pago destas boas obras, alguns deles, como sao de
baixo e rude entendimento, diziam que as sangrias os matavam, e
escondiam-se de nós outros, e mandando fazer umas covas longas
á maneira de sepulturas, e depois de bem quentes com mudo logo,
deixando-as cheias de brazas e atravessando paus por cima e mui­
tas hervas, se estendiam ali tão cobertos de ar e tao vestidos como
eles andam, e se assavam, os quais comumente depois morriam, e
suas carnes, assim com aquele fogo exterior como com o interior da
febre, pareciam assadas. Três destes que achei revolvendo as casas,
como sempre fazia, que se começavam a assar, e levantando-os por
fôrça do fogo, os sangrei e sararam pola bondade de Deus. A ou­
tros que daquele pestilencial mal estavam mui mal e esfolei parte
das pernas e quasi todos os pés. cortando-lhes a pele corrupta com
o ma tesoura, ficando em carne viva, cousa lastimosa de ver, e lavan­
do-lhes aquela corrupção com agua quente, com o que pola bondade
do Senhor sararam ; de um em especial se me recorda que com as
grandes dores não faza senão gritar, e gastando ja todo o corpo

239
JO S E P H D E A N CH IETA

estava em ponto de morte, sem saber seus pais que lhe fazer, smao
chorar-lhe, o qual, como lhe cortámos com uma tesoura toda aque
corrupção dos pis, e os deixámos esfolados, logo começou a se dar
b( m c cobrou a saúde.
B ' gente miserável, que em semelhantes enfermidades nem sa­
bem nem têm com que se curem, e assim todos confugem a nos ou-
tros demandando ajuda, e é necessario socorre-los nao so com as
medicinas, mas ainda muitas vezes com lhes mandar a levar de
mer e a dar-lho por nossas mãos, e não é muito isto em os índios,
que são paupérrimos, os mesmos Portugueses parece que nao sabem
viver sem nós outros, assim em suas enfermidades proprias, como
de seus escravos: cm nós outros têm medicos, boticários e enfermei­
ros' nossa casa é botica de todos, poucos momentos esta quieta a
campainha da portaria, uns idos. outros vindos a pedir diversas cou­
sas que só o dar recado a lodos não é pouco trabalho, onde nao ha
mais que dois ou três que atendam a isto e a tudo o mais: isto
mesmo é neste Colégio de S. Vicente e finalmente onde quer que
achem os Irmãos, os quais ao presente estão bem dispostos pela
bondade de Deus, ainda que frequentemente são visitados com
várias indisposições. Os devotos continuam suas confissões e CO-
nmnhões cada oito e cada quinze dias,
Nosso.
Muita necessidade tem toda esta terra, que de todas as partes
está cercada com guerras, de ser encomendada a Deus de Vossa Pa­
ternidade e de todos os Irmãos, para que a Divina Justiça amanse
um pouco seu furor, e mui maior a temos nós outros, que em todos
éstes encontros havemos de andar em a deanteira para que sine ef­
fusione corramos e agrademos a Jesus Nosso Capitão e Senhor, ao
qual praza de nos dar sua graça cumprida, para que sua santa von­
tade sintamos e aquela perfeitamente façamos.
Dêste Colégio de Jesus de S. Vicente, em 8 de Janeiro de
1565 anos.
Minimus Socielaiis Jesu.

240

\
XV. CARTA DE S. VICENTE (1565)

NOTAS

(222) Copiada no livro Cartas dos Padres da Companhia de Jesus sôbre


o Brasil, c it., f l. 167 v ., em castelhano. P b l. nos “ Anais da Biblioteca N a­
cional” I I , p. 79-123, e, em português, no “ Diario O ficial”, do Rio, era 14,
35 16, 17. 19, 27 de fevereiro e 7 de março de 1888, por Teixeira de Melo.

(223) 18 de abril.
(223-a) D atada de 8 de janeiro de 1565, a carta, bastante longa, foi
iniciada naturalm ente em dezembro de 1564, explicando-se assim a referência
a.o “ ano passado de 3563” .
(224) Bertioga, canal que separa a ilha de Santo Amaro do continente.
M artini Afonso construiu uma trincheira junto â barra, dando assim início ao
fo rte de São Tiago, depois chamado São João da Bertioga e Santo António
Em 1550 edifieou-se o forte de São Felipe (chamado mais tarde S a o L u iz ), do
lado da Armação, na ilha de Santo Amaro, de que foi comandante H ans Sta-
den. Nessa mesma ilha, m ais p a ra o Sul, Andrés Igino levantou em 158 <
forte de Santo Amaro, só concluido em 1590 (v nota_362), e mais tard e c -
inado da B a rra Grande. Sôbre as prim eiras fortificações de Santos v . Alber­
to de Sousa (Os Andradas, S. Paulo, 1932, I, p . 175 e s .) . - * X \ 7 h J Z
lciolca escreve H . Staden) vem do tupi piraty-oca, paradeiro das tainhas, po
eer o canal “ um excelente abrigo dos cardum es” desses peixes, segundo T. Sam­
paio (nota 39 a I I . Staden, Viagem ao Brasil, pbl. da Academia B rasileira,
p io 1930) — A fortaleza da Bertioga servia de presidio, impondo frequente­
mente a Cam ara de São Paulo (Atas, I ) , penas de tantos mil reis e tantos
anos “ de degredo para a fortaleza da Bertyogua .
zoo.-,) D ia 21, diz S. de Vasconcelos (C r o n 1. 3, n. 5 ). Mas tendo
caído a Paseoa em 1563 a 33 de abril e declarando Anchieta que a. partid a de
São Vicente foi na sua prim eira oitava e a estada na Bertioga de cinco dias,
em barcaram os jesuítas efetivam ente a 23 Quem os levou a Jpero.g «n. barco
de sua propriedade, foi, segundo S. de Vasconcelos (1. c . ), Antoiuc' ^ a n c o
(Vida de Nobrega, no v. das Cartas, p . 46), Southey (Eistóna do Vrasü Cr .
de L J . de Oliveira e Castro, Rio, 1862, 1, p. 404) e outros, o genovês I ram
cisco Adorno. E ntretanto, não só o proprio Anchieta, nesta mesma carta, s<
refere mais de um a vez a José Adorno, tio do jesuíta Francisco Adorno e ir ­
mão do de igual nome indicado pelos autores acima citados, con .
gues ( Vida de Anch., 1. c., p. 204) declara expressamente que a ^ g e m a
Iperoig foi fe ita no navio de “ um homem de muito respeito o virtude, e gran
de amigo dos padres, por nome José Adorno, de nação italiano, da principal
nobreza de Genova, tio do nosso padre Francisco Adorno, o qual estudou o cur­
so “ artes e teologia, no Colégio de Coimbra, e depois veiu a ser Provincial
da Provincia de Genova” .
(226) 1 de maio.
(227) Iperoig, aldeia do principal Caoquira, entre São Sebastião c m ,a-
tu ba a 155 km s. mais ou menos a Nordeste de Santos. — Iperoig, corr.
ypirú-yg, o rio ou agua do tubarão. ( . . . ) Pode proceder também de ipero-yç,
que se traduz - rio das perobas” (T . Sampaio, O tupi na geogr. nac., 3 td .) .

(228) 6 de maio.
JOSEPH DE ANCHIETA

(W , Alusão ao a.aquc contra P i r a t i n g , de .0 de junho de 1562.

(230) 0 de maio (S . de Vasc -, o . c ■, 1■ 3, n )

1878, p. 181-2).
( ‘>32) Aimbiré (S . de V ase., °- 0 > ' *' n ‘ . . T
K h'irea Nobrega e Anchieta viajaram ate Ipe-
(233) José Adorno^em^cuja >< i flllfJ
quatro ro irnlâos
irmãos dessedesse nome,
nome, naturais
naturais
nota 225) ■ José Adorno, um
roig (v. eixos povoadores da Capitania de Sao
de Genova c de sangue nobre, foi dos P ™ 1®1™— ® ^ ,ie ^ Cristóvão
.............„ Monteiro, dei-
Vicente. Casou-se com Catarm n M o n t e ^ i m p l a d o por M artini Afonso
xando numerosa descendencia. Te eden", no dizer de Azevedo Mar-
"coiii uma das maiores sesmaria, q Vicente, engenho de que
ques, fundou o engenho de Rao Joao na ilha ^ s ta d e n . E ’ ele,
foi feitor Heliodoro Eoban, em cuj« elho na idade, como envelhecido em
segundo frei Caspar, o “ homem nao U o lelho na n , certeza antes do
v iS o . ........lime", quo " i ™ rour oudldo pur Leonardo Nunes afim
seu casamento com Catarina Monteiro, P “ cnl <)Ue vivia, com muitos
de que “ largasse a nu. ocaaiao de p tas i a d e n tro ,^ 1 ^ fílho> A rrepen.
filhos” . tentou agredir o padre, nr - Pqual d o então em deante pres-
dido, tomou-se grande amigo da p M;’BCricordia de Santos quando, a 2o
tou relevantes serviços. Era pro e • ; Rolés na devassa aberta
do abril de 1560, depôs sôbre as » Put° f « ^ ( P r o c . de João
pch. vigário G o n ^ o Montmro, a requeri ^ .m0H depois da viagem a ípe-
<h Iiolé8\ An EaTació de Rá p a ra o Rio de Janeiro, onde com Pero
roip setfuiu na armada ac r^sia \ a .. i0Vantada pelos por-
M i í t ta í Namorado construi» »m ,« * . d o » t r J o a rt, « .
o recebeu em ^ « - — «*•
oritft a Richard Btaper por John \Mutl all, 1 . um nílvio que chegou a
dc José Adorno, cinco comerciou com os moradores, sem que as
Santos a 3 do fevereiro dc 1_ ro do 1- s:1> quando Edward Fenton com
autoridades o impedissem. -’ E , - Adorno fez parte da comissão en-
dois galeões esteve no porto de Santos José Adorno pa^ A , fl.
vinda a bordo pelas autoridades a im c ^ ^ ^ ^ ingleses. José Adorno e sua
missão, porém, traindo o m * > \ n s s à Senhora da Graça, na vila de
mulher foram os fundadores da ermida de E o s s a « o r a ^ a t ^ ^ nhu
Santos, doada em ^ t^ - n n e n to imposto “ a seus herdeiros, e a
desse nome, tendo Adorno ,mlitas, a obrigação de conservarem
T n T a r S T c S n l m que vai para ela, e mandarem dizer
;i cupola do * ♦ * o a »» ,£ • Gaspar) . Morreu mais que centena-
’V.........< - ', V v ™ ' , £ salvação” : ” Um dolos foi
r,o c. segundo á cern de imias C onfrarias pera seu enterro, e
que. einprestanclo-se-l e 1 ^ p.lgaBBe por pêso o dispêndio; durou o ato
oficio, com cond ç, 1 P seunnc acesa, quando depois veiu ao pêso, nao

Vida de A nch .. por P . Rodrigues (1. c ., p- 233),


1!. ('.areia, p. 481) . Na

242
XV. CARTA DE S. VICENTE (1565)

Jo sé Adorno vem mencionado como “ principal bem feitor” d a casa de Sã®


V icente.
(233-a) Villegaignon voltou p ara a F ra n ça em 1559, deixando no Rio
de Janeiro seu sobrinho Bois le Comte, com o cargo de vice-governador, e a l­
gum as centenas de colonos. A vida no fo rte de Coligny, que as disputas reli­
giosas desorganizaram , é minuciosamente descrita por G affarol na sua citad a
JJistoire ãu Brésü Français au seizième siècle.
(234) Pedro F erraz Barreto, que governou a C apitania vicentinu de
1562 a 1567.
(235) P aranápuçú, “ que quer dizer m ar espaçoso" (8 . de V asc., o. c .,
1. 3. n. 1 3 ).
(236) Êste Cunhambeba ou Cunhambebe, amigo de Anchieta, não deve
ser confundido com o chefe tamoio de igual nome. a que se refere Thevet,
quer na Cosmographie universeUe como nos Vrais Portraits et Notices des
Homines Illustres o nas Singuluritez (p . 273-5), e a que também alude H ans
Staden (o. c ., p . 76-9). O famoso Quoniambec de Thevet ou Konyan-Bébe de
H . Stalen foi vitim ado pela peste logo após a chegada de Villegaignon _ao
Itio de Janeiro, como adverte Capistrano (nota a V a rn h .. o. e. T, p. 35u),
citando H eulhard ( Villegaignon, roi de L ’Amerique, p . 114). — Cunham-
bebe, “ corr. cú-nhã-bcba, a lingua move-sc rasteira, para exprim ir que fa la
devagar e m anso. E ’ o homem de fala, m ansa” (T . Sampaio, O Tupl na
Geogr. N ac., 3* ed ) .
(237) Antonio Dias, que era pedreiro de profissão (8 . de V asc. o. c .,
I. 3, n. 3 0 ). P . Rodrigues ( Vida de Anch., 1. c ., p . 204) se refere a um
Antonio Luiz, que seguiu p a ra Iperoig com os jesuitas. Deve ser o mesmo,
sendo “ L uiz” êrro de cópia, por “ D ias” . — Ainda segundo P . Rodrigues
(p . 258), por algum tempo esteve com A nchieta entre os tamoios “ um am i­
go seu por nome Aires Fernandes” .
(238) N a noite de 20 para 21 de junho, diz 8 . de Vasc.. (o. c ., 1. 3,
n . 18), “ teve Joseph conhecimento sobrenatural de três casos ocultos,^ que
Deus llíe revelou, e ele comunicou ao padre N obrcga por causas ju s ta s ” : o
assassinio naquela mesma noite, do capitão da fortaleza de 8uo Vicente e
de sua mulher pelos indios; a morte de um amigo de N obrega “ por desastre
de um carro que passou p>or cima dele” ; e a. proxim a chegada a 8ão Vicente
de “ um galeão de Portugal carregado de fazendas” . Chegando a 8ao V icen­
te, N obrega verificou “ serem verdadeiras as duas prim eiras profecias’ . E a
terceira “ se cumpriu logo” .
(239) P a ra salvaguardar sua castidade, dizem os cronistas, Anchieta
recorreu á Virgem , fazendo a promessa de lhe compor a vida em verso. Dai o
poema De Beata Virgine Dei Matre Maria, que te ria sido prim eiro escrito
na areia da p ra ia de Iperoig “ p a ra melhor metê-lo na m em ória” ( 8 . de
Vasc ., o . c ., 1. 3, n. 22) .
(240) A ’ criança assim nascida “ de duas sem entes” chamavam os in ­
dios marabá, isto é, “ de m istu ra” (S . de V asc., o. c ., 1. 3, n . 2 7 ). O m es­
mo nome designava o filho do prisioneiro ou estrangeiro ( 1 . bam paio, O
Tupi na Geogr. Nac. 3“ e d .) .
(241) Oito. diz 8 . de Vasc. (o. c ., 1. 3. n . 2 8 ).

243
JOSEPH DE ANCHIETA

( 242) A pretensa m orte - d i o ‘‘da c o ^ a n h i a de


atribuída a Domingos de Braga (8- (o’_ p .‘ õ5 ). Filho de Diogo
mente 0 mesmo a que se re e ... Beus quatro irmãos, cerca de
de B raga • de mãe * Viíente, um a “ casa fo rte ”
dois anos antes da chegaria de H ans M M d is . A estada de Domingos
de pan a pique que os n.dios destruíram g P ;i mulber e os filhos ca­
de B raga outre os tninoios t.nha porJ ^ (inibora H ans Stadens afir-
pturados pelos selvagens dur!U,t® ° * ^ tc n h a m side salvos. E ’ possivel tam -
me que todos os enstaos e m • ocasiflo de outro assalto posterior,
hem que a captura tivesse sido foda P Eio de Janeiro, em
_ Domingos de B raga tomou parte na luta
1567 (S. de Vase., o. c ., 1. J, P-
se conhece sôbre 0
r 043') E sta referencia de Anchieta t a unica que {Cart. A o., p. 47,
padre"* Francisco Cardoso, co.no já notou Afranio 1 eunto
nota 64.) .
... - f na iCTeia de Itanhaen e renovada em
(244) A reconciliação foi feita n. gi' J n ]g d;ií c de M airanhaia
Piratininga, onde também se assentou *» 1 - l 3 n 31)
o T . «rivagin» .... rio P araíba (S . * V « e ., . . >- »• *»>•
(245) 0 )á nomeado Antonio Dias.
(240) 14 de agosto.
(247) S de setembro.
( 24 S i 14 de setembro.
(249) 21 de setembro.
,'orftl a rainha d Catarina, a pedido de Mera de Sá, enviou de Por-

J\K S SA
franceses do Pio do Janeiro e iniciada a sua povoaçao. Chegados os ga.eocs
algum reforço para o Sul, embarcando
n Baía, Men. do Sá enviou-os logo com
No Espirdo Santo recebeu a frota o
com Estacio o ouvidor Bra/. Fragoso,
auxílio valioso do capitão-mór Belchior de Azevedo e do principal A rariboia.
E em fevereiro de 1364 chegou á altura do Bin de Janeiro.

(251) 31 de março.
(252) Ilh a de Villcgaignon.
C>-,3) “ fistes cadaveres desenterrados c de cabeças partidas eram evi­
dent t men e de companheiros de Estacio de Sá, que resistiu quasi dois meses
nT s de se decidir a procurar São Vicente”, observa Capistrano (nota a Var-
nhngcn, o. c ., I, p. 406).
( or)4) A up de marco, portanto, deixou a fro ta pela prim eira vez
de Janeiro, e não em dia’s de abril, quinta-feira santa como diz S. de Vas-
eormelos (o. c .. 1. 3, n . ÕP) e repete Southey (H ist., I, p . 417), mesmo por­
que a Pascoa em 1564 caiu a 2 de abril.
(255) 1 de abril.
(256) Essa peste de variola “ ou corrupção pestilente” , como diz S. de
Vasconcelos (o. c ., 1. 3, n. 38), assolou o Brasil inteiro em loC3, sobietudo
a Baía, onde “ tirou a aí da a três partes dos indios’ .

244
XVI

Ao PADRE DiOGO M i RÃO, DA BAÍA, A 9 DE JIGDIO DE (257)

A armado de Estado de Sá em São V icente. —- Partida para o Rio


de Janeiro. — Sucessos da viagem. — Vinda de três navios
da Raia. — Desembarque no Rio de Janeiro. Construção
da cerca. — Ciladas dos Tamoios. — Tomada de uma nau
francesa. — Partida de Anchieta para a Raia. Padre Gou-
çalo d ’Olive ir a. — Elogio de Estado de Sá. — Necessidade
de auxiliar os combatentes do Rio de Janeiro.

T V São Vicente se escreveu largamente o que aconteceu á ar-


-*■'* mada, que da cidade do Salvador foi povoar o Rio de J a ­
neiro êste ano passado de 1564; partiu no fim do ano de 1564 (258),
agora darei conta do que mais sucedeu.
Depois de passar muito tempo (259) em se reformar a armada
de cordas, amarras e outras cousas necessarias, e esperar pelo gen­
tio dos Tupinanquins, com os quais se fizeram pazes, indo duas
vezes em navios ás suas povoações a os chamar, para ciarem aju­
da contra os Tamoios do Rio, os quais prometendo de vir, nao
vieram senão mui tarde e poucos, e tornaram-se logo de São Vi­
cente, sem quererem com os nossos vir ao Rio, a qual foi a piin
cipal causa de muita detença que a armada fez cm Sao Vicente;
e, finalmente, depois de haver muitas contradições, assim dos po­
vos de São Vicente, como dos capitães e gente da armada, aos
quais parecia impossível povoar-se o Rio de Janeiro com tao pou­
ca gente e mantimentos (260), <» capitão-mór Estacio de Sa e o
ouvidor geral Braz Fragoso (261), que sempre resistiram a todos
estes encontros e contradições, determinaram de levar ao cabo esta

24 5
JOSEPH HE ANCHIETA

empreza qu<- tinham começado. E confiados na bondade e poder


dWno assentaram que se ficasse o ouvidor geral em Sao V.eente,
fazendo concertar o galeão e a nau francesa (262). que se ac a-
vam comidos de busanos, e não estavam para poder navegar, e de­
pois se viria cora socorro ao Rio, e que o cap.tao-mor se passasse
L , em sua nau capitania e alguns navios pequenos e canoas a
*n
começar a povoação. Taneir0 de
Partiu o capitão-mór so em sua nau aos -
1 sés o no mesmo dia vein ter á ilha de São Sebastião, que esta
p> ou 13 léguas de São Vicente, onde esteve esperando pelos na­
vios pequenos que se ficaram aviando, os quais partiram de Bei-
tioKa a 27 do mês (263), e ao seguinte dia vieram com a capitania,
os navios pequenos eram cinco sómente, e-os três deles de remos,
o com eles vieram oito canoas (264), as quais traziam a seu cargo
os Mamalucos de São Vicente, com alguns índios do Espirito
Santo, que o ano passado haviam ido com o capitao-mor, e a -
puns outros de São Vicente dos nossos discipulos cristãos de Pira-
tininga, de maneira que toda a gente, assim dos navios como das
canoas, poderiam chegar até 200 homens, que era bem pouco para
se poder povoar o Rio, ao que se ajuntava o pouco mantimento
que traziam, que se dizia poder durar 2 ou 3 meses; com tudo isto,
como digo, chegámos (265) a Ilha de São Sebastião onde ja estava
o capitão-mór, e aí dissemos missa, e se confessou e comungou al­
guma gente; e como comumente vinham com grande alegria e fer­
vor confiados que com aquela pouca força e poder que traziam
haviam de povoar, ajudados do braço divino, e que nao lhes ha­
via de faltar o mantimento nesta ilha, ordenou o capitão-mór que
os navios de remos acompanhassem as canoas que dai por cleante
entravam já na terra dos Tamoios e era necessário cada dia pou­
sarem em terra em algumas ilhas, e para virem mais seguras man­
dou meter gente em sua canôa, que vinha por pôpa de um navio,
dando os seus escravos que a remassem com alguns Mamalucos, e
deu-lhe Nosso Senhor tão bom tempo, que sempre os navios de
remos chegavam a pousar onde elas estavam, até entrar na Ilha
Grande (266). onde estiveram muitos dias esperando pela capi­
tânia. a qual teve muitos ventos contra, até não poder aferrar

246
X V I. CARTA DA BAÍA (1565)

pano como os navios pequenos, e foi forçada a arribar a uma


ilha com a verga do traquete quebrado, e rendido o mastro grande.
Os Mamalucos e índios enfadados de esperar tanto tempo pela
capitânia, e forçados da fome, que quasi já não tinham manti­
mentos, determinaram de o ir buscar a uma aldeia de Tamoios,
que estava daí a 2 ou 3 léguas, e ajudou-os Cristo Nosso Senhor,
que chegaram á aldeia e queimaram-a, matando um contráiio, e
tomando um menino vivo, e toda a mais gente se acolheu pelos
matos; e com esta vitória alegres se mudaram todos ao outro por­
to da mesma Ilha Grande, onde tinham muita abundancia de
peixe e carne; a saber, bugios, cotias, caça do mato, e aí dissemos
também muitas vezes missa, e se confessou e comungou muita gen­
te, aparelhando-se para a guerra a que esperavam no Rio de J a ­
neiro; porém ainda que muito trabalhámos nós pela nossa parte,
e os capitães dos navios pela sua, não pudemos acabar com os
índios que esperassem pelo capitão-mór, como ele tinha ordenado,
antes apartando-se dos navios se vieram para dentro de uma ilha
chamada Marambaia, por entre aldeias dos Tamoios, caminho do
Rio de Janeiro; e porque eram poucos e vinham em grande pe­
rigo, pareceu bem se viessem os Mamalucos após eles, e que todos
eles ’ juntos esperassem pelos navios numas ilhas que estão uma
legua fóra da boca do rio, ás quais eles chegaram sem nenhum
encontro de Tamoios, ou outro perigo algum (267).
Os navios ficaram esperando pela capitânia cinco ou seis dias,
e por derradeiro parecendo-lhes que seria já passada de mar em
fóra, e temendo o perigo das canoas, partiram-se uma madru­
gada (268) ; e saindo pela bôea da ilha viram a capitania que
esta noite havia entrado; e assim todos juntos, com muita alegria,
começaram com prospero vento a ter vista das ilhas onde as ca­
noas estavam esperando; mas não quis Nosso Senhor que chegas­
sem aquele dia, antes acalmando o vento, e vindo depois outro con­
trário, junto com as grandes correntes das águas, tomou a capi­
tânia a Ilha Grande, e no caminho esteve em grande perigo de se
perder sobre a amarra em uma baixa (269). Os outros navios
andaram com muito trabalho, ora a vela, ora a remos, doisjm três
dias, para poderem tomar as ilhas (270), e acudir ás canoas, que

247
JOSEPH DE ANCHIETA

bem adivinhavam seriam tomadas dos contrários, ou tornadas para


São Vicente, ou mui perto disso, como em verdade o estavam
porque havendo já seis ou sete dias que estavam esperando, fal­
tando-lhes já o mantimento, comiam sómente palmitos e peixes, e
bebiam duma pouca água, de que todos estavam debilitados, e al­
guns doentes de camaras; e perdendo já a esperança dos navios
chegarem tão cedo, determinaram de partir cada um para sua
terra, a saber: os índios do Espirito Santo com tres canoas para
a sua e os Mamalucos com os Tupinanquins para Sao \ic en te. h
estando já assentados de efetuar esta sua determinação, viram um
dos navios, que a fôrça de braços e remos vinham ja perto das ilhas,
com cuja vista se alegraram, e esperaram alguns dois dias mais,
até que' chegaram quatro, que foi aos 27 de Fevereiro; e porque
nestas ilhas não havia mais que uma pouca dágua, e a gente era
muita; e as secas grandes, acabou-se e não havia mais que para
beber um dia. Mas o Senhor, que tomou esta obra a seu cargo,
mandou tanta chuva o dia que os navios ali chegaram, que Se
encheu o poço, e abastou a todas em quanto ali estiveram; e por
nos mostrar que um particular cuidado tinha por nos, permitiu
<iue a capitânia com outro navio que haviam arribado nao vies­
sem tão cedo. como todos queríamos, donde nasceu tornarem-se a
amotinar não sómente os índios e Mamalucos, mas também alguns
dos capitães dos navios querendo entrar dentro do rio, contra o
regimento que o capitão-mór tinha dado. e tomavam por achaque,
principalmente os índios, não terem que comer, e que dentro do
rio, com os combates que esperavam ter dos Tamoios, sofreriam
melhor a fome; e começariam a roçar e cercar o lugar onde es­
tava assentado que se havia de fundar a povoação.
Houve muito trabalho em os aquietar (271), porque em ver­
dade o porto em que estavamos era mui perigoso, os navios não
tinham breu, e faziam tanta água que era necessario grande par­
te do dia dar á bomba; os índios não tinham que comer; os Por­
tugueses não tinham para lho dar: porque havia quasi um mês
que com os partidos todos andavam fracos, e muitos doentes; fi-
nalmente determinaram os índios de não esperar mais que um
dia, e se a capitânia não chegasse, ou se meterem dentro do rio,

248
X V I. CARTA DA BAÍA (1565)

oü se irem para suas terras, o que fôra causa de grande descon­


solação. Neste trabalho acudiu a Divina Providência, que logo
aquele mesmo dia vimos três navios, que iam de cá da Baía com
socorro, de mantimento (272), que era o de que a armada tinha
maior necessidade; e ao seguinte (273), chegou a capitânia e ou­
tro navio, e assim todos juntos, em uma mesma maré, com gran­
de alegria entrámos pela bôca do Rio de Janeiro, começando ja,
os homens de ter maior fé e confiança em Deus, que em tal tem­
po socorrera as suas necessidades.
Logo ao seguinte dia, que foi <> último de Fevereiro, ou pri­
meiro de Março (274), começaram a roçar em terra com grande
fervor e cortar madeira para a cêrca (275), sem querer saber dos
Tamoios nem dos Franceses, mas como quem entrava em sua terra,
se foi logo o capitão-mór a dormir em terra, e dando ânimo aos
outros para fazer o mesmo, ocupando-se cada um em fazer o que
lhe era ordenado por ele, a saber: cortar madeira, c acarretá-la
aos ombros, terra, pedra, e outras cousas necessarias para a cêrca,
sem haver nenhum que a isso repugnasse; desde o capitão-mór até
o mais pequeno todos andavam e se ocupavam em semelhantes*
trabalhos: e porque naquele lugar não havia mais que uma legua
de ruim água, e esta era pouca, o dia (pie entrámos choveu tanto
que se encheu, e rebentaram fontes em algumas partes, de que
bebeu todo o exercito em abundanda, e durou até que se achou
água boa num poço, que logo se fez (276) : e como esla esteve em
termos de se poder beber, secou-se de todo a lagoa, c além disto
se achou uma fontezinha num penedo d ’agua muito boa, com que
todos se alegraram muito, e se vão firmando mais na vontade que
traziam de levar aquela obra ao cabo, vendo-se tão particular-,
mente favorecidos da Divina Providencia.
Os Tamoios começaram logo a fazer ciladas por terra e por
mar; mas os nossos não curavam senão de cercar-se e fortalecer-
se, parecendo-lhes que não faziam pouco em defender dentro da
cêrca; mas Nosso Senhor, não querendo que se contentassem com
isso, permitiu que aos 6 de Março viessem quatro canoas dos Ta­
moios, e fazendo uma cilada junto da cêrca tomassem um índio,
que se desmandou, e indo já muito longe com sua presa deitaram

2 49
JOSEPH HE ANCHIETA

a, nossos as sua.s canoas ao mar, perseguiram os inimigos, e os


fizeram saltar em terra e fugir pelos matos, de.xaudo, « canoa
ereos flecha», espadas, e quanto nelas fnhain, e o índio, que es-
cassíunente tiveram tempo para os matar: os nossos os persegui­
ram p io mato um bom pedaço, e não os podendo alcançar se
tornaram trazendo-lhes as canoas e suas armas, que haviam d e -
vado e que foi um grande triunfo para os nossos cobrarem animo,
: t e n f r a q u e c e r e m e temerem: assim daí por dcaute uao
ousavam aparecer senão de longe, e muitas canoas juntas-
a io de Marco vimos uma nau francesa, <iue estaca legua e
meia da povoação dentro do rio; e ao outro dia (277) foi o ca-
pitão-mór sôbre ela com quatro navios, deixando na ce ca a em
te que parecia necessaria, que ainda na o era acabada e sendo
, unto dela, e começando a atirar de sua parte e doutra, oa la -
;T10ios, que aquela cilada tinham assim ordenado, saíram detia-s
«lo uma ponta em quarenta e oito canoas cheias de gente, e arre­
meteram com a cerca com tão grande ímpeto, e nao havendo nela
baluarte nem casa alguma feita em que se pudesse a gente .eco-
Iber Ajudou-nos Nosso Senhor, de maneira que andando no meio
do terreiro descobertos, e chovendo flechas sôbre eles. nao os fe­
riram, antes mataram alguns dos inimigos, e feriram muitas; e
jião contentes com isso arremeteram com eles fora da cerca, e os
fizeram fugir e embarcar em suas canoas bem desbaratados. E
esta vitória, a que se houve da nau francesa, a qual se entregou
sem guerra aos nossos, e foi desta maneira que vendo vir o capi-
tão-mór as quarenta e oito canoas sobre a cerca, meteu-se em um
navio de remos por lhes ir acudir, deixando mandado aos outros
capitães dos outros navios que ficassem em guarda da nau ate
pela manhã, que tornasse, ou se lhe mandasse recado; esta noite
houveram falas dos Franceses, e falando-lhes um seu parente, que
estava num dos navios, e dizendo-lhes que cedessem sem guerra,
que o fariam de misericordia com eles. mostraram folgar muito,
e disseram que eram uns pobres mercadores que vinham ganhar
sua vida, e que estavam já de caminho, levavam alguns Franceses
dos que estavam em terra para França; que deixando-os ir se fia­
riam deles os outros que ficavam em terra. E porque eles tinham

250
XVI. — CARTA DA BAÍA (15ji5)

dado uma regueira em terra, e tinham comsigo trinta canoas de


Tamoios para despejar a nau, se se vissem em pressa, e queimá-la
com dois barris de polvora que tinham desfundados no convés com
seus morrões, e eles acolheram-se á terra ; porque não fosse o der­
radeiro erro peor que o primeiro do ano passado, que se fez em
tomar outra nau, e deixar mais Franceses em terra; pareceu bem
aos capitães, porque havia perigo na tardança de mandar recado
ao capitão-mór, dar-lhes segurança, e prometer-lhes que eles al­
cançariam do capitão-mór que lho confirmasse e houvesse por bem,
e com isto se entregaram e se vieram, porém ficando os lamoios
espantados de saber como so fiavam dos Portugueses; mas os
Franceses, que estavam já na nau, e se iam para a França com
os seus, temendo que lhes não cumprissem o que prometiam, ven­
do chegar os nossos navios a ela, lançaram-se ao mar, e a nado
fugiram á terra, á vista dos nossos sem se seguir trás deles.
O capitão-mór e todos tiveram isto por grande mercê do
Senhor, por ser este grande caminho para se desarreigarem do
Rio de Janeiro os Luteranos que nele ficam, que serão ate trinta
homens, repartidos em diversas aldeias, e todos homens baixos, que
vivem com os índios selvagens, e determinou de cumprir o que seus
capitães tinham prometido, ainda que teve algumas- contradições de^
homens, que mais olham seu proprio interesse que o bem comum;
mas sendo a maior parte de parecer que os devia deixar ir em
paz, e que daquela maneira se fazia maior serviço a Deus e a
Sua Altesa, e era caminho para mais facilmente se povoar e sus­
tentar o Rio de Janeiro, lhes deu licença que se fossem, tomando-
lhes a polvora e a artilharia que era necessaria para a cêrea, dei­
xando eles escrito aos seus que se fiassem de nós, e se saissem den~
tre os selvagens, e se lançassem comnosco, contando-lhes o bom
tratamento que dos nossos haviam recebido; êstes desta nau eram
catolicos, segundo as mostras que traziam, a saber: horas de Nossa
Senhora, sinais, contas, e cruzes. Pelo que é de crer que lhes fez
o Senhor esta misericordia, porque não ficassem em terra, e se
viessem com as outros, e aos nossas dessem grandissima opressão
favorecendo os Tamoios; determinava o capitão-mór a minha partida
dc lá, que foi o derradeiro de Março, a falar com os France-

251
JOSEPH DE ANCHIETA

, * (277-A), levando-lhes »m seguro real <le Sua Altesa e a carta de


2 l parentes para poder apartados dentre os Tamo.os para que
e«scs não sujeitem os índios e em pouca força na costa do_ Brasil,
se não vem soeorro de Sua Altesa. pelo qual todos estao ospt-

randl ntes que a nau francesa se partisse, fizeram os Tamoios ou­


tra cilada de vinte e sete canoas (278), aos quais ela tirou » «
e bons tiros, que também será a ajuda para ele» la
pouco credito e amor, e facilmente fazerem pares com os '
■meses se fôrem dêste Reino favorecidos, e assim hear sao o Hm.
e estas traziam nove ou dez e meteram esses nossos mao com tanto
pulso que foi flecliada a gente de seis aldeias que se fez em terra
para os defender, e alguns cios nossos saíram ape s e es. e
uma brava peleja, ........ foram feridos dez ou doze dos nossos,
,. alguns de flecliadas mui perigosas, as quais pela nnsermordm de
Deus facilmente sararam; mas das contrários toram muitos os e-
ridos. os quais os nossos viam levar a rasto pela praia, e me ei
nas canoas, e assim os foram perseguindo por mar e por terra,
quasi «té meio caminho de suas aldeias. tomaram-lhes uma ea­
rn',a. e tornaram-se com grande vitória: gloria seja ao Senhor
Ao derradeiro dia de Março parti do Rio de -laneirc. para
esta cidade, por mando da santa obediência (279). com um homem
tomado da Capitania de Ilhóus, chamado João 1)’Andrade, o qual
havia sido chamado de Sã,. Vicente pelo capüSo-mór a buscar
mantimentos a estas capitanias, e por sua boa indústria c dihgeii-
ci„ chegou ele. como acima digo. no mesmo dia e mare que a ar­
mada chegou de São Vicente, e de caminho levou cinco homens
brancos, que resgatou dentre os Tamoios áquem do Cabo-Frio,
os finais se haviam perdido em um navio que antes de Joao D'An­
drade tora mandado a buscar mantimentos; e depois de estar no
Rio todo èste tempo, e achando-se nos combates que tenho teli
rido, o tornou o capitão-mór, por se fiar de sua diligencia, a man­
dar a negociar mais mantimento, porque a falta dele é que lhes
faz uma maior guerra.
Já á minha partida tinham feito muitas roças em derredor
da cerca, plantados alguns legumes e inhames (280 ), e determina-
XVI. — OARTA DA BAÍA (1565)

vam de ir a algumas roças dos Tamoios a buscar alguma mandio­


ca para comer, e a rama dela para plantar; tinham já feito um
baluarte mui forte de taipa de pilão com muita artilharia dentro,
tom quatro ou cinco guaritas de madeira e taipa de mão, todas co­
bertas de telha que trouxe de São Vicente, e faziam-se outras e
outros baluartes, e os índios e Mamalucos faziam já suas casas
de madeira e barro, cobertas com umas palmas feitas e cavadas
como calhas e telhas, que é grande defensão contra o fogo. Os
Tamoios andavam se ajuntando para dar grande combate na cer­
ca (281); já havia dentro do Rio oitenta canoas, e parece-me
que se ajuntariam perto de duzentas, porque de toda a terra ha­
viam de concorrer á ilha, e dizia-se que fariam grandes mantas
de madeira para se defenderem da artilharia e balroarem a cêrca;
mas os nossos tinham já grande desejo de chegar aquela hora,
porque desejavam e esperavam fazer grandes cousas pela honra
de Deus e do seu rei, e lançar daquela terra os Calvin os, e abrir
alguma porta para a palavra de Deus entrar os Tamoios: todos
viviam com muita paz e concordia; ficava com eles o Padre Gon-
çalo d ’Oliveira (282), que lhes dizia cada dia missa, e confessava
e comungava a muitos para a glória do Senhoi .
O maior inconveniente que ali havia, ultra da fome, é que
estão lá muitos homens de todas as capitanias, os quais passa de
ano que lá andam, e desejam ir-se para suas casas (como é razao) :
se os não deixam ir perdem-se suas fazendas, e se os deixam ir fica a
povoação desamparada, e com grande perigo de serem comidos os
que lá ficarem, de maneira que por todas as partes ha grandes peri­
gos e trabalhas, e se não fosse o capitão-mór amigo de Deus e afa-
vel, que nunca descança de noite e de dia, acudindo a uns e a
outros sendo o primeiro nos trabalhos, e terem todos grande e
certa confiança que Sua Altesa proverá, tanto que souber estar
já feito pé no Rio de Janeiro, que tão temeroso era, ainda lá nes­
sas partes tão remotas; e que se agora se não leva ao cabo esta
obra, e se abre mão dela, tarde ou nunca se tornará a cometer;
já creio que houveram rebentados muitos e desamparados quasi
todos, maximè tendo novas que deram aqueles homens que saíram
do cativeiro dentro os Tamoios, os quais souberam de uma nau

25 3
JOSEPH DE ANCHIETA

francesa, que ali estava, que estava o sobrinho de Villegaignon ( ^ )»


capitão que foi da antiga fortaleza, para vir ao Rio de Janeiro e
São Vicente com uma grossa armada; a cêrca que tem feita nao
é mais que um pé a tomar passe da terra, sem se poder dilatar
nem sair dela sem socorro de Sua Altesa, a quem Vossa Reveren­
dissima deve lembrar e incitar que logo proveja, porque ainda
que é cousa pequena a que se tem feito, contudo é maior, e basta-
lhe chamar-se cidade de São Sebastião para ser favorecida do Senhor,
e merecimentos do glorioso mártir; e acrescentada de Sua Altesa
que lhe tem tanta devoção e obrigação (283-A) . Esta é a breve
informação do Rio de Janeiro; resta pedir a Vossa Reverendíssi­
ma nos encomende e faça encomendar muito a Nosso Senhor, e
tenha particular memoria dos que residem e ao deante residirão
naquela nova povoação, oferecidos a tantos perigos, da qual se
espera haver de nascer muito fruto para glória do Senhor e sal­
vação das almas.
Desta cidade do Salvador da Baía de Todos os Santos, aos 9
de Julho de 1565.
Mi ni mus; S o c i e t a l is J c a u .

NOTAS

(257) Copiada do Registo da.< Carta* dos Jesuítas, da L ivraria da Casa


de Silo Roque, p. M>0 v. Pbl. nos Anais da Província do Rio de Janeiro de
B altaaar da Silva Lisboa, p. 106-81 e na Revista do Instituto Hist
p. 24S, com um êrro de endereço (ao doutor Ja^omo M artins), retificado
lia reprodução feita no Diário Oficial, do Rio, em S e 17 de Março de 1 . ,
por Teixeira de Melo.
(258) Deve ser êrro de cópia. A arm ada de Estaeio de Sá chegou á
barra ~do Rio de Janeiro em fevereiro de 1564, havendo partido da B aia em
princípios dêsse ano, segundo S. de Vase. (Cron., o. c ., 1, •>, P- J ‘ •
Como porém aportou no Espirito Santo, onde recebeu numeroso socorro e
portanto se demorou, é possível que a partid a da B aia se. desse em fins de
1563 sendo essa a d a ta escrita por A nchieta. A chegada ao Rio em feve­
reiro de 1564 é confirm ada ]K,r R. da Silva Lisboa (Anais, cap. 8), que p re­
cisa o dia: 6.
(25P) A arm ada partiu do Rio de Janeiro p ara São Vicente depois
da Pascoa (2 de abril) de 1564.
(260) A respeito das “ m uitas contradições” havidas em São Vicente,
S. de Vase. (o. c ., 1-, 3, n. 62) reproduz estas palavras de Anchieta, que

254
X V I. — CARTA DA BAÍA (1565)

não se encontram em nenhum de seus escritos conhecidos: “ O padre No-


brega, como tin h a por traçad a de Deus esta jornada, e grandissim a confian­
ça, por não dizer certeza, que se havia de povoar o Rio de Janeiro, p_ôs-se
contra todos com grande constância” . E a proposito do que fez então o
grande jesuita p ara apressar a guerra e assegurar-lhe o sucesso, v . jpinda
S . de V ase. (o . c ., 1. 3, n . 63-4).
(261) V . nota 250.
(262) Tom ada no Rio de Jan eiro .
(263) 20 de janeiro, diz S. de V asc. (o. c ., 1. 3, n. 72).
(264) Compunha-se a arm ada, segundo S. de Vasc. (o. c ., 1. 3, n. 72),
de “ seis navios de guerra, alguns barcos ligeiros e nove canons de mestiços
e indios” .
(265) Com os mestiços e indios de São Vicente, enviou Nobrega o p a ­
dre Gonçalo de Oliveira e A nchieta. No elogio que traçou de Nobrega (F r a g .
JJist.), A nchieta conta que estava determ inado ir ele como superior do p a ­
dre, apesar de simples irmão ainda. Deante da resistência do canarino, d i­
tad a pela sua humildade, N obrega resolveu assim o caso: “ O padre, por ser
sacerdote, será superior; mas lembrar-se-á, pois o irmão foi seu mestre, do
íespeito e reverência que se lhe deve ter e de tom ar seus conselhos .
V . nota 666.
(266) Segundo presume Capistrano (nota a V arn h ., o. e ., 1, p . 42«),
a p artid a de São Sebastião se deu a 1 de fevereiro e a chegada á Ilha G ran­
de a 4 ou 5.
(267) “ Seria isso a 10 de fevereiro” (Capistrano, nota a V arn h ., o. c .,
I, p. 427).
(268) A p artid a da Ilh a Grande foi a 15 de fevereiro (Capistrano,
nota. a V arn h ., o. e ., 1, p . 428).
(269) Passou-se isso a 16 de fevereiro (Capistrano, nota a V arn h ., o.
c •, I, P- 4 2 8 ).
(270) Os navios juntaram -se ás canoas nas ilhas fóra da baia a 21 de
fevereiro, segundo supõe Capistrano (nota a V arnh., o. c ., J, p. )■
(271) Toi então que se deu o “ caso digno de memoria” de que fala
S. de Vasconcelos (o. c ., 1. 3, n. 73). P ara conter os indios lhes empe­
nhou Joseph sua p alav ra” , afirm ando “ que antes que o 8«1 chegasse a ta l
parte do céu, mostrando-lha, chegariam sem duvida os mantimentos, c após
eles pouco depois a nau cap itân ia”, o que de fato se deu.
(272) Os m antim entos foram trazidos por João de Andrade, m orador
de Ilhéus, com quem Anchieta seguiu depois para a Baía, conforme n arra p a ­
ginas adeante.
(273) A 28 de fevereiro.
(274) “ Princípio de m arço”, diz a I n f . de S4, e “ I o de março , p re­
cisa frei Vicente do Salvador (H ist., 3a e d ., p . 181).
(275) Os portugueses se fortificaram “ com trincheiras e fossos, no
lugar onde depois cham aram Vila Velha, junto a um penedo altíssimo, que

255
JO S E P H DE A N C H IETA

p e la t o .... »C die p 50 do — r v s .r r
cava, coin que ficavam cm pa e Bernardo da Cruz, na
«>; f t s “ é3 r - ” ‘â p~ - 1837
\ v Z l 0 e lín ír/d » p. 4 1 0 ). - V. »oU 280.

(276) t o e POÇO foi «“ * " £ • £ + 1


morado. O último foi nomea o p , 1 exercido tal cargo em Santos
que ho iniciava, uaturalm ente p<o Ja j 413). Amboa re-
(S . de V asc-, o. e ., 1. 3, n . 74 e V arn h ., o. c-, 1, P- )
teberam em sesmaria as terras de (,nauln.

,277) A tom ada .1» n » t o » « T ^ r í I T ’♦ «


r.é»» oo no dio anterior, conforme Capr.trano (o. c ., 1. noU 6 da 1 .
c nota da p . 428).
(277-ti) Corrigimos aqui um êrro evidente de cópia contido nas repro-

com os Portugueses . ’
= t , “u‘olinha8
= «antes,v c a rta
. essa dirigida aos
- c i t o n d o - o , o ...... .. - « - » ” * • 1**««-
h(‘h e "se saisscm dentre os selvagens .
c.,
(278) Foi esta cilad a a 10 de março, segundo S. de Vasconcelos (o
1 com.batendo
\ “ l o >
1. :í , n . 78), . os portugueses em ...in
. _................. "d e z. ..iinnüH
canoas com
com duas lane
duas lanchas
de rem o” .
(279) Ancliieta seguiu para a Baía afim de ser aí ordenado F f ^ n w a -
,1 Pedro Leitão. Ao passar pelo Espirito Santo, visitou a casa da Compa
hia e as aldeias indígenas, a mandado de Nobrcga Êste parDu logo de
São Vicente para o Rio de Janeiro com alguns companheiros. N a Ba a. An
.•hicta fez ver u Mem de Sá a necessidade de enviar nova arm ada ao Rio de
Janeiro para consolidar a conquista, arm ada que partiu da cidade do Sa va­
dor em novembro de lõtití, nela embarcando o c.anarmo em companhia do go
vernador, provincial Luiz da Grã, visitador Inácio de Azevedo e bispo d. P e ­
dro Leitão. A chegada ao Rio foi a 18 de janeiro de 15<n .
(•>8U) Estas palavras de Anchieta provam, segundo V arnh. (o. c ., 2*
cd , 1 , nota 1 da p . 304, suprim ida na 4» e d .), que a, cerca construída por
Estacio de Sá estava localizada na praia Vermelha e nao no morro de o
João E ntretanto, a “ opinião em contrário é hoje vigorante , tendo-se por
certo que o sítio em que se iniciou a fundação do Rio de Janeiro foi o istmo
da peninsula de São João, a varzea que demora entre o morro Cara de Lao
e os penedos do Pão de Assucar e U rea” , observa R . Garcia (n o ta a Varnh
1 c., 3* ed. in t., p. 410-1), citando J . Vieira la z e n d a ( Re\ . do In .
H is t/” , LXXX, p . 532-00).
(281) O ataque, de (pie Anchieta só chegou a presencear os prep ara­
tivos, se deu nos primeiros dias de junho, feito por 3 naus francesas e
canoas tanioias (S . de V asc., o. c., 1. 3, n. 81).
(282) V. nota 600.
(283) Bois-le-Comte se achava na Europa por esse tempo (Capistrano,
nota 16 a V arnh., o. c., 1, p . 41o).
(283-a ) Ü. Sebastifo, que reinaria ainda durante treze anos.

256
XVII

Ao G e ra l P a d re F ra n c is c o de B o rja , de São V ic e n te ,
a 10 de J u lh o de 1570 (284).

podre Inácio de Azevedo. — Missionários da Capitania. — E m


São V icen te: Padres A fonso Braz, Adão Gonçalves, Baltazar
Fernandes, Manuel Viegas e A nchieta. — E m P iratininga:
Padres Vicente Rodrigues, Manuel de Chaves, Simeão, A ntó­
nio Gonçalves e Irmão João de Sousa.

ESUS

J Mui Reverendo em Cristo Padre.


Pax Christi.
Não tenho pela presente outro fim senão avisar a Vossa Pa­
ternidade que estamos, todos os que deixou o Padre Inácio de Aze­
vedo (285) nesta Capitania, bem pela bondade de Deus Nosso Se­
nhor e esperando por ele cada dia com desejo de nos aproveitar
em Espirito com seu exemplo e doutrina. Entretanto trabalhamos
por nos conformar, quanto o permite a terra, com o que nos dei­
xou ordenado.
Estamos aqui, nestas povoações dos Cristãos portugueses, cin­
co, a saber: o Padre Afonso Braz, Padre Adão Gonçalves (286), o
Padre Baltazar Fernandes (287), Padre Manuel Viegas (288) e
eu (289), cujas qualidades já Vossa Paternidade conhece bem.
Ocupamo-nos todos ordinariamente em confessar e ensinar assim
aos Portugueses como aos naturais. Sempre se colhe algum fruto
pela misericórdia do Senhor, e não é tão pouco, que não seja mui­
to para louvar a Deus, em uns e outros como mais largamente se
verá pela geral.

257
17
JOSEPH DE ANCHIETA

Em nossa casa de S . Paulo de Piratininga estão o Padre Vi­


ante Rodrigues, que é preposito, e o Padre Manne de C h a v ^
•adre Simeão (290), o Padre Antonio Gonçalves (291) e o
r„ão de Sousa (292) ocupam-se eom os Portugueses e íasis cora
dgum fruto em Deus. Ha bastante trabalho em visitar_tantas po­
voações como ha e acudir a tantas necessidades em tao diversos
lugares distantes três e quatro e até sete léguas, mas para tudo
dará forças Nosso Senhor que isto manda por meio da santa obe­
diência, ajudando-nos Vossa Paternidade com suas santas oraçoes
e creia que, se em algumas partes tem filhos necessitados, sao es
destas, especialmente eu que peço mui particular favor de sua pa­
te n a caridade, benção e intercessão deante de Nosso Senhor para
que persevere até o fim em sua santa Companhia.
I)p S. Vicente, 10 de Julho, 1570.
Vossa Paternidade filho indigno era Deras.

NOTAS

(284) P b l ., em castelhano, nos “ Anais d a Biblioteca N a c io n a l^ ^X IX ,


p. 57-8, bem como nos “ Anais do Museu P au lista , U I, P- ’ 1” ’
pela prim eira vez, na. versão portuguesa .
(285) Inácio dr Azevedo, natu ral do Porto, de famiHa ^ d a lg a ’
-.is velho de d Piogo de Azevedo e irm ão do viee-rei da ín d ia d . Je ro m
mo de Azevedo, foi recebido no Colégio de Coimbra em 1547, entrando n a
Com panhia a conselho de H enrique do Gouvêa, grande amigo do^ ; ,esl” ? .- 0
do visitador Cristóvão de Gouvêa e do padre Joao de M atlurcira. En 1 5 0
foi enviado em missão ã B eira e em 1552 assum iu a g r e g o das escolas pu;
blicas fundadas em Santo A ntão, cargo que exerceu até fins de lS o 8 . Vice
provincial do P ortugal e reitor do Colégio de Braga, onde fez a m u a d e co
o arcebispo frei Bartolomeu dos M ártires, esteve presente em 1565 a ton
g r e g a tu }8 gerai de Roma, que elegeu Francisco de B o rja p a ra - c e s s o r de
Dingo de Lainoz, na qualidade de procurador das províncias da. I n à m e do
B ra sil. Enviado ao B rasil como visitador, chegou a B aía em -4 de agosto
de 1566, trazendo os padres B altazar Fernandes, Amaro Gonçalves e Amo-
nio da Rocha, os irm ãos Pedro Dias e Estevão Fernandes o os noviços Do-
eiingos Gonçalves e Antonio de. A ndrade. Em novembro dêsse mesmo ano,
seguiu p a ra o Sul na arm ad a de Mem de Sá, em companhia dos padres Lm s
d;i G rã, António Rodrigues, B altazar Fernandes, António da Bocha, An-
chieta e do bispo d. Pedro L eitão . Chegando ao Rio a 18 de jan eiro de L o / ,
assistiu aos ultim os com bates co n tra os tam oios e franceses. A 18ito « depois
H C apitania de São Vicente, subindo até Piratininga Resolvida a fundaçao
de um Colégio no Rio de Jan eiro , p a ra lá voltou em julho com d . Pedro Lei-
tão G rã N obrega e A ncliieta. Do Rio p a rtiu para a B aia, onde chegou cm

258
X V II. — CARTA DE S . V IC E N T E (1570)

março de 1568, visitando no caminho as casas do E spirito Santo, P o rto Se­


guro e Ilhéus. Realizada a congregação provincial em junho, embarcou p a ra
P o rtu g a l a 24 de agosto, indo de Lisboa p a ra Almeirim, onde se encontrava
o rei d . S ebastião. Seguiu depois p a ra Roma, a í tra tan d o dos negocios do
B rasil. De volta a P ortugal, trouxe “ m uitos sujeitos de outras provincias,
p a rte de letras, parte de ofícios m ecânicos” (B . G uerreiro, Gloriosa Coroa,
p a rte 3‘, p . 3 1 2 ). Chegou a reunir p a ra a missão ao B rasil perto de setenta
sujeitos e com eles se retiro u p ara a quinta do V ai de Rosal, de propriedade
do Colégio de Santo A ntão. Em 1570 se tra n sfe riu com os com panheiros p a ra
a casa professa de São Roque e embarcou com tr in ta e nove deles na nau
Santiago, c u ja m etade fre ta ra e que fazia p a rte da fro ta do governador
d . Luiz de Vasconcelos. Êste últim o acolheu n a cap itân ia o padre Pero D ias
com m ais vinte (S . de V a sc ., o . c ., 1. 4, n . 18) ou doze religiosos (B . G uer­
reiro, o. c ., p a rte 3", p . 322-4). E na das Ó rfãs em barcou o padre Francisco
de Castro com dois irmãos (S . de V asc., 1. c .) ou dez (Southey, H i s t ., I,
p . 431) . N a ilha da M adeira a nau S antiago separou-se da frota, seguindo
p ara as C anarias. A trê s léguas de L as Palm as, foi a ta c a d a pelo corsário
Jacques de Soria, que tiro u a vida a Inácio de Azevedo e seus com panheiros
no dia 15 de julho de 1570. M ais tarde, Jo ão Capdeville tomou a cap itân ia,
m atando o governador e o padre Pero Dias com os seus onze com panheiros
jesu ítas (B . Guerreiro, o. c ., p a rte 3», p. 379-80). U m a náu da fro ta con­
seguiu alcançar Cuba e E spaniola o u tra . Dos m issionários de Inácio dc Aze­
vedo tão unicam ente o irm ão António Leão, que por doença fieárn nas Ilh as
Terceiras, conseguiu chegar ao Brasil ( H ist, dos Col., 1. p. 9 1 ).

( 2S6) Adão Gonçalves, m orador em São Vicente, “ dos m ais ricos e po­
derosos da t e r r a ” , teve p a rte saliente na tom ada do fo rte dc Coligny em
1560, seguindo depois p a ra a B aía afim de obter de Mem de Sá certidão dos
serviços prestados na lu ta que o habilitasse a “ requerer a el-rei prêmio dêlos” .
Isa B aía, porém, resolveu e n tra r para a Companhia, sendo recebido pelo p ro ­
vincial Luiz da G rã. Desistiu então de todos os seus haveres em favor dos
jesu itas e confiou seu filho Adão em São Vicente aos cuidados de N obrega.
No Colégio da Baía, a 31 de janeiro de 1501, prestou seu depoimento no auto
de culpas instaurado contra Bolés (v. nota 179). Em 1564, por ocasião da
grande fam in a que assolou a B aía, o j á padre Adão Gonçalves, que com ou­
tro s jesu ita s trab alh av a nas aldeias de N ossa Senhora da Assunção e São
Miguel, escapou de ser morto pelos indios, cu ja debandada queria im pedir.
M ais ta rd e residiu no Colégio do Rio de Ja n eiro coin A nchieta. Seu filho
estudou gram ática, foi recebido na Companhia e m orreu na B aía logo depois
do term inar o curso de filosofia, “ com alguns princípios já da teo lo g ia”
(>S. de V asc., o. c ., 1. 2, n . 79-80, e 1. 3, n . 4 0 ). — V . nota 081.

(287) O padre Baltazar Fernandes chegou ao Brasil a 24 de agosto


de 1566, n a missão chefiada pelo visitador Inácio de Azevedo Em novem­
bro desse ano seguiu p ara o Sul na arm ad a de Mem de Sá, com o visitador,
0 provincial Gra, A nchieta e outros. Term inada a guerra do Rio de Jan eiro
1 oi com Inácio de Azevedo p a ra São Vicente, onde chegou na quaresm a dê
* ,_ ® Permaneceu até abril de 1573, quando seguiu com o provincial Inácio
de Tolosa p a ra o Rio de Ja n e iro e daí p a ra o E spirito S anto. N esta C api­
ta n ia ficou, substituindo A ntónio da Rocha, como superior da casa dos je-
su itas. São dele duas das Cart. A v . (L X I e L X I I I ) .

(2 8 8 ^ O padre Manuel d e g a s , que entrou para a Companhia no B rasil


j a em 1567 residia na casa de P ira tin in g a (Cart. A r . , L X I ) , M ais tarde,’

259
JOSEPH ANCHIETA

Residindo entre eles,


muito auxiliou A uehicta na c.m ;»r8iio J ° ‘ t,e".Íadou to d a « dou-
aprendeu " e u a língua
íngua com m uita d.l.geucm
W f * * * ,, *c M “ “ d a i u g u a d a coata, ten
*, ■> T t i n h n í*n n i n o S u l . I)
Irm a que o paure S Je T , r a i S T e ^ m 1^ a r ' t c ^ g r ^ i i c a por onde
vocabulário copioso com facilidade ” (S . de Va.sc-, F id a de Anch., 1. 3,
pôde aprender-se
cap . I X ) . r,_ , r. ,
(289) De 1507 a 1575, ^ C a p S a u S " s e ^ i X para'T Ba*a com o 'p r o -
S6 em 1577, porém, deixou .i Capitania, ÍP i
v in c ia l I n n c io de T o lo s a .

(290) Simeão ou Simão Gonçalves (v. nota 1 1) •

(291) Antonio Gonçalves, ainda irmão, ta rd e * foi


Luiz Rodrigues. Já era ordenado de ™ « » . <1 a té 1566 pelo
nviado com Francisco V iegas para P orto beguro ^ . A IIis t.
c
K O . 1 c7.!’ r: chegada de um “ irm ão Antó-
dou o mesmo padre António Gon-
),io Gonçalves” a ■i São V icente. Certam ente é
i?;,, <> ri(x lã voltado nesse ano. Em 1579, residia com
? X h ^ * T J ? r £ S J l ml aldeia de São Lourenço. Das Cart. A r . ê dele
:i de n . X L.
í-Mto irmão João dr Sousa, de nome idêntico ao que morreu as
(292) Ê8tC ” I 1567 residia na casa de P ira tm in g a . Seis anos mars

’Ü e duí pura » Bui» A » ^diu mu ^ ^


companheiros deixaram o L spinto Santo, onde t«eram ew- > ■pa-

■ á r x s j.
IhO. 131 e 132-5).

26 0
XVIII

À UM SACERDOTE RECEM-ORDENADO, TODA DE PAUAVRAS


da S agrada E scritura (293).

J esu sMaria.
Jesu Cristo verdadeira luz, que alumia a todo homem
existente neste mundo, alumie vosso coração pera que assista sobre
vós sua divina luz, e vos guie pelo caminho direito, até chegardes
ao monte de sua santificação, monte cheio, e fértil, aonde vos far­
teis naqueles peitos de toda consolação. Que cousa é o homem, que
assi é engrandecido do Senhor? Ontem ereis de menor idade, falá­
veis como um menino, tínheis pensamentos pueris, porém agora
estais feito varão, Sacerdote do altíssimo Deus, oferecendo pão e
vinho.
Mas que pão é este? Pão dos Anjos, verdadeiro manjar, que
comem os pobres, e ficam fartos, pão vivo que desceu do Céu para
encher de todas os bens aos que dele têm fome. Quem come êste
pão tem vida pera sempre, pão celeste que em si tem todas as de­
lícias do gosto, e toda a sua suavidade do sabor.
E que vinho é êste, vinho bom, com ele se nos deu um lava­
tório a nossas culpas, reconciliando-nos com o Eterno Pai, alim-
pando-nos as máculas da filha de Sião; per ele entrou o mesmo
Cristo na S a n c t a s a n c t o r u m , ganhando a eterna rendenção pera
nós, que estavamos em prisões de pobresa, e ferro; com ele sopeou
as potências do Inferno, quebrou o arco, despedaçou o escudo, a
espada desfez a guerra, pondo tudo em paz, assi no Céu como na
terra.
Eis aqui, Padre, quanto vos quis o Senhor engrandecer; ad-
JOSEPH DE ANCHIETA

mirai-vos da* riquezas da divina bondade; vossa alma agradeça en­


grandecendo aquele, que tão humilde vos levantou, que cada dia
^ entrega em vossas mãos, fazendo do vosso peito morada de seu
descanso, elegendo-vos por ministro .seu, e despenseiro de seus mis­
térios. Trabalhai agora, e fa/.ei muito, porque vos ache fiel em seu
serviço; sete vezes vos lavai -no rio Jordão, pera que não haja em
vós mácula, que deslustre tão sagrado ministerio; e ainda que es­
tejais lavado, e puro na eonciencia, repeti muitas vezes o lavar
O.s pés, chegando-vos ás fontes das aguas vivas; ponde sentinelas
no coração, e guarda nalma, pera que o altíssimo Deus vos san­
tifique com o seu tabernáculo, entrando em vós, andando em vossa
companhia, e ceiando convosco.
<)’ <|m> grande ceia! 0 ’ que real co n v it e! Que .se não prepara
só pera sete dias, mas pera nos manter até o fim do mundo; pera
ele se manda convidar não sómente o povo de Susan, mas o mun­
do todo. do maior até o mais pequeno; nestf soberana mesa bebem
os convidados abundante vinho (como convem á magnificência
real deste banquete), e o principal é que sáem as almas satisfeitas e
alentadas: ó quem me dera comer da árvore da vida! Não sois vós,
meu bom Jesu, o que só sois vida ? Que reinastes na árvore da vera
cruz
Dai-vos logo a mim, bendito fruito do ventre da Virgem, dai-
vos a mim, pera que vos ache, e vos coma, e fique farto de uma vez;
não fique frustrado êste meu desejo, porque minha alma vos ape­
tece. Onde habitais, Senhor? Onde vos recolheis, pera que parte
fostes, amado meu? 0 mais especioso dos filhos dos homens, o mais
digno de ser amado, branco, e rosado, escolhido entre milhares, don­
de vos apartastes de mim ? Porventura fugistes para os montes aro­
maticos, como cervo veloz? De que sorte vos apanharei, se saltais
como Gigante, quando correis? Tornai pera mim. Filho de Maria,
tornai pera mim, pera que vos veja; ou dai-me azas pera voar como
pomba, e descançar em vós pera que tenha mão, e vos nao largue,
até me não lançardes vossa benção, e minha alma se áte a vós de
sorte que as trevas me não apanhem, mas vos siga como lume da
eterna vida, e em vosso nome alcance a luz verdadeira.
0 ’ prouvera a Deus, carissimo Padre, que me visse tão limpo de

262
XVIII. — CARTA DE ( )

meus pecados, que não recebesse indignamente o corpo, e sangue


do Senhor, mas que com espirito humilde, e coração contrito, en­
trasse a celebrar no altar de Deus, aonde bebesse as aguas da fonte,
que está no meio do Paraiso, fonte viva de agua, que corre pera a
vida eterna; mas ai, ai de mim, minha cabeça está cheia de fanta­
sias, que carecem de entendimento, e boa rezão; meu coração se secou
como feno do campo; minha língua está pegada á garganta, sem
cantar o novo cantico ao Senhor, que obrou tantas maravilhas, a
quem deram a comer fel, e a beber vinagre, pera que suas palavras
fossem doces, e suaves á minha garganta; só a meu Deus quisera
amar de todo o coração, com todo o entendimento, e alma, tendo
tudo o do mundo por vil escória, pera ganhar a Cristo, pondo em
seu amor todas minhas delícias.
Mas espero em Deus já que ainda o confesso por tal, que an­
dando pelo caminho de seu serviço sem mácula, que ele virará seu
divino rosto pera mim, botando-me sua benção, e que o não fará
comigo segundo minhas maldades o merecem, guardando eterna-
mente a ira contra mim, mas perdoará todas minhas dividas; não
permitirá que seja lançado nas trevas exteriores, mas dará luz a
meus caminhos sua palavra, pera que ande, enquanto tiver sua luz,
não tropece, e cáia se andar por trevas. Tratai logo de largar as
velas de vossa oração deante o Senhor, assentai-vos á sombra da­
quele que deseja vossa alma, e como vier habitar em vós ao meio
dia, pegai dele, metendo-o no cubículo de sua Mãe, pera que aí vos
ensine, quão grandes são os trabalhos de meu coração, e quão mul­
tiplicadas as afrontas, que inútil me tenho feito, pondo os olhos
vos compadecei de mim em vossas orações, pera que o Senhor me
perdoe meus pecados, e me dê espírito bom; mas pera que vos mo­
lesto, dizendo estas cousas?
Alegrai-vos no Senhor, carissimo, outra vez vos digo, que vos
alegreis, por que vos tem o Senhor plantado em sua casa, como oli­
veira frutífera, e mui fermosa nos campas, armando-vos contra os
Principes deste mundo, e Governadores destas trevas; fazendo mui­
to fruito, pregando o Evangelho a toda a criatura, entremetendo o
nome de Jesu, que é oleo derramado, cujas palavras de sôbre este
JOSEPH DE ANCHIETA
oleo são as mais fortes arremeções, e penetram mais que uma es­
pada de dois gumes.
Portanto vigiai, fazei obras de Evangelista, andando por ca­
minho fóra de culpa; servi ao Senhor, e não habite no meio de vossa
casa, que é o coração, a soberba, mas caminhai pela inocência da
vida, oferecendo a Deus sacrificio santo, e vivo, que tira os peca­
dos do mundo; e quando sacrificardes o santo Isaac sobre o monte
de lenha, considerai pera a mão direita, e vereis a Mãe de Jesu, sem
consolação, chorando naquela triste noite, em que houve trevas so­
bre o mundo todo da sexta hora até a nona, na qual vindimou, assi
como disse o Senhor, no dia de seu furor. Vale.

NOTA

Í2P3) Copiada da Vida do Venerável Padre Joseph de Anchieta, pelo


padre Simão de Vasconcelos, 1. 5, cap. H I , p . 305-8, que dá tam bém o ori­
ginal latino da c a rta. Sem data, nem de lugar, nem de tempo. M as, refe
rindo Be a ela Simão de Vasconcelos (o. c ., 1. 3, cap. 1), quando t r a t a do
tempo em que Anchieta foi superior em São Vicente, é bem possível que seja
dessa época, dirigida a algum discipulo de P ira tin in g a .
XlX

D a B aía, em 7 de J u n h o de 1578 (294), a G asp ar S c h e t,


em A n tu é rp ia (295).

P rojetada viagem a São V icente. — Pesames pelo falecim ento de


Melchior S c h e t. — Notícias do Engenho dos Erasmos e seus
fe ito res.

I esus.

** P az C hristi vobis.
Todo o tempo que residi em S. Vicente (296) procurei de so­
correr a casa de V. M. com os ministérios de nossa Companhia,
como também agora fazem os Padres que lá estão. Resido agora
nesta cidade da Baía porque me deitaram ás costas o cargo de Pro­
vincial, mas, para Outubro, espero lá volver a visitar aquela terra,
com a graça de Nosso Senhor (297).
Jesidro e Luiz, filho de João Batista (298), aportaram aqui o
ano passado e já chegaram a S. Vicente. Deram-me notícia que era
falecido o sr. Melchior Schet (299), no tempo daquelas turbulên­
cias de Antuérpia. A dôr que todos cá sentimos Nosso Senhor sabe,
por faltar lá uma cabeça tão católica em tal ocasião; e por não fal­
tar de nossa parte a nosso ofício e á muita caridade que tem V. M.
á nossa Companhia, muitas missas lhe dissemos por toda esta costa,
como nos obriga a razão.
Sempre trabalhei por que os feitores de V. M. vivessem con­
formes, mas, como um se havia casado, não quis o outro sossegar,
e já havia alguns dias que não combinavam bem, até que João Mar­
tins (300), depois de muitas voltas se casou, com a licença que ti­
nha de V. M., depois de minha partida daquela terra. Como soube
JOSEPH DE ANCHIETA

nor cartas, logo s e apartou do engenho, e tom ou casa, e am d a que a


V M . possa aí parecer outra cousa, eu o tenho pelo m elhor para o
mean,,, engenho, e ainda que ele sem pre serviu com m u ita fid e ­
lid ade e amor, contudo duas cabeças em um corpo e m on stro.
João Batista agora me escreveu que estava bem toda a família,
dizendo-me também como V . M . lhe havia escrito que nao podia
escrever, pelos muitos trabalhos que o cercavam. Eu o compreendo
muito bem, aqui onde estou, e ainda que de uma parte muito me
compadeço de V. M.. por outra contudo me alegro •» D o m n o pois
tão particulariumde ama a V. M. que o toma por caudilho dos seus
e tantos trabalhos lhe comunica, por sua Igreja e pela Republic»,
aos quais certo está haver-se de seguir muito estimada gloria.
Todos cá fazemos preces por essa terra e eu especialmente em
meus sacrifícios faço memoria de V. M .. pedindo a Nosso Senhor
gaste seus trabalhos em grande triunfo sóbre os inimigos de sua
ganta fé e coroa de vida eterna.
Desta cidade da Baía de Todos os Santos do Brasil, a 7 de J u ­
nho de 1578.
n« V AT servo em Cristo.

NOTAS

/294) P b l., em íac-sirnilo, no livro das conferências do Centenario do


Venerável Joseph <le Anchieta, Paris-L isboa, 1900, e agora trad u zid a do ori­
ginal castelhano.
/295) A proposito dos Schetz (Schet, escreve Anchieta, e E squettes ou
Esquetcs, dizem alguns escritos an tig o s), Alcibiades F urtado transcreveu nas
‘•'Publicações do Arquivo N acional" (X IV , p . 5-22) vários documentos que
pertenceram aos jesu ítas de São Vicente, bem como o resultado das investiga­
ções fe ita s em Bruxelas, a seu pedido, por A . de K idder. Dos Schetz, o ri­
ginários da F ranconia ou de M aastricht, o prim eiro membro conhecido na
Belgica foi Conrado, cujo filho Erasm o faleceu em 1550. Ê ste deixou cinco
fUhos, entre os quais Gaspar, barão de W esemael e senhor de Grobbendonck,
falecido em Mons a 7 de novembro de 1584. E ’ o d estm atario da c a rta de
A nchieta. Erasm o Schetz fu n d ara com seu cunhado J e a n Vleminckx e A r­
nold Proenne um a sociedade comercial, com negocios bancarios, de seguros,
minas, etc. M ais ta rd e , com a entrada de seus filhos G aspar, M elchior e B al­
ta z a r constituiu-se a firm a Erasm o Schetz & Filhos, que, falecido E rasm o,
passou a denominar-se G aspar Schetz & Irm ãos. Os Schetz eram p ro p rie tá ­
rios do engenho dos Erasm os, que exportava assucar p ara a E u ro p a e foi um a
das fontes principais da imensa riqueza que acum ularam . Cato.icos e de-

. 266
X IX . — CARTA DA BAÍA (1578)

votos da Companhia (P ero Rodrigues, Fida de A n c h ., 1. e ., p . 228-9), os


termoB em que A nchieta se dirige ao barão de Wesemael fazem presum ir que
bem grandes eram as obrigações que lhes deviam os jesu íta s. — Sôbre o en­
genho dos Erasm os ou de São J o rg e dos Erasm os, anteriorm ente denomi­
nado do Senhor G overnador (p o r haver sido fundado por M artim Afonso
de Sousa, de sociedade com Pero Lopes, João Veniste e Francisco Lobo,) e
dos Arm adores, v. frei Gaspar (M e m ., p. 169-70).
(296) E m bora deixasse a direção da casa de São Vicente em 1575, A n­
chieta continuou residindo na C apitania até 1577, quando p a rtiu p a ra a
B aía com o provincial Tolosa. Aí fez sua profissão solene dos 4 votos e foi
nomeado reitor do Colégio. N ão chegou, porém, a exercer esse cargo, pois
logo em seguida, no ano de 1578, recebeu patente de provincial do B rasil.
(297) Apesar de Anchieta anunciar a G aspar Schetz a sua p a rtid a p ara
o Sul em outubro, ha quem mencione sua passagem pelo E spirito Santo em
agosto, chegando S . de Vasconcelos a afirm ar que a 4 dêsse mês se achava
o canarino em São Vicente, onde profetizou o desastre de Alcacer-K ebir,
ocorrido nêsse d ia ( Vida de A n c h ., 1. 4, cap. V I ) . Mas, provando de modo
positivo a sua estad a no Sul por essa época, só existe a c a rta que escreveu de
P ira tin in g a a 15 de novembro de 1579.
(298) João Batxxta Maglio chegou a São Vicente em 1556 m ais ou
menos, enviado por G aspar Schetz como feitor do engenho dos E rasm os.
M uitos anos depois (em 157S ainda d irigia o engenho, conform e diz Anchie­
t a ) , foi despedido por tra ta r m ais dos seus interesses do que dos do p atrão ,
entregando G aspar Schetz a feitoria ao italiano Paulo de Veras, que tam ­
bém não se houve a contento e foi substituido por Jeronim o M aia. A inda
desta vez a escolha não foi feliz, como se deduz de uma c a rta d irig id a pelos
filhos de G aspar Schetz, em janeiro de 1591, ao padre Luiz da Fonseca, en­
tão reito r do Colégio da Baía (“ P b l. do A rq. N a c .” , c i t . ) . A cura de um
filho de João B a tis ta Maglio, criança de onze meses, é citada entre os m ila­
gres de A nchieta (P ero Rodrigues, 1. c ., p . 272).
(299) Irm ão de Gaspar, como já vimos na nota 295.
(300) João M artins veiu ao B rasil em 1568, enviado por G aspar Scbetz.
Serviu no engenho dos Erasm os até 1575 (“ P b l. do A rq. N a c .” . c i t . ) .
XX

J)F PlRATININGA, EM 15 DE NOVEMBRO DE 1579 (301), AO C aPITAO


J eronimo L eitão (302), em S ão V ic e n t e .

Preparativos de viagem. — A igreja dc Domingos L u iz. — Os ín ­


dios de Arariboia e o padre A ntonio Gonçalves.

T I epoie que vim até agora andei por estas aldeias negociando
^ ^ente para a viagem, pouca achei porque toda ela é pouca.
E posto que agora com a canoa de Salvador Corrêa (303) se po­
derão escusar estes trabalhos, porque ela com ajuda de Nosso Se­
nhor bastava para me levar, todavia bem sei que nem com isso V. M.
me ha de deixar ir só; e por isso não quero p artir de cá até nao
aviar a gente, e levá-la comigo, porque se a deixar á sua discrição
não sei quando partirão. António de Macedo aviou vinte mancebos
com seu irmão João Fernandes (304) os quais partirão terça-feira
querendo Deus, mas não pude acabar com eles que fossem senão
por o caminho velho da Borda do Campo (305). L la hão de es­
perar por canoa.
Domingos Luiz estava acabando a igreja (306). Já lhe disse­
mos missa nela com muita festa. Logo se parte para o Caraguaba;
não achei de sua banda gente que tirar, porque não vão desaper­
cebidos e contudo daqui e dali me parece que se ajuntaram alguns
quinze ou dezaseis entre os quais irá Cairobaca, porque o achei meio
amotinado contra Domingos Luiz, e trabalhei polo levar para lá por
que não se vá polo caminho de seu irmão. Faço conta de partir
terça-feira com eles por agua. Ele se ofereceu para a viagem hbe-
ralmente. E até sexta ou sabado ser no Cubatão com ajuda de Nosso
Senhor.

268
XX. CARTA DE PIRATININGA (157.9)

Mando Domingos de Paiva, de escoteiro, a dar êste aviso a


V. M. assi para que mande canoas boas aos portos por onde irmos,
como para que lá esteja tudo prestes, porque esta gente não levam
mais que arcos e flechas, como V. M. mandou. E será necessario
cu partir logo pola barra tora ou buscar-lhes que comam enquanto
se detiverem aí.
Eu todavia porque me escreveram que os Índios de Arariboia
(307) se carregaram todos nas costas do Padre Antonio Gonçalves,
levo-lhes de cá alguma farinha para ajuda da matalotagem do mar
e da terra.
Alguns dos Carijós vão, e entre eles o Alonso que está aqui aco­
lhido com medo do Carvoeiro, que ainda me dizem que o ameaça.
V . M. o fará lá desembaraçar entretanto.
Também me encomendou (. airobaca que lhe fizesse pagai a An-
tão Nunes o achadego de um escravo que lhe cá tomou, porque não
tem roupa e ainda espera ele de acha-la feita quando de cá fô i.
Nada mais ao presente, porque o mais ficara quando eu fôr com
ajuda de Deus, o qual dê a V. M. muito do seu amor.
De Piratininga, hoje Domingo, 15 de Novembro de 1579.
De V. M. servo infimo.

XOTAS

(301) Estam pada, em fac simile, no catalogo n . 429 dos hvrexros Maggs
B r0s de Londres, reproduziu-a Gentil M oura na “ R evista do B rasil , de
S o 8 Paulo x x ill p 28-9. Em 1926, medeante um a subscrição em sacas
di> c ífé o quinzenario paulistano “ T erra roxa e outras terrnsj °
original e o ofereceu ao Museu P a u lista. Foi então p b l., a 29 ^ abril dêsse
ano, no citado quinzenario, e nos “ Anais do Museu Paulis , » I >
p . 375-6.
(302) O capitão-mó r Jeronim o Leitão por duas vezes governou a Ca-
n ita n ia de São Vicente, como loco-tenente do donatario: a prim eira de i
\ 1580 e a segunda de 1583 a 1592. Em 1585 organizou a fam osa bandeira
contra os carijós do Paranapanem a, atingindo P aran ag u á era fins desse ano,
cu princípios do seguinte, e assolando durante seis anos as aldeias do Anlitin
H (Taunay H ist Ger. das B a n d ., I, p . 171). Foi grande amigo de A n­
chieta, de cujos conselhos “ sempre fez muito caso” ( P . Rodrigues, i a e
J n c h - , 1. c-, P- 242).
(303) Salvador Corrêa de Sá, capitão-mór e governador do Rio de Ja -
neiro, que, corno se depreende da carta, mandou a São Vicente a canoa, na
qual Anchieta devia fazer a viagem até aquela C a p ita n ia .
J O S E P H D E A N C H IE T A

nO é') N a s Atas da Camara da Vila de São Paulo, v. I surge um João


Fernandes, como escrivão (1562-4 e 1578) e vereador
o mesmo nomeado por A n chieta. As a as a am a non8êlho em 1555 so-
tam hem “ a« a » ú ,a tu ra » p a r a ’ avo-
“ r a ta oa r i o d . » » possOa. E n tretan to , é multoi provável que
» J o â o F ernandes de Eanto Andrd »
malho aue em íulho de 1580 toi m uitaao em . >/ T„„
Paulo pelo fa to de não haver comparecido á procissão de S anta I s a b e . ^
£ m % £ t a , dois o. João Fernandes, ou a té tris , pois as a ta . de Santo A ndré
se referem ain d a a um “ João Fernandes, o 'a^o
/305) Fundado o Colégio de P iratin in g a, diz T . Sam paio (conf no
r do Cent p 127), os Índios de Caiubi se localizaram “ proxim o do sítio
ouc depois «^chamou T abatagoera e tinham sob sua guarda o cam m ho que
3o aUoP do espigão descia para a varzen e tom ava p a ra Sbo V icente por San­
to A n d ré” . O “ caminho do padre Jo sé ” , assim chamado por te r sido feito,
segundo pretendem , pelos Índios sob a direção de A nchieta serviu ate lo60,
miando Mem de Sã ordenou fosse preferido outro, C®5?0rU" ^
Xobregn (A . d ’E . Taunay, S . Paulo nos primeiros anos, Tom s 1920, p. 17J
; e • Rpaulo Prado, Paulistica, 8 . Paulo, 1925, p . 1 4;H' ■ 0 '.an\inJl° Ç 1'
m itivo, escreve Gentil M oura (1. c . ) , “ subia pelo vale do 1 araique ou Pe-
requê, atravessando o rio Ju ru b a tu b a depois de passar o campo J l a bapé.
Prosseguia até São Paulo, por pontos minto aproxim ados aos da a tu a l os.ru
da de rodagem . Em 1560, Mcm de Sá mandou m udar esse cam inho desde o
C ubatão até o rio Ju ru b a tu b a . Do Cubatão até o Alto da S erra ele seguia
por pontos diferentes dos que são atualm ente ocupados pela e stra d a <er­
guei r o e até hoje ainda é ele visivel em algum as passagens. O ^traçado desse
cam inho vem assinalado em um mapa apenso ao v. X1Y, p . -2, da híev. do
Inst . H ist, e Geogr. de S. P a u lo ” .
(.106) Observa Gentil Moura (1. e . ) : “ A igreja aqm re fe rid a e a ca-
p d a de Nossa Senhora de Guard, hoje convento da Luz, no a rra b a ld e desse
nome A respeito de sua fundação ha um êrro que é preciso c o rrig ir. A im a­
gem não foi tra n sfe rid a do Ip iran g a para aquele lugar como referem os cro­
n ista s modernos, entre outros Azevedo M arques. Domingos Luiz, o Carvoei­
ro teve sua fazenda no rio Iririp ira n g a , afluente do rio M ’boi e que n ad a
tem com o conhecido bairro da Independencia. Daí é que veiu a imagem de
Nossa Senhora. No Ip ira n g a eram situadas as sesmarias de A ntonio P into,
Salvador P ire s e Jorge M oreira” . A escritura de doação á capela do G uaré
ou G uarepe (ou ainda Garepe, como dizem as a tas da G am ara), feita pelo
Carvoeiro e sua prim eira mulher, Ana Camacho, a 10 de abril de 1601, foi
tra n s c rita por Azevedo M arques (A p o n i.. II, p . 1 2 0 ).
(107) Arariboia, chefe tem im iné da Capitania do E spirito Santo, b a­
tizado com o nome de M artim Afonso de Sousa, grande auxílio prestou aos
portugueses na luta do Pio de Janeiro e na fund aça o da cidade de Sao Se­
b astião . Em recompensa de seus serviços, obteve de Mem de Sa, a 16 de
m arço de 1568, c a rta de sesm aria de um as terras em São Lourenço, distrito
de N iterói, “ p a ra ele e para todos os seus herdeiros e sucessores ascenden­
tes e descendentes que após deles vierem (“ Rev. do I n s t . H is t. , X V II,
p. 301 e s . ) .

27 0
XX [

S uma de outra (308), ao I rmão A ntonio R ibeiro (309).

I fique em vossa alma e nunca dela se aparte, ainda que de


esus

** muitos inimigos seja combatida. Amen. E a Virgem Maria


sua Mãe, e Mãe de piedade, vos dê sempre o leite de sua consola­
ção, de cuja doçura sejais tão cheio, que assi como lhe pedis que
seja pera convosco Mãe. assi vós sejais pera com ela filho humilde,
casto, obediente até morte. Amen. Esta benção vos deixo por des­
pedida e vos peço que a metais no coração. E quando vos virdes
atribulado, lançai mão deste papel, e presentai-o ao Senhor, e di­
zei-lhe: “Senhor, o que está em vosso lugar, me deixou esta benção.
Cumpri-a vós pelos merecimentos de vossa Paixão, e da Virgem Ma­
ria vossa Mãe e Senhora minha.” Eu confio que vos ouvirá e con­
solará, e isso também lhe pedirei sempre. Tende isto em muita es­
tima, como a derradeira manda de vosso Pai, que muito vos ama, e
rogai-lhe sempre por êste pobre pecador. Amen.

NOTAS

(308) P b l. por Simão de Vasconcelos na Vida do Venerável Padre


Joseph de Anchieta, P . 5, cap. I, n. 7, em seguida á de n . X X II, com a
indicação de que a escrevera anterior mente, “ sendo ainda Superior” . Essas
palavras de S . de Vasconcelos e as do proprio Anchieta, n a c arta, fazem pre­
sum ir tenha sido ela endereçada ao irm ão Antonio Ribeiro (piando o eanarino
deixou a direção das casas de Kão Vicente, ou então por ocasião de sua úl­
tim a visita á C apitania durante seu provincialato.
(309) O irmão coajutor António Ribeiro (A ntonius Biberius, escreve
B eretario; António de Ribera, trad u z P aterm ina) residia em P ira tin in g a e
foi aqui recebido na Com panhia.

27 1
XX II

Ao I rmão A ntonio R ibeiro, do Rio de J aneiro ,


a 5 de J u n h o de 1587 (310).

Eí-US.

J Irmão em Cristo Antonio Ribeiro.


Fax C hristi.
Bem entendo que eredes, que pelo amor que voe tenho, e de­
sejo de vosso bem espiritual, folgara de vos ter sempre em mmha
companhia, mas, pois .Vosso Senhor ordena, convem que trabalhe
mos de ter sempre por companheiro aquele que em todas as partes
e em todo o tempo está comnosco (311). O qual, a.nda que nos as
vezes o engeitemos, contudo sempre está batendo á porta de nosso
coração, esperando que lhe abramos pera entrar e fazer morada em
mis vindo juntamente com ele o Padre e o Espirito Santo, pera que
nenhuma parte de nós fique que não seja cheta, nem haja outro que
em nós possa ter quinhão, nem no mais pequeno escaninho (312) de
nossa alma. Porque (como diz o glorioso São Francisco) nao quer
o diabo de nós mais que um cabelinho, porque logo dele faz uma
grande amarra, com que nos prende e tem por seus. Se um dia que­
remos fazer nassa vontade em cousa alguma, por pequena que seja,
outro dia foz que a procuremos de a fazer em outra, e outras, ate
que perdemos a obediência que consiste em não fazermos nossa von­
tade, senão a de Deus, (pie é interpretada pelos Superiores. Se uma
vez nos descuidamos num pensamentozinho da carne, daquelle lança
mão, e se contenta com ele, porque trás dele nos leva a outros peo-
res. Se começamos a nos esfriar um tamanino na oraçao e desejo
de tratar com Deus com muita humildade, pedindo-lhe continua-
XXII. — CARTA DO RIO DE JANEIRO (1587)

mente ajuda pera nossas fraquezas, pouco a pouco nos mete tanto
regêlo no coração, que vimos não sómente a não desgostar da vida
e da Religião, desejando liberdade pera poder ter gostos do mundo.
Assi é em tudo, pelo que, carissimo, esforçai-vos. Muito cami­
nho tendes já andado com a graça do Senhor. Ele sabe quanto vos
falta por andar, que porventura será mui pouco, e vos quer ajudar
nele, sendo vosso companheiro. Não percais tal companhia, porque
ainda que vos pareça peregrino, como parecia aos discipulos de
Emaus (313), contudo logo vosso coração arderá quando vos Ele
falar, dando-vos suas consolações espirituais, como eu sei que vos
deu muitas vezes, principalmente quando vos parte o pão na ora­
ção, e quando comungais. E quando vos achardes muito desconso­
lado e afligido, tomai por remédio singular puxar-lhe pela capa e
dizer-lhe: “ Senhor, ficai-vos comigo, que se me faz tarde e a noite
da tentação vem sôbre mini’’, e pedi licença ao Superior para co­
mungardes. Porque eu confio, que no partir dêste divino pão o co­
nhecereis com tanta alegria e tanto esforço, que não pareis até che­
gardes á celestial Jerusalém.
Esta podereis comunicar com o Irmão nosso, porque também
pera ele escrevo, desejando que vós, e ele, e todos os da Companhia
sejamos cheios de Espirito Santo, que hoje vem sôbre os discipu­
los, e fiquemos confirmados com sua graça, que nunca mais quei­
ramos nem possamos ofendê-lo, antes tendo tão bom amigo, e tão
suave hóspede em nossas almas, perseveremos até o fim em seu di­
vino amor. O Senhor com a Virgem Nossa Senhora seja sempre
convosco. Amen.
Dêste Rio de Janeiro, hoje, dia do Espirito Santo, 1587 (314).
Vosso Irmão em Cristo.

NOTAS

(310) P b l. em latim na Vita II. P . Ioseph Anchietae, de Sebastiano


B eretario, Coloniae Agrippina*, 1617, p . 391-5; em castelhano na Vida dei
Padre Ioseph de Anchieta, de Esteban de P aterm ina, Salam anca, 1618, p.
380-5; e em português n a Vida do Venerai Padre Joseph dc Anchieta, 1. 5,
cap . I, de Simão de Vasconcelos, de onde a reproduzim os.
(311) António Ribeiro, estando em P ira tin in g a , desejava, como tantos
JO SEPH DE ANCHIETA

,. , . . • fo A na™ sentido lhe escreveu. A


outros, viver na companhia de Anclueta e n dendo satisfazer o
carta reproduzida é a resposta do ^ r m o qu , f y a s c ., Vida da
pedido de António Bibeiro, procura dar-lhe consôio
A n c h ., 1 . 5, cap. I, p . 2 9 3 ).
, imnrwwão do livro de S . de V asc.,
o n ie (3^ S m o devera «

(313) S . Lucas, c . X X IV , 13-32.

ano de 1587” .
X X IÍI

Do E spirito § anto , em 9 de D ezembro de 1587 (315).


ao I rmão F rancisco de E scalante (316).

^ ~ \ rissimo Irmão em Cristo.


Pax Christi.
Porque nosso navio, com que pensava escrever-lhe, não ha de
partir tão presto, me hei determinado de encomendar outra carta
á ventura, rogando a Deus a dê boa aos que levam esta, e no-la dê
a nós outros. Boa ventura chamo uma vida conservada na graça
de Deus e uma morte que a tal vida corresponda. Pera isto o ar­
rancou Deus do mundo e o inseriu na Religião e nela o tem susten­
tado e conservado tantos anos. Guarde diligentemente não entre
no seu coração desconfiança, ainda mui pequena: porque, ainda
que em si e em todas as cousas não ache senão miserias, faltas e
grandes fraquezas pera resistir aos encontros dos inimigas, con­
tudo Deus lhe dará fortaleza, Deus lhe dará todos os socorros de
sua graça, e favorecido tão poderosamente vencerá e triunfará de
seus inimigos.
Já sei que vive contente na Companhia e que rende graças a
Deus frequentemente por êste benefício; contudo, também enten­
do que ha mister cobrar confiança, como o disse, assi em Deus,
como no amor de seus Superiores, aos quais ha de estimar em lugar
de Deus, pois eles cuidam em primeiro lugar, como é razão, de
que alcance sua perfeição e pera isto, de todas as maneiras, pro­
curam ajudá-lo. Guarde-se que nem leves suspeitas lhe toquem
da alma êste conhecimento; tracem outros, ou digam o que quise­
rem ; V. se persuada que nêsse Colégio não está pera outra cousa
senão pera alcançar de Deus sua salvação. Tenha cuidado de sal-
JOSEPH DE ANCHIETA

w < e e com isto * contente, de maneira que amando em seu co-


racâo' e venerando a todos seus Irmãos e julgando, de todos que
1 Santos atrás disso tenha sua amizade e trato espee.abnente
sao Santos, at conhece que lhe aproveitam
rnLVèmvh-tude. Procure em primeiro lugar ter perpétua advo­
g a d a . toda sua vida. na Virgem Xossa Senhora e algumas veres
não descuide de encomendar-me a ela, em .suas oraçoes.
Da casa do Espirito Santo, donde f.* , frequente sua lembram
(-a a Deus, em 9 de Dezembro de 1587.
Seu Irmão em Cristo.
NOTAS

(31-1) P b l . em latim por Sebastiano


A nchielac, p . 396-8, e em c a s e lano p ' q de Vasconcelos na Vida ão
del Padre Joseph de Anchieta, p. 38o- > ]T 4 Muito embora es-
Vcnerarcl Padre Joseph de Anchit , ■ , D . ^1 Paterm ina (que ó
crita em castelhano, a versão nessa língua ; u b ^ - i PO ^ ^ Scndo
reproduzida por S . de ^ «sconce ” d Patcrm ina certam ente trasladou
seu livro m era traduçao do de tíeretario, _ de g . de Vas-
para o castelhano a traduçao latina do o n ^ . ^ por B587) c o lugar ( “ casa
concelos há um êrro de impressão na / nat ^ ^ ; ^ d °r ;;; 7 a; tCn 0 bf6grafo te r
N a ' versão portuguesa, d agora pbl.
pela prim eira vez.
(310) Francisco de Escalante, natural da Biscaia veia para o W
na armada de Diogo Flores Valdez, que se destinava ao L streito
cm M 1582,
aealhães A sua entrada na Companhia é citada pelos primeiros cro-
de

« sr xTiT.'s % r&
servó-la dê uma das janelas do Colégio, que nela vinha um carpinteiro par
entrar na Companhia. De fato: a arm ada era a de Valdez e o carpinteiro
Francisco do Escalante. Êste, assim que desembarcou, se dirigiu ao Colégio
nelo porteiro se fez anunciar ao provincial. Anchieta, dizendo saber que
c r f i v S ta n te e para que vinha, rie b o u -o logo. B deante do canarm o, sem
proferir palavra, Escalante caiu de joelhos, sendo assim recebido na Compa
r.iiia, conforme ele mesmo depôs no processo de beatificaçao (Pero Pod
263; B. Teles, Cron., II, p. 293-4, que
goes Vida de Anch., 1. c ., n. 2 :>.> e
rlà
v, o fato como ocorrido em 1581; S. de V ase., Vida de 1 . 4 cap X I 5
Degli Oddi, Vita del Venerabile Verm di Dio Padre Giuseppe
17‘t8 d 243-4 onde o nome do carpinteiro vem escrito Pietro d - ’
Charles Sainte-Foy, Vida do Venerável Padre Joseph de Anchieta, t r . por
« Paulo, 1878, p . 177). - A arm ada de Valdez, composta de 17 navios,
ali peimanecendo até 2
chegou ao Itio de Janeiro a 25 de março de 1582,
270 e s . ) .
de outubro (frei V. do Salvador, H is t., 3a ed ., p.
XXIV

Ao IRMÃO F rancisco de E scalante , do E sp . rito S anto ,


A 7 dk J ulho de 1591 (317)

T rmão em Cristo carissimo.


Pax C hristi. ,,
Quasi me havia esquecido de escrever-lhe em castelhano, con-
tudo não importa muito a linguagem. Todo o ponto esta nao em
falar senão em obrar, e em desejar a virtude e nao sabei outra
ue a que sabe a obediência. Esta é a que
gôsto entende e esta e própria pratica sua. on
dieneia em vão se fazem prolixos coioquios com ele, que nao ouve
palavras ditas por desobediente. Daqui entendera bastantemem
que quando a obediência o ocupar em suas obras de mane q
não’ lhe fique tempo pera rezar, que então a mesma obediência -
zará por V., e rezará, por quem obedeceu, ate a morte. Co
pela mercê, que Deus lhe fez, que sabe isto bem, e que converte
O trabalho de suas mãos em exercício de oraçao.
Quando começa e quando continua sua obra, volva a alma a
Deus e lhe ofereça, em sacrificio, seu trabalho e, acabada a obia,
renda-lhe graças porque o teve por digno de ocupa-lo em seu ser-
" ç o e em c o l que, sabe certo, é vontade dele. E logo tome para
si os Domingos e Festas, pera recuperar o tempo passado, ouç
muitas missas, c demore então na oração, que nesse tempo satisfaz
Deus com divinos consolos, os trabalhos feitos por obedienca.
Contudo quero avisá-lo aqui que, nesse tempo, o obriga uma
grande dívida. Perguntar-me-á: Qual* Que rogue a Deus por mim,
que esta é a dívida devida á caridade, a qual ainda que mais pa-

27 7
JOSEPH DB ANCHIETA

guemos, nunca a dívida tem fim, nem a paga, porque a paga mes­
ma com que pagamos é dívida que, de novo, devemos a c a n d l e
e, asai. quanto mais pagas se fazem, tanto mais dividas ficara por
pagar. E não é pera mim cousa de pouco gozo te-lo por tal de­
vedor, pois se me paga melhor, e mais do que me deve, e desta
maneira é mais seu ganho que seu gasto, pois gastando em pagar-
me, cada dia se faz mais rico.
Deus por sua liberalidade lhe acrescente com suas imensas ri­
quezas. pelas quais pode fazer bem a si e a seus Irmãos, delas ne­
cessitados. Aos Irmãos Luiz Fernão, Tinozio (318) e a todos os
demais que quiser e puder, rogo eu de saudações minhas no Senhor.
Da Capitania do Espirito Santo, 7 de Julho de 1591.
Seu Irmão em Cristo.

NOTAS

(317) P b l. em latim por Sebastiano Beretario na Vita R . P . Joseph


A ncU eta p 400-3, e em castelhano por Esteban P aterin m a na Fida dei Pa-
d T l Z ’p h de Anchieta, p . 390-2, e Shnão de Vasconcelos na ™ do Ve­
nerável Padre Joseph de Anchieta, 1. 5, cap. II, n o, c r e n d o q *
vaçâo feita a respeito da caria anterior. Como esta, X X I U , J o i e s t a d o
Beritiba, segundo S . do Vasconcelos, 0 na versão portuguesa é agora pbl. pela
pnm eira vez.
(318) Sôbre oa irmãos Lute Fernando e Tinosio (S , de V ase., F ida
de A nch., 1. 5,cap. I I ), a única notícia que possuimos é essa referencia de
A nchieta.

278
XXV

AO mMÃo F i a s c o de E scalante, do E sp. b. to S anto (319)

T hmâo em Cristo Carissimo.

Muto1 fru te 'n a virtude lhe avalio, quando considero comigo


Murto fruto na lhe tem dsdo, aumente-lho*
“ I d ii e" tóo 1 bersl que tem sido até agora, o se)a mais ainda
‘" t e P o “ ue a Deus é natural bem laser, por ser o sumo

« ■ s -í k * ;
cessario que despida todo o amor que nao for de

mais ditoso fim. Pense que este nao esta mu g ,


muito que viva, e por muito que trabalhe por Deus, t u d o ^ ,
e pouco para o qrre merece de serviços tao bom Pa. e ^ n h o r Na
Santíssima Virgem Nossa Senhora tem propicia e valente ad
ga” o se aparte dela e rogue-lha continuamente que o -
desampare que com seu favor tudo poderá. Rogo-lhe que, n
orações que lhe fizer, se recorde dêste miserável Irmão seu.

NOTA

( 319 ) PM. em latim por Sebaatia^ Beretano na n *°yZ a


Anchietce, p . 399-400, e em p E imeira vez, n a ver-
ãel Padre Ioseph de Anchieta, p . 38S-9U. & agora, i i
são portuguesa.
XXVI

Ao C a p itã o M ig u e l d e A zev ed o , d a B a ía , a 1 d e
DEZEMBRO DE 1592 (320)

Chegada de 'turns do Reino. — Padre João Pereira. — Congrega­


ção provincial. — Eleição do Padre L uiz da Fonseca para
procurador a Roma. — Padre Fernão Car dim . — Negoctos
do Espirito Santo. — Atentado contra a vida do Inquisidor.
— Partida do Padre I a i í z da Fonseca para o Reino. — Padre
Marçal Belliarte. — Padres Gavriel e Pedro Soares.

A o capitão Miguel de Azevedo (321), meu Senhor em Cristo,


na Capitania do Espirito Santo. In tu s vero.
Jesus.
Pax C ris ti.
Senhor.
Êste barco vai direito ao Rio de Janeiro e assim esta vai a
ventura, se ele lá arribar á nossa terra, e será breve e quão ex­
tensa eu puder com poucas palavras. Chegámos a esta Baía com
boa viagem em oito dias (322). Logo a seguir entraram dez ou
doze ou mais naus do Reino, mas nem por isso deixaram de valer
as cousas o seu pêso em dinheiro: a pipa de vinho a 24$, e daí
a pouco aumentou tanto que agora nem a quarenta mil se acha
e neste Colégio bebem agua, e assim vão as mais mercadorias.
Boa é lá a nossa terra, mas não o conhecemos.
Esperámos alguns dias pelo Padre João Pereira (323), mas
como tardou fez-se a congregação, e foi eleito Procurador pera)
Roma o Padre Afonseca (324) por maioria de votos. Depois de
sua eleição até agora, nem ele nem eu temos vida: ele com escre-

280
XXVI. CARTA DA BAÍA (1592)

ver e outros negoeios, e eu com escrever pera o que os dias ma


não bastam, nem descançarei até que ele se não embarque, digo
se embarque. Contudo, furtei ou furtámos ele e eu alguns tem­
pos pera negociar com o Senhor Governador (325). algumas cou­
sas dessa Capitania, com favor do Padre Fernão Cardim (o26),
Reitor e seu confessor. Mas é o vagar nisto imenso etc.
Temos negociadas duas provisões. Uma, que não vão ao ser­
tão sem primeiro VV. E E . fazerem aqui saber, a qual ele passou
de boa vontade e com zelo de não se deixar a terra sem gente em
tempo que se esperam Ingleses (327), etc. Outra, é confirmação
do largo (327-A) da Senhora Dona Luiza (328) e vossa mercê
com ela, que não foi pouco tirar-lha das mãos, porque se lhe ofe­
reciam a ele muitas razões pera duvidar e na verdade todos os
letrados, que estimam muito isto, nos aconselharam que as ouvís­
semos, porque se ele quiser pode nisso fazer o que quiser sem fa­
zer injustiça contra ninguem, segundo eles dizem, por provisoes
novas que tem d ’El-Rei pera isso e pera dar as serventias dos
oficios, etc. E já ele oferecia o ofício de adjunto a N. dos Ilhéus
como â cunhado (sic), mas ele foi tão bom que o não quis aceitar.
As embrulhadas da eleição que lá houve andam agora na for­
ja . Espero que tudo sairá acabado e apagado, e não se procedera
na devassa, que lá se tirou, porque a todos os letrados e ao pro­
prio ouvidor geral lhes pareceu bem e ajudam nisso, e o Senhor
Governador, que é muito amigo de pacificar o povo, tem já dito
que assim será. A petição fiz eu de minha letra com ajuda do mes­
mo ouvidor geral: lá a tem pera a despachar. Eu dizia que se
podia lá dar largueza a Rodrigo Garcia e aos mais que por acaso
tivessem alguma provisão, ou embaraço, porque tudo se ha de con­
sumir aqui e pera isso irão provisões como espero de certeza.
Para Marcos de Azevedo (329) negociámos outra sobre o caso
do Rocha: já está passada. Neste negócio interveiu Manuel de
Freitas (330) e Ambrosio Peixoto (331) e eu; e foi o caso que
o Rocha era favorecido do Mestre da Capela (332) e lhe dava de
comer, disse-nos isto Manuel de Freitas. Com isto Ambrosio Pei­
xoto rogou ao Mestre da Capela que houvesse dele o perdão, isto
é, não falar no caso. Eu apertei tanto com o Mestre da Capela

281
JOSEPH HE ANCHIETA

nue o não deixei descançar até que houve dele o necessário, e,


ainda que ele lhe tinha prometido que faria disso termo por es­
crito, depois tornou atrás dizendo que sómeute de palavra o di­
ria deante do Senhor Governador. Pergunte, a Peixoto se bas­
tava e disse-me que sim. Trabalhei que se fizesse logo e assim
fez, tendo eu já prevenido o Senhor Governador o qual me dn*e
que o fizesse logo, como fez, e sôbre isto passou a provisão pera
Marcos de Azevedo não ser mais molestado sôbre o caso pom Ro­
cha não queria dele nada. A qual provisão Unha eu ca feita com
„ Padre Afonseca pera ele a assinar, e, indo a mostrar a Peixoto
pera ver se estava boa, me mostrou ele outra que tinha ja aviada,
assinada e selada. i)e maneira que não faltaram eá servidores ao
Senhor Marcos de Azevedo.
Isto concluído, daí a muitos poucos dias o Rocha, que diziam
estar agravado do Inquisidor (333), lhe atirou duas noites com
um arcabuz á sua janela, foi preso e se os Padres, que sao adjun­
tos do Inquisidor (334). não trabalhavam muito nisso, ele nao es­
capava de morte de fogo, conforme a bula do Papa. Mas eles a
interpretaram de maneira que pareceu bem ao Inquisidor dar- e
a vida. Mas contudo saiu com degredo para as galés por dois anos
e primeiros cinco Domingos na Sé com grilhão e baraço e cum­
prir um ano de cadeia e depois de degrêdo (335).
Quis Nosso Senhor que tínhamos já aviada a provisão; porque
agora mal se houvera de aviar porque cuida ele que nós o perse­
guimos sendo nós os que lhe damos a vida. Êste capítulo seja
pera o Senhor Marcos de Azevedo pera que entenda que nós nao
esquecemos dele. E não folgue ninguem com seu mal que bem
. grande é. Muito deve a Ambrosio Peixoto, posto que ficou muito
sentido de tirar ele lá o ofício a Luiz Gomes e tomou como agravo
feito a si mesmo, que o tinha provido dele segundo ele mesmo me
disse ao cabo de três meses da nossa chegada, falando em outras
cousas e rogando-me que lho estranhasse lá; e não quis aceitar»
escusas dele dizendo que, se viessem quaisquer papeis de Luiz
Gomes, que logo o houvera a meter de posse dele. Deste derra­
deiro ponto dará vossa mercê a conta que lhe parecer a Marcos
de Azevedo.

282
XXVI. — CARTA DA BAÍA (1W2)

Também está queixoso Ambrosio Peixoto de vossa merce lhe


não escrever e eu digo que tem razão se assim é, porque de ver­
dade é amigo de vossas mercês e portanto daqui por deante ha­
vendo ocasião não deixe de o fazer. Seu sogro Fernao Cabral
saiu agora com sua sentença: foi misericordiosa, segundo todos
afirmam, e ele mesmo o reconheceu dando graças ao Inquisidor e
a todos os adjuntos da mesa pela mercê que lhe faziam merecen­
do muito mais suas culpas, e isto de joelhos com muita hu­
mildade (336). .
O Padre Afonseca partirá no fim dêste mês para o Reino num
galeão de Viana. Tem lá aviados muitos papeis da Senhora Dona
Luiza e anda aviando os de vossa mercê. Tudo creio irá bem
aviado, porque o Senhor Governador tem prometido de escrever,
B ispo’(337), provedor-mór, etc. Como .se aviarem os papeis do
caso da eleição, entenderei nos da tomada do livro da Camara, que
toca a banhos, e entendam vossas mercês que pera isto e infinito
o vagar do Governador e ando espreitando pera lhe falar em se­
melhantes cousas, e depois disso o Padre Cardim, que o aperta.
No caso da querela, não fará o Governador nada sem perdão da
parte; agora espera que venha dos Ilhéus onde o Mamaluco Pedro
Gonçalves está e, quando não vier, determino de abalroar com o
ouvidor geral, o qual se mostra grande meu amigo, e do Padre
Afonseca muito mais, e creio que ele buscará alguma boa^saida.
Ao menas não irão lá mais papeis sôbre o caso enquanto nao hou­
ver quem atice. Ao menos o Governador por sua parte os man­
dará e como lá está a provisão dos outros passados bastará. A
querela não foi nula como lá cuidavam, ainda que foi dada por
induzimento de inimigos porque a ordenação está clara nisso. Mas
a justiça dos papeis, que cá vieram, do caso como passou bastava
pera tudo. Enfim tudo se fará bem com a graça de Deus.
O Padre Provincial (338) partirá juntamente com o Padre
Afonseca para Pernambuco e de lá logo em chegando diz que man­
dará o navio pera irem os que hão de ir pera essa banda e parece
que também irei eu pela promessa que o Padre Provincial fez a
vossa mercê; que a não ser isso muito puxavam por mim cá pera
Fernambuco, mas quererá o Senhor tornar-me a levar a esta terra

283
JO S E P H DE A N C H IET A

pera consolação de vossa mercê c desses senhores todosmeus


L , (339) a quem de cã mando mil encomendas, das quais vossa
m rcê hã de dar em particular a Candida com todo o mats que
lhe toca e não falo, porque já isso está sabido. Pera a Senhora
Dona Luiza basta esta mesma carta, a letra d a qmd mostx a m
a Krs no n«n vir de l á . . . vanos (.139-A) os sucessos
; X : UhÍ . A saúde e amizade entre todos e principal-
mente com Deus, e isto basta; e não é necessário encomendar a
vossa mercê em particular os Padres, pois é Irmão verdadeiro (e
não mc engano)b ‘e pai
nni dp
etc todos
tonos. Vale inierim ei ora pro me cum
tota fam ilia.
Desta Baía, o primeiro de Dezembro. 1;>92.
Se vossa mercê quiser dar parte desta ao Padre G.vr.el_ (■>«)
e Pedro Soares (341), se aí estiver, será caridade, porque nan lhes
posso escrever senão breviter. Não ha cá polvora, poupem la a
que houver, e o Padre Afonseca faz conta de levar ao Re.no o -
nheiro do assucar da Senhora Dona Luiza, que ca » vendeu. 1*1
prover do lá. Na provisão que digo vai vossa merce por capita»,
se nas cousas dc guerra, e que com a Senhora Dona Luiza possa
dar todas as liberdades que se dão em semelhantes tempos aos
homisiados.
H p vn ssa mercê servo em Cristo.

NOTAS

(320) P bl. nos “ Anais da Biblioteca Nacional , X IX , p . 67 70.


n ° l ) O capitão do ordenanças Miguel de Azeredo (ou Azevedo) exer­
ceu o gotêrno da Capitania do Espirito Santo, como adjunto de dona Lurza
G rinalda de 1589 a 1593. Retirando-se a viuva de Vasco le rn a n d e s Couti-
uhó p ara o V i n o nêute último ano, Miguel de Azeredo continuou no govêrno,
com a patente de capitto-m ór, a t í 1620, quando o passou ao quarto donato-
lio Francisco de Aguiar Coutinho. D urante sua adm inistra çao, em l r t ó , o r -
rrunizou uma expedição contra ob goitacazes (Braz da Costa Rubnn, Noticia
Cronologica dos fatos inais notáveis da história da provincia do Espirito San­
to, na “ Revista do In stitu to H istorico’’, X IX , p. 336 e s .; Cesar • ) ar?S78’
Dicionário Historico, Geográfico e Estatístico do Espirito Santo, 10> ^
p 112). Miguel de Azeredo testemunhou um dos milagres atribuídos a
Anchieta ( P . Rodrigues, Vida dc A nch., 1. c ., p. 269).

284
s

X XV I. — CAETA DA BAÍA (1592)

4 V * fins de 1587 se encontrava no Espirito San-


(322) Anchieta, que desde congregação provincial quo
to, seguira p ara a E d a afm i P £ a B om a. A d a ta em que » rea-
elegeu o padre Luiz da i o " sec^ f f -xada eni fins de 1591 ou princípios de
lizou a congregação e geralm ente R en a, o procurador
1592 Mas parece pouco provável que, eleito p a ia
se deixasse ficar por um ano na B aia.
(323) João Pereira foi enviado p ara o Brami foi Recebido na
tónio de P ina e outros ^ d ig e n a s aprendeu-lhes a lingua c prestou
Companhia. Criado no meio dos S , 1 B 1561, já ordenado
assinalados serviços na conversao (CaH A v ^ ^ . g aldeias da B aía, sal­
de missa, acompanhou Luiz da Gra f num rio (Cart. A v ., X L V ) .
vando o provincial quando a piqu u as povoações dos indios (Cart
Em 1564, ainda em companhia de « , , de Tapepitanga, Tapéraguá
Mr, L H 1 ) o quasi morreu ás “* ° ' p ^ c u r o u impedir-lhes â fuga, mo-
e Jaguaripe, quando, com outro J >1 ^ do,s Col., 1. c ., p . 89;
tivada pela peste que então assol ^ jubileu nesse mesmo
S . de \ a s c . , C r o n . , \ . 3, n . )■ £ g aog domingos e dias santificados,
ano realizado na aldeia > X Y ) Em 1571-2 residiu, com o irmão
pregava na Vila Velha (Cart. Mn. LXV)_ Lm 10/1 > 9 5 ), onde
Manuel de Couto, na aldeia de S^° ° a ° ^gir10 ' do “ reboliço” a que alude a
teve de enfrentar Fernao Cabral p ‘ ‘ dre j orge Velho, em 1574,
I n f . dos prim , aldewm • Antonio PD ias Adorno, que, por ordem
acompanhou a expedição chetiad percorreu durante quatorze meses,
do governador Luiz de Brito e , >P 1 5 7 2 ou 73 por Sebastiao
cm busca de esmeraldas, a região 3a exP Qg adres aa aldeias de Porto
Fernandes Tourm ho. De passagem, idolos Pe bruxarias dos selvagens.
Seguro, encontrando em duas W ando em lugar de esmeraldas, cinco
A expedição de Adorno Jornou «tJ a m , ^ f ^ e i a f Tolosa, substituiu Luiz
rail índios cativos. Em lo7o, a ma 1 setembro de 1504, já professo
da Grã na missão dos ^ d i o s do no ® P ã o de Janeiro (Hist*
dos 4 votos, residia o padre J o a ^ P e .m m a io riJ Socktatis Jesu> c it. por An­
dos Col., 1. c ., p . 108 9, F . ’ História dos Jesuítas no Brasil,
tónio / a , a e r ., 4- c d „ I, p . 329 e nota de
Capistrano'; A . d ’E . T alnay, HGot. * .
.tU S a m i.. X, P- » 0 •

<**> * * * s ' :
Brasil* ™ ,n‘ dois companheiros. Auxiliou Gregorio Serrao » 8e°.
legio da Baía e em 1584 assunnu o f ii s de
viu de colateral ou secretario do provinc , d eito procurador a
1591 ou mais provavelmente no decurso de lo92, a 322) . Apon-
Pom a, » congregação provincial real,rad a n a ( v . ^ 1
ta-o Capistrano coam passive autor da — ■ - 7 ,™ So áos
= (V 1 no ta 456) . f -

5 ST^ M , Sr d e n a ri os
T bA . íi, .P.-/7-73) ^ 6v:tv ep „ “ Ledi5iL s i ' ‘s s s s j ;
op reconstituir m a ^ tra lm e n te °a narração daquela ‘ragica 3” “ ^ ™

285
JOSEPH DE ANCHIETA

p. 3 9 2 ). Transcreveram -o^Macedo Soares^_(nota^^ 2*. e d ^ d o


Camaras Municipais, de C o r t i n e s a x e , > > d s Torn(, C am p o s,
C a r v a l h o ( Apontamentos para a História da Lapuania a
3888, p. 8 1 -5 ).
(325) D . Francisco de Sousa, que tomou posse a 4 de outubro de 1591.

(326) F -rf. ^vaveW e^em


sr^rreS p i^.e
bros á Companhia: seus irmãos Lourenç Brafji])( e r)iogo Fróes (que le-
sarios franceses quando em Y ^ m Universidade de Coimbra e m orreu em
cionou teulogia moral ^ J e fieus sobrinhos João Cardim (de
Lisboa, vitimado pela peste de ), v id a c Virtudes), Antonio
3 3 * autorj outre ou tra,

y7 w » " ^ T p r o f c â » ” » , 4 v o to ? o ^ i S r o T ' c ” l e g io n e E .o ra ,
foi c o lh i d o ,.ara Teles

que foi tid a por milagrosa entre os jesuítas (v. nota •>*')•
1585 já se encontrava na Baía, de volta da viagem as partes do Sul. Ai
exerceu o cargo de reitor do Colégio, até 1593 pelo menos e foi confessor
do governador d. Francisco de Sousa. A 14 de abril de l j > 9 1 397 ^
rante o Santo Oficio a Salvador de M aia e outros ( De n . da Baia, ? ■_ - ) •
Dirigiu depois o Colégio do liio de Janeiro e em 1o9b, na conggegaçao pro­
vincial realizada na Baía, foi eleito procurador a B oina. Tendo^ embarcado
cm Lisboa, de volta ao Brasil, a 24 de setembro de 1601, foi preso logo em
seguida pór corsários ingleses e levado para a Inglaterra com o Visitado*
João M adureira, que faleceu no m ar (;. de o u tu b ro ). Depois de resga . ,
em principles de 1603, provavelmente, esteve em Bruxelas. Ao ano seguinte
tornou ao Brasil com 0 cargo de provincial, que exerceu ate 1609, quando
assumiu, pela segunda vez, 0 de reitor do Colégio da Baia, conjuntam ente
com o de vice-provincial. Ainda era reitor nesse Colégio, quando os hoh .11
deses tomaram a cidade, em 9 de maio de 1624. Sendo interinam ente pro­
vincial do Brasil, faleceu na aldeia do Espirito Santo (B aia) a 7 de ja ­
neiro de 1625. Seus escritos (Informação da missão do P . Cristovao de Gou-
vêa ás partes do Brasil, Do principio e origem dos índios do Brasil e Do
clima e Terra do Brasil), que. tiveram várias edições, sendo os dois últimos
publicados em inglês na coleção Burel,as his PU gr imas (IV , Londres, 1625),
foram reunidos em 1925 sob o título de Tratados da Terra e Gente do Brasil
(od. J . Leite, Kio), com introduções e notas de B atista Caetano, Capistrano
de Abreu e Rodolfo Garcia (R . Garcia, I . c ., p . 1-32; Antonio Mmrra,
Anua ou Anais da Provinda do Brasil (1624-5), nos A n . da B i b l . N a c ., X IX ,
p. 187; Pbl. do Arq. N ac., XIV, p. 18; A n . da Bibi. N a c ., X X IX ,
p. 183-4; Dcn. da Baía, p . 46 e 327).
(327) Na m adrugada de 25 de dezembro de 1591, duas embarcações
de Thomas Cavendish assaltaram e saquearam Santos, onde permaneceram
durante dois meses. Rumaram depois para 0 Sul e Cavendish, não podendo

286
XXVI. — CARTA DA BAÍA (1592)

atravessar o Estreito de Magalhães, voltou a atacar Santos, sem


ch»«»do.
Três anos O meam...“
mais tarde, “
a toT
i d
«e emar«,u
^ ô ued ei!» "> “ » » t » » " « »1™»“ °
Recife, onde demorou trin ta e um dias.
,*»7 A) f r r o de cópia, com eerteza. Teria Anchieta escrito laudo, no
J T Í 1 l a S e m i ? o7, ’m enor, de arb itra,, « m t o m . reg rstra
Viterbo ?
n 2 g ) Dona Luiza Grinalda, filha de Pedro Alvares Corrêa e sua mu­
lher dona C atarina G rinalda. Falecendo em 1589 seu e

í£ STSi S t1?
Miguel de Azeredo como capitão-mór (Cesar A. Marques, D m ., r - •
,o 9ob Marcos Antonio de Azeredo Coutinho (era esse o seu nome, se-
gundo conjetura Francisco Lobo), descendente ou eolateral1 d . ^ " c o n f o r m a

Esr^^rsrsisrsí1-.
quando e onde m orreu: se ™ f j ãafí Band., V, p . 247-52) re-
! v n i c a d T í d c todos os dados . « boje eon,tecidos.

(330) Manuel de Freitas, cristão, velho, c^ d o ” com


rães, filho de Francisco de Freitas e sua mulher M aria
V itória de Barros, denunciou perante o Santo Oficio a &A {ez n0Va de-

meado por Anchieta?


(3 3 ,) Doutor Ambrosio Peisoto de Carvalho -t ae m b ,
mó, dos defuntos e .«sentes, natural d1 eGu m ar.e s ilho ^ ^ ^
da casa do civel doutor Gonçalo vaz Peixoto c cie uuu , -r)e
valho casado com B eatriz de Tayde, filha de Fernao Cabral 7 ■
nnneiado por Antonio Nunes Eeimão co«fes»u.s, perante ^ T n b
Santo Ofício, a 20 de agosto de lo9], tendo 37 anos dc idade c ,
por sua vez, denunciou a pessoas nao especificadas (Den,., p.
Conf. ãa Baía, p . 53-4).
(332) Em sua denúncia de 21 de agosto de 1591 contia^ o
gador Ambrosio Peixoto, cit. na nota anterior, Antonio ^ u n e s Reimao
refere ao Mestre da Capela Bartolomeu P ires.

(333) H c ib j V « * g S ^ ^ T e Í S S i l í ^ .
Z ;S ò do Santo Ò fíeio^foi nomeado® p a r . vi.itador dos bispado, de Cabo-

287
JOSEPH DE ANCHIETA

Verde, São Tomé, Brasil e adm inistrabo YSj^do car-


de Janeiro, por comissão espeeml, J J dog reinos e senhorios de Portugal .
deal arquiduque Alberto, íiiquisi g ^ de Sousa, a 9 de junho do
Chegou á Baía, com o g o v e r n o r d. f w ™ ontrava n0 Remo, em prmcipios
mesmo ano. Concluída a visHa^ao, V Eduardo Prado — Para ™elhor se
de 1596. Paulo Prado pubhcou “ £?T á Primeira Visitagao do Santo
conhecer o Brasil os documentos relati o f urtado de Mendonça, em
W S * . Farte, *> Braeü de Abre» S. Pa»lo,
trôs volumes: Confwoes da Baw (j • ÍÉdrano de Abreu, S. Ranlo,
1922), V e n u n c ia ç õ e s da Bata (P*f ■ , efP de Rodolfo Garcia, S. Paulo,
1925) e Benunciações de Pernambuco ( p r e t.
1929). . .
(334) Entre 0. vario» assessores,r. ) ” va ' padre Fernão Car-
d t ”r (.E Sífd-U^ Z tia ,!»« erdtáo» novo. v o r U g u e . e L.sboa,
1921 p . 227) . _
(335) Caso difícil de B a n â T ^ P - 248), o fato
da Baía, p . 8) • B ara Taunay’ ( ' . id andava em devassa. D a carta
se deu no Espirito Santo, °“ de o Inqm tentativa de morte ocorreu
de Anchieta, entretanto, parece ^ e Y m c m a d o r no Espirito Santo. Ademais,
na Baía, embora Rocha fo88c ta limitou sua visitação á Baia, Per
e S , no Espirito Santo (B . ^ r c i a , P en .
de Pernambuco, p. V II-V IU ) -
(330) Fernão Oabra) de T «,de »».»»». de
ll.ee» Fernandes Cabral c J M j Dur„ le o governo de Manuel
uma fortuna avaliada “ ,,Xr>edicão contra os Aimorés. Alvo de m u
Teles Barreto, tomou parte na exped ^ & ünüs de idade e residia na
meras e gravíssimas denuncias, t 1 ‘ (Baía) quando, a 2 de agosto de
sua fazenda de Jag u an p e do Reconeavo ( ) q consistia em
1591, se confessou perante o Santo 0 « « ° - U“ J eiJ e d™ trü de sua fazenda e
haver admitido que se numa ^ chamada ganti-
nela construíssem igreja alguns Indi P s6 foram expulsos por ordem
dade, os quais la permaneceram acre8centando as denúncias que Fernão
do governador Manuel Teles Boirrcto, acre 0 u tra cuipa sua era ter
Cabral tomava parte nas cerimonia ,p a “ negra inchada de co-
dito a dois negros que jogassem numa W H m * misericordiosa”, como diz
roer te rra ” , no que foi obedecido ^ sentença^ m i ^ (2?^ p 251j
Anchieta, condenou-o a dois anos de de Capistrano,
204, 275, 276, 2S0 e t c . ; e C,» «/• w, P - J » „ MolJIa, filha

de idade (Conf. da Baía, p. 101--)- v - nota 4‘ y -


f337) Frei Antonio Barreiros, que em 1581 fez parte do g °™ rn o ,je -

r r^ e rtr/c o ^ < " de


(338) P a d re M arçal Belliarte, provincial desde janeiro de lo88 (v.
nota 343).

288
XXVI. — CARTA DA BAÍA (1592)

(339) Como era d . een de^jo, A n ch ieta rolton para


logo em princípios de 1593 provavelmente (A . de A . Machado,
Cap. de 8 . Vicente, p . 27, nota 2 1 ).
alhé v a r io s ...” ( ! ) , reza a cópia pbl. nos A n. da B tbl.
(339-A) “
Nacional.
(340) Êste padre Graviel, a quem, salvo engano, só se refere Anchieta,
foi com certeza recebido no Brasil.

r r a r i^ r £ 5 L « J IB5 S t E S

sn “
- f es s r
a i ; Anchieta. Em 1594 * p r e t e n d o » 4 rotoe, encontrara-
ge novamente na Capitania vicentma (v . carta XV TI).
XXVII

Ao G eral P adre C laudio A q u a t a ~ 3“ ° ^


a 7 de S etembro be 1°94 ( bt-)

Padre Mortal Ilelliarte. — ■ f T Z c o m p Melchior


S u l. - Jesuit™ despedrdos da. Cempan » « _ prm _
dr Acosta .- Nohnas do/
cüco Soares e João Pererra. - h ^ r a d o >_ ^ pen g
Rodrigues. — N2 tKUf ' ' 4(o„,ie do* pirnfos c «•
«• do Es p in to Santo. - E ^m
surreiçao dos maros.
dopodre Luizda Fonseca .

J u; \j Reverendo em Cristo Padre Nosso.

o " ^ e M arça , B illia rte , P ro v in e ia l ( 3 « ) , - e n v i o u . « j »


Capitanias do Bio do danei,...... São V.eente • ”*
o tempo one ^ ^ que
por ser tomado dos 1 ,a,,,es,. ' „ ,,„m eovêrno daquele
esperávamos, que era inm im| . . , ('(,le<>io so en-
* * * ' X Z S J lS Z Z Z Z . r i . erelo que a!
^ - - - j —

uni '■ 3t r ° p8i8 co8cljut •
recebido R e n t e ^ s ^ « «««o
« *
ps+ava o perigo. Outros se enviaram paia a
„„e „a mora M va o , , ^ Mekhi„r de Acosta (845), *
„ mesmo tin. a ,3 tuclo foi advertido mni part.-
deu licença pera a I artn- ■ aue fora
cnlarmerte o Padre Provincial, que me escreveu sobre um. , t

29 0
XXYH. _ CARTA DO E S P IR IT O SANTO (1594)

bem despedido, mas que temia que havia tardado em o ser, e, como
êste, não ha que duvidar dos outros que tiveram mui claras e ur­
gentes causas, indignos omnimo vocatione nostra. Não toco nelas,
nem os menciono, porque disso dará informação o Padre Provincial,
a quem a dei mui larga.
No Rio de Janeiro queda por Vice-Reitor o Padre Francisco
Soares (356). Em sua companhia está o Padre João Pereira, que
ha pouco fez profissão de 4 votos, pouco satisfeito de seu modo de
proceder e desejoso de mudança pera outra parte; acabei com ele
que sobrestivesse, ajudando-o a ele e a todo o Colégio e a toda a
terra, até se dar conta ao Padre Provincial. Os mais também que­
daram quietas, com a esperança da vinda do Padre Provincial, que
tomos agora, por nova, ser o Padre Pero Rodrigues (347), que foi de
Angola e esteve presente á congregação provincial na Baia.
Na Capitania de São Vicente queda o Padre Pero Soares, que
agora fez lá profissão de 4 votos, com muita consolação sua e lágri­
mas dos estranhos que a ela compareceram. Com ele queda o Pa­
dre Domingos Ferreira (348), por superior de uma daquelas casas.
Faziam bem seus ministérios, ele e seus companheiros, assi com os
Portugueses como com os índios Brasis. Ainda que estes, como a
Capitania por uma parte foi saqueada pelos Ingleses (349) e por
outra parte se levantaram os Brasis do sertão e mataram alguns ho­
mens (350) não tenham a quietude desejada pera a doutrina, sem­
pre se visitam, confessam e eles ouvem missa e recebem os demais
sacramentos, com não pouco trabalho dos nossos que são poucos
pera os acudir, a eles e aos Portugueses e escravos.
Nesta do Espirito Santo encontro agora muita perturbação en­
tre os Portugueses, uns com outros, sobre pretençoes de ofícios e
honras, e, com os nossos, porque não lhes concedemos que façam
dos índios Cristãos á sua vontade, querendo servir-se deles a torto
e a direito. Mas como esta é guerra antiga, e no Brasil não se aca­
bará senão com os mesmos índios, trabalha-se todo o possivel pela
sua defensão, pera que com isto se salvem os predestinados, que, se
não se tivesse respeito a isto, era quasi insofrível a vida dos Pa­
dres nas aldeias, sed omnia sustinemus propter electos.
Eu. ainda que velho (351) e mal disposto, desenganado estou
JO S E P H DE ANCHIETA

par touo aos Superiors, que gra!,a . E t omnia potero


, iç<> ac Deus e dos nos^s uao m “ ^ ^ m e a r ia de mim,
Senhor e — o ~

dc mudas cousas a vinda


a,. Padre Luiz da Fonseca (352), não aponto agora cousa em ]>

Capitania do Espirito Santo do Brasil, 7 de setembro


de 1594. ,, . ,
Do Vossa Paternidade. Filho indigno em Cristo.

* NOTAS

P bl. on, castelhano no» “ Anal» da Biblioteca Nnolonal”, X IX ,


-0V 2,
.» V o agora, ipela prim
J. eira ver, na versão portuguesa. ,
r
( 3 « ) O paárc_ Marçal Bclharte <^egou a ^ e^ a^ 07 o UClongos’meses, só
outros padres e irmãos, a 7 dc maio d • a3suniir o cargo de pro-
desembarcando na B aía a 20 de janeiro ' ’ B aia por ocasião da publi-
vincial. A 28 de julho de lot.1 prtgou «» ^ por H eitor
cação dos dois editos da fe e da g r a ç a c o j I nesse mesin0 ano> a 19 de
Furtado dc Mendonça, ^«itador do Santo. O f E capita0 de Porto
agosto, denunciou perante o Santo O - J L . dos indios. Sendo subs-
Seguro, que proibia os padres dc visitarem as aldeias dos m a
ütuido pelo padre Poro llodriguos de.v.o o <“ t l \ p e n . da
dim, Trat., p . 365, e nota de R. Garcia, p. 41.,, C o n f p . ,
Baía, p . 371).
(344) Aludo muito ^
Norte, aliados aos índios. N a P ’ , dar combate aos indios,

SSk " r r jsz . irs», — x %


S a % » “ p» s : , T ;zj2.zru,:,^. * ......r - * -
viagem por m a r.
(345) F altam informo» sobre ôste r e lid o » , M m ™ tririo para a. Com­
panhia no Brasil, p o i a n io consta da lista dos e»v“ do« de P o rta g ri »J
Ltda pelo padre Antonio Franco {Synopsis, nos A pont., I I , de A.
H4C) O vadre Francisco Soares fez parte da missão que, parôndo de
Jnsbôa^a 30 de janeiro dc 1585 com destino .0 B r * » m * “ in s i r a ™
no seguinte, percorridas seis léguas foi atacada P do
ceses No combate, faleceu o padre Lourenço C.ardim, irmão ma

29 2
X X V II. — CARTA DO E S P IR IT O SANTO (1594)

autor do, T r a c e s U Terra e G e n t e jo


um a bala. Depois de saqueado o navl° dp provincial M arcai Bel-
G alicia. Em 1587 tornou a embarcar, em companhia do p ro j ^ jnte
liarte, ehepm do a Poruambuoo . 7 de manK f ^ S T a i o to T a d o Mm ó
deve ter acompanhado o provincial á B aia. E, a , semiiu com
visitador Cristóvão de Gouvêa a Pernambuco Daí, a 28 de juaho s e g
o visitador e o irmão Barnabé Telo p a ra P ortugal A a ltu ra deste pam a
em que iam foi aprisionada por piratas f r a n c o s , g t i r e f d u a s vezes
padres sofreram maus trato s e vexames, tendo ^d o F ancisco boares üu
surrado. Perto de Recheia, foram os jesuítas P i a d o s para um ba e j»
cadores bretões, tomado pelos piratas, e * ^ * * £ * £ ^ par a P ortu-
chegaram ao porto de Santo Andr^ n B r r o( ' p .? 6 8 -7 1 ). Denunciando p e­
gai, por Burgos e Valladolid ( F . Q ’J ãre Pedr0 M oreira dá F ran-
rante o Santo Oficio, a 18 de ago ’ n 0lefrio de Coimbra (Den. da
cisco Soares como residente por essa ep j em 1594 vice-reitor
Baia, p . 364). Tornado novamente ao ; ^ cargo substituía
do Colégio do Rio de Janeiro, como inform a A nchieta. Nesse cargo
interinam ente o padre Fernão Cardim.
(347) O padre Pero Eodriçues, Í l T t T n ^ a

província, em 1604, escreveu a biografia de Anchieta, puDiicaaa


B ibi. N a e .” (X X IX , p . 181-287).
(348) Domingo,Ferreira, ainda im ^ o chegou ao B ra.il na leva do p r ^
vincial Inácio de Tolosa, a 23 de abril de 157. (Hist. dos •> V
e 130).
(349) Alusão aos dois ataques de Cavendish, em 1591-92.
Os Índios que em 1590 haviam assaltado São Paulo, voltaram a
(350) ? ! 1593 e 1594 Então, a instâncias da Camara, o capitao-mor
ameaçar a vila em 159á e ío a a . , „„t ;ia 8 e tupinaes, iniciando
Jo rg e Corrêa organizou uma entrada 0 c0Í cluida p0r João Pereira
assim a lu ta que, continuada por ®c das investidas do gentio
de Sousa, livrou p a ra sempre Sao Paulo do uunpo oa
(A . d ’E . Taunay, H ist. Ger. das Band., I, p. 114, )
(351) A 19 de março de 1594, completara Anchieta 60 anos de idade.
/352') o vadre Luiz da Fonseca, eleito procurador a Roma n a congre-
(dOdij u puure carece não ter voltado ao Brasil,
gação provincial realizada na Baaa em 159 , p -prnnco nem (ao que

29 3
XX VIII

C arta (353) ao I rmão E manuel (354)

Por tibi frater dilecte in Domino lesu et consolatio Sanch

y JMV»W
K l
absens corpore-, praesens autem spiritu, apud
te gaudeo in donis Domini nostri , quibus te accumulat, orans pro
te in orationibus meis ut adimplearis vera last it ia-, qua. m hum ih
potientia labore subjectaque obedientia cum charitate posita est.
Modicum laborabis et jam non videbis: st quavis quousque, dico
tibi: jam non videbis, labores quos patens pro Domino, sed exul-
tabis in eo. qui legitime pugnantibus dat coronam. A u d i te Do­
mina tua, quam habes semper in corde et ante oculos. A ssum pta
est in coelum post multos labores et requievit arca mense septimo
super montes Armeniae-. 0 si hoc audires , quum p m d ica vi in ejus
octava, quomodo leetareris, sed et nunca lentare in illa-, quae arca
esi manu Domini fabricata, in qua animalia pusilla cum magnis,
peccatores magni et parvi refugium inveniunt, sed ut possis patrem
V irentium (355) participem facere hujus cibi, dicam tibi materna
lingua (356) :

294
XXVIII. - CARTA AO IRMÃO EM A N U EL ( . . . )

Acolhem-se todos os animais brutos a esta ^ " a l m


, . . Jp f óra e oc homens e aves que sao os que anda p
com seus espiritos, os quais por derradeiro, por mais s^ to^

> - - ■r — r a“ ^ r d: «
r r r r — r ,» ,, r r ~
tados de seu coração. Porque, como quer que ela tinha dentio ü
a „ filho, sobre o qual o eterno Padre largou o grande hluvm
dos trabalhos e paixões, necessario era déssem no cora a a V£
gem onde ele estava guardado. Por estas aguas andou n o s s a ^
trinta e três anos, enquanto ele viveu, padecendo co B
dando-nos o nós. As ondas que a mim me houveram de alagar no
abismo do inferno, como me tinham alagado no abmmo do pecad
embarraram na arca dela, como bem betumada e mats forte 1
uma rocha, pois era mais que Cristo Jesu que 6 pedra angular q ^
bram seu furor, recebendo em s. a pena de mtnha culpa. O

£ .■ £ - « . ^ . h,
seu precioso unico e verdadeiro filho e lho m ataram , contudo nao
tiveram poder pera lhe tirarem de dentro os brutos animai» dos pe­
cadores. que Domino lhe tinha dado por filhos antes «» " “ >
os ama quanto por eles mais alagado na patxao foi « « S
nhor Para quê mais? Ainda depois de subtdo ele ao ceu, livre do
mar tempestuoso, ela se ficou cá muitos anos, com os anima,s dentre
l e si querendo ser anatema, e apartada da face divina por seus
filhinhos, com uma maior caridade que São Paulo ate Z
sou esta divina arca no sétimo mês sobre os montas da Armenia.
Armenia quer dizer luz do que correi esta é a luz eterna, a d arn
dade perpétua, a visão divina de Cristo, resplendor do Padre, o
qual exuliavit ui gigas od currendam viam, dando tao pandes sa^
L de virtudes pelo mar dêste mundo, eom tanta l.geireza que todos
„ perdlram de vista em sua paixão, perdendo a fé, senão a s„a mm
hem betumada arca, que sempre o acompanhou ate o pe| a eruz ^
ainda qne não correu tanto eomo ele, todav.a sempre lhe fo, pelo
alcance sem perder a luz da fé. E, por isso, com muita razao o
grande corredor Cristo, seu Pilho, em trôco dela o alcançar ao pe
JO S E P H DE ANCHIETA

, eruz e ali eBtar recebendo em seu coração embate das ondas que

* - z r = = r;“
i r " : a todos'os Querubins, e mars — do amor e

s s r s r . c r : r - ^ ^ .
Uphs fez todas suas obras em seis dias et requie
í ; ; : : r : r c arca de
seu Filho obrando a redenção do mundo em uma semana que s
seis dias de trabalho, porque todos os anos que ^ a“ que
foram para ele dias de — " ^re “ t ’q
outeo entrarã na
semana de trabalho eterno. E quem não ias mais easo desta rida
one de uma semana de trabalho, da verdaderra eom eternidade m -
nos ha que tomar cuidado, que quanto padece e pouco por amoi d
Seu Senhor, e dizendo: mihi absit gloriari in em ce Dormm N ostn
Jesu Christo. Como a Virgem gloriosa, fazia acabada a semana
( “ b i o pera repousar ao sétimo dia, ,ue é o Domingo da eterna
f r a g a n l senão sôbre os montes de Armenia, ao menos entre os
coros angélicos, onde alcançará luz de Cristo corredor c da Virgem
corredora, após os quais andava, correndo nesta vida segundo sem
exemplos de pobreza, castidade e obediência, dizendo-lhes: odo-
rem unguentorum tuorum currimus.
Se forte interrogas porque se multiplicaram aquelas duas vezes
de arriba, dicam tibi: audi bene ei nota tn corde tuo. A Virgem
Santíssima, como a mais humilde que houve no mundo, nunc* quis
passar da especie de diminuir, diminuindo-se sempre, anulando-, e
e tendo-se por escrava, mas porque seu Fiiho deu lei: qm se hu­
miliat exaltabitur, da segunda especie de diminuir, em que a ir-
gem se tinha posto, a levantava á terceira de multiplicar subindo
á mais alta de todas as três Jerarquias dos anjos, dizendo-lhe: mt -
tiplicabo fiiios seus sicut stellas coeli et sicut arenam marus. E, as­
sim a que sc tinha pela mais pequena do mundo foi feita uma arca
tão grande de misericordia, em cujos retretes e escaninhos se escondes
sem os pecadores da ira de Deus e se salvassem do diluvio do pe-
X X V III. — CARTA AO IRMÃO EM ANUEL ( • • • • )

cado e reina em todos aqueles que não querem ser seus filhos.
Multiplicam-se seus filhos como as areias do mar e como a s®
do céu porque os que cã andam desprezados como areia ao g
do mar considerando a vida da Virgem e imitando-a segundo sua
fraqueza depois se fazem claros no céu como estrelas, e mais que
estréias, ’pois o mesmo sol de justiça m n t sol ,

re9MA â h T d Z a m Ubi unum punctum porque a verdadeira prova


de multiplicar se faz por repartir, que e a quarta espccie.
os filhos da Virgem se multiplicassem e nós tivéssemos certa prov
de “ u materno "amor, ensinou-lhe seu Filho a quarta e ultima es-
pecie de repartir, fazendo-a repartidora de todos seus bens. P
oue assim como ascendens in altum accepit dona m re-
eebèu do seu Padre eterno ofício de repartir suas graças _e dons aos
homens assim também, levando consigo a Virgem sua mae, deu-lhe
poder sôbre todas suas cousas, fazendo-a repartidora pera que, dan-
d l 1 muitos dons a nós seus pobres filhinhos, nos multiplicasse
mos em número e virtudes, e nós, vendo tão certa prova do am de
nossa mãe a amassemos com todo coração e a servissimos de /.<«
( n todos’os dias dessa semana pera folgar ao dominical dia, qu
d 'ela n s cabará de repartir não sómente dons e bens, mas dar
de todo cm todo a seu Filho e Senhor, que é todo e sumo e umco
hem O pia Mater esto nobis semper mater, amen.
'Accipe frater Emmanuel minusculum hoc, quod non ego
g a r n e t virgo m ittit ad te, tu ora earn semper, serva hene hos
stollium ut servet te beata mater Dei.
P. tuo.

NOTAS

(3 5 3 ) . P b l. nos “ Anais da Biblioteca Nacional” , X IX , p . 72-4, Sem


nenhuma indicação de lugar e tempo.
(354) E ’ difícil identificar o
os irmãos de nome Manuel que Vieram provável V e se tra te deum
na Companhia, durante o _primeu-o ^ _MM anuel de Chaves (ordenado em
ex-discipulo ou comPaf eir0. / ” em 67) ou Manuel de Couto, entre
63), Manuel Viegas (que ]á era padre em b<)
outros.
JO S E P H DE A N CH IETA

(355) Talvez o padre Vicente Nessa hipótese, o


3573 c anos depois no Rio de J a n ^ r °! d yicente Rodrigues num dêsses Co-
destinatario da ca rta seria companheiro etc

trpcho reproduzido em latim : “ Paz a ti,


(356) E ’ a seguinte a versão do cong0iaQã 0 no Espirito Santo, que
querido Irm ão em Jesus Nosso Senhor,, ^ ^ , bom> quanto é benigno
repila toda a tristeza do c o ra d o - \ 1 funesto> pois 0 Senhor esta com­
p ara com os seus servidores. N ada nião forte de defenda. Quem te
tig o : que ele te ponha junto de si e que . ^ Nosso Senhor? Nem a tn s -
privará da caridade de Deus, qu 8ejas tu triste ou alegre,
-eza, nem a alegria, nem a » q ^ nhoi. ao qual te dedi-
ós do Senhor; sejas tu uvo ou ' ’ . ti para teres vida nele, feito a
casto, e morres para o Senhor quo *,u ^ 1 EUj de fato ausente com o corpo,
ele semelhante pela obediência < to d(, ti alegro-me com os favores de
estou porém presente com o esp ’ 3 m(lo por ti nas minhas orações p a ra
Nosso Senhor, com os quais te ,b rin^ ‘ ’ ' ,ntl.a juntam ente com a caridade,
que alcances a, verdadeira alegria, <1 n ‘ V e n c i a . Pouco trab alh arás
na humilde paciência, no trabalho - j :'t dos trabalhos que su-
. 1*1 * vitória ao» <t»e legitim a,noate
portarás por Deus, mas ex u ltjrJ J ’ s ‘e nhora que tens sempre no coraçao e
combatem. Escuta a respeito da tu. mnitos trabalhos e descansou
acanto dos olhos. Foi assunta ao ceu depois de mu tivesses ouvido
im arca, ao sétimo mês, sobre os montes do; nms ainda agora
isto, quando prèguei na oitava de a, e - qual encontram
alegra-te nela, que é a arca 0s pecadores grandes e
Padre Yiceute 1 -tic ip c «lesta comida,
dir-te-ei na lingua ma t e r na : . . .

29 8
XXIX

I nformação do B rash, e de suas Capitanias — 1584 (357)

f i s primeiros Portugueses que vieram ao Brasil foram W »


^ Alvares Cabral com alguma gente em uma nau ( ) <1
a para a índia Oriental no ano de 1500 e aportou a Porto Se-
■uro ao qual pôs âste nome porque achou o porto que se
Santa Cruz muito seguro e bom para as naus. E to “ * pr0™ ^
princípio se chamava Santa Cruz; depois prevaleceu*J 0™
le Brasil por causa do pau que nela ha que serve para tintas
Tem l provincia do Brasil sete capitanias nomeadas, sc.i.0 í.
Pernambuco Baía. Ilhéus, Porto Seguro^ Espirite> Santo, ^ 0 d
Janeiro, São Vicente. Posto que em Pernambuco ha outra que
chamam Tamaracâ, é cousa pequena por agora . * e mars que
uma ilha pequena, em que está uma pequena vila, amda q^e
repartição é de 50 léguas, como as outras (359). Da mesma
neira está em São Vicente outra que e outra ilha chamad <_
ou de Santo Amaro (360), que também tem a mesma
de léguas. Foi a princípio P ^ m T p ^ S c o u X ^ dos
e um engenho de assucar, mas com a perseg ç
Tamoios, índios do Rio de Janeiro, se despovoou nem
ti ca particular, tudo se reputa por Sao Vicente (36 .
a ora Diogo Flores de Valdez, general da armada que Sua Ma
gestóde mandou ao estreito de Magalhães, um forte eom gente e
artilharia, porque está da outra banda do
Stão Vicente onde podem entrar naus grossas. Nesta barra estive
ram “ passado de 1583 dois galeões ingleses que queriam c n-
S T u r eom as moradores e, vindo da arribada três naus da d,ta

301
JO S E P H DE A N C H IET A

armada maltratadas das tormentas, meteram os Ingleses uma de­


las no fundo com morte de alguma gente e se foram acolhendo (362).
A Baía e Rio de Janeiro são d ’El-Rei e cidades e todas as
mais capitanias são de senhorios e vilas. De Pernambuco que e
a primeira capitania, está em oito graus, até Sao Vicente,^ que e
a última e está no tropico de Capricórnio quasi em 24°, póde ha­
ver 350 léguas por costa correndo-se de Norte-Sul, Nordeste-
Sudoeste. e de São Vicente até a lagoa dos Patos, onde começa
a nação dos Carijós que sempre foram da conquista de Castela,
póde haver 90 léguas pelo mesmo rumo.
Todo êste gentio desta costa, que também se derrama mais
de 200 léguas pelo sertão, e os mesmos Carijós que pelo sei tão
chegam até ás serras do Peru, teem uma mesma lingua que é gran­
dissimo bem para sua conversão. Entre eles pelos matos ha di­
versas nações de outros barbaros de diversissimas linguas a que
estes Índios chamam Tapuias, que quer dizer escravos, porque to­
dos os que não são de sua nação teem por tais e com todos teem
guerra. Destes Tapuias foi antigamente povoada esta costa, como
os índios afirmam e assim o mostram muitos nomes de muitos lu­
gares que ficaram de suas linguas que ainda agora se usam; mas
foram se recolhendo para os matos e muitos deles moram entre
os índios da costa e do sertão. Estes, posto que tem alguma ma­
neira de aldeias e roçarias de mantimentos, é contudo muito me­
nos que os índios e o principal de sua vida o manterem-se de caça
e por isso têm uma natureza tão inquieta que nunca podem estar
muito tempo num lugar, que é o principal impedimento para sua
conversão, porque alioquin é gente hem inclinada e muitas nações
deles não comem carne humana e mostram-se muito amigos dos
Portugueses, dizendo que são seus parentes e por meio deles têm
pazes com os índios que tratam com eles, de que antes eram ini­
migos. Só uma nação destes que chamam Guaimuré, que ao prin­
cípio foram amigos dos Portugueses, são agora crudelissimos ini­
migos, andam sempre pelos matos e têm posto em grande aperto a ca­
pitania de Porto Seguro e Ilhéus, e já quasi chegam á Baía (362-A).

302
£. _ in f o r m a ç ã o do BRASIL E d e s u a s CAPITANIAS (1.184)
XXIX

DOS GOVERNADORES E CAPITÃES

1 o primeiro capitão cia Baia e senhorio dela loi Francisco IV


li reira Coutinho. Teve guerras com os índios ate que o >ze
povoar e aeolheu.se a Porto Seguro. Depois tornando a mesma
Baía o acabaram de matar os índios (363). ,
\'a éra de 1M9. veiu Tomé de Sousa, o primeiro governador
oeral do Brasil, homem muito temente a Deus e muito mte.ro na
i icà e devoto da Companhia. Chegou em tempo que tola a
" ‘a estava cheia de mato» e aldeias de índios; haveria ate seu,
ou setet homens
homens Portugueses,
l omigu - rodeados de todas as partes de toes­
homens
trados. Desembarcaram na Vila Velha, onde aqu.
avam em tanto perigo, e arvoraram uma cruz em lugar alto .
descoberto, teta edificou a cidade d» Baía onde agora, « ^ ■ -
s, começaram ele edificar igrejas entre os Índios e se P

- t r a r s “: r : -
. n M ) No seu tempo se levantaram algumas aldeias dos
, Z (r U N° a r ^ e tornou a ^ ™
se começaram de edifiear egrejas entre o índios se
emio mais de proposito á conversão (Sbo) .
N'a éra de 1557 vein o terceiro governador Hem de Su M , ■
• * A n o r oaii teve guerra cora os Tndias do
Kste sujeitou quasi todo o ■• lerosos, em que lhes
Paraguaçú fronteiros da Baia e multo P Aman.
queimou 160 aldeias, matando muitos e os - d’estruklas m ,i-
S011 os dos Ilhéus que estavam levantados e tin ^ h(juve
tas fazendas e posta a capitania em ' ImUos
muitas insignes vitórias at que que são 40
Aa Raia desde Carnamu ate o ltapuuuu, i
comarcaos da Baia d <M aj„„tar e fazer egrejas

r S . — foi em grandíssimo — *“
começatla,cm^ ternpo de ^ ^ a torre for-

■• in Franceses que tinham aí edificada em uma d


I “ S h S e g e J , e dali por deante perderam os Franceses

303
JO S E P H DE A N C H IETA

a esperança de poderem levar adeante seus propos.tos que eram


pousar ali e fazerem-se senhores daquela terra e dali esperarem
as naus da índia na altura do eabo da BÔa Esperança ou da ilha
de Santa Helena.
Na éra de 1566 tornou outra vez ao Rio de Janeiro que se
começava a povoar por seu sobrinho Estacio de Sá, e com sua
chegada se destruiram duas aldeias fortissimas que eram frontei­
ras e toda a confiança dos Tamoios e com essas vitórias se co­
meçaram a entregar e fazer pazes os outros que estavam espalha­
dos por todo o Rio de Janeiro, sua terra possuida de tantos anos.
No ano de 1572 morreu na Baía, e em 14 anos que governou
o Brasil sempre se confessou e comungou na Companhia e quatro
ou cinco anos antes de sua morte o fazia cada oito dias e o mes­
mo dia que morreu se confessou geralmente com um dos nossos.
Resava o Ofício Divino, e todos os dias da semana por muitas tor­
mentas e chuvas que fizesse não deixava de vir ao Colégio a ouvir
missa ante manhã. Fez á sua custa a igreja do Colégio, na qual
foi sepultado, e além disto lhe fez doação das suas terras do
Camamú, que são 12 léguas em quadra com 8 aguas para engenhos
de assucar (368). _
A Mem de Sá sucedeu Luiz de Brito de Almeida que foi no
ano de 1573 (369). Êste nunca consentiu fazerem-se vexações no­
táveis ás aldeias de doutrina que estão a cargo dos Padres, nem
deixava tirar delas alguns Índios que lá se acolhiam dos que os
Portugueses traziam enganados do sertão. No seu tempo, e indo
ele lá em pessoa, se fez a guerra do rio Real, onde os Padres ti­
nham edificado algumas igrejas e ajuntados muitos índios nelas,
como se verá largamente no papel que com êste vai (370).
Na éra 1574 vein o dr. Antonio Salema (371) com alçada a
todo o Brasil e com titulo de governador geral das capitanias do
sul, sc. : Espirito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente (372), or­
denando El-Rei D. Sebastião de boa memoria que se repartisse
a governança do Brasil em duas partes. Depois de fazer seu ofício
da alçada em algumas partes da costa, se foi residir ao Rio com
o dito titulo e poderes de governador em sua repartição. Ainda
no seu tempo estavam em pé os Tamoios do Cabo Frio, grande
X X !X . - INFORMAÇÃO DO B R A SIL E DE SUAS C A PIT A N IA S (1584)

acolheita dos Franceses, donde vinham a fazer saltos dentro do


mesmo Rio, pelo qual se determinou de lhes dar guerra e assim,
com favor da capitania de São Vicente da qual vein o capitao Je­
ronimo Leitão, com a maior parte dos Portugueses e muitos índios
cristãos e gentios, e com esta ajuda cometeu a empreza e acabou
de destruir toda a nação dos Tamoios, que ainda estava mui sober­
ba e forte com muitas armas dos Franceses, espadas, adagas, mon­
tantes, arcabuzes e tiros grossos, sem lhe ficar aldeia que nao suoei-
tasse até á ilha de Santa Ana, que é o cabo delas, que sao algumas
go w u a s do Rio de Janeiro. Muitos dos índios matou na primeira
aldeia, que era a mais forte, e depois disto se lhe entregaram os
outros quasi sem guerra, muitos dos quais se ajuntaram ua aldeia
dos Índios cristãos, que eram dantes seus inimigos, e se batizaiam
e ainda alguns vivem.
Com esta nova vieram alguns Tamoios do sertão, moradores
da Paraíba, a lhe pedir pazes e se juntarem com os outros. P ™
estas vitórias ficou toda aquela terra despovoada e tirado aos I W
ceses o principal porto que tinham para seus tratos que e o
Frio. Acabou Antonio Salema sua governança vindo Lourenço da
Veiga por governador e tornou a ficar a costa toda debaixo de
governador geral como dantes.
No principio do ano de 1578 vein por governador Lourenço da
Veiga o qual por si mesmo visitou as aldeias da doutrina que es-
t k > a cargo dos Padres, com muito gôsto e lagrimas de devoção,
vendo as doutrinas, procissões, diciplinas e comunhoes dos índios
e as missas oficiadas cm canto de órgão, com flautas, pelos filhos
dos mesmas índios. Favoreceu a cristandade no que pode, mandan­
do ir para as ditas aldeias dos Cristãos alguns índio» *«« 08 Por'
tugueses trouxeram do sertão enganados e nunca os qum^mandar
entregar aos que os pretendiam por mais que nisto insistiram,
assim muitos deles morreram batizados e alguns vivem ainda e tra ­
balhou sempre de conservar a liberdade de todos os In. . .
rcu na Baia no ano de 1581.
No ano de 1583 vein por governador Manuel T e le s Barre­
to (373). Prazerá ao Senhor que ajudará muito a cristandade e fa-

305
20
JO S E P H DE A N C H IE T A

vorecerá a liberdade dos índios, como El-Rei Nosso Senhor minto


lhe encomenda (374).

DOS CAPITÃES DAS OUTRAS CAPITANIAS

Da capitania de Pernambuco foi senhor e povoador Duarte


Coelho. Nunca houve nela conversão de gentio; guerras muitas e
alguns combates de Franceses em vida de Duarte Coelho, e muitas
mais em tempo de seu filho Duarte Coelho, o qual deu tanta guer­
ra aos índios com favor de um clérigo que se tinha por mgroma-
tico (375) que destruiu toda a sua capitania e assim desde o rio
fle S Francisco até lá, (pie são 50 léguas, não ha povoação de índios,
o fica agora sem nenhuma ajuda deles, e é agora aquela capitania
com a de Itamaracá, que toda se reputa por uma. mui molestada
dos índios Pitiguaras, moradores do rio chamado Paraíba, onde
tém grande comércio os Franceses por causa do pau de brasil, e
os ajudam nas guerras e fazem muito mal por terra e flor mar
aos Portugueses, os (piais não têm Índios amigos que os ajudem
porque os destruíram todos.
Na capitania do Espirito Santo, «pie é de Vasco Fernandes
Coutinho, houve muitas guerras com o gentio, em algumas das
quais eles foram vencedores e mataram muitos Portugueses, mas
também se vieram a sujeitar e agora estão pacificos. Houve nela
e ainda ha muita conversão.
Na de São Vicente, que é de Martim Afonso de Sousa (376),
á qual ele mesmo foi ter com a armada, depois de haver nela al-
oUI1S poucos e antigos moradores e acrescentou muito, houve ca­
pitães ordinariamente assim como nas mais capitanias postos pe­
las Senhorios: nunca nela houve guerras com os índios naturais
que chamam Tupis, que sempre foram amigos dos Portugueses,
salvo no ano de 1562. que uns poucos do sertão por sua maldade
fficando a maior parte amiga como dantes) deram guerra a Pi-
ratininga, vila de São Paulo, onde ha casa da Companhia, 10 le-
olias da povoação do mar de São Vicente, mas logo o segundo dia
foram fugindo para suas terras pela resistência que acharam nos
X X IX . — INFORM AÇAO DC B R A SIL E DE SUAS C A P IT A N IA S (1584)

Portugueses e índios cristãos que foram contra seus mesmos pais,


filhos e irmãos em defensão da igreja. Daí a pouco tempo morre­
ram os mais destes levantados e tornaram a ficar as pazes e ami­
zades fixas como dantes.
Dos Tamoios do Rio de Janeiro, que são inimigos mortais dos
Tupis, foi sempre combatida a capitania de São Vicente, em que
lhe mataram muitos homens e levaram cativas as mulheres, filhas
e filhos e escravos.
Pela grande opressão que éstes Tamoios davam, fizeram os
Portugueses na barra da Bertioga, que é um dos portos daquela
capitania e a principal entrada dos Tamoios, em que iam e vinham
em canoas muito ligeiras, duas torres (‘177) a sua custa e com
seus trabalhos, sem ficar nenhum (pie não trabalhasse nelas, e fi­
caram tão fortes que defenderam aquela entrada dos inimigos e
dos Franceses, que ás vezes vinham com eles a os ajudar. Mas
com tudo isto sempre eram salteados dos Tamoios por diversas
partes, de maneira que já quasi desesperavam de se poder valei
com eles:*até que se povoou o Rio de Janeiro.
No ano de 1564 chegou Esta cio de Sá, sobrinho do governa­
dor Mem de Sá, ao Rio de Janeiro, com a armada que trouxe de
Portugal e muitos moradores do Brasil, assim Portugueses como
índios cristãos e não indo bem fornecida do necessario para aque­
la empreza, se foi a São Vicente onde esteve apercebendo-se de
mantimentos e do mais necessario. E fez canoas ligeiras em que
no Janeiro seguinte com muita gente d^JSão A icente, Portugueses,
Mamalucos e índios, tornou ao Rio de Janeiro com os mais na­
vios da armada, e no princípio de Março (378) tomou logo terra
ao longo do porto, que chamam Pão de Assucar, na entrada da
barra, e fez casas de madeira e cêrca, onde se recolheu com parte
da gente, ficando a outra nos navios, e dali com as canoas come­
çou "a conquistar os Tamoios e os foi levando pouco a pouco, ha­
vendo muito notáveis e milagrosas vitórias, lançando também fora
150 Franceses que havia dentro em uma nau, aos quais deixou ir
em paz por serem mercadores e ao parecer eatolicos, que não vi­
nham a povoar e depois houve outros encontros com naus que
vieram de novo de França, e as fez tornar por fora maltratadas.

307
JO S E P H DE A N C H IE T A

F assim sustentou a povoação e guerra contínua dos Tamoios que


de todas as partes se ajuntavam a lha dar, padecendo grandissi­
ma fome por falta dos mantimentos até todo o ano de 1566, no
fim do qual partiu o governador Mem de Sá da Baia com outra
armada (379) que El-Rei lhe mandou, cujo capitão-mór era Cris­
tóvão de Barros, e chegou lá no Janeiro de 67, vespera de Sao
Sebastião, cujo nome tinha tomado a pobre cidade que tinham
feito á honra deste santo m ártir e por respeito d ’El-Rei D. Se­
bastião. Depois de destruir duas aldeias, como acima se apontou,
em uma das quais morreu seu sobrinho Estaeio de Sá de uma íle-
chada, e então mudou a cidade ao lugar onde agora está, que sem­
pre foi em crescimento ainda que por dua.s vezes teve combates
das naus franceses e Tamoios do Cabo Frio que cuidaram levá-la
nas unhas, mas foram lançados dali com ignominia e morte dos
seus (379-A).
A capitania de Porto Seguro é do Duque de Aveiro. A dos
Pdiáus é de Francisco Giralde.s. Houve guerras com os índios na­
turais em ambas; mas com as ajudas que tiveram dof Governa­
dores da Baía .se defenderam e estão agora em paz. \ erdade é
que .se foi consumindo o gentio daquelas terras, chamado Tupina-
quis, que era muito e mui guerrdro, parte com doenças, parte
com o maltratamento dos Portugueses, como em todas a.s partes,
salvo São Vicente, de maneira que ficaram sem gentio. E man­
dou-lhes Deus um açoute crudelissimo, que são uns selvagens do
mato que chamam Aimurés, homens robustos e feros, aos quais,
enquanto houve índios amigos sempre lhes resistiram; mas fal­
tando-lhes estes, foram e sao tão aco.ssador dos selvagens, que
já a capitania de Porto Seguro está meio despovoada e a dos
Ilhéus em grandissimo aperto, sem se poder defender deles nem
dar-lhes guerra, porque sempre andam pelo mato, no qual 4 bas­
ium para destruir um grande exercito, como ja fizeram, quasi
sem verdes quem vos mata, e já esta praga chega pelo Camamú ate
perto da Baía, de maneira que já os homens buscam ilhas em que
fazer suas fazendas, porque não ousam estar na terra fiime.

308
X X IX . — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SUAS C A PIT A N IA S (loS 4)

DOS BISPOS E PRELADOS DO BRASIL

O primeiro bispo do Brasil foi D. Pedro Fernandes, que ser­


vira já de provisor ou vigário geral da índia. Este vem no ano
de 1552 (380) á Baía, cujo bispo se intitula e comissário geral de
toda a costa, e assim mesmo todos os mais, e esteve nela^até o de
1556, no qual se partiu para Portugal com licença d ’El-Rei. E
dando a nau com a tormenta á costa, entre o rio de S. Francisco
e Pernambuco, foi morto pelos índios com a maior parte da gente
que com ele ia, em que entrou o primeiro provedor-mór desta
provincia, Antonio Cardoso de Barros, que veiu com o primeiro
governador Tomé de Sousa. Na vacante deste vein por visitador
e comissário geral de toda a costa, o Dr. Francisco Fernandes,
que regeu a igreja brasileira até á vinda de D. Pedro Leitão.
D. Pedro Leitão, também clérigo foi o segundo bispo e vein
do ano de%1559 (381). Êste visitou toda a costa do Brasil, cris­
mando e dando ordens e muitas vezes visitando as aldeias dos
índios cristãos e batizava e casava muitos por si mesmo e lhes era
muito afeiçoado, ajudando muito sua conversão e conservação^. No
seu tempo se fez um sínodo, no qual não se acharam senão os
seus clérigos, nenhum dos quais era letrado. Algumas Constitui­
ções se fizeram nela, posto que em todo o Brasil sempre se guar­
daram as de Lisboa, ordenando alguns dias santos de novo. Mor­
reu na Baía no ano de 1573 (382). Deixou uma livraria ao Co­
légio da Companhia, de que foi muito devoto e amigo.
O terceiro bispo, que agora rege a igreja do Brasil, é D. An­
tonio Barreiros, do habito de Aviz. Veiu no ano de 1575 (383);
faz seu ofício como os passados, posto que não se mostre tao ze-
lozo pela conversão dos índios, nem faz muita conta da sua cris­
tandade, tendo-os por gente boçal e de pouco entendimento, e
contudo já foi visitar suas aldeias e crismou os que tinham neces­
sidade d êste sacramento. _
Com Lourenço da Veiga, governador, veiu no ano de 15/8 por
Administrador o licenciado Bartolomeu Simões Pereira (384), ce
rigo, para residir na cidade de S. Sebastião no Rio de Janeiro,

3 09
JO S E P H D E A N C H IE T A

com jurisdição separada do Bispo e com todos os poderes que ele,


salvo dar ordens. A ’ sua jurisdição pertencem as quatro capita­
nias da banda do sul, scilicet: Porto Seguro, Espirito Santo, Rio
de Janeiro e São Vicente. As outras ficam á jurisdição do Bispo.
ÍJste se mostra afeiçoado e zeloso da conversão dos Índios e acode
por eles muitas vezes onde falta justiça secular, por serem pessoas
miseráveis e que têm particular necessidade da proteção do braço
eclesiástico. Tem visitadas por si mesmo todas as capitanias que
estão a seu cargo.
Ofício da Inquisição não houve até agora (385), posto que os
Bispos usam dele quando é necessario por comissão que têm, mas
dando apelação para o Santo Ofício de Portugal, e com isso se
queimou já na Baía um Francês herege (386). Agora tem o bis­
po 1). Antonio Barreiros êste ofício para com os índios somente
e é nomeado por seu coadjutor o Padre Luiz da Ora, da Compa­
nhia. que é agora reitor do Colégio de Pernambuco.

DA PRIMEIRA ENTRADA DOS FRANCESES


XO BRASIL

Na éra de 1504 vieram os Franceses ao Brasil a primeira vez


ao porto da Baía (387), e entraram em Paraguaçú, que está den­
tro da mesma Baía, e fizeram seus resgates e tornaram com boas
novas á França, donde vieram depois três naus e estando no mes­
mo lugar em resgate, entraram quatro naus da armada de Por­
tugal e queimaram-lhe duas naus e outra lhe tomaram com ma­
tar muita gente, alguma da qual todavia escapou em uma lancha e
achou na ponta da Itapoama, 4 léguas da Baía, uma nau dos seus
oue se tornou para França, e nunca mais tornaram á Baía, até
agora porque sempre foi crescendo com o trato dos assueares e
naus que vêm de Portugal.
O.s Franceses não desistiram do comércio do Brasil, e o prin­
cipal foi no Cabo Frio e Rio de Janeiro, terra de Tamoios, os
quais, sendo dantes muito amigos dos Portugueses se levantaram
contra eles por grandes agravos e injustiças que lhes fizeram, e

310
X X IX . - INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SUAS C A P IT A N IA S ( U M )

, „ Franceses dos quais nenhum agravo receberam, e

n r
r;::n a ^ r m r 8;.) — e»T . r t r
g +ovvo mie aprendessem a língua dos Índios,
: u - ** ^
viessem
V1C as naus. (38b).
, tlflPPW. nue foi no ano de looi, co-
tu
Daí a muito tempo, que parece qu
— a íazeTpo v o a is - ^ e -a s
a q u e la f o r t i “ ’^ L o l a u cie V iU e g a ig n o n (3811). c a -
d e m o rad o res, cu jo aut tá â e n tra d a d a
i • ,i0
valeiro de Malta
Malta, ee fundou-a em uma dha, fi1 n ■conl „ nome de
barra no princípio daque a ai , < aju) (,(1 ir)60, como
ViUegaignon. Esta lhe êm Franca e com esta nova
acima se disse' . S™ ° ' , ^ alglm!i que se ficaram entre os
não tornou mais a > B - ^ #lnattcebando^ com as índias,
Índios, tomando ■ . • a |Untavam outras mercadorias da
e faziam roçarias de P • denois se tomaram
terra para dar aos sens quando viessem. Estes depois
todos pouco e pouco nas ^ ; ^ ^ ^
A m a io r p a rte dos F ra n c e se s uns m in istro s de
reges d e d i v e r s a s s e i t a s c os P ™ > V iU e g a ig n o n
Calvino q u e p r e g a v a m e e n s i n a v a m . De cavalbei.
a firm a v a m to d o s eles s e r c a t o i c o e rH de m o rte os
ro i c a stig a v a m ui rijamente e c re io que ^ resgatar
que pecavam com ín d ia s pagas; am . d a-
lPortugueses que os Tamoios tomavam em seus salt ^ ^ ^

vem em São Vicente. Era muito zeloso de g * p()dia


lica, mas como não podia com tantos ~ 1 v
fazer a sua. Tornou-se para França, dizem q ^ . c com
para as guerras contra os hereges, e ; aq„ ela povoa-
autoridade d'El-Rei. posto que seeretamente ^ ^ g^
çâo e pretendia povoar a terra dos Tamo . „ assim fte
car minas de prata e ouro em cujo ara F rança parece
chamavam jã a França A ntartica. S d P de Sá
que foi no ano de 1559. porque no de 1560, 1

311
J O S E P H DE A N C H IE T A

tomou a torre, já ele aí não estava por especial providencia di­


vina, porque todos afirmam que, se ele estivera presente, não se
tomara par ser mui grande cavalheiro, posto que sua tomada mais
foi por especial ajuda divina que por forças humanas, como todos
viram claramente no combate, e não foi a menor que tiveram de
Deus ser-lhes tirado dali êste capitão.
Um dos moradores desta torre era um Joannes de Bolés, ho­
mem douto nas letras latinas, gregas, hebraicas e mui lido na es­
critura sagrada, mas grande herege. Êste, com medo de Villegai-
gnon que pretendia castigá-lo por suas heresias, fugiu com alguns
outros para S. Vicente nas canoas dos Tamoios que iam lá á guerra
com título de os ajudarem, e chegando á fortaleza da Rertioga se
meteu nela com os seus e se ficou em S. Vicente. Ali começou logo
a vomitar a peçonha de suas heresias, ao qual resistiu o padre Luiz
da Grã e o fez mandar preso á Baía e daí foi mandado pelo bispo
D. Pedro Leitão a Portugal e de Portugal á India e nunca mais
apareceu (391).
Não fica agora trato aos Franceses no Brasil senão no rio de
Paraíba 18 léguas de Pernambuco para o norte, onde ajudam os
índios contra os Portugueses e lhes fazem muito mal como acima
se notou.

DOS FRADES QUE ANTES E DEPOIS DA COMPANHIA


VIERAM AO BRASIL

Os primeiros religiosos que vieram ao Brasil foram da ordem


de S . Francisco, os quais aportaram a Porto Seguro não muito de­
pois da povoação daquela capitania, e fizeram sua habitação com
zêlo da conversão do gentio, e, ainda que não sabiam sua lingua, de
um deles se diz que lhe lia o Evangelho e, como lhe dissessem os
Portugueses que para que lho lia pois o não entendiam, respondia:
“ Palavra de Deus é ela, tem virtude para obrar neles” . Um deles
na passagem dum rio se afogou donde lhe ficou o nome o rio do
F ra d e ; todos os mais mataram os índios levantando-se contra os
Portugueses. E depois, não sabendo o que passava, veiu ter aí uma

312
X X IX . — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E DE SUAS C A PIT A N IA S (3584)

nau, e os índios vestidos nos hábitos com os breviarios nas mãos


passeavam pela praia como os Religiosos soiam fazer, para com isto
fazer cilada aos do mar e matá-los, mas quis Deus que entenderam
a falsidade e escaparam (392). Nunca mais vieram cá religiosos
até que veiu a Companhia.
No ano de 60 ou 61 segundo parece, vieram sete ou oito frades
de habitos brancos, Franceses, ao Rio de Janeiro depois da foita-
leza destruida, porque, como Nicolau de Villegaignon era catolico,
tornando á França trabalhou de mandar religiosos ao Rio de J a ­
neiro, assim para redução dos hereges como para conversão do
gentio.
Com êste desejo se foi a um Colégio da Companhia em Tiança
onde, depois de confessado e comungado, pediu Padres para esta
empreza, dizendo que tinha na índia o Brasil 200 léguas de terras
povoadas de gentio sujeito e pacífico: os Padres muito alvoroçados
com esta nova, responderam que mandariam recado ao Padre Ge­
ral a pedir licença para isso e, como isto não se efetuou pela Com­
panhia, trabalhou de mandar estes outros religiosos como já disse.
Êstes, como se soube dos mesmos Tamoios, fizeram seu recolhi­
mento entre eles mesmos, apartados dos Franceses, ensinavam al­
guns meninos do gentio e os traziam vestidos com seu habito. Mas
como Villegaignon, sabida a destruição de sua torre, não quis toi-
nar ao Brasil, ficaram os religiosos sem amparo e não somente des­
favorecidos mas perseguidos dos hereges. E um dia, queimando
uma roça que faziam junto de sua casa para alguma horta, pegou-
se-lhe o fogo á casa e queimou-lhe tudo, o qual depois contava um
Francês herege não com pouco gosto seu. Assim que, neste mesmo
ano ou no seguinte, os tornaram os Franceses a levar á França com
a mais gente que ali ficou da fortaleza acolhida entre os Tamoios,
e querem dizer que a nau fez naufragio no caminho ou que os he­
reges lançaram os Frades ao mar (393).
No ano de 1581 vieram em companhia de Frutuoso Barbosa,
que vinha povoar o rio da Paraíba, três frades do Carmo e dois^ ou
três de S. Bento a Pernambuco. Mas como não se povoou a Paraíba,
não fizeram mais que prègar e confessar sem fazer mosteiro.

3 13
JO S E P H D E A N C H IE T A

Veiu também em sua companhia um de S. Francisco que também


prègou algum tempo em Pernambuco e tornou-se para o reino.
No ano de 83 vieram dois de S . Bento com ordem de seu Ge­
r a l. A ê.stes se deu um bom sítio na Baía e uma igreja de S. Se­
bastião e fazem já mosteiro: são três por todos até-agora e começam
a receber alguns outros a ordem (394).
Na mesma cidade, no mesmo ano, se deu sítio e casa a uns dois
de S. Francisco, que vieram mandados por El-Rei para o rio da
p rata com outros; mas êstes ficaram-se na capitania do Espirito
Santo, como ficaram outros em S. Vicente, que vieram na armada
do Estreito (394-A ). Praza a Deus que todos vão adeante para
sua glória.

DA VINDA DOS PADRES DA COMPANHIA AO BRASIL

Xo ano de 1549, o primeiro de Fevereiro, dia de S. Inácio


mártir, partiram de Belém (39o) em companhia de lome de Sousa,
o primeiro governador do Brasil, por mandado de El-Rei D. «João
111 e por ordem de nosso Padre Inácio de Loiola. quatro padres da
Companhia, sei-licef: o padre Manuel da Xobrega, superior, o pa­
dre João de Aspilcueta Navarro, o padre Leonardo Nunes e o pa­
dre Antonio Pires e dois irmãos, scilicet: Diogo Jacome e Vicente
Rodrigues. Todos êstes são mortos na ( ompanhia em seus minis­
térios, salvo Vicente Rodrigues que ainda é vivo e sacerdote (396).
No ano seguinte de loot) vieram quatro padres, scilicet : o P a ­
dre Salvador Rodrigues, que faleceu na Companhia no ano 1553
(397). dia da Assunção de Nossa Senhora, de que era muito de­
voto, e o padre Manuel de Paiva que faleceu no Espirito Santo a
21 de Dezembro de 84, os padres Afonso Braz e Francisco Pires
que ainda vivem (398).
No ano de 1553 vieram seis (399) da Companhia com o segun­
do governador D. Duarte da Costa, scilicet: o padre Luiz da Grã,
o padre Braz Lourenço e o irmão João Gonçalves, o qual morreu
depois de sacerdote na Companhia com muita santidade (400), e
X X IX . — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E DE SUAS C A PIT A N IA S (1584)

os irmãos Antonio Blasquez, Gregorio Serrão, José de Anchieta e


todos os cinco ainda vivem, todos sacerdotes.
Depois destes por diversos anos vieram outros Padres e Irmãos
que passariam de setenta (401), os mais deles já recebidos lá e ou­
tros para cá se receberem, entre os quais vinham muito bons lati­
nos, outros filosofos, outros teologos e pregadores: entre estes vi­
nham Italianos, Espanhóis, Flamengos, Ingleses, Hibernios e os
mais deles Portugueses. Muitos destes são ainda vivos na Compa­
nhia do Brasil e se ocupam com fruto nos ministérios dela. Alguns
faleceram nela com mostras de muita virtude. Outros muitos se
receberam cá na Companhia assim dos que vinham de Portugal
como dos nascidos na terra.
Antes da vinda dos Padres não havia cristandade nem quem
pregasse o Evangelho no Brasil: eles o começaram a pregar de pro­
posito, com que se fez muito fruto nas almas, como se vê pelo pro­
gresso da Companhia e conversão na Baía e mais capitanias da cos­
ta até este presente ano de 15S4, e na Baía foi a primeira entrada
e casa dos Padres e princípio da propagação da Companhia e algum
começo da conversão do gentio, ao menos nos filhos dos índios, por­
que os pais estavam ainda então muito duros e agrestes.
No mesmo ano de lo49 que chegou o padre Manuel da Nobicga
ao Brasil, mandou o padre Leonardo Nunes e o irmão IMogo Ja-
come á capitania de S. Vicente, que é a ultima da costa, onde foi ie-
cebido dos Portugueses como anjo ou apostolo de Deus e vivendo
eles dantes tão mal ou peor que os Brasis, fizeram tão grande mu­
dança de vida que ainda agora se enxerga naquela terra um nescio
quid de mais virtude, devoção e afeição á Companhia que em toda
a costa, porque também a vida do padre Leonardo Nunes era mui
exemplar e convertia mais com obras que com palavras.
Aqui fizeram os moradores uma casa á Companhia, que Ioi a
segunda que houve no Brasil. Aqui se receberam logo á Compa­
nhia o irmão Pedro Corrêa e o irmão Manuel de Chaves, homens
antigos na terra e linguas, e com ajuda dqles se começou a ensinar
a doutrina na lingua do Brasil aos Mamalueos e Mamalucas, filhos
dos Portugueses e aos escravos da terra, que havia muitos, com que
comecou de haver alguma luz no Brasil pelas muitas pregações que

3 15
JO S E P H DE A N CH IETA

o irmão Corrêa lhes fazia em sua lingua. Aqui finalmente se enten­


deu mais de proposito na conversão do gentio, o qual, como foi sem­
pre muito amigo dos Portugueses, deram muitos deles de boa von­
tade seus filhos ao Padre para que fossem ensinados, dos quais ajun­
tou muitos e os batizou, ensinando-os a falar Português, lêi e es­
crever, e sustentou do necessario para o corpo com grandissimo tra ­
balho seu e dos irmãos até o ano de 1554, que foram passados ao
campo de Piratininga onde ha muito mantimento.
Êste se póde chamar o primeiro colégio dos catecumenos que
houve no Brasil, o qual o padre Manuel da Nobrega, indo àquela
capitania no ano de 1553, levou por deante, ordenando que fosse
confraria do Menino Jesus, juntando-lhe alguns dos moços órfãos
que vieram de Portugal no tempo do padre Pedro Domenico e al­
guns mestiços da terra, onde todos eram doutrinados: e os de Por­
tugal aprendiam a lingua da terra.
Esta maneira de confraria se ordenou também na Baia e na
capitania do Espirito Santo, mas depois, vindo as Constituições e
por ordem de Roma, se desfizeram, e tornou tudo o que tinham á
Companhia na qual ficaram muitos destes órfãos que vieram de
Portugal, e alguns dos de cá recolhidos que foram e ainda são gran­
des obreiros nela, ocupando-se na conversão do gentio com a lingua
que sabem c o saeerdocio que receberam.
Xo ano de 1554, mudou o padre Manuel de Nobrega os filhos
dos índios ao campo, a uma povoação nova chamada Piratininga,
que os índios faziam por ordem do mesmo Padre para receberem a
fé. Também mandou alguns 12 Irmãos (402) para que estudassem
gramatica e juntamente servissem de intérpretes para os índios, e
assim aqui se começou o estudo da gramatica de proposito e a con­
versão do Brasil, porque naquela aldeia se ajuntaram muitos índios
daquela comarca e tinham doutrina ordinaria pela manhã e á tarde
e missa aos dias santos, e a primeira se disse no dia da conversão de
S. Paulo do mesmo ano e se começaram a batizar e casar e viver
como cristãos, o qual até àquele tempo não se tinha feito nem na
Baía nem em alguma outra parte da costa.
A conversão destes não cresceu tanto como a da Baía, porque
nunca tiveram sujeição, que é a principal parte necessaria para

3 16
X X IX . — INFORMAÇÃO DO BRASIL E DE SUAS C A PITA N IA S (1584)

êste negócio, como houve depois na Baía em tempo do governador


Mem de Sá (403). Mas, comtudo, perseveram até agora. E têm
duas igrejas feitas em duas aldeias, onde cada domingo, alterna-
fim , são visitados dos Padres, e são em certa maneira mais que lou­
var, porque tudo que dão de si é voluntario, sem medo de ninguem,
porque ainda agora aquela gente está intacta, sem sentirem as tira­
nias dos Portugueses, nem creio que lhas quererão sofrer, porque
têm grandissimo sertão onde facilmente se podem ir sem pode­
rem ser molestados deles; mas, comtudo, como os Portugueses tra­
balham muito por conservar sua amizade, sempre estão fixos no co­
meçado e vivem como cristãos e trazem outros seus parentes do ser­
tão a morar comsigo para que também recebam a fé.
Xéste ano de 1550 até 53 se fizeram casas da Companhia em
Porto Seguro e no Espirito Santo. Em Porto Seguro, uma legua da
povoação dos Portugueses, se fez a casa de Nossa Senhora d ’Ajuda,
onde milagrosamente ela deu uma fonte d ’agua que parece procede
de debaixo de seu altar, onde se fizeram e fazem continuamente mui­
tos milagres e é casa de grandissima romaria e devoção, porque qua­
si quantos enfermos lá vão e se lavam com aquela agua saram, e os
que não podem lá ir mandam por ela e bebendo-a faz o mesmo
efeito (404).
Depois se fez a casa da Companhia dentro da mesma vila dos
Portugueses e por ordem do nosso Padre Geral Everardo se deixou
aquela igreja ao Bispo, mas ainda a Companhia tem lá uma casa
onde se recolhem, indo todos os sabados lá a dizer missa e fazer al­
guma pregação dos louvores de Nossa Senhora, por continuar a de­
voção da gente, que tem já nela feita confraria com bons orna­
mentos. , . , T
Depois se fizeram casas em Pernambuco, llheus e Rio de J a ­
neiro e assim em todas as Capitanias da costa ha residência da
Companhia e ela é a que acode a todas as necessidades espirituais,
assim de Portugueses como de índios, como mais miudamente se
dirá no título seguinte.

3 17
Para se entenderem as ocupações e trabalhos dos da Companhia
no Brasil, apontar-se-ão brevemente as povoações de Portugueses e
índios que nele ha, a todas as quais os nossos acodem.
Na Capitania de Pernambuco, além da vila principal chamada
Olinda, ha outra que se chama Igaruçú, que dista dela cinco lé­
guas, onde está uma igreja de S. Cosme e Damião de grande de­
voção e se fazem nela muitos milagres pelos merecimentos destes
Santos Mártires. Daí a duas léguas está a ilha de Itamaraeá com -
sua vila e igreja.
Item na dita Capitania de Pernambuco ha muitas fazendas e
alguns 60 ou mais engenhos de assucar (405) a três, quatro, cinco
e oito léguas por terra, cada um dos quais e uma boa povoação com
muita gente branca. Negros de (iuiné e índios da terra. A todos
êstes acodem os da Companhia com pregações, doutrinas e confis­
sões, passando as grandes calmas daquela terra.
Na Baía, além da cidade, ha nove freguezias (406) e alguns
40 engenhos (407) a 4, S e 12 léguas por mar e por terra, cheios de
Portugueses, índios da terra e Negros de Guiné, a que os Padres
acodem com seus ministérios, porque, ainda que têm curas, não sa­
bem a lingua da terra nem se matam muito por acudir aos de Guiné,
nem são para poder pregar aos Portugueses. E isto além das al­
deias dos índios, de que têm particula]’ cuidado os nossos em que
sempre residem. Quatorze léguas da cidade para o norte se fez uma
ermida da Conceição de Nossa Senhora, na fazenda de um homem
dos antigos e principais da terra, mui perfeita e de muita devoção
(408). Está em um alto sobre o mar, onde se vê dos navegantes, e
Ii através pelo sertão tern a aldeia dos índios chamada Santo Antó­
nio (409).
Na Capitania dos Ilhéus ha alguns engenhos (410) e fazendas
i a duas e mais léguas por mar e por terra, com índios da terra e
Portugueses, aos quais continuamente acodem os nossos.
Na de Porto Seguro, lia duas vilas de Portugueses quatro lé­
Isjj guas uma da outra (411). e duas aldeias de índios da doutrina a

3 18
X X ÍX . - INFORM AÇÃO DO B R A SIL E DE SUAS C A P IT A N IA S (1584)

cinco léguas, de que os nossos têm particular cuidado, e outras sete


ou oito aldeiazinhas a quatro, cinco e seis léguas por terra e dois
ou três engenhos de assucar (412) junto delas, ás quais acodem de
quando em quando, e de Porto Seguro ao rio das Caravelas ha 20
léguas por mar, onde está outra povoação de Portugueses que tam­
bém os Padres visitam.
Na Capitania do Espirito Santo ha duas vilas de Portugueses
perto uma da outra meia legua por mar. Em uma delas, que está
na barra e chamam Vila Velha por ser a primeira que ali se fez,
está num monte mui alto e em um penedo grande uma ermida de
abobada que se chama Nossa Senhora da Pena. que se vê longe do
mar e é grande refrigerio e devoção dos navegantes e quasi todos
vêm a ela em romaria, cumprindo as promessas (pie fazem nas tor­
mentas. sentindo particular ajuda na Virgem Nossa Senhora, e diz-
se nela missa muitas vezes. Esta ermida edificou-a um Castelhano
com ordens sacras chamado frei Pedro, frade dos Capuchos, que cá
vein com licença de seu Superior, homem de vida exemplar, o qual
vein ao Brasil com zelo da salvação das almas e com ele andava pelas
aldeias da Baía em companhia dos Padres. Desejando de batizar
alguns desamparados e como não sabia letras nem a língua, porque
é.ste seu zelo não fosse, non sine scientia , batizando alguns adultos
sem o aparelho necessario, admoestado dos Padres, lhes pediu em
escrito algum aparelho na lingua da terra para poder batizar al­
guns que achasse sem remédio e os Padres não pudessem acudir e
assim remediava muitos inocentes e alguns adultos. Com este mes­
mo zêlo se foi á Capitania do Espirito Santo onde fez o mesmo a -
o-um tempo, confessando-se com os Padres e comungando a miiulo,
até que comecou e acabou esta ermida de Nossa Senhora com a.pit.a
dos devotos moradores, e ao pé dela fez uma cazinha pequenina a
honra de S. Francisco, na qual morreu com mostras de muita san­
tidade (413). a
Ha mais nesta Capitania quatro ou cinco engenhos (414)
três e quatro léguas, por mar e por terra, com índios. Ha ao longo
da costa, 8 léguas para o Sul e outras 8 para o Norte, quatro ou
cinco aldeias de índios que os nossos visitam por mar e as vezes por
terra onde ha conversão e se batizam e casam ordinariamente. A cm

3 19
JO S E P H D E A N C H IE T A

destas tem duas aldeias muito populosas de índios (415), algumas


3 léguas da vila por agua com suas igrejas, as quais ha muitos anos
que sustentam e têm nelas residência, e onde se têm ganhado e ga-
nham muitas almas e sempre do sertão vêm índios á fama delas a
morar com seus parentes e fazer-se cristãos.
No Rio de Janeiro está a cidade e muitas fazendas pela baía
dentro que deve ser de algumas 20 léguas em roda. Além dela têm
os Padres duas aldeias de índios (416), uma defronte da cidade em
que têm residência desde o princípio da povoação do Rio, e outra
daí cinco léguas por terra e por mar que se visita a iniudo.
Na Capitania de S. Vicente dentro da ilha que e a que piimeiro
se povoou, ha duas vilas de Portugueses (417), duas léguas uma
da outra, por terra, e ha três ou quatro engenhos de assucar (418)
e muitas fazendas pelo reeoncavo daquela baía e três ou quatro le
guas por mar. Item, em frente tem a ilha de Guaibe, no cabo da
qual, para o Norte, tem uma barra com as fortalezas da Bertioga
quatro e seis léguas das vilas, e da parte do Sul, que e a outra
barra, tem o forte que agora se fez por Diogo Florez, general, com
gente de guarnição (419), e dentro da mesma ilha estão moradores
com a igreja de S. Amaro (420).
Ao longo da praia, na terra firme, nove ou dez léguas da vila
de S . Vicente para o Sul, tem uma vila chamada Itanhaen de Por­
tugueses e junto dela, da outra banda do rio como uma légua, tem
duas aldeias pequenas de índios cristãos. Nesta vila tem uma igre­
ja de pedra e cal, na qual, quando se reedificou, o Administrador
deitou a primeira pedra com toda a solenidade: é da Conceição de
Nossa Senhora, onde de toda a capitania vão em romaria e a ter no­
venas, e fazem-se nela milagres.
Para o sertão, caminho do Noroeste, além de umas altissimas
serras que estão sôbre o mar, tem a vila de Piratininga ou de São
Paulo, 14 ou 15 léguas da vila de S. Vicente, três por mar e as
mais por terra, por uns dos mais trabalhosos caminhos que creio ha
em muita parte do mundo (421). Êste campo é mui fértil de man­
timentos, criações de vacas, porcos, cavalos, aves, etc. Dá-se nele
muito vinho, marmelos e outras frutas da Espanha e trigo e ce-

3 20
X X IX . — I N FORMAÇÃO DO BRASIL E DE SUAS CA PITANIAS (1584)

-vada, posto que os homens não curam de o semear pela facilidade e


bondade do mantimento da terra que chamam mandioca.
E sta vila antigamente era da invocação de S. André (422) e
estava três léguas mais para o mar, na borda e entrada do campo,
e no ano de 60 por mandado do governador Mem de Sá se mudou
a Piratininga, porque não tinham cura e sómente dos Padres da
Companhia era visitada e sacramentada, assim os Portugueses como
os índios seus escravos (423), como nem ainda agora têm outro
cura senão os da Companhia que lhes ministram todos os sacra­
mentos por caridade; onde temos casa e igreja da conversão de São
Paulo, porque em tal dia se disse a primeira missa naquela terra
numa pobre casinha, e em Piratininga, como acima se disse, se co­
meçou de proposito a conversão do Brasil, sendo esta a primeira
igreja que se fez entre o gentio (424) .
Junto desta vila, ao princípio havia 12 aldeias (425), não mui­
to grandes, de índios, a uma, duas e três léguas por agua e por
terra, as quais eram continuamente visitadas pelos Padres e se ga­
nharam muitas almas pelo batismo e outros sacramentos. Agora es­
tão quasi juntas todos em duas: uma está uma legua da vila, outra
duas, cada uma das quais tem igreja e é visitada dos nossos como
acima se disse (426). As fazendas dos Portugueses também estão
da mesma maneira espalhadas a duas e três léguas e acodem os do­
mingos e dias santos á missa.
Em todas as Capitanias ha Casas de Misericordia, que servem
de hospitais, edificadas e sustentadas pelos moradores da terra com
muita devoção, em que se dão muitas esmolas, assim em vida como
em morte, e se casam muitas órfãs, curam os enfermos de toda a
sorte e fazem outras obras pias, conforme a seu instituto e a pos­
sibilidade de cada uma e anda o regimento delas nos principais da
terra. H a também muitas confrarias em que se esmeram muito e
trabalham de as levar adeante com muito cuidado e devoção.
A todas estas Capitanias desta maneira divididas acodem sem­
pre os nossos com seus ministérios e quanto aos Portugueses eles
levam pondus diei et cestus nas prègações, confissões, doutrinas,
etc., porque tirando a Baía e Pernambuco (posto que também nes­
tas a maior parte das confissões e prègações é dos Padres) em todas

321
21
JO SEPH DE ANCHIETA

a* mais quasi nunca ha prègação senão da Companhia e quasi toda


a gente se confessa com ela e são notados os que com a Companhia
se não confessam, de maneira que não têm os curas mais que fazer
que dizer suas missas, batizar crianças e dar o sacramento da E u­
caristia e Extrema Unção, enterrar e ainda nisto muitas vezes são
relevados pelos nossos por eles não poderem acudir.
Quanto aos escravos dos Portugueses, Índios da terra, desde que
o Brasil é povoado nunca se disse missa nem por cura nem poi
mandado do Bispo algum por respeito deles, antes em partes onde
não ba c a s a s da Companhia nunca a ouvem, nunca por cura foram
confessados porque lhes não sabem a lingua, sinão algum agora nes­
tes tempos que ba já algum mestiço sacerdote.
Nos batizados que se faziam, como não levavam nenhum apa­
relho nem conhecimento das cousas da Fé, nem arrependimento de
pecados, não somente não recebiam graça, mas muitas vezes nem
ca rater pela grande ignorância deles que não sabiam o que rece­
biam e dos que lho davam sem lho dar a entender, e desta maneira
viviam e vivem ainda agora muitos em perpétuas trevas sem terem
mais que nomes de cristãos, de maneira que assim se haviam com
eles e ainda agora se hão, como que não fossem suas ovelhas; nem
os Bispos fazem muito caso disso, pois com os índios livres \lsto
está que se não faz diligência nenhuma no que toca a sua salvação,
quasi como de gente que não tom alma racional nem foi criada e
redimida para a Glória.
Toda esta carga tomou a Companhia a seus ombros, porque,
desde que entrou no Brasil, logo ordenou que se dissesse cada do­
mingo missa particular para os escravos e isto continuou ate agora
em toda a costa, doutrinando-os cada dia, instruindo-os para o Ba­
tismo, casando-os e confessando-as, nem se sabe em toda a terra cha­
mar outrem para lhes acudir senão os nossos.
Os perigos e trabalhos que nisto se passam, pela diversidade
dos lugares a que acodem, se podem conjeturar: perigos de cobras,
de que ha grandissima cópia nesta terra, de diversas especies, que
ordinariamente matam com sua peçonha, de que frequentissima-
mente quasi por milagre são livrados e alguns mordidos sem peri­
gar: perigos de onças ou tigres, que também são muitos pelos deser-
X X IX . — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E DE SUAS C A PIT A N IA S (1584)

tos e inatos por onde é necessario cáminhar; perigos de inimigos de


que algumas vezes por providência divina têm escapado; tormentas
por mar e naufrágios, passagens de rios caudalosos, tudo isso é or­
dinario; calmas muitas vezes excessivas que parece chegar um ho­
mem a ponto de morte, de que vêm a passar gravissimas enfermi­
dades; frio principalmente na Capitania de S. Vicente, no campo,
onde já por vezes se acharam índios mortos de frio e assim aconte­
cia muitas vezes, ao menos aos princípios, a maior parte da noite
lião poder dormir de frio nos matos por falta de roupa e de fogo,
porque nem calça nem sapato havia, o assim andavam as pernas
queimadas das geadas e chuvas muitas e mui grossas e contínuas, e
com isto grandes enchentes de rios e muitas vezes se passam aguas
muito frias por longo espaço pela cinta e ás vezes pelos peitos; e
todo o dia com chuva muito grossa e fria gastando depois grande
Y>arte da noite em enxugar a roupa ao fogo sem haver outra que
mudar. E contudo, nada disto se estima e muitas vezes por acudir
a batizar ou confessar um escravo de um Português se andam seis
e sete legua's a pé, e ás vezes sem comer; fomes, sedes et (dia hu­
jusm odi; e finalmente, a nada disto se negam os nossos, mas sem
diferença de tempos, noites nem dias, lhes acodem e muitas vezes
sem ser chamados os andam a buscar pelas fazendas de seus senho­
res, onde estão desamparados. E quando ha doenças gerais, como
iiouve cá muitas vezes de bexigas, priorizes, tabardilho, camaras de
sangue, etc., não ha descansar, e nisto se gasta cá a vida dos nossos,
com que se têm ganhado em todo o Brasil muitas almas ao Senhoi.
Acompanharam algumas vezes nas guerras justas os governa­
dores e capitães onde remedeiam as almas dos Portugueses e dos es­
cravos índios, batizando e confessando, e alem disso por seu
meio se têm alcançadas vitorias mui notáveis estando os Por­
tugueses em evidentes perigos de ser destruídos, como se viu na
guerra que fez António Salema ao Gabo Frio, onde na primeira
aldeia que havia em toda a terra que estava ali junta, estavam já
em grande tribulação e o Índio principal dela, ouvindo e conhecen­
do as palavras de um nosso Padre, se entregou a si e a toda a aldeia
e dali se sujeitou todo o Cabo Frio sem trabalho (427).
O mesmo foi na Capitania do Espirito Santo: estando quasi

323
JO S E P H DE A N C H IET A

todos os moradores sôbre uma forte aldeia daí 30 léguas, já des­


confiados e em perigo de se perder, pelas palavras de outro nosso
Padre se entregou aquela aldeia e outras. E assim aconteceu nou­
tras em S. Vicente, pois no Rio de Janeiro, temendo-se os Portu­
gueses que estava o sertão alevantado acorreram-se aos Padres e
assim pelo bem comum foi lá mandado um Padre lingua muito
doente que havia muitos anos que lançava sangue pela boca e en­
trou muitas léguas pelo sertão, passando aquelas serras que são as
maiores que ha no Brasil e esteve lá seis meses e pacificou o ser­
tão e trouxe comsigo algumas 600 almas de índios passando gran­
dissimos trabalhos e perigos dos quais índios se fez uma das aldeias
do Rio e são já quasi todos cristãos.
O que os nossos têm feito e fazem na conversão dos índios li­
vres ver-se-á por outra informação, que com esta vai, que trata
isso particularmente, dos quais índios têm feito muitos capazes do
Santíssimo Sacramento, que recebem com muita devoção, ca­
pazes, digo, quanto ao conhecimento dêste altíssimo mistério, que,
quanto á vida, não tenho dúvida que excede á maior parte dos Por-
tugueses do Brasil, porque muito menos pecados cometem que eles,
e os peores nesta parte são os que com eles têm mais trato e isto se
lhes pega de sua conversação e exemplo. Naquela mesma informa­
ção se verão os inconvenientes que houve e ha para sua conversão
e poucas apulas e as causas da sua diminuição: dela mesma se pode
coligir o número de cristãos que são feitos e mortos, posto que, alem
dos proprios das aldeias se tem feito outra grande multidão deles
em missões e contínuas visitas, como acima se tem tocado, e bem
creio que chegarão a cem mil (427-A ) .

DOS COLÉGIOS DA COMPANHIA

A casa de S. Paulo de Piratininga como foi princípio de con­


versão, assim também o foi dos Colégios do Brasil. Esteve esta pro­
vincia creio que até ao ano de 1554 ou 1555 (428) subordinada a
Portugal e neste mesmo ano foi nomeado por Provincial o Padre
Manuel de Nobrega, no qual tempo indo a S. Vicente o Padre Luiz

324
X X IX . — INFORMAÇÃO DO BRASIL E DE SUAS CAPITANIAS (1584)

da Grã, seu colateral, em Janeiro de 1556, com seu parecer e conse­


lho fez o Padre Nobrega daquela casa colégio, aplicando-lhe toda a
fazenda movei e de raiz que havia na capitania de S . Vicente que
pertencesse á Companhia.
Ali houve sempre estudo de latim para os Irmãos da Compa­
nhia e uma lição de casos que lhes lia o Padre Luiz da Grã até ao
ano de 1561, no qual se mudou o estudo para a vila de S. Vicente,
porque havia já lá moços de fóra que podiam estudar, dos quaes se
juntaram uns poucos que estudaram; mas com as guerras que so­
brevieram do gentio, não se pôde continuar senão até ao ano de 62,
e contudo ficou a casa de S . Vicente com título de colégio mudado
de S. Paulo para ali até á éra de 1566, em que chegou lá o padre
Tnacio de Azevedo, mártir (429), que vinha por Visitador e orde­
nou que dali por deante, se houvesse de haver colégio, se mudasse
liara o Rio de Janeiro, o qual se esperava que iria cada vez em maior
aumento, por ser capitania d ’El-Rei e terra mais rica e fértil como
depois se fez.
Ao tempo que chegou o Padre Luiz da Grã a S . Vicente, no
ano de 1556 (430), estava o Padre Manuel da Nobrega determi­
nado de ir ao rio da Prata, em companhia de uns castelhanos que
entravam pelo sertão, porque naquela terra havia grandissimas es­
peranças de grande conversão dos índios Carijós, que são da coroa
de Castela. Mas, com ajuda do Padre Luiz da Grã, que era seu co­
lateral, se mudou o conselho, por ser aquele reino estranho, e, dei­
xando o dito Padre em S. Vicente, em seu lugar, se foi á Baia, le­
vando comsigo alguns Irmãos no ano de 56 (431), e dali por deante
se começou ali o estudo da gramatica mais de proposito aos Irmãos
da Companhia, e ordenou que aquela casa fosse colégio no ano de
] 556, com algumas terras e vacas que tinha, o qual depois se dotou
para 60 irmãos por el-rei D. Sebastião, no ano de 1565.
Êste colégio foi o segundo da Companhia no Brasil, e como a
cidade da Baía teve grandes aumentos nos engenhos de assucar e
fazendas e muito trato de Portugueses, e como é o assento dos Go­
vernadores e Bispos, assim ele também cresceu muito, porque todos
os Irmãos que eram mandados de Portugal vinham a ele e prosse­
guiu seu estudo muito de proposito, abrindo-se escolas para todos

325
JO SE P H DE ANCHIETA.

ro foi vice-reitor e depois reitor. Agora tem o cargo de reitor o P a­


dre Inaeio de Tolosa.
Do Colégio de Pernambuco foi o Padre Agustin dei Castilho,
Castelhano (441), o qual aí mesmo morreu, e depois o Padre Luiz
da Grã, que ainda agora tem o cargo.

DAS RELIQUIAS E INDULGÊNCIAS

Pela benignidade de Deus, dos Sumos Pontifices, da Im pera­


triz e de outros Senhores e Reis, vieram ao Brasil reliquias muito
notáveis, a saber: o lenho da Cruz, seis cabeças das Onze Mil V ir­
gens e as reliquias de S. Sebastião, S. Braz, S. Cristóvão, dos Már­
tires Tebeus e de outros muitos santos, A gnus D ei e Contas bentas,
que estão repartidas pelos Colégios e casas da Companhia, e com
as quais se excitou muito a devoção dos moradores do Brasil e se
tem feito muito proveito nas almas (442).
Assim mesmo muitas Indulgências plenarias e Jubileus que se
ganham muito frequentemente, assim pelos Portugueses como pelos
índios, e é tanta a misericordia de Deus nesta parte e a libefali-
dade dos Sumos Pontifices seus vigários que cada mês ha jubileu
em nossos colégios, com grande frequência de confissões e comu­
nhões para a glória do mesmo Deus e proveito das almas e os mes­
mos soldados das armadas e marinheiros vão de cá enriquecidos com
A g n u s Dei, Contas bentas, e Indulgências plenarias que se lhes con­
cedem pelos Padres da Companhia (443).

DOS COSTUMES DOS BRASIS

Desde o rio do Maranhão, que está além de Pernambuco para


o Norte, até a terra dos Carijós, que se estende para o Sul desde a
alagôa dos Patos até perto do rio que chamam de Martim Afonso,
em que pode haver 800 léguas de costa, em todo o sertão dela que
se estenderá com 200 ou 300 léguas, tirando o dos Carijós, que é
muito maior e chega até ás serras do Perú, ha uma só lingua (444).

328
X X IX . — INEORMAÇAO DO BRASIL E DE SUAS CAPITANIAS (1584)

Todos êstes ordinariamente andam nús, ainda que os Carijós


e alguns dali para avante, por ser terra muito fria, usam de peles
de veados e outros animais que matam e comem, e as mulheres fa­
zem umas como mantas de algodão que cobrem meio corpo (445).
Todos os da costa que têm uma mesma lingua comem carne hu­
mana, posto que alguns em particular nunca comeram e têm gran­
dissimo nojo dela. Entre os Tapuias se acham muitas nações que
não a comem, nem matam os inimigos senão no conflito da guerra.
A maior honra que têm é tomar algum contrário na guerra e
disto fazem mais caso que de matar, porque muitos dos que o to­
mam os dão a matar a outros, para que fiquem com algum nome,
o qual tomam de novo quando os matam, e tantos nomes têm quan­
tos inimigos mataram, posto que os mais honrados e estimados e tidos
por mais valentes são os que os tomam (446). Naturalmente são
inclinados a matar, mas não são cruéis (447) : porque ordinaria­
mente nenhum tormento dão aos inimigos, porque se os não matam
no conflito da guerra, depois tratam-os muito bem, e contentam-se
com lhes quebrar a cabeça com um pau, que é morte muito facil,
porque ás vezes os matam de uma pancada ou ao menos com ela
perdem logo os sentidos. Se de alguma crueldade usam, ainda que
raramente, é com o exemplo dos Portugueses e Franceses.
Casamentos de ordinario não celebram entre si e assim um tem
três e quatro mulheres, posto que muitos não têm mais do que uma
só e, se é grande principal e valente, tem dez, doze e vinte (448).
Tomam umas e deixam outras: verdade é que em muitos ha ver­
dadeiros matrimônios in lege naturce, e assim muitos mancebos até
que casem, por ordem e conceito de seus pais servem ao sogro ou
sogra que ha de ser, antes que lhe dêm a filha, e assim quem tem
mais filhas é mais honrado pelos genros que com elas adquirem,
que são sempre muito sujeitos a seus sogros e cunhados, os quai3
depois dos pais têm grandissimo poder sobre as irmãs e muito par­
ticular amor, como elas também toda a sujeição e amor aos irmãos
eom toda a honestidade. Todos os filhos e filhas de irmãos tem
por filhos e assim os chamam; e desta maneira um homem de 50
anos chama pai a um menino de um dia, por ser irmão de seu pai
e por esta ordem tem grande reverência a todas as mulheres que

329
JO SE PH DE ANCHIETA

os de fóra. Nele ha de ordinario escola de lêr, escrever algarismo,


duas classes de humanidade, leram-se já dois cursos de artes em
que se fizeram alguns mestres de casa e de fóra, e agora se acaba
terceiro. Ha lição ordinaria de casos de coneiência, e, ás vezes, duas
de teologia, donde saíram já alguns mancebos prègadores, de que o
Bispo se aproveita para sua Sé, e alguns curas para as freguezias.
A este colégio estiveram subordinadas todas as casas das capitanias,
até que houve outros colégios, e agora não são mais a ele subordi­
nadas que as de Ilhéus e Porto Seguro.
() segundo colégio é o de Rio de Janeiro, que se fundou e dotou,
para cincoenta por El-Rei D. Sebastião no ano de 1567. Nele hou­
ve sempre escola de lêr. escrever e algarismo, uma classe de latim
e lição de casos de coneiência para toda a sorte de gente e para aqui,
como dito é, se mudou o primeiro colégio que houve em S. Paulo
e S. Vicente: a êste colégio estão subordinadas as casas de S. 'Vi­
cente e 8. Paulo de Piratininga e a do Espirito Santo.
O último colégio é o de Pernambuco e foi fundado e dotado
para vinte por el-rei 1). Sebastião no ano de 1576. Nele houve sem­
pre escola de ler, escrever e algarismo, uma classe de latim, e uma
lição de casos, de maneira que os colégios agora são três: o primei­
ro e principal é o da Baía, segundo o de Rio de Janeiro, terceiro o
de Pernambuco, os quais têm suas rendas.
As mais casas vivem de esmola que lhes dão os moradores, fra­
camente, conforme a sua possibilidade, que é pouca; e porque eles
não podem suprir a tudo por serem pobres, os colégios provêm as
casas que lhes são subordinadas de vestido, vinho, azeite, farinha
para ostias e outras cousas que não ha na terra e hão de vir neces­
sariamente de Portugal. Em todas estas casas ha sempre escola de
lêr. escrever e algarismo para os moços de fóra.

DOS PROVINCIAIS DO BRASIL E REITORES


DOS COLÉGIOS

O primeiro Provincial foi o Padre Manuel de Nobrega no ano


de 1555, porque até então foi subordinada esta provincia á de Por­
tugal : durou no cargo até ao ano de 1559 (432) .

326
X X IX . — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SUAS C A PIT A N IA S (1584)

No de 1559 foi o segundo Provincial o Padre Luiz da Grã (433)


até ao ano de 1570 em que vinha por Provincial o Padre Inácio de
Azevedo, mártir, que fica no terceiro lugar (434).
No quarto lugar foi outra véz nomeado o padre Manuel da No-
brega, mas era falecido no mesmo ano que o padre Inácio, mártir, e
portanto ficou por Vice-Provincial o Padre Antonio Pires, que era
superintendente do Colégio da Baía, e isto por ordem que assim dei­
xou o Padre Inácio, mártir, em sua visita: teve este cargo nove meses
e faleceu em Março de 1572. Depois de sua morte, pela mesma ordem
do Padre Inácio, mártir, ficou por Vice-Provincial o Padre Gregorio
Serrão, reitor do Colégio da Baía: teve êste cargo um mês.
O quinto Provincial foi o Padre Inácio Tolosa, Espanhol (435),
no ano de 1572 até ao ano de 15 i l .
O sexto Provincial o Padre José de Anchieta, Biscainho (436),
o ano de 1577 e ainda tem o cargo neste presente de 1584.
Heitores dos Colégios foram os seguintes: do da Baía foram al­
gum tempo os Padres Francisco Pires, Manuel de Paiva, João de
Melo (437), Portugueses, depois foi o Padre Gregorio Serrão, Por­
tuguês, que’teve o ofício alguns 20 anos; e sendo ele eleito por Pro­
curador para ir a Roma, teve o cargo pouco tempo o Padre Luiz da
Grã, Português, e depois o Padre Quiricio Caixa (438), Castelhano,
dois anos, todo o tempo que o Padre Gregorio Serrão gastou na jor­
nada, o qual veiu de lá outra vez, com o mesmo cargo, e até ao pre­
sente ano de 1584 persevera nele, e por sua velhice e longa enfermi­
dade foi eleito o Padre Luiz da Fonseca (439), Português, por vice-
reitor, e já agora, porque o dito Padre Gregorio Serrão nao pode
fazer o seu ofício, é reitor.
Do Colégio do Rio de Janeiro foi o primeiro o Padre Manuel de
Nobrega que o começou a fundam entis e nele acabou a vida, depois de
deixar toda aquela terra sujeita e pacífica, com os índios Tamoios
sujeitos e vencidos, e tudo sujeito a El-Rei, sendo ele o que mais
fez na povoação dela, porque com seu conselho, fervor e ajuda se
começou, continuou e levou ao cabo a povoação do Rio de Janeiro.
Depois lhe sucedeu o Padre Braz Lourenço, Português, alguns anos
e a ele o Padre Pedro de Toledo, Castelhano (440), o qual primei-

327
JO SEPH DE ANCHIETA

wêm pela linha dos machos, não casando com elas de nenhuma ma­
neira, ainda que sejam fóra do quarto grau. As sobrinhas, filhas
de irmãs e deinceps, têm por verdadeiras mulheres, e comumente
casam com elas, sine discrimine (449).
Os de uma nação são muito pacificos entre si, e de maravilha
pelejam senão de palavra e ás punhadas, e se alguma hora com a
quentura demasiada do vinho vai a cousa muito avante, as mu­
lheres logo lhes escondem as flechas e outras armas, até os tições
de fogo, porque se não matem e firam, porque de uma morte
destas ás vezes acontece dividir-se urna nação com guerra civil, e
matarem-se e comerem-se e destruirem-se. como aconteceu no Rio
de Janeiro.
yão muito dados ao vinho, o qual fazem ('as raizes da man­
dioca que comem, e de milho e outras trutas. Êste vinho fazem
as mulheres, e depois de cozidas as raizes ou o milho, o mastigam
porque com isso dizem que lhe dão mais gosto e o fazem ferver
mais (450). Deste enchem muitos e grandes potes, que somente
servem disso e depois de ferver dois dias o bebem quasi quente,
porque assim não lhes faz tanto mal nem os embebeda tanto, ainda
que muitos deles, principalmente os velhos, por muito que bebem,
de maravilha perdem o siso, ficam somente quentes e alegres. Com
o vinho das frutas que é muito forte se embebedam muito e per­
dem o siso. mas deste bebem pouco, e somente o tempo que elas
duram; mas o vinho comum das raizes e milho bebem tanto que
ás vezes andam dois dias com suas noites bebendo, e ás vezes mais,
principalmente nas matanças de contrários e todo êste tempo can­
tando e bailando sem cansar nem dormir. Êste vinho comumente
o fazem grosso e basto, porque juntamente lhes serve de manti­
mento e quando bebem nenhuma outra cousa comem. E da mesma
maneira quando comem não curam de ter vinho nem agua para
beber, nem têm trabalho nisso e, algumas vezes acabando de comer,
se não têm agua em casa, se vão á fonte a beber, e ás vezes de
noite com um tição do fogo na mão, principalmente os que não
têm mulher, mãe. ou irmã que lhes traga agua. E nisto nenhum
trabalho têm, e quasi não fazem diferença de boa ou ma agua,
com qualquer se contentam. Os moços pequenos não bebem aque-

330
X X IX . — INFORMAÇÃO DO B R A SIL E DE SUAS C A PIT A N IA S (1584)

les vinhos, e quando algum mancebo ha de começar a beber, fa-


zem-lhe grandes festas, empenando-os e pintando-os como que en­
tão começam a ser homens.
Nenhuma creatura adoram por Deus, somente os trovões cui­
dam que são Deus, mas nem por isso lhes fazem honra alguma, nem
comumente têm idolos nem sortes, nem comunicação com o demo-
nio, posto que têm medo dele, porque ás vezes os mata nos matos
a pancadas, ou nos rios, e, porque lhes não faça mal, em alguns
lugares medonhos e infamados disso, quando passam por eles, lhe
deixam alguma flecha ou penas ou , outi’a cousa como por
oferta (451).
O que mais crêm e de que lhes nasce muito mal é que em al­
guns tempos alguns 'de seus feiticeiros, (pie chamam Pages, inven­
tam uns bailes e cantares novos, de que êstes índios são mui ami­
gos, e entram com eles por toda a terra, e fazem ocupar os índios
em beber e bailar todo o dia e noite, sem cuidado de fazerem
mantimentos, e com isto se tem destruido muita gente desta. Cada
um destes feiticeiros (a que também chamam santidade) busca
uma invenção com que lhe parece que ganhará mais, porque todo
êste é seu intento, e assim um vem dizendo que o mantimento ha
de crescer por si, sem fazerem plantados, e juntamente com as
cacas do mato se lhes hão de vir a meter em casa . Outros dizem
que as velhas se hão de tornar mocas e para isso fazem lavatonos
de algumas ervas com que lavam; outros dizem que os que os não
receberem se hão de tornar em passares e outras invenções seme­
lhantes. Além disto dizem que têm um espirito dentro de si (452),
com o qual podem matar, e com isto metem medo e fazem muitos
discipulos comunicando êste .seu espirito a outros com os defu­
mar e assoprar, e ás vezes é isto de maneira que o que recebe o
tal espirito treme e súa grandissimamente. De modo que bem se
pode crer que ali particularmente obra o demonio e entre neles,
posto que comumente é ruindade, e tudo por lhes darem os índios
o que têm, como sempre fazem, ainda que muitos nao crem cousa
nenhuma daquelas, e sabem que são mentiras.
fistes também costumam pintar uns cabaços com olhos e boca

33 1
JO S E P H D E A N C H IE T A

e os têm com muita veneração escondidos cm uma casa escura para


que aí vão os índios a levar suas ofertas.
Todas estas invenções por um vocábulo geral chamam Caraiba,
que quer dizer como cousa santa, ou sobrenatural; e por esta cau­
sa puseram êste nome aos Portugueses, logo quando vieram, ten­
do-as por cousa grande, como do outro mundo, por virem de tão
longe por cima das aguas (453). Êstes mesmos feiticeiros e ou­
tros que não chegam a tanto, costumam esfregar, chupar e defu­
mar os doentes nas partes que tém lesas e dizem que com isto
os saram e disto ha muito uso, porque com o desejo da saude mui­
tos se lhes dão a chupar, posto que os não crêm. Outros agouros
e abusões têm em passaros e em raizes e finalmente em tudo, que
são infinitos, mas tudo 6 cousa de pouco momento.
Têm alguma notícia do diluvio, mas muito confusa, por lhes
ficar de mão em mão dos maiores e contam a história de diversas
maneiras. Também lhes ficou dos. antigos notícias de uns dois ho­
mens que andavam entre eles, um bom e outro mau, ao bom cha­
mavam Çumé, que deve de ser o apostolo S. Tomé, e êste dizem
que lhes fazia boas obras mas não se lembram em particular de
nada. Em algumas partes se acham pegadas de homens impressas
em pedra, maximè em São Vicente, onde no cabo de uma praia,
em uma penedia mui rija, em que bate continuamente o mar, es­
tão muitas pegadas, como de duas pessoas diferentes, umas maio­
res, outras menores que parecem frescas como de pés que vinham
cheios de areia, mas se verá elas estão impressas na mesma pedra.
Estas é possível que fossem deste Santo Apostolo e algum seu di-
cipulo (454).
O outro homem chamavam M aim , que dizem que lhes fazia
mal e era contrário de Çum é; e por esta causa os que estão de
guerra com os Portugueses, lhes chamam Maira (455). Êstes são
os costumes mais de notar desta gente do Brasil, que para se fa­
zer relação miudamente de todos era necessario um livro mui
grande.

3 32
X X IX . — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SUAS C A P IT A N IA S (1584)

DOS IMPEDIMENTOS PARA A CONVERSÃO DOS BRASIS


E, DEPOIS DE CONVERTIDOS, PARA O APROVEITAMEN­
TO NOS COSTUMES E VIDA CRISTÃ

Os impedimentos que ha para a conversão e perseverar na vida


cristã de parte dos índios, são seus costumes inveterados, como
em todas as outras nações, como o terem muitas mulheres; seus
vinhos em que são muito continuos e em tirar-lhos ha ordinaria­
mente mais dificuldade que em todo o mais, por ser como seu man­
timento, e assim não lhos tiram os Padres de todo, senão o ex­
cesso que neles ha, porque assim moderado quasi nunca se embe­
bedam nem fazem outros desatinos. Item as guerras em que pre­
tendem vingança dos inimigos, e tomarem nomes novos, e titulos
de honra; o serem naturalmente pouco constantes no começado, e
sobretudo faltar-lhes temor e sujeição, porque, como em todos os
homens, assim nestes muito mais initium sapientias tim or Domini
est, o qual lhes ha de entrar por temor da pena temporal, porque
havendo isto tomam o jugo da lei de Deus e perseveram nele ao
menos com muito menos pecados que os Portugueses, pois ja o
tornarem atrás da fé de maravilha se viu neles, porque, como
nada adoram, facilmente crêm o que se lhes diz que hão de crêr:
ma.s por outra parte, como não têm muito discurso, facilmente se
lhes meterá 'em cabeça qualquer cousa, ao menos de maus costu­
mes. Ajunta-se a isto que são de uma natureza tão descansada
que. se não forem sempre aguilhoados, pouco bastara para não
irem á missa nem buscarem outros remedios para a sua salvação.
Todos estes impedimentos e costumes são mui fáceis de se
tirar se houver temôr e sujeição, como se viu por experiencia
desde do tempo do governador Mem de Sá até agora; porque com
o os obrigar a se juntar e terem igreja, bastou para receberem a
doutrina dos Padres e perseverar nela até agora, e assim será
sempre, durando esta sujeição, havendo residência de mestres com
eles que os não deixem cair por sua natural frieza, e os incitem
cada vez a maiores cousas, como se vê agora que são muito amigos
de vir á missa todas as festas, e alguns pela semana, confessa­
rem-se muitas vezes e serem muito capazes da Santíssima Comu-

333
JO S E P H D E A N C H IE T A

nlião, para a qual se aparelham com muita devoção, jejuando e


diciplinando-se á vespera; e os que não têm ainda comungado
trabalham muito de se aparelhar para isso, fazendo tudo que se
lhes ordena.
Por aqui se vê que os maiores impedimentos nascem dos P o r­
tugueses, e o primeiro é não haver neles zêlo da salvação dos ín ­
dios, etiam naqueles quibus incum bit cx officio , antes os têm por
selvagens, e, ao que mostram, lhes pesa de ouvir dizer que sabem
eles alguma cousa da lei de Deus, e trabalham de persuadir que
c assim ; e com isto pouco se lhes dá aos senhores que têm escravos,
que não ouçam missa, nem se confessem, e estejam amancebados.
E. se o fazem, é pelos continuos brados da Companhia, e logo se
enxerga claro nos tementes a Deus que seus escravos vivem dife-
rentemente pelo particular cuidado que têm deles.
Os que nesta parte mais padecem são os pobres escravos e os
mais índios livres que estão em poder dos Portugueses, que não
podem ser muitas vezes doutrinados dos Padres, e assim o maior
mal que se faz aos índios da doutrina, quando vão ajudar os
Portugueses em suas fazendas, é que alguns lhes dão as escravas,
para com isso os prender mais tempo. Outros não os proibem, e
desta maneira os que poor vivem sao os que mais tratam com os
Portugueses, ensinados de seu mau exemplo, e muitas vezes peor
doutrina, em que os admoestam que nao tenham dever com a dou­
trina dos Padres: posto que destes não são senão alguns desalma­
dos, mas os de mau exemplo e pouco zelo são muitos.
O que mais espanta aos Índios e os faz fugir dos Portugueses,
e por consequência das igrejas, são as tiranias que com eles usam
obrigando-os a servir toda a sua vida como escravos, apartando
mulheres de maridos, pais de filhos, ferrando-os. vendendo-os. etc.,
e se algum, usando de sua liberdade, se vai para as igrejas de
seus parentes que são cristãos, nao o consentem lá estar, de onde
muitas vezes os índios, por não tornarem ao seu poder, fogem
pelos matos, e quando mais não podem, antes se vão dar a comer
a seus contrários: de maneira que estas injustiças e sem razões
foram a causa da destruição das igrejas que estavam congregadas
<■ o são agora de muita perdição dos que estão em seu poder.

3 34
XXXX. — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SUAS C A P IT A N IA S (1584)

NO TAS

(357) P b l. na ‘‘Revista do In stitu to H istorico’', V I, p . 404-35, se­


n-undo a cópia fornecida por V arnhagen do m anuscrito em lingua portuguesa
e letra do século X V I, existente na B iblioteca de É v o ra . C apistrano de A .neu,
que obteve uma cópia m ais fiel, publicou-a pela segunda vez no n . I dca
Materiais e Achêgas vara a História e Geografia do Brasil (Rio, Im p ren sa
Nacional, 1886, p. 1-30), atribuindo-a a A nchieta. Essa autoria, ja insinua­
da por V arnhagen n a prim eira edição da História Geral e su stentada por
Cândido Mendes de A lm eida n a “ Rev. do In s t. H i s t.” (X LV , p a rte ,
p 191-2), se depreende antes de tudo, segundo Capistrano, da minueiosi-
dade coni’ que a Informação “ se refere a S Paulo, mencionando a guerra
de 1562 com os índios, que apenas durou dois dias, aludindo a um nescto
quid de mais virtude, devoção e afeição á Companhia que se enxerga naque­
la terra, referindo-se á reedificarão da ig re ja de Itanhaen, a penedia de Suo
Vicente em que se notam pisadas de hom ens” . Com paradas essas m inúcias
com o “ modo breve por que se refere ao N o rte ” , a conclusão será “ que ao
autor era muito m ais fam iliar o Sul qur o N o rte ” , justam ente o caso de
Anchieta, que até o tempo de seu provincialuto só duas vezes e por pouco
tempo esteve na B a ía . H a, além disso, a referencia “ a alguns fatos a que
ele esteve presente e que vêm referidos e outros que só conhecemos por suas
cartas, como a fundação do Rio de Ja n e iro ; a tom ada de uma nau francesa
nesta ocasião; a história dos frades de hábito branco; a fundaçao de Sao
Paulo com as doze aldeias prim itivas que a cercavam e com o frio que so­
freram os prim eiros povoa dores tão vividam ente pintado; a viagem fru sta d a
do padre Manuel da N obrega ao rio da P r a ta ” . Finalm ente, tra z a I n fo r ­
mação “ em m ais de um a p a rte o ano em que foi escrita — 1584” e menciona
a morte do padre Manuel de Paiva, no Espirito Santo, a 21 de dezembio do
mesmo ano, donde a conclusão de que foi escrita entre 21 e 31 de dezembro
de 1584. Ora, escreve Capistrano, “ graças a Fernão Cardim ( Narrativa epis­
tolar, p. 89-97) sabemos que neste tempo Anchieta, estava no Rio de Ja n eiio ,
onde chegou com o padre Cristóvão de Gouvêa a 20 de dezembro de­
pois de viagem acidentada,. Foi á vista dos lugares em que ta n ta s
cenas se desenrolaram im portantes, em que ele representou papel emi­
nente, que suas recordações se avivaram e por isso entrou elle em ^ p a rti­
culares tão curiosos” . Capistrano não conhecia ainda a Breve narração das
coisas relativas nos Colégios r residências da Companhia nesta, provincia Bra­
sílica, no ano dr 1584, só publicada em 1897 pelos “ Anais d a Biblioteca N a­
cional” . E daí o unico reparo que se pode fazer á sua m agistral argum en­
tação. Porque esse documento, datado da B aía a 28 de dezembro de 1584,
dem onstra que Anchieta não se encontrava por essa época no Rio de J a ­
neiro, como mais desenvolvidamente se verá na nota 545. —- Seria a I n fo r ­
mação d atad a dêsse mesmo dia? Em novembro, o navio do visitador C ristó­
vão de Gouvêa gastara, sete dias na, viagem da. B aía ao E spirito S anto. P a ra
que a Informarão tivesse a d ata de 28, seria portanto preciso que a em bar­
cação que levou á B aía a notícia da m orte de M anuel de P aiva, ocorrida a
21, partisse nesse mesmo dia do E spirito Santo e percorresse tam bém num a
semana, no sentido contrario, as 120 léguas do tra je to . Mais provável, po­
rém, que a referencia á m orte de Paiva tivesse sido acrescentada posterior-
mente, já em 1585, como parecem indicar os term os em que foi red ig id a:
‘ . . . o padre Manuel de P a iv a que faleceu no Espirito Santo a 21 de dezem-

33 5
)

JO S E P H DE A N C H IETA

bro de 84” , e não, conforme eecreve Anchieta linhas adeante e seria mais
correto, ” . . . a 21 de dezembro do presente ano de 84” .
(3,58) N ota de Capistrano (Mat. e Ac h., I ) : ‘‘Aliás treze, o nome
de cuios comandantes com pequenas divergências trazem Castanheda, Gaspar
Corrêa, B arros e outros” . — V. nota de líodolfo Garcia a Varnhagem (Hxst.
Ger., 4* e d ., I, p . 85-6).
(359) N ota de Capistrano (1. c . ) : “ Que a doação de Pero Lopes, do­
natário das Capitanias de Itum aracá c Santo Amaro, foi de 8 6 léguas de­
m onstra o d r. M . Lopes Machado na “ Revista do In stitu to Arqueologico e
Geográfico Pernam bucano”, Recife, 1884, IV, p . 107-26 .
(360) Dem onstra Eugenio de Castro ser a ilha de Santo Amaro, só
assim conhecida em documentos oficiais posteriores a 1545”, a ilha do Sol,
em uma do cujas p raias aferrou a nau de M artini Afonso de Sousa no dia
21 de janeiro de 1532 ( Diario da Navegação de Pero Lopes de Sousa, Kid,
1927 í, p. 337-8). A ilha de Guaibe ou Guaimbé tomou o nome de Santo
Amaro de uma capela dedicada a esse santo, ali edificada pelo capitão Jo rg e
Ferreira e outros “ habitantes principais” (frei Gaspar, Mev i ., 3“ ed ., p a ­
gina 282).
(361) As prim eiras autoridades de Santo Amaro foram Gonçalo A fon­
so, no cargo de ouvidor, e Cristóvão de Aguiar de Altero, no de loeo-tenente,
ambos nomeados em 1542 por dona Isabel de Gamboa, tu to ra do donatario
Fero Lopes. Morrendo êste, Jo rg e F erreira foi nomeado ouvidor o loco-
tenente de Santo Amaro, acumulando assim os dois cargos. Em 1557 substi­
tuiu-o Antonio Rodrigues de Almeida. Por esse tempo a ilha se achava quasi
completamente abandonada, pelos motivos que dá A nchieta. Só depois de f ir ­
m adas as pazes com os Tamoios de Iperoig é que se reiniciou a povoação de
Santo Am aro. Em 1578, Lourenço da Veiga, procurador dos sucessores do
terceiro donatario M artim Afonso de Sousa, determinou ao ouvidor de São
Vicente que “ tomasse conhecimento das causas respetivas a C apitania dos
seus constituintes” (frei Gaspar, o. c . , p . 277-93). Daí o fato de Santo
Amaro não ter “ ju stiça p articu lar” e tudo se reputar por São Vicente, como
diz Anchieta.
(362) Refere-se Anchieta á estada de Edw ard Fenton em Santos, onde
chegou com dois galeões de guerra a 19 de janeiro de 1583 ( v . nota 233),
e á luta que com ele, cinco dias depois, travou Andrés Igino ou Eguino, co­
mandando três naus da arm ada de Diogo Flores Valdez. F oi Igino quem
fez construir e guarnecer “ um forte na. entrada da b a rra de São V icente”,
obra essa que Valdez encampou como sua para compensar o desastre de sua
expedição ao E streito de M agalhães (V arn h ., Hi st. Ger., 4* ed ., I, p. 473-4,
e notas de Capistrano e R . G arcia). A construção do fo rte só se concluiu
em 1590 (nota de R. Garcia a F . Cardim, Trat., p . 413).
(362-A) Sôbre as Tapuias em geral, et. G. Soares (o. c ., p . 315 e
s e g .) ; e, particularm ente sôbre os Aimorés, Gandavo (T rat., p . 32-3, e H i s t. ,
p. 142-4) e F . Cardim (o. c ., p. 198-9).
(363) Francisco P ereira Coutinho já se encontrava na B aía em 20 de
dezembro de 1536, d a ta da c a rta de sesmaria a Diogo Alvares, tra n sc rita
por Varnhagem (o. c ., I, p . 249-51). Em 1545, hostilizado pelos colonos e
guerreado pelos tupinam bás, recolheu-se a Porto Seguro, onde ficou m ais de

3 36
B R A SIL E DE SUAS C A PIT A N IA S (1584)
X X IX . — INFORM AÇÃO DO

um ano Foi morto pelos índios de Ita p a ric a , em fins de 1546 princípios
de 1547 depois do naufragio do navio em que tornava a B aia (C apistran ,
ti r e c J Z Ò l na, Inf. eF rog. H i s , . , p . 77-8, e n o ta , a Varnhogon
O. e ., I, p. 252 e 261-2).
(364) N ota de Capistrano (1. c . ) : “ N a coleção_ de São Vicente, que
existe m anuscrita em Lisboa, encontrou Lino d ’Assunção o seguinte aponta­
mento " o : “ A rm ada em que foi d. D u a rte . - N a arm ada em que fo i
d D uarte firam quatro velas, scüicet: um a náu e três caravelas em que fo­
ram 260 pessoas e são mais no B rasil dois navios arm ados um em que fm
o Bisoo e outro em que foi Manuel da Fonseca e levaram ambos 100 pessoas .
— Com. d. D uarte da Costa é que veiu a missão jesuítica de que fazia p a rte
Anchieta, chegando á B aía a 13 de julho de 1553.
(365) D urante o governo de d. D uarte da Costa, ergueram-se entre os
Índios duas' ig re jas: a de S. Sebastião e a de N ossa Senhora no Rio V er­
melho, am bas extintas mais tarde (V . I n f . dos Prim . A l d e ia m .) .
(366) Mem de Sá chegou á B aía a 28 de dezembro de 1557 (C apis­
trano, nota a V arnli., o. c ., I, p . 378).
(367) V . Carta X I, nota 170, e I n f . dos prim, aldeiam.
(368) O testam ento de Mem de Sá, que faleceu a 2 de março de 1572,
foi pela prim eira vez publicado por R . G arcia em nota a V arnhagen (o. c .,
1, p . 445-53).
(369) O conselheiro Luiz de B rito de A lm eida chegou á B aía em maio
de 1575.
P
(370) V. nota 456. *
(371) O desem bargador Antonio de Salema desde 1570 se encontrada
em Pernam buco, onde recebeu sua nomeação para governador das C apitanias
do S u l.
(372) ,Porto Seguro tam bém fazia p a rte das Capitanias do Sul, sob o
governo de Salema (V arnli., o. c ., 1, p . 456-7).
(373) Manuel Teles B arreto chegou á B aía em 9 de maio de 1583.
(374) E de fato assim aconteceu, pois V arnhagen (o. c ., I, p. 496)
a trib u i ás “ informações e influência de Teles B a rre to ’’ a “ lei repressiva
acêrca do cativeiro dos índios de 22 de agosto de 1587 .
( 3 7 5 ) 0 clérigo nigrom atieo, a que se refere Anchieta, e que é o mes­
mo “ clérigo português m agico” de F . Cardim (o. e ., p . 196) ou P a d re
do O uro” de frei Vicente do Salvador (H ist ., ed. 1918, p . 202), chamava-
se Antonio de Gouvêa (Antonio de Gruca, lê-se na Hist, dos Col., 1. c .,
•o 8 6 ) A ’ documentação que existe a seu respeito, citad a por C apistrano
(nota a Varnli , o. c ., 1, p. 453-4) e R . G arcia (nota a F . Cardim, o. c .,
p 276-7) deve-se acrescentar o que inform a B altazar Teles ( C r o n L \ 7
p 263-7)’. Nascido em 1528 na lib a Terceira, “ depois de ordenado levou
uma vida acidentada por diversos paises da E uropa” (C apistrano) . Em 1556
entrou na Companhia, sendo recebido no Colégio de Coimbra, de onde foi
transferido para São Roque. Despedido logo da Companhia por suas p rática s

337
22
JO SEPH DE ANCHIETA

d r nigrom ancia, deu de difam ar os jesu itas. Preso pelo Santo O f cio, fo i
condenado a galés perpétuas, de onde fugiu p ara o B rasil, segundo B Teles.
Dos processos de Gouvôa na Inquisição ( “ Arquivo H istorico P ortuguês , L is­
boa 1905 I I I p . 179-208 o 274-86, e “ Be.v. do In st. A rq u eil. e Geogr . P e r­
nam bucano” X I I I , p. 171-211) vê-se entretanto que esteve preso de lo o , a
Í S S o ’ Vindo’ dPe g re to i« p a ra o Braail em 1667. N a B aía fm re n te -
grado nas ordens sacras pelo bispo d. Pedro Leitão e conquistou em P e r­
nambuco a amizade do donatario D uarte Coelho de Albuquerque. Fazendo-
se passar por alquim ista e grande conhecedor de minas, guerreou os índios
e moveu um a cam panha de difam ação contra o jesu íta padre Amaro Gon­
çalves, a quem acusava de herético. E “ de ta l m aneira o acusou deante do
iuiz da v ara da C apitania de Pernambuco, que. o reverendo A igario, enga­
nado com a falsa alquim ia deste embusteiro, excedendo seus poderes, quis
entender com a Com panhia” . A final Antonio de Gouvêa, contra quem o p ro ­
vedor e vigário geral Silvestre Lourenço já in sta u ra ra um processo a 1 de
outubro de 1569, foi preso a 25 de abril de 1561 n a rua No\m de Olinda,
m orada do juiz ordinario Henrique Afonso. A ordem de pnsao viera de
Lisboa, mandando-a executar d. Pedro Leitão que com o padre Luiz da Gra
chegara por essa época a Pernambuco (Hist, dos C o t. ) . Remetido p a ra L is­
boa deu en trad a no cárcere a 10 de setem bro. Segundo B . Teles, avisados
no Reino os Inquisidores “ de como aparecera no Brasil o que se tin h a feito
invisível em Portugal, logo foi ordem pera o mandarem vir, juntainente com
o Vigário <la vara, que por ignorância ou m alícia dava ouvido a tao íalsas
acusações. (Regado ao Reino, foi outra vez entregue ao Santo Oficio, em
cujos carceres acabou sua vida, sem sabermos o fim que la teve . ln lo rm a
ainda B . Teles que, intitulando-se alquim ista, prometendo tra n sfo rm ar p rata
em ouro, obteve um oficio na Casa de M oeda de Lisboa, onde chegou a ter
m orada. Expulso, quando descoberto o seu embuste, propôs o negócio o Alar-
tim Afonso de Sousa, donatario de São Vicente e ex-governador da Índia,
que se deixou embair pelo prcFenso alq u im ista.

(:; 7 (i) Xota de Capistrano (1. c .) : “ Martini Afonso de Sousa, prim ei­
ro donatario, não era então vivo. Desde 1572, sucedera-lhe seu filho Peio
Lopes de Sousa, cuja doação e foral foram confirm ados por d. Sebashao
a. 25 de julho de 1574. Por falecim ento dêste segundo donatario, lhe suce­
deu na Capitania de São Vicente seu filho Lopo de Sousa, a quem el-rei
d. Filipe confismou a mesma doação e foral por carta passada a 8 de
agosto de 1577 (Taques, “ Rev. do I n s t . ” IX , p. 1 5 ] ) ” . O trabalho de P e ­
dro Taques, citado por Capistrano, é a. História da Capitania de São Vicente,
publicada pela Comp. de Melhoramentos de S. Paulo, s. d ., com um escorço
biográfico do autor, por Afonso de E . Taunay.
(377) V. nota 224.
(378) V. nota 274. — Anchieta, que. assistiu aos combates travados
nté 31 de março, descreve-os minuciosamente na Carta XVI .

( 3 7 !C X:a frota de Mcm de Sá, Anchieta embarcou para o Sul com o


visit ador Inácio de Azevedo, Gra e outros.
(379-A) As duas aldeias ou tranqueiras destruídas foram as de Lruçu-
inirim ou Ibiruguaçum irim e Paranapecú ou Paranapueuí, a prim eira em te r ­
ra firme, na fóz do ribeiro da Carioca, e a segunda na atual ilha do Gover­
nador. XTo ataque a Ibiriguaçum irim é que Estncio de Sá foi frechado, vindo

33 8
X X I X . — INFORMAÇÃO DO B R A SIL E DE SUAS C A P IT A N IA S (1584)

a m orrer a 20 de fefvereiro (S . de V asc., Vida de An ch ., p . 318.; V a rn li.,


JIi.it. Ger., I, p . 415-16 e n o ta 19 de Capistrano a R. G a rc ia ).
(380) 22 de junho de 3552 (N o b r., Cart., X, e n o ta de R . G arcia,
p . 128; Candido Mendes de Alm eida, Notas para a História Pátria, n a “ Rev.
do In s t. H i s t.” , XL, 2*. p arte, p. 365; Capistrano, nota a V a rn h ., o. e .,
I , p . 332 e s e g .) .
(381) 9 de dezembro de 1559 (V arn li., o. c ., I, p . 3 8 4 ).
(382) Em outubro (Hist, dos Col., 1. c ., p. 9 8 ).
(383) 35 de agosto de 3576, segundo Varnhagem , na 2 ". e d ., t . I I da
Hist. Ger.
(384) Sôbre o adm inistrador Bartolom eu Simões P ereira, v. R . G ar­
cia (n o ta a F . Cardim, o. c ., p . 385). P regando nos funerais de Anchieta,
foi quem pela prim eira vez o chamou Apostolo do B rasil.
(385) A prim eira visitação do Santo Ofício ao B rasil, ordenada pelo
cardeal arquiduque Alberto d ’A ustria, vice-rei de Portugal, só se deu em 3591,
quando chegou á Baía o licenciado H eitor F u rtad o de Mendonça (V. n o ta 333).
(386) Foi queimado “ por relapso” em 1573, condenado “ em um ato
que se fez da Inquisição (que foi o prim eiro do B ra sil), no qual prègou um
padre dos nossos”, sendo também “ ajudado pelos nossos até dar sua alm a
a D eus” , inform a o autor da Hi st, dos Col. (1. c . , p . 9 8 ). Não se conhe­
cem o nome do herético e as circunstancias de seu julgam ento e m orte, ob­
servando Capistrano que a. expressão “ com isso” , usada por Anchieta, é am ­
bigua: “ pode significar por isso ou apesar * disso” (p re f. ás C o n f . da
Paia, p . 4-5).
(387) Nota de Capistrano, ( 1 . <•.): “ E ste francês que esteve n a B aía
em 1504, póde ter sido Binot Paul Mier, de Gonneville ( D ’Avesac, Campa-
gnc du navire L ’Espoir d ’Honfleur, P aris, 1869, p . 83) ou Jean Dénis,
d ’H onfleur, que andou pelo Brasil antes de 1508 (Ramuzio, Viagi, I I I ,
p . 354). Recentemente Cli. B réard publicou alguns apontam entos sôbre B i­
not Palm ier (Note sur la famillc du Capitaine Gonneville, navigateur nor-
nland au X V I siècle, Rouen, 1885), dos quais resultam que o navegador nor­
mando chamava-se Robinet le Paulm ier, que não tinha o titu lo de nobresa
que lhe atribuíram seus descendentes, que é provavelmente o mesmo que em
1578 ocupou o cargo de esc abi no ( echevin) na C onfraria de C aridade fu n ­
dada na igreja de Nossa Senhora d ’H onfleur. Em ta l caso, ao fazer sua
viagem ao Brasil deveria ele ter cerca de 60 anos. Quanto a Je a n Dénis de
Honfleur, apenas se conhece o nom e” .
(388) N ota de Capistrano (1. c . ) : “ As relações seguidas dos f r a n ­
ceses com os brasis datam aproxim adam ente de 1525 (G affarel, Brésil Fran-
çai8. P aris, 1876, p . 445). Os maus trato s e sem razões feitas a eles, p a r­
tiram ou da colonia deixada por Américo Vespucio em 1504 no Cabo F rio ,
ou de outra que, segundo todas as probabilidades, houve no local da cidade
do Rio de Janeiro. Resta saber se as duas naus não são a m esm a” .
(389) N ota de Capistrano (1. e . ) : “ Villegaignon chegou ao Rio de
Jan eiro a 10 de novembro dc 1555, como se vê da carta de N icolas B arré
(G affarel, o. c ., p. 3 7 9 )” .

339
JO S E P H DE A N C H IETA

,, ■Rif, de Janeiro pelo motivo apontado


(390) Villegaignon nao deixou o ° dag a c u B a ç õ e 8 quer dos cató-
p o r A nchieta, m as p a ra se defene i prim eiros as suas relações com a
L o s , quer dos ca lv in ista s. ao F o rte de C oligny;
I g r e ja de G enebra, que a seu pedid relig io sas de que fo i te a tr o a
e os segundos a sua a titu d e desleal nu^ d isp u tas ^ « « a p a rtic ip a r
coloniu o nas quais João de Boles t o o u P j h J f ™ Ue de Rouen, em 1302,
das lutas co n tra os huguenotes, r c í d e N avarra e lhe causou
pelo mesmo “ coup de faueonnenu que g f>in -a n e i r 0 dc 1 õ71, n a cidade
a morte dias após, Vilegaignon so veiu • ■ onde pretendia acabar
de Beauvais, quando em viagem p ara a l a ^ ,
seus dias (G nffarel. o. c ., p . ' s -i
' K oln de C apistrano (1. ^ ^ T o c T ’l S K
sideri. êste tree! ..............a - b a l de , 0 . ™ a ^ ^

“ S r 'G a i ^ C 'K ^ 8^
''" S a V V 'V 'i l d o M endo, no . n , W ............. ~
V. Carta -XI e nota 179.
( 3 0 0 ) Em um dos Esclarecimentos do n. I dos Hat e . epoi
de lem brar o trecho <le »»,« carta d . Aspiilenoi» ^ < ‘
que por engano atribui a Francisco Pires, L ^ .foT óu .n frade de Santo
refere n • um rio on, „
A n tó n io . sem m e n c io n a r porti disfarce é narrada por ou-
v„ C a p i s t r a n o : •• E n t r e t a n t o . » 7 “ “ 1 ^ ( õ í .» da Ana-
” 7 m ’« T . « W . . J a b o a tã o (O rbe Soro/,™. 1. a n te
' ' IV , one onto, nn o fato o,o P o rto Seguro, mas a data cm _l.->03
jir.ui,,. e IX ) qm colo s 7 diz p ortü Seguro que nao cre
Na segunda edição de sua llust. (,tr \ . estivessem em 1503
que os A r,abides. . quo so « m » ' d” , ,.o p i n i ã o polo,
cm Porto Seguro. Porque. u ‘10 " , _ \ rrabidos como afirm am os cro-
^ “T n ^ r T J 'l S 'n r » . ™ S m . dole, qualquer p arte da terra , princl-
“ X - V a s i Í d „ «atava por no,near
i . Conto v - tr ii d \rra b id a , um pouco ao A oru ao tuuu uo
Z sü Z " ‘ i t t a X V a i que s i devo looalisar son

rsírE*
bida a baia di.a” Ti nr p. o ian ««•%
« . «an tes dos J e s u íta
U rasil .1 7s7:

'J ZTJTZZ
da Traição, isto e. de Santa Maria d A rralnda .
" *■— ......... . da te,a
v XV _ An p a rtir para a Pranoa, Villcgaigaon sdonc.
n.enlo promote,, a o , 'colonos do Porte de Califa? ' i « V b it” S
sivel com grandes reform s. Mas tornado a palrra o n . r e g o u ^ todo a
,,0„a e pela espada, contra os huguem.tcs e esoucm u d c» loma d
fundara E ’ o que demonstra Gaffarel (o. c . ). sem adeaiuar palavra a
peito do envio de religiosos, a que se refere Anchieta .
(394 s Os beneditinos vieram ao Brasil pela prim eira vez em _1Õ81, du-

34 0
X X IX . - INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SUAS C A P IT A N IA S (1581)

v„ir<tAÍ5S“ ,fSSL
o B rasil.
(3 9 5 ) A chegada á B aía foi a 29 de m arço.
(396) Faleceu no Rio de Jan eiro a 8 de junho de 1598 (y . nota 1 9 ).
(397) Salvador Boãrifjues, j á sacerdote, veiu eni Í35 0 na miasão d i e t o

cuidado Ao s ° - n i n e s 2

js « í
r dai38°9) r" e .c » '." » á sua hum ildade, narrando „»e Salvador Rodrigues m £

ta a le g ria ’ .
«sr. « r ã s » ssuts
(398) Francisco P ires faleceu no Colégio da Baía em janeiro de 1586
(v. nota 18).
(399) Sete, e não seis, foram os jesu itas que vieram coin d,
Costa sendo Luiz da Grã superior. A nchieta omite o nome do padre Ambiosio
P ire s ’ E não é impossivel que essa omissão seja proposital, em vir u e _ ■
>
, P ir; l avei deixado » Companhia no Reino para onde se= com
d. D uarte da Costa, em 1558, depois de trés anos de missão no Brami (V.
nota S) .
(400) João Gonçalves faleceu na B aía, a 21 de dezembro de 1558 (v .
nota 5 ) .
< « • ) Precisam ente setenta e cinco, de acôrdo »»
nio Franco ( Synopsis, nos Apont. de A . H . Leal, l i ) e • c
Avulsas) .
(402) O número dos jesuitas que compunham a missão fundadora de
Qõo Paulo é incertam ente fixado em doze ou treze. E a incerteza aum enta
quando se tra ta de identificá-los, só podendo ser indicados nove, coin seguran­
ça (v . nota 33).
(403) V. c a rta X I e nota 170.
(404) Cf. Trap. H i s t . : Hist. dos Col. (1. <?., p . 104); Pero Rodrigues
( Vida de Anch., 1. c ., p . 193); F . Cardim {Trat., p . 297, e n o ta de R. Gar-
cia,7 p•*. 3 88); . G. Soares ., pn.\ 5 3 ) ; B . Teles ( Cron., I, p . 467-8); S. de
• r, ( T r a trrn
Vasconcelos {Cron., 1. 2, n . 70-2); frei Vicente do Salvador {Hist., ed. de
1918, p. 4 1 ); Jaboatão {Orbe Seraf., I, p . 8 1 ).

(405) 66 engenhos, dizem a I n f . de 85 e F . Cardim (o. <'■> P- •


Cêrea de 1570 eram eles 23 e, em 1587, 60 (Gandavo, Trat., ed. d a Academia,
p. 27 e nota 2) ou 50 (G . Soares, o. e ., p . 2 3 ).
(406) 10 ou 12 freguezias, escreve F . Cardim (o. c ., p. 2 8 8 ).

341
JO S E P H DE A N C H IET A

(407) 46 engenhos, segundo a I n f . de 85; e 36, nos quais “ se faz o me­


lhor assucar de toda a costa”, no dizer de F . Cardim (o. c ., p . 2 8 8 ). — Ao
tempo em que Gandavo escreveu o Trat., não passavam de 18. G. Soares (o. e.,
p . 122 e s . ) aponta um a um os que existiam em 1587, indicando a situação e
os proprietarios.
(408) líefere-se A nchieta a Garcia d ’Avila, “ dos m ais ricos habitantes
da Baía naquele tempo, possuidor de muitos currais dc gado em toda a costa do
rio Real até além de T atuapára, com grandes edifícios de vivendas, capelas e
erm idas” (R . Garcia, nota a F . Cardim, o. c ., p. 397). N a igreja da Con-
ceição de Nossa Senhora, “ mui ornada, toda de abobada” , tinha ele um ca­
pelão p ara lhe m inistrar os sacramentos, segundo G. Soares (o. c ., p. 3 7 ).
Chegou ao Brasil em 1549, sendo “ criado” de Tomé dc Sousa, isto é, moço
criado e educado pelo governador (R . Garcia, nota a V arn h ., o. c ., I, p . 330).
Foi o fundador da casa d a Torre, tendo adquirido as terras, base de sua g ran ­
de fortuna, a Tomé de Sousa, que as houvera em 1563 por duas concessões reais
(V a rn h ., o. c ., I, p. 330, e nota de Capistrano, p. 339). Garcia d ’Avila, de
quem Nobrega (('art., X X ) se queixava em 1559 a Tomé de Sousa, foi quem
primeiro tentou a redução do gentio do rio Real, que Luiz de Brito d ’Almeida
vein a conseguir, fundando a vila de Santa Luzia, e tornando assim possível
a formação da Capitania de Sergipe (V arn h ., o. c ., 1, p. 459-60, e nota de
C apistrano; v. ainda a I n f . dos Prim. Aldeiam., o nota o04) . A 28 de julho
de 1591, na qualidade de vereador mais velho da Camara da Baía, prestou
"juram ento público da fé na fôrma declarada no Regimento” trazido pelo visi-
tador do Santo Ofício (C onf . da Paia, p. l-l-o). Morreu a 23 de maio de
1609, sendo sepultado na Sé da Baía (Jaboatão, Catálogo Genealógico, na
“ Rev. do I u s t . H is t." , LI I, parte I, p. 8 9 ).
(409) Nns terras de Garcia d ’Avila ficava a aldeia de Santo António,
“ dc indios forros tupinam bás”, possuindo os jesuítas perto dela “ tres currais
dc vacas” . Além de “ um a formosa ig re ja ” , havia na aldeia “ um recolhimento
onde estão sempre um padre de missa e um irmão, que doutrinam estes indios
na nossa santa fé católica, no que os padres trabalham todo o possível; mas
por demais, porque é este gentio tão bárbaro, que até hoje não ha nenhum
que viva como cristão, tanto que se apartam da conversação dos padres oito
d ia s” (G . Soares, o. c ., p. 37-8). Em T atuapara, Luiz da Grã fundou em
junho de 1561 uma aldeia “ com invocação de J e s u ” (S . de V ase., Cron.,
í. 2, n. 99) .
(410) 6 engenhos, segundo a I n f . de 85; e 3, segundo F . Cardim (o. c.,
р. 296). — P or 1570 eram 8 (Gandavo, Traí., p. 3 1 ). G. Soares (o. c ., p á ­
gina 46) observa: “ . . .deu nesta terra esta praga dos Aimorés de feição que
não há aí já m ais que seis engenhos, e estes não fazem assucar, nem ha m ora­
dor que ouse plan tar c a n a s . . . ”
(411) Ou melhor, trê s: Porto Seguro, Santo Amaro e Santa Cruz.
(412) Um único engenho de assucar, diz F . Cardim (o. c ., p . 2 99);
nenhum, segundo a I n f . de 85. E ntretanto, ainda ao tempo do duque de Aveiro,
chegaram a ser 5 (Gandavo, Trat., p. 34) ou 7 e até 8 , segundo G. Soares (o.
с . , p . 5 4 ). Como a de Ilhéus, a capitania de Porto Seguro se despovoava e
arruinava por culpa dos aim orés.
(413) De uma nota de R. Garcia a F . Cardim (o. c ., p . 406-7): “ O
servo de Deus frei Pedro de Palacios, ou do Rio Sêco, perto de Salam anca, na

342
X X IX . - INFORMAÇÃO DO B R A SIL E DE SITAS C A P IT A N IA S (1584)

Espanha, era leigo por profissão. Devia ter passado ao Brasil. em 1558 F oi
encontrado morto n a capelinha de Sao Francisco em 2 de maio de 1570, e dado
ã sepultura no alpendre da ermida que i*undára ( J r t w t e o , Orbe S e r a f ., ^11,
p . 44; Agiologw Lusitano, I, p . 465 e 469, e I I I , p . - 8 e 39) .
Vicente do Salvador (o. c ., 3* e d ., p . 9 7 ).
(414) Seis, dizem a Jn f. de 85 e F . Cardim (o . c ., p . 3 4 4 ). N a opi­
nião de Gandavo, o unico engenho que em 1570 ou pouco antes existia no E spi­
rito Santo, produzia “ o melhor assuere que ha em todo o Brasil ( T r a t . , ? . 34).
Anos mais tarde, F . Cardim dava a prim azia ao baiano (V . nota 407).
(415) Nossa Senhora da Conceição e São Jo ã o .
(416) São Lourenço, aldeia de A rariboia, e São Barnabé, fundada cerca
de 1578 no Cabuçú e mais tarde tran sferid a p a ra as vizinhanças do rio Ma-
oacú onde Anchieta doutrinou algum tempo os Índios quando voltava das pes­
carias de M aricá (R . Garcia, nota a F . Cardim, o. c ., p . 409-10).

(417j São Vicente e Santos.


(418) Quatro, precisa a J n f. de 85. E èsse núm ero de engenhos era sinal
da acentuada decadência da C apitania. Frei Gaspar (Mem., 3a e d ., p . 169
e s .) referindo-se tão somente aos fabricados até 1557, menciona m ais de dez
nos term os de São Vicente e Santos. Cerca de dez anos depois, j a nao passa­
vam de 4 (Gandavo, Trat., p. 3 7 ). Em 1587, eram 4 ou 5, destacando-se o
•■dos Esquertes de Fraudes e o de José A dorno’' (G . Soares, o. e ., p . 8 o) .
(419) V . notas 233 e 362.
(420) V . nota 361.
(421) V . notas 48 e 305.
(422) Santo André da B orda do Campo, o antigo arraial de João Ba-
malho, elevado a vila em 1553.
(423) Essa. a razão, dada pelos jesuítas, da tran sferen cia do foral de
vila de Santo André p a ra São Paulo de P ira tin in g a . E ntretanto, a destruição
de Santo André é geralmente tid a pelos historiadores paulistas como um golpe
dos jesuitas contra João Ranialho e seus mamalucos, hostis á obra da cate­
quese (A . de Alcantara Machado, Ancli. na Cap. de São Vicente, p . 49-54).
_ . Ver a respeito o estudo de Paulo P rado sôbre O Patriarca ( “ Revista N ova” .
I, p . 529-44)
(424) Segundo S. de Vasconcelos ( Cron., liv. T, n. 130), a prim eira
ig re ja construída entre o gentio no sertão vicentino foi a. de Ja p iu b a ou en ­
tão Maniçoba, a quarenta léguas mais ou menos da costa, aldeias essas que
Teodoro Sampaio procurou localizar no m apa constante do volume das confe­
rências do Cent. Edificou-a N obrega em 1553, auxiliado pelo irm ão António
Rodrigues e alguns catecúmenos de P ira tin in g a .
(425) “ Toledo Rendon no v. IV (p . 295-317) e Machado d ’Oliveira no
t V I I I (p . 204-54) da “ Rev. do In st. H i s t .” , estudaram os prim itivos aldeia-
.

mentos indigenas de São Vicente. Com os dados escassos que os registos a n ­


tigos lhe forneceram, o autor do Quadro Historico organizou a seguinte lista,
que compreende o período que vai de 1560 a 1600, mais ou menos: Pinheiros,
ou Carapicuiba, B aireri ou M barueri, São Miguel ou IIrural, Nossa Senhora dá

343
JO S E P H D E A N C H IE T A

Escada Conceição dos Guarulhos, São João de Peroibe, Nossa Senhora da


A juda de Itaq u lquecetuba, Emboú ou Mboi, Itap eerica e Conceição de Itanbaen
Além dessas, Machado d ’Oliveira am da cita as de Sao X avier, Santo Inac o
c Encarnação, que por essa época provavelmente existiam
P a ran an an em a” (A . de A. Machado, o. c ., ]>• •>(>, nota - 8 ) E n te
prim itivas aldeias de São Vicente figuravam ainda, alem de outras as
de P ira tin in g a (que Afonso de F reitas, nas Tradições e Eemimcencias Pau­
listanas, S . Paulo, 1921, p . 131-51, localizou na “ paragem hoje«ocupada^ pelos
bairros dos Campos Elíseos, do Bom Retiro e da Luz, até a bo^ a Tm te ) ,
G eribatiba ou Ja ra ib ativ a (aldeia de Caiubi; ; M airanhaia / £
piu )<1 ou . upiu >a • ■ ^ ^ ]32) ou M anizola (Uist. dos Col., 1. c ., p . 12o).
V ase., o. e ., liv. I, n.
N as Atas da Camara (pbl. do Arquivo M unicipal de Sao P aulo) e nos volu-
ines de Inventarias Testamentos (pbl. do Arquivo do E stado) h a inúm eras
referências a essas e outras aldeias, como por exemplo E birapuera, ou B ira-
puera (atual Santo A inaro), que vêm citadas respetivam ente j»or Erm elm o
A de Leão ( “ O vilojo de P iratin im ” , “ Revista N ova” , IT, P • 49-.j 9 ) e
c a n ta ra Machado ( Vida c Morte do Bandeirante, 2“ e d ., S. I aulo, 1930, pa­
ginas 269 78).
( 42(») São Miguel, 4 léguas ao N orte, na margem esquerda do Tiete, e
Pinheiros, uma legua ao Sul, na margem direita do rio do mesmo nome, aldeias
onde os Índios do São Paulo se localizaram em 1550, quando, com a dcs. u n ­
ção de Santo André, a vila se foi enchendo de mamalucos e portugueses ( To­
ledo Rendon, 1. c . ) .
(427) O “ indio principal” chamava-se Japuguassú e o padre da Compa­
nhia era B altazar Alvares, que com outro jesuitu p a rtira do Rio de Janeiro, na
expedição de Antonio Salema, a 27 de agosto de 1575 — Sôí>re0® P “ " alf d°
Cabo Frio existe uma carta do padre Luiz da Fonseca (v. nota 324) . Gela e
de outros documentos se utilizou Capistrano de Abreu para reconstituir os su­
cessos da expedição. Dêsse estudo Rodolfo Garcia reproduz um trecho em
nota a V arnhagen (o. c ., I, p . 477-8).
(427-A) Y . nota 45fi.
(428) A provincia do Brasil foi criada em julho de 15.53, segundo c a rta
de Loiola a Nobrega (MonumentaHistorica Societatis .1esu, A, M adrid, 1907),
reproduzida por Rodolfo Garcia em nota a Varnhagen (o. c ., I, p . 364).
(429) Em 1557, e não 1566, Inácio de Azevedo visitou São Vicente, p a r­
tindo do Rio (onde chegara em janeiro na fro ta do governador) depois da
m orte de Estacio de Sá.
(430) Luiz da Grã chegou a São Vicente a 15 de maio de 155o, no dia
exato em que Nobrega pretendia p a rtir “ com alguns companheiros em canoa
pelo rio abaixo, que retalhando aquele vasto sertão, vai a desem bocar no rio
P arag u ai, e da P r a ta ” (S. de V ase., Cron., liv. I, n . 199).
(431) N obrega p artiu de São Vicente a 3 de maio, com o padre F ra n ­
cisco Pires e os irm ãos Antonio Rodrigues, Antonio de Sousa e Fabiano de
Lucena, chegando á B aía no dia 4 de agosto.
(432) Nobrega foi nomeado privincial em julho de 1553, tendo por cola­
teral o padre Luiz da Grã, e não dois anos depois, como diz A nchieta. Prova-o
X X IX . - INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SU AS C A P IT A N IA S (1584)

a ca rta do Loiola, a que se refere a nota 428 E ssa e a que indic»> Luiz da G rã
para o cargo de colateral, reproduziu-as R . Garcia na 4 ed. da. H is t. Gei .
Y arnhagen ( I, p . 363-5).
(433) Ar . nota 4.
(434) Como é sabido, Inácio de Azevedo não chegou a assum ir o provin-
cialato, por ter sido m artirizado com 39 companheiros a. lo de julho de lo70,
quando viajava p a ra o Brasil (v . nota 285).
C4351 O padre Inácio dc Tolosa, n a tu ra l de Medina Coeli (E sp an h a ), foi
rccobido n a Companhia em P o rtu g al D outor em teoloRÍa leemuou - ' Ço.m-
bra essa disciplina . Com onze companheiros, a 23 de abril dc 157-, depois de
três meses de navegação, chegou ao B rasil nomeado p a ra o cargo de provinci .
Em p ríic íp io de julho seguiu com Luiz da Grã e outros p a ra Pernam buco. A
20 de outubro toínou á B aía e a 20 de novembro daí p a rtiu em visita as ca­
pitanias do Sul. Em Ilhéus esteve três semanas, chegando em dezembio a P o r
!o S g u r o , onde um indio, m isturando com falsidades “ algum as coisas apren­
didas dos padres, andava pelas aldeias destruindo a obra da catequese (#«*■
âos Col 1 c p. 9 7 ). Ainda cm dezembro em barcou p ara o E spirito Santo
e daí p ara o Rio de Janeiro, onde chegou em janeiro de 1573. Um mes depois
visitou as casas de São Vicente e P ira tin in g a , voltando ao Rio em a b r il. Ai no­
meou B rás Lourenço reitor do Colégio e embarcou p a ra a Baia. afim de reab m
a congregação provincial que devia enviar procurador a Rom a em 1574. De
passagem, parou no Espirito Santo e a 28 de ab ril, d ia em que ai embarcou,
sofreu um naufragio em (pie quasi perdeu a v id a . Tornou « itnn a V itoria,
onde chegou a 6 de maio e se demorou, por fa lta de embarcaçao, cerca de cin­
co meses. Iniciou então a construção de uma nova igreja e incentivou g ran ­
demente a catequese. Só a 9 de outubro chegou á Baia cujas aldeias visitou
no ano seguinte. Defendeu ardorosam ente a liberdade dos índios e em L 77
deixou o cargo dc provincial, sendo substituido por Anchieta . Sete anos m ais
tard e era reitor do Colégio do Rio de Janeiro, de onde em 1585 seguiu para a
Baía. com o visitador Cristóvão de Gouvêa. Aí morreu a 24 de maio de l u l l .

( 4 3 (5 ) Porque seu pai era n atu ral de U rrestilla, jurisdição de A zpeitia e


provincia de Guipuseoa, é que Anchieta, nascido nas Canarias, se dizia bis-
eainho.
(4 3 7 ) O padre João de Melo chegou ao B rasil a 9 de dezembro de lo-)9,
na missão que viajou com o bispo d . Pedro Leitão e trouxe a patente de pro­
vincial de Luiz da G rã. Logo em janeiro de 1560, N obrega, partin d o com Meni
de Sá p a ra o Sul, deixou João de Melo na, aldeia do E spirito Santo (B a ia ) .
Tendo vindo doente dc P ortugal e não recobrando a saúde, tornou a cidade do
Salvador poucos meses depois. Teve sob seu cuidado a V ila Velha e em !n>-
substituiu Francisco Pires na reitoria do Colégio. Nêsse mesmo ano foi enviado
a Pernam buco para assumir a direção da casa. Aí concluiu a ig re ja de Nossa
Senhora da Graça e fez a reconciliação do donatario Diogo Coelho e seu tio
Jeronim o de Albuquerque com o genro dêste F elipe C avalcanti. A 4 de maio
de 1568 recebeu do visitador Inácio de Azevedo o grau de coadjutor espiritual
form ado. Foi talvez por essa época novamente reitor do Colégio da B a ía . Em
novembro de 1572 p artiu com Inácio de Tolosa p a ra Ilhéus e daí seguiu em
dezembro para Porto Seguro, onde o provincial o deixou como superior (Cart.
A v . , X X X V III, X L V I I I e L U ; Bust, dos Col., 1. c ., p . 85-6, 91, 97, 104).
Ao padre João de Melo refere-se Cristóvão P aes d ’Altero em sua denuncia

345
JO S E P H DE A N C H IE T A

perante o Santo Ofício (Deu. da Bala, p . 5 5 8 ). Da» Cart. A v . e sua a de


n . X X X V III.
(438) Quiricio Caixa p a rtiu de Lisboa com três companheiros a 15 de
fevereiro e chegou ao Brasil a. 1 de maio de 1563 começando logo a ler n a
B aía um a classe de gram atiea (Cart. A v . , L I; S de V ase., Cron • » • )•
No ano seguinte esteve presente ao jubileu realizado na aldeia, de Sao go
(Cart A v L IV ) Prègador dos mais ouvidos e apreciados quer n a casa da
S p a ^ i L q u e r L Sé £ Ba(a, foi em 1Ü6Õ c o l h i d o por Ora p a ra le c .o » a r
casos de concienda no Colégio, onde em C> teve um curso de te o lo ^ a . Dom
anos m ais tarde fez sua profissão solene dos 4 votos. De lo76 a /8 exerceu a
reitoria, durante a ausência de Gregorio Serrao, _enviado procurador a Eom a
Em 1584 acompanhou Cristóvão de Gouvêa n a visita as aldeias a >P
gando nas erm idas. Do volume das Conf. da Baia (p . o4 e L>3) se depreende
que residia em 151*2 na cidade do Salvador. H a tamoem varias referencias a
seu respeito no das D m . (p . 328, 339 e 383). Com inform ações dadas pelo
provincial Pero Rodrigues, chegado ao Brasil em 1593, escreveu uma b iogra­
fia de Anchieta, (pie Fernão Cardim levou para Roma em Ui 8 e cu.,o destino
se ignora (K. Garcia, nota a F . Cardim, o. e ., [>■ 391; Achaxa-se no Oo-
l e g i ^ d a Baía quando aí chegou a notícia da morte de Anchieta (ocorrida em
Roritiba a 9 de junho de 1597), tendo tomado parte "em umas conferencias
que de sua exemplar vida se fizeram ” (Pero Rodrigues, I ida de Anch., 1. c .,
p. 238) Das Cari. A r . a de n . LV11 é sua.
(439) V. notas 324 e 456.
(440) Pero de Toledo chegou ao Brasil em l->76, com três com panheiros.
Foi logo enviado para o Rio de Janeiro, onde durante sete anos exerceu os
cargos de reitor e vice-reitor. A 30 de setembro de 1884.^ em Pernam buco, fez
gua i iro fissão solene dos 4 votos perante o visitador Cristovao dc Gouvêa (* e r-
não Cardim, o. c ., p. 333). Em 1614, sendo provincial, enviou os padres M a­
nuel Gomes e Diogo Nunes ao M aranhão, com o reforço comandado por Ale­
xandre de M oura e a pedido do governador Gaspar de Sousa (padre Jose de
Morais, História da Companhia dc Jesus va extinta provincia do Maranha o e
Pará, Rio, 1860, p. 64-71).
(441) Agustin dei Castillo voiu para o Brasil em 1576, na missão de que
fazia p a rte Pero de Toledo. Foi o primeiro reitor do Colégio de Pernam buco,
fundado nêsse mesmo ano, e aí faleceu, sendo substituído na reitoria por Luiz
da Grã, como declara Anchieta.
(442) Segundo B. Teles (o. c ., 1, p. 150), em 1553 Luiz da Grã tro u ­
xe como reliquias alguns ossos de d. Rodrigo de Meneses, falecido em 1547,
Com cinco anos de Com panhia. Com o visitador Cristóvão de Gouvêa, em lo83
vieram outras, numerosas, mencionadas por F . Cardim, que tam bém se refere
ás que existiam por essa epoca nas casas da Baía. Pernam buco, Rio de Janei-
' i . ... _ , . , í» /—
v r-, n 1 - O rr A \ A O i, í n o l n / J o

ro e S. Vicente (o. c.. 287-8, 330, 336, 345 e 354). A ’s da B aía alude
ainda A nchieta na l v f . de 85.
(4 4 3) xôbre os jubileus realizados na B aía encontram-se notícias nas
Cart. A v . (L U L U I L IV e L IX ) .
(444) "E ssa unidade de raça e de lingua, desde Pernam buco até o porto
dos Patos, e pelo outro lado quasi até ás cabeceiras do Amazonas e desde Sao
Vicente até os mais apartados sertões onde nascem varios afluentes do P ra ta ,

346
X X IX . — INFORM AÇÃO DO B R A SIL E D E SUAS C A P IT A N IA S (1584)

facilitou o progresso das conquistas feitas pelos colonos do B rasil, que, onde
a lingua se lhes apresentou outra, não conseguiram tão facilm ente p a ssa r”
(V a rn h ., o. c ., I, p . 16).
(445) Cf. V arnh. (o. c ., I, p . 29) e A . M étraux (La civilisation ma-
tériclle des tribus tupi-guarani P a ris 1928, p . 120).
(446) Cf. Cart. A v . (L X I) e H . Staden (o . c ., p . 149 e 1 5 2 ).
(447) Não é isso confirm ado pelas descrições de António Blasquez (Cart.
A v . , X X II ) , H . Staden (o. c ., p . 134 c 160-8) e Gandavo ( T r a t. , p . 53, e
H i s t. , p . 139-40), entre outros.
(448) Sóbre a poligam ia entre os selvagens, v ., além da Informação dos
casamentos ãos índios Nobrega (Cart., V I I ), Cart. A v . (IX e X L V ), H. S ta ­
den, p. 151), Léry (Hist, d ’un Voyage, I I , p . 85 e s . ) , Yves d ’Evreux (Voya­
ge, p. 88) e o estudo de Machado d ’Oliveira Qual era a condição social do
sc.ro feminino entre os indigenos do Brasil? ( “ Rev. do Inst.. H i s t . ’’, IV , p á ­
ginas 168-201). Em 1561, referindo-se aos indios das aldeias baianas, escrevia
Antonio Blasquez (Cart. A v . , X L V ): “ H a entre eles agora mui poucos que
tenham duas mulheres, pelo que parece não haverá m uito trabalho com eles” .
(449) Como observa A . Peixoto (Cart. A v . , nota 177), entre os selva­
gens " e r a incestuosa a filiação agnatica e p erm itida a uterina dada a idéa
que tinham da prim azia do homem na conceição” . V . a I n f . ãos Casam., N o­
brega (o. e ., IV e X IV ), Cart. A v . (X L V I) e G. Soares (o . c ., p. 287-8).
Em contrario, Gandavo (Hist., p . 128).
(450) Explica A. Peixoto (Cart. A v . , nota 20) : “ O m astigar por moças,
dando m ais gôsto, não é galanteio indigena: a saliva a ju d a á sacarificação do
amidon, pelo ferm ento; ó êste ferm ento que faz “ ferv e r” a bebida, e não o
fogo, como, inadvertidam ente, se poderia supôr; ha produção de gazes e ele­
vação de tem peratura, o que esquenta a bebida” . —• C f. I I . Staden (o. c .,
p . 145) e G. Soares (o. e ., p . 289).
(451) V. N obrega (Cart., V I I ) ; Cart. A v . ( X I I I ) ; a dissertação de
Machado d ’Oliveira (“ Rev. do In st. H i s t.” , V I, p . 133-55), baseada no de­
poimento do autores e viajantes até 1344; Couto de M agalhães (O selvagem,
2* ed ., p . 145 e s .) e A. M étraux (La religion des tupinambâ, p . 7-78). —
N a c a rta X, inform a Anchieta que os indios deixavam penas e flechas nos ca­
minhos, “ como um a especie de oblação, rogando fervorosa mente aos cmrupiras
que não lhes façam m al” .
(452) C f. N obrega (o. e ., V e V I I ), Cart. A v . ( X I I I e L) e H . S ta ­
den (o. e,., p . 153) .
(453) V ., sôbre as diferentes significações de caraiba, o Vocabulário da
Conquista (“ A n. da B ibl. N a e . V II, p . 69) e a nota a F . Cardim (o. e .,
p . 233-5) de B atista Caetano, bem como T. Sampaio (O tupi na geogr. nac..
3“ edição; .
(454) Cf. N obrega (o. c ., I I e IV ), Cart. A v . (X IV e X V ), A Nova
Gazeta da Terra do Brasil ( tr . por C. B randenburger, 1922), S . de Vascon­
celos (Cron., 1. 2 das Notícias, n. 18 e s . ) , Jab o atão (o. c ., 1. an te prim o,
IX , n. 30), e frei G aspar (Notícias ãos anos em que sc descobriu o Brasil, nas
M em ., p . 362-G), entre outros. Sôbre o assunto existe um estudo do dr. C. Pas-

347
JO S E P H D E A N C H IET A

salaqun, 0 B. 3 W « A ~ £ C “ a 1 £ % J té ,
In” , V III, p. 138-49), tam bém p u Mi MÍ J , « * „ ab8otato t u U lit
segundo B atista Caetano, que c ita Capistrano > ,q „ .,„ „ t a 73).
r. T m * £ £ a . p. »■»>•

(4r.5) Sôbre a 8dign^ 1C^ J idd00 M e n d e ^ L ^ T m e id a ! Porque razão oh indi-

“ Peró” ? ( “ Rev. do In s t. I « ■ ,
n,TVuxT r =
’ escreve êste últim o, reproduzim os o
(o. c .) e T . Sampaio (o. c . ) ■ I . • do B rasil. Os guaranis
seguinte: “ Mair, apelido dos ,a ™tS(h ; 0 s dois vocábulos mair e mbai
do P a rag u a i chamavam os 0 soii t ario, o
são form as contratas de mbae-na, quc (Xl,r , . aJro ma)r> ™bai. Êste
que vive distante. De uibae.ra proco, em: J só por virem de
apelido davam os indigenas aos tranceses c aQg J vs feiticeiros,
longe, como porque os equiparavam, j c . - SÜH taria no recesso das
chamados /-nr/é* ou carahybas, os quais h -«ara
m atas, nas cavernas das m ontanhas distantes .
XXX

I n fo rm açã o dos p r im e ir o s a l d e ia m e n t o s da B a ía (456).

I "J^Jo ano de 1549 mandou el-rei Bom João o 3° por governa-


dor destas partes do Brasil a Tomé de Sousa, e vieram
em sua companhia por ordem do Padre Geral da Companhia de
Jesus, a requerimento do dito rei, alguns Padres da dita Companhia
para entenderem na conversão da gentil idade das ditas partes (4o7).
Tanto que chegaram ao Brasil, procuraram os ditos Padres com
caridade e meios possiveis entender na dita conversão, e foram ajun­
tando alguns meninos do gentio com consentimento de seus pais e
os foram domesticando e instruindo para serem batizados, e alguns
adultos in-extrem is. Isto faziam os Padres andando sempre por al­
gumas aldeias desta comarca da Baía, ainda que muitas vezes a risco
de sua vida, buscando todos os modos e maneiras que podiam para
entrar com o gentio, e lhe pregarem a lei evangélica; e como isto
era muito novo pera eles por não terem nenhuma notícia das cou­
sas de Deus, não tinham efeito os desejos e boa vontade dos Pa­
dres. e por isso se contentavam e estimavam em se acharem em uma
aldeia um menino e outro noutra dos acima ditos, que recolhiam a
ai. e traziam pera casa, onde os criavam com bons costumes, e os
pais os vinham ali ver, e quando os pais iam a suas aldeias, os le­
vavam comsigo, de que os pais folgavam muito, e era isto meio para
que os outros, vendo aqueles, se viessem com eles, e daqui iam os
índios tomando conhecimento e amizade com os Padres, foram tam­
bém os ditos Padres aprendendo a lingua do gentio (458) pera que
sua conversão tivesse melhor efeito, porque até ali se ajudavam de
alguns homens seus devotos e moços da terra, filhos de Portugue­
ses, que já cá havia, e assim procederam no tempo do dito gover-

349
JO S E P H DE AN CH IETA

i.adnr Tomé de Sousa e de Don Duarte da Costa, que sucedeu no


dito cargo e depois que os primeiros Padres vieram sempre pelo
tempo em deante, vieram outros para entenderem neste ministe­
rio da conversão, que el-rei Dom João tanto encomendava em suas
cartas e provisões ao governador; e os reis Dom Sebastiao e Dom
Anrique sempre o fizeram aos mais governadores, como adeante
se verá.
Xo tempo de Dom Duarte se levantaram os índios da Baía
(459), ficando alguns de paz da banda dos Portugueses, e Dom
Duarte deu guerra aos alevantados, a que os índios, que da banda
dos Portugueses se puseram, ajudaram muito bem contra os seus
c depois de a guerra durar por algum tempo (460), os Índios desta
Baía fizeram pazes com os Portugueses, as quais nunca mais que­
braram, e neste tempo se fez a igreja de S. Sebastião entre os ín ­
dios. perto desta cidade, e outra de Nossa Senhora no Rio Verme­
lho, legua e meia desta cidade (461), onde os Padres da Compa­
nhia começaram a residir, e nelas se começou a pregar a lei de
Deus publicamente, e já neste tempo os Padres tinham corrido as
capitanias da costa e feito casa nas capitanias de São A icente e
Espirito Santo por causa do muito gentio (462).

2 . Na éra de 1557 vein Mern de Sá por governador, que su­


cedeu a Dom Duarte, e no seu tempo se dilatou muito a conversão
dos Tndios polo muito favor e ajuda que sempre nisto deu, porque,
além de ser êste ofício proprio dos Padres da Companhia, ele o
tinha por tanto seu como bem se enxergava nas obras, (pie fazia
dêste ministerio, porque ordenou logo, que os índios que estavam
perto desta cidade, que eram muitas aldeias, que se ajuntassem em
algumas povoações, pera que os Padres com mais comodidade lhes
pregassem a lei evangélica (46'!) ; então se mudaram as duas igre­
jas que se fizeram em tempo de Dom Duarte: a que estava no Rio
Vermelho se veiu meter com outras aldeias mais perto desta cidade,
e ali se fez a igreja de São Paulo, a outra de S. Sebastião se pas­
sou arriba de Pirajá, ajuntando-se com outras, onde se fez a igre­
ja de Santiago, e uma légua além desta se fez outra igreja de São
João. e no rio de Joane se fez a igreja do Espirito Santo: puseram-
X X X . — INFO RM AÇÃO DOS P R IM E IR O S A LD EIA M EN TO S

s<* estas igrejas em parte acomodadas para índios, a saber, peito


do mar, para se poderem manter com suas pescarias, e perto dos
matos para poderem fazer seus mantimentos. Nestas igrejas resi­
diram sempre Padres e Irmãos da Companhia.

3. Logo que Mem de Sá chegou a esta terra mandou socorro


á capitania do Espirito Santo, que estava em guerra com os índios
.seus eomarcãos, mandando por capitão seu filho Fernão de Sá e
outros Portugueses e muitos índios das igrejas em sua ajuda (464),
e daí a pouco tempo se levantou o gentio Tupinaquin, vizinho dos
Ilhéus, queimando e destruindo os engenhos e fazendas, que ali
havia, a que logo acudiu o dito governador com alguns Poitugue-
se.s desta cidade (465) ; e assim todo o gentio daquelas igrejas fez
guerra aos índios de Paraguacú, desbaratando-os e destruindo
suas aldeias, até que os mesmos índios se lhes sujeitaram e vieram
pedir paz, que lhes ele concedeu.
Na éra de 1560 (466) quis o governador Mem de Sá ir a pri­
meira vez ao liio de Janeiro tomar aquela fortaleza aos Franceses
por mandado de el-rei, e quis levar comsigo algum gentio desta
Laia pera o ajudarem, porque sabia para quanto era, polo ter já
experimentado nas guerras passadas, e pera isto mandou chamar
os índios principais das igrejas, avisando-os que se aparelhassem
para irem com ele, porque nenhuma guerra fez Mem de Sá, que
não mandasse chamar os ditos Índios, e Jhes dava conta do que
queria fazer, e com esta brandura e amor os levava ele, porque sa­
bia quanto eles nas guerras faziam e quão necessarios eram pera
isso. Entre êstes principais a quem ele falou pera o acompanharem
nesta guerra foi a Morrangao, principal da aldeia de S. João, ín ­
dio muito afamado por toda esta terra, por seu saber e esforço, o
qual se não mostrou muito afeiçoado a esta ida ao Rio de Janeiro
por estar sentido do governador Mem de Sá o ter algum tempo
prê.so depois de virem da guerra dos Ilhéus; mas contudo se apa­
relhou (467).
Estando o governador pera se partir, mandou avisar os índios
que com ele haviam de ir. que num dia certo se ajuntassem para se
embarcarem; o que todos fizeram, senão este Morrangao, que tardou

35 1
JO S E P H DE A N C H IET A

um dia e vindo ele para se embarcar, chegando á ribeira do Pirajá,


viu <,ue o governador era já á véla, e vendo que o nao podia alcan­
çar se aposentou aquela noite no engenho de el-rei, que ah esta,
Z Z fazendas, com toda sua gente. Não faltaram então homens
vortugueses que lhe disseram que se aparelhasse para a vinda
governador, porque o havia de pôr na bôca duma bombarda por
" 2 ir com ele, e que então pagaria o filho do C a — ,
tinha morto havia muitos anos. O Ind.o como ouviu estas palavras
lá estivera prêso, pareceu-lhe que assim havia de -ser e nao se a -
, eu aguardar o governador, e, tornando-se pera sua aldeia, iugia
C„m toda sua gente sem serem sentidos, e se foram pola te ria den­
t e , não muito longe dali, podia ser 3 ou 4 léguas, e a h ^ eve at
que vein o governador. Nôste tempo se tornou quasi toda sua ^
nera as igrejas, e assim deste Indio se por ah. e nao ir mais p
deante foi por esperar que o governador lhe mandasse perdão, e
- in,la que m Padres nisto intervieram, o governador nao qms
* do índio: porque assim determinava de castigar e esperava
r „ mes.no Indio lhe viesse pedir perdão, do qual o Ind.o deacon-
fiido se foi para. o rio de São Francisco com a mais gente que e
fiem,, p daí a alguns anos. em vida do mesmo governador, se tornou.
Desta maneira se despovoou aquela igitja 14681.

4 X„ mês de Agosto da dita era vein o governador com a


vitória alcançada do Rio de Janeiro, e vein com ele de Sao \ icente
O Padre Luiz da Grã, Provincial da Companhia de Jesus (469)
,ogo no mês de Outubro se fez a igreja de B. António em Rembe
(470). e como já as guerras dos índios da Baia fossem acabadas, e
eles estivessem todos em paz, assim uns com os outros, c o m o com os
Portugueses, foi Nosso Senhor servido de se abrir uma grande porta
nara sua conversão e salvação de suas almas tão desejada e pedida
!jNosso Senhor, e por tantos meios buscada dos Padres e Irmãos da

* '"T o g o 'n o ano que vein de 1501 na quaresma se tornou a, fundar


a igreja de S. João, que dantes se despovoara, 6 léguas c es a ci
jade (471), e se fundou a igreja de S. Cruz na ilha de Itapanca,
S léguas desta cidade (472). Nestas 5 igrejas, que tínhamos nesta

352
I

X X X . — INFORM AÇÃO DOS P R IM E IR O S A L D E IA M E N T O S

Baía, se recolheu todo o gentio desta comarca, que pelo menos seriam
16.000 almas, a saber: S. Paulo, uma legua desta cidade, com 2.000
almas. O Espirito Santo, 5 léguas desta cidade, com 4.000 almas.
S. António, 9 léguas desta cidade, com 2.000 almas. Estas três igre­
jas estavam ao longo do mar pela costa. Santiago, 4 léguas desta ci­
dade, com 4.000 almas. S. João, 6 léguas desta cidade, com 4.000
almas. Estas duas igrejas estavam para o sertão, tinham por mar o
da Baía, do qual estavam uma legua.
No mês de Junho do dito ano de 1561 se fez a igreja do Bom
Jesus em Tatuapára, 12 léguas desta cidade, ao longo da costa, na
qual se recolheu todo o gentio, que havia ao longo do rio, que se
chama Jacuig, que eram 4.000 almas (473), e alguns mais que havia
se recolheram em S. António. Vendo todo o mais gentio da banda do
Tapueurú, como as igrejas iam em crescimento, e como o governador
Mem de Sá favorecia muito a todos os índios, que se convertiam, e
a judava tanto a conversão, vieram muitos principais a visitá-lo, e ao
Padre Luiz da Grã, Provincial, pedindo-lhe Padres, e importunando
por isso, dizendo que se queriam juntar e fazer igrejas; de que o go­
vernador folgou muito, e os ajudou pera com o Padre Provincial e a
Padre lhes deu esperanças disso. Indo o Padre visitar as igrejas já
povoadas, como sempre fazia, passou do Bom Jesus por deante e che­
gou até Itapucurú, que é um rio, que está desta cidade 40 léguas,
cousa que até então os Portugueses não faziam, e fez o Padre Pro­
vincial pazes entre o gentio que estava no dito rio, que ficava atrás
da banda de Tatuapára pera que não houvesse mais guerras entre
eles, e os que se convertessem á nossa santa fé tivessem paz; e da
volta que o Padre fez deixou dois lugares perto do mar pera duas
igrejas, e disse aos índios que se ajuntassem neles, e depois de ju n ­
tos lhes daria Padres para os ensinarem; de que eles ficaram muito
alegres (474).
Estando as cousas dos índios nestes termos, e sua conversão
indo tanto em crescimento que por todo o sertão eram já nomeadas
as igrejas, e a lei do Senhor se divulgava, vieram alguns principais
da banda de Camamú dar obediência ao governador, dizendo que
eles queriam se fazer cristãos, pediam lhes déssem Padres para os
doutrinar: remeteu-os o governador muito alegre com tão boa nova

3 53
23
JO S E P H DE A N C H IE T A

„o Padre Provincial, o qual o» despediu com esperanças de cedo os


■visitar, e levar-lhes Padres para os ensmar.

5 . No mês de Novembro do dito ano mandou o Padre Pro­


vincial um Padre e um Irmão a povoar a igreja de S. Pedro, 10 lé­
guas além do Bom Jesus, por estar já a gente junta (475)i, e man­
dou recado, que a outra que havia de ser de S. André (476) se i-
zes.se outras 10 léguas além da de S. Pedro pera se povoar, quando
fosse tempo, e ficava 00 léguas desta cidade, porque a que se havia
de fazer no Itapucurú, que era além, havia de ser mais de vagar,
i,oi* aquela gente não ter ainda comércio com as Portugueses, e sor
gente de guerra. Povoou-se S. Pedro, e daí se ia a visitar S. Andre
algumas vezes; tinham estas duas igrejas 8.000 almas, e o Padre
Provincial se partiu no dito mês para banda do Carnamú (477), a
visitar os índios acima ditos, levando comsigo alguns Padres e Ir­
mãos para deixar lá, se fossem necessarios; e chegando lá achou a
gente tão disposta e apercebida, e c o m tanto desejo de sua salvaçao
cue lhe fundou duas igrejas, uma de S. Miguel em Taperagua (4/8),
qUe tinha 2.000 almas, e outra de Nossa Senhora d ’Assunção em
Tapepigtanga (470), que tinha 4.000 almas, deixando em cada
uma delas um Padre e um Irmão. Ficando todos assim os nossos
como os índios muito contentes, se despediu deles, e se vem vi­
sitar as igrejas da Baía. . .
Tínhamos nêste tempo, que era na era de 1562, onze igrejas,
as 10 delas povoadas com os nossos, a saber: 8. Paulo. Espirito
Santo, S. Antonio. Bom Jesus, São Pedro, S. André, S. Tiago,
S. João. todas estas nesta Baía, Santa Cruz na ilha de Paparica,
S. Miguel em Taperagua, Nossa Senhora em Tapepigtanga, terras
do Carnamú. Ilouve em todas estas igrejas muitos e mui solenes
batismos, alguns que passavam de 1.000 almas, achando-se o bispo
Horn Pedro Leitão a alguns deles, onde por sua mão batizava a
muitos e crismava a todos, e depois casava em lei da graça os que
eram pera isso. e duas vezes foi ás ditas igrejas, batizando os In­
dies, que para isso estavam aparelhados, e os que o nao estavam,
deixando as muitas mulheres, casavam com uma em lei da natu­
reza. e as outras se casavam com outros índios, e com estas cousas

35 4
X X X . — INFORM AÇÃO DOS P R IM E IR O S A L D EIA M EN TO S

o vista do Padre se animavam e alegravam muito os índios, vendo


as festas que lhes o Padre em seus batismos fazia (480).

6. Neste dito ano de 1562 estando todos os índios com mui­


ta paz e quietação em suas igrejas, e fazendo-se muito fruito nas
almas quis o governador Mem de Sá castigar os índios do Caaeté,
que estavam além do rio de São Francisco para Pernambuco, por
terem morto o bispo Dom Pedro Fernandes, e outra muita gente
que desta Baía partiu para o reino em uma nau (481). que ali foi
dar á costa no ano de 1555 ou 1556 (482), e porque os moradores
desta Baía diziam, que entre êste gentio daqui morador e o de Ci-
riripe. donde está o engenho de Dom Fernando (483), e entre o
gentio de Paraguaçú e Jaguarig havia muito gentio daquele do
Caaeté, e que tinham entrada uns com os outros, pronunciou o dito
governador sentença contra o dito gentio do Caaeté, que fossem
escravos, onde quer que fossem achados sem fazer exceção nenhu­
ma, nem advertir no mal que podia vir á terra (484).
Sendo a tal sentença dada daquela maneira, porque nas igre­
jas dos Padres havia muito gentio que procedia daquele, mas cria­
dos e nascidos nesta parte da Baía, que não viram nem foram em
tais mortes, mas como o Demonio sabia, que era esta a melhor in­
venção que podia haver para destruir o que estava feito, e impedir
que não fosse por deante a conversão do gentio, ajudou-se do de­
sejo que os Portugueses tinham de haver escravos, tanto que em
breves dias se despovoou toda a te r r a ; porque vendo o gentio que
lhe levavam suas mulheres e filhos, irmãs e irmãos, e salteados em
suas aldeias, e pelos caminhos por onde andavam, e sendo nasci­
dos e naturais da terra, se viam levar cativos sem nenhum remé­
dio, por dizerem os Portugueses que eles também eram homicidas
naquelas mortes; não sendo assim, porque entre êste gentio da
Baía e o que matou o bispo havia outro gentio contrário deste da
Baía, que se metia no meio, e tinha pouco comércio um com o outro.
Vendo os índios os insultos e agravos que os Portugueses lhes
faziam em os cativar, assim os das igrejas mais principais que ti-
n hamos, e todo o mais gentio que estava por esta terra, e polas fal­
sidades que os Portugueses por si e por seus escravos lhes diziam
JO S E P H D E A N C H IE T A

,1a guerra quo lhes haviam ,1c dar, e eles viam pelo olho como eram
salteados, se levantou parte do gentio de Paraguaçu e Cingipe,
indo-se pera o sertão; e das nossas igrejas, a saber; Santo Antomo,
Horn Jesus, S. Pedro. S. André, 12.000 almas, ficariam 1.000 pou-
,,,. mais ou menos, e toda esta gente e a mais que tenho dito se foi
meter por esses matos por escaparem aos agravos e sem razoes, que
lhes os Portugueses faziam.
Vendo o governador quão mal isto saíra, e quantos males e pe­
cados daqui resultaram, que pagavam os inocentes polos culpados,
e que a terra se destruirá em tão pouco espaço de tempo, revogou
a sentença dos Caaetés. mas a tempo que já não havia remedio, por­
que como os homens andavam já tão metidos r.-o saltear dos Índios,
como ainda agora hoje em dia se vê, e vendo que o governador lhes
atalhava o seu proposito, revogando a sentença dos Caaetes, usa­
vam outra manha não menos perigosa, assim para as conciencias,
,.(,mo para as vidas que alguns perderam neste ofício, indo-se polos
matos com resgates, onde os índios se iam esconder por fugir
Peles, e faziam com eles (pie se vendessem uns aos outros, dizendo
OU.- eram Caaetés, isto tanto montava, que fossem das igrejas, que
sc despovoaram, como que fossem dos outros; e vendo o governador
que isto não tinha remédio, fazia por haver ás mãos quantos índios
iiéstes, assim trazidos, podia, e punha-as em sua liberdade, mandan-
, V-os pei a as igrejas. Foi esta revolta grande perturbação pera os
índios cristãos, porque a uns levavam as mulheres, ás mulheres le­
vavam os maridos, e a outros os filhos a vender por essas eapi-
1anias.

7. No mesmo ano de 1562, por justos juizos de Deus, sobre-


veiu uma grande doença aos índias e escravos dos Portugueses, e
com isto grande fome, cm que morreu muita gente (485), e dos que
ficavam vivos muitos se vendiam e se iam meter por casa dos Por­
tugueses a se fazer escravos, vendendo-se por um prato de farinha
,-186), e outros diziam, que lhes pusessem ferretes, que queriam ser
escravos: foi tão grande a morte que deu neste gentio, que se dizia,
que entre e s c r a v o s e índios forros morreriam 40.000 no espaço de
H ou 3 meses. Ficaram então os Padres com cinco igrejas no termo

3 56
X X X . — INFORM AÇÃO DOS P R IM E IR O S A L D E IA M E N T O S

desta Baía, a saber: S. Paulo, Espirito Santo, S. Antonio, S. Tia­


go, S. João, e as três que tinhamos da banda dalém, ainda que estas
três pouco duraram, porque naquele mesmo ano se despovoaram,
porque não bastou ficarem eles desbaratados dos saltos que os Por­
tugueses neles fizeram, dizendo que eram dos que mataram o bispo,
nem das mortes e fome passada, mas estando esses poucos que fica­
ram em suas aldeias pacíficos, e os Padres com eles, como aquelas
aldeias estavam em caminho pera os índios, quem quer que passa­
va pola praia e os encontrava, que vinham a suas pescarias, os es­
bulhavam do que tinham, não lhes deixando rede para dormir nem
linha de pescar; outros lhes levavam os filhos e filhas sem poder
dar remédio a isto. Ajuntou-se também, segundo diziam, um ma-
maluco, que com falsas palavras foi meter em cabeça ao gentio de
Taperaguá, que o governador lhe queria dar guerra, que foi causa
isto com o mais que lhe os Portugueses fizeram de se levantarem e
darem rebate aos índios de Tapepigtanga e os de Itaparica, e fugi­
ram todos sem os Padres lhes poderem valer nem aquietar, porque
como isto foi cousa secreta, que o mamaluco andava dizendo, eles
também souberam fazer a sua tão secretamente que os Padres o não
souberam, senão quando já iam de caminho, e assim se perderam
estas três igrejas, as quais foram povoadas com 8.000 almas (487).
Depois que fugiram, poucos escaparam que não fossem escravos,
porque uns vendiam aos outros, outros se vendiam a si mesmos, in­
troduzidos todas êstes costumes pelos Portugueses.

8 Vendo o governador que se gastava o gentio todo, por


atalhar a que se não acabasse de consumir, fez uma lei, que nenhum
índio das igrejas se pudesse vender, e mandou, que qualquer es­
cravo que se fosse de casa do senhor para as igrejas dos padres se
não desse sem sua licença; isto fazia para saber, se os tais escravos
eram das ditas igrejas, ou dos que os Portugueses tinham mal ha­
vidos para os pôr em liberdade, a qual lei ainda agora se guarda,
e pôs nas igrejas capitães para ver se podia ter algum remédio de
se não perderem (488).
Em S. Paulo, Sebastião Luiz; no Espirito Santo. Francisco de
Moraes (489) e Francisco Barbudo (490) : em S. Antonio, Gomes

357
JO S E P H DE A N C H IE T A

M artins; em Bom Jesus, Braz Affonso; em S. Pedro, Pedro de Sea-


bra; em Santa Cruz, Antonio Ribeiro (391) ; em S. Tiago, Gaspar
Folgado; em S. João, João d ’Araujo (492), cujo regimento era, que
eles capitães os defendessem dos Portugueses e lhes tirassem todos
aqueles que se metessem com eles, pera que as igrejas se não despovoas­
sem ; mas tal foi o tempo, que nada teve efeito. Os capitães lá re­
sidiram nas povoações certos anos, deles mais, deles menos, e em
seu tempo se acabaram de despovoar Bom Jesus, S. Pedro, Santa
Cruz, polas causas acima ditas e pola experiencia que se viu, que
nem os capitães tinham proveito, nem os índios o favor e ajuda que
se esperava, e assim com consentimento do governador deixaram os
ditos cargos, c os Padres da Companhia ficaram residindo sempre
nas ditas igrejas como dantes.

9. Nêste mesmo tempo deu a fome que tenho dito no gentio


de Itapucurú e Rio Real, e sabendo os Portugueses isto, acudiram
logo para haver escravos, e não se atrevendo ir lá sós, levavam com-
sigo muitos índios das igrejas dos Padres pera seu valhacouto; e
como êste gentio andava espalhado pelo mato buscando alguma cou­
sa para comer, como fruita, raizes, e alguma outra cousa, davam os
Portugueses com as índios que levavam sobre eles, a uns que a fome
tinha consumido acabavam de matar, aos outros que tinham mais
força traziam por escravas; mas nisto se via bem a justiça divina,
que não queria, que eles gozassem de bens tão mal adquiridos, poi-
que em eles cá chegando o gentio que traziam ihes morria, escapan­
do mui pouco, e como este gentio vein ter alguma sustentação, esse
pouco que ficou, assim da fome como da destruição que os P ortu­
gueses neles tinham feito se começou a ajuntar em suas aldeias, e
não querendo os Portugueses desistir de seu proposito, senão i-los
saltear, eles se começaram a defender, de maneira que com m ata­
rem 6 ou 7 Portugueses e alguns índios principais das igrejas, to­
rnaram por partido não tornar lá mais. Tocou-se aqui nestes índios,
ainda que isto não faz a nosso proposito, porque abaixo se há de
falar deles.
Xa dita éra de 1562 por um capítulo duma carta da rainha deu
o governador terras de sesmaria aos índios das ditas igrejas. Ven-

35 8
x xx. _ INFORM AÇÃO DOS P R IM E IR O S A L D E IA M E N T O S

do quão proveitosos e necessarios eles eram a esta Baia, e que não se


podiam sustentar sem terem terras em que pudessem lavrar, lhes
deu perto do mar, assim da costa como do mar da Baía, pera seu
sustentamento, de que têm suas cartas.
Em Janeiro de 1563 foi a grande morte das bexigas tão geral
em todo o Brasil, de que morreu muito gentio, de que também levou
muita parte de que havia nas igrejas em que os Padres residiam, e
depois da doença ser passada, e os índios se irem gastando pouco
e pouco, com parecer do governador Mem de Sa, por a igreja de
8. Paulo ter já pouca gente, se repartiu essa que havia polas ou­
tras. e assim não ficariam mais de 4, que se conservaram por al­
guns anos.

1 0 . Sendo el-rei Dom Sebastião informado das cousas dêste


estado, e como o gentio tinha a terra despovoada pelos agravos e ave-
xações dos Portugueses, escreveu ao governador Mem de Sá e ao
bispo Dom Pedro Leitão sôbre isto, cujo treslado das cartas é êste:

CARTA DEL-REI (493)

“Mem de Sá amigo. Eu el rei vos envio muito saudar. Porque


o principal e primeiro intento, que tenho em todas as partes da mi­
nha conquista, é o aumento e conservação de nossa santa fé cató­
lica, e conversão dos gentios delas, vos encomendo muito, que dêste
negócio tenhais nessas partes mui grande e especial cuidado, como
de cousa a vós principalmente encomendada, porque com assim ser,
e em tais obras se ter êste intento, se justifica o temporal que Nosso
Senhor muitas vezes nega, quando há descuido no espiritual.
“ Eu sou informado, que geralmente nessas partes se fazem ca­
tiveiros injustos, e correm os resgates com título de extrema ne­
cessidade, fazendo-se os vendedores pais dos que vendem, que são as
cousas com que as tais vendas podiam ser licitas, conforme ao as­
sento que se tomou.
“Não havendo as mais das vezes as ditas causas, antes pelo con­
trário intercedendo força, manhas, enganos, com que os induzem
facilmente a se venderem por ser gente barbara e ignorante, e por

359
J O S E P H D E A N C H IE T A

fete negócio dos resgates e cativeiros injustos ser de tanta impor­


tância, e ao que convém prover eom brevidade, vos encomendo que
com o bispo e o Padre Provincial da Companhia, e o Padre Inácio
de Azevedo e Manuel da Nobrega, e o ouvidor geral, que la esta
(494) e o que ora vai, consulteis e pratiqueis, neste caso, e o mo o
q u e se pode e deve se ter para atalhar aos tais resgates e cativeiros,
c me escrevais miudamente como correm, e as desordens que neles
há c o remédio que póde haver para os tais injustos cativeiros se
evitarem, de maneira que haja gente com que se grangeem as fa ­
zendas, c se cultive a terra, para com a dita informação se tomar
determinação no dito caso, e ordenar o modo que nisso se deve ter,
que será como parecer mais serviço de Nosso Senhor e meu e em-
quanto não fôr recado meu, que será com ajuda de Nosso Senhoi
brevemente, se fará acêrea disso o que por todos fôr assentado
“ Muito vos encomendo, que aos novamente converti os avo-
reçais, e conserveis em seus bons propositos, e não consintais se­
rem-lhes feitas avexações, nem desaguizados alguns, nem lançados,
das terras que possuírem, pera que com isso se animem a receber
o sacramento do batismo, e se veja que se pretende mais sua sal­
vação que sua fazenda, antes aos que as não tiverem proveja*, e
ordeneis com o se lhes de de que comodamente possam viver, e
sendo possível dareis ordens como alguns Portugueses de boa vida
e exemplo vivam nas aldeias entre os que se convertem, ainda que
seja com lhes fazerdes algumas avantagens, pera com sua conver­
sação e exemplo irem adeante em seus bons propositos.

11 Depois que o governador viu esta carta, e que a carta


cio bispo Dom Pedro Leitão continha o mesmo, se ajuntou com
o bispo, ouvidor geral e Padres da Companhia, e trataram sobre
as aldeias, cuja resolução foi a seguinte, a 30 de Julho de
1566 (495):
Porque ha muitos índios mal resgatados e salteados, a quem
o senhor governador pola obrigação que tem de os conservar e
defender em justiça que acudir: Manda, que os que se acolherem
ás aldeias em que residem os Padres não se entreguem a quem ne­
les pretender ter direito, nem os Padres sejam parte de os entie-

360
XXX. INFORM AÇÃO DOS P R IM E IR O S A L D E IA M E N T O S

gar sem mostrarem escrito do Senhor governador ou ouvidor ge­


ral, pera que venham perante eles, e se examinar a causa. Mas
que julgados uma vez por escravos, se depois se tornarem ás al­
deias, que os Padres, constando-lhes disso, os possam livremente
entregar a seus senhores. Esta lei foi renovar a que já tinha sido
feita havia anos, como acima fica dito.
Ordenaram, que para os Padres procederem com mais quie­
tação, e os brancos poderem mais facilmente haver justiça das
peças que lhes fugirem, e os índios serem mais desagravados das
avexações que lhes forem feitas, e se aquietarem mais para não
fugir, que o senhor ouvidor geral por serviço de Deus e de Sua
Altesa e bem da terra vá em pessoa, de 4 em 4 meses, visitar as
aldeias, para nelas fazer o que fôr justiça e devassar.
E porque a justiça dos índios perece muitas vezes por falta
de quem por eles procure, ordenaram, que se instituisse um pro­
curador dos Índios com competente salario, e porque muitas ve­
zes os Índios que vão servir os brancos, ou por quaisquer outros
respeitos, se vão a suas casas os casam nelas com suas escravas,
sendo muitos deles casados nas igrejas dos Padres, do que se se­
guem grandes inconvenientes, se ordenou, que o senhor bispo tome
conhecimento dos tais casamentos, assim para repreensão dos curas,
que os tais casamentos fizerem contra a proibição que sobre isto
tem feito, como para castigo dos senhores que os tais casamentos
quiserem fazer.
Ainda que o foral permita aos moradores resgatarem os que
a suas casas se lhes forem vender, todavia porque há muitas ven­
das que se não podem fazer licitamente, manda o senhor Gover­
nador. que os que quiserem comprar não o façam sem serem exa­
minados, para ver se é justa a venda ou não, porque não pretende
negar-lhes a licença, senão estorvar que se não faça injustiça nem
agravo.
Ordenaram, que os Padres possam entregar a seus senhores
sem escrito particular do Senhor governador nem ouvidor geral,
os índios que livremente confessarem ser escravos, não tendo al­
guma dúvida por onde o não possam ser, e assim lhes poderão dar
os índios forras que não forem das aldeias, querendo eles por sua

361
JO S E P H DE A N C H IET A

vontade ir para suas casas, e servi-los como forros, e nao querendo,


não co n sen tirã o , que os levem por força.
Ordenaram, que se alguém tomasse por sua autoridade estes
índios litigiosos, que se acolheram ás aldeias dos Padres e seus i-
mites, perca o direito que nos tais índios tem.
Mem de Sá. O Bispo do Salvador. Braz Iragoso.

12- Esta foi a resolução, que se tomou sôbre a carta del-


e não fala a dita resolução nas terras, que el-rei mandava dar aos
índios, porque já havia anos que o governador lhas tinha dado,
como fica dito, e nem fala nos homens de hoa vida e exemplo, por­
que já se tinha provido, como acima se disse.
('orno o número dos Portugueses foi em crescimento, vindo
muita gente do reino, começaram a ocupar as terras dcs índios;
a isto acudiu Diogo Zorrilha (490), seu procurador, na éra de
1571, fazendo uma provisão ao governador sôbre as ditas terras.
Cujo despacho e o seguinte:
‘Lance-se pregão, que nenhuma pessoa de qualquer qualidade
que seja lavre nem faça benfeitorias nas terras, que foram dadas
aos índios nas igrejas e povoações de Espirito Santo, 8. Joao,
S. Tiago. 8. Antonio e nas mais povoações, posto que tenham de­
las título dado por mim sob pena de perderem as benfeitorias, e
todo direito que nelas pretenderem ter. e pagarem 50 cruzados, a
metade pera quem os acusar, e metade pera as obras da fortaleza
desta cidade, capitania do Salvador. Hoje 2 dias do rnes de Maio
de 1571 anos. Mem de Sa.
Este pregão foi lançado, e disso se fez termo e auto, como e
costume, que tudo está acostado á petição; mas como ê.stes índios
sejam pobres, e não há quem por suas necessidades olhe, se não
são os Padres da Companhia, não houve execução o dito pregão,
m nem se olhou mais por isso, e os índios se foram afastando dos
Portugueses, porque com seus currais e fazendas lhes fo ra m ^ ocupan­
do suas terras. E ainda agora os não deixam lá onde estão.

13. Xa dita éra de 1571 se levantou um reboliço na aldeia


de 8. João, pelo qual se fez a diligência seguinte:

362
XXX. — INFORMAÇÃO DOS PRIMEIROS ALDEIAMENTOS

TRESLADO DE ÜM AUTO FEITO A REQUERIMENTO DO


PADRE ANTONIO PIRES, PROVINCIAL DA COMPANHIA
DE JESUS

"Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1571


anos, em os nove dias do mês de Setembro, nesta cidade do Sal­
vador, nas pousadas do Senhor governador geral Mem de Sá, pelo
dito Senhor foi mandado chamar a mim tabelião para fazer êste
auto, de um requerimento que o padre provincial Antonio P i­
res (497), e o Padre reitor Gregorio Serrão vieram fazer a Sua
Senhoria, que aí presentes estavam, polos quais foi dito, que os
dias passados disseram a ele Senhor governador em como Fernão
Cabral (498). morador nesta cidade, tomara por fôrça, e man­
dara tomar seis índios forros, entre machos e femeas, da aldeia e
igreja de S. João, do que eu escrivão fiz logo um auto por man­
dado do dito Senhor governador, e é começado tirar devassa so­
bre êste caso, e que ontem 8 dias de Setembro, estando alguns
índios da dita povoação e igreja na fazenda de Eitor Antu­
nes (499), e vindo-se embarcar, o dito Fernão Cabral os salteou,
e tomou forçosamente, e os embarcou no seu barco, e levou pera
sua fazenda, dizendo que não tinha que ver com Padres nem com
governador, que maior era seu poder que todas as justiças; o que
o dito Fernão Cabral fazia, por quanto lhe não davam uma índia
da terra, que ele dizia .ser sua escrava, a qual os ditos Padres ti­
nham mandado ao ouvidor geral á petição do dito Fernão Cabral,
por estar assim determinado que nas aldeias se não dessem es­
cravos fugidos de que houvesse dúvida sem primeiro se determi­
nar por justiça, o que ele.s cumpriram na dita India, e a manda­
ram ao dito ouvidor geral, o qual esperou pelo dito Fernão Ca­
bral que viesse, e lhe o mandou dizer, e o disse a seu sogro, o qual
lhe rogou, que a tivesse até uma quinta-feira, e que se não viesse
a tornasse a mandar, e o dito ouvidor geral a teve na cadeia até
a dita quinta-feira, e mais oito dias, sem o dito Fernão Cabral
vir a requerimento do alcaide Diogo Zorrilha, por não haver quem
lhe desse na cadeia de comer a mandou soltar e tornar á aldeia
de S. Antonio, donde a dita India era, e tendo estas diligências

363
JO S E P H DE A N C H IET A

todas feitas por parte da justiça o dito Fernão Cabral se queixou


novamente dos ditos Padres, que lhe tinham a dita sua escrava, e
escreveu uma carta ao padre Gaspar Lourenço que estava na po­
voação e igreja de S . Antonio, dizendo que pois lhe nao mandava
dar a dita sua escrava, que ele se integraria nos índios de S. Joao
e S. Tiago, que estavam mais perto, e escreveu outras cartas ao
padre João Pereira, que estava na igreja de S. Joao, em que lhe
dizia que não havia de mandar os ditos índios, ate lhe nao man­
darem a sua, como se pode ver pelas ditas cartas, e o dito ben or
requereu aos ditos Padres, que mandassem aqui acostar o treslado
das ditas cartas, e logo apresentaram uma que Fernão Cabral escre­
vera ao Padre Antonio Blasquez, e que as outras, que escrevera
ao Padre Joao Pereira, apresentariam, e a do Padre Gaspar Lou-
reneo pera se tresladarem aqui, e que eles Padres estiveram no
primeiro salto que Fernão Cabral fizera pera virem encampar as
aldeias dos ditos índios que tinham a cargo ao Senhor governa­
dor, e mais por ser a primeira e esperar que se fizesse cumprimen­
to de justiça, o Padre Provincial não viera, e lhe o mandara di­
zer pelo Padre reitor Gregorio Serrão e pelo Padre Joao Pereira,
dizendo que se não viesse fazer justiça sobre êste caso. ele encam­
paria as ditas povoações e aldeias, e que agora se fizera este se­
gundo salto, e que não havia emenda nenhuma deste caso. que ele
Provincial vinha encampar as povoações e aldeias, como de feito
encampava, e que havia de mandar vir aos Padres e Irmãos que
nelas estavam, porquanto com êstes saltos eles se nao atreviam es­
ta r nelas, porquanto os índios estavam mui escandalizados de nao
verem restituição da tomada de seus parentes, que Fernão Cabral
tinha tomado, e que haviam medo que pela dita causa os índios
fizessem algum desmancho, e se levantassem, e logo pelo Senhor
governador foi dito. que ele estava muito prestes para fazer jus­
tiça. e fazer tornar os índios, e que logo como lhe denunciaram
ele mandou fazer auto disso por mim escrivão e o remeteu ao ou­
vidor geral para tirar testemunhas sobre o caso, e o ouvidor geral
tirou logo uma testemunha que estava na cidade, e mandou cha­
mar as que estavam absentes para acabar de tirar, e sobre isso
fazer justiça, pelo qual ele até agora tinha feito toda a diligência,

364
XXX. - INFORMAÇÃO DOS P R IM E IR O S A L D EIA M ENTOS

que se por este caso podia fazer, e acabado de tresladar as cartas


de Fernão Cabral, e reconhecidas, e testemunhas tiradas, prove­
rá ele Senhor governador como Sua Altesa e regimento manda,
polo qual ele lhe não recebe a tal encampação das povoações, e
igrejas, antes lhe requer da parte de Deus e de Sua Altesa, que
ele tal não faça. pois da justiça se não .pode até agora notar culpa
de negligência, e fazendo o contrário ele lhe encampa a capita­
nia e todo o Brasil, e que eles dêm conta disso a Deus e a Sua
Altesa, por quão necessarias as aldeias sao nesta terra, e estarem
eles Padres nelas, e as governarem e sustentarem, assim pera dali
.se fazer diligência pera as guerras, como é notorio que as que se
fizeram no Brasil foi tão necessaria ajuda dos índios como dos
Portugueses, e pera nos sustentarem e defenderem dos índios nos­
sos contrarios, como cada dia fazem, e acabado de os eles ditos
Padres soltarem, está claro, que os índios se hão logo de ir das
aldeias, e hão de ser os que nos hão de fazer guerra, e fazendo
eles bastam para despovoar a terra, e quando a eles não fizessem
o Senhor governador tem por mui certo, que os escravos dos Por­
tugueses se hão de alevantar contra seus senhores, como fizeram
o ano de 1568, que muito poucos escravos que se levantaram pu­
seram a terra em balanço de se perder, e mataram alguns Portu­
gueses, e se não temeram os índios das povoações e igrejas, se
houveram de levantar todos os escravos, e que por estas causas e
outras muitas que ele Senhor governador deixa de legar-lhes, pede
e roga não queiram desamparar, antes lhes preguem, que se não
agastem, que o Senhor Governador lhes fará justiça, e lhes man­
dará ir para suas casas, suas mulheres e filhos, porquanto se não
podia o caso acabar tão breve por Fernão Cabral estar 5 léguas
desta cidade na sua fazenda, e as testemunhas também ausentes;
o polo Padre Provincial foi dito, que ele esperava alguns dias,
até ôste caso se acabar, polas razões que ditas são. E de todo
mandou fazer êste auto, que assinaram. Diogo Ribeiro, tabeliao
que o escrevi (500). Mem de Sá. Antonio Pires. Gregorio S errão.”
A justiça houve os índios assim salteados, e os mandou para
,siia povoação, 6 com isto se aquietaram os mais.

oo 6 5
JOSEPH HE ANCHIETA

14. No ano de 1574, sendo governador Luiz de Brito, che­


gou a esta Baía Antonio Salema, governador do Rio de Janeiro,
os quais ambos, por mandado del-rei Dom Sebastião, com os P a­
dres da Companhia se tomou a seguinte resolução acerca dos
índios e seus resgates.

ASSENTO QUE SE TOMOU SOBRE O REBATE DOS ÍNDIOS


DO ESTADO 1)0 BRASIL

“ Luiz de Brito d ’Almeida, governador nesta capitania e nas


niais de sua repartição, e Antonio Salema, governador do Rio de
Janeiro e nas mais de sna repartição, fazemos saber como por vir­
tude de um capítulo de uma carta de Sua Altesa, que ao deante
\ai tresladado, tomamos assento, com parecer dos Padres da Com­
panhia de Jesus, e informação tio doutor Fernao da Silva, ouvi­
dor geral e provedor mór da fazenda tie Sua Alteza (501), sôbie
o modo que se teria nos resgates dos índios dêste estado do Brasil,
e se assentou o seguinte:

TRESLADOS DOS CAPÍTULOS DA CARTA DE SUA ALTESA

“ Os moradores das capitanias da costa do Brasil me envia­


ram também a dizer, que havendo-se de cumprir e dar execução
á lei que fiz sôbre os cativeiros ilícitos dos gentios, que vos levas­
tes e fizestes publicar, seria grande prejuizo dêsse estado e do
povo dele, e se não poderiam sustentar nem grangear os engenhos
o fazendas, e que além disso os gentios que entre si têm guerras,
c se cativam uns aos outros, os comem segundo seu costume, e
vendendo-se e resgatando-se, muitos se convertem á nossa santa
fé, e por esta causa seria muito de serviço de Deus deixar de se
fazer, pedindo-me que houvesse por bem, que nas ditas partes se
não usasse da dita lei, e que se fizesse acerca disso o que sempre
se usou nas partes de Guiné.
“ E porque estas cousas são muito graves e importantes, e para
determinação delas é necessario mais particular informação, hei
por bem, que vos ajunteis com Luiz de Brito, do meu conselho,

366
XXX. — INFORMAÇÃO DOS PRIMEIROS ALDEIAMENTOS

que ora mando por governador do e.stado da parte da Baía de


Todos os Santos, e com o ouvidor geral pratiqueis miudamente
sobre as ditas cousas e convenientes delas, tomando acerca disso
as informações necessarias, assim de pessoas seculares, que tenham
experiencia das cousas da terra, como dos religiosos da Compa­
nhia de Jesus, polo que toca á conversão e justificação da guerra
e cativeiros que se fizeram, ordeneis e determineis nestas cousas
o que parecer mais serviço de Deus e bem do estado, e o que acer­
ca disto pola dita maneira se assentar se cumprirá e dará á exe­
cução enquanto eu com informação vossa e do governador vos não
enviar as provisões necessarias, a qual informação me enviareis as­
sinada por ambos com toda a brevidade que puder ser. E no que
toca ao resgate dos escravos se deve ter tal moderação que não se
impida de todo o dito resgate pela necessidade, que as fazendas
dele têm, nem se permitam resgates manifestamente injustos, e a
devassidão que até agora nisso houve; e a determinação que to­
mardes se guardará por tempo de três anos, se eu primeiro não
prover nisso.

15. DETERMINAÇÃO E ASSENTO QUE SE FEZ POR


VIRTUDE DO CAPÍTULO ACIMA

“Mandam, que nenhum índio nem índia das aldeias, onde os


Padres residem, e assim das mais aldeias, que estiverem junto de
nossas povoações, e de pazes com os Portugueses, e postas de nos­
sas mãos por ordem dos capitães, não haja resgates com suas pes­
soas por nenhum modo que seja, sómente haverá comércio, como
se fosse entre Portugueses, vendendo e comprando, e resgatando
mantimentos, e outras cousas necessarias que fizerem por seus tra ­
balhos; o que se fará com licença de quem a puder dar, corno até
acpii se fez.
“ Qualquer índio ou índia, que fugir das ditas aldeias para
outro gentio, que não está de pazes com os Portugueses, e se dei­
xar lá andar por espaço de um ano ou mais, este tal poderá 3ed
resgatado, como outro qualquer, e não lhe valerá o privilegio que
tinha das aldeias.

3b7
JOSEPH DE ANCHIETA

“ Nenhuns índios e índias poderão ser cativos e havidos por


escravos, salvo aqueles que forem tomados em guerra licita, dada
com a solenidade abaixo declarada, e assim serão escravos aqueles
que os Tndios tomarem em guerra, e os tiverem em seu poder pov
serem seus contrarios, e assim serão escravos os que por sua pro­
pria vontade se venderem, passando de 21 anos, declarando-lhes
primeiro que cousa é ser escravo.
“ Não se fará resgate nem por mar nem por terra sem licen-
çu dos senhores governadores nas capitanias onde eles estiverem, e
nas outras se fará por licença do capitão da tal capitania, e o
exame do resgate, que se fizer por mar ou por terra, fará o pro­
vedor da fazenda de Sua Altesa na capitania onde fôr provedor,
e com o provedor juntamente farão exame dois homens eleitos em
camara, os quais se elegerão em princípio do ano, e serão tais e
de tais eonciencias que o façam como cumpre, e haverão ju ra­
mento em camara; do que se fará assento assinado no livro dos
acordos; e sendo posta suspeição a algum destes eleitos em cama­
ra. e sendo julgado por suspeito, se elegerá outro em camara, que
o não seja, e os que fizerem c.ste exame poderão repartir os índios
mal resgatados, e os que forem julgados por forros e os escra­
vos mandarão registrar e entregar á pessoa que os resgatou, e na
repartição dos forros se terá conta com os pobres e pessoas neces­
sitadas, e não haverá razão de parentesco nem outra amizade.
“ Todas as vezes que houver notícia das pessoas que foram ao
resgate, que fizeram excessos ou enganos, ou que usaram de ma­
nha ou fôrça, ou fizeram outra cousa contra as leis, regimentos e
ordenações contra êste assento, será tirada devassa, e se procederá
contra os culpados, sendo presos e da cadeia se livrarão por si
somente, e procederá contra os culpados, dando apelação e agra­
vo, e posto que não haja informação má, comtudo uma vez no ano,
no mês de Janeiro, os provedores serão obrigados a tirar trin ta
testemunhas destes casos, e proceder contra os culpados.
“Serão obrigadas as pessoas que vierem do resgate, assim por
mar como por terra, virem logo diretamente á alfandega, e não
haverá mais detença que a distância do caminho, e não farão es­
cala em parte alguma, nem deixarão Tndio algum em outra parte,
XXX. — INFORMAÇÃO DOS PRIMEIROS ALDEIA MENTOS

e todos juntamente virão á alfandega, assim forros como cativos,


nem ferrarão nenhum até lhes não serem julgados por escravo^
polo dito modo, e em tudo estarão á obedieneia dos que fizerem
os tais exames.
“ Os escravos, que forem registrados e resgatados conforme a
este instituto, se fugirem e se acolherem ao gentio nosso contrá­
rio, ou com quem nós não tenhamos pazes, estes tais, sendo depois
tomados ou resgatados entre o proprio gentio, serão julgados aos
primeiros senhores, e eles pagarão á pessoa que os trouxer mil réis
por cada um de os trazer. Assim, além disto, algum resgate, se foi
dado por eles.
“ Declaramos, que os moradores poderão em sua casa resgatar
alguns índios, que lhes trouxerem por serem seus contrarios, e to­
mados em guerra, e assim que forem dos atrás declarados, porem
o provedor da fazenda de Sua Altesa com dois eleitos farão exa­
me conforme a este assento, e julgarão tais índios por cativos, se
o forem, e os farão registrar, e antes deste exame os tais índios se­
rão sempre forros, e havidos por tais.
“ Serão havidos por guerras justas as que fizerem, ou man­
darem fazer os senhores governadores conforme a seus regimentos,
e os capitães serão obrigados ao tempo que quiserem fazer guerras
ajuntar-se com os oficiais da camara e provedor da fazenda de
Sua Altesa e algumas pessoas de experienda, e com os Padres da
Companhia de Jesus, e vigário da tal capitania, e praticarão to­
das as causas de tal guerra, e parecendo razão fazer-se, se f a r á ;
de que se farão autos por todos assinados, e o capitão que fizer
guerra contra êste capítulo, se procederá contra ele, como fôr jus­
tiça, e os índios que em elas forem tomados serão havidos por
forros, além das penas abaixo declaradas, e será o capitão obri­
gado a entregar todos os índios, que na tal guerra forem tomados,
pera que os Senhores governadores disponham deles como lhes
parecer. E qualquer pessoa ou pessoas de qualquer sorte e condi­
ção que sejam, que resgatar ou ferrar, ou cativar índios ou índias
contra a forma deste assento, ou usar de fôrça ou engano, ou ma­
lícia, ou sonegar alguns índios, que trouxer comsigo e com eles se
vierem, ou sejam bem resgatados ou mal resgatados, cativos, ou

3 69
24
JOSEPH DE ANCHIETA

forros, posto que seja um somente sonegado, alem das penas que
têm pelos regimentos, leis e ordenações, sendo peão, será açoitado
publicamente com o baraço e pregão, e pagará de pena quarenta
cruzados, e sendo de mais qualidade, pagará a dita pena a dinhei-
,o, e será degredado para fóra das capitanias da governança, onde
cometer o tal delito, por dots anos, e os índios todos que vieram
do tal resgate serão havidos por forros, e a metade destas penas
serão pera as obras dos colégios, e a outra metade pera quem os
acusar.
“ 0 qual assento se tomou nesta cidade da Baía de Todos os
Santos, e mandam, que em tudo se cumpra e guarde conforme a
carta de Sua Al tesa, e serão passadas cartas para as outras capi­
tanias na forma acostumada, e assinaram aqui. Hoje 6 de Janei­
ro. Antonio da Costa o fez por nosso mando. Ano do Nascimento
de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1574 anos.
O governador Huiz de Brito d ’Almeida. Antonio Salema (502).

16. Na éra de 1575 passou el-rei Dom Sebastião a provisão


que se segue:
“ Eu el-rei faço saber aos mais governadores do estado e par­
tes do Brasil, e aos ouvidores gerais das ditas partes, que ora são,
o ao deante forem, que eu sou informado, que de os índios cris­
tãos forros e livres das ditas partes irem trabalhar ua.s fazendas,
que estão fóra do termo e limite de suas povoações por mais de um
mês, e de as pessoas cujas suo as ditas fazendas lhes nao pagaiem
logo seu jornal e trabalho por inteiro para se poderem tornar a
suas casas e povoações, se seguem muitos inconvenientes, e pre­
juízo de suas coneiencias e fazendas, porque, sendo sua ausência
maior, se descasam de suas mulheres, e se embaraçam com outras,
perdem a cristandade e a fazenda, e despovoam suas aldeias e
povoações, que na guerra contra os infiéis ajudam, e fazem muito
com os Portugueses; e assim sou informado que alguns dos ditos
Índios e índias cristãos fogem de suas povoações para as fazen­
das dos Portugueses, e se deixam estar nelas por muito tempo, de
que sc seguem os mesmos inconvenientes: e porque cumpre a ser­
v i ç o de Nosso Senhor e meu prover-se nestes casos, em maneira
XXX. — INFORMAÇÃO DOS PRIMEIROS ALDEIA MENTOS

que os ditos índios e índias cristãos não tenham a ocasião de se


distrair da cristandade nem desamparar suas roças e fazendas, hei
por bem, e vos mando, que vos informeis dos ditos casos todas as
vezes que vos parecer necessario, e provejais neles de maneira que
cessem os inconvenientes, e a cristandade dos ditos índios nem suas
fazendas não possam por estas causas receber prejuízo algum. E
este alvará se registrará no livro da chancelaria da ouvidoria ge­
ral e nos das camaras da cidade do Salvador, e das mais capita­
nias das ditas partes, para se assim haver de cum prir; o que hei
por bem, que valha e tenha fôrça e vigor, como se fosse carta fei­
ta em meu nome por mim assinada e passada por minha chance­
laria, e posto que por ela não seja passado sem embargo das Or­
denações do segundo livro título 24, que o contrário dispõe. Gas­
par de Seixas o fez em Almeirim a 20 de Novembro de 1575 anos.
Jorge da Costa o fez escrever. R e i . Como el-rei Nosso Senhor as­
sim o manda, assim se cumpra. Hoje 30 de Junho de 1576. Luiz
de Brito d ’Almeida. Cumpra-se a provisão atrás. A 4 de Setem­
bro de 1578. Lourenço da V eiga.”
Todas estas provisões passou el-rei em favor dos índios cris­
tãos das igrejas da Baía e das mais capitanias, mas não têm efei­
to, porque os índios não sabem requerer sua justiça, nem têm
quem por eles a requeira, e por isso perecem.

17. Na éra de 1574, sendo governador Luiz de Brito, e o


padre Inácio Toloza provincial, o gentio do Rio-Real, que estava
50 léguas desta cidade, e que sempre esteve de guerra com os Por­
tugueses pelos saltos e agravos que lhe tinham feito, donde tinham
mortos alguns Portugueses em sua defensão, como o tempo da salva­
ção de muitos era chegado, vieram os principais daquela parte pedir
padres, que lhes fossem pregar a lei de Deus. Detiveram-se aqueles Ín­
dios por alguns meses nas igrejas desta Baía pera ver se se en­
tendia deles virem com algum mau proposito, por ser gente que
tinha pouco comércio com os Portugueses, mas entendendo-se isto
ser chamamento de Deus, em janeiro de L>75 mandou o 1 adre
Provincial com os ditos índios o Padre Gaspar Lourenço e um
Irmão (503), tendo-se esperança de grande conversão naquela par-

371
JOSEPH DE ANCHIETA

to, polo muito gentio que havia. Dali por deante mandou tam­
bém o governador com o Padre um capitão com alguns Portugue­
ses (504), para ver se naquela terra se podia fazer alguma povoa­
ção. porque diziam ter ele ali 10 léguas de terra, os quais lo i-
1ugueses foram causa daquilo não ir por deante, e da guerra que
s( foz: porque pretendendo .seu interesse, que são escravos, com
enganos resolveram tudo.
Chegado o Padre ao Rio-Real, os Portugueses, que com ele
iam. fizeram sua habitaçuo na barra do rio, e <> 1 adie passou por
deante ás aldeias, que a primeira estava dali a seis léguas, e á.s
outras mais: foi o Padre recebido de todos os índios com mostias
de muito amor, mostrando o desejo que tinham de o vei e ouvir
a palavra de Deus. Fez logo uma igreja de S. Tomé (505), e
depois de estar eom aquela gente, foi por deante visitar as outras
aldeias, onde fez a igreja de Nossa Senhora da Esperança (506)
■■outra de S. Inácio na aldeia de Curubi (507), que era o princi­
pal de toda aquela terra, muito nomeado o temido entre os Por­
tugueses. F.stas tres igrejas andava o 1 adie visitando com muita
consolação e quietação dos índios, a t e que Nosso Senhor desse ou­
t r e remedio.
Daqui passou o Padre ao ( irigi. e pôs em paz todas aquelas
aldeias, que por ali estavam, que eram 28, pregando a todos sua
salvação: uns folgavam de o ouvir, outros também se escondiam
polo não ver. Fez então o Padre entre éste gentio uma igreja de
S. Paulo para os ir visitar algumas vezes, e os que quisessem ou­
vir as cousas de sua salvação o pudessem fazer; de que os Índios
ficaram muito contentes, parecendo-lhes que com isto ficariam li­
vres dos agravos, que lhes faziam os Portugueses, porque onde
quer que us Padres foram pregar a lei de Deus entre o gentio,
assim nesta Baía, como nas capitanias onde o houve, sempre ti-
\ eram contra si os Portugueses, como bem se tem mostrado no que
tem sucedido.

18 Depois que o Padre pôs em paz toda esta terra, se tor­


nou para a igreja de S. Tomé, e daí foi visitar os Portugueses,
q u e estavam na' barra e a confessá-los e dizer missas, e como o

37 2
*
XXX. — INFORMAÇÃO DOS PRIMEIROS ALDEIAMENTOS

Padre levava encomendado do governador, qne lhe escrevesse que


terra era aquela, o Padre lhe escreveu na verdade, porque tudo
era areais e terra inútil, porque os índios, que nela residiam, es­
tão no sertão,' mas como os Portugueses tinham outro intento, es­
creveram o contrário do que o Padre escrevia, que começou alvo­
roçar o ânimo de muitos que dali esperavam seu proveito. E ntra­
vam nisto alguns homens que lá tinham escravos fugidos, e por­
que apontei nestes escravos, direi a sua fugida, porque também o
governador Mem de Sá aponta naquela fugida d e s t e s escravos, no
encampamento que lhes fez o Padre Antonio Pires das aldeias no
ano de 1571.

19. No ano de 1568, na semana santa, se levantou alguma


da escravaria dos Portugueses, a saber, de Japacé, Paranámirim e
outras fazendas, fugindo para o sertão, na qual fugida mataram
alguns Portugueses, pondo fogo a algumas fazendas, roubando o
que podiam. Eram êstes escravos daquele gentio, que os Portu­
gueses houveram no tempo da fome, e daquela doença grande que
veiu, assim das nossas igrejas, e cia sua comarca, e do Rio-Real,
como acima vai dito, ilicitamente resgatados, os quais, depois que
souberam, que cousa é ser escravo, polo terem bem experimentado
em si, vendo que já não tinham nenhum remédio, imaginaram,
que lhes vinha falar um santo, o qual lhes mandava, que se fos­
sem para suas terras, e com isto se levantaram, como tenho dito.
Os que de toda esta gente se puderam salvar dos Portugue­
ses e índios das igrejas dos Padres, que foram após eles, tomaram
muitos, se foram meter com o gentio do Rio-Real por serem dali
naturais; e sendo isto na éra de 1568, estiveram seis ou sete anos
sem seus senhores os irem buscar, nem pedirem aos governadores
lhes dessem licença pera isso, nem os quererem haver por guerra
nem por paz; e indo o Padre Gaspar Lourenço fazei1 aquelas três
igrejas, como fica dito, achou lá êstes escravos, e vendo seus se­
nhores que a terra estava de paz com a entrada do Padre nela,
começaram a resolver os índios, assim forros como os escravos,
e a primeira revolta que houve foi esta.

O 7 O
O I O
JOSEPH DE ANCHIETA

2 0 . Estava o gentio de Cirigi todo quieto com a paz que


lhe o Padre tinha dado, e com a igreja que lhe tinha feito: tomou
o Demonio para instrumento do que pretendia a um mamaluco,
o qual se foi a algumas das ditas aldeias, dizendo-lhes que olhas­
sem o que faziam, que o Padre os enganava, que não cressem o
que lhes o Padre dizia, que os ajuntava para serem escravos, e que
já no mar tinha alguma gente junta para os irem am arrar. Isto
dizia o mamaluco pelos Portugueses, que estavam na barra do Rio,
que foram com o Padre, e como esta gente facilmente cre o que
lhe dizem, principalmente se é cousa de medo, e eles sabiam bem
como os Portugueses tinham tratado a todos os vizinhos, e viam,
que no mar estavam Portugueses, como lhes o mamaluco dizia, le­
vantaram-se todos, e parte dos da igreja de S. Paulo, ficando al­
guns para verem o fim da cousa, e foi quererem os Portugueses
ir dar guerra a um principal, que estava no sertão, que chama­
vam Apiripê (508), e segundo se entendeu depois, mais foi esta
guerra com desejo de resolver os que estavam de paz, pera que
mais facilmente houvessem escravos, que por outro respeito.
K indo os da guerra já de caminho, mandaram quatro índios
das igrejas dos Padres, que fossem deante ás aldeias apelidar gen­
te. Os Índios de Cirigi, como estavam já pervertidos com as pa­
lavras do mamaluco, as quais viam ser verdadeiras, cuidaram, que
aqueles quatro índios iam por espias, e mataram logo dois deles,
e esta foi a ocasião de todas aquelas 28 aldeias se levantarem, ten­
do custado muito trabalho ao Padre Gaspar Lourenço fazer aque­
las pazes, porque todos tiveram pera si, que os Portugueses iam
á guerra a eles, e não a<> Apiripê, e não sem causa suspeitaram
isto, pois o mamaluco lhes o tinha dito.
Depois disto, como o Demonio não cessava de buscar manhas
para destruir aquela obra. que se ali começava a fazer nas almas
do gentio daquelas igrejas, tornou-as a acometer mais abertamen­
te, e nasceu também doutros mamalucos, os quais, sabendo que o
governador estava de caminho para ir á guerra ao Apiripê, lhes
foram persuadir, que a guerra era contra eles, porque os Portu­
gueses vinham buscar escravos; e que o Padre lhes não havia de
valer que não tinha armas, nem tinha ninguem de sua parte, e

3 74
XXX. — INFORMAÇÃO DOS PRIMEIROS ALDEIAMENTOS

que se aparelhassem que não havia o governador de tardar mui­


to. A isto se ajuntaram feros, que lhes faziam alguns Portugueses,
que andavam entre eles daqueles que estavam na barra do rio, di­
zendo: “ Vivam nossos parentes e nós nos vingaremos” . Subita­
mente se alvoroçou toda aquela gente de S. Tomé, e andava tão
revolta que parecia andar o Demonio entre eles. Pregavam pelas
ruas: Vamo-nos, vamo-nos antes que venham êstes Portugueses.
Vendo o Padre Gaspar Lourenço tal alvoroço, fê-los ajuntar,
falando com eles, dando-lhes a entender quão mal faziam em dei­
xar a igreja por mentiras, que lhes diziam, e eles chorando res­
pondiam: "Não fugimos da igreja nem de tua companhia, porque,
se tu quiseres ir comnosco, viveremos comtigo no meio desses ma­
tos ou sertão, que bem vemos, que a lei de Deus é boa, mas êstes
Portugueses não nos deixam estar quietos, e se tu vês que tão pou­
cos que aqui andam entre nós tomam nossos irmãos, que podemos
esperar, quando os mais vierem, senão que a nós, e as mulheres e
filhos farão escravos?” mostrando alguns deles os pingos e açoi­
tes que em casa dos Portugueses tinham recebido, e isto diziam
com muitas lágrimas e sentimento (509).
Estando eles desta maneira mui quietos, foi um mamaluco á
aldeia do Curubi, que era de S. Inácio, e tomou uma índia, mu­
lher de um principal, que diziam ser escrava dum Português, e
levou-a escondidamente: logo se levantou toda aquela aldeia di­
zendo: Vamo-nos todos, e não esperemos mais, porque, se um ma-
malueo tem poder para nos fazer isto dentro em nossas casas, que
fará o governador, quando vier?
O qual já a êste tempo estava muito perto; foi-se então êste
principal com sua geute para outro lugar mais dentro do sertão,
por onde alguns queriam dizer não irem fugidos, mas que se afas­
tavam até ver a chegada do governador para ver como se havia
com eles, porque além disto acontecer, tinha êste Curubi mortos
alguns Portugueses, mas em sua defensão, em tempo que os iam
saltear, como fica acima dito, e temia-se ainda, porque depois que
tinha a igreja, não tratara ainda com Portugueses, posto que já
tinha mandado um seu irmão a visitar o governador, e a confir-
mar a paz, que o Padre tinha feito.

375
JOSEPH DE ANCHIETA

21 . Chegando o governador com a demais gente á igreja de


S. Tomé (510), soube como Curubi era ido de sua aldeia; man­
dou logo após ele gente de guerra, o qual acharam com sua gente
em um mato assentado, e sentindo ele que os Portugueses iam em
sua busca, fez uma cerca de ramos, que elas costumam fazer, quan­
do andam por terras de contrarios: houve alguma escaramuça de
flechas, e ali foi morto por desastre o Curubi com pelouro de uma
espingarda, e os seus se deram, ainda que não faltam homens de
boas conciencias, que digam que os tais se entregaram debaixo da
palavra do capitão, dizendo que se entregassem por paz, e que os
trariam para as igrejas, não lhes nomeando serem escravos, e com
isto se entregaram, por onde os trouxeram todos cativos, e che­
gando á igreja de S. Tomé o governador fez cárcere dela, em que
mandou recolher toda aquela gente que traziam paia dali seiem
repartidos, guardando-os sempre sem o Padre lhe o poder impe­
dir; e tal ficou a igreja depois, que para nela dizerem missa foi
necessario cavá-la um palmo, para tirar o mau cheiro e sujidade
dela.
Não se pode dizer os agravos e medos, que foram feitos aos
índios de S. Tomé e de Nossa Senhora da Esperança em todo o
tempo que o governador e mais portugueses ali estiveram, porque
não ficou mantimento nem legumes, nem galinha, nem cousa al­
guma que não destruíssem, até lhes tomarem suas contas, que é
toda sua riqueza, nem lhes ficava machado nem foice, que lhes
não tomassem; e nisto parou aquela grande conversão, que se apa­
relhava naquela terra, e os Índios do Cirigi ficaram de guerra até
agora.
Partiu-se o governador para esta cidade e mandou, que os
índios daquelas duas igrejas se viessem também, e se repartissem
pelas quatro igrejas, que nesta Baía estão. Partindo-se todos para
esta cidade, alguns Portugueses se deixavam ficar pelo caminho,
e amarravam alguns índios dos ditos, porque o Padre ora vinha
atrás, ora adeante, por acudir a todas as partes, e chegou a cousa
a tanto (pie os índios, vendo-se tão perseguidos, amarraram um
Portugué'. e o tiveram desta maneira até que o Padre chegou, e

37 6
XXX. — INFORMAÇÃO DO»S PRIMEIROS ALDEIAMENTOS

o mandou desamarrar; nem isto bastava para terem algum co­


medimento .
Chegou o Padre Gaspar Lourenço a estas igrejas da Baía com
1.200 almas, as quais se repartiram pelas quatro, que os Padres
tinham ; e como já o gentio delas se ia gastando, e agora pouco
tempo há de seis anos a esta parte vieram duas grandes doenças,
bexigas e sarampão, ficaram tão diminuidas que se tornaram em
três, repartindo-se a gente de S. Tiago pelas outras com parecer
do governador Lourenço da Veiga, as quais já de todo foram aca­
badas, se os Padres não andaram sobre elas, como andam ; por­
que por algumas vezes com parecer dos governadores mandaram
os Padres Índios das igrejas, e foram eles em pessoa ao sertão a
descer gente para as fornecer, por se não acabar o gentio delas,
como foi na érn de 1562. A eiu Alorrangao, que acima vai nomea­
do, e outros principais para as igrejas; depois disso foi o Padre
Gaspar Lourenço ao Arabó (511), e trouxe outro golpe de gente;
depois disso foi o Padre Diogo Nunes (512) á serra do kari, e
desceu também gente, a qual toda se desceu sem ajuda dos 1 oitu-
gueses. nem para isso darem nenhum favor pera sua despesa, mas
antes sempre foram contra isso.

2 2 . A gente que de 20 anos a esta parte é gastada nesta


Baía, parece cousa, que se não pode crêr; porque nunca ninguem
cuidou, (jue tanta gente se gastasse nunca, quanto mais em tao
pouco tempo; porque nas 14 igrejas, que os Padres theiam , se
juntaram 40.000 almas, estas por conta, e ainda passaram delas
eom a gente, com que depois se forneceram, das quais se agora as
três igrejas que há tiverem 3.500 almas será muita. Há 6 anos
que um homem honrado desta cidade, e de boa conciencia, e oii-
c.ial da camara que então era, disse, que eram descidas do sertão
do Arabó naqueles dois anos atrás 20.000 almas por conta, e es­
tas todas vieram para as fazendas dos Portugueses. Estas 20.000
com as 40.000 das igrejas fazem 60.000. De seis anos a esta par­
te, sempre os Portugueses desceram gente para suas fazendas,
quem trazia 2.000 almas, quem 3.000, outros mais. outros menos:
veja-se de seis anos a esta parte o que isto podia somar, se. chc-

377
JOSEPH DE ANCHIETA

gam ou passam de SO.000 almas. Vão ver agora os engenhas e


fazendas da Baía, achá-los-ão cheios de negros de Guiné, e mui
poucos da terra e se perguntarem por tanta gente, dirão que mor­
reu, donde se bem mostra o grande castigo de Deus dado por tan­
tos insultos como são feitas, e se fazem a êstes índios, porque os
Portugueses vão ao sertão, e enganam esta gente, dizendo-lhe que
se venham com eles pera o mar, e que estarão em suas aldeias,
como lá estão em sua terra, e que seriam seus vizinhos. Os índios,
crendo que é verdade, vêm-se com eles, e os Portugueses por se
os índios não arrependerem lhes desmancham logo todas suas ro­
ças. e assim os trazem, e chegando ao mar, os repartem entre si;
uns levam as mulheres, outros os maridos, outros os filhos, e os
vendem: outros Portugueses no sertão abalam os índios, dizendo
que os trazem para as igrejas dos Padres, e com isto se abalam
de suas terras, porque já sabem por todo o sertão, que somente
gente que está uas igrejas, onde os Padres residem, tem liberdade,
que toda a mais c cativa, e chegou a cousa a tanto que um Portu­
guês, indo ao sertão buscar gente, fez a coroa como clérigo, e com
isto dizia, que era o Padre, que os ia buscar para as igrejas.
Acertou isto de ser em tempo que o Padre Gaspar Lourenço ia
ao sertão, e encontrou esta gente no caminho, e quando ouviram
dizer, que ia o Padre, disseram: “Como pode ser que êste que nos
traz diz, que é Padre, e por isso nós viemos com ele?” E o Por­
tuguês, que trazia a coroa, se escondeu por não querer que o Padre
o visse.
Vão os Portugueses 2õ0 e 300 léguas buscai1 êste gentio por
estar já mui longe, e como a terra está já despovoada, o mais dele
lhes morre pelo caminho á f o m e , e alguns Portugueses houve que,
tomando pelo caminho algum gentio contrário daqueles que tra ­
zem, o matam e lhes o dão a comer, para coin isso os sustentarem.
Todo êste gentio que tem chegado ao mar, vendo que lhe não
guardam o que no sertão lhe dizem, mas antes são todos aparta­
dos uns dos outros, como acima vai dito, uns fogem, e se vão
meter em matos, onde nunca mais aparecem, outros se deixam
morrer de tristeza e enojo, vendo-se ser escravos, sendo eles livres.

3 78
XX X. — INFORMAÇÃO DOS PR IM E IR O S A L D EIA M EN TO S

2 3 . Quanto seja necessario a esta cidade ter estas aldeias,


onde os padres residem, e conservá-las que se não acabem, mas
buscar ainda maneira para que haja outras, claro está, pois além
das guerras que acima disse, em que eles ajudaram tauto, como
se sabe, eles ajudaram a vencer todas as mais que se depois fize­
ram, como foi a do Bôca Torta (513;. Duas vezes que se levan­
tou o gentio de Paraguaçú, foram a ele, e o destruiram ; a segun­
da vez com o governador ao Rio de Janeiro; depois disso com
Antonio Ribeiro aos índios do Campo-Grande, onde morreram com
o dito Antonio Ribeiro muitos índios da Baía; com Vasco Rodri­
gues de Caldas ao ouro (514) ; com Antonio Dias Adorno ao ouro
(515) ; com Luiz de Brito governador á guerra do Apiripê; com
Antonio Ferraz outra vez ao Paranaóba; com Luiz de Brito á Pa­
raíba que não teve efeito por se tornarem de Pernambuco (516) ;
e agora com a nau inglesa (de.s foram os primeiros que socorreram
nesta cidade (517), e em todas estas guerras foram sempre á sua
custa, com seus mantimentos e armas, onde morreram muitos, por­
que não tão somente pelejavam contra seus contrarios, mas serviam
os Portugueses, e lhes buscavam de comer, sem por nenhuma cou­
sa destas terem nenhum prêmio. Quando os negros de Guine ale-
vantados deram em casa de Cristóvão de Aguiar (518), e lhe ma­
taram dois homens, e lhe roubaram sua fazenda, estes Índios acom­
panharam a Cosmo Rangel (519) e a Diogo Dias da Veiga (520),
que foram a eles, e os destruiram, matando alguns e tomando ou­
tros que deram a seus senhores, e depois disso por mandado do
dito Cosmo Rangel andou um Português por nome Inofre Pinhei­
ro (521) com índios das igrejas buscando e espiando os negros
de Guiné alevantados, que há por esta Baía, e deu neles, de que
tomou muitos, que se deram depois a seus senhores, e onde quer
que acham negros de Guiné fugidos, os tomam e trazem a seus
donos; por onde os negros dizem, que se não foram os índios das
aldeias, que já eles foram forros, e a terra fôra sua, mas que oa
índios os desbaratam.
Haverá em todas estas 3 igrejas, que os Padres tem a cargo,
800 homens de peleja pouco mais ou menos, dos quais nao ha meS
do ano nenhum, que não andem em casas dos Portugueses cento

379
J O S E P H DE ANCHIETA

e muitas vezes mais, ajudando-os em suas iazendas, por onde se


eles foram mais ajudaram, e como eles são poucos e têm suas ro­
cas pera fazer e outras necessidades, não podem acudir a todas as
que os Portugueses têm, e há muitos que por andarem muito tem­
po em casa dos Portugueses, não têm que comer, e daí vem fica-
rcm-se nelas pera sempre.
Quanto é aos Índios estarem longe dos Portugueses, bom fora
estarem mais perto, se pudera ser; mas os Portugueses lhes têm
ocupado suas terras, que eles têm por cartas, com seus engenhos,
como são as terras de Aontigi, outros com suas fazendos e currais,
por onde os índios nao podem (“star menos cia distância que estão,
porque nem ainda lá podem viver sem Portugueses, que se com
eles vão meter, e seus gados lhes destroem suas rocas.
Ê.sle foi o sucesso das igrejas e gentio, que os Padres da
Companhia tiveram a cargo, depois que vein Tome de Sousa por
governador até agora, que ha 64 anos.
() modo que os Padres da Companhia tiveram sempre com
c.ste gentio foi ajudá-los assim no temporal corno no espiritual;
no temporal, eles os curam cm suas doenças, e os sangram e lhes
dão da pobre.sa. que êles têm, poln extrema necessidade que eles
têm destas cousas, e tanto que em tempo das bexigas e outras doen­
ças. que eles não podiam acudir uns aos outros, os Padres anda­
vam com alguns moços polas casas dos índios, lavando-os e alim­
pando-os: era tal a doença das bexigas que, curando-os desta ma­
neira. muitas vezes lhes ficava a pele o carne dos doentes pegada
nas mãos, e o cheiro era tal que se não podia sofrer; os Padres
lhes acudiam com lenha e água. e andavam com os índios sãos
buscando e repartindo isto; e em casa dos que tinham mandavam
fazer de comer pera os mais necessitados, e em alguma parte se
fazia de comer cada dia para 60 e 70 pessoas, e se lhe os Padres
faltavam com isto. faltava-lhes o remédio. De noite e de dia an­
davam os Padres ministrando-lhes os sacramentos da confissão e
unção sem descançar, nem terem tempo pera resar suas horas, en­
terrando cada dia 10 e 12, ajudando-lhes a fazer as covas e tra-
zè-los á igreja pera os encomendar e enterrá-los, e dos grandes
trabalhos que nestas doenças os Padres tiveram com eles, vieram

d S0
XXX. — INFORMAÇÃO DOS PRIM EIROS ALDEIAMENTOS

a adoecer, de que estiveram muito m al: muitas vezes acontecia le­


vantarem-se da mesa, para lhes acudir com o batismo, confissão
e unção.

2 5 . Ensinam-lhes os Padi'es todos os dias pola manhã a


doutrina, esta geral, e lhes dizem missa pera os que a quiserem
ouvir antes de irem pera suas roças; depois disto ficam os meni­
nos na escola, onde aprendem a ler e escrever, contar e outros bons
costumes pertencentes á polícia cristã: á tarde tem outra doutri­
na particular a gente, que toma o santíssimo sacramento. Cada
dia vão os Padres visitar os enfermos com alguns índios deputados
para isso, e se têm algumas necessidades particulares, lhes acodem
a elas, sempre lhes ministram os sacramentos necessarios, e todas
estas cousas se fazem puramente por amor de Deus sem nenhum
interesse nem proveito, que deles tenham pois que o provimento
que os padres têm lhes vai do colégio, e somente estão com eles
por amor de suas almas pola extrema necessidade em que estão.
Os Padres não se servem deles em fazendas, porque se o eolegio
tem necessidade de alguns índias pera ajudar a alguma obra do
colégio, e eles vêm ajudar, fazem isso por seu estipêndio, e como
vão á casa dos outros Portugueses, e isto não com força nenhuma,
senão se eles querem por terem necessidade de vestido, ou ferra­
menta. porque ainda que seu natural seja andarem mis, já agora
todos os que se criaram com a doutrina dos Padres andam vesti­
dos, e têm pejo de andarem mis. mas não são os Padres senhores
das aldeias, como se diz.
Quando os Portugueses vão ás aldeias buscar gente para seu
serviço, os Padres que nelas e.stão os ajudam no (pie podem, man­
dando chamar algum principal, que vá com os Portugueses polas
casas, e lhes mostre o resgate que leva a gente, pera que vão os
que quiserem sem nisso haver nenhum impedimento, e se os Pa-
pres algumas vezes põem algum é, porque ás vezes os índios não
têm sua roça acabada, e é necessario, que a acabem pera remédio
de sua mulher e filhos: outros há que também que são mal casa­
dos. e êstes nunca saem de casa dos Portugueses, e a êstes impede
o Padre, pera que façam vida com suas mulheres, e êstes tais di-
J O S E P H B E AN CH IETA

a os Portugueses, que os Padres não querem que os índios os


vão ajudar, sendo estas as eausas do tal imped,mento, e nao ou-
tras, como eles dizem. . . ro o ^
O castigo que os Índios tem c .lado por seus me.rmhos (o2-)
feitos polos governadores, e não há mais que quando fazem al-
g "d e lito s, o meirinho os manda meter em um tronco um d,a
ml dois, como ele quer, não tem correntes nem .u .r« . erros da
imstiea Se alguns índios, que vão trabalhar a casa dos P
gueses, se vão para a aldeia sem acabar seu tempo, « Padre o.,
obriga a tornarem pera acabar o tempo que com eles f.ca.am , e
se porventura é por alguma causa .justa, que o Ind,o nao pode n ,
o Padre os concerta de maneira que fiquem contentes.
Os Padres incitam sempre os Indies, que façam sempre suas
roças e mais mantimentos, pera que, se fôr necessario, ajudem
com eles aos Portugueses por seu resgate, «orno '• verdade, que
muitos Portugueses comem das aldeias, por onde se po e ( uei,
que os Padres da Companhia s ã o pais dos índios assim das a mas
como dos corpos.

NOTAS

/<-(• \ j>bi em 1S04 na “ Revista do Instituto Histórico” (L v n , Pa r*


e I p 6)213P4b7) sob o título de Trabalhos dos Primeiros Jesuítas no Buxsú,
lecundo cópia do manuscrito da Biblioteca de Évora, em cujo catalogo (I,
, ]9 codioe C X V I ) vem intitulado Breve notícia histórica d a s missões d o s
resultas no Brasil. Capistrano, que lambem possuiu ama copia, bahzom a de
Jvformação d o s primeiros a l d e i a m e n t o s da Baia, que e de fato o titulo que
documento o por ..................... P ubli.á.oodo a |o r a en-
re os escritos de Anchieta, em seguida A In-formaçao do Brasil de l o t e , por
u,s parecer indiscutível que outro não ê o papel a que ('';' ^ ^ e r e ^ e p e
lamente Lê-se, de fato, no capítulo Dos Governadores e ( apitaes. No seu
o Z o (de Luiz de Brito de Almeida)., e indo ele lá em pessoa, se fez a
tuerra do rio Real, onde os Padres tinham edificado algumas igrejas e aju
udo muitos índios nelas, como se verá largamente no papel que com esU
,-ai" E no intitulado Das ocupações c trabalhos da Companhia. ^ O que og
nossos têm feito e fazem na conversão dos índios livres ver-se-a por outra
informação, que com esta vai, que trata isso particularinente ( . • ;■)• ^
quela mesma informação se verão os inconvenientes quo borne e^ ha
conversão e poucas ajudas e as causas da sua. diminuição: dela » e
pode coligir o número de cristãos que são feitos e mortos posto que ab?
(los proprios das aldeias, se tem feito outra grande multidão deles em mis
goes c contínuas visitas, como acima se tem tocado, e bem creio que d eg
rão a sem mil” . Em 1886, na Introd. ás I nf . e Frag. Hi st . (1. c ., p . t . ),

382
X X X . — INFORM AÇÃO DOS PRIM ETROS A LD EIA M EN TO S

Capistrano, antes de mais nada, achava necessario averiguar se o papel alu­


dido nos trechos transcritos é o mesmo, o que não lhe parecia bastaatq
claro. Entretanto, caso se tratasse realmente de um sã, seria ele, segundo
julgava, o manuscrito da Biblioteca de Evora, cujo título modificou p a ra
melhor. T rin ta e dois anos depois, porém, quando escreveu os incompará­
veis Prolegomenos aos cinco livros da História do Brasil, de frei Vicente do
Salvador (3* ed., revista por Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia, São
Paulo, s / d j , mudou o grande mestre de parecer. Lê-se, com efeito, nos
Prol. ao 1. I V (p. 264): “ Um jesuita anonimo, provavelmente Lui/, da
Fonseca, escreveu em 1587 ou logo depois um a precisa relação, impressa na
P . T . , 57, I, 213-47, sôbre os primeiros trabalhos jesuíticos na B aía” . As­
sim, afastou Capistrano implicitamente a suposição por ele mesmo formuladíf
em 1886: a Informação dos primeiros aldeiamentos, escrita em 1587 ou pou­
co depois, não pode ser o papel mencionado na Informação do Brasil de 1584.
P a r a fixar aproximativamente a d ata de 1587, baseau-sc o autor dos Pro-
leg., nestas palavras da I n f . dos prim, aldeiam .: “ . . . e agora com a nau
inglesa eles (os indios) foram os primeiros que socorreram nesta cidade
(do S a l v a d o r ) . . . ” . Viu aí Capistrano uma referencia aos serviços que, gra­
ças ao visitador Cristóvão de Gouvêa, prestaram os indios aldeiados da Baía
em abril de 1587, quando a cidade foi atacada pelos corsários ingleses With-
rington e Lister, conforme a narração de John Harracoll (Hakluyt, Prin­
cipal Navigations, ed. de Glasgow, 1904, 11, p. 202-27) e Fernão Guerreiro
( Relação anual das coisas que fizeram os Padres da Companhia de Jesus
■nas suas missões — 1600-1609, ed. de A. Viegas, Coimbra, 1930, I, p. 376-7),
que o autor dos Prolog. cita n a transcrição feita por Candido Mendes de
Almeida ( Memorias para a História do extinto Estado do Maranhão, Rio,
1874, I I , p . 509-10). Com a opinião do Capistrano concorda o eminente Ro­
dolfo Garcia, numa nota a Varnhagen (H ist. Ger., 4" ed., II, p. 79). E m ­
bora discordar de autoridades dêsse vulto, sem uma prova- iniludível, certa-
mente equivalha a errar, parece-nos que a Informação do Brasil de 1584 se
refere efetivamente a um só papel, sendo êste, de acordo com a, suposição
de Caspistrano em 1886, a Informação dos primeiros aldeiamentos da Baia.
De fato, em que documento jesuítico, senão na I n f . em debate, vem “ la r­
gam ente” descrita a guerra do rio Real e detalhadamente historiada, desde
os seus primórdios, a obra de catequese desenvolvida pela Companhia? A
carta de Inácio de Tolosa, em parte reproduzida por Felisbelo Freire numa
nota de sua História de Sergipe (Rio, 1891, p. 6-13), tra ta somente dos acon­
tecimentos do rio Real e é de época muito anterior (datou-a o então provincial
“ da Baía, 7 de setembro de 1575” ), quando portanto não se havia declarado
ainda, a guerra, que se seguiu á fundação das aldeias pelo padre Gaspar Lou-
renço. E pouco importa o fato da Informação tra ta r notadamente da conver­
são dos indios da Baía, e não do Brasil em geral, porque os impedimentos p a ra
a obra da catequese, aí apontados, ocorriam em toda a Colonia e as medidas
com que as autoridades, de acordo com os jesuítas, procuravam proteger o gen­
tio não se restringiam L Baía. Ocupando-se em particular dos aldeiamentos
baianos, a Informação dá em verdade um apanhado da obra da catequese de
Norte a Sul da provincia, com suas dificuldades e seus ^ frutos (como
indica aliás o título do manuscrito de Evora), aludindo as guerras do
Espirito Santo, Ilhéus, Rio de Janeiro e outras. Compare-se ainda
o trecho da Informação do Brasil de 1584, em que Anchieta declara
ser possivel coligir do papel que a acompanhava, não só as causas da diminui­
ção do gentio, como “ o número de cristãos (indios cristãos) que são feitos e
mortos” , com as indicações que dá a Informação dos primeiros aldeiamentos

3 83
J O S E P H DE ANCHIETA

■ /<< 14 i t?reias que os Padres tiveram, se juntaram


40 (DOO almas das quais se agora as três igrejas que há tiverem 3. 500 almas
t r á l i t a ' ". calculando o autor que de “ seis anos a esta parte subiram a
80.000 selvagens tra z id o ^ T d e d e z e l " de 1584,
i g u a lm e n le n v ia d a ° p a r a a Europa com a Informação do Brasil segundo parece
ig aiuien e I 1 ^ palavra sôbre os assuntos tratados no
; » „ T a ,u e í i S i i T Ü E - veídade ,» e chegou até „ 6 . incompleta.
M- » oo seu contexto, todo elo relativo aos sucesso, do ano, sobretudo m -

» ■ » . - - o t «utro lado, a d a ta a .
I7 . d. , , ... :n(iu„,,jq lio texto*. 4 Êste toi o sucesso cias igrejas
r « S ' “ dres 'd a Companhia tircrou, a seu cargo depois que vein
W S * Sonea até agora, que ha 34 anoe” . Tendo Tome de Sousa chegado ao
Brasil em 1549 em 1583 se completarum os 34 anos. Oia, ainda que n a ) ,e
I d e como rigorosamente exato êsse cômputo dos anos decorridos desde a
vinda do primeiro governador, cômpulo que frequentemente nos documentos co-
loniaia t sé aproximativo, pároco co ito pouco protnvol sobretudo e m j n n a o
dos termos categóricos da informação, que, sendo ela de 1 ..8 /, a aproximaçao
se estendesse a um periodo de 4 anos. Mesmo porque todas as demais datas
indicadas no papel são absolutamente precisas. E mais um indicio veemente,
,,té decisivo de que a Informação foi escrita em loS3 e o fato dela só men­
cionar OS sucessos ocorridos durante os governos de Tomé de Sousa, Duarte da
Costa Mem de Sá, Luiz de Brito de Almeida-Antonio Salema, Lourene.o da
V . ! £ . . interino dc Co.ntc itangcl. Quer dixer: outre 1549 c 1588, dos pn -
n.eiros trabalhos de Nobrega á expedição de Onofre Pinheiro contra os ne
•rros de Guiné nlevantados” . Se a lnformaçao tivesse sido escrita em lo» 7,
fom.samente, indubitavelmente faria referencia á conquista da Paraíba, nesse
mesmo ano conduida o da qual participaram os mdios aldeiados. la n to mais
quanto três jesuítas, padres Jeronimo Machado, Sun ao lavares e h raiicisco
Teixeira, foram testemunhas de boa parte da campanha. E e a u m 'd o s dois
primeiros (pois Francisco Teixeira faleceu em L)87 em Pernambuco) que se
deve o Sumário das armada* que se fizeram e guerras que se deram na con­
quista do rio Paraíba ( “ Rev. do lust. H i s t . ”, XXXVI, parte I, p. o-89;, es­
crito a mandado do visitador Cristóvão de Gouvêa. Ao autor da Informação
dos primeiros aldciavtcnlos seria fácil, portanto, completar a extensa e precisa
narração de seu companheiro de hábito. Quem se ocupou tão minueiosamente
do todos os acontecimentos importantes da Colonia, que direta ou indiretamente
se relacionassem com a atividade da Companhia, a partir de 1560 sobretudo,
i;ão deixaria de dedicar longo trecho do sua Informarão a sucesso de tal monta,
ressaltando os serviços prestados na conquista da Paraíba pelos índios amigos
e seus protetores jesuítas. Ademais, se tivesse sido escrita “ em 1587 ou logo
depois”, como diz Capistrano, a Informação não poderia omitir, antes a trans­
creveria integralmente como fez com as anteriores, a “ lei repressiva acerca do
cativeiro dos Índios de 22 de agosto de 1587”, que Varnhagen (o. c ., I, pa­
gina 496) atribui ás “ informações e influência de Teles B a rre to ” . Tudo isso
indica, portanto, que a data do papel é realmente aquela revelada pelo seu au­
tor, quando calcula os anos decorridos desde a chegada do primeiro governador.
A única dúvida possível a respeito decorre da referência aos indios aldeiados
que socorreram a Baía, quando aí esteve uma “ nau inglesa”, pouco antes de
redigida a informação, ao que parece. Só havendo notícia, por essa época, do
ataque dos corsários ingleses Withrington e Lister em abril de 1587, Capistra-

3 84
X X X . — INFORMAÇÃO DOS PR IM EIR O S ALDEIA M EN TO S

no fixou no mesmo ano “ ou logo depois”, como já vimos, a data da Inform a­


ção. Antes de mais nada, porém, é de estranhar que o autor da memoria fale
numa nau apenas, quando de fato foram várias as embarcações com que os
corsários em abril de 1587 surpreenderam a cidade do Salvador, ou, mais pre­
cisamente, “ duas naus e uma zavra de ingleses com um patacho” tomado ao
mercador espanhol Lopo Vaz, frota logo aumentada pelo aprisionamento no
porto de outros navios (frei V. do Salvador, o. o., p. 331). A estranhesa não
teria cabimento se não se tratasse então de um fato recente, talvez reccntissi-
irio, de acordo com a suposição de Capistrano. Depois, registrando os serviços
prestados pelos indios, seria natural que o autor fizesse menção, ainda que li­
geira, da atividade desenvolvida pelo visitador Cristóvão de Couvêa, que foi
quem, deante da covardia dos moradores, congregou e animou o gentio para a luta.
E ’ dificil admitir que a Informarão, tendo por intuito destacar os benefícios
que para a Colonia resultaram da obra da catequese, se limitasse a registrar em
duas linhas vagas a defesa da cidade do Salvador contra o ataque de Withring-
ton e Lister, precisamente o acontecimento, em que melhor se comprovaram,
na epoca, aqueles beneficius. Essas as razões por que julgamos mais certo se
refira a Informação, no trecho em debate, não ás naus de Withrington e Lister
mas á que, durante o governo interino de Cosme Rangel, isto é, entre a segunda
metade de 1581 e maio de 1583, “ foi agazalhada nu B a ía ”, onde “ desembar­
caram mais de trin ta mil cruzados de mercadorias” (V arh., o. c., I, p. 473).
Tendo sido a princípio tomada por inimiga, e dessa suspeita não escapavam as
proprias naus portuguesas, ou sobrevindo os motivos de desavença a que alude
Yarn ha gen, Cosme Rangel, de acordo com os jesuitas, reuniu os indios aldeia-
dos para defesa da cidade contra um possivel ataque dos mercadores ingleses.
Ou então, hipótese muito menos provável, trata-se do navio em que voltava
para a Europa Lucas Ward, vice-almirante da armada de Edward Fenton. Sua
presença nas costas do Norte, depois dos sucessos de Santos em janeiro de
1583, sobressaltou os moradores da cidade do Salvador, a ponto de apelarem
para os indios aliados. Nêsse caso, a referencia da Informação confirmaria a
“ vaguissima indicação” de Lucas Ward na narrativa, que fez da expedição,
conforme se vê numa nota de Capistrano a. Varnhagen (o. c., I,_p. 481-2).
Há ainda a considerar a hipótese, muito plausível, de uma interpolação . Sem dú­
vida, qualquer dessas presunções é por si mesma fragilima. Deante, porém, do que
vimos expondo, são as unicas que a d ata para nós indiscutível da Informação
dos primeiros alãeiamentos, 1583, permite formular e robustece em consequên­
cia. Quanto á demora na remessa do papel para a Europa, ela se explica ou
pela fa lta de embarcação segura que o levasse no ano em que foi escrito, ou,
como pensamos, por haver sido elaborado para acompanhar a Informação do
Brasil, só concluída nos ultimos dias de 1584. — Resta apurar a sua autoria.
Declara Capistrano, na I n tr o d . ás I n f . c F r a g . H is t., tê-la a princípio a tri­
buído ao proprio Anchieta. Entretanto, não sendo bastantes para autorizar tal
suposição as referencias da Informação do Brasil, um estudo mais detido do
documento convenceu-o de que o autor deve ser ou Gregorio Serrao ou Luiz da
Fonseca. Mais provavelmente o último, que por esse tempo substituía Serrão,
já gravemente enfermo, na reitoria do Colégio da Baía. Faleceu o grande ami­
go de Anchieta em dezembro de 1586 no Espirito Santo. Do forma que Ca­
pistrano, nos Proleg. ao 1. IV de frei Vicente do Salvador, julgando ser a
Informação dos primeiros aldeiamentos de 1587 ou pouco depois, passa a in­
dicar, como seu provável autor, o padre Luiz da Fonseca unicamente. Que o
jesuíta que escreveu a Informação não foi testemunha de todos os aconteci­
mentos que narra, pode-se deduzir da omissão, no trecho íelativo a guerra do
rio Real, da ida á aldeia de São Tomé do padre Luiz da Grã e do irmão Fran-

385
JO S E P H DE A N CH IETA

Pi......... « * a , ............ .
, *i o cftso d e A n c h ie te , quo, repo ineiill Tnaci 0 do Tolosa, só esteve
até 1577, quando chegou do Sul I P tniral em 3 509, se conser-
» « ... ™ '» ■ . r i l ™ riü » ™ . w , * *
v,m 11.1 H o» « ' « , * > > » * • sncosBOS ....... iToterniinarani ■ oubatitui-

T
(|f>" setembro
T T de
j 15 a, 1u's
fi t ai
lo 1573. W
1 a - ,.................
in h«•
a lh"o sKim,|“ ' l'k ” pr0'
da conversão 110
curador a Poma, deixando bas an e a< « ^ ' . seguido. Além disso, seu
-o - f ( ; v \ 0 m ui r ' , Ü d i m o s ( ^ i s t r n n o , n ã o I b e p e r -
P rc, ' : m " .......................... ' ’ ,, r r a b a l l i o s a c o m o ó a Informação dos pn-
,!'iMritt , 7 <;r,.‘v,'r ;! , !r r : 7 a t é prova melhor em contrário fornecida
tnda .8 as probabilidades militam, segun-
i " 1' ,i',lll' 1UCr ‘" '^ m .r * (h""ulorm 'do' Ancbiod a. Em todo 0 caso, se não é ele
do 1 0 .s parece. . 1 cia v i - t o s foi escrita a Informarão
- — v:-,;' 7;" .^v.;v
: 'r r'::zz
não
«■
I"k : i rá o p a pel d e s l o c a d o cut re os esc r d os d o
r
1 a u m a t ui g . .
o ;i Companhia para a
( !"7 ! Hf,I ire a s t r a i at i v a s e n t r e d . d e ã o 11!
j). 42!) e s . ) e S. do
id:i ilos n ■i s s ' o n a r i o s a o b r a s i l , v . P>. T i d e s (( rou
!s i•o 11 <■e 11 s (i rou., e d . d e í s i m , 1. !, n .

4.-.S ) “ T r n i t a l l m m o s d e s a b e r a l i n g u a d e l e s e n i s s o j . p a d r e N a v a r r o n o s
, , -- , , ^. r .,v p, \ o b r e g a ao p a d r e S i m a o b o d r i g u e s (Can.,
i v:1 van a g e m a lo d o s . m u u . i -'oi.i g
.... u n d o C a p i s t r a n o ( n o t a a V a r a l , . .
i
Ihst. Gcr.,
D o d . 5 E ]>■ oOO
. ,, V iX-
V.
: i. . en o n i r o n f a c i l i d a d e e m a p r e n d e r a lingua d a t e r r a p o r se . <u u ^
\ a ’•!
Xp P , u (Muil.em a r a p i d e z c o m q u e A n c m c l u , <m o u
■n ;ka ra K a s s i m se
t;mn 1l i s e a i i d i . se l o n m u me-4 ro i la l i n g u a nr
a ca rta de d . D u a r t e
. 1õ!> i Sol ire C'SE.’l Pji l e r r a dos í n d i o s da B a ía.
.!a ( ' ost a . d e 1n P o i m d i o d e 15:,-., p b l . na !!>■'
p o r It. C a r e
/in Urosil ( I I I . i1 477-b ) e r e p r .
i. p . 7- 7 1 ) .
c . , ! . o, n. o ), “ teve fim esta
i tiiO i N o di izer d e S . d e V a s e o n c e l o s ( i1
de Maio do ano do Senhor de
leoliii,.Pii m a s b e m a f o r t u n a d a g u e r r a , n o m e s

, ,.:n “ A p r i m e i r a a l d e i a q i m a s s e n t a r a m os p a d r e s * ’ f o i a (1°
melhe (S d e V a s e . , o . c . , 1. 2, n . 5 ) . Ne l a r e s i d i r a m os p a d r e s A n t o n i o b o -
P rigim s e I .e o n a r d o do '• a l e .
, pm, F m 155(>, a l é m d a s c a s a s d a B a t a , E s p i r i t o S a n t o e S ã o V i c e n t e ,
F u l m i e os J e s u i t a s a d e P o r t o S e g u r o e j á p r i n c . p i u d a a d e I e r n a n i b m o .

i .((i;t i V . nola 1 <0 .

s*,‘, b r e a - m e r r n d o s i m l i o s d o E s p i r i t o S a n t o , n a q u a l E e r n ã o de
M-, perdeu a vida, v* Cart. Ar. ( X X I I I ) , f r e i V i c e n t e d o S a l v a d o r (. Hist.,
|, Ktp 7 0 ) e C a p i s t r a n o ( n o t a a Y a r n h . , o . c . , C P - <>. i ) .
i .KPT) A guerra dos Ilhéus é porm enorizadam ente descrita por X obrega
X V ) . •!á e s t a v a c o n e l u i d a e m s e t e m b r o d e .15:.9 (Urt Aj ., —
X X X ! V e X X X V I ; C a p i s t r a n o , n o t a a V a r n l i . , o . c . , 1, P - ' /•
XX X . INFORMAÇÃO DOS PR IM E IR O S A LD EIA M EN TO S

(466) Em GO clc novembro de 1559 chegou ú Baía a arm ada enviada do


P ortugal para combater os franceses do Rio de Janeiro, sob o comando de B a r­
tolomeu de Vasconcelos da Cunha. Mem de Sá reforçou-a com auxílio dos ín­
dios e p a rtiu a 16 do janeiro de 1560, chegando ao Rio a 21 de fevereiro. Cons­
ta v a a fro ta do duas naus e oito embarcações menores (V arnli., o. o., I, pá­
ginas 3S4-G, e nota do Capistrano, p . 399).
(467) E ste principal Morrantjao ( Mirant/a, escreve V arnli., o. c ., I,
p. 320) ó o mesmo Mirãgaoba ou Miranr/aoba a que alude Nobrega. em duas
de suas Cart. (XTX e X X ). Chefe da aldeia de São João, “ indio mui sabio
c mui estimado, e por isso mui soberbo”, no dizer do grande jesuíta, “ foi preso
e hum ilhado” por estorvar a obra da catequese e desobedecer a Mem do Sá.
(46S) Sôbre a retirada dos indios da aldeia de São Joao e ruina de sua
ig reja, escreve o padre Rui Pereira (Cart. A r . , X X X IX ).
( 4 0 0 ) Com Mem de Sá embarcaram em São Vicente, a 2.) de junho de
1 560, o provincial Luiz da Orã e os irmãos Gonçalo de Oliveira, Caspar Lou-
renço, Antonio de Sousa, e B altazar Gonçalves. A chegada á Baía foi a, 29 de
agosto (Cart. Ar., X X X I X ) .
(470) Rembê ou Erernhê, a nove léguas da cidade do Salvador (S . do
Vasconcelos, o. o., 1. 2, n . 9 0 ).
(471) Cf. Cart. Ar . ( X L VI.
(472) A aldeia de Santa. Cruz foi fundada, em junho de 1561, passando
a residir nela os padres Antonio Pires e Luiz Rodrigues, em companhia dos
irm ãos Manuel de Andrade e Paulo Rodrigues. Povoaram-a, em grande nú­
mero, os indios das margens do rio Paragua.çú (Cart. Ar., XLV, c S. de \ as-
concelos, o. c... 1. 2, n . 9 9 ).
(473) A ig reja do Bom Jesus ficou sob os cuidados do padre Anto­
nio Rodrigues, auxiliado pelo irmão Paulo Rodrigues. A povoação era distante
da cidade do Salvador “ algumas 15 ou 16 léguas”, segundo Antonio Pdasquez
(Cari. A r . , X LV ) .
(474) O gentio do rio Itapicurú tinha por principal o indio Ararae
(S . de V ase., o. c ., 1. 2, n. 99) ou Araram (Cart. Ar., X L V III), “ mui es­
tim ado e de grandissim a fain a ” . Em razão de sua extrem a velhice, que di­
zem será de 120 anos o não ser já pera m andar nem fazer nada” , substituia-o
na qualidade de chefe seu sobrinho Capij. — As duas povoações m andadas
principiar por Grã, de volta do Itapicurú, foram as de S. Pedro e Santo An­
dré, a que a I n f . alude linhas adeante.
(475) A ig re ja de São Pedro, distante da cidade do SnUadoí - - léguas,
povoou-se com o gentio das “ aldeias chamadas dc Çaboiig, naquele tempo nu­
merosas, c outras mais pequenas" (S . de V ase., o. c ., 1. 2, n. 99).
Cart. A r . ( X L V II I) .
(476) A igreja de Santo André foi feita "n o sítio chamado Anhcbyg”
(S . de V asc., o. c., 1 . !)p) . — Cf. ( a r t . A r . ( X L V III).
(477) A. partid a p a ra Cninaniú ou Macainainú, do lado de Ilhéus, não foi
em novembro de 1561, como dizem a l n f . e S . de Vasconcelos («• £ . , 1.
n . 100). mas alguns meses antes, pois em setembro ;pi Leonardo do vale (
A r . , X L V I) noticiava a fundação da igreja de Nossa Senhora da Assunção.

3 87
JO SEPH DE A N C H IE T A

(478) A ig reja .lo São Miguel «• const™ ,,( em v m * * S m t « » ™ ' a rí'-


chamado T aporaguá” (S. de A ase., o. <■.
Assunção ficava distante da cidade
(479) A ig re ja de Nossa Senhora da ^ Leonardo do Vale (Cart.
do Salvador 30 léguas pouco ni.us ou inenos „ d(, Vascom.eil)8 (o. c ., li-
y1r.. XL VI ), cálculo que e de se j r e f ^ dfi ](; leg u as.
2. n. lhO . . p ara quem

Cf. Cart. Av. XLVI c X L V r il) .


(480)

(481 > V. Varnhagen


da 88.
(482 i 1) massacre do
13 Vi.
conde de L i n h a r e s , c a s a d o c o m u m a
, 1 . !>. Fernando d trovc-rnador e m a i s t a r d e v o i u a
f i 111:L de, Meai
Mc, li i le e u . " e n g e . o, - „„ o . c . , T,
i icrt ene*
: a, . ; ' o - . * ........ 0 ^
r.rnf . ■< 3* cal. ).
(484) Cf. Cari. .! r. ( XLV111 ) .
1 .v í : s e g u i n d o - s e m u ]r>64 “ u m a ter-
( 48.' ■ A ; icst (> ;issi d o u a Ha: in (M Cart. Av.
n . 38 ) . — C f .
IIV( ! fome' >gundo S . d e Ya sc . ( o
(F .• Ll i 1
dc V a s e . ( o . c ., 1. 3, n . 3 0 e 4 1 - 2 ) ,
, ISO 1 L e \ a d o s pela f m ne, esc r o v e
■ i> " s e a l u g a v a m p e r a s e r v i r t o d a a
ns v e n d i a m a si mos
v i d . ; H‘, r P a H e c o m o ■' v e n d i n m p roprios filhos que g e r a r a m ” e até
nêo g e r a ra m , tin g in d o - s e u s " . K m ino surgissem •g ra n d e s e m b a ­
r a ç o s , d ú v i d a s d e e o i i f i é n c i a , i m s e n e c o m p r a r a . , » e s í n d i o s n a f o r m a a c r n i a r e-
f e r i d a " , co n s u lt ou-se o T r i l m i m l d a M e s a da * o m - i i i c a , de L i s b o a , e dele
v (.: n a resoliicfii) s e g u i n t e " : - Q u e o p a i p o d i a e m d i r e n o v e n u e r a o f i l h o c m
d e a p e r t a d a n e c e s s i d a d e : e q u e q u a l q u e r «o p o d i a v e n d e r a si m e s m o p e r a
g o z a r d o p r e c " . H e u m d o s , em c o n s u l t a , o l . i s p o d . P e d r o L e i t ã o o g o v e r n a ­
d o r M e m de S á . o o u v i d o r g er al P r a z F r a g o s o e o p r o v in c i a l L u i z d a G r a pa
m .(.„ i.eui q u e se p u b l i c a s s e a o p o v o a r e s o l u ç ã o d a M e s a d a C o n c i c n e . i a , j c
q t , p t-oin ela" 1 i ç a s s e m q u i e t o s os q u e - • m u p r u r a m n a f o r a m c o n t e n d a , e o s q u e
f o r a m c o m p r a d o s f ó r a d e l a se t i v e s s e m p o r l i v r e s " . Q u a n t o a o s m d i o s v e n d i ­
d o s “ f o r a d o d i r e i t o p o r t i " s , e i r mã o s . , e p a r e n t e s , que_ n a o t i n h a m d o n n o
s ó b r e e l es, d e t e r m i n o u s e (pie os t a i s e r a m l i v r e s ” . E m r a / . a o , p o r é m , d a s glan­
d e s d i f i c u l d a d e s q u e se a l e g a v a m d e se l a r g a r e m t o d o s e s t e s Í n d i o s d o s e r v i ç o
d o s P o r t u g u e s e s ; e p o r q u e p o d i a m ir o u t r a v e z m e t e r - s e e n t r e o s g e n r o s , c o m
d i s p ê n d i o de s u a s a l m a s , o n ã o sem p e r ig o d a r e p u b l i c a , f o i p e r m i t i d o q u e ti-
(.a s , (,in e m c a s a d o s q u e ms t i n h a m , c o m a s c o n d i ç õ e s s e g u i n t e s : Q u e o s d i t o s
Í n d i o s « ss i m a l h a v i d o s f o s s e m a v i s a d o s de s u a l i b e r d a d e : m a s q u e c o m o l i ­
v r e s s e r v i s s e m à q u e l e s q u e os r e s g a t a r a m e m s u a s v i d a s , p o r e v i t a r os m e o n -
v e n i e n t e s q u e d o c o n t r á r i o se p o d i a m s e g u i r ; e q u e f u g i n d o o s t a i s Í n d i o s , o s
p u d e s s e m os a m o s m a n d a r b u s c a r , e c a s t i g a r : e c o m c o n d i ç ã o q u e o s a m o s , e m
r e c o n h e c i m e n t o d e s u a l i b e r d a d e , lh.es p a g a s s e m e m c a d a u m a n o p o r s e u s e r ­
viço a q u i l o q u e j u s t a m e n t e lhes f o s s e t a x a d o : c o m d e c l a r a ç ã o , q u e c o n t i n u a n ­
d o el os a f u g i r p e r a o g e n t i o , s e n d o d e p o i s d a p r i m e i r a v e z , p e r d e s s e m a so

388
X X X . __ INFORM AÇÃO DOS P R IM E IR O S A LDEIAM EN TOS

d a d a de u m ano, e m r e c o m p e n s a do que os a m o s p e r d e r a m e m buscá-los. E ou-


l i - osi q u e o s p o s s u i d o r e s d o s d i t o s í n d i o s , os n a o p o d e r i a m v e n d e r , n e m d a i ,
n e m tr o c a r , n e m le v a r f o r a do B r a s i l : e o qu e os n ão quisesse po ssuir com a s
c o n d i ç õ e s a p o n t a d a s , os p u d e s s e t o r n a r a d a r a o s q u e lhos v e n d e r a m , s e m t i ­
t u l o d e d o m i n i o q u e ti v e s s e s ô b r e eles, e ê s t e s lhe t o r n a s s e m o p r e ç o . Essas
c o n d i ç õ e s , e n t r e t a n t o , n ã o “ se g u a r d a r a m n e m a r e s o l u ç ã o s e r v i u d e m a i s q u e
d e c a t i v a r e m m a i s í n d i o s c o m c a p a d e v e n d i d o s p o r si m e s m o s , o u p o r s e u s
„ njs” __ A ’ M e s a d a C o n c i e n d a r e p r e s e n t a r a m t a m b é m os m o r a d o r e s , c o n ­
t r a r i a n d o o p o n to de v is ta dos je s u íta s f a v o rá v e l á lib erd ad e dos indios. A le ­
g a v a m , no d iz er d e V a r n h a g e n ( o . c . , I, p . 42 1-3 ), que “ bem c o n s m e ra d o o
c a s o ” os p r o p r i o s in d io s d a s ald eia s d a C o m p a n h ia “ eram verd ad eiros servos, ^
P o i s t r a b a l h a v a m c o m o t a i s , n ã o só n o s C o l é g i o s , c o m o n a s t e r r a s c l m m a u a s dos
indios, q u e a c a b a v a m p o r s e r f a z e n d a s e e n g e n h o s d o s p a d r e s j e s u í t a s . D a - l h e s
r .zr„> V a r n h a g e n , a f i r m a n d o “ q u e e s j e s u i í a s p r e g a v a m m a i s c o m a p a l a v r a
d o ' q u e c o m o e x e m p lo " e n ã o ti n h a m “ meios de p ro v a r aos colonos sua ab.ie-
c r a cão q u a n d o a. t í t u l o d e o r d i n á r i a , c o b r a v a m s o i d o s a v u l t a d o s d a s r e m i a s d a
c o l o n i a ” . E s s a s ac u sa ç õ e s sáo r e b a t i d a s pela l,)f ., p á g i n a s m l e a n t e .

(487) A a l d e i a d e S a n t a Cruz. d e D a p a r i e s , s e h a v i a m u d a d o p a r a J n -
g u a r i p e , “ p o r c a u s a d a f o m e , o p o r l h o m e t e r e m em c a h e c n se us f e i t i c e i r o s , q u e
p r o c e d i a e s t a em c a s t i g o de se h a v e r e m s u j e i t a d o a C r i s t ã o s (• • " e ascon
coJ og 0 . e . 1. n . 3 0 ) . — Q u a n d o p r o c u r a v a m i m ] t o d i r a d e b a n d a d a i d s in
dios d e T a p c r n g u á e T a p e p i t a n g a , e s t i v e r a m a p i q u e d e m o r r e r as m a o s d o s u-
g i t i v o s os p a d r e s J o ã o P e r e i r a , A d ã o G o n ç a l v e s , J o r g e R o d r i g u e s e urn i r n m o .

(4 S S )E m l.'()4, e s c r e v i a A n t o n i o Blasouez. ao p r o v i n c i a l p o r t u g u ê s (( «m .
A r i ; n i ) : “ A s m u r m u r a ç õ e s q u e o a n o p a s s a d o so h a v i a m l e v a n t a d o , f u n ­
d a d a s n o s m i e p r e t e n d e m os s e u s p r o p r i o s i n t e r e s s e s d o s b n l i o s , p a r e c e n d o - l h e s
q )e nós i m , W i L s a .......... * * » • " ^ 5 ^
eme t e v e o P a d r e P r o v i n c i a l p a r a l h e s d e s a r r a i g a r e s t a o p m x a o .ir..ib.indc
o G o v e r n a d o r q u e m a n d a s s e p ô r e m c a d a . p o v o a ç ã o u m h o m e m .m i r a d o q u e t i ­
v esse o n o m e de C a p i t ã o e fo sse como q u e o p r o t e t o r dc.es deten d e m .o -o s . . .
i
i n á r i a s e a g r a v o s dos C r is t ã o s . Estes, com o te s t e m u n h a s de vista, o b s e rv a n ­
d o a n o s s a v i g i l â n c i a e c u i d a d o q u e c o m eles se t e m c p o r o u t r a p ai te c o n s i ­
d e r a n d o o s i n s u l t o s e o p r e s s õ e s q u e d a p a r l e d o s C m t ã o s j . s -índios p a d m m m
h ã o d e c l a r a d o e p u b l i c a m e n t e diz em ao povo a p o u c a r uza o o a
q u e tem e m no s p e r s e g u ir , e a j u d a r ta o pouco n esta obi.i
Senhor” .
( 4 S ()) E ’ c o m c e r t e z a o m e s m o F r a n c i s c o de M o r a i s q u e do n o s na m
q u i r i ç ã o o r d e n a d a p o r M e n , d e S á , e m 1570, para j us t if ic a r os s e r v i a s q n c
prestou no governo (Instrumento dos serviço,s de Mem de ba,
B ibl. N ae. ”, X X V II, p. 153).

(490) P r o v a v e l m e n t e F r a n c i s c o B a r b u d a , p r o p r i e t a r i o d e um 1 n h' ” ,l‘l


M a to im , o n d e h a v i a u m a e r m i d a sob a in vocação de . a o *en o
ed. 1879, p . 125).
(491) Este A n to n io R i b e ir o deve ser o m esm o citad o coam n a r t . d a r i o de
d. D u a rte d a C osta n a rep resen tação d a G am a ra d a Baia ^.^Suno
' o co-
d a t a d a d e 18 d e d e z e m b r o d e 155G, e a i n d a , c o n f o r m e s u g e i e <1 ' ’ ,
m a n d a n t e d a b a n d e i r a q u e , n a a d m i n i s t r a ç ã o d e M e m de Sn, ca iu n u m a m . f
a r m a d a p e l o s i n d i o s ( n o t a s a V a r n h . , o . c . , I , ? • -'<>0 e 4 o ) . M a s t a r e i e ,
d e p o t d ^ s e g u n d a e x p e d i d o d e M e m d e S á a o R i o d e J a n e i r o , c o m b a t e u os

389
JO S E P H DE A N C H IETA

selvagens do Campo Grande, onde morreu com muitos aldeiados da Baía, se­
gundo narra esta mesma I n f .
(492) Certamente o mesmo que tomou parte na guerra dos indios da
laia durante o governo de d. Duarte da Costa (nomeando-o êste, na c arta de
Baía
100 de junho de 1555, “ João d ’Araújo, que foi Tesoureiro ) vem citado como
lartidnrio do governador na representarão da Camara da B aia de 18 de de-
V'
zetnbro de 155G e dcpOs em 1570 no Instrumento dos serviços de H e m ae^ba
(“ An. da Bi Dl. Nac >* XX VII p. 137; Hist, ria Colon. Por t. , I l l , p. 377-9;
“■“ ’1 - ^JO)
Capistrano, e R. Garcia, nota a Varnh , 0 . c ., 1. p. 3(36, 371 e
(493) V arnhagcn ( 0 . c ., I, ]>■ 423-4 ) reproduz, n carta régia ligeira-
mente m odificada, sobretudo no final.
(■4944 Observa Capistr: no um ;1 a V arnli., o . e ., T. p . 424): “ O ou-
vi dor quo anui estava era ainda i iraz F ra g o so . Isso permite fixar a d a ta da
carta régia em 156li, pois já "i;i 20 d( novembro dêsse ano Fernão da Silva es-
íif. - A
lava no B r Silva Lisboa,
a Anais
s do !!io id1’ Janeiro,l 1, 313 _.
carta foi recebida antes de jullm, mês em que se tomaram as residuçoes que
a I v í ■ reproduz, em seguida .
(495 > <'oiiiii Cl.
d i z ( 'a i i st r a m 1 c .) , essa data indica (pie não se esperou
]>nrn delibe i r a v i n d a d o pae.n lnacio de Azevedo e do novo ouvidor geral
Fernão da S i l v a , d e a c õ r d o c o m 11 111 ic de! erm ina va cart a-régia .

( 496 1 ltiego Zoriillm, castelhano, natural das Montanhas de Laredo, nas­


CPU em 153 ii mais ou menos e chegou ao Brasil eia looti. Além de piocuia.dor
dos índios, fui alcaide do mar da cidade do Salvador e guarda-mór dos navios.
A 'J1 de a Tosto de 1Õ91, fez denúncia contra Alvaro Itodrigucs e outros pe­
r;m1e 0 Sn ia, ofício. Era casado com Catarina Hios, de quem teve três filhas
(J)r ii . da Unia. ]). 242, 2*2 e 3*9; Capistrano e 'L Garcia, nota u V arnh.,
0 . c •• E 1' 125.1 .
(497i Falecendo Nobrega em outubro de 157(1, Antonio Pires exerceu in-
terinanientc o cargo de provincial, para o qual havia sido aquele nomeado pela.
segunda vez.
(49*) Será este o mesmo Fernão Cabral de Taíde, fazendeiro em Jagua-
ripe, .a que se refer») Anchieta na carta ANA 1 ? Confessando-se perante o Santo
Ofício, a 2 de agosto de 1591, declarou ter cincoenta anos de idade. Teria, por­
tanto, trinta, em 1571. O fato da I nf . nomeá-lo simplesmente Fernão Cabral,
e não Fernão Cabral de Taíde, nada importa: aludindo a Taíde, não só A n­
chieta como muitos dos que 0 denunciaram ao Santo Ofício, omitem êsse so­
brenome (I)cn. da Paia. p. 2SU-3, 308-9, 340-2, 346-7, e t c . ) . O requerimento
do provincial alude ao sogro de Fernão Cabral. Portanto, n a hipótese de ser
Taíde o responsável pelo “ reboliço” da aldeia de São João, teria ele j á con­
traído matrimonio em 1571. Ora, sua mulher M argarida da Costa declarou
ao Santo Ofício, em 1591, ser de idade de quarenta anos ( Co n f . da Baía,
p. 101.-2) . Teria, assim, vinte em 71, idade em que as mulheres naquele tem ­
po já se casavam tardiam ente. A propria Margarida da Costa, aos quarenta
anos, era sogra do desembargador Ambrosio Peixoto de Carvalho (1. c., p. 5 3 ).
E, favorecendo a hipótese de que Taíde seja 0 Fernão Cabral da I n f . , ha a
identidade de temperamento, violento e desabusado, entre 0 que em 1571 en­
frentem os jesuítas e o que anos depois mandou jogar na fogueira uma negra
inchada de comer te rra . Além disso, o Fernão Cabral de 1571 devia ser ho-

390
X X X . — INFORM AÇÃO DOS PR IM E IR O S A L D EIA M E N T O S

n-.em bastante poderoso p a ra d esafiar as cóleras da Companhia e Ta ide pos­


suía em 91 uma das maiores fo rtu n as da B aía. — V. n o ta 33o.
(499) P a ra Capistrano ( C o n f . da B a í a p re f., p . 21, nota 3), este H ei­
to r Antunes não pode ser o mesmo cristão novo que cliegou ao Brasil em 15o7
com Mem de Sá e depôs no Instrumento com que o governador justificou os
serviços prestados á Colonia (notas a V arnli., o. c ., 1, P ■ 372 e 3 /8 ), sendo
iá falecido ao tempo da prim eira visitação do Santo Oficio. Nao pode, P ',lf9'0
a I n f . se refere á “ fazenda de E itor A ntunes’5 e o companheiro dc Mem de ba
era m ercador. Contrariando embora a opinião entre todas autorizada do insi­
gne cearense, parece-nos que se tra ta de um a só pcssôa. Dc fato entre as inú­
m eras denúncias contra a fam ilia de H eitor Antunes existem tres provando
que o mercador se to rn a ra fazendeiro no Matoim, desde L>71 pelo menos. 1
textualm ente Diogo Dias (D e». da Baía, p . 473-«): “ . . . quo cm Matoim
n e sta ’ capitania tinha H eitor Antunes cristão novo mercador que D.ra, c era
senhor de engenho no dito Matoim em sua casa esnoga e t e n r a . . . . H usto-
dia de Faria. (1. e ., p. 477-S): “ . . . q u e ha vera vinte anos pouco ma.s ou me­
nos que estando em Matoim doente em cama Heitor Antunes crismo mm, o.ei-
cador que fôra e ora (talvez êrro de cópia, por “ era , senhor do engenho de
Matoim ” . E Inez de B arros (1. c ., p . Ó36-9) : “ . . . q u e Heitor Antunes
cristão novo defundo morador que foi em Matoim tinha na sua ‘
f...u;ulia separada . Assim, o Heitor Nunes proprietário de engenho c o
mesmo cristão novo mercador, vindo ao Brasil eyin Alem de b a . < asara no
Reino com Ana Roiz, cristã nova, de quem houve seis filhos, dois dos qians ,a
eram falecidos em 1Õ91 (C apistrano, 1. <■■) ■ Ana Koiz, embora m gu. .c
memente as práticas judaicas de que era acusada e apesar de seus m tenta anos
de idade, foi queimada pela Inquisição.
(goo) Diogo Ribeiro foi quem lavrou o testam ento em 1ÕC.9 e três anos
depois ^f uii c i on ou no Jn v e n tá rio ‘ de Alem de Sá (R . Garcia, notas a Narnh.,
o . c ., p . HO e 44•>-•>•> ) .
/ rni , o doutor Fernão da Silva assumiu o cargo de ouvidor-geral, em
à scgimtlíL ,,,„ ,< „ . ,1, :
v.', .. O de m am , de lõ72, governou inlennam eiite a Colon ia alfc a posse
Luiz de B rito de Alm eida. A mandado deste em !•>..>, ‘‘‘“ ‘“ "j*
b„,.o, «H|» reuniu algum a f ô p a afia, <le co,,,lH .fr
porém, infeliz nessa expedição, sendo o ingá o <. ,, - 4 0 4 440
(V a rn h ., 0 . c ., I, p . 4(51, e notas de Capistrano e li. O a rc a, p. 4-4,

(592) Gandavo ( H i x t ., ed. da Acad., p . 146-7) testemunha os b<ni<*ficios <,«.e


resultaram das determinações dos dois goverimdoren nes.es indicar
S a g m - a ^ r U a cÜ irdeln n J e r r a , nem resgafes^om o
soia. Porque depois que os Padres viram a sem r a z a o ^ veda!
e pouco serviço de Deus que daqui se segma, ] 1 ‘ . p, (.IJriq(
ram, como digo, muitos saltos que faziam os ’“^ m o s 01 tUV,irem llluitos índios
os quais encarregavam m uito suas coneiencius to . ■ evitar em tudo isto,
contra direito e moverem-lhe «ue" a ® 0 ‘capitães da terra que
nãÍbouvcssean maneira, nem eónsentissein que ^ s s e ne-

sri s : m v - í **
391
JO S E P H D E ANCH IETA

cença pelo mesmo caso é mui bem castigado conforme a sua culpa. Além disto
pera que nesta parte h a ja mais desengano, quantos escravos agora vêm nova-
mente do sertão ou dc umas Capitanias pera outras, todos levam primeiro
A alfandega, e ali os examinam, e lhes fazem preguntas, quem os xendeu, ou
como foram resgatados, porque ninguém os pode vender senão seus pais, se
fôr ainda com extrema necessidade, ou aqueles que em^ ju sta guerra os c ati­
vam: e os que acham mal adquiridos poem-nos em sua liberdade. E desta m a ­
neira quantos índios se compram são bem resgatados, e os moradores da te ira
não deixam por isso de ir muito avante com suas fazendas” . J á no Trat
fed. da Acad., p . 55-6), havia aludido (landavo A “ determinação e assento
lie ].r>74, quasi que com as mesmas palavras.
(503' Com o padre Gaspar Lourcnço seguiram 11 irmão Joao Solonio e
vinte neófitos da aldeia de Santo Antonio (padre fnacio de Tolosa, carta de
7 do setembro de IA7A,, na Hishkia clr Sc niipr, de Folisholo Freire, llio, 1891,
nota, p. d-13; F. Saechino. 27/.P orne Snrii tnfis Jruu, nos Aponi, de A. H. Leal,
p Partiram, de m-úrdo emu a I v f . . cm janeiro de 1070, precisando
F. Saechino que a chegada ao 1,’io pool foi na / 0 . februari (28 de ja n e i­
ro) Tolosa, porém, dá a partida da Paia em fevereiro o a chegada ao lio Leal
no dia 28 dêsse mós. Xa Synopsis de A. Franco ( A p o v t . de A. H . Deal,
p. -j:::; 1 j 0ão Salono (siri, catalão, vem mencionado como padre já em D»i4,
•mo do sua oliegada ao Brasil.
(.'.04 1 Esse capitão era Garcia <1’Avila (G . Soares, o. e .. p . ■>■>. e frei
\ r . do Salvador, o. . . . c l . HUS, p. 213-4 i, que seguiu com uma companhia
de vinte soldados (F. Freire, o. c., p. a ).
( ) A aldeia de São Tomé, segundo supõe F. Freire ( 0 . r ., nota, p a ­
gina ã), ficava “ nas imediações do rio Piaui, atinente do Kio Ileal .
(50C.) No dizer de Saechino, quem edificou igreja de Nossa Senhora
da Esperança, em substituição A de Suo T o m e , foi 0 padre Luiz da Grã. A ida
deste ao rio Kcal é narrada por Tolosa, na carta citada. Declara 0 Provincial
que, tendo chegado ao Governador Luiz de Brito várias queixas contra 0 p a ­
dre Gaspar Lourenco, queixas essas enviadas pelos portugueses que haviam se­
guido com Garcia d 'Avila, resolveu mandar Luiz da Gra, tendo por intérprete
o irmão Francisco Pinto, afim de apurar a procedência das acusações. Luiz da
Grã escreveu logo desinent indo 0 que se dissera do padre Gaspar Lourenco.
Saechino informa que, após a revolta dos Índios de São Tomé contra os por­
tugueses, Inácio de Tolosa substituiu Grã pelo padre João Pereira.
(.“07 1 Curnhí e Survbí (Tolosa. !. e .) , Surubim (Saechino, i. e .) ou
Snroh 1/ (frei A', do Salvador, 1. c . ) . A aldeia desse principal, no dizer de
P. Freire (o. e ., nota, p. ã) “ ficava nas margens do rio Vazabarris, junto,
011 talvês 110 lugar em que acha-se edificada a vila de Itaporanga, o que se vê
pela carta, de sesmaria de Sebastião da Silva, Francisco Hodrigues e Gaspar
dc Fontes” . — Surubim, de çoó-r-oby, significa “ animal azulado, com laivos
azuos” : é o nome do peixe chamado jaú, no Sul do Brasil (T . Sampaio, O
tu vi na ninar, nar., 3* cd . ) .
(AOS) Apircpc (Saechino, 1. e .) ou Aperipé (frei V. do Salvador, 1. e.).
Na reprodução da carta de Tolosa feita por F . Freire (1. e..) , 0 nome dêsse
principal figura como sondo Pepita, evidente erro de cópia.
(Aopt Isto se passou, segundo Saechino, com o padre Luiz da Grã. —
V . nota A ;,

3 92
XX X . — INFORMAÇÃO DOS PR IM EIRO S ALDEIAM ENTOS

(510) Luiz de Brito partiu p a ra o rio Real em 1576. Aí desaprovou a


localização do povoado que Garcia d ’Avila iniciara e fundou a vila de Santa
Luzia, que facilitou a formação da Companhia de Sergipe, no dizer de l a r -
nhagen (o. c ., I, p . 459, e nota de Capistrano, p. 461). Entretanto, G. Soa­
res (o. c ., p . 35) inform a que se abandonou a povoação fundada por Luiz
de B rito, “ por se entender necessario fazer-se uma casa forte a custa de S. A.,
a qual Luiz de Brito não ordenou, por ser chegado a cabo do seu tempo, e su­
ceder-lhe Lourenço da Veiga, que não buliu neste negócio pelos respeiteis, que
não são sabidos, p a ra se aqui declararem ” . A respeito há uma nota de F 1 rei-
re (o. c ., p . 5 ), segundo a qual o lugar cm que acamparam os soldados de
Garcia, d ’Avila “ é onde está situada a vila de Santa Luzia” .

(511) O u Orobó.

(512) O p a d r e D i o g o N u n e s a c o m p a n h o u , e m 161-1, a e x p e d i ç ã o d e A l e ­
x a n d r e d e M o u r a a o M a r a n h ã o , d a «mal p a r t i c i p o u t a m b é m o_ p a d r e M a n u e l
G o m e s . D e v e t e r e n t r a d o p a r a a C o m p an h ia , n o b r a s i l , po is n a o vem m e n c io ­
nado na Synopsis de A . Franco.

(5 1 3 ) Jlórn Torta, n o m e d e u m p r i n c i p a l , eu.pi a l d e i a f i c a v a a IX l é g u a s


da c i d a d e do S a l v a d o r . “ F o r e s t a r de g u e r r a e n ão q u e r e r d ei x ar de vomer
c a r n e h u m a n a ” , a t a c o u - o M e m d e Sá l o g o n o p r i n c i p i o «1«' s o u g o v e r n o com
m u i t a g e n t e a c a v a l o c d e p é ” . A e x p e d i ç ã o n ã o g a s t o u ‘/ c m i r e v i r inam
q „ e - d o i s «lias e u m a n o i t e ” . A a l d e i a f o i q u e i m a d a e os m d . o s / o n t i . u h / s a o s
P a d r e s da. C o m p a n h i a (Instrumento dos sen:n;os de de Sn, A n . d a bi­
blioteca Nae. ” , X X V II, j>. 129 e s . ) .

(514) V a s c o R o d r i g u e s C a l d a s , «pie n o g o v e r n o d e M e m cie S á c l . o f i o u


a e x p e d i ç ã o q u e p r e n d e u o p r i n c i p a l C u r u r u p e b a , s u b m e t e u os m d i o s < " na'
g u a s ú e c o m b a t e u o s d e I l h é u s , f e z e m 1561 u m a e n t r a d a ‘‘ c o m a t o a r d a s c e s ­
p e r a n ç a s q u e h a v i a «le o u r o ” (Cari. Ar.. X L V 1 I I ) , atm g.m lo " a C hapada
D i a m a n t i n a e a s n a s c e n t e s d o P a r a g u a s s ú o n d e o d e s b a r a t a r a m os r u p . n n c a
o b r i g a n d o - o a v o l t a r ” (A . d ’E . T a u n a y , East (,er das band-, i, p. • )•
— V . nota de E . G arcia a V a r n h a g c n (o. c., I, p 4 0 - . - 4 ) .
(515) A expedição de Antonio Dias Adorno, que se seguiu á de Sebas­
tião Fernandes Tourinho, foi ordenada por Luiz í,,.,, ri.
tiu á procura «las minas de esmeraldas em fevereiro «le b»«4 ( 1olosa <a ta
t ada ) , tendo durado nove meses, segundo Paulo Adorno, que « ; ! •
(Conf . da Baía, p. 216). Compunlm-so de 1/0 portugueses c ' » J
correu a região já devassada por Tourinho (A. <1 h . hmii.i}, o. , 1-
(516) O insucesso da expedição de Formão da Silva contra ^

-j ~vpin pnilvirr'ou o governador om setembro cie lo 7o. A > ].

tornou á cidade do Salvador ÇVarnh., o. e., L p.


(517) V. nota 456.
G51S) Com T o m é de S o u sa veiu p a r a o Brasil um (.ristoiuo «1« Aguiar,

gtsz gssM rffzes.«


J O S E P H DK A N CH IET A

partidários <lc d. Rnnrte da Costa na representação da Camara da Baía con­


tra o governador (V a rn h ., o. c ., I, p. 296, e notas de Capistrano, p . 336 e
3 7 1 ) . Seria êsse o proprietario da faRenda a que se refere <i I n f .. G. Soares
çQ c i). ] 2 1 ) alude ao engenho de -‘um morador dos principais da teira,
que sc chama Cristóvão de Aguiar de Altero” , situado entre a cidade do Sal­
vador e a ponta de Tapagipe. Nome esse do cavalheiro fidalgo que_foi o p ri­
meiro juiz ordinario da vila de Santos e governou a Capitania, de Sao Vicente
de 1Õ42 a 1545. Teria, porventura, transferido sua residência para a Laia,
sendo assim ele, e não o companheiro de Tome de Sousa, o pioprietario da
casa (pie os negros da Cíuiné assaltaram?
( ] 9 ) O ouvidor-geral Cosme Rangel de Macedo chegou ao Brasil em
]578, com o governador Eourcnço da V i g a . falecendo éste em 1ÕS1, assumiu
Cosmo Rangel a. administração da Colonia, a princípio com o Bispo, depois
sózinho, até a chegada de Manuel Tides Barreto, em maio de lã S J. Foi mau
administrador, indispondo-se com as autoridades e homens primdpais da terra
(• provocando o desron'mii amento dos moradores em geral.
(-"52(11 Ou. antes, Dingo Vaz da Veiga, que tomou parte, comandando dois
navios portugueses, na e..pedirão de Diog» flores Vilde/. a 1 aiaíbu ( \ a i n h . ,
o . e .. I, j i . 491, e nota e, Capistrano, p. 462) .

( o2 1 ) Onofre Dinheiro ever,-ia na Baía as fum.oes de niamposteiro, de


Reôrdo com e IU'(/i nirnl a de 11 de maio l,>60. hscinre.o !.’ . Clareia em nota a
Vnrnhacen (o. c I, p. 15S1M : “ J/n/n/m-ste/ro il>>s ralicox, define Morais, Di­
cione rio, é o que cobra o que pertence a seu resgate. Os mamposteiros foram
extintos no reinado de d. Jose 1 ’.
r.'.ggi Hm caria de it i de m a r c o ile i- n-q escrita <ln Rio de Janeiro ao
rei d. Sebastião (“ An. da Btbl. N ae. ", XXVII, p. 227-10, Vem de Sá co­
municava. haver nomeado “ ína meirinho dos do gentio em cada. vila porque fol­
gam eles com estas honras e conlentain-se com pouco, ema sc vestirem cada
ano e ás mulheres u na camisa de algodao bastara, e isto deve vossa alteza m an­
dar que lhe dèni. Também mandei fazer tronco em cada vila e pelourinho poT
lhes mostrar que têm tudo o que os cristãos tem e para o meirinho meter os
moços no t ronco quando íegem da escola e para outros casos leves com auto­
ridade (tie) quem os ensina e reside na vila ; são muito contentes e recebem
melhor o castigo que nós” . Ror sua vez, Nobrega [Carl., V I I I ) se refere a
uma india meirinha, ‘‘a qual é tão diligente em chamar á doutrina que é para
louvar a Nosso Senhor” . — V. Varnliagen (o. c . , I, p. 27S).

394
* ■

XXXI

B reve n a r r a ç ã o das c o isa s r e l a t i v a s aos C olég ios e residên cias

da Co m pa n h ia nesta p r o v ín cia b ra sílic a ,

NO ANO DE 1584 (523).

xiSTEM nesta província três Colégios (o24) e outras cinco ie-


" sidencias (525) da Companhia, que se sustentam de esmolas:
contam-se 142 companheiros que habitam, quer os Colégios, quer as
residendas, 70 Sacerdotes, e outros irmãos, dos quais 30 são estu­
dantes. deste número dois voaram este ano para o ceu (como pia­
men te se póde acreditar) em lugar dos quais seis outros loram ad­
mitidos entre os nossos.

COLÉGIO DA BAÍA

Residem presentemente nêste Colégio 62, incluindo aqueles que


moram em três aldeias de índios, dos quais 31 são sacerdotes; 4 pro­
fessos de 4 votos; coadjutores espirituais formados:5; mestres: 5,
um de questões de Teologia de Concienda, outros em filosofia, dois
de latinidade; o sexto finalmente de meninos.
De entre os irmãos 12 são estudantes. Coadjutores: 15, seis loi-
mados, os outros são noviços.
Todos empregam o mesmo cuidado, em ordem a se observarem
diligentemente aquelas fórmulas e regras, nas quais se contém o
instituto da nossa religião, sem omitirem um só ponto de seu mi­
nistério. para o que muito concorreram as conferências e as exor­
tações particulares dos superiores, seis meses de confissões gerais,
mortificação do corpo, com todos exercícios nos dias santificados, e
a costumada renovação do.s votos.

395
JO S E P H DE A N C H IE T A

N ã o f a l t a r a m este a n o os e n fe rm o s , poucos p o r é m nos a n t e r i o ­


res, os q u a i s a r r a n c a d o s d a s p r o p r i a s f a u c e s d a m o r t e p e lo s c o s t u ­
m a d o s re m e d io s do s méd icos, a f i n a l r e c u p e r a r a m as a n t i g a s f o r ç a s .
T e r m i n o u - s e o s a c r a r i o (52(1 j de Iodas as r e l i q u i a s e fo i colo­
cado n a capela, o n d e os I r i n ã c s assistem aos exercicios q u o t i d i a n o s ,
pois o P a d r e V i s i t a d o r (5 2 7) d e t e r m i n o u que, n o d i a d a i n v e n ç ã o
d a S a n t a C r u z ( 5 2 8 ) , n o q u a l se expõe o s a n to le n h o e o u t r a s r e l i ­
quias, p a r a s e r e m v i s i t a d a s em a nossa ig re ja , e m solene p r o c is s ã o
do s nossos, pelos c o r r e d o r e s p a r t i c u l a r e s do Colégio, t o r r a d o s d e ri-
e<ts ta p e t e s , o r n a d o s do v á ria s im ag en s e ne 11<>) es, t o d a s as 11 li-
q u i a s dos S a n t o s fossem e o n d u z iu a s e colocadas, com tod a a p u b l i ­
cid ad e, em s a c r a r i o <1i -1into, em eol re/in!ios, p r e v i a i n e n t e o r n a d o s .
( 'elehroti-se em segui da t ma devola cerem-.ana. a c o mp a n h a n d o
o órgão, as 1'laulas. e o elaviconíio e as ci t aras a modulucuo aos
s a l mo s .
Os nossos P a d r e s r e v o J i d o s de r iq u íss im o s p a r a m e n t o s , d eu ai-
vi) (](* inii palio de si da a d am u s e an a , ue-o iiand o em h(>a o íd e iu , cui-
reíravam as im ag en s da Sa n tí s si m a \ irg('in e o u t r o s S a n to s , os n o ­
viços. p or ém , e < u tr e s irmãos, t r a j a n d o vestes oram-as. c o n d u z i a m
velas mesas, seii ielh ant em ent e vestidos, o u t r o s a g i t a v a m t u m e g a n -
te.s t u ri lados.
To das estas cousas r e s p i r a v a m t a n t a p i e d a d e e devoção, q u e
m u i t o s fidalgos, que i n s t a n í e m e n l e h a v ia m soli cit ado p er m iss ão p a r a
a s s is ti r a esta tra.sladacao, a d m i r a n d o esta p e rf e iç ão da Compa­
n h ia , e i m p u ls io n a d o s p o r le rvo ros a devoção, d e r r a m a r a m a b u n d a n ­
tes l a g r im a s , e e s p a l h a r a m pela cid ade e n tu s i á s ti c o s elogios d a C o m ­
panhia (529).
P a r a a c o m p l e t a o r n a m e n t a ç ã o desta capela, g e n e r o s a m e n t e o f e ­
re c eu c er to V a r ã o 28 covados de pel úci a de seda, o u t r o u m a c a i ­
x i n h a d e p r a t a , a i n d a o u t r o d e u u m a boa p o r ç ã o do a s s u c a r , p a r a
com o seu p r o d u t o se c o m p r a r e m as coisas n e c e s s a r i a s ; as q u a i s e s ­
mo las p e r f a z e m soma s u p e r i o r a 6o7$000 (530).
V o u a g o r a t r a t a r do que r e s p ei ta a u t i l i d a d e e p r o v e i t o d a s
almas, em cu jo exercício n ã o f a lt o u c u i d a d o e d il ig ê n c ia , p a r a a u ­
m e n t a r a g ló r i a do n o m e de D eu s, n as c o n t í n u a s a ss e m b le a s q u e se
r e ú n e m , t a n t o em nossa i g r e j a , como em a m a i o r , e com a r e t i r a d a

39 6
X X X I. — B R EV E NARRAÇÃO (1584)

do Padre Visitador para outras Capitanias e Colégios da Provin­


cia (531), diminuiu o número de assistentes; nunca, porem, se res­
tringiu o de assembleas, por que cada um individualmente se es­
força, para que não falte êste remédio tão salutar e celeste ali­
mento dos homens.
Pela Quaresma, porém, quatro vezes por semana se reuniu a
assemblea, posto que com grande sacrificio por parte dos opera­
rios, compensado com tudo, pelo bom fruto dos ouvintes, o qual a
experiencia mostra que é proveitosíssimo, quando procede da pa­
lavra de Deus.
Para as paroquias estabelecidas, e distantes daqui dezoito le-
omas ou mais, são chamados os nossos, com o fim de desempenhar
igual incumbência : e algumas vezes e tao considerável a serie de
pedidos, que se não pode satisfazer ao desejo de todos.
Xão menos abundante e a seara das confissões, na qual os
nossos padres incessantemente labutam, nem menos louvável é tal
desejo, pelo qual os moradores desta cidade aspiram a esse sacra­
mento, e como sejam muitos os que recorrem a esse antidoto, devo­
tamente, de oito em oito dias, muitos mais para aqui \êm de ou­
tras aldeias longinquas, confiando em os nossos, por cujo conselho
e doutrina dizem que se lhes aquietam os escrúpulos da concienda.
Por tanto, unicamente aqueles que, arrependidos, se aliviam
do pêso de seus pecados, neste C o lé g io , e se confortam com o pao
eucarístico, se elevam ao número de o74-.
Xos dias, porém, de festa, nos quais pelo Sumo Pontífice se
concede o santo jubileu aos assistentes, contamos quatrocentos e
quinhentos que se aproximam da sagrada mesa.
Também se não deve omitir esta vantagem, que as mais das
vezes é apresentada pelos nossos, e vem a ser que as confissões de­
terminam a muitos ouvintes e assistentes a restituição daqueles
bens que não poderiam reter, ou possuir sem pecado, conciliam os
que estavam separados pelo odio, alcançam o perdão das injurias
e socorrem com as esmolas que tiraram as mulheres, cuja honra e
virtude correm perigo, acomodam muitas demandas e questões an­
tigas e muitos livram do perigo da morte, e muitas outras de imo
menor relevância praticam, em honra de Deus e proveito do pro-

39 7
JO S E P H DE AXCHIETA

xiroo, e t o d a s elas se d e riv a m , como de m a n an c ia is , d a s confissões


<; d a s assembleas.
Xão p re c is a re i de a d u z i r m u i t a s p r o v a s de.ste fato, b a s t a r ã o
algumas.
U m a ocasião, certo Padre, p re g a n d o em u m a des ta s as se m­
bleas de fieis, veiu a t r a t a r do juizo de D eu s e se r e f e r i u , ás p e n a s
futuras. E n t ã o c e r t a m u l h e r a b r a z a d â em odio de m o i t e , se i m ­
pre ssi on ou t a n t o com as s u as palavras, que m u d o u c o m p le ta m e n te
de vida, e dissolvida a assemblea foi t e r com u m dos nossos Irm ãos ,
e b a n h a d a em lagrimas, com a v»;: e m b a r g a d a pelos soluços, p i o -
rornpeu. afinal, nestas p a l a v r a s : ' 1 em com paivao de m im , o P a -
(irw p o r q u e sou a mais desg raçad a das e re a tu r a s , m o s ti a - m e o c a ­
mi nho. p o r onde, s u je it a as leis cristas, possa v ive r e l i b r a r a m in li a
a.lma dos t o r m e n t o s . ” E o P a d r e b e n ig n am en te a acolheu, admoes-
la n d o - a que se não esquecesse do aviso divino, e que rendesse a
Deus as devidas graças, p o r t a m a n h o ben efi cio . Assim, i m e d i a t a ­
m en te se reconciliou com o seu inimigo.
Daí resultou q ue se ouvissem 33 confissões gerais, com s a t i s ­
fação dos penitentes, nos «piais se r e v e la r am he diondos crimes q u e
p o r m ui to s anos t i n h a m ficado ocultos.
C o r r ia perigo, t a n t o o corpo, como a alma. cer ta m u lh e r , cu jo
m a r i d o p l a n e j a v a oc ul la m en te o seu a s s a s s í n i o ; e como os nossos
fossem os prim eir os a t e r info r m aç ão dêsse p r o je to , p r o c u r a r a m
meios de im p e d i r a realizaçao de um crime atroz .
V í t i m a de cru el in j ú r i a , resolvera o u t r o nao p e r d o a r ao seu
in i m i g o ; antes, porém, t i r a r - lh e a v id a . .Mas. j u s t a m e n t e nesse i n ­
s tante, i n te r v e iu um dos nossos Padres , e com f a v o r de Deus, d e i ­
xou incolume o p e r s eg u id o .
H a b i l m e n t e se e m p r e g a r a m meios, a í i m de i m p e d i r que dois
in d iv id u o s se suicidassem, p o r enfo rc am en to , pois que eles m e d i ­
t a v a m a sua perdição, p o r um tão i n f a m e genero de m o r t e .
U m a po br ez in ha , p o r causa de sua miseria, se v i u e x p o s t a a
um g r a n d e pe rigo de sua h o n r a , mas com o au xil io de a l g u n s f i ­
d a lg o s se pôde u n i r em m a t r i m o n i o .
O u t r a , de v id a licenciosa, com auxílio e d il ig ê n c ia dos nossos,
se casou, e dá hoje n ot á v el exemplo da m a is h o n e s ta v i d a .

398
X X X I. — B R EV E NARRAÇÃO (1584)

Ainda resultam outras vantagens do modesto costume dos


nossos, em dar conselhos publicos e particulares, pois que fica pro­
vado perante todos que os nossos companheiros só têm em vista
« glória e honra de Deus, e que unicamente procuram a paz e a
salvação dos homens.
Agora me volto para as missões, das quais em toda a parte
se colhe um fruto que não é para desprezar, pois que e certo e
provado por experienda diaria que os nossos nunca arredam pé do
Colégio, sem que reconduzam para o bom Deus a muitos afasta­
dos do caminho da virtude.
Levado por essas razões, o Padre Yisitador ordenou que. em
quasi todo o correu- do ano, dois padres designados para o desem­
penho dessa comissão, e considerados mais aptos, visitassem todas
as fazendas, todos os engenhos do assucar, e todas as paroquias,
situadas neste reeoncavo, para exercer os ministérios da ( om-
panhia.
Deixo em silêncio os trabalhos que têm os nossos, por mar e
por terra, nestas viagens porém isso não impede que menos ale-
gremente partam a lançar as sementes, e ao voltarem, cheguem en­
tusiasmados. carregando enormes feixes.
O método que se adota nestas missões, é ensinar e explicar a
doutrina cristã aos índios e Africanos reunidos em um lugar, ba­
tizar, ouvir-lhes as confissões, separá-los das concubinas e sujei­
tá-los ás leis do matrimonio: o que nesta provincia é trabalho quo­
tidiano, necessario e utilissimo á salvação das almas.
Não se deve deixar em silêncio os aplausos e as congratula­
ções. com que todos fazem o elogio da Companhia; quando con­
templam os irmãos fervorosos no zêlo, não só pela sua salvaçao
o a dos que lhes pertencem e se aplicam a suas vantagens espiri­
tuais, sem nenhuma especie de prêmio, ou recompensa; esperan­
do unicamente aquela vida de bemaventurança que o Senhor pro­
mete aos trabalhadores da sua vinha.
Nem tal solicitude e cuidado passam despercebidos aos Por­
tugueses, pois que são testemunhas oculares dos benefícios que
dia e noite daí auferem os Cristãos.
Assim os penitentes que ouviram nestas missões, nao íorara

399
JO S E P H D E A N C H IE T A

menos de 5.402, purificaram-se nas águas do batismo 1359 entre


inocentes e adultos, de conformidade com a.s leis cristãs 459 cu-
sarnentos celebrados: todos estes se reuniram àqueles que estão
aptos a receber estes sacramentos.
Agora, pouco direi dos índios, confiados ao nosso cuidado e
patrocinio, no que respeita ao espiritual, porque tudo é semelhan­
te ao que escrevi já muitas vezes. Só isto acrescentarei de novo,
e vem a ser que muitos foram admitidos este ano a sagrada co­
munhão, tendo-lhes sido préviamente exposta a santidade daque­
le augusto c tremendo mistério. Os restantes perseveram nos bons
costumes, mostram-se obedientes aos padres, o que é realmente di­
gno de vêr nas tribus, em relação àqueles que refletindo sobre a
morte das mulheres, por persuasão e conselho do Padre desistiram
d,, seu intento. A ’s sextas-feiras, vêm assistir ás costumadas re­
zas trazendo comsigo grande numero de flagelantes, em número
muito mais crescido na época do jejum da quaresma, durante o
qual tão elevado sepulcro de X. S. Jesus Cristo se ergueu na
igreja deles, que excedeu muito aos dos anos anteriores (532).
Aos Portugueses que ali concorreram se pregou um sermão
do mandato: aos índios, porém, á noite, a respeito da dolorosis­
sima paixão de N. S. Jesus Cristo, no meio de tamanho pranto
c gemidos, que arrancariam lagrimas dus corações mais empeder­
nidos. .
Xessa época, aqui estava o Padre Visitador, que impulsionado
pelo amor desta nova seára, quis celebrar os oficios da semana
santa e desejou levar do Colégio todas as cousas que fossem ne­
cessarias. para a solene celebração dos oficios, e durante aqueles
três dias, purificou pela confissão, por intermedio de um Irmão
intérprete, uma boa parte dos índios, que na festa da Pascoa se
tinham de confortar no sagrado banquete do Corpo de Cristo. ^
As confissões que ue.ste ano computamos nestas aldeias atin­
gem a 12S7: as comunhões chegam a 1.000, finalmente os batis­
mos a 114.
Pois fatos referirei dignos de nota, nos quais claramente
transparece quanto a fé ilumina esta gente, no que diz respeito
aos sacramentos.

400
X X X I . — B R EV E NARRAÇÃO (1584)

Como certa India, que não tinha recebido o batismo, se


achasse ás portas da morte, e todos já houvessem perdido as es­
peranças de a salvar, instantemente pediu esse sacramento, e sen­
do diligentemente instruida para esse fim, e lhe sendo adminis­
trado cristãmente, imediatamente recuperou a saúde.
Um índio recebera em um braço um grande ferimento, do
qual saía muito sangue de uma veia rasgada, não havendo remé­
dio com que se pudesse estancar. Frequentemente caía em deli­
quio, e como parecessem inúteis todos os auxilios humanos, depois
de breve expiação de seus pecados, recebeu o santíssimo corpo de
Cristo, e repentinamente estancou o sangue e o moribundo re­
viveu .
Por meio dêstes benefícios e outros semelhantes, costuma
Deus onipotente e bondosíssimo irrigar estas searas novas, para
que de dia em dia transpareça o aumento da fé, que receberam e
conservam.
Quantas são neste Colégio as escolas primárias, facilmente se
calculará pelo número de mestres, aos quais aludi no princípio
desta informação, das quais quantas vantagens se alcançam para
a salvação do proximo, facilmente se reconhecem, e tão claramen-
te como a luz meridiana.
Essa vantagem se manifestou por intermedio dos primeiros
sacerdotes deste bispado, instruindo em companhia dos nossos dis­
cípulos muita gente avêssa aos estudos, e por meio de sua ciência
e doutrina se dissipavam as trevas que envolviam esta cidade.
Eles têm preparado já a muitos para a confissão.
(Aqui continua a p. 2 ão manuscrito, faltando as ps. 3, 4,
5 e 6. ,
Juntando-se uma folha se obtêm as ps. 7 e 8, na qual do pro-
prio punho assinou o seu nome José de A nchieta.) Segue-se (533):

. . . ajoelhassem inopinada e repentina dôr (melhor diria a


propria morte) de tal modo assaltou ao Irmão Baltazar (534),
procurador do Colégio, que o Padre reitor (535) o levantou do
chão e imediatamente o carregou em braços, auxiliado por outro
Irmão e o deitou na cama, não proferindo ele mais uma palavra.
Êste irmão era notável exemplo de todas as virtudes, o que sua-

401
26
JO S E P H DE A N C H IE T A

visou a tristeza que nos oprimiu, bem como aos estranhos, dos
quais era estimadíssimo. Todos nutrimos a esperaça de que o
Senhor recompense com a patria celeste aquele a quem a morte
encontrou preparadissimo, pela participação no jubileu do Espi-
rito Santo.
De tal modo os nossos se dedicaram este ano em ouvir con­
fissões e convocar assembléas, que muitos de entre eles, por inspi­
ração divina, adotaram uma vida muito diferente do que passa­
vam antes.
Como no espaço de sete, ou oito meses partissem deste porto
para Lisboa mais de quarenta navios carregados, houve entre nós
grande concorrência de marinheiros, que, prèviamente confortados
<-om os sacramentos, empreenderam a navegação.
Continuas excursões se fazem aos engenhos de assucar, que
encerram grande quantidade de Africanos, e com o favor de Deus,
ainda mais frequentes se farão, visto que foi admitido, êste ano,
em o número dos Irmãos, certo rapaz habilissimo naquele idioma,,
e como o Padre Visitador o mandasse pregar publicamente no re­
feitório, tamanha energia e dextreza manifestou no seu discurso,
que a todos encheu de admiração. Por meio dêsse intérprete e
sendo ele seu mestre, grande será o fruto que se deverá colher
das missões.
Nestas missões os nossos tinham batizado 190. Uniram em le­
gítimo m a t r i m o n i o 166, purificaram pela confissão a 5 . 3 0 7 .
Em breve tocarei em notáveis exemplas, que decorrem da re­
cepção dos sacramentos e das assembleas.
Por intervenção e diligencia de um Padre, sucedeu que se ex­
tinguissem completamente as desinteligencias que existiam entre
dois fidalgos.
Duas mulheres expostas ao perigo da deshonra, por meio de
uma coleta, puderam contrair matrimonio.
Realizou-se a restituição de 591$300 ao seu legítimo dono.
Certo fidalgo estava tão acostumado a jurar, que não podia
proferir uma só palavra, sem fazer um juramento. Falando-lhe
nisto um Padre e lhe expondo o perigo de concienda, mudou-se
em outro homem, de tal modo que mandando ao Colégio uma car-
X X X I. — B R EV E NARRAÇÃO (1584)

ta afirmou que se mantinha firme em seu proposito; pelo que ren­


dia a Deus infinitas graças, por isso que pela palavra de seu mi­
nistro obtivera tamanho bem espiritual.
Outro que, durante nove anos, com toda a segurança se não
havia confessado, lançando-se aos pés de um dos nossos padres,
pranteando e tremendo desvendou as chagas de sua concienda ene­
grecida, como se despertasse de um profundo sono. “ Deus mise­
ricordioso, — exclamou, — de que santa alegria sinto que minha
alma se inunda! Quem me dera nunca mais ofender ao meu Deus!”
Havia um homem que estava doente na cama, e que era per­
seguido durante a noite por medonhos fantasmas (êste indivíduo
era de costumes depravados) e de tal modo se via atormentado
pelo demonio, que era continuamente lançado no desespero da sal­
vação, convencendo-se de que de nada lhe valiam as confissões da
sua vida passada e os sacramentos que recebera, assegurando-lhe
o demonio que estava condenado. O homern mandando chamar um
Padre, narra a visão, tomado de grande espanto. O Padre o acon­
selha a que deposite toda a sua confiança em Deus Senhor nosso,
com auxílio de quem escapará de todas as ciladas do espirito mau.
Depois mandando chamar todas as pessoas de casa e da vizinhan­
ça, exorta o enfermo a que faça um ato de fé católica, em presença
de todos. Fez o ato de fé, com as lagrimas nos olhos, no meio da
maior consolação dos assistentes, e apagados os seus pecados pela
confissão, pouco tempo depois faleceu.
Dona Beatriz de Albucpierque, governadora e quasi mãe deste
povo, faleceu êste ano (536). O Padre Visitador frequentemente
lhe prestou assistência em vida, e a acompanhou depois de morta.
Sempre foi benemerita da Companhia, e pouco antes da sua mor­
te, nos fez a esmola de 821$250. Por sua alma celebraram-se na
igreja solenes exequias e o Reverendissimo Bispo (537), o qual
nessa ocasião aqui estava, presidiu ás cerimonias com grande sa­
tisfação dos habitantes.
Por todo o tempo que durou a guerra da Paraíba, feita por
Diogo Flores (538), comandante das tropas reais, os nossos P a­
dres, todos os dias, em preces e ladainhas, rogavam a Deus onipo­
tente a vitória dos Portugueses. Por essas preces, a divina bon-

403
JO S E P H D E A N C H IE T A

dade não só lhes concedeu a princípio a desejada vitória, como


também mais duas, ou três vezes os animou com o mesmo triunfo.
Continuando o ataque ao reino por parte da armada, com cêrco
tão apertado oprimiram o forte dos Cristãos, que quasi mortoa
de fome se viram obrigados a se alimentar de carne de cavalo.
Com o favor de Deus, desta vez alcançaram a vitória (539).
Pouco direi dos estudos, visto que é diminuto o número do
alunos: discutem-se casos de concienda, ensinam-se os meninos,
que observam o excelente costume de fazer a via-sacra na Qua­
resma, o que perfeitamente se ajusta com os estudantes de prepa­
ratories: frequentemente recorrem ao sacramento da Eucaristia.
() Padre Visitador esteve este ano, aqui no Colégio (540), e
tendo ele tido próspera viagem por mar, foi recebido pelos nossos
com extraordinaria alegria e com a sua presença correspondeu á
expectativa de todos, excitando-os á prática das virtudes, por uma
especie de estímulo. Alguns dias depois, os nossos Irmãos, na in­
timidade. festejaram a sua chegada, pronunciando, de uma tri­
buna, três discursos, com grande entusiasmo: um na lingua portu­
g u e s a : outro na brasilica; finalmente, outro, na latina. Esta sa­

tisfação e estes aplausos não reinavam unicamente no coração dos


Irmãos, senão também no dos estranhos (541).
O Senado da Camara, encorporado, vein cumprimentar o Pa­
dre, exibindo uma carta em que o Rei recomendava a Companhia
(542), afirmou que não precisavam daquela recomendação, visto
que perfeitamente sabiam reconhecer e avaliar os beneficios que
a Companhia lhes tinha prestado, pelos quais se consideravam pe­
nhorados, e finalmente prometeram todo o seu auxílio e proteção
a todos os nossos negocios. Beijando os pés do Padre que lhes
agradecia, retiraram-se muito satisfeitos da sua afabilidade e de­
licadeza .
Durante a permanenda do Padre no Colégio, oito dos nossos
Irmãos foram promovidos á ordem de presbítero (543). Dois dos
nossos (544) fizeram profissão dos quatro votos, e na presença de
todo o povo outros dois foram criados coadjutores espirituais for­
mados, e por este espetáculo ficaram formando melhor idéa da
Companhia.

404
X X X I. B R E V E NARRAÇÃO (1584)

Passam de 2.000 aqueles que, este ano, foram pelos nossos ar­
rancados á impiedade e purificados pelo batismo, em toda a pro­
vincia, se a eles se juntarem os trezentos que foram batizados no
Colégio do Rio de Janeiro (como é grande a bondade divina!),
não contando os que foram batizados em casas particulares e não
puderam ser registrados.
Estes são os frutos desta vinha que vos pude oferecer R .P . J . ,
os quais para que se aumentem e se desenvolvam, eu desejaria
que em vossas contínuas preces recomendásseis a Deus os nossos
Padres e os nossos Irmãos.
Dada na Baía, a 28 de Dezembro de 1584 (545).

NOTAS

(523) P b l. em latim , com a assin atu ra rle Anchieta, nos “ Anais da. Bi-
bliteca N acional”, X IX , p . 58-64, c, vertida p a ra o português pelo prof. João
V ieira de Almeida, no fsacieulo Carta fazendo a descrição das inúmeras coi­
sas naturais que se encontram na provinda de S . Vicente, hoje S . Paulo, se-
fluiâa ãe outras cartas inéditas escritas da Baía pelo venerável Padre José
âe Anchieta, S . Paulo, 1900, p . 56-69. E scrita au mesmo tempo que a I n fo r ­
mação ão Brasil de 1584, deve te r sido rem etida com esta p a ra a E uropa,
talvez como seu complemento, exclusivamente dedicado á atividade jesuítica
naquele ano. H ipótese plausivel ainda que seja a Breve narração o papel en­
viado em agosto de 1585, a que se refere A nchieta no final da Informação
da P ro vinda do Brasil do mesmo ano, desde que a demora de oito meses
n a rem essa se tivesse verificado por fa lta de embarcação segura p a ra a
E u ro p a .
(524) E ram os da B aia, Rio de Janeiro e Pernam buco.
(525) Cinco residências: Ilhéus, P orto Seguro, Espirito Santo, São V i­
cente e São P a u lo .
(526) Esse sacrario ou relicário, “ de pau de cheiro de jacaran d á, e ou­
tra s m adeiras de preço, de várias cores”, contendo “ dezeseis arm arios com
suas portas de vidraças, e no meio um grande p a ra a imagem de Nossa Senhora
de S. L ucas” , todos forrados “ de setim carm ezim ” , foi feito por “ um irm ão
da casa, insigne oficial” , a m andado do visitador Cristóvão de Gouvêa. O bra
avaliada, segundo F . Cardim ( T r a t p . 324), “ somente das mãos, cm cem
cruzados” .
(527) P a d re Cristóvão de Gouvêa, nascido no Porto a S de janeiro de
1542, filho de H enrique Nunes de Gouvêa e B eatriz de M adureira. Segundo
n a rra B . Teles ( C r o n I, p . 268-75), Henrique Nunes de Gouvêa, homem
rico e de boa estirpe, movido em 1546 pela palavra do famoso pregador je-
suita Francisco E strada, então em missão no Porto, abandonou os cargos pu-
JO S E P H DE A N C H IET A

felicos que exercia e passou a visitar os hospitais, curando os enferm os e so­


correndo os pobres. Seus filhos, três homens e três mulheres, fizeram-se to ­
dos religiosos. Assim Cristóvão de Gouvêa, que era o mais velho, logo aos
quatorze anos de idade entrou para a Companhia. Recebendo as ordens de
presbitcro em Evora, foi aí reitor do Colégio dos Porcionistas e mestre de no­
viços no da Com panhia. Em 1572, foi transferido p ara Coimbra, onde teve o
mesmo ofício. D irigiu em seguida os Colégios de B raga e de 8 . A ntão de
Lisboa, e, sendo colateral ou secretário do provincial Sebastião de M orais, foi
nomeado visitador do B rasil. Chegou á B aía com o governador Manuel Teles
B arreto a 9 de maio de 1583. Visitou todos os Colégios e casas da Compa­
nhia e prestou inestimáveis serviços na defesa da Baía, em abril de 1587
contra o ataque dos corsários ingleses W ithrington e L ister. A 20 de maio
de 1589 embarcou para a Europa, com escala por P ernam buco. A prisionado
a 6 de setembro por corsários franceses, foi abandonado em alto m ar, com o
padre Francisco Soares, num pequeno barco que arribou á Biscaia. Em P o r­
tugal, onde exerceu ainda varios cargos de destaque, faleceu a .13 de feverei­
ro de 1622. E ntre suas obras, figuram uma História do Brasil, a costumes âe
seus habitavi cs e o Comentário das ocupações que teve. <• do que nelas *ez
( F . Cardim, o. c p. 281-372, e nota de R. Garcia, p. 373-6). Seu irmao.
padre João de M adureira, também se notabilizou na Companhia. Foi reitor
do Colégio de S. Antão e preposito da casa professa de S. Roque. M orreu
no mar, a o de outubro de 1601, prisioneiro de corsários franceses quando
vinha para o Lrasil, com o cargo de visitador. I m de seus companheiros de
viagem era o padre Fernão Cardim.
(528) 3 de m aio.
(529) A cerimonia, missa cantada e procissão, é mais pormenorizada-
mente descrita por F. Cardim (O. o . , p . 323-5) .

(53(1) V. igualmente F . Cardim (o. e ., p. 325-0)


No
r,,n( 7 í° f tm ^ C Junho”’ Q 'ist('vri0 de Gouvêa partiu para Pernam ­
buco, onde chegou a 14 de julho. Tornou á Baía no dia 20 de outubro e a
p 3 o6n7OVe,3 3 6 ) enibarcou visita ás Capitanias do Sul ( F . Cardim, o. c .

* anti r,3~ \ R efm : s(' Ar,f'],ieta neste trecho aos índios da aldeia do E spirito
Santo, onde o visitador “ teve as endoenças” ( F . Cardim, o. c ., p. 322-3).
(533) O que se segue é referente ao Colégio de Pernambuco, narrando
mhi et a o que ocorreu durante a visita de Cristóvão de Gouvêa, a quem não
acompanhou por motivo dc doença (F . Cardim, o. c ., p. 326).

(o34) Será B altazar Gonçalves que Luiz da Grã levou em 1560 de São
Vicente p ara a B aía, quando ainda noviço*
(535) Luiz da Grã.

e frei5 V iceníe11! 5 ? ^ T ' Y ™ í


* bu<,uerque’ a chamam A nchieta
vein L S Saí vador, dam a do
Paço, filha de Lopo de Albuquerque,
Pernam buco C se.u 1m a n d » D ™ rte
Coelho Pereira, prim eiro donatario da

Pernam buco. Com o falecimento deste em 1554, assumiu o governo com seu
a l t lbr e^ Ue- MaiS tarde' 0 P ™ °g e n ito do prim eiro do-
caria de 8 dê n r T a íe“ dü ° btÍdo mercô da sucessão por
c^rta dc 8 de norem bro de lo60, veio de P ortugal e governou a C apitania

406
X X X I. — B R EV E NARRAÇÃO (1584)

até 1572, quando tornou para o Roino. Dona B eatriz aaraimu então o gover­
no P ela narração de Anchieta, vê-se que faleceu durante a j u n t a de Cristó­
vão de Gouvêa a Pernam buco, isto é, entre 14 de ju ho e 16 de outubro de
1584 ( F . Cardim, o . c ., p . 327 e 386; V a rn h ., H u t . Ger., 3 ed. m t . , I ,
nota de Capistrano e R. Garcia, p . 373).
(537) Frei Antonio B arreiros, terceiro bispo do B rasil.
(538) Depois do insucesso da expedição ao estreito de M agalhaes, Diogo
Flores Valdez aportou á. B aía nos prim eiros dias de junho de 1583, logo após
f a i a d a notícia do desb,trato da segunda investida de ITutuoso Barbosa
contra os franceses da P a ra íb a . Valdez demorou-se na Baia. oito meses e
por ordem do governador Manuel Teles B arreto, p a rtiu afim de combater os
intrusos, comandando sete navios espanhóis e dois p o rtu g u ese s. Em Pernam ­
buco deixou o bispo d. Antonio B arreiros e combinou a m archa do socou o
que devia ir por te rra . Seguiu depois p a ra a Paraíba, onde incendiou cinco
das naus francesas que ali so achavam e á foz do n o , em Cabedelo, e d j c
o forte de São Felipe, que confiou a Francisco C astejon. A l de maio c.e
15S4, p artiu p a ra a Europa (V a rn h ., o. c ., 1, p. 486 e s e g . ) .

( 5 3 9 ) A tro p a auxiliar que viera de Pernambuco, sob o comando de


Frutuoso Barbosa e d. Felipe de Moura, se embrenhou pelo «ertao depois
da p artid a de Flores e enquanto Castejon ultim ava a construção do fo rte . Em
LerSibe B u ta cilada a r c a d a Indica, m orrera,,, centenas dc soldados,
iecolhendo-se o resto da expedição á fortaleza de Sao Felipe, que foi logo si
tia d a Com a chegada do socorro comandado por Pedro Lopes, capitao de
Itam aracá, Francisco Castejon queimou duas naus francesas no no Mania -
guape E voltando á P a ra ib a dispersou os sitian tes. P irajiba^ poiem, . -
fe de seus indios, pouco depois atacou a colonia, com a intenção de conqms
em seguida Ita m ara cá e Pernam buco. E stas duas Capitanias enviaram então
forte fu x ilio sob o comando do ouvidor M artin. Leitão, que, depois de dois
encontros com os indios, conseguiu cbegar ao fo rte de bJ ü fe^ ' d ^ C°em
trando-o completamente livre dos inimigos, a tropa voltou p a ia Olinda J
1585 (V arn h ., o. c ., I, p . 491 e s e g . ) .
(540) Cristóvão de Gouvêa chegou a Pernam buco a 14 de _julho e aí
embarcou de volta á B aía a 16 de outubro, como j á vimos na nota o i l .
(541) V . Fernão Cardim (o. c ., p . 328).
(542) “ T razia o padre visitador cartas d ’el-rei p a ra o capitão e cam a­
r a ”, diz mais claram ente F . Cardim (o. c ., p. 329).

(543) O bispo d. Antonio B arreiros ordenou a 15 de agosto “ Betei


mãos de missa, dando-lhes todas as ordens em nossa ig re ja , m fo n n a 4 . Ca
dim (o. c ., p . 333).
(544) P ad res Leonardo Arminio e Pero de Toledo, que fizeram p rofis­
são dos 4 votos a 30 de setembro ( F . Cardim, o. c ., p . á ..á ) .
(545) “ Datum Bayce 5 Kal. Januarii anni 1584”, como reza o original,
a Narração dem onstra que A nchieta não acompanhou o visitador Cnstoyao cie
Gouvêa como sempre se supôs, em sua viagem ao Sul. Ou m elhor: mio fez
p a rte da comitiva que com Cristóvão de Gouvêa embarcou na B aia a, 1 4 de
novembro de 1584 p a ra a visita ao E spirito Santo, Rio de Janeiro e Sao Vi-

407
JOSEPH DE ANCHIETA

cent e. A 28 de dezembro, quando A nchieta n a B aía d atav a sua narração


Cristóvão de Gouvêa, Fernão Cardini e companheiros se encontravam no Rio
de Janeiro, onde chegaram no dia 20 ( F . Cardim, o. c ., p . 345). A supo­
sição de que A nchieta em barcara com o visitador vinha do fa to de Cardim
mencioná-lo entre os que em meiados de 1585 partiram do Rio de Ja n eiro
de volta á B aía. Aliás, Cardim, referindo-se á p artid a d a B aía, contenta-se
em escrever: “ Aos 14 de novembro partim os para as p a rte s do Sul oito pa­
dres e quatro irm ãos” (o. c ., p . 338). Se A nchieta figurasse entre eles, Car­
dim o teria certam ente nomeado, como fez em outros passos de sua n a rra tiv a .
E ’ verdade que Simão de Vasconcelos (Vida de A n c h ., 1. 4, cap . IX
n . 4) cita entre os m ilagres atribuidos a Anchieta a cura do padre F ernão
Cardim, que no_ Rio de Jan eiro adoecera graveinente, nas vesperas de sua
p a rtid a p a ra São Vicente com o visitador Cristóvão de Gouvêa. Tendo os
jesu itas em barcado logo depois da festa de Reis (6 de ja n e iro ), as palavras
de S. de Vasconcelos confirm ariam a hipótese de que A nchieta p a rtira da
B aía p ara o Sul, com a comitiva do visitador, em novembro de 84. M as, a in ­
da que a d a ta da Breve narração não provasse o contrario, a nenhum a Segu­
rança da inform ação de S. de Vasconcelos seria patente, pois no mesmo tre ­
cho ele fix a em 1583 a estada de Cristóvão de Gouvêa no Rio de Ja n e iro :
“ Adoeceu no Rio de Janeiro o Padre Fernão Cardim, companheiro do P a d re
V isitador Cristóvão de Gouvêa, no ano de 1583.” O êrro de data é m anifesto.
Com certeza a cura m ilagrosa de Fernão Cardim foi operada por A nchieta
nas vesperas da p a rtid a da comitiva p ara a B aía, em meiados de 1585, depois
ue concluída a visitação de Cristóvão de Gouvêa ás partes do Sul.

408
X X X II

I n f o r m a ç ã o d a P r o v in c ia do B r a s il p a r a n o sso P a d r e — 1585 (546)

staprovincia do Brasil foi descoberta por acaso em o ano de


1500 por Pedro Alvares Cabral, que ia á índia Oriental e
arribou a esta terra a um porto que chamou Porto Seguro e em
ele pôs um padrão por El-Rei de Portugal, e chamou a esta terra
provincia de Santa Cruz (547).
Dista esta provincia de Lisboa 1500 léguas pouco mais ou
menos. Divide-se em oito Capitanias, scilicet: Tamaracá, Pernam­
buco, Baía, Ilhéus, Porto Seguro, Espirito Santo, Rio de Janeiro
e São Vicente. Todas são portos de mar e vilas de senhores par­
ticulares, exceto a Baía e Rio de Janeiro, que são cidades de Sua
Magestade.
A Baía é cabeça e metrópole onde residem o Governador, Ou­
vidor geral, Provedor-mór, Tesoureiro e outros oficiais do Rei.
Tem um só bispo toda esta provincia, que também reside na
Baía, e tem a seu cargo Tamaracá, Pernambuco, Baía e Ilhéus, e
estas quatro Capitanias visita por si ou por outro. As outras qua­
tro, scilicet: Porto Seguro, Espirito Santo, Rio de Janeiro e São
Vicente, visita a um sacerdote administrador eclesiástico, que é como
o bispo nos poderes, mas não dá ordens, e reside de ordinario no
Rio de Janeiro (548).
Os Padres da Companhia vieram por mandado do rei Dom
João de boa memoria com o primeiro governador Tomé de Sousa,
quando veiu povoar esta terra no ano de 1549.
Nesta provincia temos oito casas, scilicet : em Pernambuco,
colégio; na Baía, colégio, escola e noviciado; nos Tlhous, casa , em

409
JO S E P H DE A N C H IE T A

Porto Seguro, casa; no Espirito Santo, casa; no Rio de Janeiro,


colégio; em S. Vicente, casa; em Piratininga, casa. Vivem em to­
das elas dos nossos 140, scilicet : 68 Padres, 37 estudantes e 35
coadjutores.

TAMARA CA ’

Corre esta costa do Brasil do Norte a Sul e de Nordeste a


Sudoeste, e começando do Norte, por sua ordem, a primeira Ca­
pitania é Tamaracá, vila de um André de Albuquerque (549).
Tem capitão que a rege sujeito ao governador da B aía; terá
50 vizinhos de Portugueses; tem seu vigário; é cousa pouca e po­
bre e vai se despovoando ( 549- a ) . Está a sete léguas de Per­
nambuco .
Aqui não temos casa: em missão vão lá os nossos muita.s ve­
zes, e se faz fruto com os moradores, e índios cristãos que são
poucos.

PERNAMBUCO

Pernambuco e capitania de um Jorge de Albuquerque; é A'ila


chamada Olinda; tem capitão que a governa sujeito ao governa­
dor da Baía; dista da Equinocial oito graus e da Baía cinco; está
situada em lugar eminente de bom prospeto para o Oriente, bem
mui ruim porto, e a.s naus grandes quedam cerca de uma legua da
barra (550), por causa dos baixos e arrecifes; terá mil vizinhos
com sua comarca de Portugueses (551), com seu vigário e outros
clérigos seculares. Junto a ela cinco léguas está uma vileta que
tem 110 vizinhos de brancos com seu vigário (551-a ) .
E ’ Pernambuco terra rica, de muitos moradores, trata com
assucar e pau vermelho, o mais e melhor da costa, no comércio é
uma nova Lusitania (552), e mui frequentada.
Tem 6G engenhos de assucar (553), e cada um é uma grande
povoação e para serviço deles e das mais fazendas terá até 10.000
escravos de Guine e Angola e de índios da terra até 2.000.

410
X X X II. — INFORM AÇÃO DA PR O V IN C IA DO B R A SIL

COLÉGIO DE PERNAMBUCO

O Colégio de Pernambuco está situado em lugar eminente, de


bom prospeto. O edificio é velho, tem dezenove camaras de sobra­
do, as janelas ao mar para o Oriente, as oficinas pequenas e ve­
lhas e não tão acomodadas, a igreja pequena, mas ornada de bons
ornamentos (554). Tem cêrca grande com uma fonte e um poço,
e nela tem muitas parras de Portugal, muitos coqueiros, laranjais
e hortaliças; a cêrca ainda que grande está toda cercada de pa­
rede de tijolo.
Vivem neste Colégio dos nossos 20 de ordinario (555) ; 11
Padres, os demais Irmãos. Têm de dote para sua sustentação mil
ducados que lhes ha dotado el-rei D. Sebastião; pagam-se bem em
900 arrobas de assucar, as 800 de assucar branco, mascavado, alto
e malo, e as 100 em assucar negro de sinos ou retames, e pagam-
se em certos engenhos que os Padres assinalam cada ano, como
lhes parece, e se arrecadam por um homem de fóra. Vendidos na
mesma terra importarão em 1.500 ducados, enviando-se a Portu­
gal por nossos, e a nosso risco importarão, deductis expensis, quasi
2.000 ducados (556).
Têm a sete léguas da vila duas léguas de terra em quadro que
não rendem nada por não estar aquele lugar ainda bem povoado
e seguro por causa dos indios Pitiguaras que são contrarios (557).
Item algumas cabeças de bois e vacas de sua criação de que
se sustentam, por não haver matadouro na vila, e se assim não o
fizessem, não teriam que comer.
Para as obras do edificio futuro tem 166 ducados de esmola
que lhe fez el-rei D . Sebastião, e por se pagar mal e por não ha­
ver tanta comodidade de oficiais e cal, o edificio não se começa.
Além dos Irmãos, tem 30 pessoas de serviço, de escravos de
Guiné e da te rra ; todos sustentam-se medincremente ainda que
com trabalho por as cousas valerem mui caras, e tresdobro do que
em Portugal.
Suas ocupações com os proximos são uma lição de casos que
ouvem os nossos, e de fóra dois a três estudantes e ás vezes ne-

411
w

JO S E P H DE A N C H IET A

nhum ; uma classe de gramatica que ouvem até 12 estudantes de


fóra, e também os casos c gramatica estudam alguns de casa; esco­
la de ler e escrever, que terá até 40 rapazes, filhos de Portugueses.
Item: prègam em nossa igreja de ordinario, e na matriz e em
outras igrejas a miúdo, confessam a maior parte de 8.000 Portu­
gueses, que haverá naquela vila e comarca; são consultados fre­
quentemente em casos de importância por a terra ter muitos mer­
cadores e trato; andam em contínuas missões aos engenhos, que
estão alguns a quatro, oito e quatorze léguas da vila; catequisam,
batizam e acodem a outras necessidades extremas, não somente dos
Portugueses, mas principalmente dos escravos que de Guiné serão
até 10.000, e dos índios da terra até 2.000, como acima se disse e
como os clérigos não os entendem nem sabem sua lingua, os nossos
os ajudam em tudo, e ensinam como se fossem seus curas e pade­
cem nisso grandes trabalhos de caminhos que andam a pé, calores,
chuvas, passando rios muito perigosos e outros muitos descomodos
o perigos de cobras, porém de tudo se serve Deus Nosso Senhor e
os Padres estão bem empregados c se dá remédio a tantas almas de­
samparadas, pelo que seja honra o glória a Sua Divina Mages-
tade.

BAÍA

Dista a Baía da Equinocial 18 graus e meio, e de Pernambuco


100 léguas. E ’ intitulada a Cidade do Salvador, é cabeça e metró­
pole, nela residem o Governador e o Bispo.
Está mal situada em um monte, tem mui aprazivel prospeto
para o mar ao Poente, e Oriente (Õ58) ; a barra tem quasi três lé­
guas de boca, e faz uma enseada de 10 até 12 léguas em extensão,
em roda e contorno quasi 30; tem algumas ilhas pelo meio que lhe
dão graça; esta enseada se diz baía de Todos os Santos e neste cir­
cuito e contorno que faz o mar entram da terra muitos rios cauda­
losos, de grandes bosques e arvoredos, e notável frescura.
Tem 46 engenhos de assucar com muitos canaviais do mesmo
C659). A cidade não é mui grande, porque a maior parte da gente
vive fóra em seus engenhos e fazendas: terá em toda sua comarca

412
X X X II. — INFORM AÇÃO DA PR O V IN C IA DO B R A SIL

quasi 2.000 vizinhos de Portugueses, dos quais haverá 10 ou 12.000


pessoas, e para o serviço dos engenhos e mais fazendas tem até 3.000
escravos de Guiné e de índios cristãos da terra cêrca de 8.000 en­
tre escravos e livres (560). Os de Guiné e escravos da terra vivem
na cidade e nos engenhos e fazendas de seus senhores, e os índios
livres alguns em casas dos Portugueses e outros entre aldeias de
que os nossos Padres têm cuidado e dali vão a servir os Portugue­
ses, scilicet por seu estipêndio.
Nesta cidade temos Colégio, o maior e seminario da provincia,
tem casa, de provação junto ao Colégio, habitação distinta e esco­
las. Está situado em lugar mui amplo eminente ao mar, tem de
novo feito um claustro de pedra e cal e no quarto da parte de Leste,
fica a igreja e sacristia: a igreja é razoavel, bem acabada, com seu
côro, é bastante por agora para a terra, e bem ornada de ricos or­
namentos, cruz e turibulo de prata com muitas reliquias encastoa­
das em prata, onde entram três cabeças das Onze Mil Virgens, e
outras peças que tudo é grande consolo para os desta terra, de casa
e de fora. O outro quarto da parte do Sul tem por cima capela e
enfermaria de boa grandura, por debaixo despensa e adega.
O quarto da parte do Poente tem 19 camaras: nove por de cima
e por debaixo dez com as janelas sobre o mar, com três outras ja ­
nelas grandes que fazem cruz nos corredores.
O quarto da parte de Nordeste tem sete camaras por de cima
e seis por debaixo: todas são forradas de cedro, e amplas mais que
as de Coimbra, os portais de cantaria, e é edificio bem acomodado,
exceto que está por aperfeiçoar, e forrar os corredores e guarnecer.
Não tem ainda oficinas novas, nem provação, nem escolas, por ser
tudo velho de taipa, e vai tudo devagar por não se pagar bem as
rendas, e cento e sessenta ducados de esmola que el-rei D. Sebas­
tião fez para as obras, mas sempre se faz algo (561).
Vivem neste Colégio sessenta dos nossas de ordinário. Este Co­
légio ha dotado el-rei D . Sebastião com três mil ducados de renda
para os sessenta em cada um ano que seus oficiais pagam mui mal,
pelo que o Colégio esta endividado.
Item: tem três quartos de meia legua da cidade, meia legua de
terra da melhor da Baía, de muitas aguas e frescos bosques de ar-

413
JO S E P H D E A N C H IE T A

Aoredos; nesta fazenda se fazem os mantimentos de farinha e beijús


de mandioca para os Irmãos. Em uma parte tem um tanque gran­
de de peixes, e ali vão nos assuetos ter recreação. Poderá render a
roçaria que ali tem cem mil maravedis, deductis expensis, em cada
um ano.
Item : doze léguas de terra em quadro no Camamú que dista
38 léguas por mar desta cidade, a qual terra com suas aguas deu
de esmola o governador Mem de Sá (562) ; rende pouco e ainda se
gasta muito nela com medições, e outros beneficios de que até ago­
ra se saca pouco fruto, por não estar povoada de Portugueses, e mes­
mo é cheia de uns Índios contrarios que chamam Guamuré, que são
como selvagens, comem carne humana de ordinario e vivem pelos
desertos, sem povoações como bichos e são mui temidos dos Portu­
gueses por sua crueldade e ferocidade. Se esta terra fôra povoada,
era cousa mui rica e quasi como a Baía, por ter uma barra de três
léguas de bôea com liorn porto, e faz uma enseada e contorno de
quasi vinte léguas em roda e circuito, e tem pelo meio mais de qua­
renta ilhas, ainda (pie são algumas pequenitas, todas de grande fres­
cura e arvoredos. E nesta enseada entram muitos rios caudais, de
muitos pescados, e mariscos em grande abundanda, e poderá ter
até dez engenhos de agua de assucar, e as terras são mui ferteis,
e em que se dão mui bem os canaviais e a mandioca.
Item: em Japacê, duas léguas de terra em quadro, que ainda
não rendem nem estão povoadas.
Item: outros pedaços de terra que houveram de esmolas que
rendem pouco.
Ttem: em certa terra de um amigo nosso que nos faz esta es­
mola algumas cabeças de vacas e bois de sua criação de que comem
por não achar-se a comprar.
Item: além dos Irmãos, cento e cincoenta pessoas de serviço,
entre escravos e escravas de Guiné, e alguns índios e índias da ter­
ra, escravos e livres, e quasi todos vivem casados na fazenda que
está junto da cidade em uma povoação com sua igreja, onde os P a­
dres lhes ensinam a doutrina e dizem missa e dali se repartem e
vêm á casa trabalhar nas obras e em outros vários oficios.
Tem êste Colégio tanta gente por ser seminario, e nele se criam

414
XXXII. — INFORMAÇÃO DA PROVINCIA DO BRASIL

os noviços, escolares, linguas, e estão os velhos, que ha muitos anos


que trabalham, e quanto aos escravos são tantos porque muitos não
fazem por um, e também são oficiais de vários oficios, como pedrei­
ros, carpinteiros, ferreiros, carreiros, boieiros e alfaiates, e é neces­
sario comprar-lhes mulheres por não viverem em mau estado e para
este efeito na roça têm a dita povoação com suas mulheres e filhos,
as quais também servem para plantar e fazer os mantimentos, lavai
a roupa, anilar e serem costureiras, etc. Junto ao Colégio temos
cerca mui larga com muitas laranjas, limões, bananeiras e outras
árvores de fruto, laranjal e hortaliça, e por ela se vão os nossos em­
barcar em nosso porto quando vão para fora, porque quasi todo o
serviço desta Baía é por mar e a agua bate na parede da cerca.
A.s ocupações dos nossos corn os proximos são: uma lição de
teologia que ouvem dois ou três estudantes de fóra, outra de casos
de conciência (pie ouvem outros tantos e uma e outra alguns de casa,
um curso de artes que ouvem dez de fora e alguns de casa, escola de
ler, escrever e contar que tem até setenta rapazes filhos dos Portu­
gueses. duas classes de humanidades, na primeira aprendem trinta
e na segunda quinze escolares de fóra e alguns de casa (563).
Os estudantes nesta terra, além de serem poucos, também sa­
bem pouco, por falta dos engenhos e não estudarem com cuidado,
nem a terra o dá de si por ser relaxada, remissa e melancólica, e
tudo se leva em festas, cantar e folgar. Porém, por ser nesta terra,
não se faz pouco fruto com eles e já há alguns casuistas que são vi­
gários, e alguns artistas mestres nelas, e dous ou três teólogos pre­
gadores que pregam na catedral desta cidade e conegos da igreja-
mór, e vigários das paroquias.
Pregam os nossos em nossas igrejas, na Sé e em outras paro­
quias, confessam as três partes da gente Portuguesa que são mais
de dez mil pessoas, afóra as que vêm em armadas, que todo o ano
se confessam com os nossos; são consultados em muitos casos de
conciência por ter a terra muitos tratos e mercadores; andam em
contínuas missões aos engenhos e fazendas dos Portugueses a con­
fessá-los, ensinar e batizar e casar os seus escravos, acudir-lhes era
suas necessidades espirituais que são muitas e extremas, por nao
haver curas bastantes, e acontece estarem um e dous anos sem con-

415
JO S E P H D E A N C H IE T A

fissão nem missa, até que os nossos por ali vão. Estas missões são
não somente de grande edificação para todos, mas também de tanto
fruto que quinze dias que por lá anda um Padre com um Irmão,
faz de ordinario duzentos batismos de escravos adultos e inocentes,
dc Guiné e da terra, e até cem casamentos, sacando-os do mau es­
tado, dando-lhes conhecimento do Criador e cousas de sua salvação,
além de muitas confissões e comunhões que se fazem e de tudo se
serve muito Sua Divina Magestade com grande consolo dos nossos
e não pequena edificação de toda a terra.
Tem êste Colégio três aldeias de índios cristãos livres a seu
cargo, que terão duas mil e quinhentas pessoas, s c i l i c e t : Espirito
Santo que dista sete léguas daqui, S. João que dista oito e Santo
Antonio que dista quatorze; nelas residem de ordinario até oito
dos nossos, dous ou quatro em cada uma.
Tem nelas suas casinhas, cobertas de palmas, bem acomodadas
e igrejas capazes, onde ensinam aos índios as cousas necessarias á
sua salvação, lhes dizem missa, e ensinam a doutrina cristã duas vezes
cada dia, e também em cada uma ensinam aos filhos dos índios a
ler, escrever, contar e falar português, que aprendem bem e falam
com graça, ajudar as missas, e desta maneira os fazem polidos e
homens. Em uma delas lhes ensinam a cantar e tem seu côro de can­
to e flautas para suas festas, e fazem suas dansas á portuguesa com
tamboris e violas, com muita graça, como se fossem meninos portu­
gueses, e quando fazem estas danças põem uns diademas na cabeça
de penas de passaros de várias côres, e desta sorte fazem também
os arcos, empenam e pintam o corpo, e assim pintados e mui galan­
tes a seu modo fazem suas festas muito apraziveis, que dão conten­
to e causam devoção por serem feitas por gente tão indomita e bar­
bara, mas, pela bondade divina e diligência dos nossos, feitos já
homens politicos e cristãos.

RESIDÊNCIAS DA BAÍA
IL H É U S

Tem o Colégio da Baía duas residências: a primeira na Capi­


tania dos Ilhéus que é de um Francisco Giraldes, tem capitão que a

416
XXXII. INFORMAÇÃO DA PROVÍNCIA DO BRASIL

governa sujeito ao Governador da Baía, da qual dista por mar 30


léguas e 15 graus da Equinocial. Está situada em lugar eminente
sobre um rio que quasi a cerca. E ’ de muito bom prospeto para o mar
a Oriente, tem muito perigosa barra cheia de baixios e recifes, e as
naus grandes ficam uma legua antes de chegar ao porto; terá 150
vizinhos de Portugueses com seu vigário, seis engenhos de assucar a
uma e duas léguas da vila (564). Tem gente honrada, mas vive em
aperto por ser muito infestada de uns que chamam Guaimurés, que
são como selvagens e vivem nos desertos sem casas, como bichos, co­
mem carne humana, e por esta razão não se estendem os Portugueses
ali pela terra dentro mais que meia ou uma legua; é terra abastada
e de algum trato, por causa do assucar.
Aqui têm os nossos casa anexa á Baía onde residem de ordina­
rio seis, três Padres e três Irmãos: vivem de esmola, ajudados do
Colégio da Bahia, no que toca ao vestido, calçado, vinho, azeite, vi­
nagre e outras cousas que não ha na terra. Têm quatro camaras
assobradadas e forradas, suas oficinas acomodadas e igreja, ainda
que pequena, bem acomodada de bons ornamentos. O sítio da casa
é de bom prospeto para o mar, situada em lugar eminente, tem sua
eerquinha com algumas árvores de fruto (565) .
Suas ocupações com os proximos são: ensinar os meninos dos
Portugueses a ler e escrever, pregar em nossa igreja e matriz, con­
fessar os Portugueses, que serão quasi 1.000 pessoas, e os escravos
e índios que estão pelos engenhas e fazendas, e estão ali bem rece­
bidos os nossos e fazem muito fruto.

PORTO SEGURO

E ’ Capitania e vila do Duque de Aveiro, dista da Baía para o


sul 60 léguas e da Equinocial 16 graus e meio, tem capitão que a
governa sujeito ao governador da Baía, é situada entre dois rios
caudais de grandes bosques e arvoredos, em lugar eminente de bom
prospeto para o mar a Oriente, tem uma planicie muito ampla e
chã que poderá estar ali uma grande cidade, terá 50 vizinhos de
Portugueses com seu vigário.
Antes desta vila quatro léguas na costa do mar, está uma po-

417
27
JOSEPH DE ANCHIETA

voação de Portugueses que se diz Santa Cruz, o primeiro porto que


se descobriu nesta provincia; terá outros 50 vizinhos com seu vigá­
rio (566). E ’ terra pobre por não ter engenhos de assucar (567),
ainda que é fértil de farinha e algodão e criação de cavalos, porém
se vai cada dia despovoando, por estarem já as terras muito gastas
e cansadas, e não se podem estender pela terra dentro por causa
dos (luaimurés.
Aqui temos casa em que vivem de ordinário seis (568) dos nos­
sos: três Padres e três Irmãos; vivem de esmolas ajudados da Baía,
como a casa dos Ilhéus. O sítio é amplo de bom prospeto ao mar,
tmu quatro camaras terreas forradas e oficinas acomodadas. A igre­
ja c pequena, bem acabada, ornada de bons ornamentos, tem sua
cêrea grande com muitas laranjas, coqueiros, limões e outros frutos.
Suas ocupações com os proximos: ensinar os rapazes a ler c
escrever, pregar em nossa igreja matriz, confessar os Portugueses,
ensinar e administrar os sacramentos aos escravos de Cume e ín­
dios da terra; têm a seu cargo duas aldeias de índios, umas cinco
lcgmis da vila para o Sul. outras quatro para o Norte; não residem
nelas, mas visitam-as a miúdo e também visitam outras mais longe,
que são de Cristãos e pagãos, com muitos trabalhos e perigos por
causa dos calores e das chuvas e rios caudalosos que passam, e por
causa dos (luaimurés. Não estão muito bem recebidos na terra por
cansa dos capitães e outros homens que não nos são muito benevo­
los, mas bem empregados, maximè em atender aos Índios, porque
com os Portugueses não se tira muito fruto.

ESPJ i! 1TO SANTO

E ’ Capitania e vila de Vasco Fernandes Coutinho que reside


nela e a rege, mas sujeito ao Governador da Baía. Bista dela 120
léguas e da Equinocial 20 graus: e porto de mar, situado em lugar
baixo (' pouco aprazível, cercado de um rio caudal e de grandes
montes; terá mais de 150 vizinhos de Portugueses com seu vigário
(569): é terra rica de assucar, tem seis engenhos (570), muitos
gados, fértil de algodão, tem muito balsamo, que se tira de umas

418
XXXII. INFORMA ÇAO DA PROVINCIA DO BRASIL

árvores grandes, e a gente é rica e honrada, e a terra frequentada


de três ou quatro navios que cada ano vão ali de Portugal.
Aqui temos uma casa onde residem de ordinario oito, cinco Pa­
dres e três Irmãos. O sítio não é muito sadio nem aprazível por
estar em lugar baixo; tem oito camaras assobradadas e oficinas bem
acomodadas; a igreja é nova, mui capaz para a terra e bem ornada;
tem também uma cerquilha com algumas árvores de fruto, como
laranjas, limas doces, limões e outros frutos. Suas ocupações são:
pregar, confessar, ensinar os meninos a ler e escrever, exercitar os
mais ministérios do nosso Instituto com os Portugueses, escravos e
Judios da terra, que são muitos e os mais domesticos da costa e ali
são bem recebidos e fazem muito fruto. Têm, três ou quatro léguas
da vila, por um rio muito ameno a riba, uma aldeia de índios da
invocação de Nossa Senhora da Conceição, e outra a meia legua
desta que se diz de S. João: nelas haverá eêrca de 3.000 índios
cristãos; na da Conceição residem de ordinario dois dos nossos, e a
d<; S. João visitam quasi cada dia.
Além destas visitam outras seis aldeias mais longe que são de
índios cristãos e pagãos, e terão até I .500 almas, e com estas ocupa­
ções estão bem empregados, são amados do povo como tenho
dito (571).
E ’ o Espirito Santo a terra mais acomodada e aparelhada para
a conversão, que ha em toda a costa, por haver ainda muito gentio
e não tão escandalizado dos Portugueses. Vivem os desta casa de
esmolas, ajudados do Colégio do Rio de Janeiro, ao qual e anexa,
no que toca a vestir, calcar, vinho e azeite, e outras cousas que não
se dão em esmola .

RIO DE JANEIRO

O Rio de Janeiro é Capitania de El-Rei, tem governador su­


jeito ao da Baía. E ’ cidade intitulada de S. Sebastião, que fundou
el-rei D. Sebastião, de boa memoria, que ele determinava fazer mui­
to nobre por ser de seu nome e a primeira que havia fundado. Dista
do Espirito Santo 50 léguas e da Baía 180, e da Equinocial 23 graus
c meio no Tropico austral.

419
JOSEPH DE ANCHIETA

E ’ porto de mar, a cidade não mui bem assentada em um monte,


mas de muito bom prospeto ao mar, tem uma baía mui formosa e
ampla, cheia pelo meio de muitas ilhas, não tão grandes como apra­
zíveis e é a mais airosa e amena baía que ha em todo o Brasil, tem
um circuito mais de 20 léguas e o porto é tão fundo que as naus
mui grandes estão com a prôa em terra em 14 braças.
Tem uma fortaleza cheia de muito boa artilharia, com outros
três ou quatro fortes que a fazem muito defensável; tera 150 vizi­
nhos de Portugueses (572) e tem seu vigário com outro coadjutor
somente, e aqui reside de ordinario o Administrador, que é como o
bispo.
E ’ terra de grandes e altíssimos montes e penedias, e ao entrar
da barra tem uma pedra mui larga ao modo de um pão de assuear
o assim so chama, e do mais de 100 braças em alto, que e cousa ad­
mirável. Destas terras descem muitos rios caudais que se vêm des­
penhar e correr ao mar de duas e três léguas, e por estar debaixo do
Tropico tem calores e frios quasi tão rijos como em Portugal. O
inverno é mui aprazivel e como primavera na Europa, no verão cho­
ve muito e quasi cada dia: é terra rica, abastada de gados e fari­
nhas e outros mantimentos, tem três engenhos de assuear; achou-se
mrora nela noz moscada e pau d ’aquila, nao tão fino como o da ín­
dia Oriental mas de mui suave olor e em tão grande quantidade
que fazem os navios dele: é abundante de cedros e árvores de sân­
dalos brancos mui finos; dão-se nela uvas, trigo e outras cousas de
Portugal: de pescado é mui abundante e o clima é muito saudavel.
Aqui temos colégio, esta bem situado em lugar eminente, de
bom prospeto ao mar, tem feito um quarto de edificio e parte do
outro: os cubiculos que estão feitos sao 10 a 12 assobradados e for­
rados de madeira de cedro, a igreja é pequena e velha, e as oficinas,
ainda que estão bem acomodadas, são mui velhas (573). Sempre
sc faz algo no edificio, ainda que devagar por não haver tanta co­
modidade de cal e oficiais, e por não se pagarem 166 ducados que El-
Bei D. Sebastião lhe deu de esmola para as obras. Tem junto ao
Colégio cêrca muito grande com tanque e fonte de agua salobra:
nela têm uma vinha como em Portugal,“e outras árvores de laran­
jas. limas, limões, bananeiras e outros frutos, é mui amena e de

420
XXXII. — INFORMAÇÃO DA PROVINCIA DO BRASIL

grande recreação; defronte do Colégio está uma ilhota que serve


de recreação nos assuetos, vão a ela por mar e está do Colégio um
quarto de meia legua (574).
Meia legua da cidade tem duas léguas cie terra em quadro das
melhores da terra; nelas se fazem mantimentos e roçaria e residem
os escravos e índios da casa que são mais de 100, de Guiné e índios
da terra com suas mulheres e filhos, e uma igreja em que lhes en­
sinam a doutrina cristã, e dêstes a maior parte grangeiam aquela
fazenda e outra que têm a sete léguas da cidade, que é muito maior
e mais fértil, de três léguas em largo e quatro para o sertão, e ou­
tros são carpinteiros, carreiros, etc. (575).
Vivem dos nossos neste Colégio cie ordinario 24 (576) : 10 Pa­
dres e os demais Irmãos. Tem de renda 2.500 cruzados que lhe
dotou el-rei D. Sebastião para 50, e os 2.000 se pagam na Baía
ainda que mal e tarde, e os quinhentos na Capitania do Espirito
Santo, e com esta renda e com a roçaria que hei dito, e com algu­
mas cabeças de bois e vacas que têm de sua criação, se sustentam
muito bem e aos escravos que tem, e ajudam as residências ao Co­
légio anexas.
As ocupações dos nossos com os proximos são: uma lição de
casos de concicncia que ouvem de ordinario um ou dois estudantes
de fóra e ás vezes nenhum, mas sempre se lê aos de casa; uma classe
de gramatica aonde estudam 10 ou 12 meninos e alguns de casa,
escola de ler e escrever que tem cêrca de 30 meninos, filhos cie Por­
tugueses.
Item: pregam e confessam e, como ha poucos clérigos, os nos­
sos confessam a maior parte dos Portugueses, e estão ali benquis­
tos e fazem fruto.
Além disso têm a seu cargo duas aldeias de índios cristãos: a
primeira se diz S. Lourenço que está uma legua da cidade defron­
te do Colégio, vai-se a ela por mar e nela residem de contínuo tres
dos nossos, e todos são Padres; a outra é de S. Barnabé, dista da
cidade sete léguas e por mar: esta visitam a miudo c entre ambas
terão quasi 3.000 índios f 5 7 7 ) .

421
JOSEPH DE ANCHIETA

SÃO V IC E N TE

E ’ Capitania de um Martim Afonso de Sonsa; tem quatro vilas


e capitão que a rege sujeito ao da Baía; a primeira e mais antiga,
e que foi fundada primeiro que todas as cidades e vilas desta pro­
vincia, se diz Nossa Senhora da, Assunção (578) e toma o nome
comum de toda a Capitania, que é S. Vicente; dista do Rio 40 lé­
guas, da Baía 220 e da Equinocial 24 graus menos alguns minutos,
o do Rio de Janeiro corre a costa até S. Vicente de Leste a Oeste,
e por isso ainda não cresce meio grau nas 40 léguas que dista do
Rio.
E ’ situada em uma ilha que terá seis milhas em largo e nove
cm circuito; antigamente era porto de mar e nele entrou Martim
Afonso de Sousa a primeira vez com sua frota, mas depois com a
corrente das aguas e terra do monte se tem iechado o canal, nem
podem chegar as embarcações por causa dos baixos e arrecifes; terá
50 fogos de Portugueses com seu vigário (579), e por estarem a.s
terras gastas e não ter porto se vai despovoando pouco a pouco.
Nesta mesma ilha está outra vila que se diz Santos e é porto
de mar, aonde entram as naus ainda grandes, tem 100 vizinhos
(580) com seu vigário e para ela se vêm muitos dos moradores de
S. Vicente, por ser mais rica e abastada e mais acomodada por
causa do porto que tem para os seus tratos e gananeias. Ao entrar
-da barra, em um monte alto de outra ilha chamada Guaibe, em certa
ponta fez o general de Sua Magestade (581) uma fortaleza e lhe
deixou 100 soldados de guarnição com seu capitão e alcaide, e daí
a quatro léguas para o Norte, na outra ponta desta mesma ilha de
Guaibe, está uma fortaleza e em frente desta está outra situada na
terra firme, muito mais forte e formosa, e ambas fundaram os mo­
radores com ajuda de El-Rei de Portugal, para defender-se dos
Franceses e Ingleses e dos índios naturais, que punham em aperto
aquela terra, principalmente a Santos, porque navegando pelo rio
da Bertioga lhes tomavam os filhos e mulheres com muita cruel­
dade.
*
Caminhando pela praia para o Sudoeste, 10 léguas de S. Vi-

422
XXXII. — INFOKMAÇÀO DA PROVINCIA DO BRASIL

cente está uma vi let a chamada Itanhaen: terá 30 vizinhos de bran­


cos (582), não tem vigário.
Todas estas três vilas são pobres, de poucos mantimentos e
gado, porém abundantes em assucar. Em todas elas ha quatro enge­
nhos de assucar (583), que é a mercadoria da terra.
Em S. Vicente temos casa, mas ha licença do padre Everardo
(584), de boa memoria, para mudar-se para a vila de Santos que
está, como tenho dito, seis milhas de S. Vicente, e agora o Padre
Visitador Cristóvão de Gouvêa a pôs em execução a pedido dos mo­
radores, para o que logo deram o sítio e a cadeia publica em uma
parte de bom prospeto junto ao mar; e já se começa o edifício, para
O qual dão suas esmolas e ajudas, com grande desejo de tei ali os
nossos (585).
Residem de ordinario em S. Vicente sete dos nossos: cinco
Padres e dois Irmãos (586). Suas ocupações são ensinar os meni­
nos a ler e escrever, pregam, confessam os Portugueses e índios;
estão ali benevolos e fazem fruto, e, como não ha mais que um vi­
gário, têm a maior parte do trabalho. Além disto visitam e vao em
missão a Santos e a Itanhaen, aonde por não ter vigário lhes admi­
nistram quasi todos os sacramentos. Visitam algumas das aldeias
de índios e pagãos que estão 10 e 12 léguas da vila. Estes Padres
se sustentam de esmolas com não pequeno trabalho por a terra ser
pobre, o são ajudados do Colégio do Pio.

PIKAT1N1NGA

A quarta vila da Capitania de S. Vicente é Piratininga, que


está 10 ou 12 léguas pelo sertão e terra a dentro. Vão por la por
umas serras*tão altas que dificultosamente podem subir nenhuns
animais, e os homens sobem com trabalho e ás vezes de gatinhas por
não se despenharem e por ser o caminho tão mau e ter tao ruim ser­
ventia padecem os moradores e os nossos grande trabalho. E in­
titulada vila de S. Paulo, situada junto a um rio caudal; tera I O )
fogos de Portugueses (587) ; não tem cura nem ha outros sacerdo­
tes senão os nossos, nem*os Portugueses os querem aceitar; e terra
de grandes campos, fertilissima de muitos pastos e gados, de bois,

42 3
JOSEPH DE ANCHIETA

porcos, cavalos, etc., e abastada de muitos mantimentos. Nelas se


dão uvas e fazem vinho (588), marmelos em grande quantidade e
se fazem muitas marmeladas (589), romãs e outras árvores de fruto
da terra de Portugal (590).
Item: se dão rosas, cravinas, lirios brancos. E ’ terra muito
saudavel e aonde vivem os homens muito, maximè os velhos (600).
Aqui residem seis dos nossos (601) : Padres quatro e dois Ir­
mãos : têm uma casa com oito camaras de sobrado forradas e suas
oficinas bem acomodadas. Todo o edificio é novo, feito de taipa, a
igreja não é muito grande. Tem cêrca cheia de frutos da terra e
marmelos, rosas, cravinas, etc., e no claustro um poço de boa
agua (602).
Suas ocupações são: confessar e pregar, ensinar os meninos a
]er e escrever, e são como curas dos Portugueses e lhes administram
todos os sacramentos, são mui amados de todos e como pais daquela
gente. Têm duas aldeias de índios a seu cargo: uma intitulada da
Conceição de Nossa Senhora dos Pinheiros, que dista uma legua da
vila, e outra intitulada de S. Miguel que dista duas léguas. Entre
ambas terão 1.000 pessoas, e ba nesta terra muito bom aparelho
para conversão por haver ainda grande número de gentio não mui­
to longe.
Os nossos se sustentam de esmolas muito bem por a terra ser
abastada, exceto que o vestido, vinho, azeite e farinha para hóstias
lhes dá o Colégio do Eio.

CLIMA

O clima desta provincia do Brasil 6 geralmente muito tempe­


rado, de bons e delicados ares e mui sadios, aonde os homens vivem
muito, até oitenta, noventa e mais anos, e a terra está cheia de ve­
lhos. Não tem frios nem calores grandes, os céus são mui puros, ma­
ximè á noite; a lua é mui prejudicial á saúde e corrompe muito as
cousas, as manhãs são salutiferas, tem pouco de crepusculo porque
em amanhecendo logo sai o sol e em pondo-se anoitece.
O inverno começa cá em Março e acaba em Agosto; o verão
começa r. i Setembro e acaba por fim de Fevereiro, e por isto o

4 24
XXXII. — INFORMAÇÃO DA PROVINCIA DO BRASIL

Advento, e o Natal são em sumo estio. Das ferias gozam os estu­


dantes em Dezembro e Janeiro. Os estudos começam em 4 de Fe­
vereiro.
Os dias e noites são todo o ano quasi iguais. Chove muito no
inverno com grande serenidade, sem tempestade nem torvelinhos e
é tanta chuva que parece r u m p u n t u r c a t a r a c t a c a l l e t f o n t e s a b y s s i ,
porém não faz frio. O verão é algo quente, mas temperado e não
ha mês em que não chova muitas vezes; todo o ano trazem os ho­
mens pouca roupa.
E ’ terra desleixada e remissa e algo melancólica e por esta cau­
sa os escravos e os índios trabalham pouco e os Portugueses quasi
nada e tudo se leva em festas, convivios c cantares, etc., e uns e
outros são mui dados a vinhos e facilmente se tomam dele e os Por­
tugueses não o têm por afronta e deshonra e os convívios que se
dão nesta terra, além de serem muitos e ordinarios, sao de grande
custo e neles se fazem muitos excessos de comeres exquisitos,
etc. (603).
E ’ terra lmmida, prejudicial á vista e ás fendas das pernas e
não ficam bons delas tão cedo inaximè se lhes chega o rocio da
manhã. Para as cabeças é mui salutifera, e por mais fondas que
uma pessoa tenha na cabeça logo fica sã. _
Algumas terras são mais saudaveis que outras. Na Baia se
criam mal os meninos e morrem muitos, mas os que chegam a i a e
perfeita vivem muito, mas não sem doenças por não ser tao sadia
como as demais Capitanias. , .
Os nossos Padres e Irmãos de ordinario tem saude, nem deitam
dc ordinario sangue pela boca, nem têm catarros, dor de pedra, co­
lica dôr de cabeça e de peitos, nem outras enfermidades que tem
muitos dos ndfcsos em Portugal, e se alguns as têm e de muitos tia-
balhos que hão passado ou muita velhice; de quentura sao as vezes
enfermos, maxime na Baia. Ã
No verão se levantam os nossos ás quatro e se c ei am aos
quartos para as nove, e no inverno só levantam ás cinco e dedam-se
1 três ^quartos para as de*. Comem o jantar no-verão as de e
ceia ás seis; e no inverno jantam ás orae e ceiam as sete da noite.

425
JO S E P H DE A N C H IE T A

COUSAS QUE PERTENCEM A D VESTITUM

As casas nesta terra algumas são de pedra e cal cobertas de te­


lha, mas as comuns são de taipa cobertas de palma e de ervas e
tascas de paus.
Para vestir ha muito algodão que se encontra em umas árvores
frescas como sabugueiros e todos os anos dão uns folhelhos ou ca­
puchos cheios de algodão. As mais cousas de vestir vem da Europa,
isto é, veludos, razes, damascos, tafetás, panos finos e baixos de
toda sorte, bolandas e lenços de linho.
Os homens e mulheres portugueses, nesta terra se vestem lim­
pamento de todas as sedas, veludos, damascos, razes e mais panos
tinos como eni Portugal, e nisto se tratam com fausto, maxime as
mulheres, que vestem muitas sedas e joias o creio que levam nisto
vantagem, por não serem tão nobres, ás de Portugal f(jí)4) e todos,
assim homens como mulheres como aqui vêm se fazem senhores e
reis por terem muitos escravos e fazendas de assucar por onde reina
o ocio e lascivia e o vício de murmuração geralmente.
Os índios da terra de ordinario andam nus e «piando muito
vestem alguma roupa de algodao ou de pano baixo e nisto usam de
primores a seu modo, porque um dia saem com gorro, carapuea ou
chapou u h cabeça o o mais nu : outro dia com seus sapatos ou botas
c o mais nu, outras vezes trazem uma roupa curta até á cintura sem
mais outra cousa. Quando casam vao as bodas vestidos e á tarde se
vão passear somente com o gorro na cabeça sem outra roupa e lhes
parece que vão assim mui galantes.
As mulheres trazem suas camisas de algodão sôltas até o cal­
canhar sem outra roupa o os cabelos e quando muito entrançados
com uma trançadeira de fita de seda ou de algodão; mas homens
e mulheres de ordinario andam nús e sempre descalços.
Os nossos Padres e Irmãos vestem e calcam propriamente como
em Portugal dos mesmos panos que lá. mas faltam-lhes muitas vezes,
mas nao se amotinam, porque a terra não pede muita, roupa e (pian­
to mais leve e velha tanto é melhor e folgam com ela; e o andarem
descalços e uso da terra e nao lhes dá tanta pena e trabalho como
XXXII. — INFORMAÇÃO DA PROVINCIA DO BRASIL

se fôra na Europa e desta maneira o fazem também os mui ricos e


honrados da terra.

O QUE PERTENCE AD VICTUM

O pão comum desta terra é de raizes de mandioca. A mandioca


é como árvore, cresce com os seus ramos e folhas á altura de 10 a
1 2 palmos. para se plantar cortam grandes arvoredos e depois lhes

põem fogo e plantam uns paus dos ramos de comprimento de um


palmo; em seis ou nove meses deitam mui grandes raizes (605), as
quais deitam de môlho até ficarem podres e as expremem e fazem
farinha que fica como cuscús de farinha de trigo. Também cruas
se vaiam e expremem-se e fazem-se uns beijús (pie são como obreias
do tamanho de um prato mas mui alvo; é mantimento de pouca
sustancia, insipido, mas são e delicado.
Esta mandioca tem algumas cousas notáveis: os homens que
a comem crua ou bebem sua agua arrebentam e morrem (606) ; os
animais que a comem crua engordam com ela e é ordinario manti­
mento dos cavalos e outros animais. Os animais que bebem a agua
que dela se expreme morrem logo. Se so põe ao turno depom de
podre, fica tão saudavel que bebida, em agua ou vinho, é remédio
presentissimo contra peçonha e fazem-se dela certos cahhtos como
de amido ou tisana de cevada até para os doentes e sãos, mas é cou­
sa muito mais delicada e proveitosa para o peito e febres. Também
se faz outro gênero de farinha que chamam de guerra para as ar­
madas e gente de serviço e dura muito tempo (607).
Estas raizes de mandioca estão quatro, cinco ou seis anos den­
tro da terra e não são necessarios celeiros, como para o trigo, porque
„ã„ tom mais que tirar tia terra cada dia e comer-se a farinha e
bei.ins frescos (608). . .
Também se faz farinha de outras raizes que chamam aipim;
são como as de mandioca propriamente, mas não matam e também
se comem assadas. Seu sabor é como de castanhas.
Ila outras raizes como batatas, cará (609), mangai a . )•
Estas se comem assadas e cozidas, são de bom gosto, servem de pão
a quem não tem outro. Parece que não são estas raizes das que co-

427
JOSEPH DE ANCHIETA

miam os Santos Anacoretas no deserto, pois são tão boas e de tão


boa substancia que sustentam sem milagre.
Alguns ricos comem pão de farinha de trigo de Portugal, ma-
ximè em Pernambuco e Baía, e de Portugal também lhes vem vi­
nho, azeite, vinagre, azeitonas, queijo, conserva e outras cousas de
comer.
Tem esta terra muitas e boas aguas e sadias. Para os enfer­
mos não faltam regalos que se fazem de assucar, que ha muito, e
assim fazem laranjada, cidrada, aboboradas e talos de alface e ou­
tras conservas. Em Piratininga se faz muita carne de marmelo ou
cotonada (?) e assucar rosado alexandrino (611).
Os nossos comem da farinha da terra e dos vinhos e azeites de
Portugal, que de lá lhes vem quando lhes vem, porque muitas vezes
faltam estas cousas.

CARNES

Jla nesta loiTa abundanda de gados, como bois, porcos, gali­


nhas, perus, patos, e carneiros e cabras, ainda que não muitos, por­
que começam agora e tudo isto vein do Reino. Da terra não faltam
porcos monteses, os quais têm o umbigo nas costas, antas que são
como vacas bravas, galinhas monteses, rôlas, faisões, avestruzes, gar­
ças, aguias, coelhos e perdizes em muitas partes e outras muitas
caças em abundanda, etc., e ainda que isto de ordinario não se
ache para comprar, todavia não falta na terra.
Os nossos comem de ordinario vaca, que é tenra e sadia, ainda
que não muito gorda, por não ser a terra fértil de pastos. Os doen­
tes comem galinha e carne de porco, que nesta terra todo o ano é
melhor que galinha em saudarei e gôsto; porém os que são mais
fracos e velhos padecem algo, porque galinhas e porcos não os ha
para tantos e a vaca lhes faz mal.

PESCADOS

( omo estas Capitanias todas sejam portos de mar, ha abun­


danda de pescado, tao bom e são que se come sobre tudo e sôbre

428
XXXII. INFORM AÇÃO DA PROVINCIA DO BRASIL

leite, e ás vezes sem azeite nem vinagre e dá-se aos enfermos de fe­
bre como galinha ou outras aves. Entre êstes pescados ha muitos
peixes de preço e reais, como baleias, tantas e tão grandes que e
para ver. Aqui na Baía das janelas dos cubiculos as vemos andar
saltando e por toda a costa ha muitas.
Nos rios caudais que entram no mar ha peixes-bois (612) qu,
têm de pêso 20 e 30 arrobas. Dentro do cerebro destes se acha uma
pedra mui medicinal para quem tem dor de pedra e a carne e de
preço cozinha-se com couves e sabe á carne de vaca; se com espe­
ciaria sabe a carneiro e também a porco e faz-se chacina muito
boa. Outros que chamam meros (613) são tão grandes que alguns
têm sete quintais de pêso.
Ha. muitas tartarugas, que são como cágados. ™
os dias passados que 20 homens não a pod.am volver (614). Nes
rios ha porcos dagua quasi da mesma maneira que os da teria ( )•
Junto I Baía três léguas, está um lago que tem caos marinhos
16161 e está um bom pedaço longe do mar em lugar m u i — e
é de anua doce, mas enche e vasa com o mar Oceano. Alem d.sto,
ha muitos mariscos em toda a costa, conmlagostms, ostras, caran-
cueiios breguigões (617), camarões, que sao alguns de um p >
e as ostras são em tanta quantidade que se acham ilhas cheiasdas
cascas (618) e far, cal para os edifícios que c tao boa como

PetUAos nossos de ordinário não falta pescado fresco e sèco, ainda


que o sêeo não seja tão bom nem de ta n ta sustancia - o . »
de P o rtu g a l; mas o fresco é m uito mais leve e sao e se d a aos do
t l de febre, porém tudo vale caro, por falta dc redes c pescadores,

FRUTOS

Nesta terra se dão bem árvores de espinho, que «eram de


togai como laranjeiras, cidreiras, limoeiros, limeiras e todo o ano
m frutos e bons sem ser regados; porque o céu tem êste cuidado
e c a terra tão fertil destas árvores que se dao pelos montes e cam
pos sem benefício que se lhes faça.

429
JOSEPH DE ANCHIETA

Da terra ha muitos frutos e alguns de preço e que não dão van­


tagem ás peras melacotores de Portugal, s c i l i c e t : mangabas (619),
que são como albicorques amarelos, não tem caroço senão umas pe-
v k I c s pequenas e são de bom gôsto e mui sadias; mocujês (620),

que são como peros bravos de Portugal, mas de grande gôsto e pre­
ço e ao comer se sorvem como sorvas; acajús (621), que são como
peros repinaldos e dão uma castanha no olho, melhor que as de Por­
tugal; aratieús (622), a árvore c como limoeiro, o fruto como pi-
niia ; naná (6211), dão-se em uns como cardos e as folhas como erva
babosa, o fruto é á moda de pinha, ainda que maior, dão-se todo o
ano, é fruto de muito preço e real, sabem e cheiram a melões, mas
são melhores e muito mais odoriferos e têm muito sumo. são bons
para quem tem dôr de pedra; o vinho que os índios fazem deles é
muito forte e se toma a miudo dele; com as cascas se limpam as
manchas de azeite e quando se os cortam fica a faca limpa e asseada.
Pstes frutos dao nas hortas e pelos campos e bosques em gran­
ge abundanda e deles se fazem conservas, como laranjada, cidradas,
limões, naná em conserva e outros, e cruas não faltam aos nossos
para antepasto.

LECH uVÍES

Da terra ha poucos legumes, mas de Portugal ha muitos, s c i -


I x r t , couves, rabaos, alfaces, pepinos, aboboras, gravanços (624),
lentilhas, perexil (62o) e erva boa e outros muitos e em Pernam­
buco e Rio de Janeiro muitos melões e da terra e Guiné ha muitas
aboboras e favas, que são melhores que as de Portugal e são tão sãs
como ervilhas, feijões e outros legumes, e todo o ano não faltam
de ordinario aos nossos e muitos deles têm em suas rocas.

BOSQUES

Todo o Brasil é um jardim em frescura e bosque e não se vê em


1 do o ano ái\oie nem erva seca. Os arvoredos se vão ás nuvens de
admirável altura e grossura e variedade de especies. Muitos dão

430
XXXII. INFORMAÇÃO DA PROVINCIA DO BfíAíSJD

bons frutos e o que lhes dá graça é que ha neles muitos passari­


nhos de grande formosura e variedade e em seu canto não dão van­
tagem aos rouxinois, pintasilgos, colorinos, e canarios de 1 ortugal
e fazem uma harmonia quando um homem vai por êste caminho,
que é para louvar ao Senhor, e os bosques são tão frescos que os
lindos e artificiais de Portugal ficam muito abaixo. 11a muitas ár­
vores de cedro, aquila, sandalos e outros paus de bom olor e várias
côres e tantas diferenças de folhas e flores que para a vista é gran­
de recreação e pela muita variedade não se cansa de ver.

BICHOS

J la nesta terra inumeráveis bichos e serpentes e muitos deles


tão peçonhentos que metem espanto, . s c i l i c e t : cobras de muitas cas­
tas, umas tão grandes que tragam um homem ou veado inteiro,
f(,mo por vezes se ha achado nelas (626), e outras tão ferozes que
em vendo uma pessoa se atiram a ela para tragá-la e destas são
muitas e de muitas castas. Outras que chamam jararacas (627),
mais pequenas, tem um dentinho na bôca, ôco por dentro, cheio de
peçonha; se morde em alguma pessoa, morre-se em 24 horas, e antes,
se não lhe acodem com remedies, e destas ha tantas que estão pelas
casas e caem dos telhados sobre as camas, e quando os homens des­
pertam se acham com elas enroscadas no pescoço e nas pernas e
<juando se vão a calçar pela manhã as acham nas botas.
Ha outras que têm na cauda um cascavel que tange (628) e
também são venenosas, e algumas destas jararacas têm no ventre
trinta e quarenta cobras que parem (629).
Ha muitos sevandijas como lagartos, assim da terra como da-
gUa ; os da agua são tão grandes que matam um homem e o comem
((530). lia muitas lagartixas, em tamanha quantidade que andam
pelos buracos das casas, inumeráveis como pardais em Portugal.
Nas florestas ha muitas onças de grande ferocidade e também uns
animalejos que chamam tatús (631); parecem-se com leitões e por
de cima são cheios de umas conchas como cavalos armados e furam
tanto pela terra que muitos homens a cavar nao os podem tomar

431
JO S E P H HE A N CH IETA

c se lhes deitam agua na cova, logo os tomam e nao podem mais


eivar 11a muitos monos e micos de muitas castas.
Outros animais que chamam quatis (631-*) ““ £
festa e brincam como uns gatinhos ou ca
adam . **.
1 ba viver com e,es. e são de estima por estas e outras
habilidades que tem. /nnn\ „ oãn muito
Ha outr» que chamam pregmça do Brasil (682) . sao murto
nomeados por ser animal muito para ver; parecem-se com caes ie
r udos como os perdigueiros que ha em Portugal; são muito t a » .
parece de mulher velha mal toucada, as maos c pes cui
t o m grandes unhas e nelas andam com o peito pelo chaoe com■ «

filhos abraçados na barriga e andam tao devagar e com tanta pie


fdho.s abraçaao moverem e é necessario muito tempo para
subirem1numa árvore. Seu principal alimento são certas folhas de
C ^ s (633) e. como não as têm e pela grande melancolia na-
tpral vivem mui p o u c o tempo em casa depois que os tomam . ^
Finalmente êste clima parece influir peçonha nos animais
serpentes e assim eria muitos imundos, como ratões, morcegos, ara-
nlias muito peçonhosas. inume-
As formigas que tem esta terra nao se pode due,, sao inume
raveis e inúmeras as castas e suas espeeies; são destruição desta
Jr? porque não ha viver com elas. Minam as casas, as igrejas, as
camarás pelas paredes até o telhado. Toda a noite andam os lavra­
dores com uns fachos de fogo á caça das formigas porque se as d e-
r : uma noite não fica folha nos roçados de mandioca e na
, rr’as laranjas, limões, e hortaliças de Portugal e nestas cousas
Lham’tanto gôsto que não ha defender-lhes estas árvores e em um a
noite tragam toda oma parra ou laranjeira e por esta causa
ha nesta terra vinhas e outros frutos de Portugal em abundancia
ás r ba, principalmente na Baía, é com muito trabalho e com
ter-lhes sempre agua ao pé e outros defensivos. Fmalniente nos io
çados de mandioca lhes dão os lavradores de comer, e nisto « « p »
muitas pessoas e o têm por mais barato que deixa-las come
fruir as fazendas (634). Em algumas Capitanias sao men
formigas e não fazem tanto dano.
X X X II. — INFORMAÇÃO DA PR O V IN CIA DO BRASIL

ÍNDIOS

Os índios desta provincia são inumeráveis pela terra a dentro,


de várias nações e costumes e linguagem e muitos deles são como
selvagens e não se lhes póde entender sua lingua e ha pouco reme-
dm para sua salvação, exceto alguns inocentes ou adultos que se ba­
tizam i n e x t r e m i s e se vão para o céu.
Os mais politicos entre eles são os Tupinambás, senhores da
Baía, e Tupinaquins e outros que se convertem, que dantes viviam
pela costa do mar e ainda todos estes são gente de mui pouca ca­
pacidade natural, se bem que para sua salvação têm juizo bastante
e não são tão boçais e rudes como por lá se imagina.
Não têm escrita, nem caracteres, nem sabem contar, nem tem
dinheiro; >c o m m u t a t i o n e r e r u m compram uns aos outros; sua lin­
gua é delicada, copiosa e elegante, tem muitas composições e sin­
copas mais que os Gregos (635), os nomes são todos indeclináveis,
e os verbos têm suas conjugações e tempos. Na pronunciação são
subtis, falam baixo que parece que não se entendem e tudo ouvem
e penetram; em sua pronunciação não põem F, L, Z, S e RR (636),
nem põem muta com liquida, como Bra, Craze.
Fazem muito caso entre si, como os Romanos, de bons linguas
e lhes chamam senhores da fala e um bom lingua acaba com eles
quanto quer e lhes fazem nas guerras que matem ou não matem e
que vão a uma parte ou a outra, e é senhor de vida e morte e ou­
vem-no toda uma noite e ás vezes também o dia sem dormir nem
comer e para experimentar se é bom lingua e eloquente, se põem
muitos com ele toda uma noite para o vencer e cansar, e se nao o
fazem, o têm por grande homem e lingua.
Por isso ha prègadores entre eles muito estimados que os exor­
tam a guerrear, matar homens e fazer outras façanhas desta sorte.
São como vermelhos de côr, de mediana estatura, a cara e os
mais membros mui bem proporcionados; o cabelo é corredio de ho­
mens e mulheres, são grandes pescadores e como peixes no mar e
vão ao fundo e estão lá de espaço até trazerem o que buscam.
Nos campos e florestas andam e rompem como bichos; são guer-
JO S E P H HE A N CH IETA

reiros e grandes frecheiros; p^


liomem para lh. p « g « 1 - " Z Z » peixe na agua; an-
sarinho que nao mate , ,iodo. S- Q al?0 melan-
,lam nus, são dados a s;,mente a m01,e a . ima-
S 5 . « a,gam que se hão do m o r ,r
* A ftrrpm brevissimaraente.
o n Hit's p o n h a m m c a n ta r e s e te s ta s a té a
D c d ia e de n o ite t e e m sen s come s can a re
i;oo com corner sc naO o t“11A> 1 1
manhã, andam mm os —’ nf jn díem> nãoguardando
« tem não descansam sem acaha-1

..-r;s:= ,”'2:íir;®— -
r."sr- r
rsx
: , » -

.ir»:::—”»-.■*.rsrrrrí:
i „n, Pace A estes, para alcançai saúde, >e
<■ "»c chamam 1 ag. . A I cerimonias, mas não acre-
1 l’ * ^ " ^ <" n 8 o são demamlBes. mas bomfaw-ios e earitati-
oi qnc'lhes entram em casa comem com eies sem ihes

'^ A Í c a s a t n dc o rd in a rio a té ........ tom em o u m a te m a lg u m h«-

m™ ^ X 'T u e * ' ^ I V g X I s ^ JidnTados existo têm


modo e aitinuo m f,asas mui grandes
r • v. vi-irpm muitos íuntos em umas casas mui &
grande primor . • põem espanto, e
- «r rir::;:::
(oin terem as casas sem PUiia
modo furtam uns aos outros. . . por brevi-
^—
E têm outras cousas e costumes mm notares que pc
d a d e d e ix o .

CONVERSÃO

A conversão nestas partes floresceu ,ja muito, 1,oiqu®


na Baía havia mais de 40 mil cristãos e agora uao haveta 10 mü,
X X X II. INFORMAÇÃO DA PR O V IN CIA 1)0 BRASIL

porque têm morrido de várias enfermidades e não se fazem tantos


de novo, porque têm fugido pela terra a dentro por causa dos agra­
vos que recebiam dos Portugueses, que os cativavam, ferravam,
vendiam, apartando-os de suas mulheres e filhos com outras injú­
rias que eles sentem muito e agora não se acham daqui duzentas e
trezentas léguas pelo sertão a dentro, que é grande detrimento para
sua salvação e aumento de nossa Santa Fé, nem terá isto remédio
se não vier a lei que pedimos a Sua Magestade (pie não sejam ca­
tivos nem os possa ninguem ferrar, nem vender.
Em todo o Brasil poderão ser batizados, desde que os Padres
vieram a ele, mais de 100 mil pessoas e dêstes haverá até 20 mil.
Depois de cristãos têm algumas cousas notáveis e a primeira é que
são t a n q u a m t a b u l a r a s a para imprimir-se-lhes todo o bem, nem
ha dificuldade em tirar-lhes rito nem adoração de idolo,s porque nao
os têm e os costumes depravados de matar homens e comê-los, ter
muitas mulheres e embriagar-se de ordinario com os vinhos e ou­
tros semelhantes, deixam-nos com facilidade e ficam mui sujeitos a
nossos Padres como se fossem religiosos e lhes têm amor e respeito
e não movem pé nem mão sem eles; compreendem mui bem a dou­
trina cristã e os mistérios de nossa Fé. o catecismo e aparelho para
a confissão e comunhão c sabem estas cousas tao bem ou melhor
que muitos Portugueses.
Vivem nas aldeias de que os nossos têm cargo, como em comu­
nidade, em umas casas mui grandes, com um principal de sua na­
ção a que obedecem em algumas cousas, e com viverem juntas nestas
casas cento e duzentas pessoas, maridos, mulheres e filhos, não ha
entre eles todo o ano queixas nem falsidades e com andarem nus
não ha homem que ponha o ôlho em mulher alheia. São mui mo­
destos de seu natural e andam mui direitos e pelos caminhos sem­
pre vão em fileiras, a mulher deante do marido, e andam á grande
pressa. São devotos e os que comungam derramam muitas lagrimas
quando o fazem, e nisto da comunhão ha algumas particularidades
edificantes, porque, se acerta alguma pessoa dizer-lhes que tomem
vingança de outro, respondem: “Sou da comunhão, não tenho de
fazer isto”, e antes da comunhão se disciplinam os homens e jejuam
as mulheres um ou dois dias por sua devoção. Têm certo modo de

435
JO S E P H H E A N CH IETA

d-rar quando chega algum p , r , n t e de

« lança a .sens pe, . * que parece que .he morreu


^ " r r r ^ e content amento por festa e re-

^ S S L o pranto. limpa logo as * ^ £ £ - * * **


ore a falar, comer modestia e devoção, e ora
Ouvem missa cada . semp,.e estendidas para o eéu e
d,, joelhos, ora de pc, c™ qw Ktariam ali todo o dia.
fiã‘>tPO afeiçoados a i„ .1 principais e lhes ensinam a
O» '■»'"« * * ^ " ' 1 1 m S ã acabada a missa em
doutrina crista duas y y x . < _ • badas seus serviços, o diá-
poii uguês, e em s u a ’ confissão, e todos, solteiros e
logo da í e e aparei m perguntas com grande
- r . r ^ ^ . »
r ^ e r , c„n«rjantar e faiar português e ...........man, mu, hem.

r ■■ \ ' acç' i P a t e r n i d a d e o u t r a in f o r -
P ," . A g o s to ■■ '■ ,.m tm ( 6 4 0 ) , com

malS, l,r'p a : Z l l U vivem nela, mas. por não ser


o numero dos Pad . a]„„ma notícia das
,6° '“’'dl' ; : : - : i ; tcrnidade « t e tudo presente
cousas da te . I ' entenda as cousas desta sua província,

mona em seus san os . Paternidadecheguemos


r ; s : n r ; : : ; r ^ * » * . — .

,!"men,° de T
T^a IU i Ím
% Z r ^ r de Dezembro de 1585.

43 6
X X X II. — INFORMAÇÃO DA PR O V IN CIA DO BRASIL

NOTAS

(546) T r d . do m anuscrito, em lingua espanhola e letra

* — • « £ & '* * * •
» » * . *
r, 31-56) Em bora o manuscrito nao tra g a assinatura, a 7n;orw»«c«o ««

l ; ^ r czt^: s s r « *
583, i , d» „ Catálogo * » « - * *“ p X
fere “ á mudança do Colégio de S. Vicente para Sant P01 or^ 0
Cristóvão de Gouvêa, mudança ^ j o ^ c t u a ^ X ^ a mesma nota, cs-
a te sta Cardim, que esteve> P ^ e n t ^ ^ ](Ia Inf ormação de Anchieta, em
crcve, a proposito da fla &™ , de F Oardim : “ Comparando a pre-
rário s trechos, com a Narrativa ePtst°-*J * ^ ta m -s e muitas semelhanças nas
sente Informação com a de erm • ’ V f 0T1tes da Narrativa epis-
descrições e é ootovol qoc se procure »«>" » “ "primciril carta de
iolar. Tal conclusão tem, porei , _ - a.a.ia-t de 16 de outu-
Cardim õ a.üerior « *»
r S t ^ i S a t í ™ : a vivacidade . .
sensivelmente, ou que ambos ^ e Brasil written bv a Portnqnese wich
Se nos lembrarmos eme no ' encontram muitas
X M thnr, P « » j £ ' s c » h m c S e v „»c eõra
fV v S á rS rZ :» ™ .* • * .« » » » • * . r ^ t r ^

nas notarem que se a c h a m asm na ,i ia <>' f?ft 7Vrm e ãn Qente do Bra-

28 d f l t o L í b r o S der 'l5 8 4 , pór quai»quer oircujistuncias só remet rda o i t o m o o t

nós incompleta, como pi se viu, na 1 <


s ir -
Provinda do Brasil e a Narra-

&?£
A segunda das Informações m titu la .e e ía!a cm n0me dela,
a s
mente escrita pelo Provincial ,el“ |)r‘™ A j em segnndo porque se refere ú
tanto que em seu nome pede a benção do D tral c ,g ^ llôstc tempo
I n f o r m a r ã o anterior, que escrevera poi fo iça Informa-
o Provincial do Brasil era Joseph de Anchiota sc encí n treiu
coes de Anchieta, mas também por ora nao posso a
,os originais.

437
JO S E P H D E A N C H IETA

, +í„ i mip a o r a z õ e s d e C a p i s t r a n o s ã o s u s c e p t í v e i s d e c r i t i c a , e quo


„ ? 4 o . a t a h e z i , lavra de Anchieta, maia provavelmente p a rt,ram

d° Epistolar de Cardim que o Yisitador do Bra-

~ ? ! é t ssr ? r z x s á t t t t z
z r J u« £ £ : &.
nos tempos antigos por mol ■} ; Ho das comunicações com o Pa-
dade plena e 1ornavam por assim edim inuia: e quern

fa-lo-ia o Visit ador que o Provincial nosso caso.


o», o segundo motivo do Capistrano é: “ A 2" Inform ação se refere a
primeira que se ini ip;^.;i;i G ra^n este* ^ era eíe
proprio A n c h ie ta ” . Respoodo primeiramenle qnc o U-xto n ã o diz « f « r ^ e
seu cargo d c P r o v i n c i a l , mas só em força de sen caigo. Port.m o . ‘
sitador cargo mais elevado que o de Provincial, vale o que jn dissemos do 1
motivo! Entretanto Capistrano não reparou que re.eriudo-se ■' I " ™ 1 ‘
f o r m a ç ã o pecou por anacronismo. Vejamos como ele se contradiz. N a Intro
E T b T n f o r , n a ç õ e s ele tenta provar que a primeira for escrita no período
d(C-M „ :n de Dezembro de 1ÕK4, porque dá a morte do 1 adre 1 u n a a H de
d L ' l “ „ de. 1r.H-1. h,*™ » dih „,«<■ ... „V *W#. A g . ' '
<i.piSi™ ,„ diver ,«■ d w e ,n,de / » / « ■ < ■ 0 se refere » “
for,.., de seu cargo, e cita o lugar (pag. •»..), 1- m ver a u .u ç a o . 1 01 A f JS
p a s s a d o enviei a Vossa 1'aternidade outra Informação” . Ora sendo a data da
L n d a I n f o r m a ç ã o o último de Dezembro de 138«, Agosto passado e Ago to
de ]ósó, e nfio 21 a !U de Dezembro de 1ÕS4. - Q u a n d o q u e b o n u s o o r m i t a t

n,pssa inter,irelacão é tanto mais logica (pianto notarmos que desde o p ri­
meiro ano da Visita 1083, a N a r r a t i v a E p i s t o l a r , tala de Informações car-
las, papeis, etc., enviados por Cristóvão de Gouvea no Geral ( . L a . d o I n . t .
U i s t ., tomo <5õ, 1*. pág. 24 i . . . . . n
Ai eu humilde modo dc vêr é que seria mais provável ter sido uma e outra
I n f o r m a ç ã o , fornecida de fato por Anchieta, mas da responsabilidade do Vi­
sit ador, a quem por razão de seu oficio competia mais que a. nenhum outro

UÍ <' Destarte o Visit ador, pessoa de fóra teria se servido de Anchieta; mas
como Superior a todos, informaria Roma. Anchieta Redator da Informação,
Gouvea Informador oficial. Explicação não forcada. Longe de nos pensar que
., pêna de Gouvêa. ora alheia a assuntos sobre Brasil. Escreveu nada menos qu
mua Historia do Brasil. Refere Barbosa Machado, I, 579, que^no Colégio de
Jesus de. Coimbra havia no seu tempo Manuscritos do P . Gouvea:
Io) H i s t o r i a d o B r a s i l c c o s t u m e d a s s a i s h a b i t a d o r e s .
2“ ) C o m e n t á r i o d a s o c u p a ç õ e s q u e t e v e . c d o q u e n e l a s f e z .
3°) S u m a r i o d a s A r m a d a s q u e s e f i z e r a m e c / v e r r a s q u e s e d e r a m n a c o n ­
quista da P a ra íb a (Aís. da B ib l. do Conde de Vimieiro e de
J). José B a rb o s a )."
A respeito da tése desenvolvida pelo ilustre padre Murilo Moutinho, da

43 8
INFORMAÇÃO DA PR O V IN CIA DO BRASIL
X X X II.

q1ial o anotador só teve notícia quando Já compostos os originais dêstc volume,


convem aduzir as seguintes observações. , mK.rouismo c o n fu n d id o
1«) O fato de haver Capistrano peca d ^ 1 ‘ nru) tc m im portacnia
com a de 1584 a inform ação enviada em agos ,g ^ publicado 0 n . I dos
nenhum a no caso. Nao tem porque, on ^ - N\u..ionav ’, t. X IX , revelaram
Materiais e Achêgas, os Anais da B t ^ ^ residcncias da Companhia
a Breve narração das coisas relativas ■ . ^ XXJ nêsto voiUm e), papel
nesta provinda brasihca no ano ãc 168 ( D • _ de 85. Aí se
esse que é positivam ente o referido no outra inform a-
declara: “ P or agosto passado en ‘ .ovilieiil) COm o número dos Pa-
ção mais breve das casas e coleg ; ' - 1 ser tao larga, me pareceu agora
dres e Irm ãos que vivem nela, mas, ] • • „ t De form a que o
enviar esta com algun.a noticia ^ ,.,e se tr a t a .
proprio título do _docu.nn.to em J | . falo uma breve narrativa dos eolegios
não da Informação de 8-, po C . d a inda. o número de padres e ir-
e casas da Companhia no Brami, d e c a ia c R amcta ^ ^ , (|ft
mãos existentes em cada, uma das ie ‘ ‘ ' .[a conforme declara uma nota
autoria, de Anchieta, que “ ' decisiva de que o Canarino
do m anuscrito. O que constitui mais m 1 ^ / p r ) r na), , l(,ão é datada de
é o autor da Informação. Nem sc_ ,A J iun papel enviado em ngôsto
dezembro de 84 e que a Informação st ^ ^ elltao n)Uito comum,
de 8.1. Não só a demora de * ainda não concluido um ano, nova
como também parece pouco [uovavtl que, ai
inform ação fÔsse enviada sobre o mesmíssimo ^ Jnformação Capis-
--) A Narrativa epistolar cuia seiu lrc Pernão Cardini
trano observou e procur.iu explicai, toi __ de (Jouvêa’’ a 1C de outubro
‘■por eoinisuào ft> V" 1,* t“ l í l » ” i . » ‘1“ « * * > * • F™ '
t e 1395. Valem umbus poc ' V " V m „ I o un.u u mm. »a vilas ila costa,
vincia, seus colégios c íosiden Narrativa epistolar foi
com o número de h a b it a n t^ cngenl, s c „ - o (k ia l „c sua m i»»»
redigida por comissão do visbadoí e cc repetisSe Cristóvão de
ao Brasil, nao se compiecndt q , relatar por Pernão Cardim. E, o
Gouvêa o que já detalhadam ente m.^ * ' ,..md<) * entre outros, os dados refe-
ciue é ainda mais estranho, rep cisse «. ' ’(iaDitanias ao número de pa­
rentes á população portuguesa e iiidigem^ ^ do‘/ engenh'os. Porque, asseme-
clres e irmãos dos colégios ® ie ' k. . . informando não raro dela
lhando-sc nas descrições á Narrativa epistolai, a m j
difere no que diz respeito aqeules dados Mou.
3") O trecho da NarraUy, M a r c .tm b MMSsa
tinho, não alude a “ mformaçoes , ™ • J l procurador na congregação
rio s” , confiados ao padre Antonm Domes, clcRo l«o ^ ^ ^ p o rt r ,
provincial de 8 de dezembro de 8o, R documentos levados pelo padre
(T ra í-, P. 302). Mas é natural que alem dos um ^ 0 vi.
Antonio Gomes e da A a r r a U v a e p i s t o l a , _ Puicn()8 certo é que, durante
sitador a proposito de sua missão. 0 .f * tiveB8e e]e “ o monopolio das eo-
a estadia de Cristóvão de Gouvea no L ia .; , e de que assim não era
munieações com o Padre Gera em R e ^ a * S m b r o de 84.
está na B r e v e n a r r a ç a o de Anchieta, escrita e fato de haver
4d) Outro indício favorável a autoria de Anchieta
sido a i n f o r m a ç ã o de 85 redigida em ^ docuinento
oficia? d o ^ 4C Í Í « ^ u v é ^ n e i ih u n m referencia contenha á sua

439
V-

JO S E P H D E A N CH IETA

ti ;i a Ipid (lisso
se sc tratasse dc uraa inform ação do visita-
<*. ^ . e , , » < * * * * > * , < *«**
ainda não conhecia. E ’ natural que o Yisitador, so depois do o b se d a r pes­
soalmente os trabalhos da catequese em toda a t r eer-
mar o Geral. Achando-se ele no Rio de Janeiro, na d a ta da Informaçao cer
lam ente adiaria p a ra depois de sua visita a S a o 7™ *?* cxtíem o^sui do*Pro-
Aa fnrnv. a noder registrar as impressões recebidas no extremo sul da n o
vincia Por tudo isso, é possivel afirm ar com pouca probabilidade de erro
que foi a Narrativa epistolar, redigida por Fernao Cardim a seu mandado,
f p r ta r ir a relação çompleta <k» « c r i » *> P™ '™ ™ « v i . d a por Cr.sto-
vão de Gouvêa. , , .
6*) Convem salientar finalm ente que, mesmo no caso de ser verdadei­
ra a hipótese aventada polo padre Murilo Moutinho (A nchieta jtedatoi
Cristóvão de Gouvêa inform ador oficial), as duas Informações nao podem
deixar dc fig u rar entre os escritos do Apostolo do Brasil.

( 547) N ota de Capistrano (M at. e A ch., n. 1): “ Cabral como se vc


da c..irta de Caminha, pôs á terra o nome de Vera-Cruz. Nas instruções dadas
em If,01 a João da Nova (Porto Seguro, IN s t . Ger., p. 77) a te rra chama-se
Ilha da Cruz. N a carta escrita por d. Manuel aos Reis Oatohcos em 1*01
chama-se de Santa Cruz (Navarreto, Coice. dc T \a<j., I I I , ps • d e s ) , -
noli em 1504 chama-a Vera-Cruz ou Brasil (Ramusio, N a v ig ., I, p . )•
Desde êste ano, o nome de Brasil aparece em documentos portugueses e ale-
* mães c cada vez se generaliza mais (W icser, MagaUmes-titrasse und Austral-
Continent, Innsbruck, ISSI. ps. 03-04)” . — A edição de \a rn h sg e * citada por
Capistrano é a 2", v. 1 .
(f*48) V In f . de 15S4 (■ nola 384

(.540) N ota dc Capistrano: “ Falecendo M artini Afonso de Sousa dona­


tário da capitania de Santo Amaro e filho dc Pedro Lopes de Sousa e d. I s a ­
bel de Gamboa, lhe sucedeu na doação das S0 léguas sua irm a d. Jeronim a de
Albuquerque de Sousa, estando já viuva de seu marido d. A n to n io de Lima,
e tendo deste matrimonio a filha d . Isabel de Lima, mulher de A ndre de A l­
buquerque, lodos moradores na vila de Setúbal (Taques, E is t. d a C a p . d e
S. Vicente, Rev. do lu s t., IX , 1847, p. 1 « 2 )“ . - A Eist. da Cap. de S. V i­
cente foi publicada em volume, com um escòrço biográfico do autor por A ton-
so de E . Taunay (Cia. Melhoramentos de S. Paulo, s /d a ta ), figurando ai a
iiág. 80 o trecho transcrito por Capistrano. — Dona Isabel de Lim a de Sousa
e M iranda, quinta donataria das capitanias de Santo Amaro e Itam araca, foi
casada duas vezes: a prim eira com dom Francisco Barreto de Lim a e a se­
gunda com dom André de Albuquerque (B . Calixto, Capitanias Paulistas,
página 14).
(549-a ) De fato, o cálculo do Gandavo ( Trai . , p . 27) era de cerca de
100 vizinhos, em 1570 ou pouco antes.

(550) “ ...d e itá m o s ferro no arrecife de Pernambuco, que dista da vila


uma boa légua”, diz F . Cardim ( T r a í., p. 327).
(551) “ Tem passante de dois mil vizinhos entre vila e termo, com m uita
escravaria de Guiné, que serão perto de dois mil escravos: os índios da te rra
são já poii os” (F . Cardim, Trot . , ns. 533-4'.

4 40
X X X II. — INFOEM AÇÃO DA PR O V IN CIA DO B R A SIL

(551-a) Guarassú (Gandavo, T ra t., p . 27), Igaruçú .fG- Soares o. c


„ 9 i ) ou Igarassú, junto ao rio do mesmo nome, no hm ite com Ita m ara ca .
g h a s n a d a t j b a m • ’v á a d» S. Cosn.o e D aa.iao igraja
flêste título e orago” ou “ dos santos Cosmos ( t i . v . do ha Ia.mor, n s ,
ed., p . 1°8) ou a in ^a simplesmente Cosmos ( O . Soares, 1. c .) - j|n
possuia cêrca de 200 vizinhos.
(552) Nova L usitania, aliás foi o . . . . quo m m « « • > Quanto C„clho
quis dar á capitania (V a rn li., Hl st- Ger., 5 o d ., J, p. - ■)■ •
creve “ Olinda da Nova L u sitan ia” (o. c ., p. 330).
(553) V . I n f . de 84 e note. 405.
Cf. F . Cardim (o. c., p. 335).
(555) Vinte c um jesnitas residiam no Colégio de Pernambuco, cpu.ndo

« * - * « * & £ ^ T7.£ t 2 > 'I s c H Í a 'j » ' oíinda ou, »


do novembro do 157S a ol-rei do Portugal, dia Cristóvão ^ Barros entoo pro-
, -i n n .. u a mm iiovo advertir ii \ ossi) Alteza de aigun* ii

(Mss do In st. 1lis t., doc. 170, tl. ]43-\ ., e 144-1 .) .

sssr.
na qual confirma a data
c U dito Cologio do
de urna legua de t e u a em vamarug i
Olinda liavia dado do,, Crtsto,™ do M e|„ quam o
mril do
foi governador". (“ Kov. do l a s t . Arq. e Oeogr. Pernanibucano . l v , p . P J ) ■
Provavelmente esta terra fazia parte das duas léguas a que se 1 '
(558) C f. F . Cardim (o. c ., p . 287).
(559) V. I n f . de 84, nota 407.
„ qqo\ c<-ipvn n <ddiide com seu ter-

srss; i : " - » 1
em to da a capitania (Gandavo, T r a t., p . — )•
. . . . » •.
441
JO S E P H DE A N C H IET A

v ,« i, Cf. F . Cardim (o. c . 3 ]'• 288-9).


,, , r. o n a e Q Soares ( T r a t ., ed. de 1879,
(562) Cf. I . Car dun (<>• •> P- - > - ■, e _ y . 0 testamento
5c Mem d f s í q n í V O a r d f ^ b l D m i em nota a V aruhagen ( ° ' ^
gina 445-. 11j .
(565) Cf. F . Cardim ("• c ■> P- •

gimt 31) e chegou a ler 400 ou 500, segundo G. k n n e s ( o . 1


(565) Cf. F. Cardim ( o . c., 1>■ 290) .

gij s .
página 54).
(567 i V. I nf . de s4 e lmta 415 .
,, ,, »()(), Fm 15s 7, dez on doze (Ga-
(508) Quatro l F. < ardim, o. c., 1»- )•
briel S o a r e s , o. c .. p . 54 j .
(5 6 9 , j.) ’ o ,|iie lambem informa F . 'Cardim (o. 1»• - 44 1 •
,. . *
(5711 ) V . I n f . de M e not a H4 .

I57 I ) Cf . F . <'ardim (<>. <• •.• 1' ■4.19 > .


(. 575) E' t a mbe ! o o n ú m e r o dado per F. (ardim (o • ]' • o l d ) .

(.575 )Cf. F. Cardim (o. c . 3 p. 9.50-1).


r ,74) Not a de Capistrano (1. r.) : “ Provavelmente a ilha das Cobras, entao
O n n . 'l i e '. l a d l , ; ! . ) . : . (<e - ...... , . 74,, ....... t„r,le aoS l,e-
neditinos em 1579 ’ .
(575) Not a de Capistrano (I. e . ) : “ A terra a n.eia legua da d d a d e
mule ser o Engenho Velho: a que ficu a sete léguas com certeza nuo e Fanta
Cruz, 'em que os jesuítas só entraram em 1 5 9 0 Fm 1575 possuíam cios terras
no rio Macacú (Norberto, Aldeia.* de índios no h w de Janeiro, na k v . ln s .
Hist . ", VXII , p. 546). Talvez sejam estas".
(576) 28, diz F . Cardim (o. <• ■. p- :'.iü) .
(577) Nota de Capistrano (I. c. ) : “ 0 lagar onde foi aldeia de Sao
I oureneo ainda conserva éste nome e fica. junto a Niterói; a de feao Ba
nabé, fundada, primeiro no Calnieú, foi depois transferida nas vizinhança, do
rio Macacú, proximo á capela de Hambi; expulsos os jesuitas, foi em Í573
elevada a vila, pelo marquês de Lavradio, com o nome de Vila N ora de fee
José D ’El liei; rebaixada a vila em 1854 pela Assembléa Provincial, faz ho^e
parte do municipio de Itaboraí (Norberto, 1. c., A VA III, p • I <“ >■
Y p ('ardim (o. c . , p. 347, e notas de R. Garcia, p . 409-\ .) .
(578) A igreja de Nossa Senhora da Assunção, edificada na praia de
H a ra re por Martim Afonso de Sousa, foi destruída pelo maremoto que sub-

44 2
X X X II. — INFORMAÇÃO DA PROVIN CIA DO B R A SIL

m ergiu a vUa prim itiva. Só em 1545 se levantou nova ig reja, s o b %


de Nossa Senhora da P ra ia (F re i Gaspar, M n n ., 3 ed ., p . 140-., Brasiho
M achado, Maria Imaculada e o Brasil, S . Paulo, 1904) .
(579) O itenta vizinhos, calculou F . Cardim (o. o., p . 3oS) . Ao tempo
em que Gandavo escreveu o T r a i., contava a capitania o00 vizinhos (p . 37) .
(580) O itenta vizinhos, segundo F . Cardim (o. <•., p . 3o8) .

(581) Diogo Flores Valdez.


(5S2) Cincoenta vizinhos, inform a F . Cardim (o. c ., p . 358).

(5,83) V. Jnf . de 84 e nota 418.


(584) Everardo Mercuriano, quarto gerai da Companhia de Jesus
(1572-80).
(581) Anchieta afirm a Azevedo Marques (A pont., I, p . 96), havia fu n ­
dado e , San i a pequena casa” , que foi abandonada. Quando o visitador
c Í s ó ' o de Oouvca chegou a Santos, já encontrou tra ta d a pelo «m an n o a
S Ü à W o ,1 o nova roaitau-in , ig reja na vila cie Brás Cubas con or,„e
da escritura de doação, feita aos jesuítas pelos cam aristas, da casa^ de^ Conse
lho e Cadeia “ p ara nelas morarem como cousa sua própria
■n 07 • J J Ribeiro, Cronologia Paulosta, S. Paulo, 1899, I, 1 • - )•
t í & m i + m * da Camara por,, 0 0 , fioamlo no ro do S,U»
marcado pelo*irmão Francisco Dias, em que devia ser levantada a n o u rem
Z c i ' f smn ôle “ não podiam fazer suas obras” . 0 sítio e as casas valiam qui­
nhentos cruzados, segundo F . Cardim (o. c ., p . 3;,9) . Consentindo nessa
doação e contribuindo com suas esmolas para as obras, os moradores d e S a n to ,
s c o .ilro m e tS a in a. fazer “ outras casas de cadeia e conselho nos chaos que
foram de João Fernandes de B r a n ”, conciliando-se assim os interesses das^ad-
m inislração e da Companhia (A de A c a n o ra A a c u i o ^ ^ Com.
em 1570, ou antes, mencionava Gandavo { l i a i . , p. oi j
panbia em Santos.
(5SP) Seis, diz F . Cardim (o. c ., p. 3oS) .
(587) Cento e vinte vizinhos, avalia também F . Cardim (o. c ., p. 359).
r ,88) Escreve F . Cardim (o. c ., p . 356): “ Têm m uitas vinhas, e fa ­
zem vinho, e o bebem antes de ferver de todo: nunca vi em Portugal ja n ta s
m -is iuntas como vi nestas vinhas” . E G. Soares (o. c ., p . »•») • • • • os
moradores dá vila de R. Paulo têm já muitas vinhas;5 ®^ ^ 6 muiío ver!hi,
colhem iá duas pipas de vinho por ano, e por causa das plantas c muito ver ie
e p a ra se não avinagrar lhe dão uma fervura no fogo” . ° , ^ E
mais tarde proibido para não prejudicar o comercio de Io itu g . ( • d
Taiinay, S . P a v i o n o s p r i m e i r o s a n o s , p . 141, e E i s t . G e r a l d a s B a n d . , , p .
(589) Inform a F . Cardim (o. c , p . 356): “ . . . mui t os
dão quatro camadas, uma após outra, e ha homem que collu= ^ ™il
meios de que fazem muitas m arm ela d as’, E G. Soares (o. c., p. >
m an ,m,os ião tantos, que
T âlm en te^u m a das prim eiras fontes de renda de P ira tin in g a . Em 1599 a Ga­
m ar a* o “ tipo exportado” , determinando que as caixetas tossem

443
JO S E P H T)E A N CH IETA

p»- r— rr.
saryS".?— f ,-x*^ .s s s .ir™
altíssimo p a ra o tempo
1;::*;™
I,ara aU M venclerem, ‘' , / TU7'a
;
(A . de
' T’ „ s> p a »7o nos primeiros anos,
ji
p . 133 o 140-4) .

dc p <*».
ira tin in g a, exclama vF°. <Cardm,
" s : t (o. rc Ir • )
rece urn novo P ortugal .
. . M c r ,„ .. ,, “ . .0 muito sadia, ha nela gran-
S ', . :,;v . r .............

t e m p e r a d o s * c o m o e m ' E s p a n h a , c u j a t e r r a é m u i s a d i a ” . E S . d e J ^ c ^ eP{J®3
’V 1 , , _ 1 4 (, - “
K stes c a m p o s (de P i r a t n u n g a ) m erecem no m e d t Eli
‘ r : „ ; t ; f,„ ,.,J - e - .„„■ ................ .1, - f— " ; ; f “
r , , ' r .... .i,,, .. .............
, 0 ....... ................. 5™ .ili,l;Oc - ^ 2
I o d a a P r o v i n c i a : c o m o p o r q u e p a i l i u o . m c l cs ■ -■ ‘ h ma
t o d a a a l n . n d a n c i a d o f o u s a s n e c e s s a r i a s p e r a u s o d a n „ i Imi. a a
m u n d o . De
,- l i mi a p e r a r e c r e a ç ã o , e d e l i c i a , a q u e m a ' p ro c u ra i .
são capazes
( (Kl 1 ) . . . SCIS ousci e d o s nossos*' ( F . <
' a r u l m , o . c ., p p ><;

(dUg i ( 'f . P . ( a rd ini (o 1'


( r,o:’>i (T. P . Ca r d i n i (o.
;;.P1 r, i, n o q u e se r e f e r e a P e r n a m b u c o .

{ (>i>4 ) S ã o p a l a v r a s de F . C a r d i m ( o . c . , p . P-P>4) : “ V e s t e , n - s e ( o s m o ­
r a d o r e s d e P e r n a m b u c o ), e a s m u l l a r e s e f i l h e s d e t o d a a. s o r t e u e v e l u d o s d a ­
m a s c o s e m i t r a s s e d a s , e n i s t o t ê m g r a n d e s e x c e s s o s . Q u a n t o a os d a I ><»n> M
, , , - v c (, S o a r e s ( o . c . , p . 1 1■Ç : “ ■ ■ ■ t r a t a m s u a s p e s s o a s m u , h o n r a d a m e n t e ,
c o m l imit o s c a v a l o s , c r i a d o s e e s c r a v o s , e c o m v e s t i d o s d e m a s i a d o s , o s p e e m l -
, „ c „ t e a s m u l h e r e s , p o r q u e n ã o v e s t e m s e n ã o s e d a s , p o r a l e r r a n a o sei í n a ,
no que fazem g r a n d e s despezas, nibrincnle en tre a gente de m enor e o m b ç j o ,
p o r q u e q u a l q u e r p e ã o a n d a c o m c a l ç õ e s e g . b a o d e s e t , m m, d a m a s c o , e Ü 3 / e m
a s m u l h e r e s c o m v a s q u i n h a s e g i b õ e s d ........ e s m o , e s q u a i s , c o m o t e m q u a l q u e i
p o ssib ilid ade, têm su a s casas m ui bem c o n c e r ta d a s e n a sua m e sa^ serviço c e
p i a t a , e t r a z e m s u a s m u l h e r e s m u i b e m a t a v i a d a s de j o i a s d e o u r o . h m m o
P a u l o d e P i r a t i n i n g a , t e r r a i so l ad a e p o b r e , esse luxo er a d e s c o n h e c i d o , H a ­
via, q u a n d o C a r d i n , a v is ito u ( o . e . . p . - d ) , " g r a n d e f a l t a d e v e s tid o , p o r ­
q u e n ã o v ã o o s n a v i o s a X. V i c e n t e s e n ã o t a r d e e p o u c o . O s p i r a i i n i n g n n o s
ve s t i a . , i,-s e “ d e b u r e l , o p e l o t e s p a r d o s e a z u e s , d e p e r t m a s c o m p r i d a s c o m o
a n t ig a ,,,e n t e se v e s t i a m " , u sa n d o so m ente aos d o m in g o s “ ro u p o e s ou b ern e u s
,1c c a c h e i r a s e m c a p a ” . E s s a p o b r e z a d o v e s t u á r i o p a u l i s t a n o , q u e se e s t e n d i a
m o b i l i á r i o e a o r e s t o , é a t e s t a d a p e l o s i n v e n t a r i o s d o t e m p o ( A l c a n t a r a -M a­
chado. Vitiu í morte do bandeirante, l!” e d . , p. ÕOS-m.

(OOr,) “ c a d a e s t a c a d e s t a s cr ia t r ê s ou q u a t r o ra iz e s e d aí p a r a c i m a
( s e g u n d o a v i r t u d e d a t e r r a e m q u e se p l a n t a ) a s q u a i s p õ e m n o v e o u d e z
m e s e s 0 , 1 1 se c r i a r : s a l v o e m S ã o V i c e n t e q u e p o e m t r e s a n o s p o r c a u s a d a
l e i r a ser m ais f r i a ” ((ia n d av o , Hixt., ed . d a A c a d . , p . t H ) .
sem
(C,0li) “ C e r t o g e n e r o dc t a p u i a s c ene a m andioca peçonhenta crua
l he f uz e , ' m a l p o r s e r e m c r i a d o s n i s s o ( t . Caiding o. ( ■, p- d)

444
XXXII. - INFORM AÇÃO DA PROVIN CIA DO B R A SIL

(607) Sôbre a farin h a de guerra, v. Gandavo ( T r a t., p. 44, e


p. 95) e G. Soares (p . 158-9).
,, „ ,, 69 V “ . . . conservam-se dentro na
(608) Escreve U f a n o s e nko é necessário celeiro” . Segundo Gan-
terra, tres, quatro, e a té oito a™ 8’ cinc0 ou seis meses debaixo da te rra
davo (Hi nt-, p . 9o), estão 1 ‘ Vicente se conservam vinte, e
em sua perfeição sem se danarem : • * * * “£ p . 154): “ . . . h a ou-
trin ta anos da mesma m aneira . • que ge querem comestas de um
l i 8 raizes debaixo da terra sem apodrecerem três,
quatro anos".
,s panecies de Discoreaeeas indígenas,
(609) Cará, nome comum a m mns especies
de tubérculos comestiveis.
, rUvevsas esuecies de Aroideaceas, de tu-
< «»> Mangará. fruto rcdoudo, segundo B atista Caetano
berculos comestíveis. De y ba caia, n u
(R Garcia, nota a Y . Cardim, o. c-, ] • )•
( 611) “ . . . t Om m uitos rosais

agua « m ^ rosado p a ra
comer e fica sofrível" ( F . Cardim, o. c ., p . áob) .

(612) V. nota 93.

_ r ;U " :n S . r -
tupi nu geogr. nac., .1“ e d .) .
“ oue 20 homens não a podiam vol-
(614) E ssa ta rta ru g a , a g gg refeve y _ Cardim (o. c ., p . 8 5):
ver", é com certeza a mesma q vinte homens a não podiam le-
v a n t J ^ c l S f ^ L r t r - n m 'v e n t o - . 'R . Garcia (nota a F . Cardim, o. c „

P- 337) com enta: “ E m a qU do"S


proporções; ta h e z a essa se i r>
R e e lite homens não u podium M M do c im o .. .
(„ s » O porco .logon, » <l»e A nchieta se refere, 6 . m pm m (»■
nota 99) .
(« M , O cão ntarinlio deve ser „ descrito por G. Soares com 0 no.no do
are rã (o. e ., p- 230). _ , 1(
(617) Breguigões são moluscos da S t r a ^ l e ^ ã l ^ b r e g ^ o , bri'
dim (o. c ., p . 93), berguigoes. M orais reg istra , u j
bigão e brigvigão.
(618) Refere-se A nchieta aos sambaquis ou ostreiras.

(619) Mangaba j,ia re g ra v ), ^ m m ^ b ^ o a ^ m a n g w b a , árvore


mangaiba e mangaJnba (I ? sl eciosa, Gomez). “ A rruda Camar-
t . g ü ? dcscd“ vOU denominou-a S a e r ie » ® , - 1'»” “ ~

445
JO S E P H DE A N C H IET A

João Ribeiro, da revolução pernam bucana de 1817*’ (E . Garcia, nota a


F . Cardini, o. c ., p . 122). — Mangaba, corr. mongaba, significa o grude,
o visco, como alusão ao latex da planta (T . Sampaio, O tupi na geogr. nac.,
3* e d iç ã o ).
(G20) Mocujc, unicuoc ( F . Cardim, p. 58), mucuruje (Purchas his Pil-
grimes, IV , p . 1307), macujé (G. Soares, o. c ., p . 173) ou mucugê, fruto e
árvore da fam ilia das Apocinaceas (Couma rigida, M üll. A r g .) . De etimo
duvidoso, segundo R . Garcia (nota a F . Cardim, o. c ., p- 123).

(021) Acajú ( F . Cardim, o. c ., p. 57), acaiou (Léry, E i s t . d ’un voya­


ge I I, p. OS), rajá (G andaio, o. c. p. 40 e 07, c G. Soares, o. c., p. 166), fruto
c árvore da fam ilia das Anacardiaceas (Anarardivm occidentale, L m n .) . E n ­
sina R . Garcia (nota a F . Cardim, o. c ., p . 122): “ H a outras especies O
nome acajú reserva se hoje para a Ccdrela guyanensis, <1., da fam ilia das -íe-
liaceas, que vegeta na Am azonia. — Do tupi acã, caroço, e sufixo yu, por y-ub,
que dá, que tem . Segundo Batista Caetano, desconhecido no Sul e no P a r a ­
guai, e ])or isso só usado em dicionários tupis, onde também designa estação,
(ino — Ao vinho que faziam do sumo do cajú chamavam cauim, que Eéry
escreveu caou-in e H ans Staden K a a w y : a significação do vocabulo estende-se
á bebida ferm entada feita do milho m astigado” .
(622) Araticü (F . Cardim, o. e ., j>. 60, G. Foares, o. o., p. 175) ou
arati c u m, nome comum a várias Anonaceas dos generos Anona e Holi inio, . De
etimo incerto, segundo R. Garcia (nota a F . Cardim, o. c ., p. 123). f . Sam­
paio (o. c .) dá: ‘Araticum, s. c. ara-ticú, o fruto que recum a; fru ta rala,
mole" .
(623) S'aná ( F . Cardim, o. e ., p. 71), nana (Thevet, Singul., ed. Gaf-
farel, p. 235), ananas (Gandavo, o. c ., p. 97), a naná (Piso e M arcgrav),
ananas (Léry, o. o., II, p . 22), da fam ilia das Bromeliaceas ( A nanas sa sati-
u i L in d l. ) . Escreve R. Garcia, (nota a F . Cardim, o. c ., p . 130): ‘‘Se o
vocábulo fôr tupi, vale por boa a etimologia de B atista Caetano: n a n a , clieira-
ch eira” .
(624) (ir avanço, garvanço ou erranço é o grão de bico, da fam ilia das
Leguminosas ( Cicer arietinum vulgaris).
(625) Pcrcxil ou, melhor, perre.ril, da fam ilia das Um beliferas ( Crith-
maritimum L .) .
(626) Refere-se Anchieta ás sucuris (v. nota 97).
(627) V . nota 105.
(628) A', nota 106.
(629) AL nota 111.
(630) Refere-se Anchieta aos jacarés (v. nota 98).
(631) AL nota 129.
(631- a ) Qua ti, coati (F . Cardim, o. c ., p. 43) , coaty
p . 227) e cnoti, “ carnivoro da fam ilia dos Procinideos, da. qual habita o Sul
do Brasil o Nasva rarica, L in ., e o N orte o A asna rasua, Wied, bem pouco

446
X X X II — INFORMAÇÃO DA PR O V IN CIA DO B R A SIL

diferentes entro ei. B n.ie.a Caetano e ó li c a o tu p i I>or


ti, n a riz : nariz de ponta, nariz pontudo, focinho (K. Garcia,
dim, o. c ., p. U I ) •
(632) V . nota 123.
(633) V . nota 124.
(634) C f. G. Soares (o. c . 3 p. 154).
(635) “ . . .é facil (a lingua geral), e elegante, e suave, e C° pi° ’ 194 ) .
ficuldade dela está em ter m uitas composures ( F . Cardim, o. , 1
__ V . Teodoro Sampaio (o. e ., cap. D j •
(636) K ’ muito conhecida a passagem de G a M a jo ^ o . - * f , C
peito da ausência das letras f, e ’ ' ®^ F‘ ei* L ^ n em R, cousa digna
trê s letras, convem a saber nao se i,,1,a nf V ' e desta m aneira vivem
despanto porque assi nao tem Fe m m , , nçm ’ 0) nem m edida” . Ignal-
desordenadam ente sem terem alem disto <■, 10 __ N a realidade,
monto, . do 0 . Soaros n . n.esino í, h í, >'=»
O alfabeto tupi se compoe de 1» letias apena ,
x » (T . Sampaio (o. c ., cap. H .) •
(637) C f. G. Soares (o. e ., p- 283).
_ , o r, “ Usam de alguns feiticei-
(038) Escreve F . Car dim (o. ■ _ sòmente se dão a chupar em
ros, não porque creiam ne es,^nem ^ receberão saúde, mas não por lhes pa-
suas enferm idades, parecendo-11 e 1 fa!sem por receber saúde que por outro
reeer que ha neles divindade, _ n a . 1 og indio8) não só recorriam
algum respeito” . ^egundo Aobieg. ( C0111 eles se aconselhavam
aos feiticeiros em casos c.e doença ^ COntrário do que afirm am
“ em suas gu erras” . P ortanto, e m n . b > {. mai que á catequese
Anchieta e Cardim . E nem de outro modo sc 3 » r t i t K ^ ^ q proprio An.
causava a presença dos feiticeiros n ■ • G , do8 índios brasileiros,
chieta. — Sôbre os pages e, em geial, some a s
v. A . M étraux (La religion ães tupmamba, P a u .,

(639) Sôbre a saudação lacrim osa ^ > ^ ^ 1 ° ^ , entre nós a observaram,


F . Cardim, o. c ., p . 395), que nomeia m ^ ggtudoS de Georg Friederici
indicando aos que se interessam pe o a ’ X X X IX n . 2, Braunschweig,
(Der Trãnengruss ãer Indianer, “ Globus , ^ ^ X X X ix , ^ ^ Univer_
1906), Rodolfo R . Schuller (El o n g e n ^ ' d’e Carvalho (A savãaçao
sidad de Chile” , C X V III Santiago 1906) e Alfredo Pernanlbucano” , X I ) .
lacrimosa dos Índios, “ Rev. do In s t. Arq. e Gtog
_ V ., ainda, A . M étraux (o. c ,, p . 180-»).

(640) V . nota 523.

447
XXXIII

I n fo rm a çã o dos ca sa m en to s dos Í n d io s do B r a s il (641) .

{"'ks índios do Brasil parece que nunca têm ânimo de se obrigar,


nem o marido á mulher, nem a mulher ao marido, quando se
casam: e por isso a mulher nunca se agasta porque o marido tome
outra ou outras, reste com elas muito ou pouco tempo, sem ter con­
versação com ela, ainda que seja a primeira; e ainda que a deixe
cie todo, não faz caso disso, porque se é ainda moça, ela toma outro,
e se é velha assim fica sem êsse sentimento, sem lhe parecer que o
varão lhe faz injúria nisso, sobretudo se isso o serve e lhe dá de
comer, etc. E de ordinário tem paz com suas comborças, porque
tanto as têm por mulheres de seus maridos como a si mesmas (642).
Em Piratininga, da Capitania de São Vicente, C a y O b i y (643),
velho de muitos anos, deixou uma de sua nação, também muito ve­
lha, da qual tinha um filho homem muito principal, e muitas filhas
casadas, segundo seu modo, com índios principais de toda a aldeia
de Jeribatiba, com muitos netos, e sem embargo disso casou com ou­
tra, que era G u a y a m ã das do mato, sua escrava tomada em guerra,
a qual tinha por mulher, e dela tinha quatro filhos, e esta trazia
comsigo, e com ela estava e conversava, e depois recebeu i n l e g e
g r a t i a e , sem a primeira mulher nem os filhos e genros fazerem por
isso sentimento algum.
O mesmo fez A r a g u a ç ú , índio também principal e velho, que
casou com uma sua escrava Tamoia, que havia muito pouco tomára
em guerra, sem fazerem caso disso nem o tomarem por afronta ou­
tras duas mulheres que tinha, e filhos já homens, e uma filha já
mulher casada. E se algumas mulheres mostram sentimento disso,

448
X X X III. — INFORMAÇÃO DOS CASAMENTOS DOS ÍN D IO S

é pelo amor carnal que lhes têm e pela conversação de muito tempo,
ou por eles serem principais; mas logo se lhes passa, porque ou se
contentam com os filhos que têm, ou se casam com outros: e al­
gumas há que dizem aos maridos que as deixem, que lhes bastam seus
filhos, e que eles tomem outra qual quiserem.
E se a mulher acerta ser varonil ou virago, também elas dei­
xam o marido, e toma outro, como me contaram que fez a principal
mulher de C u n h ã b ê b a (644), que era o principal mais estimado dos
Tamoios que havia na comarca de Iperuig, do qual tinha já um
filho e uma filha casadouros, e com tudo isso deixou, por ele ter
outras, ou pelo que quis, e se casou ou amancebou com outro: e ou­
tras fazem o mesmo sem sentimento dos maridos; e assim nunca vi,
nem ouvi, que com o sentimento de adulterio algum índio matasse
alguma de suas mulheres; quando muito espancam o adúltero (645),
se podem, e ele tem paciência pelo que sabe que tem feito, salvo
se é algum grande principal, e a mulher não tem pai ou iimãos
valentes de que ele tenha medo: como me contaram de A m b i r e m
(646), um grande principal do Rio de Janeiro, naturalmente cru­
delissimo e carniceiro, e grande amigo dos Franceses, o qual dal­
gumas vinte mulheres que tinha, por lhe fazer uma adulterio, a
mandou atar a um pau, e abrir com um manchil pela barriga: e o
adúltero, que era um seu sobrinho, andou algum tempo ausentado
dele, com medo de ser morto; mas isto bem parece que foi lição dos
Franceses, os quais costumam dar semelhantes mortes, porque nun­
ca Indio do Brasil tal fez, nem tal morte deu. O mesmo, e peor, e
com maior facilidade fazem outros ás mancebas; por onde parece
não é o sentimento pelas terem por legítimas mulheres, senão ha­
veria ciúmes, como fez T a m a n d i b a , grande principal de 1 iiati-
ninga, que enforcou uma sua manceba, que era sua escrava tomada
em guerra; e o outro índio da aldeia de M a r r a n h a y a a outra sua
manceba escrava da mesma maneira (se bem me lembra), quebrou
a cabeça com uma fouce, ou por elas andarem com outros, ou ao
menos pelo suporem.
A g o a ç ã (647), que é o nome comum a homem e mulher, si­
gnifica barregão ou manceba comum a qualquer homem ou mu­
lher, ainda que não tivesse com ele ou com ela mais que um só

449
29
JO S E P H DE A N C H IETA

ongresso; e com as tais andam ás escondidas (como se faz cm


todo » mundo), e por isso ao tal ato cltamam também m a n d a , o se.
f u r t u m (648); c se algum fill™ hão desta manetra chamam-lhe
filho de meu barregão ou do minha manceba, ou m a n d a r o a g m r a
SC. furtumm e a n (648). E isto têm por mal, e assim respondem
todos quando se examinam para o batismo. _
Mas se as tem de sua mão, de maneira que elas nao andam com
outro (n isi f o r t e f u r t i m ),andam no mesmoforo que as que chamam
r e m i r e m , so. « - ro r e r (650), c parece que com o mesmo animo se
ajuntam com elas que com as mulheres, sem fazerem diferença nisso,
e tã„ pouco sentimento têm de andarem com elas como com as mu-
,heres- c assim quando os examinam para o batismo, d.zem que
, an, as tantas vezes se furtaram delas <*f u tam u r) e
andaram ás escondidas com outras, como o dizem daquelas a que
chamam T e m i r c r i ,e tão depressa e tão sem pejo estão com elas
<.omo com as mulheres; ainda que (lestas poucas vi nos índios, con­
tudo dc a t jeut çã ,porque coniumente a todos chamam T e m r e e e o , e
eum este nome têm diversas cm diferentes aldeias, e todas no mes­
mo fôro que aquelas que têm consigo mais de assento cm sua pro-
pria aldeia. . . . ~
()s mancebos batizados em pequeno em Piratminga, como n
estavam sujeitos quando cresciam, e outros Índios cristãos, vravos,
tomavam mocas gentias ou cristãs, e as tinham em seus lanços como
mulheres com filhos sem nota alguma, e a estas tais lhes costuma­
vam chamar os outros a mulher de N., sabendo muito hem que o
não eram por serem eles cristãos, e não as terem recebido na igreja;
e sc ahnnn destes mancebos se ia ao sertão, e lá se amancebava
(como muitos faziam), diziam os pais. já N. tem mulher no ser­
tão usando todos estas do nome de T e m i r e c ô .
' T e m i r e c ô chamam as contrárias (pie tomam na guerra com as
quais se amancebam, e ainda que sejam cristãs, como eram muitas
escravas dos Portugueses, que tomavam os Tamoios em saltos, e as
mesmas mestiças filhas dos Portugueses, as quais tinham por mu­
lheres como as suas próprias de sua nação.
T e m i r e c ô chamavam ás indias mancebas dos Portugueses, e com
este título lhas davam antigamente os pais e irmãos quando iam a

450
X X X III. — INFORMAÇÃO DOS CASAMENTOS DOS ÍN D IO S

resgatar ás suas terras, como os Tamoios e Temiminôs do Rio de


Janeiro e de Espirito Santo, os Tupis de S. Vicente, os Tupinam-
bás da Baía, e finalmente todos da costa e sertão do Brasil, dizen­
do-lhes leva esta para tua mulher, com saberem que muitos daqueles
Portugueses eram casados; e ainda que os Portugueses as tinham
por mancebas, contudo as tinham de praça nas aldeias dos índios,
ou fóra delas, com mulher, filhos e filhas, porque para os índios
não era isso pejo nem vergonha, e lhes chamavam 2 e m i r e c ô a mu­
lher de N., e a eles genros, e os Portugueses aos pais e mãis delas
sogros e sogras, e aos irmãos cunhados, e lhes davam resgates, fer­
ramentas, roupas, etc., como a tais, como os índios a quem chamam
genros lhes vão a roçar ou pescar algumas vezes, por onde não pa­
rece serem êstes suficientes sinais de matrimonio nem da pai te dos
que se amancebam com elas, nem dos pais ou irmãos que lhas dão.
O nome T e m i r e c ô e t c , sc. ü x o r v e r a , creio que o tomaram dos
Padres, que lhes queriam dar a entender a perpetuidade do matri­
monio, e qual é a mulher legítima, porque deste vocabulo e t c , que
quer dizer legítimo, usam eles nas coisas naturais da sua terra, e as­
sim a seu vinho chamam c ã o y e i ê C651;, vinho legítimo verdadeiro,
á diferença do nosso a que chamam c ã o y á y à , vinho agro (652). A
suas antas chamam t a p i i r e t ê , verdadeira, e ás nossas vacas á sua
semelhança chamam t a p y r u ç ú , vacas grandes, etc. Mas na matciia
de parentecco nunca usam deste vocabulo e t ê , porque chamando
pais aos irmãos de seus pais, e filhos aos filhos de seus irmãos, e
irmãos aos filhos dos tios irmãos dos pais, para declararem quem é
seu pai, ou filho verdadeiro, etc., nunca dizem x e r ü b e t ê , meu pai
verdadeiro, senão x e r ü b a x e m o n h a n g á r a , meu pai q u i m e g e n u i t , e
ao filho x e r a í r a x e r e m i m o n h a n g a , meu filho q u e m g e n u i (653) ; e
assim nunca ouvi a índio chamar á sua mulher x e r e m i r e c ô e t ê , senão
x e r e m e r e c ô (s i m p l i c i t e r ) ou x e r a i c i g , mãe de meus filhos; nem a
mulher ao marido x e m e n e t ê , m a r i t u s v e r u s (654), senão x e m ê n a
(s i m p l i c i t e r ) ou x e m e n J n r a r u b a , pai de meus filhos, do qual tanto
usam para o marido, como para o barregão; e se alguma hora o ma­
rido chamar alguma de suas mulheres x e r e m i r e c ô e t ê (655), quer
dizer mulher mais estimada ou mais querida, a qual muitas vezes
c a última que tomou, porque e t ê também quer dizer fino ou esti-

451
JOSEPH HE ANCHIETA

como eaâ etc (656), mat» fino, de boa madeira, iyU ra etc

(6»7), pan imo, iijo, etc. ^ l e n u ’r i c t i e t c , nem por tais as


A’s filhas das irmas nao chamam t e m u i c o , i
tr,m. porque muitos índios com terem muitas sobrinhas, e muitas
gentis mulheres, não usam delas; mas como os
poder sôbre . irmã, têm, para ai que lhes j
' a s p o d a re m t e r p o r m u lh e re s, e m r d«U » « d a e q tu
^ „ a m com o a s m esm as irm ãs, d ão a „ n s » t .r a m a o u tr o s .
ín d io m uito principal na aldeia de Janbatdm, que c no
' di X V-ie,une. tinha duas mulheres, c uma delas era sua so-
b ' r i l . filha de sua irm ã, e „uand„ se batizou, deixou a sobrtnha,
Vmda Cine era. mais moça, e casou com a outra.
o respeito ás filhas dos irmãos « porque lhes chamam
fill,,, e nessa couta as têm; e assim n e q u e j o r m e a n e as conhecem,
porque têm para si o parentesco verdadeiro vem pela parte dos pats
que são os agentes; c que as mãis não são mats que «„ saemq em
lesiHÚlo dos pais, em que se criam as crianças, < por » '
filhos dos pais, posto que sejam havidos de escravas e corl r a n .
cativas, sá» sempre livres e tão estimados como os outros, os f -
lhos das femeas, se são filhos de cativos, os têm por escravos e os em
d,-,„ e ás vezes matam e comem, ainda que sejam seus ,tetos idhos de
suas'filhas, e por isso também usam das filhas das irmas sem nenhum
" o a„ e „ P ! n ,mas não que haja obrigação nem costume untver-
sal de as terem por mulheres verdadeiras, mais que as outras, como
dito ê. E por esta causa os Padres as casam agora com seus tios,
irmãos das mãis, se as partes são eoutentes, pelo poder que tem de
dispeusar com eles, o qual atê agora se não fez. com sobrmha filha
de irmão, liem ainda em outros graus mais afastados que vem pe a
linha dos pais, porque entre os índios se tem isto por muito es-
tranho (6581. .
Os que tem muitas mulheres a que chamam T e m i r e c o , nao e
possível saber-se com qual delas se juntaram com tom» manta ,
porque nem eles entendem quanto importa falar nisto verda
o sabem dizer realmente, porque para com todas tiveram o mesmo
ânimo. E muitas vezes querem mais a segunda, terceira, quarta, e
ainda a última que as outras, e por serem ou mais moças ou mais

452
INFORMAÇÃO DOS CASAMENTOS DOS ÍNDIO S
X X X III.

fecundas, ou filhas de principais. E não ha certeza para (pie toe-


t f r i s p a r i b u s se haja de presumir em favor da primeira, antesmui-
tas veres nestas ha menos dúvida e mais probabilidade que nao ti­
veram ânimo de se obrifrar a elas, porque como então sao mance­
bas ás vezes tomam alguma velha de que não esperam hlltos, por­
que não acham outra, somente para que lhes faça de comer, poupie
se acertam de não terem mãe ou irmãs, que tenham mudado deles,
são coitados, e contentam-se por então com qualquer velha, com que
estão bem agasalhados, sempre eon. ôlho em tomarem outras de que
tenham filhos, como depois fazem, ou deixando a primeira, ou ie-
te„d„-a. se ela quer, para o efeito sobredito: e como entre os Índios
ha muito poucas mulheres meretrizes e devassas, e a carne apc.ta
,.„m os moços, tomam qualquer que acham, ou velha ou moça. aim a
„ue não seja muito a seu gôsto, porque por então na» podem mais.
esperando e tendo quasi por certo que terão depois outras como
acontece principali.,ente se são valentes nas guerras ou ,lhos de
prandes principais, porque então os pai» lhes dao as tillias, e os
irmãos as irmãs, e a estas se afeiçoam mais que a primeira, a qual
nareoe que não tomaram senão a d t e m / i m , nem tem animo << se
obrigar a elas, nem elas a eles, porque já elas sabem que eles hao
<1 - tornar outras quando acharem ocasiao e as hao de deixai .
Dos que têm uma só mulher de que houveram tilhos. com a
qual p e r s e v e r a r a m até á velhice, pode haver ma.» duvida. porque
parece que êstes têm diferente afeição e ânimo marital, mui porque
,o princípio o tivessem tal. porque todos .se a.,untam com elas duma
m ir a maneira, e também êstes, como todos os outros.
H o r n a n i m i têm muitas, e se a s não tomaram, to. nao poi se te
por obrigados aquelas, senão porque houveram tilhos «leias,
viram bem, e lhes foram leais, e não tiveram poder para ter «ut.as,
porque a êstes mesmo acontece no cabo da vida tomarem outra moça,
quando a acham, inaximè sendo eles principais; mas se nao tem
< L d . outra pela amizade e conversação de longo
primeiras, lhes vêm a tomar êste amor. E quando os que.em bati­
zar dizem que aquelas tiveram de pequenas, e com elas cresceram,
* que as não hão de deixar; e o mesmo dizem outros, posto qu
seiam mancebos ao tempo do batismo, porque se acham ja com

453
JOSEPH DE ANCHIETA

aquela, e lhe querem bem, porque não tiveram outra nem ao p re­
sente têm poder para a achar, e se acertaram de v ir a poder dos
Portugueses, têm medo que lhas tomem seus senhores, e eles se f i ­
quem sem m ulher; mas se lhes dão algum a mais jeitosa, facilm ente
deixam a prim eira; e assim acontece não raro que estes mesmos se
ao tempo do batismo têm tomado alguma de novo, ou algum p rin ­
cipal lhes quer dar alguma filha, ou irmão, facilm ente deixam a
outra e não querem se casar senão com a derradeira. E as outras,
ou sc ficam assim se são velhas e têm filhos, ou se casam com outros
(com o se disse ao princípio) sem muito sentim ento.

XOTAS

(641) Pbl na “ Revista do Instituto Historico e Geográfico B rasileiro” ,


VI I I VII ■ ‘\i4-tl
2Õ4-Ô2” A \ cópia
COpiU foi
LUl oferecida
im-iHimi ao In stituto por
1- Varnhagen, em, 1844., n,f
1 n o A o r n i l n
Na ; 1 que acompanhou , oferta, depois dc se referir ao estudo de
j i Machado d ’Oliveira, Qm l era a condirão social do sexo feminino e n t r e
t L i o a u Ü do Brasil’ (“ Kcv. do In st. H ist. ”, p . 168-201), escreveu o autor
,1a História Geral-. “ Em um precioso livro, com 21o folhas, de vanos papeia
tocantes aos jesuítas do Brasil, nos fins do século 16 de le tr a - contemporanea,
encadernado em pergaminho, e que hoje é da Biblioteca Eborense, encon r,
mos á foll.a 130 uma memoria sôbre o mencionado assunto, a qual ocupa sei3
páginas, o se diz á margem, no mesmo caracter de letra, ter sido escrita por
Joseph de A nchieta.” Dela enviava ao Instituiu unia copia, para que a his­
tória com o seu aspeto sisudo, superior a todas as sim patias a recebesse como
prova ao jubmmento no seu tribunal de ju stiç a ” , ao lado das belas e conso­
ladoras doutrinas” de Machado d ’Oliveira na sua “ excelente dissertação . —
As observações de Rodolfo Garcia sôbre os vocábulos tupis da Informação,
abaixo transcritas, foram feitas pelo eminente mestre a pedido do anotador.
(642) O depoimento de Gabriel Soares, a proposito das relações das eom-
borç.ns entre si, é contraditório, ora contestando, ora confirmando o de An­
chieta Com efeito, diz o autor do T r a t . (p. 282-3): “ A mulher verdadeira
dos tupinam bás é a prim eira que o homem teve o conversou, e nao tem em seus
casamentos outra cerimonia mais que dar o pai a filha a seu genro, e como
têm ajuntam ento carnal, ficam casados; e os indios principais têm m ais de
uma mulher, e o que mais mulheres tem, se tem por mais honrado e estim ado;
mas elas dão todas a obediência á mais antiga, e todas a servem, a qual tem
arm ada sua rede junto da do marido, e entre uma e outra tom sempre fogo
aceso; c as outras mulheres têm as suas redes, em que dormem, mais afastadas,
e fogo entre cada duns redes; e quando o marido se quer a ju n ta r com qual­
quer delas, vai-se lançar com ela na rede, onde so detem só aquele espaço deste
contentamento, e torna-se para o seu lugar; e sempre lia entrepostas mulheres
ciumes, mormente a mulher prim eira, porque pela mór p a rte são m ais velhas
que as outras, e de menos gentileza, o qual ajuntam ento é público deante de
todos” . Em outro trecho do T rai., porém, confirma Gabriel Boares a obser-

4 54
in f o r m a ç ã o d o s c a s a m e n t o s d o s ín d i o s
X X X III.

vação de Anchieta, disendo ainda . * ■ £ ■ £ c o r n q íe


as que querem bem aos m arld^ ’ P®10 unqe dormem, onde lhe pedem
eles se desenfadem, as quais lhe idos e as peitam para isso; cousa que
muito que se queira deitar com ’ , r |jaro s’> Também Jean de Léry
não faz nenhuma naçao de gente, sen km sentimento de ciume entre
e Claude D ’Abbeville »otam J a u s ^ m de q ^ u e r ^ p s6) ;
as indias. Diz o primeiro (Histoire ã u n J J ’ f en(.orP q u qi y en
“ E t ce qui est e^ erv e illa b lo en . « e ™ “ t i T T n í T T » » eel.í lea
a it une tousiours nneux ainiee du n , 11íSar,vmroront, au moins n ’en mon-
autres n ’en seront point lalouses, } , s toutes à faire lc mesnage,
streront aucun « t M lea racines, ellea vivent
tistre leurs licts de cotton, a aller au. , 1 D ’Abbeville escreve,
ensemble en nne ,.aix >“ L 6 ry h S P aris, 1922, (1. 279-
Cíuasi com as mesmas palavras cte í „iari demeurant
SO). “ E t bien q n ’il 7 a.l l>l»s.eur» ’".“ " “ [ iw leges; si est-ee q n 'il ,
teníes ensembles dans un mesinc | . . coinniande aim aulres, eoni-
en a tonsiours une qni est a n u e u x . ^ " T e f T T ndmirnble, est qu tolles
me la maitresse à toutes les sen ante ■ _ J rio ttes, nv ialousic, obeis-
" T . m l T 5 ,T S s T 3 “ í to ,n p io y U fide,.omen, à . - . « . « t o A à toiro
leur mesnage, sans querelle ny division quelconquc .

«343) C a m , Principal Jen b atib a t r ^ T e Í ^ ,


ta, folha, e oby, verde (R . O a ic u , noui
página 345) .
(044) V . nota 236.
(645) Ou a adúltera, como outrem U m as “ni­
chos destes Tupmambas nao sao cioso , <
■J *^ 1 espancanl as mulheres
lheres, não m atam a ninguem por ^ o te rv à ra m essa indiferença por
pelo caso” . Tlievet, Lei} e Escreve Thevet ( S i n g u l a r i l e ed. G affarel,
narte dos maridos enganados. L sire ■«„ u ne fau t q u ’elle se
, 212); “ Vray est qu'apres qu'nne f í » O ute
ioiie ailleurs; car si elle est s u r p r is e “ Y Jean /» L try (o. H,
de la tu e r : car ils ont cela en grand . horreur, que sans
p . 86-7): “ . • .1’adultere du coste de mariée s ’abandon,* à
qu ’ils ayent autre loy que celle de na ’ q lc moins de la repudier
autre q u ’à son m ary, il a puissance de la tuer, proposito dos tu ­
ft renvoyer avec honte” . E D ’Abbeirfle < o . ^ J . £ fuut q u >elle
pinam bás: “ Si 1’une de leurs f ^ ® ? P«ur esclave” . Aliás, o pro­
se resoude à la m ort, ou au moms d ib ira ia ra s: “ . . .se a mulher
prio Anchieta (carta I ) , es^ e^ , f e^ d ' dade, a atitude dos Índios deante
t S i S s r r S e r i i » » ‘u . ^
m 'S 5; queues,une ;,» observe,;iio» <le
Neuwied, Saint-H ilaire e outros.

(G46) V . ca rta XV e nota 232.


, i? i ifn r n m r “ A c io a n ã é erro por a g o a ç á ou
(647) Observação de Rodolfo Gb. • * tupí E ’ nome comum a

torreB ” -

4 55
JO S E P H DE A N CH IETA

manceba, como explicam o proprio Anchieta e o padre Antonio de A raujo, Ca­


tecismo Brasílico, 268, ed. P latzm ann” .
(648) Observação de Rodolfo Garcia: “ManãarÔ, melhor monãarÔ, de­
riva do verbo mondar, f u r ta r ” .
(649) Observação de R . G arcia: “ Monáarô-aguera, com o sip ü fica d o
de fu rto pela cousa fu rtad a, ocorre no Vocabulário da língua Brasílica, con­
cluído em P ira tin in g a aos 22 de agosto, oitava da Assunção de Nossa Senho­
ra, do 1622, do provável autoria do padre Pero de Castilho, no original que o
erudito Felix Pacheco possui” .
(650) Observação de R. Garcia: ” Temirccô, uxor, mulher legítim a do
varão, de modo geral, segundo Araujo, Catecismo citado, 272. E ’ de se p re ­
terir, porém, a significação dada mais adeante por Anchieta, melhor in fo r­
m ante: os Índios chamavam assim as contrárias, que tomavam na guerra, com
as quais se amancebavam, designando pelo mesmo nome as indias mancebas dos
portugueses. O étimo deve ser o que dá B atista Caetano, Vocabulário da Con­
quista, p. a06: de lembi-erreô, aquilo que se tem ^ o que é tido, conduzido,
mantido, ou, como também se diz, teúda e inanteúda” .
(651) Observação de R. Garcia : “ Cãoy, cauí, cauim, vinlio, de acayú —
— acajú = cajú, e i/, agua, líquido: vinho de cajú, ou simplesmente vinho.
E ’ interessante notar (pie no Sul e no Paraguai, onde na o existe o anacaidio,
se tem o vacabulo cauí ou cauim para designar a bebida ferm entada feita
com o milho m astigado” .
(652) Observação de R. Garcia: " Cãoy áyá (erro por áya ou a t) : cauim
agro, a.zêdo, am argo. Ao vinho do Reino chamavam os tupis cauím-piranga
( D i c i o n á r i o Portug v cs-Brasiliano, sub voce vinho) . ”
(663) Observação de R. Garcia: "O verbo monhang significa propria­
mente fazer, e monhangára, o que faz, o fazedor, o au to r. O sufixo Ara ou
çára serve para form ar os substantivos verbais .
(654) Observação de R. Garcia: “X eme net ê (êrro por xemüetê) : meu
parente verdadeiro, segundo Araujo, C a t e c i s m o citado, p. 270.
(655) Observação de R. Garcia: “ Entre os dois termos, xeremirecô e
xeremirecô-etc, dá-se, como explica Anchieta a proposito de tcmirecô e temi-
recô-etc, o mesmo caso que ocorre entre ta pira, boi ou vaca, e tapiretê, a an ta
( Tapinis), que tomou o sufixo para diferençar-se do gado bovino, só conhe­
cido dos indios depois da conquista. Note-se que na composição (temirccô
para, xe-remirccô), o / se muda em r, conforme a lição de B atista Caetano,
0 . o ., ]i. 466 . ”

(656) Caá-ctc, mato real ou de grandes árvores (B . Caetano, o. c .) j


o mato virgem, a floresta prim itiva (T . Sampaio, O Tupi na Cieogr. N a r .,
3* edição).
(657) Igbíra ybiró, ibirá.
, madeira, pau, árvore. Significa tam bém :
t r o n c o , tóro, v ig a , vara. (T. S a m p a io , o. c.

(65S) V. nota 449.

45 6
XXX TV

I n fo rm a çã o (659) do p a d r e G onçalo de O l iv e ir a (660).

J O que Vossa Reverendissima me mandou que lhe apon­


tasse por lembrança. . . ,, x
Pera se informar de Padre Joseph no Espirito Santo o se-

emnprimeirame,tte, tratando de entrar na Companhia eom o Pa­


dre Joseph, sempre lhe disse que o que tinha não houvera de dar a
outrem senão aos Padres e Irmãos, mas por doaqao que »
de ser senão depois de admitido nela por protean ou ooad.pt-
tor (661).
Mandando-me que viesse certo dia ao Colégio, vi ^ ie ( ( -er
tratado sôbre o negócio com o Padre Visitador ( 6 ), que^me o
V,. por recebido, e, sem se. tratar sôbre a disposição da la/enda
tão mando» vir escrivão que fizesse logo a escritura; no que. o -
dre Joseph, vendo-me enleado, me disse que me Lasse seguramo■
do Padre Visitador, no que não repliquei, cuidam o tei com < c
tado o necessario.
Dali a três ou quatro dias, indo o mesmo Padre Joseph, »1 »-
dre Luiz da Fonseca, Reitor (663), eom escrivão tomar posse, d,ase-
lhe que não estava nada satisfeito de muitas eond.eoes, que o Pa­
dre Visitador pusera na escritura que se fizera, e em
ouela que expressara tanto, s c i l i c e t : que sendo caso que a Compa-
n hÍm e despedisse, que não seria obrigada a me «ornar cou* *-
cuma do meu; sendo o contrário do que sempre eom eh tratara,
L-íierf; que não houvera de doar o meu senão depots de prolesso,

457
JO S E P H D E A N C H IET A

e que, se acertasse de me despedir antes disso, se me tornasse e nao


ficasse perdido. E que por esta causa reclamava contra a escritura
e condições que nela iam e que, no auto da posse., havia de declarar
como nunca entendera, nem fora minha intenção doar o meu por
escritura, e dar posse dele que fosse valiosa, depois de fazer profis­
são, como já tinha dito; e que, assim, oom esta declaraçao assinaria
a posse c de outra maneira nao.
Padre Joseph me respondeu estas formais palavras, acabando
por me confessar com ele haver tratado o que tenho dito, s c i l i c e t :
qu(. não pusesse a tal declaração nem condição na posse e que, den­
tro em 3 meses, cu seria admitido a votos de coadjutor. Repliquei-
ll,e sobre isso, dizendo que olhasse Sua Reverendissima bem o que
me dizia e prometia, o que tomava suas palavras por escritura pu­
blica. e que lhe declarava que outros nenhuns votos havia de fazer,
e que, se me não cumpria o que me dizia, que seria me atar e desin­
quietar. Ele me respondeu que não haveria nisso falta alguma.
Disse-lhe: Pois olhe Vossa Reverendissima que me confio de suas pa­
lavras, e com isso assino o auto de posse sem declaraçao nenhuma.
E assinara sete mil escrituras outras de mais importância sobre sua
palavra, que sempre cri e a que sempre tive muito credito.
H e m , ern minha casa lhe disse que tinha necessidade de um
n io eo pera me servir. Disse-me que, quando um não bastasse, que
seriam dois. E dois levei comigo. 0 que serviu 3 anos melhor, de­
pois que fomos pera o Rio de Janeiro, casaram-o os Padres lá e da
Capitania do Espirito Santo o tornou o Padre Joseph a mandar
pera sua mulher. E mandou vir o segundo que mandou comigo, por
ver a extrema necessidade que dele tinha, que é este que digo que
Vossa Reverendissima c o Padre Vi.sitador e o Reitor me tiraiam,
tirando-me com isso a vida juntamente.
H e m , pedi ao Padre que me não entregasse a Superior que me
desinquietasse, e, em especial, ao Padre Inácio Tolosa (664), não
por sua pessoa, que ele e homem santo, mas por amor das informa­
ções do Padre Martini da Rocha ( 6 6 o), etc.
I t e m que não havia de me apartar de si e de sua companhia.
Ele me disse que, enquanto vivêssemos, estaríamos ambos respeitan-

458
X X X IV . — INFORMAÇÃO DO P. GONÇALO D E O LIV EIR A

dg minha quietação e bem espiritual, por me haver criado e eu lhe


ter sempre amor de pai verdadeiro (6 6 6 ).
Isto é e disto se poderá Yossa Reverendissima se informar, que
eu creio que o Padre Joseph dirá deante de Deus o que nisto passa,
pois é verdade e importa a quietação minha na Companhia. Que,
pera bem, já que eu vinha pera onde ele me mandava e deixava
logo, eu me houvera de prover de papel seu, pera que, sucedendo as
cousas como sucederam, me valer dele, mas até nisso fui confiado
e fiz mal a mim mesmo.

NOTAS

(659) Pbl. nos ‘ Anais da Biblioteca N acional”, X IX , p. 64-5.


No0 11 2,
/fififn N
(600) li, n . 89,
ov,' de
ae sua Crônica
i ivmtw (ed. ^de 1865),
— —- diz Simao 4 mde A as-
___ r,' - o * ^ ,1 ^ T o u a iv a u Inhft
conceles que, depois da expedição de Mem de Sá ao Rio de Jaao.ro « a

a d fi^ iS : &
ao dia 29 de agosto, eselareeei.do que, além dos jesu tas nomeados por S de
Vasconcelos, v ^ a r a i com Luis da Grã mais 0
Z X » r ® e r ) Y . » õ Y r J , i i à ) ™ 4 i d Í ” . Gonçalo de Oliveira, Gaspar Lou-
“Y o 1 " I n t o S de Sousa (acrescenta Eui T ercira, “ est.o
dcnkr, p era que com «•

Á Y n to p Í ™ " ''c L g a .lo s a 19 de janeiro de 1501, ’T i .’ I X T S

íssar,
çalo de Oliveira foi
rsu
inc»,aludo de t a s e r a dou ; pmmaiieceram os

O onçail^de Oliveira tornou ou mm a J — £ £


„ cronista. Ma» 0 fato ó que Anchieta) á
E d i ô f e . L S “r quc t o r n ™ , fia rlt na ™ *
fT „ “ & serviços, esteve pre-
sente a todos 0 , combates (C art. A r.,
82 e 8(1). Em 1507 residia nova,nente en, Sae 7 « “ »■ “ ( „ t m n c„,„ „

ratYSar s r Y i E t x ^ “
459
JO S E P H DE A N CH IETA

venceu os tmnoios do Cabo E no, novenibvo d e ']5 7 3 , assinou como


liv. 3, n. 132). Cinco anos mais ta rd e ' 2 , " o auto de posse da sesm aria
testemunha, sendo então procurador o ^ g ’ 307) Qufmj 0Nobreça-,
dada » Arariboia (“ Rev. do In » t. H .sC , XA l , ■ ' S dc O lifrira
- 137«. faleceu no R.o de J exercido até abril de
ficou como Superior do t.olegio. ■ - d Toloaa, voltou a ser procura-
3573, quando, por ordem do Provincial “ ° ° ! . J q" ’ ( H M . do. Cot.,
d o r , apncl,. » •> * * ”''>« o r e i t o r ú aldeia de S ã o L o u -

..... r - — stto J!
. u o r t e ( o . c , ,1. 1 3 b ) . S e i p i u d o ptue.up , . ^ o 7 ;^ * ^ Garcia,
vid ra desped ido d a C o m p a n h m . E e quasi 1 ' * a 3 (lo j a n e i r o d e
que le n h a sido ele o " « e e r d o l e - evo.,; . . - ' .-A ldvao de
1.-.S4 a g a s a l h o u e m s u a c a s a na Ra. a d m, n l t a o:u, y m t ., p . 302,
Gouvêu, que » • * « < ' «' f a l i .................. da

mim <|U0
^
pertenceu ao
— "-tv::"
" ’í m i M p i o i si>) e A b r a n -
■mntlos /tara o Diriovorw (iro<irafivu un /, tamlJ u n , >‘ . 4 • 1■
è 9 é ;i a n t i g a a l d e i a d o E s p i r i t o S a n t o ( K . D a r e m , n o t a a 1 . < ; J
p 382) Da m e s m a f o r m a p o d e - s e t e r p o r c e r t o q u e e a n u í a a n p
1 r u 337- i S ),
q u a n d o d i z q u e , d i a s u n i t s cia,
v e ra q u e t ' a r d u i , se i e i n . ( u . , I' • ’ 1 s , ( U fk, n 0 v e n i b r o d e

V nsV f^-foi »<ín.iíirto n a ' V m i i p a n h i a um sacerdote já homem de dias que nela

f a / e r prim eiro a doação pública ao Colégio de Ioda a sua fa/.enda, o s c i n i n n a ,


í . / ™ : , ; (. movei . pm v a l e r i a t u d o p a s s a n t e d e o i t o . m l e r n z a d o s ; e n a o
, , „ i s a c e i t a r s e r p r o v i s o r e a d a i f . o da q u e o s e n h o r b i s p o U»e m a n d o u a c e r ­
a s s e s o b p e n a d ' e x c o m u n h ã o ” . S a c e r d o t e a b a s t a d o e. p o r , s s o m e s m o t. H t .
ju l g a n d o - s è b a s t a n t e pod eroso p a r a d e s o b e d e c e r a um a o r d e m do b.s po, . e i a
d e Vi in t a a n o s v i v e r a n a C o m p a n h i a , d i z C a n l i m . E, c o m o a c n n a v i m o s S . e
V a s c o n c e l o s , a l u d i n d o a d o m , a l o <le O l i v e i r a , o d a c o m, , m n a o j a e m U«.
( W n , u t a n d o - s e as p a l a v r a s d e C r d i m c o m a s d e c l a r a ç õ e s A . ; »
p r o p r i o ( l o n ç a l o de O l i v e i r a , v e r i f i c a - s e «,ue e s t e , n o v a m e n t e u - c e b . d r n a < o m
p a i i h i a n o s ú l t i m o s d i a s d e o u t u b r o o u p r i m e i r o s tie n o v e m b r o d e l o S 4 ,
1 seguir c m o visitador, A nchieta, C anlim e outros je s rm a s para o Quan­
d o a c o m i t i v a e s t e v e p e l a s e g u n d a v e z n o R i o d e J a n e i r o d e \ o . t a d e «.i
c e n t o ( « o n e a l o de. O l i v e i r a f e z os v o t o s s i m p l e s , c o n f o r m e r e l a t a A n c h u t a na
Resposta. A í p a s s o u a l g u n s a n o s , t o r n a n d o em s e g u i d a a mia onde e s r i e e
sua.Informação, d e s t i n a d a c e r t a m e n t e a o p a d r e M a r c a i B e l b a r t e , (pie e i a p
essa epoca o jirovi nc ial .

(M l) B . Teles (Cron., 1. p . n ! » - ‘->4) d á u m a e x p l i c a ç ã o d o s v á r i o s e s ­


t a d o s ou g r a d u a ç õ e s da C o m p a n h i a . O p r i m e i r o e o de p r o f e s s o . I s to e do
(|ue faz a c h a m a d a p r o f i s s ã o d o s 4 v o tos , a c r e s c e n t a n d o ao s de p o b r e z a , c a s t i ­
d a d e e o b ed iên c ia ( c o m u n s ao s d e m a i s reli g io so s) o “ d e es pec ial o b e d i ê n c i a ao
S u m o P o n t i f i c o , p e r a p o r s e u m a n d a d o i r a q u a l q u e r p a r t e do m u n d o , e a n d a i
e n t r e fieis o inf ié is , em s e rv iç o e bem da C r i s t a n d a d e , vo to q u e quis f a /m u
C o m p a n h i a , p e r a m a i o r v e n e r a ç ã o da Sé a p o s t ó l i c a e c o n f n s a o d e j m r e . i e s , q u e
n e s t e s t e m p o s p r e t e n d e m a p a r t a r a g e n t e da. o b e d i e n e i a e s u j e i ç ã o d o I o n
f i c e P l i n i a n o " . A ’ p r o f i s s ã o d o s 4 v o t o s , p r i n c i p a l e s t a d o da C o m p a n h i a , so
se a d m i t e m p a d r e s " m u i p r o v a d o s e m v i r t u d e , e m ui a p r o v a d o s em l e t r a s ; a

4 6 ft
INFORMAÇÃO DO P. GONÇALO D E O L IV EIR A
X X XIV.

- ■, • t i i n ns Rimerioves ao Preposito Geral, que reside em


satisfaça o da virtude dao os hupt.noK l vflria8 experiendas, e do
RSma, por informações, que lhe ma ■ » - .ulre geral
largas provações que o r d r n a r v ^ n e n t e ^ ^ ' m t c ^ ^ se
pode adm itir religiosos a ^ t a P , examinadores mestres de
m anda ao mesmo Preposito Geial, dada por ed hri0 de ju ra r
teologia, que na mformaçao que ’ de eom satisfação lêr teologia na
que aquele religioso, a quem p ■ > 1 1)rofessos da profissão solene de
Companhia, e êste é o modo o rto u u io • pelo Padre Geral, nos
4 votos não podem ser despedidos da I‘ ’ Religiões aprovadas (con-
easos em que também os podem despedir ™ ° n r í e w ! í 0 Preposito Geral e
forme nossas constituições) . e ^ p reposito9 das casas profe-
seus assistententes, os io \i '* '> '( C,’-)es «rcrais, e provinciais, o que
sas: eles têm direito de entrar nas congregações ^ procur.ulore8
não têm os demais, se mio e por ra/mo cc * , e benefícios eele-
Gorais de toda a Província: sao incapazes de toda .» ■ . ,,s .vnlbições
siasticos” . O professo, segundo directam ente, nem in-
e vaidades, faz “ nuiitamente o \o to de n -A d(da 0 descobrir a miem
diretam ente, dignidade 0 de‘ Coadjutor espiritual, que
souber que a pretende. O segundo cs nlina8» sendo que “ por isso
ab u la “ aos professos no mnustorio espir tua d. ; ' , te olo-
W eetado U t d C i n n S T l r ' v O » « M » p
**» m m r ; hK'“ 11" 't" :i'.r ,',Í V i SS ÍIM fornm. 4c solenes t irrevogáveis, tendo,
vogáveis, sao aceitos pela - < ‘ também fazem aos ditos Coadju-
não só “ força, para irritar o . deter beneficies ecle-
tores incapazes de toda lieiam.a, 1 causas gravíssimas,
siasticos” . Só são despedidos por o .d « do ^ c 1 ^ ^ dc R citor, e
Podem ser Procuradores _c exercer — voto cin tudo, salvo na eleição do
p articipar das congregações g ■ ■■ , ’ alguns, une ainda não sabem tec-
Preposito Geral. A esse estado se ^ d u z u n ^ ]er esta8 faculdades
logia e filosofia, contudo imo PÇ-< Q £ coadjlltlore8 tem porais formados,
com satisfaçao . O tercem» u , - Companhia o que eram
quo fazem os mesmos votos ^ os S e diáconos ( . . . ) escolhidos
na “ prim itiva Igreja, remédio temporal ás viuvas, afim de deso-
pera dispensar as esmola. . _ .. . como foram chamados pelos papas
cuparem os apostolos ■ t • trabalho corporal ajudam o e s p i r i t u a l e
Paulo I I I o Gregorio X I I I. ' 1 desocupam os professos e mais religio-
ocupando-se cm acudir a comunicU econvertem . Os demais religiosos,
sos” . Prègam , confessam, ensim i , < - tQ simples, ficando incorporados a
depois de dois anos de uovuuu o f ; f \'únfor.,.o a Bula de Gre-
^ T x m Com panhia.' Quando despedidos, ficam dcsobnga-
dos dos votos.
(662)}
b»'j- P adre“ Cristóvão de Gouvêa.

a ttoma (v. nota 324) .


(664) Concilio lio Oliveira com w r t e » “dj° t o d i o * Ai chego»,

- ™ - « ■ , ,
(M5) o padre M artin, o» M a rtin .,, da Bocha chego» a . Brand, n a leva

461
JOSEPH DE ANCHIETA

do provincial Inacio de Tolosa, a 23 dc abril do 1572. Em novembro do ano


fipffuinte foi enviado p a ra o Rio de Janeiro, com o cargo de m inistro do Co-
companhia dos padres Antonio Eerreira, B altazar Alvares e cinco
irm ãos ( H ist, ãos Col., 1. c ., p . 93, 99 e 13«) •
(666) Gonçalo de Oliveira foi discipulo de Anchieta, em Sao_ V icente.
Nos Frag. H is t., traçando a biografia de Nobrega, escreve o canar m o: E s­
tava ele ^(Nobrega) muito determinado, quando se começou a povoaçao d o B o
de Janeiro de m andar um P adre (Gonçalo de Oliveira) e com ele um Irm ão
(AncM eta)’ por superior; dissimulou o Irm ão com isso por alguns dias e de-
a ciuaa a D o s , disse ao P a d ,, Xobecga de™
m u d ã -lo nor superior por algumas razoes que lhe deu, Ouviu-o o Padre e cui
dando nisso mudou logo o parecer e despachando-os para
os mais de casa, disse: O Padre, por ser sacerdote, sera super or mas lem brar
se-á, pois o Irm ão foi seu mestre, do respeito e reverencia que se lhe deve te
c de tom ar seus conselhos” . — V. c a rta X V I.

4 62
XXXV

R esposta do p a d r e J o seph de A n c h ie t a ao p a d r e

G o n ç a lo de O l iv e ir a (667).

J
„ o Padre Gonçalo d’Oliveira muito tempo me importunou
pera entrar na Companhia e eu o diverti disto quanto pude por me
pareeer, ou quasi ter por certo, que teria as impuetw» e trabamoa
„„e agora tem. O mesmo pediu por si. e por mim e pelo Padre Lum
da Fonseca, ao Padre Visitador, o qual lhe disse por vezes que desse
.vimeiro fazenda « s e u t p a r e n t e s ou a outros pobres e que com isso
o receberia, e como ele instasse que a não havia de dar senão aos
pobres da Companhia ( 6 6 8 ) 1 t a n d e m fo. admitido sem nenhuma
condieão de se lhe haver de dar profissão nem votos de coadjutor
espiritual, e posto que ele isto pedia pera ficar mais atado e nao
poder depois qualquer Provincial despedi-lo e ele hear perdido
sem fazenda, o assegurei que entrasse liberalmente que dal a
meses querendo fazer, que facilmente e dali a pouco tempo lhe con­
cederia o Padre Visitador votos de coadjutor espiritual que bastava
pera o que ele queria (669). ^
Tratando o Padre Visitador de seu recebimento com os Consu -
jones a todos pareceu bem que se recebesse c que se lhe podia con­
ceder o que pedia, pois fazia tão grande mudança, mas nao acertan­
do lhe essa condição, como de fato não se lhe acertou, mas dando-
oo-me es v , „plo p adre Visitador mandando-o
lhe esperanças, como se lhe deram, peio i auie
vir ao cubículo, onde, depois de tratar tudo isto corn eie deante dos
Consultores, o recebeu e se fez logo escritura de doaçao, consentin
ele em todas as clausulas que nela se puseram.

463
JOSEPH HE ANCHIETA

Fez-se dali a 2 ou 3 dias o auto da posse em Ipitanga, a qual


ele deu mui liberal e alegremente, dizendo ao escrivão W “ *“ *>
tudo o entregasse a ele á Companhia. E, quanto ao que t e da re­
clamação respondo que não sou lembrado das palavras formats que
passámos mas tenho por certo que me dizia, porque essa e muita,
vezes repetiu o mesmo, não se atrevendo a largar o seu sem certa es­
perança do que pedia. Mas. assegurando-se em m ute PalaJ ^ “
cedeu tudo sem condição alguma nem reelamaçao, mas de ai manet
ra p e senão tivera esta esperança certa, creio sem duvida alguma
, , nunca fizera a tal doação, porque (como ele diz) tmha tntnhas
palavras por tão fixas co.no escritura pública e com esta segura con-
fiança se entregou com quanto tinha. (670). . ,
Dali a pouco tempo partimos pera o Rio de Janeiro, onde, dia (
K Pedro e S. Paulo (671). estando ele presente a renovação dos
votos, lhe meteu o padre Ministro Alardo da Rocha (672) o pape
deles na mão, cuidando singelamente que também ele havia de re­
lv a r II qual causou ao Padre Oliveira grande perturbação, dizen­
do que lhe queriam lançar laço na garganta, tendo ele dito muitas
vezes (como é verdade) que nenhuns outros votos havia de fazer se­
não de profissão ou, pelo menos, de coadjutor espiritual.
Dan<l„ ele então conta ao Padre Visitado.' e tratando sobre sua
profissão, lhe disse o Padre Visitador que, se fizesse votos de coad­
jutor passaria dali e que ele esperava de lhe haver licen­
ça pera profissão, do Padre Geral e que. entretanto, fizesse os votos
simples. Confiado ele nisto, ainda que sempre arreeeoso os fez logo
por ordem do dito Padre, dia da Visitaçao de Nossa Senhora (67. ),
dizendo eu a missa e estando o Padre Fernão Cardim somente pre-
sente, e isto i n o r d i n e a d professionem, porque sem isso nao os hou­
vera de fazer. _ . p
Isto concluído, me mandou o Padre Visitador fazer uma infor­
mação dos merecimentos do Padre Gonçalo Oliveira na Companhia
assim do tempo que esteve nela como depois de despedido, etc., a qual
se fez larga, e sôbre ela tomou os pareceres dos Consultores se se pe­
diria ao Padre Geral profissão de três votos pera ele; e, parecendo
a todos que sim, vista sua grande mudança e conversão, o assinaraia-
0 dar-se-lhe esperança de o tratar conforme a necessidade de

464
XX XV . — EESPO ST A AO P. GONÇALO DE O LIV EIR A

suas enfermidades, e que o não deixariam em poder de Superior que


o desinquietasse, importa pouco, pois na Companhia se usa isso com
todos, e onde se lhe dava tão certa esperança do principal também
se lhe deu destas e se lhe cumpriu, quanto foi possível conforme as
Constituições da Companhia, todo o tempo que esteve por estas par­
tes do Rio de Janeiro até que tornou á Baía.
Brasil, 1590.
NOTAS

(667) P b l. nos “ Anais da Bibliotéca N acional”, X IX , p. 65-7.


rf ag palavras de Fernão Cardim, reproduzidas n a nota 660, es-

ser
conforme já se viu n a nota 661.
(670) Nêate e nos periodos que so seguem, Anehieta confirm a o alegado
por Gonçalo de Oliveira.
(671) 29 de junho.
^ - ao referindo-se com certeza Anehieta ao pa-
(672) Deve ser erro de copia, reieruiuo
dre ministro M artim da Rocha (v. nota 6 o ) .

(673) 2 de julho.
t

XXXVI

F ragm entos H is t o r ic o s (674)

PADRE MANUEL DA NOBREGA

4 v id ado padre Manuel de Nobrega íoi insigne e tanto mala


■A. t0 menos eonheeida dos homens, os < , « * » el* amava mti-
mamente, desecando e procurando a sa!va? o dc t o c ^ p a ^ ^
de Deus que ele, cheio de seu amor, sobretudo tinha denote do
olhos - pára dilatação do qual e conhecimento de seu nome, todo .

VT •*“" quanto podia, - *


pmtuais e tempoia - I muitos pondo-a nas maos
viu claramente em dar sua v da pe a debuit ^ ^ tiraria
^ “ s ^ r r r ^ it o t r u t o q n e depots se

" V a . * r ^ K tr ;K S S £
" “ .« C i., - »
go, e dando-lhes vida, além dos P ^ mandada
fazia criar por pessoas virtuosas. T m t a ^ m ,
com os enfermos, aeudin o- es °°m com piedade, prineipal-
quando os noite, vi»do chamar um Padre
mente com os poores
469
JOSEPH DE ANCHIETA

„ara um homem que estava quasi morto ás estocadas e sem fala,


!le mesmo lhe foi acudir e fazendo-lhe coser as tripas que tinha
rota^ começando o ferido a falar, tomou o Padre juramento de
seurêdo ao cirurgião e a outro que lho ajudava a curar e logo
deante deles o confessou, curando-lhe a alma, enquanto eles cura-
vain o corpo, o qual depois viveu. ç. tos
Disse-lhe uma vez um moco de casa que na ’
duas léguas de S. Vicente, havia pranto: cuidou o Pad.e labrega,
„„c seria falecido um homem honrado e rico, que de ordinário
andava mal disposto, o qual, posto que nos fazia algumas cand -
e f contudo no tocante á sua eonciencia era pouco nosso devoto
e mui afastado d» confissão. Logo no outro dia lhe ez um oficio
de defunto do nove lições com muita solemn,ide. n o a ui
mem da dita vila. perguntava quem morrera, por quem Jazia
aquele ofício? B ouvindo que por aquele homem, disse ele: Agora
oTleixo eu vivo e são em sua casa”. Foi-lhe dizer o que o padre No-
brc,.a fbcra Ao que ele respondeu: “Quem isso me faz cuidando
sercu morto, sendo eu vivo, não quer herdar minha fazenda, mas
Peseta a salvação de minha alma”.
Dali por deante deu tal volta á vida que foi um exemplo para
lodos: tomou particular cuidado de prover os Padres quando iam
prògar e confessar àquela vila; ainda que se detivessem la multos
dias continuamente lhes mandava jantar e a ceia de sua casa mui
bem concertada e ás vezes por sua própria mao, porque era so -
teiro Quando lhe pareciam que eram horas, mandava logo um es­
cravo. que espreitasse os Podres quando vinliam da igreja de con-
fossai*, para logo vir a provisão.

Por morte deixou parte de sua fazenda para nossa igreja, que
ali então se edificava; parte á Misericordia e a outra parte aos po­
bres. Houve neste liomen, enquanto se não deu a Deus, soltura no
vício da luxuria; mas por respeito de Nossa Senhora nunca quis
pecar com mulher que tivesse o nome de Maiia.
Com esta caridade e benignidade com que abraçava a todos,

470
_ FRAGMENTOS h isto rico s
XXXVI.

era mui amado dos bons e mui severo e rigoroso contra os vicios e

como em particular. A Comecou: “Apesar de Sao


mar e um “ “ ^ n lU o to — o repreendeu aspe-
Lourenço Ouvm o P virand(M* ao Santo, posto de joe-
ramente falando-lhe po > , a , o t ,mirenco rogai a
lhos, lhe disse: “Bendito vú." êste
Deus que nao nos castigue pe as castigado e os mais que o ou-
rnaldito”. Com o que o mm á preSsa em que estava
viram amedrontados e acudiu S. Douienço i

Cüm Tendo ^avisado por vezes a um clérigo « n


emendasse, sabendo o 1>adl€ ^ v0zes que a c u d i s s e gente,
foi á porta da casa gritando a grandes^v^^ ^ ^ ficaram tão
que estavam ali crucificando - 0 eseandalo.

espantados os dois sem querer ad-


Era acerrimo deieusor da li , gentia SUmamente
mitir á confissão algum q u e nisso o s ^ bradava sobre
os roubos e assaltos que se a/m ’ pocEa da sua parte, se
isso publicamente e para remediai o I ^ eles e apla-
meteu com os Tamoios, como d.to e p a ra ^ ^ ^ muitog roubos
car a .justa ira de Deus contra^ ^ ^ ^ prisgando deante
e mortes que tinham ^ toda sua armada, que ele exor-
do capitao-mor Estacio e aplacarem com penitencia a
tava a povoar em o 1 0 c Raí qne foram gra­
na de Deus pelos roubos £e.t<*aos # Mstória dos Gabao-
\issimos, cativando-os e ter.cei > enforcarem e com
t rip o-pracao cie oauí, p«*Aa'
nitas, que pediam sete g • concluiu com grande veemen-
isso se aplacar a ira de D saUeadoreS que têm des-
cia: “Se agora tomassem se ^ a eosta> Nosso Senhor se
truido os pobres índios da Baia e ^ qne queremos fazer”.
aplacaria e seria favorave para sabiam mal aos culpa-
Estas e outras semelhant P ^ nenhuma maneira que-

s : r ” — — i — - » - ■ — -

471
JOSEPH DE ANCHIETA

que fossem tomados com querra justa. E assim dnúammtas vezes:


-Mão nosso acabar com minha ciência e concieneia aprovar os
medios que se buscam para cativar os Brasis, ainda que venha d

aTmesmos, f a J L o ou porque não entendem que « m ■ £ * * *

Z Z mhando.se alcançados, fogem e antes querem ir a


■ r por esses matos e a mãos de inimigos que sofrerem grave ea-
ro que têm (677) . Pois obrigá-los a servir toda a vida com o
; ac lives, i * * * * * ^ •*> « - °s
, uberdade pois os deixam em testamento aos filhos que os
sirvam toda a sua’vida e assim os avaliam e vendem como escravos,
mn título de lhes venderem somente o serviço .
t i l de jure, dizia ele que de f a c t o constava o con-
trári0. pois os homens pervertiam os remedies que se lhe buscavam^
usando deles para sua perdição, e. se dous timoratos
condições que se punham, a maior parte nao guardavm e finatoent
„S Padres letrados nisso se vêm a resolver, ensinados pela expe

’'“"’ pontudo isto não deixava o Padre de buscar todo o remédio


possível a algumas pessoas que lhe pediam para restituição e satis-

futuro nunca de sua parte quis abrir porta para


se usar de semelhantes remedies, que se buscavam para os^ home
poderem ter serviços com boa eonciencia, comprando e v e u d ^
índios livros, dos quais remedios dizia muitas vezes: Pram Deus
que por remediar os homens não nos vamos nos eom eles ao inferno .
Era tão inteiro que. como se fundava deante de Deus em uma
verdade bem se podia pôr todo o mundo contra ele, como foi nisto
da liberdade dos Brasis, em defender as fazendas dos Colégios por
serem bens da Igreja, sòbre o qual era muitas vezes afrontado por
palavras e escritos em resposta de feitos muito feitos, que ele dm
xsva pne ar sem nem um sentimento, prosseguindo eom muita paz

472
XXXVI. — FRAGMENTOS HISTORICOS

. iurtica dos Colégios e orando pelos injuriadores e tratando-os


com m u i t o amor; em fazer com o governador Mem de ^
de lôrea com os ludios da Baía para se ajuntarem em aide as laudes
e igrejas para ouvirem a palavra de Deus, contra o parecer e von ade
,è todos os moradores, o qual depois se estendeu por toda a costa
678) que foi meio unico de salvação de tantas almas e propagaç
ia Fã e na constância da povoação do Rio de Janeiro, que a expe­
d i a tem mostrado ser ele movido com o «pinto de Deus e puto
rzAin rip seu serviço e salvação das almas.
P a ra stas cousas procurava o remédio com Deus por continua
oração e dos reis, priucipalmente d'El-Rei D. Joao o Terceiro e de
surf mulher D. Catarina, por cartas, e El-Rei lhe escrevia

— - — ;:ritzxzz
:zizxez::^ ^ w - ...~: r
" T S e ' d ^ e constância era dos que mal vivia»
murmurado, perseguido e t ^ . m r ^ ^ ~
tado com pal avias, em ause estranhava muito em
c vis. Er» uni certo tempo, porque o Rrdrc ^ ^ ^ ^
particular e em publreo um caso ^ ^ &^ ^ com.
vrdor da Capitania, q hoim. muito provável suspeita
parando-o com o caso ' ■ (1izi„ ele aos Tr-
e indieios que se lhe maquinava a s nossos ror-
m ã o s: " E u , se h o u v e r d e s e r m á r tir , ha de
tugueses cristãos e nãc> dos Brasni neeessk,all(?s, quando ha-
Com tudo foi <> s o b r e d i t o poderoso, que,
via mister sua ajud • dp gailtos para S. Vicente, des-
estando preso e indo-be jc se embarcara e o deixava
pedido do governador em ’ ^ ele, com ra-
por alguns casos em poder d o capxtao d tmia, dej g^
zão, muito se temia, movido que depois de sua
bou com o governador que ^ ^ . vexado do Capitão (679).
partida nenhum lhe ficava senão sei m uutava. outro que
A» grande zé,o da ^ X , cnidadn e dili-
lhe era consequente, convem a sabei . g
47 3
JO SE PH DE A N C niE T A

grneias de criar Trmhos da Companhia cue pudesse» - instru-


niCTto desta conversão. peq„enos mestiços e
X'or esta causa ajuntava e.n ^ serem línguas. E
outros tie todo Portugueses, nascit s , sl, sua habilidade,
trabalhava pelos laser e . ^ ^ o t e cousa. por in-
asshn no espmto ; mandlu. a Portugal alguns de
tentar para este iessem feitos bons obrei-

c- í “ h ta i“
(lolegio de (Coimbra (bHO) .
r rins llluho benigno e piedoso e pelas cn-
Kni para com os ‘ • n>e eünservou a santa sin-
tranhas de amor eom que os ama «, • 1 VÓS; e além de
ecridade. antiga de ('mmbra, talam ( ^ _ c p a(lre> pelo im-
Ibe ser muito trabalho so de pionm.uai. l lh exercitava
pedimento da lingua, parece que o « - terMOs di-
— T 1’ * " ^ — cie I * . eui-
zendo: Irmão, vos tal « tal • _ 1 4 ,q, ,êlo que nele

lagrimas.
„ mesmas entranhas de caridade procurava to, o o pos-
sivl„ tie conservar um oa Companhia depots de * * » *
- x* . f.tni-as m rt.e s e outros tivessem uiverso parecer,

h. \icente o l W Prr.virifial e de outros, com tudo


‘’‘T i r a ™bre"à' com sua caridade intereedeu por ele, resignado,
- . a »

ticulariuot'ra boas ^esperanças dole. E assim foi.

.-jr: SL-jr.zzXt a .

4 74
XXXV!. — FRAGMENTOS HISTORICOS

Nosso Senhor bom fim na Companhia com edificação, consolação


e sentimento de todos (681). _ . ,
Procurava que houvesse muito exercício de oraçao mental
vocal e mortificação. Aos estudantes faria rezar o Oficio Divino
Aos pequenos não faltavam disciplinas quando era necessário que
fh“ mandava dar, as quais aceitavam com muita humddad^ ^
com ser a pobreza muita e o comer muito trace, fazni-os »
dias que a Igreja manda e ainda toda a quaresma e para• tudc 1
dava fôrça Nosso Senhor. Com o grande desejo que tinha de actes
eentar a Companhia no Brasil, deitando os olhos ao longe com gram
dcTespirito de providência, logo em chegando á Baía houve tmra
a em as vacas para fundação de colégios e o mesmo tez em b. V.-
" depois no Rio de Janeiro (682), e ainda que a alguns dos
nossos parecia sobeja solicitude por serem penicos os Irmãos ^
quele tempo, dizia: “Não sabeis, lnnaos o t|»« ‘ ‘ ^
para os que hão de vir, porque ainda ha de hay-i *ia
de Padres e Irmãos no Brasil q u e ajudem as almas .
cic XtuiiL osnirito de provideneia loi
E hem se pode J 1V(, SÍ„a muito
isto mais particular lume m ^ outras cousas, principaimente no
^
na oraçao, como t.iin > •• e „ quebravam as pazes,
cumprimento do que disse o. < ■ > Vieente Rodrigues
haviam de ser todos destruídos, lendo ^ sem
grandissimas e "V6 s, Irmão, não ha-
remédio algum, lhe uissc > ' necessario e então vos
veis de sarar p(irq„e na missão..... . que
cairao os cientes J . , ■ -i_ oP nadeceu gran-
■veiu acudir ao Rio de Janeiro no pnnci]^ J a perder
dissima fome e falta de tudo, sarou da cabeça
os dentes sem lhe ficar senão dous ou t ie . dos
De ~ i^ ; - i: e^ e: l r.ratiuinga ainda que se pa-
Irm ãos no Inusi , I 1 T„.,.+>. n]o-uma rez, en-
deeia muita fome, mm r^ ne^®a“ ^e multiplicassem para os vin-
quanto eram poucas as v, ’ ■ ■, .u. Deus que o movia,
douros. Bem mostra a « 1 * ™ ^ fimda^o cVEl-Eei,
eom ela, * não foram .

47 5
JO S E P H DE ANCHIETA

p i p Nobrega com tanta caridade foi gran-


terras e vacas que o Pa _ tgm COm que se criam
geando, que é a melhor sustentação que «8 » » ^
tantos Irmãos que fazem tantos s 1' ^ ornamentos ricos, pro-
No eulto divino, atnda que W £ - ^ oantódas com
curava tamv** torta a e fra„tas, por amor dos In-
Ioda a solenidade, com c ^ deixava de lavar os
dio». cujos filhos as a i n d a M igreja. Era
pés aos Irmãos a qum a e , j Deus que até aos Ir-
15« Ml0 8 0 de se pregar sempre m portugugs e bra,
mãos que l h e pareciam para isso p o r impedir
sii, ainda „ue não loosen «n-errtotes » « * £ ^ a n 0 t„m -

alguns abusos que se ,w “ “ „ 1(rMM!Wr um que tinham,


os principais rtn teria que < ep, c|,amava P r i -
' mandou-lhes fazer ,».r ;.m „m muitas partes
<J«t* o V n i v c n d .porque alem ■ ^ wcon­
da costa com muito troto dos M • I fama rtele,
íe” — « -..^nia

p e n a d a ...........
da igreja, sobreveio um* 8 ™,,, >; #)|mçW u,„as gotas
i m u l o n e g r a e l e i m i o s , i . s o ire peixeverando sem -
d- ........ possas. mas ngo - ^ ^ se
p...... »«'•«»• , s , V eiitàn rte.scarrc.gou com
recolheram q u ietam en te a suas a - w m ntni-

' ^ --im a intento rta

“ ™‘m» “s . Z o no‘ rezar rto Ofício Divino, no qua, usava *m p»

r t ,; : : ; ; : ; v o a Çães * . r r r .

l in g u a s não eram s a c e rd o te s .

47 6
XXXVI. _ fr a g m en to s h isto r ic o s

Era na pregação muito fervente e. suave e por uma parte mo­


via muito á compaixão os ouvintes pelo trabalho cpte „ la tinha, p
outra á devoção. E não era muito abranger aos outros, pois nele
era tanta que bem se lhe sentia nas palavras afetuosas, nos suspi­
ros e coloquios eom Nosso Senhor e lagrimas, as quais, assim quani <
l ele, como compadecendo-se d „ P— ™ ™» »«*-
cões facilmente derramava. r ~f C.
5 Algumas vezes, estando em Piratininga com poucos Irmãos,
„ ais ateado de negocies, se metia na saermtia com um devoto anu-
mais atastauo uc 0 fechadas, e ele entretanto se
go, que lhe tangia uma viola as portasd« Qrando dei.
estava desfazendo em lagumas coi . . _ as0
vou o Irmão companheiro (684) entre os Tamoios, mdo-se pa™ b
Vicente os Tamoios que lá estavam muito quietos, uma P
r meter um escravo em cahe.i que ^
gueses, fugiram todos para suas te sentimento e
temendo-se que lhe matariam U » deante de Nos-
lagrimas que fez um grande pranto chem.de entre

»■— e ***« * * * * * •
rrr— - r —s^:
T

era eom tanta desconsolação que na ton,assem alguns



C S S
» -■ • " "zz™ - I -
i « . ■« .-•••» ■*■■■ -*• - “ **

era: “ Irmão, se ainda estais vivo . em S . Vieen-


Nos derradeiros anos que an a J . domia um pou.
muitas doenças que levou da M a (6 8 o),
te, com as
CO á noite e o mais dela gastara ® ^ „ tocantes
em cuidar e traçai' as. cous pertencer a 0 bem comum,
ã Companhia mas de 1 cristandade e salvação das
rrr^raiitsrsi—- « —
- r í : ; . .. ~ - t — -

477
JOSEPH DE ANCHIETA

wzes com grande sentimento: “Mal aventurado será aquele por


'fl‘“ alquebrar o sêlo virginal da castidade da Companhia”. Acham
do se uma vez no mar em uma grave tormenta, dizia que uma das
cousas que mais o consolavam naquele perigo era a guarda do voto
, : " d e . Nisso todo resguardo lhe parecia P ™ ,
oue toda a especie de mal, ainda em cousas minimas, se evitasse fc
com isto fez c faz Nosso Senhor mui especiais merces aos verdadei­
ros filhos da Companhia nesta parte, com não pequena admiraSao

C' T U r e t o è n e Azevedo, vendo as muitas c mui propinquas


ocasiões pelas quais, quasi por fogo e água, passam os nossos por
am or das a h J com vitória pela graça divina, dizia que era mila­
gre a castidade dos da Companhia no Brasil.

Como os Padres sacerdotes não sabiam a lingua da terra, ser­


viam os Irmãos de intérpretes para as doutrinas e pregações e con­
fissões, ainda dos mestiços, mulheres e filhos dos Portugueses pnn-
eipalmente nas confissões gerais, para melhor se darem a entender
o ficarem satisfeitos. Aconteceu que uma mulher casada das mais
graves da vila, que fazia uma confissão geral com um Irmão que so
então ali havia e tinha cargo da doutrina, veiu um domingo a tarde
perguntar algumas dúvidas no confessionário e estando as tratando
cran Cie, passou o marido pela igreja, acompanhado dc muitos da
vila, a tratar alguns negoeios da república com o Padre Nobrega, e
indo-se para fóra lhe disse o que o acompanhara: ' Senhor, como
consentis que vossa mulher esteja falando com um mancebo no con­
fessionário?” Como o crédito do Irmão era mui grande para com
todos não fez caso disto. Com tudo deu disso conta á sua mulher,
ficando muito satisfeito com sua resposta. Ela contou o que passara
„„ mesmo Irmão e o Irmão sem mais detença ao Padre Nobrega,
Pasto que ele tinha tanta satisfação do Irmão nisto e em tudo o
mais, como de sua própria pessoa (6 8 6 ), contudo, pelo grande zelo
quo tinha da limpeza da Companhia nesta parte, alegrou-se minto e
disse-lhe: “0 ’ Irmão, veiu-nos Deus a ver com este aviso, nao a ei
X X X V I. — FRAGMENTOS HISTORICOS

mais com ela nem com outra no confessionário, senão presente o sa­
cerdote ou em público na igreja, como costumais a falar e a en i-

” Sr PiMlmente não sofria nesta parte cousa, por pequena que fosse,
nrocurando conforme a perfeição que ele nisto tinha, que vivessem
T 5os com tanto resguardo quanto demanda a castidade evan­
gel ca que nosso padre S. Inácio de Loiola pede nas Constituições.
Não tinha menos zêlo e cuidado que a obedienca dos subditos
para com os superiores fosse exata em tudo c de sua parte ~
c-m o exemplo. Em cousas graves esperava, quanto eia passive,
nosta deTom a ou Portugal, ainda que lhe parecesse que as podia
S — S Si. Quando, depois de im n to ^ — I X
negócio a Deus, se resolveu de ,r a c . r i , da _J ^ de
tão dependurado de querer a vontade cie 1 ’ ^ d„ padre Luiz da

^ * *
sas de a, viçaras a quem 11» desse novasde sua elega, &^ ^

* ’ 6 PZ principalinente para que


então tinha I . tinlla * os índios, os ajudar
com sua pr^ença auto. ^ tontudo deixava ordenado
a passar para su . fossem chamar a muita pres-
(jue se chegasse o padre uiz clentro. Como Nosso
sa, ainda que fosse muitas léguas pe 1« * ^ " “ a partir lhe ehe-
Senhor ordenou que no mesm até SR ver eom ele. E chegando-
gasse a nova, logo desis m ' t do mei0 dia, logo
lhe o recado a Piratininga as 9 « a r o
no mesmo dia se partiu para o n > ., daj a tr gs léguas a
Irmão, que lho levava, e cheganco a ^ Indios da terra.
pousar (687), lhe mandou fazer a doutrma ^ ^ e ^
Ao seguinte dia andou mui gr<m quasi noite ao mar
do que pareciam sofrer sua forç^i e d n m a s trê,
se embarcou em uma pcepimia can •P ^ grande &souri.

- 4 - a f-s te se

479
JO S E P H DE A N CH IETA

ÓQ anninadelas, confiando em Deus


rreolheu, atinando com # rec<meiiial. e disse ao Irmão seu
de o ganhar com is . nte e dizeidhe que estou aqui e faça
companheiro: <e ouvindo o recado, esquecido de seus
ele o que quiser . O ho ^ escravos com muito lume e
agravos, saiu logo acompanhado • ' prios vestidos e o
levou o Padre nos t o * » c o vestiu com e queiMn.
n.esmo f « ao I™ao agasdhan ^ ^ estando ali sua casa, e
do-se por querei pass padre e da Companhia, na qual
dali P0r deante % Z v e Z recebeu um filho. Finalmente não descan-
depois o mesmo 1 adn ^ p dre Qrã e tratando com ele o ne-
sou ate o outro dia se ' | r (> , ,liu „ do Padre que logo se per-
suatliu^seita ma^s^coúforme á vontade de nosso Padre Santo Ina-

peito c reverencia como se^ o * 0 quai facilmente tomava

importância sem sen Pai^ ce^ provincial, a todos dava exemplo


e seguia. Depois que o a( & minima significação da vontade
de obediência. Para ee ><is c < ■ muito e procurou que
* 1>adr! Lulf irmão excusava.se; finalmente
um Irmão pregasse em poitu me disse
vendo-.se apertado, lhe eu : O I m i^ ^ ^
ã sua partida que na» iia^i^ ^ ^ cal()U 0 Padre Nobrega, sem
r°r falta de aUt0n " , ,ôra obediência expressa, posto que tinha
insistir mais, como qu< < _ ^ aDum tempo foi
para si que nada faltava 8 0 uma paixão, ao qual de-
necessario acudii o imesm .. Vós haveis de dar conta a Deus,
pois de a pregai, i ■ ra” E contudo nunca mais o
norque não quisestes pregar ate a*o • , r -
a isso pelo que
convidou para isso, peie \ tinha dito do padre Luiz
mprioresGra.
da porque
XT- ter ele esta obediência aos superiores, y v h

c *^ ^ »r r r zz
o í™ “» - ■* p» aias * aepois
X X X V I. — FRAGM ENTOS HISTORICOS

de encomendar a cousa a Deus, disse ao padre Nobrega que nao


devia mandá-lo por superior por algumas razoes que.lhe deu. ^
viu-o o Padre e cuidando nisso mudou logo o parecer e d e c a í d o - o
para aquela missão, juntos os mais de casa, disse: O Pad.e P
T sacerdote será superior; mas lem bra^e-á pois o Irm a o jo i
seu mestre, do respeito e reverência que lhe deve ter
seus conselhos (689) ■ os i nn;,os fossem avisados
de out ^s^Padres °e Irmãos, que lhe parecia o podiam fazer ainda
q L C e deante dele mesmo. Uma vez, queixando«
tre de gramatica (690) de 8 5 ’S T e « o assim, Ir-
endia algumas vezes, responde „ QuaIldo se achava
mão, fazei, íolgo mudo que nisso - d a ,^ . ^
alguns tempos so sem saceidote, e ^ # recebia dele
desejando descobrir s u ^ M t Uma ^ ^ de hmnil.
a absolvição ger Irmãos em um repouso, disse:
dade confessores, um Padre que me
“ Daqui por deante quero ter uui
absolva e um Irmão que me ' cuidado dele, por-
No tratamento Pess^ " a comunidade sem singu-
que ele o nao tmba de ^ p0UC0 comer;
laridade alguma, salvo para mais es trabalbo receiava,
e ainda que de comptóção e ma ;t0 ^ de matos e
00mo andar sempre a pe peruca # E fa vez(S, por não

™ z * — ...
levado ás c o s t a * e sem uso de mantéu, por-
roupa nova, senão veina ,
que então pela muita pobreza o nao avi • ^ que lhe ofevecia
Quando andava £°ra de e a s a , ^ # # dormia aí todo o
a pousada a aceitava * assim por sel. esmola, como porque eom
tempo que era necessa , para se" tirarem do mau
isso ganhava as vontades a ’ «niormc a lei de Deus e
estado e a outros para nc, seu^ive ^ ^ „

r vigário m u " e honrado, que conformava pouco com o

481
31
JO S E P H D E ANCH IETA

, A. Companhia no governo de suas ovelhas, que achavam


lele refúgio para suas c o n d e n ^
- o.oCr qu t t o L a â s u a e m .
Ve,'eS * ( “ f “ as ovelhas. E tendo ele alguns tempos impedimentos
cieneia e de suas ovei Nobrega por si e pelos
(,e enfermidade e outros,, J P - ^ Ppondo.,he em-
Padres nas missas e em tudo m ■ P tudo. Com
burgo em sua paga pelos oficiais d ® ^ J s ‘ Padres, até

- t i J L se deixavam tamhem reger pelos


da Companhia. . ,
Era o Padre Nobrega em suas enfermidades muito

X l! T '
com muita paz seu espirito ao Senhor (691).

(A. Franco, o. c ., H , P- 183‘92) '

PADRE D IO GO J A COME

Viveu sempre em toda a sujeição e obedieueia, exercitando os


ofieios baixos da Companhia, e entro eles for fazer um tc,r
pé p„r mandado da santa obediene.a, sem nunca ter a p r» d
aqu)le Ofício; e fazia nele muitos rosamos de contas que P
os P m ,» » p . » ». encomendarem a Deus e a Virgem Nos-
.sã Senhora. s
Era isto mui comum naqueles tempos trabalharem os ™
de saberem alguns ofícios proveitosos para a — * * “
n dito Padre e outros Irmãos aprenderam a fazer alpaiBat , P

48 2
_f r a g m e n t o s h is t o r ic o s
X X X V I.

que então não havia sapato nem meia. Faziam muitos nos tem p»
l e furtavam ao estudo da gramatica e outras ma» graves ocupa-
e“es de que usavam nos eaminhos, ,ue são muito asperos de mom
tes e serras e grandes alagadiços: a matena destes alpargotes
! l o Unho mui rijo tirado de uns cardos, que os mesmos Irmãos
tiravanmdo mato e deitavam na agua, até que a cabo de qu.nze
OU vinte dias apodreciam e lhes tiravam o I mo .

l ^ i r H I o u c o a pouco se
~ Çr\rr QC OQCQQ P; lí^rGlBS (3-0 Pll O.

^ ° s deec o « : : s TJTJz
Viu-se sempre no dito Padre Diogo
salvação dos Brasis, e por esta ordmandmUm Ob d
estudou alguns " i Z e Z Poder ser sa-
posto que pouco aju d g^ ^ estmJo trabalhou muito,
cerdote e ajudar os Índio . . da terra, e as-
contudo muito mais trabalhava por sa o aparelhá-los
sim soube dela o que bastava para ensinar os Ind.os apa
para o batismo e ouvir suas confissões.
Depois de ordenado sacerdote foi
pitania do Espirito tempo,
^ e i S X ’e r — ^ id a d e , eurando-os corporal e espirituai-

“ en: i r í C e o u de um ajrave
deceu muito por falta do neee p rtutnieses e parecendo que ja
panhia, que está na vüa^ com ob ^ ^ igreja. B posto qUe
convalescia o tornou a man aldeia tomaria a
ele sentia em si muita fraqueza ^ ^ e
recair de maneira que se lhe se8ulSSe mltidão e alegria, se foi
propôs, contudo, obedecendo com ^ ^ ^ „u J dias, tor-
LdoTa i r : ^ " m o obediente e verdade.ro fi-

483
JO S E P H B E A N C H IE T A

lho d a C o m p a n h ia, cm A b ril do 1560, . está e n te r r a d o n a nossa


ig re ja de S . T iag o d a q u e la re sid ê n c ia d o K s p m to ■ an

(A. Fra n c o , o. <■-, II, V'• 203 4 ) .

P A D R E M A N U E L D E P A IV A

o p a d re M anuel de P a iv a e n tro u já sac e rd o te de b o a id a d e em


C o im b ra . F o i hom em m u ito elmo e c an d id o em s u a co n v ersação
guardando sem p re uma....... .. p a z . E s ta n d o n o s - e r e t o ™ 1 8
™ e n tra n d o (com o eu tão era c o stu m e), o lr m a o q u e o s e rv ia n e les
esqueceu-se dois ou Ires d ia s dc o p ro v e r, e o P a d r e n ao c u ro u de lh o
le m b ra r, cuidando que ou assim e ra re g ra d a Companhia, o u q
lia „ h av ia no Colégio p o r ser p o b re . F m a lm e n te com este u ltim o
p en sam en to o lembrou ao Irm ã o d a n d o -lh e u m a s lu v a s q u e c o m p ra s ­
se alg u m a cousa dc comor, já que o Colégio nao o t i n h a . O l.m a o
d issim u lo u «■ tev e melhor cu id ad o d a li p o r d e a n te .
Em chegando á H aia. como a p o b reza e ra m u ita , o P a d r e N o ­
b re * , com este p re te x to , eo.no era m u ito fe rv e n te n o e sp irito d a
m o rtificação , tão ex ercita d o dos Irm ã o s cm P o rtu g a l, m a n d o u v e n ­
d e r O P a d re P a iv a , en treg an d o -o a um p o rte iro q u e (, p re g o asse p e la
cid ad e se havia quem o quisesse c o m p ra r, e foi a cousa ta o de siso
one sc p e rsu a d ia m todos se r v e rd a d e, e 1,11c p o r f a lta do n e ce ssá rio
O v en d iam . <> não fa lta v a quem desse cem e m ais c ru z a d o s p o r ele,
p a ra o te r p o r seu cap elão , e sp a n ta d o s da obediência e h u m ild a d e
do P a d r e P a iv a , 0 q u al lam bem se p e rs u a d ia q u e de v e rd a d e o m a n ­
d a v am v e n d er, e d iz ia aos hom ens que 0 com prassem , q u e os s e r v i­
ria m u ito b em . A té que d a i a a lg u n s d ia s que o p o rte iro a n d o u n is to ,
d a n d o recad o ao p a d re N o b re g a do que p assa v a e q u a n to s u b ia o
r r e ç „ q „ e d a v a m p o r ele. e n te n d e ra m 0 negócio, fic a n d o to d o s m u i
edificados da maneira tia Companhia.
Foi cura de almas antes que entrasse na Companhia ; nao sa­
bia muito latim, cousa de que naquele tempo se fazia pouco caso e
exame com os clérigos; mas depois que veiu ao Biasil tra a ou

4 84
XXXVI. — FRAGMENTOS HISTORICOS

muito nisso, espeeialmente ao princípio, que se começou o estudo


de Piratininga, onde ele era Superior dos Irmãos, e com acudir a
todas as necessidades dos proximos e ás mais obngaçoes de seu oti-
eio estudava com eles, deixando de dormir muita parte da noite,
depois de todos dormirem; e ás vezes alta noite acordava o mestre
(095) para lhe declarar o que não entendia, e assim m m com seu
intento de tal maneira que depois, estando na reside..™ do Kspi-
rito Santo, ensinou muitos mocos com grandíssimo zelo e dl g -
eia alguns dos quais continuaram depois os estudos no t oleg... .
Baía até ouvirem o curso e teologia. Com a muita caridade qm t -
i.ha era nisto incansável, por dar algum lume aos moços i.asuc
no Brasil, de que eles pouco curaram, e com isso desateiçoa- os « os
costumes dos Brasis, a que são tão afeiçoados.
Posto que não era letrado, contudo estava muito bem nos c a o s
de eonciencia, que com a mesma diligência estudava por s. c porgu.,-
tando. Tinha grande palpito, não tanto de letras como 11 l1' '
e desejo de aproveitar ás almas, e assim a gente comum do povo
a muito afeiçoada, e se aproveitava muito de suas « a
uuais ele fazia acudindo a pé a umas e outra» povoaçoes,_oito e
der levitas. Era tal sua devoção, que uma vez pregou a « M W
■soi quantas horas de joelhos. Trabalhou por sabor £
dios. mas não chegou a mais que a saber ensinar * «
crito. ajudando os naturais por intérprete com praticas e confissões

COm " ^ l o das a,mas trabalhava muito d e ^ a ^ e tirar


do pecado, ainda que algU“ ^ X u i r a r e m os cúmplices do pe-
dessem disso, por sei ele cai.. < Ls ele guardava sua
cado, não faltando ameaças e m,pinas, „ m „a(la. TJm
costumada paz e quietaçao, como que “ - t; , l tirado uma
homem casado, a quem ele com suas admoi*
manceba, por respeito da qual " L e h a d 'c o n -
em bom estado de matrimonio, e P° começou a afrontar e a
tra ele, o encontrou só em ° se moYcr, lhe
empunhar da espada !sto bastou para o
^ —

485
JOSEPH DE AHCHIETA

cm si e folgou de lhe ser tirada a ocasião do mal e pecado em que

^ “ outro que tinha cargo de justiça principal na Capitania, in-


■ dia ao Padre no meio da rua, deante de pessoas, com pa-
juriou um dm ao Padre no ^ ^ responden, antes se foi

cas a Deus „or que o sou". Com o qual o outro ficou «ao somente
: „fuso mas também cheio de temor e não sem causa, porque o Pa-
dre (posto que (lisso nenhum caso faria) era homem de grande es-
de áninu, e forças...... uheeido de todos por tal, mas sna pa-
ciência e paz interior com que isto curava eia maior.
Era intrépido para todo o perigo corporal, especialmente se l -
ton inha obedieneia. na qual era prontíssimo; tanto que um dra,
indo por um monte abaixo muito íngreme com o
11a mandou o Padre que se deitasse por cie a rodar, o qual ele fez
logo sem nenhuma dilação, indo a tombos pelo monte abaixo, ate quo
lhe disseram que bastava (696).
Ordenaram os capitães de S. Vicente duas guerras contra os
Tamoios: foi necessário mandar o Padre Nobrega em sua companh.a
ao Padre Paiva, o qual todo o caminho, que lot largo, lhes disse
missa e prégou sempre, esforçando os Portugueses e
c acudindo juntamente aos índios cristãos com o Irmão Gre rio
Scrrão. que era o língua que levava. Em uma guerra e em outra
foi sempre o Padre Paiva sem medo com cruz na mao dean e a
efrea das aldeias, uma das quais foi rendida de todo, e com o es-
fôreo do Padre se salvaram muitos dos nossos, que estavam a ponto
de furtr com perigo certo das vidas; os quais o Padre fez esperar
f u que de todos se renderam os inimigos, de que havia ainda boa
Cépia recolhidos em uma casa forte, e se .sentiram covardia nos nos­
sos. houveram de sair e matar muitos nas eanôas, em que se queriam

486
_ f r a g m e n t o s h is t o r ic o s
XXXVI.

ir c„m pouca ovdem e « t o s * “ ^ ,'S S -


tiravam muitas frechadas, até cue se
tomuram os inimigos ás màos e os nossos ficaram s„ vos.

A outra « — r S t " ; = t e de
r J T J T d e matar, e — do s e ^ o s P - . » — ^
„ último que ficou no mato; porque,
pesado, quis que mato , i perto, o
\im índio cristão o vem buscar e,
acompanhou até o embarcar com toda a gente. _
-[-> i eo acartou da cerca com
Nêste combate nunca o ^ ^ ^ Tsmok» nos per-
a cruz em ^ ™ ^ que estava com
guntavam: Quem ‘ 1 ]he tiravamos muitas frechadas e
uma cruz perto da cerca, p ^ mançira gtmrdou Nosso Senhor
nunca o pudemos aceitar . p&dre Paiva os nossos; e não quis
por sua misericordia por rm ^ g depois esteve nela o Padre
com os Tamoios, muitos dos quais sfio agora

m S tF°Llmente o padre Paiva, que era


da Companhia do Brasil, depose^m uihas ^ ^
Senhor, estando na capitania trabalho a ninguem, e mandan-
doença prolongada, sem ar com ^ um homem muito nosso
do-o a Obediência que se fosse a c ã ^ cQm a saUdade
devoto a outra vila, para ver se _ ^ recoihimento maior e
da conversação dos Irmãos e • senão dois dias
mais necessario para tal tempo nao p o d e ^ a t , ^ ^ ^ g m i_
c se vein para casa, e cairegan o dia de g. Tomé,
dissimo trabalho e P ~ se o para^ ^ ^ ^ (fl97).
Apostolo, no ano de 1584, e jaz i

(A . Franco, o. ., I I , p. 212-4).

487
JO S E P H H E A N CH IETA

PADRE SALVADOR RODRIGUES

N„ ano de 1550 vieram de Portugal quatro Padres, três dos


■uais ão“ â falecidos (698). O primeiro que foi o padre Salvador
M rigues foi homem de muita simplicidade e obediência. Par-
ündo o Padre Manuel de Nobrega da Baía para S. ic e n te o dei-
l u enfermo e lhe disse que não morresse até sua tornada. Recebeu
ele isto como mandado da Obediência e estando depois a morte^pa-
recia-lhe que não podia morrer contra aquele mandado; ate que
Padre L a i da « rã lhe tirou e escrupulo e lhe disse que bem podia,
porque ele o desobrigava daquela obediência, e com isso se deter
r d e morrer com muita alegria. Ele sé era sacerdote, e contudo
ficou debaixo da obediência do Irmão Vicente Rodrigues e <hla_
tou-lhe Nosso Senhor a vida, ate que chegou o Padre Luiz da G
com seus companheiros que suprissem por ele. E ra em partoa
devotissimo da Assunção da Senhora, tanto que Ascensão Ass -
c8„ tudo na sua bôea era Assunção; e ainda que muitas vezes avi-
sado contudo, pela muita devoção que lhe Unha, confundia os vo­
cábulos e assim quis Nossa Senhora levá-lo no mesmo dia, porque
depois de estar em cama vinte e tantos dias com muita paciência
recebidos os sacramentos, expirou em dando meia noite, prm “ p'
do dia da Assunção de 1553. Foi o primeiro que morreu da Com-
panhia no Brasil (699).

(A. Franco, o. c., H, P- - l'1)-

PADRE FRANCISCO PIRES

(i padre Francisco Pires sempre viveu na Companhia como todo


exemplo de virtude, ocupado com o proximo em conhssoes, prega-
cães. ensinar meninos, e outros ministérios da Companhia com mui­
to fruto. Não soube a lingua da terra, posto que lhe nao faltou d
peência u ra aprendê-la; contudo por intérprete ajudou muito os

488
XXXVI. — FRAGMENTOS HISTORICOS

naturais em doutrinas e principalmente em ouvir confissões, em que


era mui contínuo.
Foi Superior em muitas residências da costa e residindo em
Porto Seguro, logo no princípio de sua vinda, na ermida de Nossa
Senhora, que é da Companhia, que por sua ordem e de seus com­
panheiros se fez, lhes fez Nossa Senhora mercê de abrir milagro-
samente aquela fonte tão afamada por toda a costa do brasil, em
nue se fizeram e fazem muitos milagres, sarando muitos de diversas
enfermidades, onde vão de algumas partes da costa em romaria a
buscar saúde e a acham e outros para o mesmo efeito mandam bus­
car água dela.
Alguns anos nos princípios do Colégio da baía foi Eeitor dele
e depois de andar por todas as residências da costa exercitando os
ministérios da Companhia com muita satisfaçao, foi chamado de
uma para o dito Colégio, e enfermou no caminho lançando sangue
nela boca por ser já velho, fraco e consumido de trabalhos. Depois
cie muitos dias, que esteve eom esta enfermidade ™ C okg^eom
muita paciência e alegria e com mudos eoloqmos ^ f
nhora, de que era devotissimo, morreu demando mudo edd ceados
consolados os Irmãos no ano de 1586 em Janeiro (.00).

(A. Franco, o. e., II, P- 21o-6) .

PADRE GREGORIO SERRÃO

Um dos companheiras do Padre Manuel de ^


daram a edificar em seus princípios a #
Padre Gregorio Serrao, o qual entrou n p satlsfacâo de
i ic ríi "Pni pnfermeiro
ano de looO Foi enfermeiro muito tempo com granu
oom os enfermos,
todos, de muita diligencia, caridade a l e V 0 esc0.
e por serem conhecidas e sta s partes e o u tr^ v r r t ^ ^ ^
lheu o Padre Mirão para enfermeiro d o s Colegio) e eompa.
qalo (ainda que hem o sentiram os en fjoncalo de Anu-
nheiro de uma última peregrinação que ter a »

4 89
JO S E P H HE A N C H IETA

T • , „ um ourado dele com singular dili-


rante, donde tornou a Lisboa . F o i cm ad >
gência e caridade, até que expirou 1 <« J• en£em idades, e como
Teve depois disto Gregorio t o maomurtai* eni» ^ ^ ^
lhe aproveitassem pouco os ^ incuravel a0 Brasil em
parecer dos medicos toi man ^ e;ncoenta e três. Quasi
companhia do Padre luuz a u . ita parte dela teve cui-
toda a viagem toi enfermo, maspontudo muita P ^ ^
dado de servir e ministrar . < mui enfermo na casa
a Porto seguro, onde esteve ^ ^ muit0 fraco, foi
d„ Nossa Senhora da A ,™ - con(inuou com suas enfermidades
passado para fc.J e ^ Sellhor alguma melhoria, começou
algum tem' K'' trabalhos do I’iratiiiinga, nos quais era dos
a ser participante • 1 • , i0 c\.e Soto-ministro, cozmliei-
dcanteiros: teve quasi sempre o _ isso estudava
ro, dispenseiro e fiualmcnte de ##^ d# Bra.
T> Z ^ Z Z Z * * * U ousinar a doutrina, instruir
para batia*, confessar o .r a te P " * " ’ ajuntou duas le-
™ .r »<»««
de 1 íratininga 1
g m is escola passando mui-
demlo ali a lingua e ensinando os men • mantimento
t „ frio e ,omen ” qué'le tempo que a roupeta velha

cobertor. Aos domingos o d,as santos 1h e aem>“ ^ vinham eleS


ratininga * “ idas e vindas aprendia as re-
entre semana a ^ •- ,, , o-Asto uara poder com
t u. io íínrripi poni errande cuidado e gosto, i i
gras da arte da lingua coi g visitando os índios por
ela ajudar as alm a^ o m o s l escravos, prêgando
snas aldeias e as vilas - talento, e sendo intérprete
dos escravos e das mestiças snas senhoras, e ensinan-

dü a “ alguns anos nestes


grande satisfaço. Foi

490
X X X Y I. — FRAGMENTOS HISTORICOS

Reitor do Colégio muitos anos, o qual acrescentou muito no tempo-


7 « sua grande indústria e modo de tratar com os secular
cujos animos atraía com sua caritativa conversa,ao e afabilidade
dc maneira, que lhe davam muitas e grossas esmolas com que -
tentava o Colégio. E ra muito inteiro no sen of imo, ^ » 8 “"
as regras e Constituições com suavidade, nao sc esquece
tempos da severidade. Era verdadeiramente escravo e ministro con
todos Não se satisfazia quando alguns haviam dc ir tora com o
mandar aviar, mim ele por sua mão lhes aviava todo o necessario,
nem se esquecia de sua amada cozinha, antes muitas vezes a « u -
tava e temperava o comer por sua mão e part,cuia,mente o fazia

rrrrrrsri::"..;—
P” ' Foi eleito por Procurador para Roma no tempo do no*o Padre
Everardo, o qual ofício fez a mandar
fieação. Por ver nosso a Baía. no qual per-
ao Brasil com o caigo c . - ie diligência e ca-
severou muitos aims, cada vez com aos ,,,mis acudia
ridade, assim para os nossos como pai. ■ ’ buscando
com muita benignidade em seus negocio < £ 0
remédio para os pobres e pnncpalmentc P a ea^m
qnal ajudavam os ores e assim por
Tinha muita autoridade para Cole„io, e „ negó-
seu rmpeito tin ta » nm.ta ‘ “V Fimllmente" em tudo os
I l v a b’c " . e “ * . autoridade e dos Bispos e m a .
Justiças ele por todas as vias trabalhava de ^ _
Andando assim ocupado « • «-
barco a fazer uma obra e ser 1 COTnecou a enfermar, e pouco
tumava, lhe deu o ar na cabeça, q J f ofício, até
a pouco se foi “ t ^ é a , que entho era Vi-
r ir : : : Sa*— s. de a ^ a.
491
JO S E P H DE ANCHIETA.

p , /703\ ficando ele ainda com título de Reitor; mas


" — t i nha melhoria, antes nada dia se agravava

mais, o aliviou de todo. ꣒0 (ainda que para os ou-


ele J e 1 governava tudo era
tros escrupuloso 1 o ) ^ cousas passadas no mundo, muito
entender consigo, e expcd • e ^ não podia dizer
miúdas, confessando-se mm as^ No&so muita paz inte­
rnissa comungando, ati 1 • it e de todo alienado jun-
rior e ficou muito p e g a d o em seu ^ ° ° renovaram. ma» tem-
to eora outras enfermidades velhas, que a i
a,.dou em pé “ Ò è h a i melhor na banda do
aos tv 'Va o , ^ d c tem .naram d0 0 mandar ao
B„I, por ser aquela ^ ^ c(,m.alescer, porque ainda tinha
Rio de Janeiro com -1 - nova respondeu ele:
boas força». « a n d o d l.e o Prov.mua 04) ^ U . - L : 'Sim ”.
“ Sabe V o ssa Reverencia cm» ■ ‘ ; estivpra em todo seu
U k!a t e ‘Ir m ã a s com lagrimas e e m b arcad o
siso. despedm do-sc dos 1 • r + á C a p ita n ia do
em co m p a n h ia de o u tro s l W s o hn. ^ s n a v ia -
E s p irito S an to , e e sp e ran d o ali po . , p e re g ri-

ü ** r ; i: - r» u
„,„.50. dando-lhe >™,a ebte - • NüVembr0 de 1586, tendo 36
(1„is. acabando com .nr, a ■ • - na nossa igreja
anos de Companhia e 3o do Pia.ii ia i
de São-Tiago da mesma Capitania ( o- C -

(A. Franco, o. o., 1C p. LM7 -!'' -

XOTAS

(674) Pbl. no n. I dos M ateriais e p ^ r f^ M e p h d e s ­


fia do H de Capistrano de Abreu: ‘ Na
B r a s il ( I n f o r m a ç õ e s c Fnlfin^ n
Uncta. 8. J., 56-76), com a
P- e no4a ^
«cgin m uitas vezes o
^ B
C rônica ãa C o m p a n h ia de J e s u s do B s ta ã ^ Anchieta que serviram-
pítdre Si,não de Vasconcelos a uns ^>,ont“™ OS ™ta b5o: livro I, § 83, 95,
lhe na confeção de seu livro. Os o_ ^ ?2. livr0 UI, § 5, 32, 71, 80,
130, 169, 171, 176. 1*°^118&4j;s141^ 3 ” ,1450,“i 44 é 145. Talvez ha outros que es-
205, 127; livro IV, s ->l&, Jo», j

49 2
XXXVI. — FRAGMENTOS HISTORICOS

-vr <! s p iqq ole cita a p . 32, livro II, e p- 37 6 38 dos


capassem. Nos §§ • ' ^ er que 0 trabalho era bastante volumoso, pois
^ P°tnHio costuSavauí escrever em papel de folha, sem margens, com as pa-
que ente - P a d r e J o ã o d c A l m e i d a diz-nos o mesmo autor

2 . padre Adorno
Franco em diversae passasens da <>»
C f o t e í r e o m f Cm m rios f e n d e s por

vado* de Fernão Cardim o J M S S S iÍ Í ? *


2 s s r r r i s r ^ r ^ . ^ — <»- * . * • * • *
Serrão.
,
(675) Cf Nofcrega m 4 v p - “Sp
( C a r t . , VI). b eEl-Rei determina .aumentar
. t t e i ao
o povoe
muitas órfãs
nestas regiões, é necessario que veni m ^ ‘ Js t;mq)em aqUi ha várias sor-
quaisquer mulheres ainda que sejan ‘ dotc /,s órfãs” . Sôbre as que
tes de homens, porque os bons e ^ « s daiao o otc as o várias re­
vieram com Mem de Sá e Estaco de Sa, e no B r.^ ^ Bibl.Nac.”,
Svifp” sr .»;).^ T o i» x ^ * « ...*■»
sarnento do muitas órfãs.
°
(676) Livros d o s licis, II, cap. XXI.
(C77) Cf. I n f . dos p r i m , aldeiam.

(678) Cf. carta XI e nota 170.


(0,9) E ’ difícil identificar . Mem‘f f ®
ae refere Anchieta. O capitoo-mor^ao mid'O Calixto, C a p i t a l i . P a u l - ,
Vicente (1560), era Francisco de Moiais ^uircio v
p. 182 e 186). .
(680) Devem ser os que Nobrega, em earta dc !•>>- “ J, ador Tomé
tuguês (o. c., X I), prometia enviar no ano seguinte
de Sousa. rn
. - i o n. 79-80) que, em loOU,
(681) Narra S. de Vasconcelos (o. ’ , a Companhia um mo-
depois da primeira luta do Rio de aneiio e id combatendo os france-
rador de São Vicente, que muito ^ V ic e n te por Manuel da No­
ses. O filho, Bartolomeu Adao, reC^ ldC n ia a ]lia perseverou na Religião até
brega, “ estudou gramatica entrou na Co P *on^ J iu 0 da vida, com alguns
o fim do curso da Filosofia, e acabad^e^ ^ ^ sua 8alvação” . Faleceu
prineipios já la Teologia, e co Anchieta se encontravam no Rm
s f& r ’f — » - "c boa “ •
biiidade”, a que se refere o c a n ^ o ^ ^ Vicente í «
o j r k r f c o S r S ^ 'a í t e ^ e vJas, em 1553. - Quando reitor da

49 3
JOSEPH DE ANCHIETA

. . nncr'iriou “ muitas e grossas esmolas” para


B aia, Gregorio Serrão igualmente angarm
Bustento do Colegio. Q Anchieta para ser
(683) O auto da Pregação br0 véspera da Circuncisão. O

Rodrigues, Vida de Anc •> ^ A f r a n i o Peixoto, p . 1 7 ).


mia B rasileira, Bio, 19.3, p re t. XV.
(684) O proprio Anchieta, como & sc ™

(685) V - Carta T ' s de Anchieta pode-se deduzir que era ele proprio o
( 68ft) Dessas palavras d ^
irmão com quern se pas> , , , vaTa, piratininga
(687) Santo André * B o* « . ° » 1 * . so mudada pa

eml56°' , . , i i n 198-200) . Grã chegou a


(688) Cf. S. do Vasconcelos (o. e., • >
São Vicente cm 15 de. Maio de t o . ^ Oliveira de
(080) Anchieta sc r e f e no^e t ôr , » de todioa . m * * »
S S * SO. - V . nota Odd

(690) Anchieta, certam ente. .


U Manuel da Kohrega faleceu no < * * * - - * ^ J
C ; T nsi rin mrt em o none.

(692) Padre Afonso Braz.


(693) Aldeia de Nossa Senhora da Conceição.

(694) Sôbre Diogo Jacoine, v. nota


(695) Anchieta. . „
((696) -m nana Baía logo depois da chegada de Paiva ao Bra
Caso ocorrido, Baia, logo i
sil, em 1550 (S . de Vase., o. c „ 1. 1, n . 8 3 ).
(697) Sôbre Manuel de Paiva, v. nota 17. ^ ^
(698) Com a armada de Simao da G am a\^ej^ra1553^ Manuel de Pai­
na dres Afonso Braz, Salvador Rodrigues em ja ueiro de 1586). As-
S w - ”» i ” c= - °*— “
ainda vivo.
(699) Sôbre o padre Salvador Rodrigues, v. nota 397.
(700) Sôbre o padre Francisco Pires, v. nota 18.

494
X X X Y I. — FRAGM ENTOS HISTORICOS

(701) Refere-se Anchieta ao padre mestre Gonçalo de Medeiros, qne


morreu na casa de Santo Antão de Lisboa, cm abril de 155..
(702) Jeribatiba, aldeia do principal Caubí.
(703) Luiz da Fonseca.

<r> ? £ % £ T s
" “ando 3se despediu dêste na ( £ 3 Í 5 .) P™™-

de ir para o Rio de Janeiro. Disse o I'1 )'’ 1 , «Se sei” . “ Contudo isso
Beverência com» ca “ Botaons de si»,
me manda . Respondeu. Sim . I locus, n o s c o n j u n -
Acudiu o padre Jose: “ Isso nao V r i e f r a t g g na casa do Es­
oci” . E assim aconteceu, que o padre Gregorio berrao ia
pirito Santo, e está enterrado na capela junto dele, cova
(705) Sobre Gregorio Serrão, v. nota 23.

495
Sermões
XXXVII

S ermão de 1567 (706)

Dominga 20 post Tent. 26-X-1567


— Sancti Vincenti.

ESUS, Maria.
J Domine descende, priusquam moriatur film s meus.
Ha um pai rico e poderoso, que tem um filho que multo ama,
a nuem ha de deixar por herdeiro de seus bens, o qual pretende que
seja virtuoso e saiba estimar a fasenda, que lhe tem ganha a elempre
gL bem em boas obras e * * * > « “
e familia com siso e prudência, se ve \ com
e a muita fartura e abastança de riquezas e boa vida que
T a i l de se perder, manda-o tora a terras estranhas, o n d e ^

ganhar-lhe fazenda, e deseje 101 ndr '^ e e‘ poderoRO, tinha um


Deus Nosso Senhor, pa, nosso ta» neo c ta* P° • her.

s n :

besse reger-se a si e a to . t ■ tinha naquele


êste filho aproveitar-se de eom elas. Que
b e rra s — , ,anÇa-o tora daqueles

499
JO S E P H DE A N CH IETA

i Tiara nue in sudore vultus sui


mimos que tinha no paraíso ^ inbulos germinaret, e cornei
com esse seu pao, e . 1 lma e outras necessidades, para
* « 11 sentir Io“ ® C Se ’ ’ do com a muita fartura não soube
que, já que naquele pr.meno _ ’ pai, agora com as
conhecer a grande " a mingua, que Ibe fas, e
muitas necessidades < traba trabalhe por se pegar
sinta de verdade que sem ele nao pode

” ' v : ....
causam os trabalhos c a M a que é verdade que todos
sem clicgar-se mais p.11,1 ’1 nesta vida, nos vieram pelo
os trabalhos c miserias, que 1 depois pelos noa-
pecado de Adão. que fo. a X , J . vto Deus Nosso Se-
s o s . que foram a causa de s ^ ^b i
nhor, como e autor de tod sempre nos espera
f mat « b i s , " - - m * em bem, dando-,
« penitência, de todos, que é 0 pecado,
no-los paia poi e eb " ^ íiistainente se merece.
0 da pena do inferno, que poi miserieordiosas entranhas
No qual clarameute nos mos ‘ Sapiência: Quis est fi-
O emor de pai, como de d -ceret: Sabeis homens porque
í;„ , quem non ^ “ ‘X . criad„s á minha imagem
vos castigo? poiqne sos 1 . oue vos amo etemamente.
e semelhança, e sou vosso verdade.ro , , ™ ™ d # dar tra.
K êste amor, que vos tenho vos amostro em qu.am o e te-
bailios nesta vida, q m a egoq u o s
-'■» r™ ;;;:: - »-*«r
>'10s V * ! f ^ r que tudo procede de amor; e não preten-
tigo de pai para fd -. Percutiam et ego sanabo,
de matar-nos, mas dar-nos vida etema. r
,liz ele; ferirei e eu rosef re Nosso Senhor? Para vos
^lZ
T
sarar alFere” m" com perdas temporais da fasenda, p a ra ^ u e tra­
balheis por não perder os alguma

" £ £ 2 r «r mu„do, «. *
500
X X X V II. — SERMÃO DE 1567

e honra para deshonrar e cuidais quanta maior deshonra sera serem


descobertos todos os nossos pecados deante de todo o céu e a terra
no dia do juizo e dali virdes ter aquela deshonra eterna do inter­
no e ser pisados debaixos dos pés dos demomos. E com medo disto,
comodiz David, imple facies cocum ct quaerent nomen
tuum, Domine, vendo-vos afrontados do mundo e com o rosto cheio
de vergonha, busqueis o nome e honra de Dens Nosso Senho , „n -
dando sens mandamentos, qne é a verdadeira honra e caminho certo
para alcançar a honra eterna do céu.
Fere-vos com enfermidades e doenças |>an quo escapeis da­
quela doença ineuravel do inferno, uU null* es! r e . k m p onde
não ha mézinha nem remédio, para qne vendo-vos onamos, cerca­
dos de dôres e angústias o cheios do chagas, cuideis ~
têm feito os pecados em vossa alma o comeceis a gritar com dole.
!i, contrição e arrependimento deles, mei
infirmus sum, sana me Domine ; c corrais a buscar o it m( < ®
a Cristo Nosso Senhor; quo para isso vos den cs,a dc u , , - a qne,
« one não sabeis conhecer o bem, qne tendes quando vos da saud

(■O (llip é XTlü1í>pdr<i ocUiit) i


eas e abismo de cpiahp.er ma-
Finalmente to d o lo e ^ a b a ^ ^ ^ ^ ^ feridos de sua
neira, que sejam, que vo. r ue nos tem e desejo
piedosa mão, que procedem do mfnuto » ^ f da alma e
de nos salvar, para que por c as eon * . Senhor, verda-
tratemos de as curar, chegando-nos a Onsto - •
deiro médico e pai nosso, que, ainda q, e «J • a cter-

z r j s - j s z .- ^ -
501
JO S E P H DE A N CH IETA

.ip rnaneira Que os trabalhos 6


aquela ferida lhe sara todo o corpo ^ de Deug para
misérias desta rid a, doenças, P do am01.; que nos tem Nosso
nosso bem nos são dados e mos r )h com semelhantes
Senhor se «neremos - - » — ^ “ , que Deus aborreee e
castigos e n tra r em , guardando seus mandamentos, como
tornarmo-nos a ele de ve Jonas> e te „ 0s quais oppr
fizeram muitos, Esequias, . ■ , a d D o m i n u m , etc.

q » a n e r m t u s ç u e a d portas m o r t i s e t d a n £ * dtete régulo


Mas tomemos o exemplo, que teme s entre M „ e u m

do qual diz o Evangelho « ip ie lia í e n im m o r i . Muitos


*< desreK',e,'eí tS“ ré g l / t i n h a ouvido a lam a de Cristo Nosso Se­
dias havia que este ; c g ^ vinho „ „ bodas e outras coisas,
nhor e que tinha feito mila„ raieraf o p i m o
que se pregoavam de suas grandes v m tu d e ^ / ^ ^ dist0
i n u n iv e r s a m S i j n a m , que eia m Senhor, ainda que cria
afastou para „ trazer deante d t o s t o N # ^ ^ ^ ^ seu
que era algum profeta. t , P - ]o rem édio.
filho á morte, logo coneu a t.r istãos ha nomun-
No qual se nos dá a M « » « • «■« ■ *
,1o ou por melhor dizei, a maio de Crist0 Nosso Senhor,
muito tempo ha que tem ° c lep (:%qUe mamaram,
r „is desde a sua ^ U - amor,
e - - ber ('UP '■ t , 1 cru z com grandissimos tormentos polos
bem sabem que morre < ^ ns e inferno para os
salvar, bem sabem que é 0 gres e vida nos pulpitos, e
maus, bem ouvem contar . • _ ão iheS toca isto nem
porém estão tao ^ em pecado u m ano, e dez e vinte
falam com eles; e deixa • i or sem cuidarem de
e mais, sem se chegarem a ^ ^
amar sua bondade, tao imensa guardar e com
çarem mão de .seus santos mandame dos pai a « geDhor
eles honrar a sua divina magestade, ate que lhes da ^ ^
um açoite, acham-se numa doença p m g o s , ^ a
morte, então se chegam e vem corn n « a C™ t0J s pccados; en-
pedir-lhe remédio para sens ma t e « P ^ qne hão
tão determinam de m udar de mcía, -

502
x x x v ii. _ SERMÃO DE 1567

, morrer e ir viver no céu ou morrer no inferno para sempre.


Mas aviso-vos, irmãos, que assim como isto éJ ^ ande:
cordia de Cristo Nosso Senhor, que usa convosco, ~

sr.=*
nhor lhe deu algum açoite destes com que
—b:xt f&zia conta da

arri-’i ‘-■Sê íjx k í -


já estava com alma no papo e tudo dava a p
tal guerra estava cercado e quasi om
^ espe.
^ me Yev
rança de poder escapar, quão grande dor tinha de
eheio de pecados e v - . a « b ^ ; proposite* es-
haver vivido mal com qu o « r a n d e s ^ ^ me „ da-
tava de me emendar e vi\ ’ que me esqueço agora
quele trago, incipiebam emm mo, , P P OT cert0 qUe
daquele tempo e daqueles tao on, dia ou outro
me hei de tornar a achar em outro - <> ^ faç„ agü.
hei de morrer, pois porque “ em ‘ e amirade com
» boas obras e Z L U <
Deus que me ha então de aa dar a COnhecer a uma
m eivio ia m mori. Ailoso. quando o conhece todalas
alma que começa ja a moir de um mau caminho, que
vezes que Nosso Senhor da con algum pecado mortal ou
levavamos, em que vamos pe ° vezes me dá a entender isto,
receber algum dano « ^ v e l kordia su a . Quantas vezes
incipiebat mart. E 6 d* Deus M p ie b a t mori, quia imtiurn
acontece a uma alma tement ardar seus mandamentos
« ri: r r X n X n f deles quantus veres lhe
e antes morrer que j a n t a r casQ das coisas peque-
acontece descuidar-se de Deus nas grandes. Exemplo:
nas, senão quando se ac a q11' lher ainda que seja com
começa a tomar conversação^com uma m ^ ^ ^

q ^ r r a - *- -
503
JO S E P H D E A N C H IET A

sarnentos, começa já a olhá-la ou ela para ele com olhos pouco cas­
tos começa a desmandar-se em risos e palavras; e o diabo atiça
por sua parte quauto pôde; a carne pela sua. Todavia como ele
traz o tento de sua alma posto em não fazer nenhum peeado^mor-
tal torna em si pela bondade do Senhor e larga a tal conversação,
dizendo eomsigo, incipiebam mori, eu já começava a morrer, perto
estava de fazer algum grande mal ou pelo menos consentir num
pecado mortal e dar eseandalo com minha muita conversação. N m
guia Dominus a d m i t me paulo minus tn fe m o am m a
mea. Incipiebam enim mori.
A um religioso que deve de fiar ainda mais delgado, que deve
de trazer o tento não somente em não pecar mortalmente mas tam­
bém em andar dependendo da vontade de Deus, desatado de toda
a afeição da terra e atado com ele somente, muitas vezes cuiaara
que tudo estava em paz dentro de sua alma e que não mora nela ne­
nhuma outra afeição senão o amor de Deus. E, porém, ele estava
afeiçoado a se confessar ou pregar e ser conhecido do povo. Man­
da-o seu superior á cozinha e que não entenda mais em confissões
(707). Então sente a ferida e lhe dói muito tirarem-no do foro em
que estava posto e então conhece o laço que lhe tinha sua soberbia
armado de dentro e começa a dizer incipiebam m ori. E ele estava
afeiçoado e tinha lançadas raizes na terra com devotos e amigos.
Mandam-no mudar para outra parte. Sente nisso trabalho; e então
conhece que nem tudo era Deus: torna em si, dizendo, incipiebam
enim mori. Tinha dentro de si criado um desgosto de um seu ir­
mão; não o tinha ora em tanta conta; não lhe pareciam muito bem
as suas coisas. Ordena a divina providência que lho façam seu Su­
perior. Começam então a descobrir-se os desgostos que antes não
se sentiam; faz-se-lhe de mal sujeitar-se a ele; parece-lhe desorde­
nado e de má condição, e que basta para fazer perder o siso aos
outros e dar com eles fóra da religião. Então cai na conta e conhece
quão longe estava da verdadeira humildade e cai idade e começa a
dizer: incipiebam mori, etc., e corre com grande pressa a Cristo
Nosso Senhor, cuidando de raiz em suas grandes virtudes e abra­
çando-se com ele, dizendo-lhe com David, quia m ihi est in cedo et a
te quid m lu i super terram? Ah, triste de mim, quão enganado vivia,

504
X X X V II. — SERMÃO D E 1567

que cuidava que não havia outra coisa em minha alma senão o vosso
amor, meu Deus, e que todo estava já metido no céu, e, porém agora
vejo que quid m ihi est in coelo! Vejo que não tenho lá nada, pois
não vos amo a vós puramente sem outra mistura das criaturas e de
meu proprio amor: E t a te quid volui super terram f Que coisas
andava eu amando sobre a terra, sem vós e fora de vos, pois me
traziam roubado meu amor e meus apetites e afeições; estava na­
morado da minha soberbia e propria estimação e cuidava que vós
só ereis o amor de meu coração, que o tinheis todo ocupado. In ci­
piebam mori, meu Senhor, se me não acudíreis com a vossa divina
graça.
Desta maneira se acolhem a Cristo Nosso Senhor os que se sen­
tem em semelhantes necessidades, como fez este régulo, vendo seu
filho á morte. Mas vejamos que'lhe respondeu Nosso Senhor, em
que lhe acudiu.
Nisi signa et prodigia videritis, non creditis. Dixit in illa.
Nosso Senhor com ele, e mudou-lhe a prática; e emfim nao quer ir
com ele a curar-lhe o filho, mas de cá lho sara, dizendo-lhe: I ode,
filius tuus vivit. Do centurio escreve S. Mateus, que indo pedir re­
médio para um seu criado, que estava doente, logo se ofereceu osso
Senhor: Ego veniam, et curabo cum. E era a este regii o, que eia
uma pessoa tão poderosa, que lhe pedia que fosse sarar seu i o,
não quer ir.
Usou Nosso Senhor com cada um destes segundo a lo, que ti­
nha. Ao centurio, porque cria, bastou uma só palavra de Cristo,
como ele disse: Domine, non sum dignus, etc., oferece-se p a n m
com ele a sua casa, porque sua grande » o merecia. E ao regulo
porque cria que N ono Senhor não podia sarar, se nao estivesse
presente porque o não tinha mais que por um homem santo nao
:::V r com l mas de cá lho sara, P - « • - e ia que verdadeiro
Deus, que em todas as partes está presente E assim 0. 1 «
isto acabou aquele de crer, vendo que naquela mesma « u
em que lhe disse Nosso Senhor: Vade, fth u s turns v«nt . C e d n h t
ipse et domus ejus tota.
Outra causa por que Nosso Senhor se houve desta maneira com

50 5
JO S E P H D E A N C H IET A

fetes dois homens, (como diz S. Gregorio) é porque nos quis ensi-
a ser humildes e que não desprezemos os baixos Como quer
que Cristo, filho de Deus, venha a abaixar a soberbia dos homense
dar-lhes exemplo de toda a humildade em si mesmo em tudo lhe
quis dar a um filho de um régulo, um homem tao poderoso, que lhe
estava pedindo, não quer ir; e a um servo do eentuno que era um
homem muito mais baixo, oferece-se de muito boa vontade, qnm ex­
celsus Dominus et hamiti*
. respicit a cognoscat. Altis-
é o Senhor e olha para os baixos e folga de conversar com ele
e servi-los; e os altos, os que cá na reputação do mundo sao tidos
por grandes, o longe cognoscit: do longe, mm cura muito da sua
conversação- Para que entendam os homens sua grande soberbia e
se envergonhem deante de Deus; pois sendo tao baixos como sao
one não são mais que p u l v i s cl cinis, se querem subir s
egentes. angustiati.afflicti, quibus non erat diz S. Pa .
Não merecem os mundanos, não são dignos mundanos soberbos de
ter em sua companhia aos pobres necessitados, angustiados, a agi­
dos fomes e trabalhos, porque éstes são mui grandes e de muita
estima «sis olhos do Deus.
Outra causa vos direi eu porque de tão boa vontade se ofe-
m -o ao servo e não quer ir ao filho do régulo. Sabeis qual e. Porque
omne animal dilirjit sim,Ir sib i ; porque era seu semelhante era servo
como ele. Semelhante era Cristo Nosso Senhor a este filho do rega o,
pois era verdadeiro e natural filho de Deus Padre, Rei dos cens, c«m
iu forma Dei esset, non rapinam arbitratus est esse se aqualem Deo
Bias, porém, depois (pie tomou carne humana, depois que poi amor o
homem, que era escravo do diabo, se abaixou tanto que exinanivit se
n e ti/,sum. formam serei accipiens , todo o tempo que andou neste mun­
do encobrindo a forma de filho de Deus, não se tratando como Rei
nem como filho de Deus, que era; e mostrou sempre por fora a for­
ma e semelhança de escravo, que tinha tomada, tratando-se como es­
cravo, servindo como escravo, sujeitando-se a todos como escravo,
quia filius hominis non venit ministrari sed ministrare, d im ele.
E u que sou verdadeiro homem e filho de mulher, não vim ao mundo
a tratar-me como Deus e ser servido como filho de Deus, essa ima­
gem p forma de filho de Deus a tenho, e não uso agora dela, nao vim
X X X V II. — SERMÃO D E 1567

senão a servir e a tratar como escravo, pois tomei forma de escravo,


por fazer senhor ao homem, que era escravo do pecado.
Esta é a causa porque Cristo Nosso Senhor deixou de ir curar
o filho do rei e se ofereceu tão liberalmente para ir sarar o^ escravo,
para condenar a negligência dos homens do Brasil que tão pouco
caso fazem de seus escravos, que os deixam estar amancebados e mor­
rer ás vezes sem batismo e sem confissão, e para que saibamos esti­
mar as coisas segundo seu valor, não olhando no escravo, que é boçal
e bestial e que me custou meu dinheiro, senão vendo nele represen­
tada a imagem de Cristo Nosso Senhor, que se fez escravo para sal­
var este escravo e me servir como escravo trinta e três anos, por me
salvar a mim, que era escravo do diabo, para que eu também me
faça agora seu escravo, trabalhando por seu serviço, em salvar-me
a mim e a alma do meu escravo.
De maneira que por estas causas todas se estava Nosso Senhor
excusando de ir com este régulo a sarar seu filho, e lambem para
que ele o desejasse mais e o pedisse com maior ehcacia, como fez,
dizendo-lhe: descende prius quam moriatur filius meus.
O ’ que petição esta tão justa e tão necessaria para nosso remé­
dio e saude! Vai-nos tanto em descer Cristo Nosso Senhor, que sem
isso não podemos sarar. Vejamos, pois, quem é este regulo e seu
filho e como desceu o Senhor a o sarar.
Êste ré u lo í nosso primeiro padre, Adão, o qual foi criado no
eetado' de itVcricia. como rei o .senhor de todas as coisas corporate
e cheio de todalas praças espirituais. E porém chama-se regulo em
c o m p a r a ç ã o dos anjo», «,»« m in n M i en.m paulo “ “ “ ^
•seu filho é todo o genero humano que dele procedeu. Aao se con
fcltou com ser régulo; quts ser não somente tão grande como os
anjos mas ainda igual ao mesmo Deus.
7 2 e r c, enobis,tc Caiu e foi causa que eaisse todo o genero hu-
mano, e enfermasse êste seu filho.
E sabeis quem lhe fez êste mal? Outro régulo como ele, Lu-
Cifer que sendo um anjo tão excelente, não se contentou com >sso>
mas ’ensoberbecido, quis se levantar e ser wmhs alhsmno. E cam,
e de rei que era, ficou régulo, ficou feito cobra e basdisco peçon en

507
JO S E P H DE A N C H IET A

to quo isto quer dizer régulo, do qual «e diz no Genese M e r in


Jos, regulus in semita (juxta translationem D. Jeronymr, juxta
Vulgatam ct ) mordens ungulas equi ut cadat ascensus ejus re-
tro Salutare tuum expectabo Domino, etc.
Esse cavalo é nosso padre Adão, o qual como é um cavalo po­
deroso e gordo, cheio de todos os dons e virtudes foi posto por mao
de Deus no paraiso terreal. O cavaleiro, que andava em riba dele,
era todo o gênero humano, o qual andava sôbre seu pai, porque toda
nossa substância estava ainda nos lombos de Adao, pois dele havía­
mos de proceder e ser gerados. Yendo-o aquele maldito regulo e ba­
silisco de Lucifer tão poderoso, e que era criado para lue suceder
nas cadeiras, que ele perdeu no cru, cheio de inveja e peçonha infer­
nal, vai-se ao caminho, coluber in vias, ct regulus in semita, a lhe
fazer cilada, para o morder.
Êste caminho era o mandamento, que lhe Deus tinha posto, ex
lupio scientiae boni et mali noa commies, pelo que Adão havia de
andar para poder chegar á glória. A êste caminho vai o diabo espe­
rar para lho fazer traspassar e dar com ele cl’avesso, para que nao
possa ir adeante até á gloria: mordeas angulas equi, dá-lhe uma
dentada nos pés de suas afeições e desejos. E sabeis que dentada?
F.rihs sitiit! tlii, scientes bonum ct malum. Move-o a desejar de ser
maior e querer ser semelhante a Deus. Com a dôr desta dentada,
com o desejo de subir e ser grande, com esta peçonha que lhe deu
logo no coração, deu um salto tão grande e tão descompassado este
cavalo de nosso primeiro padre, que passou ióra do caminho, que­
branta o mandamento de Deus. et cadit ascensor ejus retro, dá com
(« cavaleiro no chão, perdendo a graça, e dando causa que seu fi­
lho, o gênero humano, ficasse sem ela. E ficou tão maltratado desta
queda que não teve outro remédio para sarar, senão salutare tuum
expectabo Domine. Bradaram tanto tempo os santos Padres por êste
Salvador, estavam-lhe sempre dizendo: Domine descende, priusquam
woriatur filius meus. Assim que foi forçado a descer a o salvar.
E para que vejais mais claro como desceu, ouvi uma história que
,sc escreve no 4° livro dos Reis, do Eliseu e Sulamite. Venit ad viam
Dei in moidern, et apprehendens pedes ejus, non dimittam te. In­
cubuit super puerum ct posuit os suum super os ejus, et oculos suos
X X X V II. — SEE MAO D E 1567

super oculos ejus, et manus suas super manus ejus et incurvavit se


super eum etc. Caput meum, -caput m eum .
Êste menino inocente é o gênero humano, o qual sem culpa pro­
pria estava morto e privado da graça divina e da entrada da gloria,
o qual bem sentia ele, que se queixava na caput meum, caput meum,
dando a entender que a doença da cabeça lhe procedia de nosso pa­
dre Adão, que dessa cabeça nos veiu todo o nosso mal, pois que por
seu pecado morremos todos. A cobra mordeu a ele e a peçonha es­
palhou-se por todolos membros do corpo.
Está morto o menino; vai-se sua mãe ao monte, ao profeta Eli-
seu et apprehendit pedes ejus etc.
Estava morto o gênero humano por culpa de seu pai Adão; os
santos Patriarcas e profetas, que foram como uma mãe que o cria­
ram sempi’6 com o leite da doutrina e conhecimento de Deus vão-se
ao monte do céu e lançados aos pes do filho de Deus, veidadeiro
Eliseu, outra coisa faziam senão rogar-lhe que descesse já a o sarar,
estando sempre repetindo com grandes desejos, Salutare tuum ex­
pectado, Domine, até se chegar ao tempo da gloriosa Virgem Maria,
a qual como nossa verdadeira mãe, que nos havia de parir com tan­
tas dores ao pé da cruz, quando lhe havia de dizer: Mulier, ecce fi­
lius tuus, que havia de ser muito mais que todolos Padres antigos
continuamente ao alto monte do céu, e apprehendens pedes ejus,
abraçada aos pés da Divina Misericordia, vendo que o régulo e ba­
silisco tinha mordido a Adão nos pés, enchendo-o de soberba e por
ali o tinha empeçonhentado a ele e á sua geração, faz-se a mais hu­
milde e mais baixa mulher do mundo, pedindo a Deus misericordia
e dizendo-lhe: Descende, priusquam moriatur filius, non dim ittam
te; até que desçais a lhe dar remédio. Tanto chorou a Santissima
Virgem, tanto se humilhou esta nossa piedosa mãe, até que respexit
hum ilitatem ancillae suai, e desce a salvar o gênero humano.
E ntra Eliseu em casa daquela mulher, fecha a camara, poe-se
sobre o menino bôca a bôca, et incurvavit se, etc. Desce o filho de
Deus do monte do céu e entra em casa da gloriosa Virgem que lhe
estava importunando, fecha a camara de seu sacratissimo ventre,
sendo concebido nela sem corrupção de sua pureza virginal, fican­
do sempre fechadas as portas da sua virgindade: E t incubuit su-

5 09
JO S E P H DE A N C H IET A

P" ^ n m , “ SÔbre
i1 t r r,L ,„:„ «fibre
— ele e o menino
^ ficou tão
—grande
t eom
comoo: z
o Eli-
’ tomando Deus carne humana ficou Deus tão pequeno
tomo o homem e o homem tamanho como Deus, pois fteou concebido
v „ Senhor Deus e homem, homem e Deus.
Ê ainda isto pa’r eceu pouco á sua imensa bondade e misencor-
dia para sara -ste enfermo e ressuscitar èste morto, mas alem disso
Oihos sfibre " Z T Z Z o

«■ * ^ - " t

amor, mas também encobrindo com ela as muitas • *


, ulos oue haviam saido pela bôea dos homens, bebendo o fel e vi
e tantas amarguras que eles mereciam padeeer p o e j . »
d Vinis e inocentes mãos sobre as mãos do memno, encobrindo os
muitos e grandes pecados que o gênero humano tinha feito com
suas fazendo etc a penitência, com aqueles duros pregos, que lhas
" l i a r a m com graudíssima dôr c crueldade. Finalmente ficou
P a i d scuto circumdabit <c veritas ejus. Deas, que é verdade eter-
n o l T u m escudo, recebendo em si todolos golpes e fendas, que
houveram de cair sobre nós. do qual escudo tinha ja piofetií
David, sento circumdabit te veritas Deus, que e
na que não pode mentir, que tem prometido de salvar o genero hu­
m i , ele te cobrirá com um escudo, e dando-,he seu propri í >
lho o qual como escudo grande e fortíssimo recebera sobre t
dolos golpes que tu haverás de levar por teus pecados
suis obumbrabit libi; far-te-á sombra com suas costas pa
gerio de tua febre, guardando-te do sol e quentura da divina■) » -
tira que te houvera de queimar para sempre, recebendo ele -
bre elas todolos açoites e castigos para te acabar de sarar, 31« «**
livore sanai i sum us. ^ Hr-nte-
Yêdes aqui o régulo, que pede saude para seu i ’
vedes aqui Adão, que não se contentou com ser regu o e q

510
X X X V II. — SERMXO D E 1567

fazer maior rei e semelhante a Deus; vedes aqui o cavalo gordo,


mordido daquele régulo e basilisco infernal, que deu com o cava­
leiro no chão, et cecidit ascensor ejus retro; vedes aqui salutare
tuum expectabo, Domine. Já chegou o Salvador nosso, o nosso
salvar; já desceu Eliseu do monte a se pôr sôbre o menino, toman­
do carne humana para nos ressuscitar da m orte; já o sarou com os
seus açoites e tormentos. Hora septima reliquit eum febris ao filho
do régulo, que é uma depois do meio dia até ás 3, porque aquelas
horas esteve Cristo Nosso Senhor dependurado na cruz, por sal­
var o gênero humano. E fica posto sôbre ele, como escudo, para o
amparar e defender.
E contudo não se pode deixai' de ter grande mágua e senti­
mentos e devera eu de dizer isto com muitas lágrimas e dôr de
meu coração, ver .sua cegueira e ingratidão, os quais ás abenças
dêste escudo cuidam que podem fazer todolos males, sem por isto
IJ.es vir nenhum mal, ás abenças da paixão de Cristo Nosso Senhor,
imo fazem senão pecar dizendo, pelos pecadores morreu Ciisto, sem­
pre está como os braços abertos esperando a penitência; bom escudo
tenho sôbre minhas costas para me defender dos golpes da ira de
Deus.
Ai, irmão que te engana o diabo! Mordeduras são essas da­
quele régulo e basilisco infernal, com que tem sua alma cheia de
peçonha. Olha que Cristo Nosso Senhor, ainda que morreu por
lodos, não ha de salvar a todos, quid positus est in ruinam et re­
surrectionem multorum? para ressurreição dos que dela se qui­
serem aproveitar e para quéda dos que ás abenças dela não fazem
senão pecar. Afirma-se em verdade, irmão, creia-me porque te
digo com toda las entranhas de meu coração pela paixão de Cristo
Nosso Senhor, quanto mais tempo te espera a penitência tanto
mais gravemente te ba de castigar se a não fizeres; afirmo-te em
verdade que ainda que sempre está com os braços abertos, muitas
vezes não quer dar ajuda ao pecador, e o deixa viver e morrer em
seus pecados, porque não é justo que Cristo Nosso Senhor com a
sua paixão ajude e haja misericórdia daqueles que ás abenças dela
lhe estão fazendo mil injúrias. Olha, irmão, que êste escudo não
se ha de durar mais que nesta vida e que depois da morte to hão

511
JO S E P H HE A N C H IET A

de tirar, e então g lm d iu s meus devorabit c


•» d° c a p t i v i t a t e fartark do sangue dos mor-
pada tragara came P cabeça desCoberta e nua dos meus
!*! V maus a caieça descoberta porque todos
inimigos. Então terão ^scricordia cobre com o escudo da
os seus pecados que ago m,mdo. Terão a cabeça
sua paixão então serão nmniíestos a . * » ™ ^ ^ , e Crjst0
descoberta porque nao e)es vos apontarao nela os
Nosso Senhor nem » « > £ < * ' • Deus> „ despedaçará para
cruéis golpes da espa ena Então terão a ca-
sempre com tormentos in nu os, ^ ^ ^ tiveram por sua
beça descoberta, porqui ’ . sempre deante de seus olhos,
cabeça e por seu senhor então Nowo Senhor ver-
espantando-os “ « o a d e rá e perderão a vista
dadeira cabeça do^ oco , D om im ,
de sua face e carecerão dele para sempre. e a f males.

- r ; ; ,: s r . E i™ sl * .
mente ás abenças d o e s c u d a d a ^ em sua pai-
so Senhor. Pois \ faltar esta confiança.
f i D e s s a nem s a ^
n “ se.iamc l o fizerdes isto, que pede o régulo: Descende, p m a -

: r : ^ r ; r : : ' a Pro v eite. ^ de ^


nhor» Descende, priusquam m oriatur film s tuns, an
antes que morra êste teu corpo, que teus mimoso W o. D -
da tu a soberba, -
em todos er r - r -
mem com a menagem e se ensoberbece, desacatando a Deus
suas leis. _ . - rt ;S4.() seia in resurrectionem
et Z Z I Z Z Z ' Z e n d e priusquam m oriatur
t Z enquanto tens vida, á consideração de tua baixeza e oUm que
Z és outra coisa senão pulvis et cinis, terra e cinza sem proveito,

512
X X X V II. — SERMÃO D E 1567

e humilha-te deante dos olhos daquela suma Magestade, dizendo-te


a ti mesmo, quid superbit, terra et cinis? De que te ensoberbeces até
alevantar contra os mandamentos de Deus; quia qui se humiliat
exaltabitur .
Descende a outra consideração de tua baixeza considerando que
pelos pecados, que cometeste, te fizeste a mais vil e baixa criatura
do mundo, fazendo-te de filho de Deus, que eras, escravo do Diabo.
E, vendo-te tal, bradarás a Deus dizendo: Vide, Domine, et consi­
dera quoniam factus simi vilis; olhai, Senhor, para mim e vêde quão
vil e baixo me fiz por meus pecados; dai-me graça, com que me
aparte deles e torne a cobrar a honra perdida de ser vosso filho.
Queres, irmão, que se cubra a paixão de Cristo b<osso Senhor
como escudo e não te fira a espada de sua justiça e dê contigo no
inferno? Descende priusquam moriatur filius tu u s; desce agora, en­
quanto vives ao inferno como te aconselha David, descende in in fer­
num vivens; vai-te agora emquanto vives a considerar a graveza
daqueles tormentos; desce a cuidar que por um só pecado mortal,
com que te ache Deus á hora da morte, por uma só mentira, por leve
que seja que afirmasses, com juramento, por um breve deleite, que
não te durou mais que um momento por levantares os olhos com má
intenção á mulher do teu proximo, por um só pensamento mau
em que consentires, te ha de lançar no inferno para sempre, onde
todolos membros do teu corpo de dentro e de fóra hão de ser ator­
mentados com penas crudelissimas, enquanto Deus for Deus.
Queres, irmão, escapar de todos estes males? Descende prius­
quam m oriatur filius tu u s : desce á confissão, antes que morra essa.
tua alma que deves amar mais que a todos os teus filhos; confes­
sa-te muitas vezes antes que morra esse teu füho em algum pecado
mortal- não queiras como muitos outros ignorantes e bestiais, que
esperam que caiam em pecados mortais para os confessar. Nao es­
peres por isso, irmão, antequam moriatur filius; confessa-te muitas
vezes por que não morra tua alma, que a virtude da confissão muito
m ais’se mostra em guardar nossas almas que não pequem mortal­
mente que em livrá-las depois de haverem pecado. Descende mui­
tas vezes a confessar os pecados veniais e faze muito caso deles,
guardando-te deles quanto puderes, priusquam m oriatur filius tuus,

513
33
JO S E P H D E A N C H IETA

*• — ' ; :
fazem mais prest P , de Deus morreu,
nosso filho tao amado, pelo qual o num
m#rtQu«es f— r

rr ík í
- " qt T Z Z V Z —
:rssa
f « h a , mordido
guardara de pec ■ ^ ^ ^ mund„ a tomar todas as nossas

enfermidades sôhre si para as ourar

d,;,.r coiubri egredietur regulus. A primeira cobra tinha mor i o a


t r n „ da paixão. Nasce de sua raiz outro réguio poor, ^ _
earn dmbolus ndsissel ™ >" <m U f eum J f ° ; rt " horto
„ 0, „ para morder a Cristo Nosso Senhor, segundo Adao no horto.
Coluber in rio, m ulus in semita, mordens ungulas equ
; „ (S c * . * * * * * * * e * * * > « * * que ™
Jesus caminho do horto, acompanhado de grando multidão de cohi
; I L OS algozes e homens <1'armas, a fazer cilada aquela sacradis­
sona humanidade de Cristo Nosso Senhor, cavalo da d.vm a e c i
„a-sc a ele e dá-lhe a primeira dentaria, bei.,ando-o no seu d m i o
;>st„ com aquela bôea peçonhenta. Acodem as outras o-obrasc
algozes et injiciunt manus in Jesum. Deixa-se o Senhor m order
deles dizendo-lhes: Hac est hora vostra ei potestas ten^ a r u m .
Mordei-me. que esta é a hora, em que é dado poder a to.da'ias eoV»
,|„ inferno e a vás outros para me morderdes e matardes, a

''" " “ meçam aqueles cruéis basiliscos a morder naquele sacnitix-


si,„o corpo do filho de Deus. dando-lhe bofetadas e co.ee. c u s P -
do em seu divino rosto: levam-no de casa em casa mordendo-o e de
pedaçaiido-o. porque cada um dos açoites e pancadas, que
X X X V II. SEKMÃO D E 1567

ram, era uma dentada daquelas cobras; até que o prègaram na cruz
onde das muitas feridas, que lhe deram, ficou como homem mordi­
do de muitas cobras, todo rilhado, vulnus et livor et plaga tum ens,
non est circumligata , nec curata medicamine nec fota oleo. Não ti­
nha outra triaga que beber senão o fel e vinagre; não teve outra
mezinha, com que resistir a esta peçonha senão o grandissimo amor,
que nos tinha, sem ter outro azeite com que untar as suas chagas se­
não sua infinita misericordia, com que morria por nós, com a qual
temperava a grandeza das dôres. Lavrava a peçonha das dentadas
daquelas cruéis cobras por fóra em todo o seu corpo. Lavrava a pe­
çonha de todos os nossos pecados, que tinha bebido, por dentro até
que chegou ao coração, e t e x p i r a v i t c a d i t a s c e n s o r e j u s r e t r o ; cai sua
santíssima alma, que é o cavaleiro, para trás, dando consigo no
limbo dos santos Padres, e ainda depois de morto lhe deram outra
dentada, abrindo com a cruel lança seu sagrado lado e divino co­
ração. E porém s a l u t a r e t u u m e x p e c t a b o D o m i n e ; q u i a t e r t i a d i e
re su rg it gloriosus.
Deixa-se Nosso Senhor morder de cobras, para que escapes das
dentadas das cobras infernais, morre de peçonha de teus pecados,
para que tu não morras com ela. D e s c e n d e p r i u s q u a m m o r i a t u r f i ­
l i u s t u u s . Desce-te, irmão, da soberba e dos mais pecados e não te
deixes mais morder com nenhum pecado mortal. D e s c e n d e p r i u s -
q u a m m o r i a t u r f i l i u s t u u s . Desce-te, irmão, da soberba e dos mais
pecados e não te deixes mais morder com nenhum pecado mortal.
Desce vivo ao inferno a cuidar nos tormentos, que se dão por um
pecado, desce á confissão muitas vezes, para que não peques; desce
a cuidar na extrema humildade e baixeza do filho de Deus com que
quis morrer por teu amor e humilha-te a seus santos mandamentos,
p r i u s q u a m m o r i a t u r f i l i u s t u u s , enquanto estás nesta vida. E desta
maneira terás segura confiança na sagrada paixão de Cristo Nosso
Senhor. Cobrir-te-á como escudo sem te deixar ferir de seus inimi­
gos. E t s u b p e n n i s e j u s s p e r a b i s , e debaixo de suas asas esperarás de
alcansar misericordia e graça nesta vida; e estarei dizendo, s a l u t a r e
t u u m e x p e c t a b o , D o m i n e ; espero, Senhor, por vós, que sois meu sal­
vador; espero que desçais a me sarar; espero que venhais por mim,
a n t e q u a m m o r i a t u r f i l i u s m e u s , antes que torne a fazer pecado, com

515
JO S E P H D E A N C H IET A

a • nntps aue morra esta minha alma, pela


que morra este meu i , D om ine; espero, Senhor,
qua) morrestes. Salutare ’ , vcl, ladcira salvação
pelo dia, em que verei Bteri#0^ a noa queirais levar, p »

; ; ri ; * * - «**•* * seaãonm-
A m en.

NOTAS

(706) Inedito, agora puhUeado i ^ memória de An-


zaga Cabral, S. J - , autor do Padre Cabral, de
chiei a já deve relevantes provas de d J autógrafo, que se encontra em
cópias fotográficas por ele tomadas P* (Archives Jésmtiques Pro-
Bruxelas, nos “ Archives Géncrales d u de um caderno de 14 fl. m -
vince Flandro-Belge, carton n. J14.31 „ 0 título- “ C o n d o B . P • J o s e p h *
4», 15,6 X 2õ, papel de B r a s i l i a B a y a , 7 J a n u a r i i 1 6 2 9 e t re-
A n c h ie ta , ip s iu s m a n u scrip ■ '(«sermão do Bemaventurado Padre Jose de
r e p ta M o n tib u s m . A p n l t 1681 ( dado do Brasil a 7 de Janeiro de
Anchieta, escrito de seu proprio Punhm Manaaa
3629 e recebido em Mons no mes de Abril de 1M1 )
(707) Exatamente o caso de S e r b i a armado dê dentro” . O
S t p l Í ^ ^ f t T r a d o dTrelüdade e vale talvez como alusão e advertência.

516
X X XV III

S ermão da C o n v er s ã o de S. P a u e o C™8 )

15 6 8

JESUS
In d ie co n v e r tio n is S . P a u li. 1 5 68 .
V a s electio n is est m ih i is te . A c t . 0.

os desafios de pessoas grandes, como de principes e ^senhores


N que entram em desafio sobre alguma grande emprêzs, como
sobre um reino, condado, soe haver grande concurso de gente de
parte a parte, desejando cada uma delas que seu príncipe saia com
a vitória; e eomumente os homens guerreiros e valentes folgam e
gostam muito de vir a achar-se presentes em semelhantes espetá­
culos. ,
Ora somos chamados todos a um negócio semelhante; temos
deante dos olhos um notável desafio e batalha, que se. t o entre duas
pessoas mui notáveis, que são Jesus e S. Paulo: ha mui grant c con­
curso de gente de parte a parto; de parte de Jesus estão todos
córos angelicos e os santos, de parte do santo estão todos os exer­
citos infernais dos diabos e dos fariseus, desejando uns e outros
ter a vitória de sua parte.
Se somos guerreiros, como devemos ser, pois m h U a ho­
r n s u p e r f e r r a m ; se somos esforçados, como devemos ser, pois
somos cristãos, e cristão não quer diser outra coisa senão homem de
Cristo nosso verdadeiro e valentíssimo capitao, o qual, ungido coi
oieo da graça p r a c o n s o r t i b u s s u i s , nos ungiu também a nos, para

517
JO S E P H D E A N C H IET A

sermos valentes e esforçados lutadores e guerreiros contra o Diabo


e a Carne, devemos de gostar muito de vêr êste tao grande desabo
p a r a nele aprendermos a veneer e ser veneedor, porque uma cousa
e outra nos é necessaria; veneer o Diabo, Mundo e Carne, que eon-
tinuamente contra nós pelejam e trabalham por nos « ; e det-
xarmo-nos veneer de Jesus, contra o qual trazemos continua guerra,
dando-lhe continuos combates com os nossos pecados, porque o se -
mos vencidos dele eis a mais gloriosa vitória, que podemos al-

eanÇE para que entendamos alguma cousa desta batalha de Cristo


com Paulo, e a maneira dc pelejar de um e doutro, ponho deante
dos olhos um lobo crudelissimo e mui faminto, descoso de se farta
de sangue, e de outra parte um corde.ro mans.ss.mo, que nao faz
mais do que defender-se, com padecer e sofrer os bocados e denta­
das que lhe dá o lobo, Paulo lobo cruel, Jesus manso eorde.ro. Ouv
a S Lucas o que vos conta desta batalha; S a u l m a u t e m d e v a s t a b a t
e c cle sia m , i n t r a n s p e r d o m o s et tr a h e n s v ir o s ac m u li e r e s , h a d e h a

in custodiam.
Paulo, como lobo faminto e desejoso de se fartar de carne e san-
pUe dos cristãos, depois de se ter cevado no sangue do glorioso már­
tir Santo Estevão, guardando as vestiduras dos que o apedrejavam,
não somente consentindo em sua morte, mas também apedrejando-o
com as mãos de todos eles, pois todas as pedradas que eles lhe deram
com as mãos, lhe deu ele com o coração, folgando e gostando de o
vêr assim apedrejar. Não contente com isto entrava pelas casas e
tirava delas a rasto os homens e mulheres, com grande crueldade, e
fazia-os encarcerar e açoitar, e em cada um dos cristãos, que assim
perseguia, encarcerava e açoitava o mesmo Cristo. E ra Jesus ^ris-
to pacientíssimo; com incrível paciência e mansidão estava sofren­
do todos aqueles golpes, e ainda que lhe davam muito trabal o e
dôr l a b o r a b a t s u s t i n e n s , trabalhava e sofria e vencia a ira de sua
divina justiça, r e c o r d a t u s m i s e r i c o r d i a s u c e , lembrando-se daquela
grandissima misericórdia, que o constrangeu a tomar forma de cor­
deiro, e como tal ser esfolado e morto na cruz. E não contente com
isto e em ter já dito a seu Padre Eterno: P a t e r , a g n o c e s ilhs, qma
n e s c i u n t q u o d f a c i u n t , está incitando a seu m ártir S. Estevão, que
X X X V III. — SERMÃO DA CONVERSÃO DE S. PAULO (1568)

faça o mesmo e rogue pelo lobo que o está despedaçando, dizendo:


Domine, ne statuas illis hoc peccatum, quia nesciunt quid faciunt,
ac si diceret, peço-vos, Senhor Jesus, cordeiro mansíssimo^ que por
todos morrestes na cruz, que não acoimeis êste pecado a S . Pau o,
qne me apedreja, porque não sabe o que faz; vencei, Senhor, com
vossa paciência sua ira, vencei com vossa mansidão sua fereza, ven­
cei com vossa misericordia sua crueldade, quia nescit quid facit, quia
ignorans feci in incredulitate mea, como ele confessou depois de con­
vertido . J
Vêdes aqui travada a peleja de parte a parte, e tanto mats ma­
ravilhosa da parte (le Cristo quanto menos usada no mundo; agora
cuidam os homens, que não poderão vencer seus inimigos, senão dan­
do e matando; cuidam, que se não vingam uma injuria que l o g o i-
eom afrontados e deshonrados; têm-se persuadido, ensinados de Sa­
tanas, mestre infernal, que se uma palavrinha, que se soltou a seu
proximo, se lhes passa sem responderem vinte, e sem fazerem glan­
des autos e papeladas sóbre ela, que perdem todo o seu credito, e 1
cuspiram os outros no rosto. E não olhando a seu capitao Jesus Cris­
to que peleja sofrendo e vence padecendo, seguiam a 1 aulo lobo
cruel, querendo como ele, vencer e sopear seus irmãos a poder do
dentadas ■os ricos roendo aos pobres e os grandes aos pequenos, e os
qu" e tem por sábios aos simples e ignorantes. O’ irmão, que nao
sabes6pelejar e onde cuidas que vences, ficas vencido, porque no
ponto que desprezas a teu proximo, te despreza Deus; no ponto que
Lpeias a teu L i o . te sopeia a ti o Diabo; ficas vencido de tua ira
e do pecado, que é o mais baixo e vil senhor a que te podias sujeitai,
como fazia Paulo. Mas tornemos á batalha de Paulo com esus.
A n t o a Paulo como lobo já encarniçado no sangue dos cristãos,
mansoê cêrdeiros, ou para melhor dizer, no sangue do mesmo Jesus
Cristo cordeiro pacientíssimo, o qual com sua grandíssima pae.ene
oêaêunolentaiido e vencendo pouco a pouco, porque, se ela nao fora
tan ta e tão grande (como diz S. Cipriano), não tivera hoje a igreja
a S Paulo, que andava de easa em casa, com grane e qua ri
gente, arrastando os homens, e danto oom dêste
V tnclo isto era pouco para fartar a grancie loine c
lobo êragadorêde quem tinha já profetizado aquele grande patriar-

519
JO S E P H DE A N C H IE T A

ca Jacob: B e n j a m i n ,■l u p u s ra p a x , m an e com edet p r osdam et vesp ere


d i v i d e t s p o l i a ', v e l j u s t a aliam tra n sla tio n e m , v e s p e r e d i v i d e t escas,
„qua.1 a d H i e r a m declara S. Agostinho de S. Paulo, que diz de si
mesmo, que era da tribu de Benjamin: C i r c u m c i s u s o c t a v o d i e e x g e ­
nere Israel, d e t r ib u B e n j a m in , H ebraeus ex H e b r o e is .
Pois este Saulo, da tribu de Benjamin, l u p u s r a p a x , lobo voraz
e tragador, não farto com o sangue dos cristãos que fazia prender em
Jerusalém, ouvindo que em a cidade de Damasco hama homens, que
criam em Jesus e confessavam seu santo nome, determina de se ir a
fartar e assim diz o texto: S a n i u s a d h u c s p i r a n s m i n a r u m e t c a d i s
i n d i s c i p u l o * D o m i n i . Saulo ainda com a boca aberta, cheia de amea­
ças contra os discipulos do Senhor e desejoso de se encarniçar em
sua matança, vai-se ao principe dos sacerdotes e pede-lhe cartas para
a cidade de Damasco, que quer dizer p o t u s s a n g u i n i s , onde determi­
nava de se fartar de seu sangue, fazendo-os prender e maltratar, e
fazendo que o nome de Jesus nem em Jerusalém, nem em alguma ou-
Ira parto fosse nomeado. .
Cristo Jesus, que até aquele tempo como homem verdadeiro e
cordeiro mansuetissimo, filho da Virgem sacratissima, ovelha sem
mácula, e crucificado pelos homens, esteve esperando a Saulo com
grandissima paciência e misericordia, enquanto andava pela cidade
de Jerusalém perseguindo aos cristãos, vendo que y d saia do campo
como homem, que sai ao desafio, e se ia a outras cidades a o perse­
guir determina deixar por um pouco a paciência e fraqueza de
cordeiro e usar da fortaleza de leão, mostrando o poder de sua di­
vindade e sair com ele ao campo do desafio para o acabar de ven­
cer: C a t u l u s l e o n i s J u d a a d p r a d a m a s c e n d i s t i , l ü ü m e i , q u a s i l e o .
Sai aquele grande leão da tribu de Judá, Cristo Jesus, ^da ge­
ração de Judá e de David, c a t u l u s l e o n i s , filho de outro leão, que
é o Padre Eterno, sai com o poder de sua divindade a d p r a e d a m ,
sai ao encontro de Saulo, que era sua presa e enviara, que ele an­
dava para arrebatar; encontram-se no caminho Saulo, lopo rapace,
da tribu de Benjamim, e Cristo Jesus, leão da tribu de Juda, e
porque muito maior vantagem, sem nenhuma comparação, levava
Cristo a Saulo, do que leva um grande leão real a um lobo, nao
houve mister andar aos golpes naquele desafio, mas em arregalan-

5 20
XXXVIII. — SERMÃO DA CONVERSÃO DE S. PAULO (1568)

do os olhos o leão contra o lobo, em mostrando Cristo a Saulo uma


faisca dos olhos de sua divindade, que faria aquele resplendor, quo
subito circum fulsit eum hex cie coelo, cecidit in terram , cai o lobo no
chão vencido, et vicit leo de tribu Juda, radix David, cai Saulo no
chão vencido e fica Cristo vencedor. £ ainda que vença como leão
com o poder de sua divindade, todavia faz pelos merecimentos de
sua paixão, que padeceu como verdadeiro homem e da geração de
David, porque a sua incrivel paciência e mansidão de cordeiro, com
que sofreu a Saulo, aplacou a ira da divina justiça e fez que não
somente lhe perdoasse, mas também o convencesse com um tão novo
e tão estranho genero de conversão.
E notai, que é proprio do leão real e generoso contentar-se com
o vencer, sem querer despedaçar nem tragar como lobo. Assim
Cristo, nosso senhor, fortissimo leão o rei eterno, nao quer tragar
a Saulo, e entregá-lo aos lobos infernais, como mereciam suas obras,
mas contenta-se com o ter vencido; não quer mais do que despeda­
çar-lhe o coração, e abri-lo para se lhe meter dentro, e para esse
efeito lhe começa a dizer: S a u l e , S a u l e , q u i d m e p e r s e q u e n s ? Que
males viste em mim, que más obras te tenho feito, Saulo, para que
me persigas como a inimigo mortal ?
Quem cuidas que sou? Não me conheces, Saulo? Maior bem te
quero eu a ti do que tu queres mal a mim: ?
E t S a u l u s : Q n i es, D o m i n e ?
Sabes quem sou? E g o s u m J e s u s , q u e m t u p e r s e q u e n s ,
Eu sou
Jesus, teu salvador, que para to salvar desci do céu á terra e tu
andas me perseguindo; eu sou Jesus verdadeiro homem e filho da
mulher, que andei trinta e três anos no mundo, buscando-te a ti,
que andavas perdido, para te dar glória, e tu andas me buscando
para me deshonrar.
Eu .sou Jesus, que como manso cordeiro coiarn m e n -
uon aperui os meum para me queixar, ainda que sempre a tive aber-
ta para por ti a meu padre rogar, e tu andas como lobo com a. boca
aberta para me engnlir e fazer para que nao seja o meu nome c -
nheeido no mundo. Eu sou aquele Jesus, que viste com tanta. des-
honra num pau entre dois ladrões, como homem fraco, que nao ti­
nha poder para se defender, e como tal me persegues agora, cm-

521
JO S E P H DE AN CH IETA

■ -i mip h o m em . E p o ré m durum est tibi


d a n d o q u e n a o sou m a ts do que » pftr& ^
rnwivCL StiwiuluWl Cdlc%tTdV6y rijd C ?
d a t e d é l s c o n tr a o a g u ilh ã o de m in h a d iv in d a d e ; sab e , q u e s o u
rio n u e h o m em so u D e u s v e rd a d e iro , que te n h o p o d e r p a i a por
d eb lix ô de m e u s p i s a to d o s os m en s in im ig o s . Gomo h o m em p a s-
d e b a ix o me I ím oomo v e r d a d e ir o e p o d e ro so
se Pe l° - , •’ t i J d iv in a em m in h a m ão p a r a a g u i-
TVpnsi te n h o o a g u ilh a o d a ju s tiç a u iv i _
Ib o a r os p e cad o res, q u e como bois e b ru to s an im ate; n a o sa b e m m a is
• one fliietites de seus sen tid o s e o te n d e r -m e .
ao qi : r , m ^ — a— *
é d a re s coices c o n tr a o a g u ilh ã o d a m in h a m o rte e p a ix a o : ^ o r - ée-
n n is q u e re re s t u com tu a p e rseg u ição , q u e m e fazes, v e n e e r a
! n d e p a c iê n c ia e m ise ric o rd ia , que m o stre i á m in h a p a .x a o ; p o r -
*r 'a n d o m e lem b ro , que aq u eles d u ro s a g u ilh õ e s d o s p re g o s
tra n sp a s-sa ra m m in h a s m ãos e pés, q u e a in d a a g o ra estu o a b e r to s ,
q u a n d o v ejo esto la d o e co ração ab o rto com o d u r o a g u ilh a o d a la n -
q c n l d . q u a n d o olho, q u e m in h a s a g r a d a c a b e ç a foi ta o a g u ilh o a -
d a com ig u d o s a g u ilh õ es dos e sp in h o s p o r a m o r elos P a c a t o e s . j a o
m e nosso d e ix a r v e n e e r de te n s p ecados, a in d a q u e p o - 3
m e n te m erecias o in fe rn o , a n te s com o m esm o a g u ilh a o d a m in h a
m o rto te q u e ro a g u ilh o a r e v en cer, u s a n d o co n tig o d e m is e ric ó rd ia ,
c fa z er-te t * d c c i i i r n i s , vaso escolhido, em que e u i n f u n d a m in h a
gr-iea e fa z e r-te m eu p re g a d o r, os p o r t e i n o m m m esm coram gen-
L l ’otr e g i b u s c l f i l i i s I s r a e l , p a r a q u e p o r t u a p rõ g a ç a o
v e r ta m os p ecad o res, e p icad o s com o a g u ilh ã o d a m in h a -
c an cem o f r u to d e m in h a p a ix ão , q u e e a salv açu o d e s u a s a lm as,
c a s tig a n d o seu s co rp o s com o a g u ilh ã o d a p e n ite n c ia e a ssim esca­
pem do a g u ilh ã o d e m in h a d iv in a ju s tiç a : D u r u m “ ^
g a u lo com ta is cousas, que vos p a re c e , q u e f a n a . Vendo s
d e r r u b a d o no clião tã o s u b ita m e n te , q u e c u i d a r i a ! q u e re s p o n e ri
a t a Í p a la v ra s , q u e lh e p e n e tr a v a m o co ração f E le só sabe o q u e
sen te a in d a q u e o n ão pode d e c la r a r , p o rq u e ibi Benjam in a io
a n ,u lu s innun,is ex,-essu,ali aquele manceb
da tribu de Benjamim, todo transportado e arrebatado -^
todo agnilhoad» em suas entranhas com as palav a s de C mto q
o tinha derrubado a seus pés, já não como mancebmho doido
XXXVIII. — SERMÃO DA CONVERSÃO DE S. PAULO (1568)

siso, senão como velho cheio da sabedoria divina, não como lobo so­
berbo e roubador, senão como humilde e manso cordeiro, stupens
ac tremens responde a Jesus: Domine, quid me vis facere? Senhor,
que me mandais, que faça? Não tenho necessidade, que me digais
quem sois, porque já vos conheço. Já sei, que sois Deus e Homem
verdadeiro; vencestes a dureza de meu coração com a brandura de
vossa misericordia, vencido sou do vosso amor, aguilhoado estou
com o aguilhão do vosso poder divino, traspassada está minha alma
com o duro aguilhão de vossa paixão. Quid me vis facere? Mandai,
Senhor, que eu farei; mandai-me padecer, que eu padecerei, man­
dai-me morrer, que eu morrerei; porque daqui por deante absii
m ihi gloriari, nisi in cruce domini mei Jesu Cristi, omnia ut ster­
cora arbitrabor, u t Christum lucrifaciam: mihi vivere Christus erit
el mori lucrum .
Não descansarei até pôr minlia vida por vós, pois com tanta mi­
sericordia me chamais depois de terdes posto vossa vida por mim.
Eis aqui concluido o desafio de Saulo com Jesus. Este é o fim des­
ta batalha; vencedor fica Jesus, e Saulo vencido; tal vencimento
viesse ora por nós, com que nos acharemos derrubados aos pes de
Jesus, dizendo: Domine, quid me vis faceref E porque vos disse ao
princípio, que o Diabo traz guerra conosco, e nós com Cristo, e que
é necessario, que vençamos a um, e nos deixemos vencer do outro,
quero vos dizer isto mais de raiz, para que vos deixeis vencei e
Cristo, porque eom isto vencereis o Diabo.
Sabeis, que cousa é a vida de um pecador? E um continuo
desafio, que traz com Cristo, nosso senhor, com que sempre o anda
desafiando e provocando que tome a espada de sua ira e se meta
em campo com ele. Que vos parece, que faz um pecador, quando
tão sem temor de Deus está fazendo um e dois e vinte pecado
mortais? Está desafiando a Cristo, está dizendo com mas obras que
não é poderoso Cristo, para vingar suas injúrias pois fazendo-lhe
tantas em suas barbas, não sai por elas: Irritai adversanu» nomem

mortal, que comete, é um cartel de desafio, com


que o está incitando a ira, e motejando de homem para pouco, pois
tal sofre e dissimula, e tanto mais cresce êste desavergonhamento

523
JOSEPH DE ANCHIETA

rip u m p e c a d o r q u a n to m e n o s a te n ta C ris to p o r s u a s in jú r ia s ,
% 2 u M p e , c 2 inuk rpo p t e r p a t e
om n tia » .
principes vestri probaverem t et viderunt o p e r a mea
C ris to n o sso s e n h o r, p e r a n ã o se to m a r com u m a p u lg a e m e
,, „ I , e co m u m eão m o rto , q u e 6 o p e e a d o r, q u e a tn d a q u e
M re e rô a m o rto é e a b o m in á v e l d e a n te d e D eu s, e a m rrg u em i a ,

- .. . • - ^ ^ v s s s r í s :

*T--asrrsr-'K
S t£ . -
isrii
2••- - .......
v e r te r e f a z e r seu 9iu ig o . pr
E p a r a m a is c la re z a e n te n d e i, q u e J e s u s , nosso se n h o r, to n
1 , OS p e c a d o re s de d u a s m a n e ir a s : u m a d v io le n ta e fo rço sa p o rq u e
a in d a q u e e ria sse a v o n ta d e do liom em liv r e p a r a p o d e r d e la fa z e r
„ q u e m s :- , e esco lh er o bem e o m a l, to d a v ia ^ ^
d e r, ro a ,o to d o s os leologos eo n elu em , p a r a anmbatar- he a v o „ ^ d e
e fazê-la q u e r e r o q u e ele q u e r, d e m a u e .r a q u e p o d e
p o r Ié re a a u m ........em. q u e a h e r re e a o peeatlo e am e a v ir tu d e ,
o n e d e n e n h u m a m a n e ira possa q u e r e r p e e a r . Desta m a n e ir a con-
v e rte u h o je a S an lo . q u e foi g ra n d is s im o « esp o e,o liss,m o p n
gio a rre b a ta n d o - lh e a v o n ta d e e m u d a n d o -lh e o m a l em b e m sem
ele p o d e r a isto re s is tir , e da m esm a , n a m o ra u so u com 6 . J U _’
s e c u t i o S . J e ro n im o , o q u a l diz. q u e. em ch am a n d o -o d i s t o ,
n ele a lg u m a cousa g ra n d e e m n s tia de su a v ir t u d e d iv in a ; com o
Que n ão p ô d e fa z ei- o u tr a cousa sen ão ,s eg u i-lo .
1e.sta m a n e ira , arm ão, n ão e sp e re s tu , q u e n ão h a m aas q u e
um S . P a u lo e S . M a te u s .
O u tra m a n e ira d e c o n v e r te r é o r d in á r ia e co m u m a to d o s os p e ­
c ad o res. ,1a q u a l. d iz o sab io . r e „ „ « i t V e u s h o m i n e m i n m a n u e o n -
cilii sui. a d j e c i t m a n d a ta , a p p o s u i t ignem ct a q u a m a d q u o d v a lu e -

rti m anum sum it exten d a t.


o p e c a d o r d e s v e n tu ra d o , d o m a n d o de la n ç a r m ao d o s m a n d a ­
m e n to s de D eus e g u a rd á -lo s . d e ix a n d o de q u e n ta r ,s e ao fo g o d o
d iv in o , m ete-se n a a g u a d a s d e le ita ç õ e s d o m u n d o e d a c a rn e ,

5 24
XXXVIII. — SERMÃO DA CONVERSÃO DE S. PAULO (1568)

e assim se anda ofendendo a Deus e desafiando com os seus pe­


cados .
Cristo, nosso senhor, para o converter, dá-lhe tanta graça quan­
ta lhe basta para ele mudar sua vontade do pecado em que esta a
virtude, e mete-se com ele aos golpes para derrubar e vencer, se o
pecador deixasse de lhe resistir. Ora, lhe dá um golpe com a lem­
brança da morte, lembrando-lhe que pouco ha de viver nesta vida,
a h ' triste de mim. em que ando, que amanhã morrerei, e ca me hao
de ficar todas minhas vaidades e torpezas, em que ando amontoan­
do, com tanto perigo de minha alma e carrego de conciencia.
Outras vezes lhe dá um revés de fortuna, dando-lhe perda da
fazenda, dando-lhe doenças, trabalhos e morte de filhos. Outras ve­
zes fere com o temor do juizo e inferno, a que hei de estar a ju íz o
deante de Deus, onde todos os meus pecados, que agora trago en­
cobertos, hão de ser manifestos deante de Deus e de seus anjos ^e
de todo o mundo, onde hei de ser envergonhado e deshonrado e so­
bre tudo lançado no inferno em perpétua deshonra e tormentos in­
finitos. Outras vezes lhe dá uma estocada com a espada do amor
divino, trazendo-lhe á memoria quanto deve a Deus, que tanto o
ama Oh! desventurado de mim, como ofendi a Deus, que e meu
pai verdadeiro, que me criou á sua imagemi e semelhança l Como me
não lembro, que se fez homem por amor de num, e viveu trinta
três anos com tanto trabalho, e por derradeiro foi morto em uma
eruz nor amor de mim! _
Finalmente quantas pregações ouve um pecador, quantos exem­
plo, . T de virtuosos, quantos bons conselhos lhe dá seu amigo
ouantos momentos de tempo lhe dilata Deus a vida e o espera a
penitência, tantos golpes lhe dá neste desafio, para o veneer e eon-
verter e fazer seu amigo. ,, ,
Pois que espera, pecador? Porque te arredas de Deus.
Porque lhe pões deante êste coração mais duro que a pedia e
mais“ ue o escudo de a 5 o, em que recebes todos estes golpes
sem sentir nenhum?
Deixa-te ferir de Cristo, que não fere senão para - r a r ; deixa,
te derrubar dele, que não derruba senão para alevantar, deixa-t

525
JOSEPH DE ANCHIETA

veneer dele, que não vence senão para coroar e fazer-te vencedor
de teus inimigos.
Não esperes, que tome a espada de sua ira, duram
in lanceam eoutra ti; não esperes, que lanec mao do seu ngoroso
e justo poder et arcum conterat et arma et scuta corn
burnt igni; não esperes, que esmiuce esse areo de tua obstmaçao e
pertinência, que teus sempre armado eoutra ele: nao esperes, que
L a pedaços todos os sentidos e membros do teu corpo, que sunt
arma iniquitatis, com que pelejas contra Deus, e ofendes sem ces­
sar e te dê uma morte subitanea, quando estiveres mais descuida o,
e que por derradeiro scutum comburat igni, queime eom est
infernal M e teu coração mais rijo que escudo de aço, que nao se
niolenta senão a poder do fogo e marteladas dos diabos, ferreiros
infernais. „ „
E se porventura me dizes, irmão, que tu nao persegues ^
como Raulo, como suspeito, que estás dizendo em ten coraçao. este
0 ainda maior mal, e c sinal, que estás já no cabo: erpes tens nas
feridas, pois estando tão chagado não o sentes.
Porventura Saulo perseguia a Cristo em sua pessoa? Nao, que
já estava no céu glorioso, e Cristo está lhe dizendo: Saule,J a u l e ,
quid me persequeris? Porque perseguis aos cristãos, que sao seus
membros e ele tem dito no Evangelho: Quod uni ex minoribus fra-
tribus meis fecistis, mihi fecistis, sive in bonum sive m m alum.
Dou-tc um desengano, irmão, sabe que todas as vezes que
pecas, persegues a Cristo e pisas o seu precioso sangue, que por ti
derramou; todas as vezes que injurias e queres mal a teu proximo,
injurias e queres mal a Deus, que é seu irmão; todas as vezes que
o avexas e persegues com o poder de tua vara e teus cargos, a
Cristo persegues; todas as vezes que andas subtilizando maneiras,
com que lhe leves o seu ou lhe tires o ganho que podia haver cris-
tãmente, a Cristo persegues e roubas todo o tempo; todas as vezes
que tens a fazenda do pobre órfão e não lha queres pagar, podendo,
a Cristo persegues, e lhe bebes o sangue, como lobo faminto; todas
as vezes que olhas para a mulher do teu proximo e a queres des-
honrar, persegues a Cristo, seu verdadeiro esposo e mando muito
mais cioso de sua honra do que seu marido; todas as vezes que mo-

526
XXXVIII. — SERMÃO DA CONVERSÃO DE S. PAULO (1568)

ves a pobre negra a pecar ou por fôrça ou por vontade, ou consen­


tes em seu pecado, quando ela te busca, a Cristo persegues, que é o
seu verdadeiro senhor e pai, que para a salvar e tirar do pecadd
quis tomar fórma de pecador neste mundo e ser condenado á morte
de cruz; finalmente qualquer pecado, que cometes contra tua alma,
perseguição é que levantas contra Cristo, mais verdadeiro senhor
dela do que tu mesmo.
Ouve, surdo pecador, ouve a voz de Cristo, que está bradando.
Pecador, pecador, porque me persegues? Ego sum Jesus quem tu
persequeris, eu sou Jesus, a quem persegues, quando pecas; eu sou
Jesus, a quem outra vez crucificas em teu coração, quando come­
tes um pecado m ortal; eu sou Jesus, teu salvador, a quem ainda
persegues e injurias, e ainda estou aparelhado para te salvar, se
tu deixares de pecar.
Abre, irmão, as orelhas dalma, o oure estas tão piedosas pala­
vras do teu pai; abre o coração e deixa-o ferir com a espada do
amor e misericórdia de Cristo, deixa-te derrubar a seus pes, dize-
lhe- Domine, quid m t vis favere’ Et sua serva mandata, se quere
entrar na vida eterna; e para o melhor fazeres, derruba-te aos pes
do confessor muitas vezes, dizendo-lhe; quid me ves facere.
Senhor, e confessor, e pai, que estais em lugar de meu senhor e meu
Deus, que quereis, que faça para tornar em graça com ele,
me aqui a vossos pés, mandai, que eu farei, cortai por mim e tnai-
„10 as érpes, de que já quasi estava comido sem sentir meu ma ,
aparelhado estou para fazer o que mandardes para salyaçao d -
nha alma. Desta maneira te converterá Deus e te fara seu a 8
como fez hoje a Saulo, o qual, derrubado no ehao do cavalo de sua
soberba de Saulo, soberbo que era se tornou S. Paulo, que quer
d i z e r pequeno, humilde e obediente, e como tal perguntou logo;
Dnmiup a ui d me vis facere? . . , , 7-
' Responde-lhe Cristo, nosso senhor; Procedere civitatem ei * -
celo libi te oprtea-t facere, onde notas, que a mngnem ensina
(■ m l o emuiníio da sua salvação, nem se pode salvar, se pnme.ro
não entra na cidade da santa Igreja, suje.tando-se a santa to cato­
m a e aos prelados dela, como é o papa, bispos, vigários e seus su­
periores seculares, como são capitães, ouvidores e juizes, qua

5 27
JOSEPH DE ANCHIETA

mandam o que é ju sto ; porque nesta santa Igreja, que é cidade de


Deus, tudo se rege e governa por obediência, et sicut non est aliud
nom em sub caelo nisi Jesus, ita nec alia ecclesia nisi Romana, sponsa
Jesu, in qua oporteat nos salvos fieri.
Levanta-se S. Paulo do chão cégo na vista do corpo, mas den­
tro d aim a todo cheio de sabedoria celestial, e alumiado com o res­
plendor da fé, entra na cidade de Damasco, já não a beber sangue
dos cristãos como lobo cruel, mas a banhar-se todo no sangue de
Jesus Cristo como manso cordeiro, e lavar com água do santo ba­
tismo o muito sangue, que tinha derramado, com que sua alma es­
tava ensanguentada; está orando três dias in m entis excessu, onde
ouviu arcana verba quae non licet homini loqui, e aprendeu o Evan­
gelho per revelationem Jesu Christi.
Vai Ananias, por mandado do Senhor, a batizá-lo, com o que
sua alma, que estava rubra sicut vermiculus pelo muito sangue dos
cristãos, que tinha feito derramar, ficou alba sicut nix, lavada no
mar cristalino do santo batismo.
Dali a poucos dias ingressus synagogas confundebat Judeos et
preãicabat Jesum , quoniam hic est Christus filiu s Dei, e o mesmo
fez por todo o mundo, pregando e advertindo os gentios, e assim o
bom de S. Paulo, de roubador que antes era, se faz guardador, de
lobo pastor, de perseguidor pregador e doutor das gentes; e aca­
bou-se de cumprir a profecia. Benjamim, lupus rapax, mane co­
m edit praedam et vespere dividet escas vel espolia. S. Paulo, da;
tribu de Benjamim, pela manhã, que foi em sua mocidade e no prin­
cipio de sua vida como lobo tragador, andava comendo a prêsa, per­
seguindo os cristãos e fartando-se em suas carnes, et vespere d iv i­
det escas, e logo á tarde, que foi depois da sua conversão, anda a
repartir manjares, apascentando as ovelhas de Cristo como pastor
da palavra divina e ensinando e repetindo os mistérios da fé com
os gentios, que são verdadeiros manjares dalma, como ele diz de
si mesmo: Sic nos existim et homo sicut m inistrus C hristi et dispen­
satores m ysteriorum D ei. Vespere dividet spolia, a tarde reparte
os despojos, convertendo muitos á fé e despojando o Diabo, que os
tinha cativos na mão e pondo-os na mão de Cristo e debaixo de sua
obediência, entregando-lhes como despojos tomados na guerra com

528
X X X V III. — SERMÃO DA CONVERSÃO D E S. PA U L O (1568)

a espada da palavra divina, que ele prègava, qui penetrabilior om ni


gladio ancipiti, dos quais despojos lhe cantaria a santa Igreja .Deus,
qui m ultitudinem gentium beati Pandi apostoli predicatione do­
cuisti .
Este é, irmão, nosso mancebinho Benjamim figurado no outro
Benjamim, filho do patriarca Jacob e muito mais excelente que ele.
Dos filhos de Jacob (como sabeis) o mais pequeno foi Benjamim,
gerado já na velhice do pai e nascido no caminho, vindo para Be­
lém. Dos filhos do nosso verdadeiro Jacob, Cristo, que são os apos­
tolos, Paulo foi o derradeiro convertido depois de Cristo subir ao
céu e nascido na cidade de Damasco.
E ainda que na verdade não era o mais pequeno dos apostolos
senão porque se converteu por derradeiro de todos, porém nos tra ­
balhos e perseguições por amor de Cristo ele era dos primeiros, pois
abundantius omnibus laboravit, e assim como Jacob amava mui
ternamente a S. Paulo, comunicando-lhe grandissima abundancia
de graça, da qual ele diz: Gratia Dei sum id quod sum et gratia
ejus in me vacua non f u it , tanto que omnia possum in eo qui me
co n fo rta t.
E ainda que tudo isto é verdade, com tudo era tão grande sua
humildade que se tinha por o mais pequeno dos apostolos e indigno
de ser chamado apostolo: Ego sum m inim us apostolorum, qui non sum
dignus vocari apostolus, quia persecutus sum ecclesiam Dei.
E como quer que ele trazia deante dos olhos dalma a estremada
humildade de Cristo, seu pai e senhor, de quem dizia: libenter glo­
riabor in infirm itatibus meis, u t inhabitet in me virtus Christi, o
qual se tinha feito e chamado vermis ei non homo, opprobrium ho­
m inis et abjectio plebis, e porque o proprio dos bichinhos é anclar
nos monturos, fazia-se S. Paulo monturo e esterco do mundo, não
sómente tendo-se por um monturo de pecados, chamando-se a si
mesmo persecutor et blasphemus, mas também sendo tido do m un­
do por tal, e gloriando-se que o tivessem e tratassem todos como
tal: fa cti sum us tam quam purgam enta hujus m undi, om nium pe­
ripsema usque ad huc . e nisto me glorio, por que more em mim a
humildade de nosso senhor Jesus Cristo, que se fez bichinho por
amor de mim.

529
34
JO S E P H D E A N C H IE T A

Benjamim nasceu com grande dôr c trabalho da sua mãe Ra­


quel e quasi abortivo c movido, e ela em nascendo lhe chamou Ben-
nomim, que quer dizer film s doloris m ei.
São Paulo nasceu com grandissimo trabalho e dor de sua mae
a santa Igreja, e ele ae chama a si mesmo abortivo e quam movido:
Dovissimoom nium tamquam abortivo, m th t. E sua
She chama B ennom in fü iu s M o r is mei, filho de minha dor, que
tantas dores me causaste primeiro que te parisse, i acendo piender
c maltratar a tantos de meus iilhos. _
Benjamim em certa maneira foi matador de sua mae Raquel,
porque de seu parto morreu eia; S. Paulo foi matador « destruo
dor de sua mãe a sinagoga, porque nenhum dos apostolos tanto tra ­
balhou por desarraigar as cerimonias da lei velha como ele paia
edificar a nossa c a fé de Cristo, nosso senhor, sofrendo muitos
trabalhos e perseguições, até ser muitas vezes açoitado e derramar
seu sangue para desfazer a sinagoga e suas cerimonias, que ,a nao
aproveitavam para a salvação, como se v* em muitos lugares e
suas epistolas, e imprimir nos corações dos homens a Uberdade dos
filhos de Deus e a graça da lei evangehea.
E {-1)111 razão lhe chama ela Benjam im , pois tao grande dor e
raiva lhe causava, vendo que por suas pregações se desfaz,am suas
cerimonias e se aumentava a fé de Jesus Cristo, cujo nome ela dc-
«ejava totalmente tirar do mundo.
E ainda que Raquel chama seu filho Bennomin, porém seu pai
Jacob l h e chama Benjamim, filius â e x tm , ainda que a sinagoga e
a igreja chamam a 8 . Paulo filho da minha dôr, todavia seu pai
Cristo lhe chama filius dextra , porque a mão direita e favor e gra­
ça de Cristo, nosso senhor, o trazia sempre debaixo de seu amparo,
como se vê em todo o decurso de sua vida; film s d e xtra , porque
com o poder da mão direita de Cristo vencia a reis e tiranos, pre­
cando d cante deles a. fé sem nenhum temor, e fazia muitos nula»
ôro. virtudes que non quaelibet faciebat Dominus per manus Pauli;
f ilii's dextra , porque cie andou pregando por todo o mundo o po
der da nino de Cristo, nosso senhor, e da sua divindade, fazendo
que tanta multidão de gente se sujeitasse e pusesse debaixo de sua
mão: finalmente filius dextra , porque no dia do juízo ha de estar
X X X V III. — SERMÃO DA CONVERSÃO D E S . PA U LO (1568)

á sua mão direita, não como qualquer dos escolhidos, senão com
mui especial privilegio sentado numa cadeira como juiz, judicando
duodecim tribus Israel.
Este é o nome, que põe Cristo a este seu filho, que hoje lhe
nasceu, que é o que hoje lhe chamei, dizendo: Vas electionis est
m ihi iste, vaso escolhido, vaso d ’ouro lavrado com muitas pedras
preciosas de virtudes, vaso tão puro e limpo, em que Cristo, nosso
senhor, infundia tanta abundancia do suavissimo licôr de sua graça,
vaso sagrado, que tantos milhares d ’almas recebeu em si e pôs na
mesa de Cristo.
E porque não vos pareça, novo êste nome de vaso escolhido, que
Cristo, nosso senhor, põe a S. Paulo, ouvi e entendereis.
Haveis de imaginar, como é verdade, que Deus é uma fonte
viva e perenal de misericordia e justiça, que é impossivel exgotar-
se; e todas quantas almas criou e ha de criar são vasos, em que ele
ha de infundir êste licôr. E como diz o mesmo S. Paulo, assim
como in magna domo non solum sunt vasa aurea et argentea, sed et
lignea et fictilia, et aliud quidem in honorem, aliud sunt in contu­
m eliam ; assim, nesta grande casa de Deus, rei eterno, ha vasos de
ouro e prata, que S. Paulo com os outros apostolos, mártires e san­
tos qui tanquam aurum in fornace probati et exam inati sunt sicut
argentum , dignos de ser postos na mesa de Cristo para neles ele
comer e beber grande mutidao de almas, que se converteram, que
é seu verdadeiro manjar, quia sicut cibus meus ut faciam volunta­
tem patris mei, que in calis est, assim o meu verdadeiro manjar
são os que fazem a vontade de meu padre. Ila também outros va­
sos de pau e de cobre e outros metais, que são os que trabalham
por guardar os mandamentos de Deus e a poder de machadadas e
marteladas da penitência e confissões e boas obras se lavram para
receber em si o licôr da misericordia e graça divina. E todos es­
tes vasos são vasos in honorem et gloriam eternam escolhidos.
E dos pecadores que diremos? Lastima é grande e mágua
dizê-los, mas di-lo Jeremias, com grandes suspiros e dôr de seu co­
ração: R ep u ta ti sunt in vasa testea, opus m anuum fig u li. São va­
sos de barro, obras das mãos do oleiro infernal; enquanto são ho­
mens, verdade é, que são obra de Cristo, nosso senhor, soberano
JO S E P H D E A N C H IE T A

mestre e criador, que omnes homines vu lt salvos fieri, e porem eles,


; T Z pecados ficevan.se obra das mãos do ole.ro vntenal, que
P 0 Diabo feitos na roda do pecado, da qual i
c, ^ i m p i i a m b u l a n t . Os vnaus e pecadores andam sempre ua roda
como vasos de barro postos na mào do oleiro, sempre andam na roda
r ; l Z acabando donde começaram, e começando don e a ^
ram, tão maus no principio da vida como no cabo dela, tao maus
na velhice como na mocidade, sem nunca acabarem de dar 'o
na veinitc • Verdadeiramente sunt
nesta roda e irem caminho direito da gloria.
pois podendo com a graça divina, que nunca falta, -
, / p J r vasos escolhidos i n h o n o r e m , eles por seus peca-
1 “ ' t o l h e r em si toda a sujidade do mundo e eom ela
serem lançados á perpetua deshonra do inicmo
liste í o pregão, que .Jeremias da ao pecador. Queieis a
■ nutr.i’ Dir-vo-lo-ei. Não somente d vaso de barro, mas tam-
Z o l e a d o " endido. „ue lança fdra de si quanto lhe lançam
dentro; tantos buracos o lendas tem a quantos vicos e pecados e

S''J'Tà'seja Deus, nosso se n h o r, fonte divina, que nunca exgota


infuÍd " no pecador o .suave lieor o oleo de sua nuseneordn, pelos
« , de seu s m a n d a m e n to s o salvado; o o pecador derrama-o pe-
p,' b u ra c o s ,1c seus vicios o c o n d o n a -s o ; quer Deus derramar no
nccador „ oleo de sua misericordia, dizendo-lhe: K m assumes no-
* i l . i i . ™ 0 0 pecador lam,a « ra da si pelo b ™ £
, 1P sua bôea infernal, jurando o perjurando, mentmdo e blasle

mando o nome de Deus e de seus santos. _ .


Quer Deus lançar no pecador o licor de sua miser,coro a pelo
amor do proximo, dizendo-lhe: K m o e c i d e s , n o n f u r t a m
f o r i t t n o n ( a l s u m t e s t i m o n i u m d i e t s . E o pecador derrama pc os
ittlraeits da sua ira e avareza, a ntve.it,. tendo-lhe odio, e persegunt-
do-o. furtando-lhe a fazenda e roubamlo-o, pesando-llie eo
bem e folgando com seu mal, míaniando-o e mexei icanco o,
zendo que os outros também o roam. Vasa i m q u ü a t i s ^ » 1
c o n c i l i u m e o r u m n o n i n t r e t a n i m a m e a , q i m m furore s u o o e c i
ru n tvim ,n , m a led ictu sfu ro r eo ru m , q u w pertin ax,.
ja eo b et disperdam in Israel. Vasos de maldade e injustiça, que
X X X V III. — SERMÃO DA CONVERSÃO D E S. PA U LO (1568)

nunca andam senão buscando guerras e discórdias com seus proxi­


mos, e por fartar o apetite de sua ira matam com a lingua e com
o coração a seus irmãos; não entre minha alma no ajuntamento
destes. Livre-me Deus de tão má companhia. Maldito é e será de
Deus seu furor e ira, pois com pertinacia e sem razão perseguem
a seu proximo; e o castigo destes, sabeis qual será ? D ividam eos in
Ja co b .
Apartá-los-á Deus da companhia dos vasos escolhidos de Cris­
to, verdadeiro Jacob, e não terão quinhão na gloria, com os filhos
de Israel, mas serão espalhados no caminho do Inferno: Quia qui
■non diliget, m anet in m orte.
Quer Deus infundir no pecador o oleo de sua misericordia, pelo
cano da castidade dizendo: Non fornicaberis, e ele lança-o fora
pelos buracos de sua luxuria. M eretrix ut stercus conculcabitur in
ma transeuntibus; a mulher, deshonesta e desavergonhada, não ha
dúvida, que é senão um vaso de sujidade posto no caminho para
ser sujado e enxovalhado de todos os que passam, e a alma de um
luxurioso e sem vergonha é outra tal, vaso é de esterco posto no
caminho deste mundo, onde os porcos infernais se revolvem, delei­
tam-se e fazem sua morada.
Quer Deus infundir no pecador o licor de sua misericordia,
dizendo-lhe: Sabbata santifices, e ele derrama fora pelos buracos
de sua cobiça, estando quinze, vinte dias e um mês e mais na sua
roça, e queira Deus, que não seja trabalhando os dias santos, por
princípio do trabalho, que ha de ter no inferno, se se não emendar,
e de pouco cuidado, que tem de sua alma, vem não ter conta com
sua gente; não lhe dá nada, que seu escravo não se converta á
doutrina ou missa, antes ele mesmo os não deixa vir; não lhe dá
nada, que sua negra cristã esteja amancebada com o indio infiel;
não tem de ver de que seu escravo nao conheça a Deus e as cousas
da fé para se salvar, e que morra sem confissão; não ha de gostar
das prègações e missas e confissões, nas quais infunde Deus o oleo
de sua graça e misericordia; se em alguma hora se tapam estes bu­
racos com a confissão e com um jubileu como êste, logo se tomam a
destapar com os pecados, não cumprindo o que ficam com os con­
fessores.
JO S E P H D E A H C H IE T A

Per estes buracos se tem coado e derramado todo o licor da


antiga devoção dêste povo. P . P . (709) quis te fascinavit? Muita
devoção e virtude havia em t i ; que olhos de bruxas infernais te en­
feitiçaram e te lançaram a perder! Bene currebas, vila de Sao
Paulo para caminho dos mandamentos de Deus para seres vaso
escolhido como ele. Quem te esburacou e fendeu e fez entornar o
licor da graça, que tinhas? O’ pecador desventurado, morador do
Brasil vaso de barro esburacado e fendido com mil vícios e pecados,
que não podes guardar em ti o oleo da misericordia divina, de que
Deus quer usar contigo, que esperas senão seres feito vaso de ira
cheio de borra? E porque assim como por um vaso fendido ainda
que se oôe o licor subtil e delgado, todavia lhe fica dentro a borra,
que é grossa, assim tu, que és vaso fendido, lanças fora o licor
subtil da misericordia e graça de Deus e ficas cheio da borra de
teus pecados, com a qual se mistura a borra da ira de Deus, a qua
não se pode coar, quia fex ejus non est exinanita , diz David; a
borra da ira de Deus não se pode adelgaçar nem coar; e sabes por
quê? Porque não se côa a de teus pecados; entesouras a borra de
pecados, também thcsaurisas tibi iram , fartas-te da borra dos pe­
cados. também te has de fartar da borra da ira de Deus, ainda que
te pese, quia bibere omnes peccatores terne: e sabes que borra e?
Ignis et sulphur et spiritus procellarum pars calicis eorum. Desta
te has de fartar, se te não emendas; e sabes quando? Quando Cristo,
nosso senhor, com a vara de ferro da sua justiça, tamquam vas f i ­
guli confringet te , dando contigo no inferno para sempre.
Mas porque a paciência e misericordia de Cristo, nosso senhor,
é tão grande que inspirou a Paulo, tão grande perseguidor, e o
converteu e fez vaso escolhido, também podes confiar, que te ins­
pirará a ti, se tomares o remédio, que a ele lhe deram, que foi in ­
gredere civitatem .
Já que nesta cidade da santa Igreja tens entrado por fé, pois
és cristão e batizado, entra também nela por caridade et serva m an­
data como bom cristão, que sem isto por demais esperas. E para
que isto melhor possa-se fazer, dar-te-ei outro remédio mui singu­
lar, e é ingredere civitatem , entra na cidade da glória, para a qual
foste criado, cuidando nela muitas vezes.
X X X V III. — SERMÃO DA CONVERSÃO DE S. PA ULO (1568)

Queres, irmão, não embaraçar-te nos deleites e tratos deste


mundo? Ingredere civitatem , entra com tua consideração na cida­
de do céu, lembrando-te que non habes hic permanentem civitatem ,
sed fu tu ra m inquiris, lembrando-te que és hospede e degradado
neste mundo, e que no céu está tu a propria natureza, e a cidade em
que has de morar para sempre.
Queres, irmão, não sentir o trabalho dos mandamentos de
Deus e da penitência? Ingredere civitatem , entra na cidade da gló­
ria, cuidando que ainda tu só poderás sofrer os trabalhos desta
vida juntos muitos mil anos com um só momento, que te déssem
entrada naquela gloriosa cidade, te pagarão muito mais do que me­
recias, quia non sunt condignos passiones hujus temporis.
Queres, irmão, ser vaso escolhido de Deus? Ingredere civita­
tem, entra na cidade da glória, lembrando-te que a poder de mar­
teladas e pancadas se lavram os vasos, que lá entram, e com isto
te parecerá suave o pêso da obediência, pobreza, castidade, fome,
sede e trabalhos que padeces.
Queres finalmente não pecar? Ingredere civitatem , entra na
cidade da glória, lembrando-te que diz S. João, que lá nihil coin­
quinatum introibit, não entra lá a soberba, nem a inveja, nem ou­
tro pecado, não entram lá olhos deshonestos nem orelhas aparelha­
das a ouvir mexericos, nem lingua maldizente, nem mãos que obram
maldade. Ingredere civitatem , irmão, desejando de ver já a formo­
sura da glória, e dize como D avid: Gloriosa die dicent de te civitas
Dei, et concupiscit anima mea in atria Domini.
E se queres ainda remédio para entrar nesta cidade, dou-te o
mesmo: Ingredere civitatem , entra na sacratissima humildade de
Cristo, que é cidade da divindade, cuidando nas estremadas virtu­
des, de que é edificada, e lembrando-te que trinta e três anos pa­
deceu o destêrro neste mundo para ensinar o caminho desta cidade
da glória, e abriu, suas mãos e pés e o coração para te abrir a porta
do céu.
Desceu o filho de Deus ao mundo a tomar nossas enfermidades
sôbre si para as curar, vere languores nostros ipse tu lit, fez-se po­
bre, faminto, hidropico, leproso e paralítico. Estavamos degrada-
JO S E P H DE A N C H IE T A

a os do paraíso pelo pecado; era necessario para remédio de nosso


degredo, que tomasse também esta pena sobre si.
" Desterra-se o filho de Deus daquela sua santa cidade da glória
trin ta e três anos, tão desconhecido como um estrangeiro
E xtraneus factus sum fratribus meis et peregrinus, tao degradado
f d sclheeido que posto no horto com o suor de sangue, descon-
s c M o e desamparado como estrangeiro, te está cavando o pao com
a u f t e sustenta no caminho desta cidade. Tão degradado e desco­
nhecido que, posto na crus, está bradando com Barrabras a i deu-
teram et videbam et non erat qui cognosceret me, POtque «nada que
á sua mão direita estava a Virgem Santíssima, sua mae, que mm
bem o conhecia, todavia estava posto em tao grande estremo de mi
seria e deshonra e tão desfigurado que mu. bem pudera
cê-lo - pois via o rei da glória posto entre dois ladroes e aquele que
est speciosus form a pro filiis hominum in quem desiderant angeli
' Ilicere, tão afeiado que non est ei aspectus neque decor, e pa-
reeii urn leproso et percussus a Deo; e aquele a quern dea es ecu-
tena milliaangelorum expectant ccelo era desamparado na terra
de .seus discipulos e cercado de inimigos.
Pouco é o que digo para o muito que o nosso bom Jesus padece
por nosso amor. Está tão desconhecido e desterrado naquela cruz,
que nem seu pai celestial o conhece e nem lhe acode, pois bradando
ele: Deus meus, Deus meus, quid dereliquisti m e t dissimua
com ele, e faz que o não ouve, como quem d iz: Pois se ez ao
amigo dos degradados que se quis fazer degradado como eles, que
morra como degradado e desamparado na cruz.
E morre o filho de Deus e despojára-se aquela cidade de sua
humanidade, apartando-se a alma do corpo para romper os muros
da cidade celestial, por onde tu entres.
Rompe tu também, irmão, êste teu duro coração, para que en
tre Cristo nele; deixa de pecar, pois vês, que na cidade do ceu nao
entra o pecado. Deixa-te vencer de Cristo, sujeitando-te a seus
mandamentos, que poderoso é ele com sua graça para de vaso e
barro que és fazer-te vaso de ouro e de prata escolhido, e pos o a,
sua mesa celestial: -Jd q u u m .
X X X V III. — SERMÃO DA CONVERSÃO D E S. PA U LO (1568)

NOTAS

(708) P b l., com um a n o ta explicativa de T . Alencar A raripe, n a “ Re­


vista do In stitu to H istorico” , L IV , p . 109-30, segundo a reprodução fo to g rá­
fic a do original, existente no Colégio de N otre Dame de A ntuérpia, oferecida ao
In stitu to pelo barão do R io-B ranco. No alto da prim eira pagina, lia a seguinte
n o ta em que se declara ser o original do proprio punho de A nchieta: “ Concio
hoec scripta est manu B . P . Joseplii Anchieta, A p ti Brasilia, dono me missa
ex ipsa Bahia ãe Todos os Santos et recepta mensis A pril 85 Laur. W en s.”
E oi o sermão proferido em São Paulo de P ira tin in g a , em algum jubileu co­
memorativo da fundação da casa e da vila, a 25 de janeiro de 1568.
(709) N ota do tra d u to r: “ Populus, populus, é o que devem significar
estas p a la v ras” .
Posfacio
POSFACIO

VIDA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

m Guipuzcoa, uma das três provincias bascas da Espanha, du­


E rante os séculos 14 e 15, duas grandes facções encarnieada-
mente se combateram: a dos Gamboa e a dos Onaz. A cada
uma delas pertenciam várias familias, cujos chefes Aide Nagusiac
(ou, em espanhol, Pavientes M ayores) por tal forma desorganiza­
ram guerreando a vida da provincia, que oito cidades contra eles se
levantaram. O que forçou a união dos Gamboa e Onaz para a de­
fesa comum. Em 1456 lançaram um desafio aos habitantes das ci­
dades aliadas, desafio tremendo, de “ guerra cruel”, á maneira es­
panhola. Mas Enrique IV, rei de Castela, interveiu e em 1457 ba­
niu de Guipuzcoa, por algum tempo, os principais A ide Nagusiac.
Entre eles figurava Juan Perez de Loyola, cuja familia assu­
mira por herança a chefia da facção dos Onaz, juntando-se os dois
nomes pela forma que Adolphe Coster explica: le nom de Loyola
ne venait qiCaprès celui d ’Onaz et presque comme un nom de
lieu” ( I ) .
A ’ facção dos Onaz de Loyola, como vassalos, pertenciam os
Anchieta. Eram nobres, como aliás todos os naturais de Guipuzcoa,
e tinham seus dois solares em Urrestilla, burgo distante dois quilo-
metros de Loyola, no vale primitivamente chamado de Iraurgui.
Em 1460, segundo supõe Coster (II), Urtayzaga de Loyola ca­
sou-se com Martim Garcia de Anchieta, donde o parentesco entre
as duas familias apontado por alguns biografos do Ganarino. O
casal teve três filhos de que se guardou memoria. Um deles, Juan
de Anchieta, seguiu a carreira sacerdotal, ganhou notoriedade como
compositor e cantor, foi nomeado em 1489 capelão e chantre dos

(I) Juan de Anchieta et la famille de Loyola, Paris, Libr. C. Klinck-


sieck, 1930, p. 50.
( I I ) O. c., p. 54.

5 41
V ID A DO PA D R E JO S E P H D E A N C H IE T A

- - r t as “ £
yoL” D e’ uin dos episodic® dela, o mais violento, participou o
futuro Santo Inácio. princípios do seguinte,
Por aquela epoca, fins do X^ z J do fundador da
tiveram os Onaz como che e j n de Anchieta. A prin-
Companhia de Jesus e ^ h l e L favoreceu o casamento de Martim,
cípio amigos, Juan de A , de jsabel a Católica. B a
«'»<* t í s a T à teve com " 4 o T i ^ a paro,tuia! de Aspei-

ã” S ~
moço de Beltran, Inácio, por quem paiece se

Sa J “b S T ã Z a seu filho Martim Garcia OHo anos nm.s

salvo agressores. Das


consequências dessa façanha Pedro Lopes se livrou invocando sua
;3 ade de sacerdote, fora portanto da »lS; d . da 3 ^ « « ? ^
futuro Santo Inácio, esse, se viu obrigado a fugir, alcançando P a
pelune, onde alegou haver recebido a tonsura e foi recolhido a pri
A eclesiástica. Houve processo de que se ignora a conclusão. Em
todo o caso, com a morte de Fernando o Catohco em jane.ro de
1 r)1 fi recobrou Inácio a liberdade. . , ,
Quer isso dizer que o nome dos Anchieta ja estava liga
vida dtf Loyola, antes que o do Canarino viesse ilustrar a historia
da Companhia.

(Ill) Coster, o. c ., p s. 73-4.


VIDA DO PA D R E JO S E P H DE A N C H IE T A

Nascido em Urrestilla e homonimo do reitor de San Sebastian


de Soreasu, seria o pai de Anchieta, como sugere Afranio Peixoto,
o mesmo Juan contemplado como filho no testamento do sacerdote?
Tudo indicaria se não fôsse a afirmação de Baltasar de Anchieta de
que o pai do Canarino deixou a Biscaia “ por el aíío de 1522” (IV ).
Porque, sendo o testamento do ano seguinte, 1523, é pouco prová­
vel que o reitor de San Sebastian deixasse ao filho quatrocentos du­
cados de ouro “ para que con que se crie y tenga con qual estudiar
e para su casamiento” (V), se esse filho já se encontrava nas Cana­
rias como colono, senhor portanto dos seus atos, buscando sozinho a
fortuna longe da pátria.
E ainda a proposito da chegada do pai do Apostolo ás Cana­
rias, escreve Baltasar de Anchieta ém outro trecho de seu livro:
“ Passo el dicho Juan de Anchieta à la Isla de Tenerife con la oca-
sion que dirè: avia, estado en servicio de los Reyes en Granada, y
continuava en el al tiempo, que conquistada dicha Isla, passavan
muchos à avenzidar-se en ella, movidos de la fama de su fertilidad.
Parientes suyos, que estavan en servicio de los mismos Reyes, le
movieron passase à Tenerife en cuya Ciudad se caso” (V I).
De palavras tão vagas nada se pode concluir de positivo. Mas
se, como parece, o pai do Taumaturgo esteve a serviço dos reis ca­
tólicos em Granada, isso só podia ter sido antes de 1516, ano do
falecimento de Fernando. E, como o capelão e chantre só em 1515
se fixou definitivamente em Azpeitia, não é impossivel que a ele se
refira o autor dp Compendio quando fala nos parentes que teriam
aconselhado o biscaino a tentar fortuna nas Canarias.
E ra ele natural de Urrestilla. E para a Guipuzcoa, como já
se disse, o reitor de San Sebastian só voltou em 1515. Nascido cerca
de 1462, deixou ainda menino a terra natal para estudar música na
Universidade de Salamanca provavelmente ( V II). E, antes de 1515,
em Azpeitia só passou quatro meses no ano de 1503. De forma que
sua ligação com Maria Martinez de Eisquerrategui, moradora em
Azpeitia e “ muger suelta” como ele diz no testamento, não seria an­
terior a 1515, tendo seu filho em 1523 oito anos no maximo e justi­
ficando-se assim o cuidado do reitor em assegurar com quatrocen­
tos ducados a sua criação e educação. Ora, segundo Baltasar de An­
chieta, o pai do Venerável, por essa época, já se encontrava em Te-

(IV) Compendio de lo, vido de el Apostol del Bvosil, e tc .. Xerez de la


I'rontera, 1677, p. íií),
(V) Coster, o. c., p. 290.
(VI) O. c., p. 25.
( V I I) Coster, o. c., p. 59.
VIDA DO PA D R E JO S E P H D E A N C H IE T A

nerife, depois de haver *rvido os reis em Granada. Não podia por-

sr £ £
» * — - " e
Coster, a questão permanece em suspen. .

Em Tenerife, provavelmente no ^ re n í^ a to a l^ e
cbieta cason-se com ^ ^ ^ ^ i f o r t u n a d a s , de noble sangre
la Gran Canaria, cabeça de las Fernãdo de Llarena,
y gruessa hazienda, de aeahallo. y tuvo
qlie passo a a conquista de l ’ \ Diaz era viuva do bacharel

Do easal de Juan de Anchieta nasceram 2ae5 S f f ^ ae Selaya-


des<jen_
ran. que faleceu ■
A” a g " i “ ’Juan, que contraiu matrimo-
deneia; Jose, o Apostoio - 1539 casado em I 0 6 6 ,
,,i0 i™4” habitos religiosos; Gas-
pai de quatro filn s, • ■q ■ filbos: Melchor, que mor-
Par, que se casou duas ^ ^ ^ oíservou solteira; Cristo-
Z Tl'TvZMtero! falecido na cidade de Laguna em «>80: e

" z z z n ™
elusive o do procuradoi do < • ainda longos anos, dei-
eJ Z ,0t l Z ^ tS deUÍ 5 « . Então, dos «lhos do easal, eram
o
vivos seis: Teresa, Ana, José, Juan, Baltasar e Casp ai.

Terceiro dos dez. W *


i S i 'd i a de SitoJos.de foi batizado a 7 de abril seguinte na .greja

(VIII) B altasar de Anchieta, o. e ., p . 28.


V ID A DO PA D R E JO S E P H D E A N C H IE T A

paroquial.de Nossa Senhora dos Remedios, sendo “sus padrinos Do-


memgo Rizo y Don Alonso”, conforme consta do registro transcrito
por Baltasar de Anchieta (IX).
Em Laguna, na casa de seus pais, Plaza de el Adelantado, apren­
deu as primeiras letras. Pertencendo a uma familia de crentes, onde
eram numerosos os sacerdotes, é provável que desde cedo se mani-
iestasse nele a vocação religiosa.
Em 1550, partiu para Coimbra afim de cursar a Universidade,
m seu testamento, Juan de Anchieta se refere a “cierta cédula
que Cristoval Moreno ( . . . ) me diò para mi hijo Ioseph para Coim­
bra que fueron vemte ducados” ( X ) . A escolha de Portugal e não
de Espanha e ponto ainda não suficientemente esclarecido.
Em sua companhia, segundo uma recordação de familia reco­
lhida por Baltasar de Anchieta (X I), teriam seguido dois irmãos
seus, que de Coimbra passaram para Flandres, onde serviram na
milícia real e morreram sem descendenda, antes de 1584. 0 fato é
discutível porque esses dois irmãos só poderiam ser Melchor e Bar­
tolomé, que em 1550 não contariam mais de 9 e 6 anos de idade
respetivamente. Pouco provável assim que com tão pouca idade dei­
xassem a casa paterna, embarcando com Anchieta para Portugal.
Possivelmente a viagem se realizou mais tarde, havendo aí uma con­
fusão de datas. Quanto á informação de Pero Rodrigues (X II),
para quem Anchieta seguiu em companhia de um irmão mais ve­
lho, é menos exata, pois o Apostolo era o primeiro filho varão de
Juan de Anchieta.
Em Coimbra, o Canarino “ ouviu dialética e parte de filosofia
( . . . ) juntamente com as letras” (X III). A aplicação aos estudos,
o talento literário e o fervor religioso distinguiram-o na Universi­
dade. Tal era 1 armonia, e doleezza dei suo comporre in versi la-
tini, che in grazia di essi era chiamato il Canario, alludendo con
gracioso escherzo e alia patria di lui, e agli angeletti di tal nome tan­
to celebri apresso tutti per la soavita dei canto”, escreve Lontraro
Degli Ondi (X IY ). S
Querem ainda os primeiros biografos de Anchieta tenha ele,
por essa epoca, posto de joelhos deante de uma imagem de Nossa
Senhora, na Sé de Coimbra, feito voto de perpétua castidade.

(IX ) O. c ., p. 63.
( X ) B a lta sa r de Anchieta, o. c ., p . 62.
(X I) O. c ., p. 30-1.
( X I I) Vida do Padre José de Anchieta, nos “ Anais da Biblioteca N a­
cional” , Rio de Janeiro, X X IX , p. 197.
( X I I I ) P . Rodrigues, o. c ., p . 197.
(X IV ) Vita del veneraUl servo di Dio P . Giuseppe Anchieta, Roma
3738, p . 8. ’

545
35
VIDA DO PA D R E JO S E P H DE A N C H IE T A

Tamanho ardor religioso não poderi»


para a Igreja. E ^ ^ “n h i f d T j e ^ o s ^ , u e « da
de atrair tanto quanto a Co e aima, dispostos a todos
rehgião desejassem M entregar ^ ^ £eroisnlos "ad majorem Der
OP sacrifícios e capazes
gloriam” . . Anchieta recebido a 1 de
NTo Colégio de Coimbra, n mestre de noviços, com
maio de 1551, o jovem p ^ e Antonm C o ^ # ^ M M o, ape
uma severidade <l»e ' » Pv“"“ missionarioS para as empresas
sar de rispido tambew íormava o s ^ ^ Rnos antes, Nobrega
arriscadas da Asia, Africa d Tomé de Sousa, chefiando a
partira para o Brami emeompanh.a de^lo ^ j esuita* ha-
primeira missão ea teq m stó o r^ E ^ ^ de Andrade. O ambien-
vinm seguido na armada „ absoluta submissão aos su-
te era <ie trabalho, de rude disc I ,,,intra a dissolução dos
puriores. A Companhia de Jesus r ^ ju n t0 ^ e n0 meio
eostimes eelesiastie» e disposta a e, de Roma os de
ao povo, entre civilizados e seRageiis, - p na confissão, na
tora como os de dentro, aeamtava “ n0 ascetismo, na hu-
disciplina corporal e nos ex _^ ^ da vont,ade, no espirito de ca-
mildade, na obediência e n a e ■ „ ,arigelizaqão planejada por
h ia ■ d ,n a

ciplinas enfraqueceram ainda mais « escada caindo-


do Canarino. Além disso sofreu s e r m jr d n ^ ^ ^ ^ biogra(oS)

5 5 ? pou'
Enquanto Anchieta, sem p e d id o f fnsistentes
légio de Coimbra, chegavam do ,- - ^ d e da
de novos mission anos, os o u v i - - só Anchieta como ou-
foram ineliiidos na

” r f D u a rte ^ 'c o s ta , nomeado segundo governador-

(X V ) Carta H -
(X V I) C arta XV. 198.
(XVIT) P . Rodrigues, o. c... p-
VIDA DO PA D E E JO S E P H DE A N C H IE T A

geral, embarcaram em Lisboa a 8 de maio de 1553 sete jesuitas: os


padres Luiz da Grã (logo depois indicado para colateral de Nobrega
na direção da provincia, criada nesse mesmo ano), Braz Lourenço e
Ambrosio Pires e os irmãos José de Anchieta, Gregorio Serrão, João
Gonçalves e Antonio Blasquez. Chegados á Baía a 13 de julho, fo­
ram recebidos na casa da Companhia pelo padre Salvador Rodri­
gues (falecido a 15 de agosto seguinte) e irmãos Vicente Rodrigues
e Domingos Pecorela. Nobrega achava-se em São Vicente, para
onde havia seguido com Tomé de Sousa, desesperançado de “ fazer
fruto” na Baía, “nem com Cristãos, nem com Gentio” (X V III),
tais os escândalos de que era teatro a séde do governo e diocese, por
culpa e exemplo do clero e fraqueza do bispo d. Pedro Fernandes
Sardinha.
Na capitania vicentina, o grande jesuita tinha resolvido fundar
uma povoação nos campos de Piratininga, pelas razões que dá Ca­
pistrano ( XI X) . . Ali reuniu três aldeias de indios, que visitou a
29 de agosto de 53, guiado por um filho de João Ramalho. E, a seu
mandado, Leonardo Nunes seguiu para a Baía com a incumbência
de trazer os jesuitas para a nova casa.
Ao desembarcar na Baía, o Avarêbêbê já encontrou os inaci-
nos recem-chegados entregues aos trabalhos da catequese. E em ou­
tubro voltou para São Vicente trazendo em sua companhia os pa­
dres Vicente Rodrigues (pouco antes ordenado), e Braz Lourenço
e os irmãos Serrão e Anchieta. A viagem foi acidentada. Surpre­
endidos por uma tempestade nos Abrolhos, a 20 de novembro, os je­
suitas, com o navio “meio despedaçado”, conseguiram alcançar a
terra, conforme narra Anchieta na carta X . Oito dias depois tor­
naram a embarcar demandando o Espirito Santo, onde ficou Braz
Lourenço e Afonso Braz se incorporou á comitiva, com certeza por
serem necessarios os seus serviços de mestre de obra e carpinteiro na
edificação da casa de Piratininga.
A 24 de dezembro, chegaram os jesuitas a São Vicente. E em
janeiro de 1554, passada a Epifania, a missão fundadora galgou a
serra de Paranapiacaba, “ por um dos mais trabalhosos caminhos
que ( . . . ) ha em muita parte do mundo” (X X ), e deixando a mata
acampou no local escolhido por Nobrega, entre os riachos Taman-
duateí e Anhangabaú. Aí levantaram os indios de Tibiriçá e Caubí
a “ pauperrima e estreitissima casinha” em que se disse a primeira
missa, a 25 de janeiro, dia da conversão do apostolo São Paulo e
“ por isso (explica Anchieta) a ele dedicámos a nossa casa” (X X I).
(X V III) Cartas do Brasil, ed. da A cad., Kio, 1931, X X .
(X IX ) A rtigo reproduzido neste volume.
(X X ) Informação de 84.
(X X I) C arta I.
547
T ID A DO P A D I® JOSEPH DE ANCHIETA

A raiBSão se compunha, ao que ^ A A ^ c h i r t i como uni-


e era chefiada pelo padre Manuel de I de gramatica. Le-
co sabedor de latim, coube a reg® entre sens alunos os
cionava em tres classes difer . ive „ superior. Com vinte
proprios companheiros de habito, 1 que se imciava com
anos incompletos, era ele « • » os brasis, com eles procurou
uma escola no meio barbaro En, meSeS ^ te m h a qua-
logo aprender a língua da t e m . Em P ^ temp0 compos arte e
ai todo seu modo ', manuscritos foram adotados em
vocabulário, que por exemplares^» ^ M B aía.
Piratininga a partir ae • ■• Sa0 Vicente, onde tam-
Ainda em 1554 esteve com ^ egy i<!radoente de Portugal. E
bem se encontrava em I ã o trabalhos” (XXIV), longas ca­
no Brasil, onde " » medicinasj^i<> aos Índios, recupe-
minhadas. ofícios grosseiros, assistência ]
rara logo a saúde . ... , r0 em quatr„ linguas, por-
Sua superioridade de letr . , piedade, sua
tugum ! castelhana, latina c brasílica espirito
conformação com a disc.phna de J^ n , apesar de n a ­
de devotamento e o color de comunidade vicentma. h No-
ples irmão, um lugar de etid cm todaa as oportunidades, de
brega não podia deixar . Canarino o seu auxiliar
tanta inteligência e tanto /.uo,
predileto nos trabalhas da catequese ^ exclusivamente
A falta de recursas, viveii o a ^ b a lh o de ferreiro de Ma­
de que lhe davam os m d io sem t transformação da escola
teus Nogueira, não permit:» °a ’ como era projeto de Nobre-
,1c meninos em c o l c g i o C o m p a i d „ iDcaimavel Lui/, da. Gra,
go. Só em fms de I c o l e v i o o que só era inchoado
ficou resolvido “ formai em Pe . execuçâo desta solenidade uos
cm Piratiniuga”, tendo nte rte ír.óC” ( XXVI ) . Em Pi-
primeiros do janeiro do ano *gu ^ do * transferiu para
ratininga permaneceu » “ le- e mantimentos na vila da costa, a elas-
^ " a t i c a ^ m novembro do mesmo ano foi de novo instalada
xio planalto.

( XXI I ) v . u °t:i 33
( X X I I I ) Carta I I .
Jcsu, Lisboa,
í(XXV)
i v v , ^S. “de11
de Vasconcelos, Crônica *
ed. de 1865, liv. L n- 157 .
( XXVI ) I d . , liv. 1, n. 2 0 2 .
YIDA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

As necessidades da catequese e do ensino dividiam a atividade


de Anchieta entre as vilas do mar e São Paulo: em maio e junho de
60 se encontrava em São Vicente; na quaresma de 61 esteve em Pi-
ratininga, tendo assistido á partida da expedição contra os indios,
de que participaram Manuel de Paiva e Serrão; em junho dêsse ano
escreveu de São Vicente a carta X II; em novembro tomou para Pi-
ratininga, onde se encontrava ainda em julho de 62, pelo que se de­
preende da carta XIV, em que descreve o ataque dos indios suble­
vados contra a povoação; em dezembro dêsse mesmo ano visitou Ita-
nhaen, para onde voltou na quaresma de 63, depois de uma estada
de quinze dias na vila de Santos; e a 16 de abril datava de São Vi­
cente a já citada carta XIV.
As incursões tamoias ameaçavam despovoar e arruinar a capi­
tania. E Nobrega, realizando um projeto antigo, resolveu ir até Ipe-
roig, para tentar as pazes, levando Anchieta como intérprete. A 18
de abril partiram os dois jesuítas, “como homens m o r t i d e s t i n a t o s ,
não tendo mais conta com morte nem vida” (XXVTI). Detiveram-
se na Bertioga cinco dias e a 23 embarcaram na canoa de José Ador­
no. Nobrega rezou missa a 1 de maio na ilha de São Sebastião. No
dia seguinte prosseguiram viagem e a 5 alcançaram Iperoig. Num
altar improvisado, o grande jesuita disse missa no dia 9 e a 14 con­
seguiram os inacinos hospedagem em uma das aldeias. Os tamoios
preparavam então uma forte investida contra São Vicente, tanto
mais perigosa quanto era evidente “a pouca indústria que os Cris­
tãos têm em se defender” (XXVIII). A 23 chegou o principal
Pindobuçú com duas canoas e quatro dias depois Aimbiré com mais
dez. José Adorno, que partira para o Rio de Janeiro afim de se en­
tender com os tamoios e franceses dali, encontrou-se na viagem com
um genro de Aimbiré, a quem confiou as cartas que levava, tor­
nando para Iperoig a seu conselho. Chegado a 27 de maio, embar­
cou em seguida para São Vicente. A 9 de junho, estando os jesuítas
na praia, surgiu uma canoa em que vinha Paranápuçú, filho do
principal Pindobuçú. Nobrega e Anchieta, deante da atitude hostil
dos indios, trataram de fugir e perseguidos de perto por pouco não
perderam a vida. Assim, bebendo “muitos tragos de morte” e ou­
vindo as justas queixas dos tamoios contra os portugueses, continua­
ram os jesuítas as tratativas de paz.
A 10 visitaram a aldeia de Cunhambeba. E dez dias depois che­
gou a Iperoig o bergantim enviado de São Vjcente para transpor­
tar de volta os jesuítas. Nobrega relutou em embarcar, esperan-

(X X V II) C arta X IV .
(X X V III) C arta XV, á qual pertencem também as citações seguintes.

549
VID A DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

a v “ hup ainda nos poderia caber alguma boa sor-


lo, escreve Anchieta, que Mas a sua presença em
te de ser comidos por amor " V ue embarcou no dia seguin-
São Vicente era necessaria. Antonio Dias, pedreiro de
te, deixando Anchieta em intuiti de resgatar
L t m t h e H mhoi'emados em um dos assaltos ás povoaçoes da

C06t A 25, „s tamoios “ - a de —


Dias, apesar dos estorças desesp ^ temores„5 C0U10 eie proprio
Afligindo-lhe a ‘carne coi „ 0 demonio, no dizer de Pero
singelamente eonfe^ por m ^ miancebo nas chamas de Ba-
Rodrigues (XXIX), v cabelo”, socorreu-se o cana-
bilonia e não se lhe c h & m u s c Senll0ra'5 e “prometeu de
rino “da intercessão da >irgei alma de todo o
lhe compôr J á para que passeando na praia e
perigo de pecado . Esse poema habilidade e memoria extraordi-
‘valendo-se em São Vicente,
naria”, para escreve-lo alguns meses n dia ^
A 1 de julho eh^atum ma.s emeo canoas^k ^ ^ 5> n#va
guinte turnon_Anchieta ai b*b em Iperoig seisca-
dificuldade: fugidas de S ostamoios que em São Vi-
noas. Certo in,Ho intngante convencera “s morto umsel-
cento se achavam, de que doming J e temp0> E se não fos-
vagem que de í ^ ^ lgpjXbucú e Cunhambeba, então na Bertioga,
se a intervenção de 1 maoDUçu t tendo n armistício. No
a debandada teria sido cornel t . T^ em iperoig. Eapa-
dia seguinte, mais d « ^ ^ desfazendo-se assim a intriga,
receu o índio que se tinha poi amoios e tupis na igreja
Enquanto - ^ L sam en te os
P a r ir ” a V as negociares de pas chegaram
8 b0Ê m C roig entretanto, a situação não melhorava, passando An­
tonioD ii‘ a se?’ameaçado de morte pelos = ,chegados . E ».
Nein c„m a morte do

(X X IX ) O. e ., p . t207.

5 50
VIDA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

te dos rogos da mulher. E Anchieta com ele embarcou a 14 de se­


tembro, atingindo a Bertioga e daí prosseguindo pela praia até São
Vicente, que alcançou no dia seguinte.
Estavam salvas as povoações vicentinas. Mas era preciso po­
voar ainda com gente portuguesa o Rio de Janeiro. De forma que
pôde o Canarino com verdade afirmar, rematando a narrativa de
sua missão a Iperoig, que “o fim desta paz foi de fato fim de guer­
ra e princípio de outra”.
A 6 de fevereiro de 1564, com os reforços obtidos na Baía e no
Espirito Santo, chegava ao Rio de Janeiro a frota enviada de Por­
tugal, sob o comando de Estacio de Sá, muito jovem ainda, que Ja
participara da expedição de 1560. E a chamado do capitão-mor,
Nobrega e Anchieta (que já haviam estado em Piratininga, onde
haviam sido solicitados os sens serviços de habil cirurgião, afim de
socorrer os indios que a. variola dizimava) deixaram São 'Vicente
a 19 de março. De passagem visitaram os tamoios de Iperoig e na
noite de 31 entraram barra a dentro. A frota já não se encontrava
na baía desde dois dias. Forçada, porém, pelos ventos contrarios na
manhã de 1 de abril voltou, encontrando os jesuítas em situação
crítica, sem possibilidade de fuga e sem meios de defesa contra qual­
quer ataque dos indios. Dia 2, domingo de Pascoa, foi rezada missa
na ilha de Villegaignon. E por se achar a frota “mui desbaratada ,
seguiu para São Vicente afim de “se refazer (XXX).
Começou então Estacio de Sá a “experimentar graves dificul­
dades acêrca da empreza, movidas por várias pessoas da mesma ar­
mada, ás quais não parecia bem acometer em tal ocasião de tem­
po” (XXXI). Mas Nobrega, auxiliado por Anchieta, tudo provi­
denciou para o exito da expedição. Convencido da vitoria, quebrou
a resistência dos covardes e remissos. Para agrada-los, conta Si­
mões de Vasconcelos, “levou-os a recrear á nossa casa de São Vicen­
te por alguns dias, e á vila de Piratininga outros . Correu as al­
deias, aliciando soldados. Facilitou os aprestos da armada. Arran­
jou mantimentos. Voluntarioso, habil, tenaz e incansável, o insigne
jesuita foi assim o animador da expedição. Mais um serviço que ele
prestava á Coroa vencendo a. indolência e o descaso de seus agentes.
Assim, graças a Nobrega, pode Estacio de ba partir na capita­
nia a 22 de janeiro de 65, para a conquista e povoação do Rio de
Janeiro. Alcançando no mesmo dia a ilha de São Sebastião, aí fi­
cou á espera do^resto da armada. A 27, finalmente, seguiram cinco
navios pequenos, sendo três de remos, e oito canoas com os mama-

(X X X ) C arta XV.
(X X X I) S. de Vasconcelos, o. c ., liv. 3, n . 60.
VIDA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

i rio São Vicente indios do Espirito Santo e Cananea e disci-

d,e

r * g e s s a r a São
chegou a capitânia. de S » % mamalucos e ao
navios. Para contentar P timcntos estabelecendo-se em
mesmo tempo remediar a {f £ j U Z S i e f i capitães dos navios
lugar em cp.e fosse possível faser p lan tais osc ^ a cada
su geriram a entrada .mediata m Jmia. A ohe.

S rn a °b lrra °A 1 de março começaram ob homens


c Z e Urca. José Adorno
e Pero Martins Namorado, este nomeado mais tarde .]uiz ordinario,
construíram um poço.
No dia 6 houve o primeiro combate contra quatro canoas ta-
moias A 10 avistou-se uma nau francesa a legua e meia da cerc .
Atacada no dia seguinte, caiu em poder
mesma ocasião, aproveitando a ausência de Estacui de Sa qu
ta e oito canoas de indios tentaram tomar a tranqueira. Os tr
cases da nau, que se diziam mercadoras e catolicos tiveram permis­
são de voltar para a Europa, o que fizeram sem demora deixando
aos patricios do Rio cartas em que os aconselhavam a abandonar os
indios, reunindo-se aos portugueses. Ainda a nau se encontrava n
Baía quando os tamoios, incansáveis, desferiram novo ataque co
vinte e sete canoas.
A 31 de marco deixou Anchieta o Rio de Janeiro, partindo com
João dc Andrade para a Baía, afim de receber as ordens «icras
No Espirito Santo interrompeu a viagem visitando, a mandado de
Nobreça a casa da Companhia e as aldeias dos indios.
Recebido na Baía pelo provincial Luiz da Gra, foi Anchieta or-
denado pelo bispo d. Pedro Leitão. Quando deixara o Rio, prepa­
ravam os tamoios com o auxílio de três naus francesas novo ataque
á cerca portuguesa, que levaram a efeito nos primeiros dias J
nho. A situação era desfavorável. Sem receber n0V0^ ref^ S’A^
providos de mantimentos, isolados e cercados, os remóis nao podiam

5 5 2
VIDA DO PADRE JO SEPH DE ANCHIETA

resistir por muito tempo. De forma que não disfarçavam os vicen-


tinos o proposito de “ir-se para suas casas, como é razão”, colocan­
do os oficiais deante da seguinte alternativa: “se os não deixam ir,
perdem-se suas fazendas, e se os deixam ir fica a povoação desam­
parada” (XXXII). Foi o que Anchieta expôs a Mem de Sá, de­
monstrando a necessidade de enviar uma armada ao Rio, bastante
forte para dominar de vez a baía e fundar a povoação projetada.
Com a vinda do reino de três galeões, sob o comando de Cris­
tóvão de Barros, preparou Mem de Sá a expedição, com mais dois
navios e seis caravelões. E á frente da armada deixou a Baía em
novembro, embarcando em sua companhia o bispo d. Pedro Leitão,
o visitador Inácio de Azevedo (chegado a 24 de agosto), o provin­
cial Luiz da Grã e os padres Antonio Rodrigues, Baltasar Fernan­
des, Antonio da Rocha e Anchieta.
A 18 ou 19 de janeiro de 1567 chegou a frota ao Rio de Ja­
neiro. A 20, dia de São Sebastião, foram assaltadas e tomadas as
duas tranqueiras tamoias. Depois da morte de Estacio de Sá, fre­
chado no ataque de Ibiriguaçumirim, em fins de fevereiro portan­
to, o bispo e os jesuítas seguiram para São Vicente, onde os espe­
rava Manuel da Nobrega. Visitada a casa de Piratininga e resol­
vida, extinguindo-se o de São Vicente, a fundação de um colégio no
Rio de Janeiro, para lá embarcaram d. Pedro Leitão, Inácio de Aze­
vedo, Nobrega e Anchieta . Na Bertioga deixaram o navio que as
conduzia por uma canoa afim de atingir a terra, onde pretendiam
rezar uma missa. A embarcação foi então perseguida por uma ba­
leia e a salvação dos jesuítas tida por milagrosa. No dia de São Tia­
go celebraram missa solene em ação de graças e prosseguiram viagem.
No Rio de Janeiro, como auxiliar de Nobrega na direção do
Colégio, a que ficaram subordinadas as casas de Espirito Santo,
São Vicente e Piratininga, permaneceu Anchieta muito pouco tem­
po. Em outubro já se encontrava de novo em São Vicente, com o
cargo de superior.
Sujeitas ao Colégio do Rio, as duas casas da capitania já não
tinham a importância de quinze anos antes, quando abrigavam maior
número de irmãos que quaisquer outras espalhadas pela provín­
cia. Os trabalhos da catequese prosseguiam entretanto sem desfa­
lecimentos, dentro do limite do possível. “Trabalhamos por nos
conformar, quanto o permite a terra, com o que nas deixou orde­
nado”, escrevia Anchieta em julho de 70 referindo-se ás instru­
ções deixadas pelo visitador Inácio de Azevedo.
Nesse mesmo ano de 70 dois moradores de São Paulo, “um

(X X X II) Carta X V I.
VIDA DO PADRE JO SEPH DE ANCHIETA

de)es nobre e conheddo^pm; in-


— ■
- e r a s a s
os barbaros, que estavam com ^ medo toda a capitania .
a que acometessem e pondo ® perigo. Obteve dos ca-
Anchieta resolveu intervir, eonjurancl ^ uentes” e, em com-
maristas "salvo conduto e P«dao aq 1 Manuei Veloso e
nanhia do padre Salvador Eodrig ’ proximo do lugar onde
alguns índios, desceu o . n iem - de repente do alto de uma
se achavam os dois portugueses, cai^ ^ e sepultando a
cachoeira, que tinha o no>, (XXXIII), donde a suposição de Ma-
todos o profundo das »8U ( ' tenha navegado o Tiete alem
chad» d’Oliveira de que a expediç cidade a cachoeira
de Porto Feliz., por existir pout “ ^ g d r e e, segundo a
Avaremandoava, “que quer ' f de haver ali naufragado
tradição, esta denommaçao Sf -^X IV ). Salvo pelo indio Aragua-
a canoa em que ia Anclneta milagmsas, o Canarino alcançou

^ “ ™ ’u p a m P i r "

vicentina a conversão dos tapuia» it0 deliberado de tra­


do uma de suas peregrinações " "“ X dessa nação. Levados a
tar com os remóis, surgiram • aog jesuitas, reconheceu An-
presença do capitão-mor e og j a morte vinte anos antes
chieta um dos maramonus.par d não anterior a 1574.
C i s " : S d— os indios as povoações da costa, em-

— „c v r r * V < * ...... ” m " ‘ m e rh ,U


chictn, Lisboa, 1672, li' - "> <al'- ,, p aulo, 2“ e d ., S. P au‘
( X X X IV ) Quadro historico da Prof:™ r efere-se o o naufragio coino
i 1 8 « i. 49 Machado d'O liveira, entretanto, 1560, data
tendo ^ocorrido*durante uma geral d o B r a s ü ,
que Capistrano corrige para 1->C1 ( w i c i p o n A nchieta como interprete,
3* ed. h it., I, p . 387), c S ro n to a .d e as informações con-
segundo geralmente se sustenta E n t r a n t , a companhia de
tid as na ca rta X II com o que dm U ãU sar t e ainda 0 proprio Ca-
Jesu da provinda de Portugal, ™ expedição p a rtid a pela
narino na biografia que traçou ^ Manuel Ç01npaJlheir0 e in térp rete Gre-
qnarosma de 1561 seguiu esse ^ gle dç ^ sc o n c e lo s, Pero Rodrigues (o c-,
gorio Serrão e não A nchieta. Como S de ^ fe ita pelo Apostolo
i X r 7 ™ r L n* X portugueses criminosos, que se haviam metido
entre os indios.
VIDA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

brenhando-se nos matos. Mas logo depois tornaram em maior nú­


mero. Localizados os maramomis na Bertioga, Anchieta e seu com­
panheiro de hábito Manuel Viegas entre eles se demoraram quinze
dias, “edificando-lhes igreja e ensinando-os, segundo pedia por en­
tão sua rustica capacidade” (XXXV). Nesse breve espaço de tem­
po, o Canarino valendo-se de um intérprete “fez um pedaço de vo­
cabulário e também o princípio da arte” (XXXVI). Como suas
obrigações o chamavam para São Vicente, deixou na Bertioga o pa­
dre Manuel Viegas, que vencendo a oposição de seculares e religio­
sos, para quem parecia trabalho inútil a conversão dos maramomis,
“aprendeu sua lingua com grande diligência e nela tresladou toda
a doutrina que o padre Joseph tinha composta, pera os da lingua da
Costa, fez vocabulário copioso, e com sua ajuda se compôs arte da
gramatica” (XXXVII). Mais tarde foram os maramomis reuni­
dos em aldeias nos campos de Piratininga e no Rio de Janeiro, jun­
to a São Barnabé.
Embora eleito em 73 reitor do colégio do Rio de Janeiro, An­
chieta foi conservado pelo provincial Inácio de Tolosa na direção de
São Vicente, “por se assentar que era importante e mais do serviço
de Deus sua assistência em São Vicente” (XXXVIII). Só em 75 ou
76 deixou ele esse cargo, embarcando em 77 para a Baía com Inácio
de Tolosa. Aí prestou a profissão solene dos quatro votos e recebeu
patente de reitor do colégio. Não chegou porém a exercer o cargo,
por ter sido nomeado provincial logo depois, em 1578.
Elevado á suprema dignidade da Companhia no Brasil, na bran­
dura e na humildade, então maiores do que nunca, disfarçou aos
olhos de todos a autoridade de seu cargo. Nas viagens por mar, “vi­
giava toda a noite para que os outros dormissem descansados” e em
terra não abandonou “seu antigo costume de andar a pé, descalço,
com o bordão na mão” (XXXIX). No desempenho de suas novas
atribuições, percorreu mais de uma vez as residências da provin­
cia. Depois de visitar Pernambuco, Porto Seguro, Espirito Santo,
Rio de Janeiro e São Vicente, em novembro de 79 encontrava-se na
casa de Piratininga, tornando logo depois ao Rio, onde assistiu em
março de 82 á chegada de Diogo Flores Valdez e recebeu na Com­
panhia um carpinteiro da frota, Francisco de Escalante.
Fernão Cardim não menciona o Canarino entre os religiosas que
na Baía receberam o visitador Cristóvão de Gouvêa a 9 de maio de
(X X X V ) S. de Vasconcelos, o. e ., liv. 3, cap. I X .
(X X X V I) P . Rodrigues, o. c ., p . 200.
(X X X V II) S. de Vasconcelos, o. e ., liv. 3, cap. I X .
(X X X V III) S. de Vasconcelos, o. c ., liv. 3, cap. I .
(X X X IX ) P . Rodrigues, o. e ., p . 222.

555
VIDA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

1583. E ’ provável, pois, que se


de seu cargo, em visita a outra com Cristóvão de Gouvea,
é, porem, que a 18 de agOp ^ buc0. Mas no dia seguinte o na-
destinando-se os Jesuitas a Pem contrarios. A 20 deram a
vio tornou á Baia, impelido P barra do Camamú, em terras
vela novamente, lançando ^mora na ba Persistindo os ven­
do colégio da B aía e dele dmtanets 18 l e ^ - novameilte a via-
tos desfavoráveis, aí fic a r a m oito di^. ientaa ^ ^ de.

panhou Cristóvão de Gouvêa ™ ^ dt í e l e r Z tc o X a v tse ^ e

" Í‘ÜÍ P0SSÍVe1’ em fÍnS de


iunho, seguir com inch,sive a reda-
Retido certamente pelos deveres cie seu c g ’ deixou de
ção da I n f o r m a ç ã o e da B r e v e couvêa a 14 de novem-
embarcar «ncompan £ " e c e , s6 deixou a
bro, na missão as capitai - viditador nos primeiros meses
Baía, afim de se reunir a ““'’“J ,,' , d’Oliveira, readmitido pou-
de 85, levando consigo o o visitador, tor-
A * is s r r * - - - —
,U"S Nea^m^mo ano de 85 ou em princípios £ ■ * £ £ £ , £ £
nas mãos do visitador c>fardo do I C a r d i m (XL), apesar de

t r . p= .
i = ^ P ^ o ssombra
desejavam viver os jesuítas sem d* sua piecUde’
. ^ Anohieta foi en-
do Bio’, entre junho e dezembro de 87, ao

E6Pe S 1592,°assistiu na Baía â congrega^ P - ^ i a M ' i e elegeu


o padre Luiz da Fonseca procurador a Roma. Ate o em

(X L) Tratados da terra e g e n t e do Brasil, Rio, ed. J . Leite, 192o, p a ­


gina 298.

5 56
VIDA DO PADRE JOSEPH DE ANCHIETA

tc, auxiliando-o nos preparativos de sua missão, deve ter Anchieta


permanecido na Baía. Trabalhavam no sentido de encaminhá-lo para
Pernambuco. Mas, cumprindo a promessa feita ao capitão Miguel
de Azeredo, o provincial Marçal Belliarte tomou a enviar o Cana-
rino para o Espirito Santo, como companheiro do padre Diogo Fer­
nandes, na doutrina dos indios de Reritiba. Um ano depois, ainda
a mandado de Belliarte, inspecionou as casas do Rio de Janeiro e
São Vicente, voltando em seguida para o Espirito Santo. Achava-
se ele em Reritiba quando foi nomeado superior da casa da capita­
nia, cargo que exerceu até 95. Teve então como discipulo o famoso
João de Almeida, vindo em 93 da Baía e recebido na Companhia
um ano antes.
Deixando a direção da casa, partiu para Reritiba, “levado a om­
bros de quatro indios” (XLI), por determinação dos jesuitas da
vila e em atenção á sua idade avançada e á sua pouca saúde. Em
meio da viagem, porém, despediu os indios e alcançou Reritiba a
pé. Aí se ocupou em escrever a biografia, dos jesuitas mortos no
Brasil. Gravemente enfermo, foi chamado á casa da vila. Acom­
panhado até a aldeia de Goaraparí por Jeronimo Rodrigues, dali
seguiu viagem com o padre Manuel Dias. Confiaram-lhe então, mais
uma vez, a direção da casa e residências do Espirito Santo. Cinco
ou seis meses, enquanto se esperava o padre Pedro Soares, nomeado
superior, arcou Anchieta com as responsabilidades do cargo, ven­
cendo a idade e os achaques.
E tornou para Reritiba. Então adoeceu para morrer. Sofreu
seis meses e novamente, por ordem do superior, esteve na vila. Mas,
sentindo-se peor, voltou para a aldeia. E três semanas depois, num
domingo, 9 de junho de 1597, morreu cercado por cinco religiosas,
seus companheiros e discipulos. Tinha 63 anos de idade, 46 de Com­
panhia e 44 de missão no Brasil.
Colocado o corpo num caixão de madeira, formou-se o corte­
jo, tendo á frente a Cruz alçada, para vencer as dezoito léguas de
Reritiba á vila do Espirito Santo. Acompanhando o caixão, trans­
portado nos ombros dos indios (Não pesa, não pesa — diziam eles)
seguiram o padre João Fernandes, revestido de alva e estola, e
os habitantes da aldeia, “postos em ordem e em canto funebre
(XLII). O padre Pedro Soares se incorpou ao cortejo em meio do
caminho. Na vila esperavam o corpo o capitão Miguel de Azevedo,
o prelado administrador Bartolomeu Simões Pereira, o clero, os

(X L I) S. de Vasconcelos, o. c ., liv. 5, cap. XV.


(X L II) E sta e as citações seguintes são igualmente da biografia es­
c rita por S. de Vasconcelos, liv. 5, cap. XV.

557
sacra RI T VV M
CONGREGATIONE
Emo, &RmoD.Cará.

IMPERIALI
BrafiUen., feüBahyen.
Beatifications»& Canonizations
yen. servi dei
P . I O S E P H 1
DE A N C H IE T A
Sacerdotis Profeííi Societatis leio •

POSITIO S VP ER D V B I O.
Ar. m t l a d ' V ir m ih s T b 'o h lM u , f i d , S f ' 's j* £ “ u
troa Deum , & Proximum ; Et de Cardinalibus p r u d e n t i >
g luflitia , Fortitudine , & Temperantia , earumqut
annexis in gradu heroico, in cafu> ÍJ ad
ejjeftum de quo agitur .

ROM , M.DCC.XXXIII.
ExTypographia R euerendae Camerae A poftolic*
Su per iorumJacuit at e .

‘ Museu Paulista)

558
BRASILIENSIS, SEU BAHYENSIS
Beatificationis
V E N E R A B I L I S
, Canonizationis
S E R V I D E I

JOSEPHI DE ANCHIETA
Sacerdotis Profdfi Societatis J E S U.
Teria Tertia j i. Julii j 6.
Oram SanAiffmo D. N. CLEMENTE PAPA XII. hahita fuit Congrega­

C tio Generalis Sacrorum Rituum, cui interfuere iexdecim Enti, ac Rnti


D. D. Cardinales . Decem U lmi, ac Rmi DD. Patriarch» , Epifcopi, &
P n l a t i , £< decem, & oifoConfuItores; & propofito per Emum,ac Rmum D.Cardi­
nalem Imperiali Ponentem, ieu Relatorem, dubio: An confiant de V irtutibus tum
Theoiogalibus, tum Cardtnalibu! Vett. Servi Dei 'JOSEPH! DE A N C H I E T A , i»
eafu, & ad ejfcBum , de quo agitur. Omnes unanimi voto, & nemine diferepante,
affirmative rcfponderuot; Saotfiffimus verò, ut in re tanti momenti mature proce­
deretur, decrevit : Dilata , & fiant precet : qus cum per integrum novendium
procedens felium S.Laurentii, cujus nomen SanrtilTimus habebat antequam ad Sum­
mi Pontificatus apicem conlcenderet ; tàm a Sanílitate Sua , quâm i quamplurimis
Rcligiofis , Se Momalibus ejus julfu fail» fuilfcnt, die decima Augufti publicari
mandavit decretum tenoris íèquentis:

DECRETUM
Oram SanílilTimo D. N. CLEMENTE PP. XII. die j i . Julii currentis anni
C 1730. habita fuit Congregatio Generalis Sacr. R ituum , in qua per Rmum_.
D. Card. Imperiali Ponentem, (eu Relatorem propofita fuit Caufa Brafilienfis, feit
Bahyenfis Beatificationis, 8c Canonizationis Ven. Servi Dei JO SE PH I DE AN­
CHIETA Sacerdotis Profeifi Societatis JE SU . In ea vero (uper Dubio : oAn con­
fle t de Virtutibut, tum Tbeologalibut, tum Cardinalibut ipflus Ven. Servi D ei, in
tafu , & ad effc&um , de quo agitur : Sanil itas Sua , auditis Votis DD. Confulto-
rum , nec non Rmorum DD.Cardinalium: R.e(blutionem ea ipfa die de more differ­
re cenfuit ,u t nimirum, prius tum fuis, tum aliorum precibus peculiarem i Patre .
luminum opem,& auxilium imploraret. Id autem cum jam peregerit, tandem infra-
Icripta d i e , Divo Laurentio Sacra , accitis coram fe R.P. Ludovico de Valentibus
Fidei Promotore, íí me infraferipto Secretario , fuper propofito Dubio publicari
mandavit refponfumafflrinativum , videlicet = Conflare de Virtutibu: Venerabilis
Servi Dei 'JOSEPHI D E A N C H I E T A , tam Tbeologalibut, (cilicèt , Eide , Spe,
(jf Cbaritatc, quam Cardinalibus, Prudentia, 'Juflitia, Fortitudine, gt» Temperan­
tia, earumque rcfpeUivè annexis in gradu heroico, in cafu, f r ad effeButn, de quo
agitur = E t ita &c. die 10. Augufli 1736.

A F. Cardinalis Zondadari Pro-Praefeiflus.

Loco *J« Sigilli

Tb. 'Patriarcha Hcrofòlymitanut S.R.C. Secret.

Reprodução fac-similar reduzida ãe página do livro, a que se refere


a figxira anterior, com 0 decreto ãe S . P . Clemente X I I , da
beatificação do P c Joseph ãe Anchieta.
VIDA DO PA D R E JO S E P H D E A N C H IET A

frades f r a n c o s , a 1™“ ^ * oom tochas


S f e os^ moradores da C o m p a n h ii^ rd ia
sentimento” . Depositado o I ^ gmissa cantada, prègando o
seguinte, quinta-feira, 1 , nrimeira vez proclamou em Jose
administrador que então e pela primeira v i
de Anchieta o Apostolo do Brasil. de Greg0.
Em seguida foi o assim a profecia a
rio Serrão, na capela de bao iiago T v t t t t i
que se referem os primeiros b.ogratos (A L III).

A ntónio de A lcantara M achado .

(N L II1 ) "Õb processos inf°rin;i t i v o )a ^ r a ^ e^ t r f i ^ « ^ ° r a . b i ­


foram logo feitos em Olinda Baía^ R d in stau rad0s a 7 de outubro do mes-
ciado o exame deles a 22 de ab rü de - sto de 1736 decretou Cie-
Z l n o o» processo. a p c a d o n c o » fre corürechnento da he-
mento X U a beatificação dc José dc E 1611 por ordem do
U c M .d c Jo « » '-irtoJoo, a T ,c lia u T a . “ g«iu p ara a B aia, sondo colo-
geral Claudio Aquaviva, par e .dtar-mór de onde a tran sp o rtaram p ara
end a na ig re ja do Colegro ao M o do a l d e on ^ Segmiao
outro lugar, quando promulgado bre X V ), “ destas reli-
; „ ‘ gS de Vasconcelos ( Vida de Anch. I n . 5, cap. a n . ) ,
quÍrsT o i n,,,a a Boma”, ainda por ordem dc A qnav.va,
INDICE

Nota preliminar, de Afranio Peixoto ......................................... 5—.11


A obra de Anchieta no Brasil, de Capistrano de A b r e u ........... 11 — 15

I ntrodução, de A franio Peixoto ............................................................... 17— 25

Bibliografia do padre J oseph de Anchieta, S . J ........................ 27'— 31

I. Quadrimestre de Maio a Setembro de 1554, de


Piratininga......................................................... 35— 61
P a rtid a do P adre Leonardo Nunes. — Resi­
dências da Companhia no B rasil. — Padres M a­
nuel da Nobrega, Luiz da Grã, Antonio P ires e I r ­
mão João Gonçalves. — M orte de Domingos Peco-
rella. — Porto Seguro. — P ad re Ambrosio Pires
e Irm ão Antonio Blasquez. — Espirito S anto. —
P ad re Braz Lourenço e Irm ão Simão Gonçalves.
— São Vicente. — Padres Manuel da Nobrega,
Manuel de Paiva, Francisco P ires, Vicente Rodri­
gues, Afonso Braz, Leonardo Nunes, e Irm ãos Dio-
go Jacome, Gregorio Serrão, Pero Corrêa, Antonio
Rodrigues, Manuel de Chaves, Fabiano, Antonio,
M ateus Nogueira, João de Sousa e Gonçalo An­
tonio. — Trabalhos e frutos d a catequese em P i­
ra tin in g a . — C arijós. —• Guerras do gentio. —
Os mamalucos de João Ram alho. — I d a de Pero
Corrêa e mais dois Irm ãos á te rra dos Ib ira já ra s .
— E spera do P adre Luiz da G rã.

II. A osI rmãos enfermos de Coimbra, de S. Vicente


(1554) 62— 66
P a rtid a do Padre Leonardo Nunes. — Saúde
de A nchieta. — N otícias de Gregorio Serrão e Ma­
nuel da N obrega. — Estudos da lingua geral. —
Trabalhos dos missionários no B rasil.
IN D IC E

III. AO PADRE MESTRE INACTO DE LOIOLA, PREPOSITO


gerat- da Co m pa n h ia de J e s u s , de P ir a t in in g a ,
67— 70
JULHO DE 1554 ................................................. ...................
Meninos órfãos. — Luxuria das In d ias.
Troca dc mestiços da te rra por Irm aos de Coim­
b ra . —, Id a do P a d re Leonardo Nunes. A ex­
pedição de que participou Azpilcueta N avarro.

IV . Aos P adres e I rmãos da Com panhia de J esu s em


71— 78
P ortugal, de P ira tin ing a , 1555 ............. ................. ..
Residências da Companhia no B rasil. — A
catequese em P ira tin in g a . - Gucrnw do Gentio.
__ Os Pagés. — Carijós. — Expedição do Padre
Azpilcueta N avarro. - Missão dos Irm ãos Pero
Corrêa, João de Pousa e Pabiano de Lucena aos
Ib ira já ra s. — V olta dc Fabiano de Lucena. —
Morte de Pero Corrêa e João de Sousa.
79 84
V D e S . V ic en te ,
15 de M arço de 15oj ................
a
A escola de P iratin in g a. — P ro je ta d a missão
de Nobrcga aos Carijós. — P adre Luiz da G rã.
__ Morte de Pero Corrêa e João de Sousa.

V I. CÓPIA DE OUTRA, OU COMPLEMENTO DA ANTERIOR, DA


85— 86
MESMA DATA ............................................. .. ................
Grande escola do meninos em P ira tin in g a .
V inda de um principal Carijó.

V il. T rim ensal de M aio a A gosto de 1556, de P ira ­


87— 91
tininga .......................................................................................
•Doutrinação dos índios. — Assistência aos
doentes. — Instrução dos meninos. — N otícias de
Je rib a tib a. — Padre Luiz da Grã.

V III. D e P iratininga , f im de D ezembro de 155G ......... 92 96


Trabalhos c frutos da catequese. — In a u g u ra ­
ção da ig re ja nova. — Padre Afonso B raz.
Doenças do Padre Luiz da Grã e Irm ão Gregorio
Serrão. — Ja ra ib a tib a .

TX. Q u a d rim e s tr e de S e te m b ro a t é o fim d e De­


zembro de 1556, de P ir a t i n in g a , a b r i l d e 1557 ..
97 — 102
Doutrinação dos meninos. — Id a do P adre
Luiz da Grã ás vilas do m ar. — N otícias dos ca-
teçumenos. — Os pagés. — Ataque dos ín d io s.

5 62
IN D IC E

Destruição de três aldeias pelos castelhanos do P a ­


raguai. — E n tra d a p a ra a Companhia de um Irm ão
in té rp re te .
X. Ao P adre Geral, de S. Vicente, ao ultimo de
Maio de 1560 ........................................................ 103 — 143
Descrição das coisas naturais da C apitania de
São Vicente. — Divisão das partes do ano. — Tem­
pestades. — D isputa com uni feiticeiro. E n­
chentes dos rios. — Saída dos peixes. Boi ma­
rinho. — N arração de um a tem pestade no m ar.
— E n trad a dos peixes. — Sucuriuba. Ja ca ré .
— C apivara. — L o ntras. — Caranguejos. — Modo
indigena de curar o cancro. — Ja ra rac a , cascavel,
coral e outras serpentes. — Piolho de cobra.
A ranhas. — T aturanas. — P an teras. Tam an­
duá. — A nta. — P reguiça. — Gam bá. — Ou­
riços. — Macacos. — T a tú . — Veados. — Gatos
monteses, gamos e javalis. — Lham a do P e rú .
Bicho da taq u ara. — Form igas. — Abelhas. —•
— Moscas e mosquitos. — Papagaios, beija-flores
e outros passaros. — G uará o outras aves m ari­
nhas. — Aves dc ra p in a . — Anhim a. — Galinhas
silvestres. — Mandioca e “ Yeticopê” . 1 E rva
viva. — Arvores m edicinais. — Pinheiros.
Raizes m edicinais. — P e d ra elastica. - Conchas
e pérolas. — Espectros noturnos ou demonios. —
Raras deformidades entre os B rasis. Criança
monstruosa. — Um porco herm afrodita.

XI. Ao Padre Gerai,, de S. Vicente, a 1 de Junho


de 1560 ............................................................ 144 — 164
Resistência dos Brasis á catequese. Con­
versões na hora da morte. Padre Afonso Braz
e Irmão Gaspar Lourenço. — Visitas as povoa­
ções. — Práticas abortivas entre o Gentio. — Ir­
mão Diogo Jacome. — Oficios dos Jesuítas.
Castidade das índias Cristãs. — Padre Luiz da
Grã. — Chuva dc graniso. —- Irmão Manuel de
Chaves. — Batismo de dois cativos condenados á
morte. — Irmão Gonçalo d’Oliveira. — Guerras
com os Índios do sertão. — Os Franceses do Rio
de Janeiro. — Jean des Boulez em São Vicente.
— Sua disputa com Luiz da Gra c partida, prêso,
INDICE

para a B aía. — Expedição de Mem de Sá contra


os Franceses do Rio. — Socorro enviado de São Vi­
cente. —4 A tom ada do forte de Coligny. V inda
de N obrega. — Grã recebe a patente de Provincial.

Ao P adre G eral D iogo L ainez , de S. V ic e n t e ,


X II.
a 12 de J u n h o de 1561 ................................ 165 —176
P a rtid a do P adre Luiz da Grã p a ra a B aía.
— Nobrega em P ira tin in g a . — O caminho de Pa-
ranapiacaba. — V isita ás aldeias dos antigos dis­
cipulos. — Morte de Gaiubi c de um seu filho.
N otícias de Santos e Itanhaen. — Substituição do
capitão-m ór. — Mudança de Santo André da B or­
da do Campo p a ra P ira tin in g a . — Gregorio Serrão.
—i Assaltos dos índios e desforço dos Portugueses.
— Pestilência de cam aras do sangue. — M orte do
Irm ão Mateus N ogueira.

X III. Ao G e r a l Diogo L a in e z , de P ir a t i n i n g a , M arço


de 1562, re c e b id a em L isb o a a 20 de S e te m b ro
do dito ano ..........................................................................
177 — 180
Grandes trabalhos e pouco fruto da catequese.
— Atividade de Nobrega, apesar de gravem ente en­
fermo . — Transferencia da aula de gram atica de
São Vicente p ara P ira tin in g a . — Perversão dos an­
tigos discipulos.

X IV . Ao Geral Diogo Lainez, d e S . Vicente, a 16 de


A b r i l d e 1563 ..................................................
181 — 195
Ataque dos índios contra P iratin in g a. Ei-
delidade de T ibiriçá. — Assaltos pelos caminhos.
— Bens que resultaram da guerra. — M orte de
T ibiriçá. —1 Padre Manuel da Nobrega. — Mis­
são a Santos e Itan h aen . — Batismo de um índio
centenário. — Notícias dos Tamoios. N obrega
e Anchieta se preparam p ara a viagem a Iperoig.

XV. Ao G eral D iogo L ain ez , de S . V ic e n te , J aneiro


de 1565 ............................................................ 196 — 244
Missão de Nobrega c A nchieta a Iperoig.
P arad as na B ertioga e na ilha de S. Sebastião.
— Chegada a Iperoig. — A razão por que os
Tamoios queriam a paz. — P a rtid a de refens para
S . Vicente. — Doutrinação dos meninos. — Pro-

564
INDICE

jetado ataque dos Tamoios ás povoações p o rtu ­


guesas. — Chegada de Pindobuçú. — José A dor­
n o . — Chegada de Aim biré e de um Francês lute­
rano. — N otícias dos Franceses do Rio de J a ­
neiro. — P a rtid a de Adorno e alguns Tamoios
p a ra S. Vicente. — Chegada de um filho de
Pindobuçú. — V isita á aldeia de Cunhambeba.
— Nobrega volta p a ra S. Vicente. — Domingos
de B rag a. — Batism o de um m arabá. — Amizade
de Pindobuçú. —• P ad re Francisco Cardoso. —
N obrega e Cunhambeba assentam as pazes com os
Tupis. — Id a a P iratin m g a dos Tamoios do P a ­
ra íb a . — Anchieta socorre os enfermos. — Che­
gada de Cunhambeba e p artid a de Domingos de
B raga. — Cunhambeba e A nchieta embarcam p a ra
S . Vicente. — Assaltos dos Tamoios do Rio de
Jan eiro . — A arm ada de Estacio de Sá chega ao
Rio. — Nobrega e Anchieta seguem ao seu en­
contro. — Vinda da arm ada a S . Vicente. —
P este de variolas. —■ Anchieta em P ira tin in g a .

X V I. Ao PADRE DiOGO MIRÃO, DA BAÍA, A 9 DE JULHO


DE 1565 ............................................................................ 245 — 256
A arm ada de Estacio de Sá em S . Vicente.
— P a rtid a p ara o Rio de Ja n eiro . — Sucessos
da viagem . — V inda de três navios da B aía. —
Desembarque no Rio de Ja n eiro . — Construção
da cêrca. — Ciladas dos Tamoios. — Tomada de
uma nau francesa. — P a rtid a de Anchieta p a ra a
B a ía . — Padre Gonçalo d ’Oliveira. — Elogio de
Estacio de S á. — Necessidade de auxiliar os
combatentes do Rio de Janeiro.

X V II. Ao Geral P adre F rancisco de Borja , de S. V i­


cente , a 10 de J ulho de 1570 ................................. 257 - - 260
Padre Inácio de Azevedo. — Missionários da
Companhia. — Em S. Vicente: Padres Afonso
Braz, Adão Gonçalves, B altazar Fernandes, M a­
nuel Viegas e Anchieta. — Em P ira tin in g a : P a ­
dres Vicente Rodrigues, Manuel de Chaves, Si-
meão, Antonio Gonçalves e Irm ão João de Sousa.

XVIII. A UM sacerdote recem -ordenado, toda de pala ­


vras da S agrada E scritura ...................................... 261 — 264

565
INDICE

XIX. Da Baía, em 7 de J unho de 1578, a G aspar S chet ,


em A ntuérpia ..................................................................
265 — 267
P ro je ta d a viagem a São Vicente. Pesames
pelo falecimento de Melchior Schet. — N otícias
do Engenho dos Erasm os c seus feitores.

XX. D e PlRATlNINGA, EM 15 DE NOVEMBRO DE 15/9, AO


Capitão J eronimo L eitão , em S. V icente ........... 268 — 270
Preparativos de viagem. — A ig re ja de Do­
mingos Luiz. — Os indios de A rariboia e o p a ­
dre Antonio Gonçalves.

XXI . S uma de outra, ao I rmão A ntonio R ibeiro . . . . 271

Xvii Ao I rmão A ntonio R ibeiro, do R io de J aneiro , a


' 5_ T , rQ7
de J unho de 1587 .......................................................
272 — 274
X X III. Do E spirito S anto, em 9 de D ezembro de 1587,
ao I rmão F rancisco de E scalante ....................... 275 270

X X IV . Ao I rmão F rancisco de E scalante , do E spirito


S anto, a 7 de J ulho de 1591....................................... 277 278

XXV. Ao I rmão F rancisco de E scalante , do E spirito


S anto ................................................................................................... 279

X X V I. Ao Capitão M iguel de A zevedo, da B aía , a 1 de


D ezembro de 1592 .............................................................. 289 289
Chegada dc naus do Reino. — Padre João
Pereira. Congregação provincial. — Eleição do
Padre Luiz da Fonseca p ara procurador a Roma.
— P adre Fernão Cardim . — Negocios do Espirito
Santo. — Atentado contra a vida do Inquisidor.
— P a rtid a do Padre Luiz da Fonseca para o Rei­
no. — P adre Marçal B elliarte. — Padres Ga-
vriel e Pedro Soares.

X X V II. Ao G eral P adre Claudio A quaviva, do E spirito


S anto, a 7 de Setembro de 1594 ............................. 290 — 293
P adre M arçal. B elliarte. — Missão de An­
chieta ás Capitanias do Sul. —• Jesu itas despedi­
dos da Companhia. — Padre Melchior de Acosta.
— N otícias do Rio de Jan eiro . — Padres Fran-
eiseo Soares e João P ereira. — E spera do novo
provincial Pero Rodrigues. — N otícias de São Vi­
cente. — Padres Pero Soares e Domingos Fer-

566
INDICE

reira. — Ataque dos piratas ingleses e insurrei­


ção dos ín d io s. — N otícias do E spirito Santo.
Espera do padre Luiz da Fonseca.
294 — 298
XXVIII. C a r ta ao Irm ão E m a n u e l ........................................
X X IX . I nformação do B rasil e de suas Capitanias gQ1__ 34g
(1584) ..................................................................................
XXX. I nformação dos primeiros aldeiamentos da Baía 349-394
XXXI B reve narração das coisas relativas aos Co
LEGIOS E RESIDÊNCIAS DA COMPANHIA NESTA PRO- ^ __ ^
VINCIA BRASÍLICA, NO ANO DE 1584 .........................
X X X II. INFORMAÇÃO DA PROVINCIA DO BRASIL PARA NOSSO ^ __ ^
P a d r e — (1585) .............................................................
XXXIII. In fo rm a ç ã o dos C asam en to s dos Ín d io s do B r a s i l 448 — 456
X X X IV . I nformação do padre Gonçalo de Oliveira

XXXV. resposta do padre J oseph de A nchieta ao padre


Gonçalo de Oliveira .....................................................
469 — 495
X X X V I. F ragmentos H istoricos ....................................
499 — 516
X X X V II. S ermão de 1567 ...........................................................
X X X V III. ” da C onversão de S . P a u lo (1568) ............. 517

V ida do P adee J oseph de A nchieta , de Antonio de Alcantara, #


Machado ..............................................................................

567

Você também pode gostar