Você está na página 1de 5

BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Tradução de Sérgio Barth.

10ª
edição. Brasília: UNB, 2008.

PREFÁCIO PARA A EDIÇÃO BRASILEIRA

.................................................................................................................................

p. IV: “(...). Parecia chegado o momento de fazer entender aos estudantes tão
inflamados (...) desesperados que a política era uma outra coisa e que, com certeza, era
importante transformar o mundo, mas, para transformá-lo para melhor e não para pior,
era necessário antes de tudo compreendê-lo. Para compreendê-lo, era preciso estudar,
relacionar os problemas do presente aos do passado, definir os conceitos fundamentais
para evitar as superficialidades e as confusões, dar-se conta de que a história, com seus
problemas não resolvidos, não recomeça a cada geração; em suma, fazer da política um
objeto de análise racional e não apenas uma ocasião de desabafos passionais, de projetos
fantasiosos, de controvérsias desprovidas de finalidade e infecundas. Para iniciar o meu
primeiro curso de filosofia política no outono de 1972, escolhi como tema a relação
entre sociedade civil e Estado de Hobbes a Marx e coloquei como subtítulo ‘A Lição
dos Clássicos’.

(...) ‘temas recorrentes’, da teoria política, e segui-lo de um autor a outro para


captar-lhe o desenvolvimento interno através das afinidades e das diferenças, das
persistências e das inovações. Naturalmente, em uma escolha desse tipo está implícita
uma ideia central (não quero dizer que era propriamente uma teoria que tivesse
necessidade de um outro aparato de documentos e de argumentos): a ideia de
continuidade histórica além das modificações, das rupturas, das convulsões e também
do que de início parece catastrófico. Mas existe também (...) a ideia da (...) originalidade
(...) das categorias elaboradas pelos gregos, em particular por Aristóteles (...): parece-me
que nenhum tema se adaptaria mais a esta prova do que a forma de governo (...) por
duas razões: não há obra política clássica que não trate desse tema e não há autor
clássico, que, tratando dele, não faça referência (...) aos autores gregos (...). Alguns anos
mais tarde, no último ano de magistério, (1978/79), escolhi como tema do curso um
outro dos temas recorrentes, o da passagem de uma forma de governo a outra (...) o
ponto de partida foi (...) foi a política de Aristóteles, em particular o (...) Livro V,
dedicado às mudanças”.
p. 5: “O fato do curso terminar com Marx não significa que o tema se tenha
exaurido na segunda metade do século passado. Trata-se de um término puramente
ocasional e imposto pelas circunstâncias. Tanto o tema não se exauriu, que foi (...)
desenvolvido (...) por duas maiores obras de teoria política do século passado,
Vorlesungen über Politiki, de Henrich von Treitschke (1897-1898) e os Elementi di
scienza política, de Gaetano Mosca (1895), que retoma, entre outras coisas, a teoria
tradicional do governo misto com uma referência explícita a Aristóteles e a Políbio (...).

.................................................................................................................................

Norberto Bobbio
Setembro de 1981.

Nota para a edição brasileira

.................................................................................................................................

p. 7: “O desenvolvimento da obra de Bobbio se manifestou através de uma quase


ininterrupta sequência de ensaios e livros, abrangendo questões de filosofia jurídica,
lógica e teoria da linguagem, bem como problemas de história do pensamento político –
campo, aliás, que cultivou desde cedo com admirável penetração. Nos livros sobre
teoria do direito (dos quais se destacam o sobre a teoria da norma, o sobre a teoria do
ordenamento e o sobre a teoria da ciência jurídica), a reflexão de Bobbio se notabiliza
pelo consciencioso hábito do rigor de expressão, que se distingue daquele verbalismo
fácil vez por outro encontrado em autores latinos, mas que por outro lado não se
transforma num culto excessivo, numa mania. A este rigor de expressão, que (...)
corresponde a um rigor de pensamento, se liga uma visceral tendência ao racionalismo,
este racionalismo se acha patente em alguns de seus ensaios críticos mais interessantes,
inclusive naquele sobre o existencialismo1 e nos estudos sobre o problema do direito
natural2”.

p. 8: “(...). Como tantos outros pensadores do direito (um Del Vecchio, um


Paund, um Kelsen) e da política (um Laski, um Burdeau, uma Hannah Arendt), Bobbio
sempre cultivou os chamados temas abrangentes. Mas, ao contrário de Kelsen – cujo

1
Procurar a nota no texto...
2
Idem.
formalismo aliás o influenciou em larga medida como rigorismo, além de deixar marcas
específicas na teoria da norma e do ordenamento – Bobbio jamais levou as plenas
consequências a ideia de uma separação impermeável e intransponível entre o estudo do
direito e o das demais ciências sociais (...) Bobbio sempre deixou que em seus estudos
jurídicos penetrasse (embora discretamente e na medida) a luz da perspectiva política,
da teoria das ideologias, e também o ponto de vista histórico 3 [enquanto em Kelsen há
uma drástica separação do jurista em relação ao mundo no sentido de analisar as normas
de modo “intra-sistemático” do direito positivo].

(...). Seu pensamento político se acha fundado sobre lúcidas considerações


filosóficas (...) nutridas pelo racionalismo acima mencionado, e (...) conduzidas com
flexibilidade e sem radicalismo. No caso, lembraria seus interessantes estudos sobre a
igualdade e outros problemas fundamentais4 (...) também sua (...) presença no próprio
debate político italiano, onde se tem revelado um socialista convicto, com sério
conhecimento da obra de Marx, mas sem ser absolutamente um marxista stricto sensu,
sem dogmatismos sem unilateralismos, sem maniqueísmos5.

(...). Trata-se (...) de um livro [do presente fichamento] didático, oiundo (como
tantos outros livros seus) de um curso proferido durante o ano acadêmico de 1975-1976.
Suas explanações se aplicam sobre determinados autores e determinadas obras, um tanto
ao modo do método utilizado por Jean-Jacques Chevalier em seu valioso e conhecido
livro sobre As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Este método,
excelente como forma de fixar a atenção do estudante sobre determinados ‘momentos’
da evolução de um tema, teu seu reverso, dificultando a análise de questões ‘laterais’,
que são laterais em relação aos ‘grandes nomes’ escolhidos, mas não o seriam se o
enfoque utilizado fosse outro”.

p. 9: “Um dos méritos (...) da exposição de Bobbio, neste livro, consiste na (...)
clareza, que se alia (...) no indicar as ‘passagens’ fundamentais das obras comentadas.

(...) alguns dos grandes desdobramentos teóricos do problema das ‘formas de


governo’ estão justamente em planos doutrinários onde se conjugam a perspectiva
filosófico-social, a política e a jurídica. O tema ‘governo’ tem sido considerado de
modos os mais diversos, mas na verdade o seu entendimento pleno tem de abranger

3
Nota 5. Procurar nota...
4
Nota 6. Procurar...
5
Nota 7. Idem.
estas três perspectivas (...) Todo mundo sabe que, dos três principais fundamentadores
do absolutismo moderno, Maquiavel foi sobretudo político, Bodin (...) jurista e Hobbes
(...) filósofo. Isto para não falar no teologismo já então meio anacrônico de Filmer, alvo
específico de Locke [o tema “governo” tem sido considerado de modo os mais
diversos].

(...) no ângulo de um curso de história do pensamento político, Bobbio


selecionou os autores que lhe pareceram mais decisivos e marcantes para a trajetória (ou
as trajetórias) do problema. Selecionou-os sob critério notadamente político, sem se
preocupar grandemente com o contributo que ao problema tenham trazido juristas e
filósofos (...) na medida em que é possível sustentar uma distinção perfeita entre as três
perspectivas mencionadas acima, porquanto as formulações políticas se acham sempre
montadas sobre supostas filosóficos – ao menos implícitos – e se acham vinculadas a
categorias jurídicas.

O problema das formas de governo é (...) um problema em que a interligação


entre matéria política e matéria jurídica se apresenta ostensivamente (vá a palavra
‘matéria’ aqui em seu sentido mais clássico, e passando-se ao largo da ideia restringente
e sibilina de que o direito é sempre ‘forma’) (...) nestes autores [Jellineck, Vittore
Orlando, Giese, Kelsen; Heller e Schmitt] o prisma jurídico foi até certo ponto
preferencial; mas o pensamento político não pode deixar de prestar atenção, por
exemplo, ao esquema de Carl Schmitt, referente ao Estado legislativo ou parlamentar e
ao Estado administrativo e ditatorial; ou ao de Friedrich Giese, que distingue as
Verfassungsformen (formas constitucionais) e as Regierungsformen, que seriam (...)
formas de governo6. Assim como não pode deixar de ter em vista o surgimento da
própria distinção, dita jurídica, mas em geral politicamente situada, entre formas de
governo e formas de Estado. O mesmo se diga com referência à distinção entre formas
de governo e ‘regiems’, sempre discutida embora corrente.

A combinação (não confusão) entre problemática ‘política’ e problemática


‘jurídica’, hoje presente em alguns dos mais sugestivos pensadores do direito ou da
política, tem sido (...) o caminho mais fértil para o aprofundamento das reflexões, em
ambos os campos”.

p. 10: “

6
Nota 8. Idem.

Você também pode gostar