Você está na página 1de 171

AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA BACIA DO

CÓRREGO DA SERRA EM BELO HORIZONTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Geografia - Tratamento da
Informação Espacial, como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre.
Área de Concentração: Meio Ambiente
Orientador: Dr. Heinz Charles Kohler
Co-Orientador: Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho.
Mestrando: Rubem Gomes Pereira

PUC-MG
Belo Horizonte
2005
Rubem Gomes Pereira

AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA BACIA DO


CÓRREGO DA SERRA EM BELO HORIZONTE

Dissertação de Mestrado apresentada no


Programa de Pós-Graduação em
Tratamento da Informação Espacial da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais.

Orientador: Prof. Dr. Heinz Charles Kohler.


Co-orientador: Prof. Dr.Oswaldo Bueno
Amorim Filho.

Belo Horizonte
2005
A
meus pais Persides e Odete,
minha mulher Silvana
e meus filhos Mariano e Clarice.
Agradecimentos:

Prof. João Francisco de Abreu, Prof. Oswaldo Bueno Amorim Filho, Prof. Charles
Heinz Kohler, Prof. José Flávio Morais Castro, Prof. Cláudio Lhister Marques Bahia,
Profa. Marília Dalva Carneiro, Mariano Santoro Gomes, Maria Fernanda Antunes de
Pádua, Érica Pastor Miranda Soares, Bruno Azevedo e Glória Tupinambás.
RESUMO

A geosfera é o espaço de interação da litosfera, atmosfera e biosfera. É aí que


se localizam as cidades, resultado da interação entre processos abióticos (geológi-
cos, geomorfológicos, pedológicos, hidrológicos, climáticos, etc.) e processos bióti-
cos (principalmente os antrópicos).
O avanço do tecido urbano sobre a paisagem natural vem acontecendo provo-
cando um grande impacto ambiental, causando alterações indesejáveis no clima, no
solo, nos recursos hídricos, na fauna, na flora e no ar.
O trabalho investiga o processo de crescimento acelerado da cidade sobre o
ambiente natural, e faz o estudo de caso da bacia do Córrego da Serra, afluente do
Ribeirão Arrudas, em Belo Horizonte (MG). O estudo identifica e caracteriza as
unidades paisagisticas que compõe a bacia, faz comparações de cenários através do
tempo e do espaço procurando desvendar os mecanismos que condicionam a forma
da cidade e sua relação com a natureza.
ABSTRACT

The geosphere is the space of interaction of the lithosphere, atmosphere and


biosphere. This is the place where the cities are located, result of interaction among
abiotic processes (geological, geomorfological, pedologic, hydrological, climatic, etc)
and biotic processes (mainly the anthropic).
The progress of the urban tissue on the natural landscape is happening pro-
ducing great environmental impact, causing undesirable alterations in the climate, in
the soil, in the hydric resources, in the fauna, in the flora and in the air.
The work investigates the process of accelerated growth of the city on the nat-
ural environment, and makes the study of case of the basin of the Córrego da Serra,
affluent of Ribeirão Arrudas, in Belo Horizonte (MG). The study identifies and charac-
terizes the landscape units that composes the basin, does comparisons of scener-
ies through the time and of the space, trying to unmask the mechanisms that condi-
tion the form of the city and his relationship with the nature.
SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO.
1.1 Apresentação.................................................................................................. 13
1.2 Regiões metropolitanas: crescimento urbano x meio ambiente............... 20
1.3 O sítio urbano de Belo Horizonte: formação geológica,
geomorfologia, hidrografia e vegetação.............................................................26
1.4 Belo Horizonte: evolução de uma cidade planejada................................... 31

2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.
2.1 O estudo da paisagem como sistema.......................................................... 42
2.2 Cidades sustentáveis: urbanização e natureza......................................... .49
2.3 O uso do geo-referenciamento e do sensoriamento remoto no
estudo da paisagem urbana.................................................................................55
2.4 Legislação urbana e ambiental......................................................................58

3- ESTUDO DE CASO: AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA BACIA DO


CÓRREGO DA SERRA.
3.1 Introdução........................................................................................................63
3.2 Formação geológica, geomorfologia, topografia, recursos hídricos
e vegetação............................................................................................................65
3.3 Paisagem urbana: sistema viário e ocupação do solo......................... ....77
3.4 Compartimentação paisagística.....................................................................84
3.4.1 Escarpas da Serra do Curral..........................................................................84
3.4.2 Parque das Mangabeiras...............................................................................88
3.4.3 Bairro Mangabeiras........................................................................................98
3.4.4 Vilas N.ª S.ª Aparecida, N.ª S.ª Conceição e Marçola................................111
3.4.5 Bairros da Serra e São Lucas.......................................................................126
3.4.6 Área do centro histórico (parte dos bairros Santa Efigênia e
Funcionários)...........................................................................................................144
3.5 Conclusões......................................................................................................154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................158
ÍNDICE DE MAPAS

No. DESCRIÇÃO PAG

01 Bacia Hidrográfica de Belo Horizonte.............................................................27


02 Evolução Urbana de Belo Horizonte...............................................................40
03 Bacia do Córrego da Serra - Hidrografia........................................................67
04 Bacia do Córrego da Serra - Compartimentação ambiental...........................68
05 Bacia do Córrego da Serra - Mapa Hipsométrico...........................................70
06 Bacia do Córrego da Serra - Modelo 3D do relevo........................................71
07 Bacia do Córrego da Serra - Mapa Geológico e Malha Viária.......................72
08 Bacia do Córrego da Serra - Mapa Topográfico.............................................74
09 Bacia do Córrego da Serra - Mapa de Declividades......................................75
10 Bacia do Córrego da Serra - Mapa de Orientação de Vertentes....................76
11 Bacia do Córrego da Serra - Elementos Urbanos Predominantes.................80
12 Parque das Mangabeiras e escarpa da Serra do Curral -
Mapa Hipsométrico.........................................................................................89
13 Parque das Mangabeiras e escarpa da Serra do Curral -
Mapa Topográfico...........................................................................................90
14 Parque das Mangabeiras e escarpa da Serra do Curral -
Mapa de declividade.......................................................................................91
15 Parque das Mangabeiras e escarpa da Serra do Curral -
Mapa de Orientação de Vertentes...................................................................92
16 Parque das Mangabeiras e escarpa da Serra do Curral -
Elementos Urbanos Predominantes...............................................................93
17 Bairro Mangabeiras - Mapa Hipsométrico....................................................100
18 Bairro Mangabeiras - Mapa Topográfico.......................................................101
19 Bairro Mangabeiras - Mapa de Declividade..................................................102
20 Bairro Mangabeiras - Mapa de Orientação de vertentes..............................103
21 Bairro Mangabeiras - Elementos Urbanos Predominantes..........................105
22 Vilas do Aglomerado da Serra - Mapa Hipsométrico....................................112
23 Vilas do Aglomerado da Serra - Mapa Topográfico......................................113
24 Vilas do Aglomerado da Serra - Mapa de Declividade.................................114
25 Vilas do Aglomerado da Serra - Mapa de Orientação de Vertentes.............115
26 Vilas do AglomeradO da Serra - Elementos Urbanos Predominantes.........119
27 Bairros da Serra e São Lucas - Mapa Hipsométrico....................................127
28 Bairros da Serra e São Lucas - Mapa Topográfico......................................128
29 Bairros da Serra e São Lucas - Mapa de Declividade.................................129
30 Bairros da Serra e São Lucas - Mapa de Orientação de Vertentes.............130
31 Bairros da Serra e São Lucas - Elementos Urbanos Predominantes.........132
32 Bairro Santa Efigênia - Mapa Hipsométrico..................................................145
33 Bairro Santa Efigênia - Mapa Topográfico....................................................146
34 Bairro Santa Efigênia - Mapa de Declividade...............................................147
35 Bairro Santa Efigênia - Mapa de Orientação de Vertentes...........................148
36 Bairro Santa Efigênia - Elementos Urbanos Predominantes........................150
ÍNDICE DE FIGURAS

No. DESCRIÇÃO PÁGINA

01 Vista de Belo Horizonte a partir da Serra do Curral.......................................16


02 Belo Horizonte - Imagem do satélite Landsat 5, 2002...................................28
03 Mapeamento geológico de Belo Horizonte.....................................................29
04 Planta geral da cidade de Minas, 1895..........................................................32
05 Belo Horizonte na década de 50...................................................................37
06 Vista típica de Broadacre-City de Wright, F.L.................................................50
07 Belo Horizonte: Parque das Mangabeiras e bairro da Serra..........................52
08 Vila Marçola, Aglomerado da Serra................................................................54
09 Escala de cores e orientação solar associada...............................................77
10 Limites da bacia do córrego da Serra.............................................................81
11 Escarpa da Serra do Curral............................................................................83
12 Avenida Afonso Pena e Serra do Curral em 1950..........................................84
13 Afloramentos rochosos na crista da Serra do Curral......................................85
14 Cava da mineração da MBR desativada........................................................86
15 Crista da Serra do Curral, vista do pico Belo Horizonte.................................88
16 Parque das Mangabeiras................................................................................94
17 Palácio das Mangabeiras................................................................................99
18 Bairro Mangabeiras.........................................................................................99
19 Bairro Mangabeiras.......................................................................................104
20 Praça da Bandeira........................................................................................104
21 Praça do Papa e Avenida Agulhas Negras................................................. 106
22 Bairro Mangabeiras - Foto aérea 1977.........................................................107
23 Detalhe da figura 22......................................................................................107
24 Rua Badi Salum - Levantamento aerofotogramétrico 1989..........................108
25 Deslizamento e desvio da rua Badi Salum em1992.....................................108
26 Grelha atirantada de concreto......................................................................109
27 Desvio para substituição de trecho da rua Badi Salum................................109
28 Deslizamento sobre rua Rafaello Berttti - 2001............................................110
29 Deslizamento sobre rua Rafaello Berttti - 2003............................................110
30 Deslizamento sobre rua Rafaello Berttti - 2004............................................110
31 Vila Nossa Senhora Aparecida - Aglomerado da Serra................................111
32 Vila Nossa Senhora Conceição - Aglomerado da Serra...............................116
33 Vila Marçola - Aglomerado da Serra...........................................................117
34 Limite Vila Nossa Senhora Conceição/Serra - 1967....................................125
35 Limite Vila Nossa Senhora Conceição/Serra - 1977....................................125
36 Limite Vila Nossa Senhora Conceição/Serra - 2002....................................125
37 Praça Esperanto - Vila Rizzo........................................................................126
38 Bairro da Serra..............................................................................................131
39 Praça Violeta Soter Vargas...........................................................................135
40 Rua Palmira - temporal abril de 2004...........................................................137
41 Rua Monte Alegre - temporal de 2004..........................................................137
42 Rua Desembargador Drumond - temporal de 2004.....................................138
43 Bairro da Serra - área localizada entre av. Afonso Pena e rua do Ouro......139
44 Foto aérea - bairro da Serra - 1977..............................................................140
45 Foto aérea - bairro da Serra - 1989..............................................................140
46 Área de influência do Minas Tênis Clube II - 1989.......................................141
47 Bairro da Serra - Foto aérea-1967................................................................142
48 Bairro da Serra - Foto aérea-1977................................................................142
49 Bairro da Serra - Foto aérea-1989................................................................142
50 Bairro da Serra - Foto 2004..........................................................................143
51 Bairro São Lucas...........................................................................................144
52 Bar Brasil 41..................................................................................................144
53 Santa Casa - desenho de Rafaello Bertti.....................................................151
54 Foto aérea região hospitalar - 1967..............................................................152
55 Foto aérea região hospitalar - 1977..............................................................152
56 Foto aérea região hospitalar - 1989..............................................................152
57 Enchente Ribeirão Arrudas - 1979................................................................153
58 Encontro do córrego da Serra com o ribeirão Arrudas.................................153
59 Foto aérea 1967- Bairro da Serra: áreas permeáveis com vegetação de
grande e médio porte...................................................................................157
60 Foto aérea 1977- Bairro da Serra: áreas permeáveis com vegetação de
grande e médio porte...................................................................................157
61 Foto aérea 1989- Bairro da Serra: áreas permeáveis com vegetação de
grande e médio porte...................................................................................157
62 Foto aérea 1967- Bacia de drenagem dos córregos da Serra e
Mangabeiras no bairro da Serra...................................................................159
63 Foto aérea 1989- Bacia de drenagem dos córregos da Serra e
Mangabeiras no bairro da Serra...................................................................160
64 Ocorrências ao longo do córrego da Serra em conseqüência de
temporal em abril de 2004............................................................................161
65 Foto aérea 1967- Detalhe córrego da Serra ( Rua Des. Drumond
com Cícero Ferreira)- Área permeável não edificada..................................162
66 Foto aérea 1989- Detalhe córrego da Serra ( Rua Des. Drumond
com rua Cícero Ferreira)- Área edificada sujeita a inundações...................162
67 Foto aérea 1967- Detalhe córrego da Serra ( Rua Monte Alegre
com rua Dona Cecília)- Área permeável não edificada...............................163
68 Foto aérea 1989- Detalhe córrego da Serra ( Rua Monte Alegre
com rua Dona Cecília)- Área edificada sujeita a inundações......................163
13

1- INTRODUÇÃO

1.1- APRESENTAÇÃO

A avaliação ambiental é hoje um instrumento fundamental para o planejamen-


to da ocupação dos espaços territoriais das grandes metrópoles, pressionadas pelas
correntes migratórias e pelas necessidades de produção de novos espaços para o
desenvolvimento das economias globalizadas.
A análise integrada do ambiente urbano deve começar pela avaliação dos
aspectos físicos do lugar e das intervenções humanas , que podem ser no sentido da
“degradação” do ambiente ou, ao contrário, ações positivas que tornam produtivas e
habitáveis áreas antes consideradas inóspitas. A este respeito, MONTEIRO (2003:
15) defende “uma visão conjuntiva de Geografia: descrição, compreensão, expli-
cação, interpretação dos lugares do Homem na Terra para o que é indispensável
associar as dinâmicas dos processos sociais nos naturais, em suas peculiaridades,
sobretudo em suas diferenças de ritmo, de dinâmicas. E que os lugares (espaços)
expressam os resultados que, através da História - do Homem e da Terra - (tempos)
se concretizam na superfície do planeta Terra (espaços)”.
A importância da avaliação ambiental é enfatizada por Macedo (1995) que a
considera uma atividade analítica que pressupõe a compreensão de um espaço
através do estudo das relações mantidas entre seus elementos e aspectos físicos,
bióticos, econômicos, sociais e culturais. MACEDO (1995: 16) nos diz que sua prin-
cipal finalidade é:

" capacitar o homem, por intermédio de conhecimentos adquiridos e dominados, para


a ação e pró-ação sobre uma dada região, quaisquer que sejam as suas dimensões, conteú-
do, dinâmica e localização.Como fonte e depositária de conhecimentos científicos, a avali-
ação ambiental de uma região permite que se identifiquem suas potencialidades de uso, de
ocupação, suas vulnerabilidades e seu desempenho futuro estimado. Dessa maneira, ela
possibilita que se otimizem decisões ligadas à sua preservação, conservação e ecodesen-
volvimento. É básica e fundamental, portanto, para realizações auto- sustentadas.(...) Avaliar
pressupõe mensurar e comparar. Dessa forma, é fundamental a utilização dos conceitos de
cenários ambientais, temporal e especialmente distintos, de modo a que se proceda a avali-
ação entre situações concretas e potenciais diversas, porém
14

essencialmente comparáveis."

A caracterização dos diversos cenários ambientais urbanos, dento de uma


visão holística, deve ser feita considerando-se os aspectos bióticos e abióticos uti-
lizando-se de recursos fornecidos por uma ampla gama de correntes de pensamen-
to pertencentes a áreas de conhecimento bastante diversas que incluem a
Geografia Física, a Geografia Regional, a Geografia Cultural, a Geografia Humanista,
o Urbanismo, a Sociologia, a Economia, a Geologia e outras áreas afins.
Entre os diversos recursos e ferramentas utilizados para caracterizar os ambi-
entes urbanos a Geografia Cultural procura em suas análises incluir, de acordo com
Corrêa (1999) "o caráter simbólico dos prédios, monumentos, praças, ruas, bairros,
cidades, regiões ou montanha, vale, rio ou área florestal, para os diversos grupos
sociais(...) e a interpretação de textos a respeito das paisagens e lugares, incluindo-
se tanto a literatura, a música, a pintura e o cinema".
Esta visão da Geografia Cultural é compartilhada por Lynch (1999) que em seu
livro clássico A Imagem da Cidade aborda a importância dos elementos que compõe
a imagem urbana (vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos) na orientação das
pessoas em seus deslocamentos pelas cidades. Para LYNCH (1999:1) a percepção
da paisagem urbana está relacionada à memória de cada uma das pessoas que
moram na cidade:

"A cada instante, há mais do que o olho pode ver, mais do que o ouvido pode perce-
ber, um cenário ou uma paisagem esperando para serem explorados. Nada é vivenciado em
si mesmo, mas sempre em relação aos seus arredores, às seqüências de elementos que a
ele conduzem, à lembrança de experiências passadas. (...) Cada cidadão tem vastas asso-
ciações com alguma parte de sua cidade, e a imagem de cada um está impregnada de lem-
branças e significados."

Para Lynch (1999) interessa ao urbanista as chamadas "imagens públicas" ,


que são aquelas imagens mentais consensuais, comuns a vastos contingentes de
habitantes de uma cidade.
Maria Elaine Kohlsdorf (1996: 31) avalia que a apreensão da forma da cidade
se dá a partir de elementos físicos que são reconhecidos por possuirem ordenações
internas que configuram uma totalidade:
15

"A apreensão dos lugares dá-se, necessariamente, a partir de sua forma física, con-
forme diversas abordagens arquitetônicas e geográficas da cidade, e também nos estudos
centrados nos mecanismos cognitivos. Esse fato requer análise do espaço como forma físi-
ca e resultado da ordenação de elementos morfológicos segundo certas leis. Em outras
palavras, é preciso que se observe os lugares como composições plásticas, isto é, elemen-
tos relacionados em conjuntos, ou, ainda, totalidades." (KOHLSDORF, 1996)

A avaliação ambiental da bacia do córrego da Serra em Belo Horizonte, que


tem suas nascentes preservadas no parque das Mangabeiras e tem um percurso
urbano canalizado até encontrar o ribeirão Arrudas, será feita a partir da comparti-
mentação da bacia em unidades paisagísticas, cada uma das quais possuidora de
características próprias e distintas. O estudo de cada compartimento
paisagístico será feito a partir dos pressupostos da Geografia Física, da identificação
dos elementos que compõe a imagem urbana conforme Lynch e levando-se em conta
as ferramentas da Geografia Cultural que privilegiam a análise dos marcos simbóli-
cos das cidades com o uso de formas diversas de expressões culturais, a literatura
por exemplo.
Qualquer estudo sobre a gênese e o crescimento de Belo Horizonte não pode
ser considerado completo se não fizer referência à obra de Pedro Nava (1903-1984).
Médico e memorialista, Nava fez um retrato magnífico da cidade no início do século
XX, com relatos ricos em informações sobre a cultura da época e descrições minu-
ciosas da paisagem urbana e do clima da nascente capital. Os principais livros que
compõe sua memória são: Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar,
Galo-das-Trevas e o Círio Perfeito. Em Chão de Ferro com sua primeira edição pu-
blicada em 1976, Nava relata suas memórias de 1916 a 1920, período em que estu-
dava no Rio de Janeiro e passava férias em Belo Horizonte e no livro Beira-Mar, pu-
blicado pela primeira vez em 1978, focaliza o período que vai de 1921 a 1926, época
em que fez seu curso na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte e morou na rua
Caraça, no bairro da Serra.
As memórias de Pedro Nava constituem-se portanto em fontes im-
prescindíveis para identificação de marcos e referências simbólicas que permanece-
ram na memória do povo belo-horizontino através de mais de um século de existên-
cia da cidade.
O poeta e jornalista Olavo Bilac escreveu sobre o nascimento da cidade de
Belo Horizonte em uma reportagem para um jornal do Rio de Janeiro, onde relatou
16

os preparativos para a inauguração da cidade em 1894, fazendo uma belíssima


descrição sobre a paisagem do Curral Del Rey.
Outro visitante ilustre da cidade nascente, Monteiro Lobato, citado por MAR-
TINS (2003), acostumado com a vida cosmopolitana critica o ritmo lento do lugar:

"Existe uma escassez de gente pelas ruas larguíssimas, a cidade semi-construída,


quase que apenas desenhada a tijolo, no chão, um prédio aqui outro lá, tudo semi-feito - e
a tudo envolver um pó finíssimo e fissimamente irritante [...]. Não havia povo nas ruas. Os
passantes, positivamente funcionários que subiam e desciam lentamente, a fingir de transe-
untes. Transeuntes públicos. Daí o sono que dava aquilo. Uma semana passada lá deixava
a impressão de meses."

A análise da dinâmica das transformações por que passa uma determinada


área urbana envolve o conhecimento das características ambientais deste lugar em
diferentes épocas. A leitura dos diferentes cenários permitem a elaboração de estu-
dos comparativos que levam ao conhecimento do fenômeno urbano apontando para
o estabelecimento de diretrizes rumo a um desenvolvimento sustentável.
Quando observamos a paisagem de Belo Horizonte sobressai-se a imagem
imponente da Serra do Curral (Figura 01), que no ano 2000 foi escolhida pela popu-
lação como símbolo da cidade, confirmando o seu papel preponderante nos proces-
sos culturais. Conforme assinala CLAVAL (1999: 92):

"A paisagem desempenha um papel na aquisição, por cada um, de conhecimentos,


de atitudes e de reflexos dos quais temos necessidade para viver: ela constitui o quadro em
relação ao qual aprendemos a nos orientar; ela fala da sociedade na qual se vive, e das
relações que as pessoas aí estabelecem com a natureza; este cenário está carregado de
lembranças históricas cuja significação é apreendida pouco a pouco. A paisagem é, assim,
uma das matrizes da cultura. Mas ela é, também, o lugar onde as atividades humanas
RUBEM PEREIRA

FIGURA 01 - Vista de Belo Horizonte a partir da crista da Serra do Curral. No primeiro plano: praça
do Papa, bairro Mangabeiras e parque Mangabeiras.
17

gravam sua marca: deste ponto de vista, ela é a marca".

O objetivo central desta dissertação, a avaliação ambiental de uma bacia


hidrográfica urbana, tem evidentemente limitações metodológicas para ser atingido
pelo fato de que um trabalho de tal magnitude deveria ser desenvolvido por uma
equipe multidiciplinar. Entendemos que para termos uma compreensão das relações
de transformação ambiental da área de estudo é necessário uma abordagem holísti-
ca que leve em conta princípios de diversos campos de conhecimento. Outra limi-
tação que teremos que enfrentar é a ausência de dados homogêneos para todos os
compartimentos ambientais da área de estudo escolhida. Portanto, dentro deste
enfoque, nossa análise será pautada pela busca do entendimento dos processos de
produção do espaço em áreas urbanas que passam por períodos de crescimento
acentuado e pelo estudo do impacto destes processos sobre as paisagens natural e
urbana em diferentes cenários ambientais. Estes cenários serão avaliados com a uti-
lização de ampla bibliografia, com o estudo de projetos já desenvolvidos para a área
(como por exemplo o "Plano Global do Aglomerado da Serra", elaborado pela
Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de Belo Horizonte), com o estudo
das legislações urbana e ambiental, com a análise de fotografias aéreas feitas sobre
Belo Horizonte nos anos 1967, 1977, 1989 e imagens pancromática e infra-vermel-
ha produzidas pelo satélite IKONOS em 2002.
Estes fenômenos de urbanização acelerada vêm geralmente acompanhados
de uma forte pressão sobre a cobertura vegetal urbana (parques, terrenos vagos,
quintais, arborização das vias, etc.) e sobre os mananciais, o que impede um cresci-
mento "sustentável" com um mínimo de impacto sobre o meio ambiente.
Um estudo das legislações urbanas e ambientais no contexto histórico é fun-
damental para a compreensão das configurações físicas da paisagem, fruto da inter-
ação de fatores abióticos (geologia, climatologia, hidrologia, geomorfologia, solos), e
de fatores bióticos (água, flora e fauna). Entendemos que nesta equação as ações
antrópicos (uso e ocupação do solo) são também considedas fatores bióticos.
Para avaliarmos o fenômeno da urbanização referido, pretendemos abordar
as relações dinâmicas entre as estruturas espaciais móveis no tempo e no espaço da
área de estudo escolhida, a bacia do córrego da Serra. Esta área é ocupada por
assentamentos humanos de variadas morfologias e por uma grande área de preser-
vação ambiental (Parque das Mangabeiras e escarpas íngremes da Serra do Curral).
18

A definição dos limites da área de estudo e sua compartimentação em sub-


áreas homogêneas é a primeira grande questão a ser aqui abordada. Se trabalhar-
mos com a Geografia Física, nossas referências serão as bacias hidrográficas, as
cadeias de montanhas, a geologia, etc. Se trabalharmos com a Geografia Humana
serão os fundamentos econômicos, sociais e políticos da ocupação do espaço que
definirão os nossos limites e se tivermos o Urbanismo como referência, nossas
unidades de espaço serão os bairros, o sistema viário, as áreas públicas, etc. As
informações de cada uma destas abordagens podem ser visualizadas em represen-
tações cartográficas próprias e a definição dos limites e linhas divisórias da área de
estudo serão portanto fruto da superposição destas representações como se fossem
"camadas".
A dificuldade de se definir com precisão os limites de uma área de estudo é
bem expressa por LACOSTE (1988: 68-69):

"Uma das razões fundamentais de ser da geografia é a de se tomar conhecimento da


complexidade das configurações do espaço terrestre. Os fenômenos que se podem isolar
pelo pensamento, segundo as diferentes categorias científicas (geologia, climatologia,
demografia, economia, etc.) não se ordenam espacialmente segundo grandes compartimen-
tos, as regiões (...), mas ao contrário se superpõem e, freqüentemente de maneira bastante
complicada.(...)
O método que permite pensar eficazmente, estrategicamente, a complexidade do
espaço terrestre é fundamentado, em grande parte, sobre a observação das interseções dos
múltiplos conjuntos espaciais que se podem formar e isolar pelo raciocínio e pela observação
precisas de suas configurações cartográficas.(...)
Cada disciplina, cada maneira de apreender a realidade, destaca as características
espaciais da categoria de fenômenos que ela privilegia e traça os contornos sobre a carta:
conjuntos topográficos, climáticos, vegetais, conjuntos urbanos, conjuntos étnicos, reli-
giosos, conjuntos políticos, circunscrições administrativas, etc."

Outra visão importante para a definição dos limites de uma área de estudo
dentro de uma área urbana nos é dada pelo arquiteto-urbanista italiano ROSSI
(1982:112-113):

"Supondo que haja uma inter-relação entre qualquer elemento urbano e um fato
urbano de natureza mais complexa na cidade na qual se manifestam, deveremos aclarar a
qual contorno urbano nos referimos.
Este contorno urbano mínimo está constituído pela área-estudo; com este termo
entendo designar uma parte da área urbana que pode ser definida ou descrita recorrendo a
outros elementos da área urbana tomada em seu conjunto; por exemplo o sistema viário.
19

A área-estudo pode, portanto, considerar-se uma abstração referente ao espaço da


cidade; serve para definir melhor determinado fenômeno. Por exemplo, para compreender
as características de certa parcela e sua influência sobre um tipo de moradia será necessário
examinar as parcelas vizinhas, as que constituem precisamente certo contorno, para ver se
tal forma é completamente anormal ou se nasce de condições mais gerais da cidade.
Porém a área-estudo pode ser definida por características históricas; coincide com um
fato urbano preciso. Ao considera-la em si significa reconhecer a esta parte de um conjunto
urbano mais vasto características precisas, uma qualidade diferente.
Esta qualidade de fatos urbanos é de grande importância; o reconhecimento de difer-
entes qualidades nos aproxima do conhecimento da estrutura dos fatos urbanos."

Já Leopold, Wolman e Miller, 1964; e Chorley,1969, de acordo com CHRISTO-


FOLETTI (1981), utilizando-se de uma abordagem sistêmica preconizavam, o uso
das bacias hidrográficas como unidades fundamentais de paisagem e definidoras dos
limites de áreas:

"Conceitos sistêmicos estão subentendidos em toda a análise morfométrica e topológ-


ica de redes fluviais, e as bacias hidrográficas começaram a ser focalizadas como unidades
geomorfológicas fundamentais, tendo em vista o funcionamento integrado de seus elemen-
tos".

Iremos trabalhar com o conceito de bacias hidrográficas como definidoras dos


limites de nossa área de estudo e a compartimentação da mesma se fará levando em
conta as superposições de dados oriundos das diversas áreas de conhecimento
tomadas como referência. A área escolhida, a sub-bacia do córrego da Serra, loca-
lizada na região Sudeste de Belo Horizonte, na vertente da Serra do Curral é uma
área particularmente interessante por seu valor histórico inequívoco, pela variedade
de paisagens urbanas e naturais e pela sua contigüidade com a área central de Belo
Horizonte limitada pela Avenida do Contorno.
Se fizermos um corte longitudinal passando pela bacia, podemos identificar
várias unidades de espaço com características comuns que são definidas por diver-
sos autores como unidades de paisagem, zonas homogêneas, biótopos urbanos,
compartimentos ambientais, entre outros. Os diferentes compartimentos podem ser
caracterizados pelas tipologias de parcelamento, ocupação e uso do solo, tipo de edi-
ficação predominante, grau de adensamento e verticalização, grau de permeabili-
dade do solo, geologia, topografia, etc.
20

1.2- REGIÕES METROPOLITANAS: CRESCIMENTO URBANO X MEIO


AMBIENTE

O crescimento desordenado das cidades e as conurbações conseqüentes de


tal processo levando a formação das metrópoles atuais são o produto da realização
da sociedade humana sobre o espaço e revelam não um fenômeno novo, mas ape-
nas o estágio atual do processo de reprodução das relações sociais no tempo com a
produção contínua do espaço geográfico.
CARLOS (2001: 13) chama a atenção para o fato de que:

"a noção de produção se vincula a produção do homem, às condições de vida da


sociedade em sua multiplicidade de aspectos, e como é por ela determinado. Aponta, por
sua vez, para a reprodução, e evidencia a perspectiva de compreensão de uma totalidade
que não se restringe apenas ao plano econômico, abrindo-se para o entendimento da
sociedade em seu movimento mais amplo, o que pressupõe uma totalidade".

A produção do espaço urbano está portanto relacionada não apenas ã pro-


dução de mercadorias e às esferas do mundo do trabalho, mas estende-se à
habitação, ao lazer, ao direito à vida privada, ao acesso a bens culturais e de con-
sumo.
Com o desenvolvimento de novos padrões de consumo decorrentes da glo-
balização e da organização do trabalho, possíveis graças ao desenvolvimento de
novas mídias que aumentaram a velocidade de transmissão das informações através
de tecnologias via satélite, tais como a INTERNET e as redes de TV, as metrópoles
começam a se reorganizar aprofundando cada vez mais o fosso entre o centro e a
periferia.
Como aponta CARLOS (2001: 14-15):

"A cidade é condição geral da produção, o que impõe determinada configuração espacial
que aparece como justaposição de unidades produtivas, formando uma cadeia (em função
da articulação e das necessidades do processo produtivo, por meio da correlação entre os
capitais individuais e a circulação geral) que integra os diversos processos produtivos, os
centros de intercâmbio, os serviços e o mercado, além da mão-de-obra. Esse desenvolvi-
mento tem potencializado a aglomeração como exigência técnica decorrente ora do gigan-
tismo das unidades produtivas, ora da constituição de unidades complexas, pela formação
21

do capital financeiro, que comanda as operações e pelo processo crescente de internaciona-


lização do capital e mundialização das trocas. Parece não haver dúvida de que a cidade se
reproduz, continuamente, como condição geral do processo de valorização gerado no capi-
talismo no sentido de viabilizar os processos de produção, distribuição, circulação, troca e
consumo e, com isso, permitir que o ciclo do capital se desenvolva e possibilite a con-
tinuidade da produção, logo, sua reprodução."

A ação dos promotores imobiliários, do sistema financeiro e dos gestores


políticos, quase sempre convergem no sentido da reprodução espacial da cidade,
realizando a divisão socioespacial do trabalho, a hierarquização dos lugares, criando
novas centralidades e expulsando para a periferia os antigos habitantes.
O fenômeno da produção e reprodução dos espaços urbanos nas metrópoles
brasileiras não se diferencia qualitativamente do que vem acontecendo em outros
centros capitalistas, mas as mazelas deste processo são agravadas pelos problemas
estruturais das nossas cidades acumulados do período colonial aos tempos atuais. A
abolição da escravatura em 1888 não solucionou o problema da exclusão na
sociedade brasileira, pelo contrário, ao não garantir aos escravos recém-libertos as
condições de vida para que adquirissem a cidadania, os governos que se sucede-
ram, tanto do Império quanto da República só fizeram aumentar o fosso entre as
diferentes classes sociais. O quadro atual das condições de vida de grande parte da
população que não tem renda e moradia adequada é o resultado de opções dos sis-
temas de gestão do país que sempre privilegiaram um extrato da sociedade e
excluíram a maior parte da população dos bens e serviços que as cidades se propõe
a oferecer.
O poder político e econômico tem concentrado crescentemente a propriedade
da terra urbana e rural, dos meios de produção, dos bens, da informação e do co-
nhecimento nas mãos de poucos, levando à formação do perfil atual de distribuição
de renda da população brasileira, assimétrico e injusto o que muito tem contribuído
para o atual cenário das nossas cidades. Aliado ao crescente empobrecimento da
maioria da população, a falta de ordenação e planejamento das cidades tem levado
a um quadro cada vez mais caótico e sombrio, onde convivem de um lado a cidade
legal projetada, e do outro a cidade ilegal de crescimento aleatório, que floresce nas
áreas de risco das beiras dos cursos d'água e das áreas dos morros, com declivi-
dades excessivas e sujeitas a desmoronamentos.
A expansão das cidades para atender às necessidades da economia globa-
22

lizada e das economias locais se faz sobre a paisagem natural que envolve as
cidades e sobre a própria paisagem urbana existente através de um adensamento
proporcionado pela ocupação dos lotes vagos e pela substituição de edificações ho-
rizontais por construções verticalizadas. Os promotores imobiliários fazem uso do
espaço como mercadoria, promovendo a destruição dos antigos lugares em função
de um aumento do seu valor de troca, sem avaliar os danos causados ao ambiente.
Na cidade legal esta ocupação dos espaços é mediada por códigos e legislações que
nem sempre são totalmente compreendidos pela população, o que pode levar a
impactos inesperados sobre o meio ambiente e sobre a qualidade de vida. Na cidade
ilegal, as vilas e favelas vão se adensando cada vez mais, com construções de alve-
naria sem reboco de até três pavimentos grudadas umas nas outras, em situações,
às vezes, de alto risco.
Em ambos os casos, o que se vê é a diminuição da cobertura vegetal urbana,
o aumento das áreas impermeáveis, a destruição das nascentes dos córregos e rios,
a destruição das matas ciliares e a degradação do meio ambiente em suas variadas
formas. A ação antrópica sobre o ambiente urbano e a natureza, no tempo, é vista
por Spósito (2003: 295-296) como se segue:

"A cidade está submetida aos fatores climáticos que determinam seu ambiente de vida
e que são, também, redefinidos a partir dessas aglomerações, cuja densidade construtiva,
demográfica e de liberação e consumo de energia alteram a própria dinâmica climática,
definida em escala bem mais abrangente que a da cidade.
A diminuição da cobertura vegetal, como condição para a densidade construtiva que
caracteriza a cidade, e a reinvenção da vegetação, sob a forma de paisagismo, como adorno
de uma cidade em busca de um passado natural, são outras formas de se ver como a pro-
dução da cidade se relaciona com as dinâmicas e processos constitutivos da natureza.
Assim, problemas urbanos como o da erosão, desmoronamento de encostas, assore-
amento de cursos d'água, constituição de ilhas de calor, falta de áreas verdes, poluição do
ar, sonora e da água, uso de áreas para deposição de lixo são, na essência, problemas
decorrentes do descompasso entre o tempo da natureza - o das eras geológicas - e o tempo
da sociedade - o dos anos, dias, horas..."

A gestão dos recursos naturais das cidades de maneira sustentável deve levar
em conta a manutenção das condições de vida encontradas nos lugares antes das
intervenções urbanas sobre os meios biótico e abiótico. Uma prática
muito comum nas cidades brasileiras é desconsiderar os cursos d'água e conjuntos
arbóreos como elementos estruturadores da paisagem urbana. Os córregos são reti-
23

ficados e canalizados passando a misturar suas águas com as águas sujas de rua
captadas pelas redes de água pluvial, eliminando praticamente todas as espécies do
meio biótico, existentes nestes corredores ecológicos que são os cursos d'água e
suas matas ciliares. Na prática os cursos d'água das grandes cidades foram transfor-
mados em avenidas sanitárias pela posição estratégica ocupada pelos vales na
estruturação das cidades, privando a população de um espaço natural com um alto
potencial de uso recreativo.
O crescimento vegetativo da população urbana nas grandes metrópoles, alia-
do à atração que estas exercem sobre as populações urbanas e rurais situadas em
sua área de influência que migram em busca da melhoria de suas condições de vida
no que se refere a emprego, educação, saúde e habitação, trouxeram um crescimen-
to sem precedentes das regiões metropolitanas brasileiras. O inchaço das grandes
cidades feito de forma desordenada e caótica levou, entre outras mazelas, ao cresci-
mento assustador do número de favelas na maioria das cidades brasileiras com mais
de 20.000 habitantes, com todos os problemas que elas trazem junto, tais como a difi-
culdade de saneamento, a violência urbana, as construções em área de risco, o
desemprego, etc.
Além da atração que as grandes cidades exercem sobre a população rural,
devemos considerar também os fatores de expulsão a que ela está sujeita, tais como
taxas de crescimento vegetativo da população em níveis superiores aos que o mer-
cado de trabalho no campo pode absorver e modernização das culturas agrícolas,
com uso de novas máquinas, defensivos agrícolas e produtos transgênicos. Esta situ-
ação explosiva levou os trabalhadores rurais sem-terra a se organizarem em movi-
mentos sociais, tais como o MST (Movimento dos Sem-Terra) que promovem
invasão de terras improdutivas, faixas de domínio das rodovias, terras com proble-
mas de propriedade, etc. pressionando os poderes públicos para a implantação de
uma reforma agrária que inclua o pequeno produtor rural.
A parte deste contingente populacional do campo sem renda que vem para a
cidade vai se somar à população dos excluídos que vivem em áreas consideradas
impróprias para habitação, tais como vertentes com inclinação excessiva (>47%)
sujeitas a desmoronamentos e áreas ribeirinhas sujeitas a inundações constantes.
Esta ocupação espontânea é feita de forma ilegal, uma vez que a lei federal nº 10.257
de 10/07/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece a proibição de se construir em ter-
24

renos com declividade acima de 47% e nas faixas de domínio dos cursos d'água.
Com o tempo, estas ocupações passam a adquirir um sistema de propriedade seme-
lhante aos assentamentos legais, com parte da população vivendo em moradia
própria e parte vivendo em imóveis alugados. O direito de propriedade dos imóveis
é transferido através de recibos, que ali tem o valor de uma escritura.
Com o aumento da quantidade das habitações faveladas, foram se desenvolvendo e
prosperando atividades urbanas tais como comércio e serviço locais, cultos reli-
giosos, etc. Esta sofisticação da vida urbana nas vilas e favelas tem levado os
moradores a reivindicar do poder público as melhorias urbanas necessárias para bem
viver na cidade, tais como: prestação de serviços públicos (postos de saúde, esco-
las, creches), tratamento das áreas de risco com obras de prevenção contra desliza-
mentos e inundações, pavimentação de ruas e becos para acesso de pessoas e
pequenos caminhões de lixo, micro-ônibus e ambulâncias, construção de
escadarias, energia elétrica, iluminação pública, água, esgoto, telefone e segurança.
Uma outra parte da população de baixa renda das cidades habita nos chama-
dos loteamentos clandestinos e vilas, existentes em áreas afastadas dos centros ge-
radores de emprego, sem infra-estrutura básica tais como saneamento básico, pavi-
mentação de vias, eletricidade, etc. Estes locais também podem ser considerados
como focos de tensão urbana, já que ali convivem jovens e adultos que não são
absorvidos pelo mercado de trabalho e, portanto sem acesso aos benefícios da
sociedade de consumo.
Paralela a ocupação ilegal do solo urbano, temos também o crescimento da
cidade feito dentro dos limites das normas legais, em loteamentos e bairros que pro-
liferam seguindo estatutos legais tais como a Lei federal 10.257 (Estatuto das
Cidades) os planos diretores das cidades, as Leis de uso e ocupação do solo, os
códigos de obra, etc. Esta legislação é debatida pela sociedade organizada em
fóruns específicos onde os representantes dos diversos segmentos presentes, tais
como: moradores das cidades, proprietários do solo urbano, construtores, incorpo-
radores dos empreendimentos imobiliários, comerciantes, empresários, represen-
tantes do sistema financeiro, poder público, etc. sinalizam para os legisladores a
existência de convergências ou divergências de interesses das diversas partes
envolvidas. O texto final de cada lei urbana é portanto, o reflexo das negociações
entre as várias forças políticas envolvidas naquele momento, movidas cada uma
25

pelo seu próprio interesse. Este embate nem sempre resulta em melhorias efetivas
para a cidade. Ele pode trazer uma ocupação muito intensa das áreas mais va-
lorizadas, com uma verticalização excessiva das edificações sobrecarregando a
infra-estrutura urbana instalada, com conseqüente queda na qualidade de vida oca-
sionada por excesso de ruído, poluição do ar, engarrafamentos no trânsito, danos à
paisagem natural e urbana, alteração do sistema ecológico urbano, perda da privaci-
dade dos moradores, deterioração das relações interpessoais, etc.
Tendo em vista o aumento da violência urbana, tornou-se comum uma tentati-
va de fuga deste problema através da construção de condomínios com acesso con-
trolado para população de renda mais alta. A conseqüência deste tipo de ocupação
pode ser a substituição da fluidez de circulação entre as diversas áreas da cidade
por um sistema com sua malha urbana descontínua e segregada.
Um outro fator na evolução das cidades que não podemos esquecer é o movi-
mento de globalização das economias mundiais, caracterizado pela substituição das
relações fordistas de produção por um sistema que altera as relações espaço-tempo
até então vigentes. As empresas passam a produzir suas mercadorias com unidades
de produção espalhadas por diversas cidades e países do mundo, o capital é fluido
e pode mudar de país instantaneamente; as relações entre o capital e o trabalho são
flexibilizadas e a organização sindical dos trabalhadores é fragilizada dificultando a
manutenção da qualidade de vida dos mesmos.
Para fazer frente a estes fatores que contribuem para a queda de qualidade
de vida nas cidades e danificam o meio ambiente urbano e natural, vem se debaten-
do no mundo o conceito de "desenvolvimento sustentável", que preconiza um cresci-
mento que não pressione os recursos ambientais e que assegure às comunidades o
controle de suas condições de reprodução desvinculados dos fluxos do mercado
mundial.

1.3- O SÍTIO URBANO DE BELO HORIZONTE: FORMAÇÃO GEOLÓGICA


GEOMORFOLOGIA, VEGETAÇÃO E HIDROGRAFIA.
26

Belo Horizonte é uma metrópole criada a partir de um projeto de cidade mo-


derna para sediar a estrutura administrativa do estado de Minas Gerais, em substitu-
ição à colonial Ouro Preto. A antiga capital por estar implantada numa região de
topografia muito acidentada, mostrava-se cada vez mais inadequada para a expan-
são da infraestrutura necessária para gerir o estado moderno.
A região do Arraial do Curral d'el Rei foi escolhida, entre outras opções de
localização, para ser a capital por estar localizada em um sítio com características
físicas privilegiadas.
A nova capital mineira foi erguida na faixa de terreno compreendida pelas
bacias do córrego do Onça e do ribeirão Arrudas, conhecida como "Depressão de
Belo Horizonte" (mapa 01). A cidade planejada inicialmente foi implantada quase que
totalmente nos terrenos situados entre o ribeirão Arrudas e a Serra do Curral, onde
nascem os afluentes da margem direita do Arrudas.
Foram ocupadas inicialmente as partes mais baixas e mais planas pela facili-
dade de suprimento de água por gravidade e pela proximidade com a ferrovia, cujo
percurso era paralelo ao ribeirão Arrudas. No projeto da nova capital, o traçado
ortogonal das vias ignora o percurso dos afluentes do Arrudas, que paulatinamente
vão sendo retificados e canalizados, contribuindo crescentemente para o agravamen-
to dos problemas causados pelas enchentes.
A vegetação característica da região da nova capital era predominantemente
o cerrado, matas ciliares ao longo dos cursos d'água e matas fechadas nas fraldas
da Serra do Curral. Com a evolução da metrópole, esta vegetação foi sendo substi-
tuída pela mancha urbana, restando ainda apenas alguns testemunhos, como os par-
ques das Mangabeiras e da Baleia, e algumas áreas ainda não ocupadas pela man-
cha urbana (figura 02).
De acordo com Carvalho (1999), a geologia de Belo Horizonte é composta
basicamente de um antigo agrupamento de idade arqueana chamado Complexo Belo
Horizonte, constituído genericamente de Gnaisses que ocorre em cerca de 70% do
território municipal. O segundo agrupamento é chamado Complexo Metassedimentar,
de idade paleoproterozoica que é composto por agrupamentos menores que são: o
grupo Itabira, o grupo Piracicaba e o grupo Sabará. O terceiro agrupamento é o das
rochas ditas intrusivas (Figura 03).
27
28

FIGURA 02 - Belo Horizonte - Imagem do satélite Landsat 5, 2002. Esta imagem foi captada na faixa
espectral infra-vermelha, mostrando a vegetação na cor vermelha, a água (lagoas da Pampulha e da
Petrobrás) ns cor preta e a mancha urbana nas cores rosa e cinza.

Ainda de acordo com CARVALHO (1999: 50-51):

"No Cretáceo, a região do Quadrilátero Ferrífero era uma superfície mais ou menos
nivelada pouco abaixo do atual topo da Serra do Curral, que estava em um nível muito mais
baixo que o atual em relação ao nível do mar.
Um movimento epirogênico (soerguimento continental) alçou toda a região, dando iní-
cio a um processo erosivo intenso, que deixou nova superfície aplainada em nível mais
baixo, onde pontificam serras de Itabirito como a Serra do Curral .
Sobrevém um novo pulso epirogênico, no Terciário, e a erosão começa de novo a
retalhar o então planalto. Mais uma vez as serras de Itabirito e Quartzito resistem mais que
as outras. No extremo oposto o gnaisse é mais profundamente arrasado. Rochas de
resistência intermediária formam saliências relativas, como é ocaso do alinhamento de
29

FIGURA 03 - Mapeamento geológico de Belo Horizonte com detalhe da área de estudo (bacia do
Córrego da Serra
FONTE: Instituto de Geociências Aplicadas - Secretaria de Ciência e Tecnologia - MG, 1982

pequenas serranias, caracteristicamente uma sub serra de morrotes descontínuos (Buritis,


Mangabeiras e Baleia)".
"A estrutura geológica dos gnaisses se manifestam por feições de foliação e por fra-
turas de variada extensão.(...) A estrutura geológica do Complexo Metassedimentar em Belo
Horizonte, é descrita como a aba invertida de um sinclinal a que falta a outra aba(...), que
deveria estar para o norte, por exemplo na região da Pampulha, repetindo simetricamente a
aba sul, e que foi destruída pela erosão. Esta situação estrutural tem inúmeras implicações
práticas. A primeira é que, beneficiada pelo fato de que o mergulho da estrutura é voltado
para sudeste, a escarpa superior da serra, estando a noroeste da crista é quase vertical.
Todas as encostas voltadas para noroeste, em maior ou menor medida, beneficiam-se do
mesmo fato,que lhes favorece a estabilidade".

A ocupação dos territórios da nascente metrópole foi se efetivando portanto


seguindo quase sempre a lógica ditada pelos fatores do relevo e da estrutura geoló-
gica, ficando geralmente em segundo plano a interferência da vegetação e dos cur-
30

sos d'água.

1.4- BELO HORIZONTE: EVOLUÇÃO DE UMA CIDADE PLANEJADA.

Belo Horizonte foi criada com a finalidade de substituir a cidade de Ouro Preto
como capital de Minas Gerais, pois a mesma não apresentava as condições
necessárias para o atendimento das atividades administrativas do estado. De acordo
com Andrade e Magalhães (1998) em 1890 o Presidente do Estado Afonso Pena con-
trata o engenheiro Aarão Reis para elaborar um estudo comparativo das localidades
propostas para a futura capital: Belo Horizonte (Curral Del Rei), Paraúna (Município
de Diamantina), Barbacena, Várzea do Marçal (Município de São João Del-Rei) e
Juiz de Fora. A localidade escolhida, de acordo com Kohler (2003) tem sua origem
na Sesmaria de Curral Del Rei, registrada em 1711 pelo paulista João Leite da Silva
Ortiz, sobrinho neto de Fernão Dias, utilizada como entreposto de comércio de gado
proveniente do sertão mineiro e baiano.
Em 17 de dezembro de 1893 o Congresso mineiro determina a mudança da
sede do governo mineiro de Ouro Preto para Belo Horizonte. Para projetar a nova
cidade foi contratado o engenheiro Aarão Reis, que em 1895 conclui o plano da nova
capital de Minas Gerais que é inaugurada em 1897.
A região escolhida para a nova capital é adequada por apresentar uma situ-
ação geográfica favorável ao desempenho de sua função administrativa e por sua
localização estratégica que a habilita a ser um pólo radiador de desenvolvimento do
estado.
Por outro lado a escolha da localização da nova capital pode ser vista como
uma etapa importante na integração de regiões do país ainda isoladas. NAVA(2003)
cita o artigo de Martins de Almeida publicado no vespertino A Noite, do Rio de janeiro
em dezembro de 1925:

"Martins de Almeida entra no aspecto histórico-sociológico da fundação de Belo


Horizonte como um dos primeiros passos do brasileiro para penetrar seu território oeste e
começar a pôr fim à fricção de sertanejos e praieiros- cujos terríveis resultados já tínhamos
experimentado com as tragédias de Canudos e Contestado".
31

A região escolhida para a construção de Belo Horizonte, localizada nos con-


trafortes da Serra do Curral é dona de uma paisagem natural exuberante, é cortada
pelos ribeirões Arrudas e Onça, cujas bacias conformam o seu relevo.
Em janeiro de 1894 o jornalista republicano e poeta Olavo Bilac esteve no ar-
raial de Curral Del Rey para cobrir os preparativos do início da construção da nova
cidade é assim que o vê o sítio, de acordo com MAGALHÃES e ANDRADE (1989 :
11) :

"Estamos a mil metros, mais ou menos, acima do nível do mar. Dois panoramas diver-
sos se desenrolam. De um lado é a natureza selvagem da serra, grandes massas brutas de
arvoredo que lhe galgam a lombada e se acumulam embaixo, numa floresta emaranhada e
pujante. De outro lado, é a vista de todo o chapadão longuíssimo; a povoação de Belo
Horizonte, primeiro, alvejando no fundo verde do vale; todo o vale depois, que se estende a
perder de vista; e as serras que o fecham, esbatidas na luz intensa do dia, sucedidas por
outras e outras serras azuladas, que ondulam no horizonte infinito, dando aos olhos a per-
feita e nítida impressão de vagalhões de um oceano sem termo.
Quando se chega ao alto da serra, - por cuja vertente oposta à de Belo Horizonte se
vai à Vila Nova de Lima e às minas de Morro Velho, - é que se compreende a razão do nome
Curral Del Rei, dado até hoje a esta localidade.
Todo o anfiteatro em que se assenta a atual população, cheio de um pasto suculento
e farto, fechado por todos os lados, abrindo por uma garganta estreita para a serra, servia
de fato antigamente, na era colonial, para a engorda do gado que vinha do sertão. Os con-
dutores e boiadeiros armavam os abarracamentos de viagem na garganta da serra, ficando
assim o gado encurralado no anfiteatro por semanas e semanas, até que, suficientemente
refeito de forças e banhas, seguia para o próximo arraial de Contagem, onde era contado,
conforme indica o nome que esse arraial ainda conserva."

O projeto de Aarão Reis (Figura 04) seguia os parâmetros modernizantes da


época. O plano previa uma cidade dividida em três zonas: a zona urbana, limitada
por uma via em "anel" (avenida do Contorno), servida por um sistema viário consti-
tuído por uma malha ortogonal de ruas sobreposta por outra malha ortogonal de
avenidas fazendo um ângulo de 45º com a malha das ruas e com os prédios públi-
cos e equipamentos urbanos localizados em pontos estratégicos; a zona suburbana,
envolvendo esta área central (bairros Santa Teresa, Carlos Prates, Bonfim, etc) com
um sistema viário menos elaborado e finalmente as zonas de sítios (bairros da Serra
e Floresta) previstas para abastecimento da capital de produtos hortifrutigranjeiros.
De acordo com VILLAÇA (2001: 119):
32

FIGURA 04- Planta Geral da cidade de Minas, 1895.


FONTE: Museu Histórico Abílio Barreto

" A zona suburbana, apesar de ter uma área três vezes maior que a urbana, tinha uma
extensão de ruas menor que o dobro, além de apresentar muito menos praças e avenidas.
O plano revela, portanto, a semente de um modelo de círculos concêntricos. A zona urbana
era claramente a zona nobre da cidade e a suburbana, a popular. A quase totalidade da zona
urbana, de planejamento mais aprimorado, e a maior parte da zona suburbana e de sítios
estavam localizadas ao sul da barreira constituída pelo ribeirão e pela ferrovia ao longo dele."

AZEVEDO Jr.(1999: 14,18) chama a atenção para as relações entre a nova


cidade com a natureza e a paisagem, propostas no plano de Aarão Reis:

"Num pacto estratégico e deliberado, a natureza foi tratada apenas no plano das
grandes configurações da paisagem. É o que demonstram os limites da zona urbana, onde
os elementos naturais condicionaram os sentidos de estruturação e de perspectiva monu-
mental do eixo norte-sul: o vale do ribeirão Arrudas, em plano mais baixo que a Serra do
Curral, em gradativa elevação.
Nesse contexto, a "cidade oficial" se impôs de modo intermediário, entre o vale e a
montanha, incorporando-se nos extremos de seu traçado urbano principal. Mas nessa
relação com a paisagem natural, a ênfase do projeto de urbanização privilegiou a montanha,
conduzindo o sentido principal de crescimento e expansão, numa escalada rumo às
escarpas da Serra do Curral. As águas do ribeirão Arrudas, por sua vez, foram consideradas
como os fundos da área urbana, negando ao seu vale o status de marco espontâneo e li-
near da ocupação espacial mais favorável, no sentido leste-oeste.
33

Os trajetos dos tributários do Arrudas também não foram utilizados como referências
naturais na composição do traçado da zona urbana, embora estivessem fisicamente pre-
sentes, atravessando quarteirões, cortando ruas, e à vista em trechos da cidade em seus
primeiros anos. Verdadeiros apêndices na concepção urbanística adotada, todos eles se-
riam progressivamente canalizados em seus percursos dentro do limite do perímetro da
avenida do Contorno. Tal constatação evidencia que, sob o ponto de vista da engenharia
sanitária, a topografia dos terrenos teria sido melhor aproveitada se as avenidas tivessem
sido projetadas ao longo desses cursos d'água."
"Ao longo desse processo, os córregos, primeiro canalizados a céu aberto, foram
sendo gradativamente cobertos por avenidas sanitárias, transformando definitivamente a
paisagem e ocultando a natureza debaixo da terra. A visualização da passagem dos córre-
gos pela cidade foi sacrificada, assim, aos imperativos da necessidade funcional da fluidez
e do aumento da caixa das ruas para o tráfego de veículos."

A topografia da área central é em sua maior parte suave e a escolha do sis-


tema viário implantado foi em função da possibilidade de se obter um escoamento
adequado das águas de chuva e das águas servidas, dentro da visão sanitarista
vigente na época. O abastecimento de água potável da nova capital era feito com o
aproveitamento e tratamento das águas do córrego da Serra, cujas nascentes se
encontram nas vertentes da Serra do Curral. LEMOS (1998: 83) assim vê o dese-
nho urbano proposto por Aarão Reis:

"A criação de eixos monumentais, hierarquizados topograficamente e em termos de


usos, remete o traçado da nova capital tanto ao plano urbanístico de Washington, quanto à
remodelação de Paris. Na busca de perfeita eficácia perspéctica e funcional, um estudo
detalhado da topografia local previu uma organização localizacional e estética estrategica-
mente distribuída pelo espaço. Acompanhando a ordem e o racionalismo da concepção
espacial e ocupacional, o positivista Aarão Reis, como interventor do espaço, e os especia-
listas que integravam a Comissão atuavam como técnicos e higienistas sociais e políticos".

A maior crítica ao plano de Aarão Reis se deve ao fato do sistema viário esco-
lhido não ter levado em conta a topografia, principalmente nas áreas mais íngremes
e os cursos d'água existentes. Os córregos cristalinos que brotam da serra do Curral
ou foram canalizados quando seu curso coincidia com o traçado das vias, ou corriam
no meio das quadras dificultando a utilização das mesmas. Perdeu-se assim
a oportunidade de se conservar os mananciais de água, o que afetou seriamente o
abastecimento de água potável da capital. Outra conseqüência foi a destruição das
matas ciliares e de áreas de absorção das águas de chuva, o que trouxe sérios danos
34

ambientais à cidade, que passou a sofrer periódicas e crescentes enchentes, princi-


palmente no Ribeirão Arrudas.
O crescimento da cidade se fez com a ocupação dos terrenos localizados nas
áreas internas à Avenida do Contorno e na zona suburbana e posteriormente pela
expansão da malha urbana fora da área planejada, sem seguir o padrão original do
projeto de Aarão Reis.
Durante o início do século XX, a cidade vai sendo implantada conforme o
plano de Aarão Reis e, de acordo com Castriota (1998: 139) :

"Ao longo da década de 20, a maior parte das obras de urbanização empreendidas
pelo poder público em Belo Horizonte foram no sentido de consolidar a estrutura lançada a
partir da Planta Geral de 1895, não totalmente implantada. Além dessas, realizaram-se tam-
bém algumas obras que possibilitavam a expansão da cidade: a ampliação do sistema de
bondes em direção a bairros suburbanos como Serra, Calafate, Gameleira, Matadouro,
Bonfim, Prado e Santo Antônio".

A cidade se consolida rapidamente como capital do estado, pequenas fábri-


cas começam a funcionar, amplia-se o fornecimento de energia elétrica e tem-se iní-
cio a implantação de importantes equipamentos como escolas (Colégio Arnaldo,
Ginásio Mineiro, Colégio Izabela Hendrix, Instituto de Educação), hospitais ( Santa
Casa e Hospital São Lucas), Faculdade de Medicina (fundada em 1911), cinemas
(Odeon) e teatros (Municipal).
Na década de 20, Belo Horizonte já desponta como um centro cultural eferves-
cente e sintonizado com o mundo. Neste período personalidades que no futuro se-
riam homenageados com nomes das principais ruas e avenidas de Belo Horizonte
participam da criação da nova metrópole. São médicos ( Alfredo Balena, Hugo
Werneck, Borges da Costa), engenheiros (Aarão Reis, Luís Gomes Pereira), advoga-
dos (Gabriel Passos, Pedro Aleixo, Afonso Arinos de Mello Franco), políticos (João
Pinheiro Filho,Juscelino Kubitschek, Milton Campos, Gustavo Capanema). Nas letras
surge a vertente mineira do movimento modernista, marcado pelo aparecimento de A
Revista, em 1925, com a participação de Carlos Drummond de Andrade, Emílio
Moura, Francisco Martins de Almeida, Abgar Renault, Ciro dos Anjos e outros. Os
locais de encontro dos modernos da época eram a Livraria Alves, o Cinema Odeon
e o chamado bar do Ponto, assim descrito por NAVA(2003: 5) :
35

"Ponto - porque era o local da Estação dos Bondes. Vejo-a ainda, construção meio de
tijolo, meio de madeira, com três entradas sem portas, pintada a óleo e dotada de um tor-
reão para o relógio. Seu verde era semelhante ao dos pistaches e contrastava, qual outra
cor, com os verdes dos seis renques de árvores da Avenida Afonso Pena e com os mais
numerosos do Parque.(...) Servia de referência. No Bar do Ponto. Em frente ao Bar do Ponto.
Na esquina do Bar do Ponto. Encontros de amigos, encontros de obrigação. O nome acabou
extrapolando, se estendendo, ultrapassando o estabelecimento, passando a designar o polí-
gono formado pelo cruzamento de Afonso Pena com Bahia - local onde termina também a
ladeira da rua dos Tupis.(...) a designação Bar do Ponto excedeu-se psicologicamente e pas-
sou a compreender todo um pequeno bairro não oficial mas oficioso: o que se pode colocar
dentro de um círculo cujo centro seria o da praça e cujo raio cortasse a esquina de Goiás,
um pouco de Goitacases, o cruzamento de Tupis com Espírito Santo, que tornasse a Afonso
Pena, descesse tamoios, entrasse no Parque defronte ao início do Viaduto Santa Tereza e
voltasse à origem depois de reincursionar na espinha dorsal da Afonso Pena. Dentro deste
círculo, tido é Bar do Ponto".

Neste período as diversas áreas da cidade são ocupadas pelos diferentes


extratos sociais de acordo com suas características próprias e esta ocupação é
descrita por Nava (2003: 209) de forma poética e divertida:

"Serra e Floresta das grandes chácaras; Lagoinha, Calafate e Carlos Prates, pro-
letários; Pernambuco, Paraíba e Santa Rita Durão, aristocráticas e o resto de Funcionários
ainda cheio da Saudade de Ouro Preto; João Pinheiro e Praça da Liberdade dos altos servi-
dores; Quartel das prostitutas errantes, dos hospitais e até dos militares; Bonfim da gente
pobre, dos randevus em roda do cemitério e dos mortos dentro das suas catacumbas".

Enfim, os diversos extratos da população vão se posicionando na cidade de


acordo com a sua capacidade de pagar pelos serviços oferecidos por cada região e
pela identificação do habitante com os valores, crenças e identidade dos grupamen-
tos populacionais dominantes em cada bairro.
A evolução de Belo Horizonte nas décadas de 30 e 40 é marcada principal-
mente pela verticalização do centro da cidade e pela ampliação da rede de ensino
público e da rede hospitalar que se concentra no bairro Santa Efigênia. É criada a
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e implantado o complexo de lazer e
turismo da Pampulha. São abertas avenidas como Amazonas e Antônio Carlos esti-
mulando crescimento para vetores norte e oeste.
A cidade começa a crescer em proporções não previstas pelo projeto urbanís-
tico original de Aarão Reis e para fazer frente a este fenômeno, de acordo com
Castriota (1998:136-138), o engenheiro Lincoln Continentino foi encarregado pelo
36

prefeito José Oswaldo de Araújo (1938/ 1940) para elaborar um "Plano de urbanismo
da cidade", no qual o mesmo propõe, entre outras diretrizes, o prolongamento da
Avenida Afonso Pena, atravessando a Serra do Curral, barreira natural à expansão
da cidade de Belo Horizonte em direção a Sudeste, com um túnel em direção a Nova
Lima.
Consolidam-se a Cidade Industrial, o centro da Floresta, o centro do Barreiro
e o de Venda Nova. As atividades terciárias começam a sair do centro, e o
Governador Juscelino Kubistchek levanta a bandeira "energia e transporte", com
instrumentos para acelerar o crescimento econômico.
Na segunda metade da década de 50, é contratado o grupo SAGMACS para
introduzir na administração da cidade o conceito de Planejamento Urbano. Conforme
Andrade e Magalhães(1998 :61-63), nessa época de grande crescimento, a estrutu-
ra da cidade é classificada de acordo com os denominados "níveis coletivos de vida".
Como exemplo, os bairros da Serra e São Lucas são caracterizados como de "nível
Superior Residencial com deficiência de equipamento, de ocupação mais recente e
densidades variáveis" e o bairro Santa Efigênia (centro de transição) como de "nível
Médio Comercial com ocupação por camadas populares médias e alta densidade".
Nas décadas de 50 e 60 com a concentração de atividades de comércio e
serviços no centro da cidade (figura 05) , a demanda por residências migra para bair-
ros próximos à Av. do Contorno, como Funcionários, Santo Antônio, Carmo, Cruzeiro
e Serra, em edificações unifamiliares e edifícios de apartamentos de 3 ou 4 pavimen-
tos, que atendiam aos parâmetros legais vigentes (Decretos nº 165 de 01/10/1933 e
nº 30 de 01/08/1938).
Na década de 70, o desenvolvimento acelerado da cidade é caracterizado pela
intensificação do uso dos terrenos urbanos, proporcionado pelo desenvolvimento de
novas tecnologias de construção e pela adequação da legislação urbana (Lei de Uso
e Ocupação do Solo de 08/ 12/1976) que permitia o adensamento populacional da
região central e dos bairros da cidade através da substituição das edificações exis-
tentes e da construção de novas edificações com mais pavimentos e ocupando uma
área maior dos terrenos.
É desta época a formação de concentrações comerciais importantes, como a
Savassi, o Santo Agostinho e a Floresta e a intensificação do uso comercial nas vias
mais importantes dos bairros São Lucas, Santa Efigênia, Serra, etc.
37

FIGURA 05 - Belo Horizonte na década de 50: Rua da Bahia com Afonso Pena.
Fonte: Acervo do Museu Abílio Barreto.

Ocorre a expansão do parque industrial de Belo Horizonte, implanta-se a


Refinaria Gabriel Passos e inicia-se a exportação do minério da Serra do Curral, pela
MBR (Minerações Brasileiras Reunidas). O comércio atacadista é brindado com a
construção da CEASA e na Pampulha é implantado o campus da UFMG e construí-
dos o estádio de futebol "Mineirão" e o ginásio esportivo "Mineirinho".
O agravamento dos problemas urbanos acarretados pelas conurbações ocor-
ridas pelo crescimento das capitais sobre as cidades existentes no seu entorno e a
necessidade de implantação de grandes equipamentos industriais em centros
estratégicos, levam o governo federal a criar as Regiões Metropolitanas, através da
lei nº14 /1973. Em Belo Horizonte é criado o PLAMBEL, órgão responsável pela coor-
denação do planejamento da região metropolitana.
38

Acelera-se o processo de "inchamento" da metrópole, ocorrido principalmente


em função das migrações internas, com enormes contingentes populacionais vindos
do campo, que passam a ocupar principalmente as favelas e os loteamentos clandes-
tinos O poder público que até então trabalhava com a política de erradicação das
favelas e sua transferência para bairros distantes, muda de estratégia e inicia o
processo de urbanização das favelas. Por outro lado os movimentos sociais
urbanos começam a se organizar, principalmente as associações de bairro, que
começam a reinvidicar melhorias para seus locais de moradia. Desta forma, a partir
de 1977 são criados pela prefeitura de Belo Horizonte programas de atendimento
às comunidades carentes como o PRODECOM, que financiava a execução de obras
de infra-estrutura urbana como calçamento de ruas, redes de água e esgoto, e a
construção de equipamentos urbanos tais como escolas, creches e centros comu-
nitários.
As favelas e vilas passaram por períodos de consolidação, já que sempre
estiveram presentes na história de Belo Horizonte. De acordo com COSTA e
BAPTISTA (1998: 278),

"O processo de consolidação e adensamento das favelas é típico dos anos 80 e 90:
trata-se da crescente concentração espacial das favelas em algumas áreas, sob a forma de
aglomerados, verdadeiras cidadelas dentro da cidade, como o Aglomerado do Morro das
Pedras e o Aglomerado da Serra com uma ocupação de aproximadamente 50.000 habi-
tantes, que é hoje parte integrante do patrimônio ambiental urbano, representado pela impo-
nente presença da Serra do Curral."

As favelas vão ocupando todos os espaços vazios dos aglomerados, tais


como as linhas de drenagem, as nascentes dos cursos d'água, as áreas de altas
declividades e riscos geológicos, as áreas ocupadas pelas matas ciliares, dificultan-
do a cada dia a adoção de medidas mitigadoras que evitem os desastres eminentes.
O BH Shopping é criado e estimula o crescimento em direção à Nova Lima, e
logo vários outros shoppings centers são implantados em vários vetores da cidade.
A partir de 1966 são editados diversos decretos municipais que objetivavam
a criação do parque das Mangabeiras que finalmente é inaugurado em 1982 nas fral-
das da serra do Curral, em terrenos ocupados anteriormente pela mineração muni-
cipal denominada FERROBEL.
Da Década de 80 ao início do sec. XXI acentua-se a especialização de alguns
39

bairros, como São Lucas e Santa Efigênia que concentram os consultórios médicos,
hospitais e laboratórios.
A partir da década de 80 cai a força política dos órgãos de planejamento me-
tropolitano, trazendo conseqüências inevitáveis para o funcionamento da metrópole,
com as prefeituras de cada município da região atuando sem uma coordenação cen-
tralizada e potencializando conflitos de ordens variadas.
A evolução da mancha urbana de Belo Horizonte de 1900 até 1980 pode ser
acompanhada através dos mapas esquemáticos da cidade feitos por Villaça (2001)
no mapa 02, ao qual foram acrescentados os limites da bacia do córrego da Serra,
que é o foco do presente trabalho.
No decorrer de sua existência, a cidade planejada pelos nossos antepassados
foi sucessivamente demolida e reconstruída, tendo em vista a necessidade de novos
espaços urbanos para atender à reprodução do capital. A evolução das técnicas
construtivas e as modificações da legislação urbana permitiram o adensamento pro-
gressivo das áreas urbanas centrais da capital. Este processo levou à destruição sis-
temática das matas existentes nas vertentes da Serra do Curral, das matas ciliares e
de resquícios da vegetação de cerrado, à degradação das águas das nascentes, cór-
regos e ribeirões, ocasionada pelas minerações e pelo lançamento de esgotos e resí-
duos industriais nas suas águas. Aliado a estes fatores, a retificação e canalização
dos cursos d'água e a diminuição da permeabilidade do solo agravaram o problema
das enchentes o que deteriorou bastante a qualidade de vida da população.
Salgueiro (2003: 107), analisa as mudanças na paisagem urbana Belo-
Horizontina ao longo do século vinte:

"Na história das imagens de Belo Horizonte, passa-se do horizontal ao vertical, da


diluição à concentração, da disseminação de construções esparsas no espaço extenso à
congestão e densidade de massas irregulares que fragmentam em vários pontos o skyline
montanhoso, tão característico que cercava a cidade como uma moldura [...]. Não se foi
capaz de construir com o sítio, de levar em conta as peculiaridades topográficas, a pai-
sagem, o pano de fundo. [...] O perfil urbano dos edifícios irregularmente dispersos em suas
escalas e alturas diferentes e sem nenhuma hierarquia simbólica ou formal quebrou a
imagem de marca da cidade - seu próprio nome -, e não conseguiu criar outra ao longo de
um processo de estrita especulação."

A aceleração do crescimento urbano nos últimos anos e a incapacidade de


nossas instituições demonstrada até agora para tornar este processo sustentável,
40
41

são responsáveis pelo quadro atual da cidade e reverter esta situação é o maior
desafio para os urbanistas e geógrafos.
42

2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste trabalho pretendemos avaliar os efeitos do processo de urbanização


acelerada sobre as paisagens natural e urbana das metrópoles e seu entorno, procu-
rando estabelecer relações entre os diversos fatos geográficos percebidos. Para atin-
girmos nosso objetivo faremos uma reflexão epistemológica revendo conceitos das
diversas correntes do pensamento geográfico referentes ao assunto, sobretudo os
estudos da paisagem como sistema, dos conceitos de planejamento sustentável e da
utilização de novas tecnologias (geoprocessamento e sensoriamento remoto) nas
análises geoecológicas dos ambientes urbanos e naturais.
De acordo com Kohler (2003: 30-31):

"Entende-se por geoecologia o estudo integrado dos processos físico-químicos e


biológicos que atuam num determinado trato do espaço terrestre (geosfera), num certo
momento ou intervalo de tempo. Nota-se estrita relação entre esses parâmetros (tempo-
espaço), pois quanto maior a área abrangida, mais antigos são os processos que a contro-
lam; inversamente, quanto menor a porção enfocada, mais jovens tendem a ser os que nela
atuam.
A geomorfologia, que estuda a forma, a gênese e a dinâmica dos relevos terrestres,
é essencialmente geoecológica. A ossatura (estrutura) de qualquer relevo é a rocha (litos-
fera). Por outro lado, os processos responsáveis pela esculturação de sua forma, propria-
mente dita, são de duas naturezas distintas: os endógenos, que são diretamente relaciona-
dos à energia interna do planeta, e que são responsáveis pelo movimento das placas litos-
féricas, petrogênese, orogênese, abertura dos oceanos, terremotos, vulcanismo, isostasia,
etc.; e os exógenos, que são associados à energia externa do globo (sobretudo solar), e que
controlam os fenômenos climáticos, atmosféricos e hidrológicos. A interação desses
processos exógenos com o substrato rochoso resulta nos fenômenos erosivo- deposicionais
e pedogenéticos - que são, por sua vez, induzidos pela presença da flora e da fauna (bios-
fera, onde está inserida a antroposfera) - promovendo a evolução do modelado, que só
poderá ser compreendido mediante análise integrada e multidisciplinar da geosfera, no
espaço e no tempo."

2.1- O ESTUDO DA PAISAGEM COMO SISTEMA.

Para se fazer a descrição de uma área considerada é desejável a adoção de


uma abordagem multiparadigmática. O estudo da paisagem como um sistema vem
43

sendo adotado por geógrafos de várias correntes, entre os quais Vital de La Blache,
representante de primeira grandeza da escola francesa, que nos seus escritos
regionalistas incluídos no prefácio à primeira edição do Atlas Geral, conforme citado
por Amorim (1985:25) ,nos diz:

"Eu procurei, neste trabalho, reunir sobre cada lugar o conjunto das indicações
necessárias para obter dele uma visão razoável. A carta política da região a estudar é acom-
panhada de uma carta física; elas se aclaram, uma a outra, e encontram um complemento
em cartas ou figuras esquemáticas para os quais a geologia, a climatologia, a estatística
oferecem o objeto. Esta espécie de "dossier"...constituído, segundo o caso, de uma maneira
mais ou menos completa, tem traços que caracterizam um lugar, a fim de permitir ao espíri-
to o estabelecimento de uma ligação entre eles.(...)
É com efeito, nessa ligação que consiste a explicação geográfica de um lugar.
Considerados isoladamente, os traços que compõe a fisionomia de uma região, têm um valor
apenas factual: eles só adquirem o valor de uma noção científica na medida em que são
colocados dentro de um encadeamento do qual eles fazem parte, única forma de conferir-
lhes sua plena significação. Para tornar esse encadeamento sensível, é preciso esforçar-se
por reconstituir, dentro do que permitem nossos conhecimentos, todos os anéis da
cadeia.(...)
Ao tentar mostrar, assim, um lugar sob diferentes aspectos... eu não tive outro objeti-
vo que o de chamar a atenção sobre o princípio de conexão que une os fenômenos geográ-
ficos."

Ainda de acordo com AMORIM (1985: 26), nestes fragmentos do texto de La


Blache, podem ser percebidas as principais orientações teóricas e metodológicas da
geografia regionalista francesa :

· Ênfase sobre a inter-influência homem/ meio físico, meio físico/ homem;


· Eleição de lugares ou regiões como objetos do estudo geográfico;
· Ênfase sobre a análise da interação de um número considerável de fenômenos na
região ou no lugar estudados;
· Importância atribuída às contribuições históricas para a explicação geográfica;
· Escolha da cartografia como técnica privilegiada;
· Escolha do caminho indutivo como metodologia adequada para a geografia.

Outro autor que vê na Geografia regional um importante paradigma a ser esta-


belecido é o geógrafo americano Richard Hartshorne, que em um artigo publicado em
1948, citado por Johnston (1986: 63) argumentou que a disciplina é:

"uma ciência que interpreta as realidades da diferenciação de áreas do mundo, tais


como elas são encontradas, não somente em termos das diferenças de certos elementos de
44

lugar para lugar, mas também em termos da combinação total dos fenômenos em cada lugar,
diferente daquelas que se verificam em cada um dos outros lugares (...) a Geografia se pre-
ocupa em fornecer uma descrição e uma interpretação cuidadosas, ordenadas e racionais
do caráter variável da superfície terrestre.(...) procura adquirir um conhecimento completo da
diferenciação por áreas do mundo e, portanto , discriminar os fenômenos que variam em
diferentes partes do mundo somente em termos de sua significação geográfica - isto é, em
sua relação com a diferenciação total de áreas. Fenômenos significativos para a diferenci-
ação de áreas têm expressão espacial - não necessariamente em termos de extensão física
sobre a terra, mas como uma característica de uma área de extensão mais ou menos defini-
da".

Uma abordagem, proveniente de uma especialização sistemática , que é a


Geografia Histórica, deve ser levada em conta na descrição da área de estudo. Esta
abordagem, centrada nos trabalhos de C.O. Sauer e seus associados, enfoca,
segundo Johnston (1986: 67) :
"(...) o estudo de processos que levam à mudança da paisagem, incluindo o presente
e começando no estágio pré-humano de ocupação".
Ainda focalizando a importância da Geografia Regional o geógrafo britânico
Wooldridge citado por JOHNSTON (1986: 69) escreveu em 1951 que :

"o objetivo da Geografia Regional (...) é juntar os diversos resultados dos estudos sis-
temáticos, os aspectos geográficos de outras disciplinas em uma unidade de enfoque coe-
rente, ver a natureza e o que é criado, a parte física e a personalidade, como elementos inti-
mamente relacionados e interdependentes em regiões específicas."

Fazendo uma crítica à Geografia praticada até então , o economista F.K.


SCHAEFFER, propõe uma revisão da disciplina, visando leva-la a adotar os métodos
da escola positivista da ciência. De acordo com Schaeffer, citado por Johnston (1985:
75), uma ciência é caracterizada por suas explicações e ," explicar os fenômenos
descritos significa sempre reconhecê-los como instâncias de lei ... Daí a Geografia
ter de ser concebida como a ciência voltada para a formulação das leis que gover-
nam a distribuição espacial de certas características na superfície da Terra".
Estas colocações feitas por Schaeffer em um artigo publicado postumamente
em 1953 seriam , segundo Johnston, uma das origens das "revoluções quantitativa e
teórica", contrária ao paradigma regionalista. Ainda, segundo JOHNSTON (1985: 75),

"...é sobre esses arranjos de fenômenos espaciais, e não sobre os fenômenos propri-
amente, que os geógrafos deveriam procurar estabelecer esquemas explicativos asseme-
45

lhados às leis. Os procedimentos geográficos não deveriam diferir daqueles empregados em


outras ciências, tanto naturais quanto sociais: a observação deveria conduzir a uma hipótese
- sobre a inter-relação entre dois padrões espaciais, por exemplo - e esta deveria ser testa-
da frente a um grande número de estudos de caso, de modo a fornecer material para uma
lei, se a hipótese fosse, por esse meio, verificada".

O debate que se seguiu às colocações de Shaefer, teve como conseqüência


o aperfeiçoamento dos fundamentos da Geografia, todavia verificou-se que os princí-
pios teóricos-metodológicos de Vidal de La Blache , mantiveram sua validade depois
de serem aperfeiçoados e ampliados pelos seus alunos. Um exemplo deste fato é a
publicação do livro Les Méthodes de la Géographie , de Pierre George, onde o autor,
de acordo com AMORIM (1985: 27) afirma o caráter indutivo da análise geográfica:

"A geografia, ciência de relações, pede um processo de pensamento específico,


partindo da descrição para chegar à explicação, em três etapas principais: observação
analítica, identificação das correlações, pesquisa das relações de causalidade".

George faz ainda uma crítica ao uso indiscriminado dos métodos e técnicas
quantitativas para o tratamento de dados em geografia e conforme citado em AMO-
RIM (1985: 30) escreve :

"É supérfluo repetir que certos fatos e elementos não se deixam captar pelo cálculo,
ou que sua dimensão escapa à formulação matemática, fatores religiosos, nacionais, das
mentalidades, das estruturas sociais, dos níveis de instrução, dos estados sanitários e
endêmicos, por exemplo. A construção da imagem geográfica deve utilizar as informações
fornecidas por um tratamento quantitativo daquilo que é mensurável, mas ela não deveria
limitar-se a isso".

Dando continuidade ao estudo das técnicas e da metodologia da Geografia,


Georges Bertrand, da Universidade de Toulouse retoma um tema tradicional da práti-
ca geográfica - a paisagem e, em 1972 em artigo publicado na Revue Géographique
des Pyrénées et de Sud-Ouest, conforme relatado por AMORIM (1985: 33) coloca o
problema:

"O espaço geográfico é o espaço banal, epiderme da Terra. Ele se define, simultane-
amente, como estrutura e como sistema. Fenômeno espacial, ele se caracteriza primeiro
pelas estruturas que o inscrevem no espaço em sentido lato: localização e distância, super-
fícies e volumes, isomorfismos e descontinuidades. Fenômeno de contato, ele forma um sis-
tema integrado no qual se combinam, reagindo uns sobre os outros, elementos abióticos,
46

bióticos e antrópicos. O espaço geográfico é, então, um conjunto dinâmico formado por


estruturas espaciais móveis no tempo e no espaço. A parte visível do complexo constitui a
"paisagem geográfica" no sentido estrito do termo; mas a maior parte dos mecanismos fun-
damentais escapa à percepção direta".

Ainda segundo Bertrand, a análise das paisagens poderia ser empreendida,


através das seguintes etapas:

· Definição dos "conjuntos geográficos", isto é, das unidades isomorfas em função da


escala : geótopo, geofacies, geosistema, região natural;
· Análise da natureza e do significado das descontinuidades que separam esses con-
juntos;
· Estudos de relações dinâmicas dos "conjuntos, em particular em função de seu
tamanho;
· Identificação da organização espacial : o mosaico dos "conjuntos"e os gradientes na-
turais.

Outra linha de pesquisa iniciada a partir da revolução quantitativa é o estudo


da percepção e do espaço vivido. De acordo com Amorim (1985: 35),"na geografia
francesa, os estudos de percepção espacial vêm ligados à análise dos limiares para
a tomada de decisão, à tentativa de delimitação de espaços funcionais intra-urbanos
e de identificação de quadros regionais".

Seguindo os princípios da escola francesa, Fremont publica em 1976 La


région, espace vécu, onde defende a idéia de que a análise do espaço vivido permite
a identificação das regiões, conforme citado em Amorim (1985: 35):

" O espaço vivido, em toda a sua espessura e sua complexidade, aparece, assim,
como o revelador das atividades regionais, ...com seus componentes administrativos, históri-
cos, ecológicos, econômicos mas, também e mais fundamentalmente, psicológicos...A
região, se ela existe, é um espaço vivido".

Para melhor descrição de regiões, deve-se levar em conta também os méto-


dos da Geografia Urbana que trata da estrutura espacial interna das cidades. Barry
utiliza dados levantados com esta metodologia, agrupando-os em uma única matriz.
Com a introdução das técnicas de computadores, a manipulação de matrizes muito
grandes foi generalizada nas universidades e essas técnicas foram abrangidas pelo
nome geral de ecologia fatorial.
47

A partir dos anos 60 e 70, os geógrafos humanos, tratam de desenvolver uma


nova metodologia, que visava desenvolver leis e teorias, em que o arcabouço posi-
tivista ficasse mais evidente. Foi então que se desenvolveram os estudos das va-
riáveis espaciais e dos sistemas espaciais.
Cox, conforme relata JOHNSTON (1985: 133) constata a importância da loca-
lização relativa na sociedade e escreve:

"Com o avanço tecnológico, entretanto, as principais ligações se estabelecem entre


homens e outros homens. A interdependência intra e intersocial aumenta em conseqüência
da diferenciação mais complexa entre lugares, refletindo a divisão do trabalho, de maneira
que os fatos mais importantes na existência humana moderna se relacionam a sociedades
espacialmente diferenciadas e não a uma natureza espacialmente diferenciada. É a interde-
pendência de grupos vivendo em lugares diferentes que cria os padrões de ocupação
humana na superfície da Terra e fornece o tema de estudo básico para os geógrafos
humanos".

Dentro deste enfoque, Haggett faz em 1965, conforme Johnston (1985: 133)
uma descrição do padrão e da ordem nas estruturas espaciais expressas por meio
da decomposição de regiões nodais em elementos geométricos, a saber : padrões de
movimento, canais de movimento ou redes, nós, hierarquias, superfícies e difusão
espacial.
Outro texto que enfatiza os diferentes aspectos dos sistemas espaciais foi
escrito por Morrill (1970): The Spatial Organization of the Society. Morrill sugere uma
estrutura organizadora para o estudo geográfico, tendo como parâmetro apenas a
variável de distância. Conforme JOHNSTON (1985: 136) :

"A explicação da estrutura espacial parte do dedutivo - o que poderia ocorrer sob as
condições mais simples - para o indutivo - como os fatores locais distorcem esta estrutura
"pura". Para começar, o que toda variação local pode introduzir é um risco de se perder de
vista a estrutura subjacente. Muitas teorias locacionais, por conseqüência, enfatizam os
fatores espaciais - sobretudo a distância - que interagem para produzir padrões regulares e
repetitivos".

JOHNSTON (1985: 156) diz que o princípio básico do estudo de sistemas é o


da conectividade. Citando Harvey (1969: 448) relata que :

"A realidade é infinitamente complexa nas ligações entre suas variáveis, mas a análise
sistêmica fornece uma abstração cômoda daquela complexidade, em uma forma que man-
48

tém as conexões mais importantes. Um sistema compreende três componentes:


· um conjunto de elementos;
· um conjunto de ligações (relações) entre esses elementos; e
· um conjunto de ligações entre o sistema e seu ambiente.
Os últimos componentes podem não existir, e neste caso o sistema é denominado
"fechado". Sistemas fechados são extremamente raros na realidade, mas são freqüente-
mente criados, seja experimentalmente, seja, de forma mais comum na Geografia Humana,
através da imposição de fronteiras artificiais, de modo a isolar aspectos mais salientes de um
sistema".

Várias tipologias de sistemas e de análises sistêmicas foram sugeridas, den-


tre elas Chorley e Kennedy (1971) identificam quatro tipos de sistemas: Sistemas
morfológicos, Sistemas em cascata, Sistemas processo-resposta e Sistemas de con-
trole.
Outro conceito levantado por Chorley e Kennedy (1971) é o sistema de feed-
back que é descrito, de acordo com Johnston (1985: 160) como "a propriedade de
um sistema ou subsistema, de acordo com o qual, quando uma mudança é introduzi-
da por meio de uma das variáveis do sistema, sua transmissão através da estrutura
leva o efeito da mudança de volta à variável inicial, provocando uma circularidade de
ação".
O uso de análises integradas de sistemas e da teoria geral dos sistemas na
geografia levou ao desenvolvimento da “Teoria dos Geossistemas”, conceituada por
MONTEIRO (2001: 104) como se segue:

“Fundamentado na Teoria Geral dos Sistemas, o sistema procurado para a pesquisa


geográfica (não apenas para a Geografia Física) o geossistema era imaginado por mim
como algo que, foi considerado pelo geógrafo romeno Mihailesco (1974) como algo não dis-
sociado e não dissociável da Geografia. Algo que se pedia na passagem da geografia que
os últimos revolucionários proclamavam tradicional e pregavam o seu abandono, ou seja,
aquela que renuncia ao inventário sistemático de outrora, substituindo-os por unidades terri-
toriais orgânicas dotadas daquelas personalidades geográficas segundo a velha imagem
metafórica de Vidal de Lablache. Foi isto o que eu persegui, tivesse ele o nome de geossis-
tema, paisagem, unidade espacial ou o que fosse. Isto em correspondência com aquela pre-
ocupação em encontrar na dinâmica climática, no pulsar de seu rítmo, a melhor maneira de
relacionar os fenômenos atmosféricos, aos geomorfológicos, biogeográficos e sobretudo à
atividade humana”.
49

2.2- CIDADES SUSTENTÁVEIS: URBANIZAÇÃO E NATUREZA.

O crescimento desordenado das grandes cidades vem trazendo conseqüên-


cias muitas vezes irreparáveis para o meio ambiente e para a sobrevivência do ser
humano. A morte dos rios, a extinção de espécies vegetais e animais, a poluição do
ar e o efeito estufa são exemplos dos estragos devastadores das ações do homem
sobre a natureza e a paisagem que são agredidas sem serem consideradas como
ecossistemas complexos e inter-relacionados.
Bertrand (1972), citado por Cavalheiro (1995: 115) considera que:

"A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É uma


determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de
elementos físicos, biológicos e antrópicos que reagindo dialeticamente uns sobre os outros,
fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução..."

A preocupação com a preservação do meio ambiente e a convivência harmôni-


ca entre a cidade e a natureza não é um conceito recente e foi desenvolvido a partir
do Renascimento. Nos modelos de cidades ideais idealizados nesta época, os ele-
mentos da natureza, sobretudo a água eram incorporados ao desenho como ele-
mento estruturador do espaço urbano. Marcondes (1999) em seu livro Cidade e
Natureza, nos revela que:

"Em Alberti (1401-72), essa imagem aparece no ponto de vista formal, manifestada no
tratamento das ruas, as quais deveriam ser traçadas "à maneira de rios" (Rosenau, 1988).
Nas cidades fluviais sugeridas nos desenhos e descrições dos manuscritos do escultor e
arquiteto Antonio Averlino, conhecido como Filarete (1400-69), e posteriormente, nos proje-
tos que se encontram no Manuscrito B do Instituto de França de Leonardo da Vinci (1452-
1519), detectam-se as preocupações sociais do livre acesso dos trabalhadores e artesãos à
água por intermédio da análise das ilustrações de canais fluviais penetrando nas cidades.
No Alto Renascimento, Thomas More concebeu modelos utópicos de cidade publica-
dos em sua obra A utopia, de 1516. Idealizando 54 tipos de cidades na "ilha da Utopia",
descreveu, na principal delas, a presença das águas delimitando a cidade, os florescentes e
abundantes jardins e o cinturão verde do campo. Nessa obra, segundo Choay, "é possível
ler tanto a nostalgia de uma ordem passada como a intuição futurista de transformações
sociais futuras(...), na medida em que propõe um modelo de organização do espaço
suscetível de ser realizado e com capacidade de transformar o mundo natural. (...) o tema
da natureza incorporado à estrutura urbana apresenta-se na forma de um "naturalismo con-
solador, oratório e formativo, que durante toda a época que vai de 1600 a 1700 tinha domi-
nado a episódica narratividade das sistematizações barrocas", Tafuri (1985, p. 14)."
50

A partir da revolução industrial, a situação urbana se deteriora, com as cidades


amargando problemas sanitários, como a epidemia de cólera em Londres, com
grande parte da população operária se amontoando em moradias insalubres nos cor-
tiços e com a poluição do ar e das águas. Os urbanistas passam então a pensar a
cidade integrada com a natureza na forma das utopias antiurbanas como é o caso da
Broad-acre-City do arquiteto norte americano Frank Lloyd Wright, que previa as
habitações unifamiliares ocupando glebas com 1 acre de extensão (Figura 06).
Nas cidades de Owen (1771-1858) os espaços verdes são projetados para
viabilizar o isolamento das indústrias e nas de Fourier (1772-1837), as edificações
comunitárias (falanges) são dispostas em anéis concêntricos, separados por relva ou
plantações. Cabet (1788- 1856) prevê uma cidade repleta de áreas verdes objetivan-
do a higiene e a salubridade.
A proposta mais radical proposta pelos utopistas, e que foi parcialmente rea-

FIGURA 06- Vista típica de Broadacre-City.


FONTE: Wright, F.L. La ciudad viviente.

lizada na Inglaterra é a das cidades jardins de Ebenezer Howard (1898). Neste mo-
delo, cada cidade jardim, com população limitada a 30 mil habitantes e rodeada por
um cinturão verde, fazia parte de uma constelação de cidades jardins, espalhadas no
campo.
No início do século XX impõe-se o modelo da cidade modernista. O teórico
mais importante deste momento histórico é o arquiteto francês Le Corbusier, que
51

prevê no seu projeto de cidade, a presença da natureza racionalizada e artificializa-


da. De acordo com MARCONDES (1999: 22), na cidade modernista:

"a forma assume a função de tornar autêntico e natural o universo não-natural da pre-
cisão tecnológica e, na medida em que esse universo tende a subjugar integralmente a
natureza, num processo contínuo e co-envolvente de transformação, é a própria estrutura
antropogeográfica o sujeito sobre o qual irá incidir o ciclo reorganizado da construção de
imóveis(...)
Seus autores aceitavam e valorizavam a verticalização e outras formas de centraliza-
ção, aliadas, porém, à reconciliação do solo urbano com a natureza. Eram cidades-jardins
verticais, onde as preocupações com a paisagem não se ligavam mais a razões de ordem
romântica - antiurbanas ou antiindustriais -, mas a razões de ordem higiênica, como a inso-
lação e a aeração dos edifícios” (1967, pp.44-6).

No final do século XX, uma nova forma de planejamento é inaugurada: a das


operações urbanas, assim descritas por MARCONDES (1999: 23):

"Após a década de 1980, o tema ambiental permeou as formulações urbanísticas não


mais em soluções globalizantes para a cidade, mas fragmentadamente, em torno de proje-
tos objetivando megaintervenções urbanísticas em parcerias estabelecidas entre o setor
público e o privado, com a atribuição de um novo papel às cidades no âmbito do chamado
empresariamento da administração urbana (Hall, 1995; Harvey, 1996).
Tais intervenções buscam normalmente a revitalização de territórios degradados, com
a incorporação de elementos naturais presentes no espaço "water-front", reafirmando a
relação cidade-água. (...) Contudo, a inserção dos elementos naturais não pressupõe a inte-
gração entre cidade e meio ambiente, e sim incorporação do meio natural ao projeto urbano,
ou seja, a utilização da "natureza" de acordo com sua inserção no projeto urbano. "

Com a globalização, as metrópoles passam a ser reestruturadas tendo em


vista principalmente um novo modo de divisão de trabalho em nível internacional,
inter-regional e local, baseado na descentralização permitida pelos recursos informa-
cionais, aliados a uma reestruturação econômica baseada nos grandes corporações
financeiras. Estes processos trouxeram consigo um acirramento dos fenômenos da
exclusão social e da marginalização, trazendo reflexos nos padrões de ocupação do
solo e da apropriação dos recursos ambientais.
Dentro deste contexto, a utilização da natureza inserida do espaço das
cidades globais, passa a ser o ponto focal do projeto ambientalista em direção à
construção de cidades sustentáveis (Figura 07).
O conceito de sustentabilidade ecológica está geralmente vinculado às idéias
52

de recomposição dos recursos renováveis, à capacidade de absorção pelo meio


ambiente das taxas de poluição e à garantia de manutenção dos recursos não-
renováveis para as gerações futuras.
Os princípios deste planejamento ambiental vem sendo desenvolvidos em
fóruns e debates internacionais, que tem produzido documentos como, por exemplo,

RUBEM PEREIRA
FIGURA 07 - Belo Horizonte: Parque das Mangabeiras com bairro da Serra ao fundo.

a Agenda 21. De acordo com FRANCO (2001: 22):

"A Agenda 21, em seu cap. 7, prescreve a necessidade do Planejamento Ambiental,


afirmando que a redução da pobreza urbana só será possível mediante o planejamento e a
administração do uso sustentável do solo. Portanto, aquele documento aconselha os países
a fazerem um levantamento de seus recursos de solo e classificá-los de acordo com seu uso
mais adequado, ressaltando que áreas ambientais frágeis ou sujeitas a catástrofes devem
ser identificadas para medidas especiais de proteção. O mesmo documento reconhece que
o Planejamento Ambiental deve fornecer sistemas de infra-estrutura, ambientalmente
saudáveis, que possam ser traduzidos pela sustentabilidade do desenvolvimento urbano, o
qual está atrelado à disponibilidade dos suprimentos de água, qualidade do ar, drenagem,
serviços sanitários e rejeito de lixo sólido e perigoso".

O pensamento contemporâneo sobre meio ambiente foi desenvolvido, de


acordo com MARCONDES (1999: 44) a partir de três vertentes principais:
53

" uma primeira, em que os assuntos foram apropriados de forma fragmentada nos
estudos sobre políticas públicas, movimentos sociais etc. A segunda e mais importante ver-
tente, em que a questão ambiental passou a ser compreendida como redefinidora das pos-
sibilidades de desenvolvimento humano. E uma terceira vertente, na qual os paradigmas
existentes seguiram o caminho da chamada "ciência normal", procurando estender os mo-
delos, redefinir os conceitos e introduzir novos pontos de vista a fim de dar conta da pro-
blemática iminente."

Os debates internacionais colocam questões importantes como a dos limites


de crescimento. Modelos de simulação são construídos, baseados em variáveis
como recursos naturais, alimentos por habitante, população, produção industrial por
habitante, índices de contaminação. Os resultados são alarmantes e, de acordo com
os simulações, se o atual modelo de desenvolvimento não mudar sua rota, o mundo
enfrentará os limites de sua capacidade de sustentação em meados do século XXI.
Nestes debates, como o de Estocolmo, foram desenvolvidos alguns conceitos
fundamentais para o entendimento da questão da sustentabilidade. MARCONDES
(1999: 48) enumera alguns destes conceitos:

"Desenvolvimento sustentado é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem


comprometer as possibilidades de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias."

"A conservação dos ecossistemas e dos recursos naturais é a condição básica para
o desenvolvimento, que diz respeito à manutenção dos processos ecológicos fundamentais,
como a fotossíntese, os ciclos hidrológicos e a reciclagem dos nutrientes."

"Meio ambiente: conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,


química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas suas formas"

As questões de sustentabilidade não são apenas questões técnicas, mas


políticas e o desenvolvimento econômico sustentável só é possível se condicionado
à produção social do espaço voltado para a realização do bem-estar do homem.
Castells (1975), citado por MARCONDES (1999: 51) considera que:

"A ideologia do meio ambiente se caracteriza pela fusão de três aspectos, quais
sejam:
1. Uma ideologia global referente ao conjunto das relações sociais como
relações da espécie humana com seu meio de vida.
2. Um conjunto de questões, designadas sob o termo ecologia, que remetem em
definitivo à utilização social dos recursos naturais. Essas questões concernem, pois, ao sis-
tema geral das relações cultura/natureza, e não somente ao meio ambiente urbano.
54

3. As contradições suscitadas pela reprodução ampliada da força de trabalho


em sua dimensão biológica. Neste sentido, é onde existe relação entre um processo deter-
minado e os problemas de equipamentos e de organização do consumo coletivo no tocante
às unidades urbanas: trata-se do famoso marco vital."

O fenômeno da globalização da economia trouxe em seu bojo a erosão das


fronteiras nacionais com a progressiva perda de controle dos mecanismos de políti-
cas ambientais por parte dos paises periféricos, que para fazer frente à crescente
competitividade nas relações comerciais se sujeita a sobreexploração do meio ambi-
ente e à desvalorização dos salários da população. É evidente que as principais víti-
mas da degradação ambiental são os pobres, que ficam cada vez mais vulneráveis
aos problemas resultantes da sua localização no tecido urbano (figura 08).
O espaço da cidade é dividido em áreas homogêneas (bairros, vilas , favelas,
etc.), cada uma das quais sendo portadora de características próprias tais como
topografia, proximidade de cursos d'água ou de áreas verdes, geologia, micro-clima,
etc. Cada área pode ser articulada por um sistema viário com diferentes graus de
complexidade e o uso do solo pode ser caracterizado pelo tipo, pela sua densidade,

RUBEM PEREIRA

FIGURA 08- Belo Horizonte : Vila Marçola (Aglomerado da Serra)


55

grau de verticalização, taxas de permeabilidade do solo, etc. Cada setor urbano tam-
bém possui diferentes níveis de infra-estrutura urbana (água tratada, esgoto, energia
elétrica, telefone), comércio e serviços (saúde, educação, lazer).
A distribuição da população se dará portanto pela capacidade que cada habi-
tante tem de pagar pelos serviços e itens relacionados acima. Ao pobre, sem renda
e sem recursos caberá portanto as piores áreas principalmente as localizadas nas
periferias sem infra-estrutura urbana ou nas favelas localizadas em terrenos
impróprios para a habitação (áreas inundáveis ou sujeitas a desmoronamentos).
Acselrad (2001) assinala que a sustentabilidade urbana só seria possível com
a redistribuição espacial da pressão técnica de populações e atividades sobre a base
de recursos ambientais urbanos. Portanto a questão da sustentabilidade das
metrópoles com a preservação do meio ambiente está estreitamente vinculada à
solução dos problemas sociais, cujo maior vetor é a assimetria na distribuição de
recursos e renda da população.

2.3- O USO DO GEO-REFERENCIAMENTO E DO SENSORIAMENTO


REMOTO NO ESTUDO DA PAISAGEM URBANA.

Sistemas de Informações Geográficas (SIG): funcionam como um conjunto de


facilidades e instrumentos computacionais para arquivo, recuperação, transformação
e apresentação de dados espaciais para atingir a análise de um determinado proces-
so.
Os Sistemas de Informações Geográficas, de acordo com Muzzarelli, (2000)
têm como objetivo principal a descrição da realidade que se manifesta no espaço
geográfico, utilizando-se de softwares de mapeamento e análise de dados espaciais
e não espaciais. A impossibilidade de se fazer uma representação completa da rea-
lidade devido ao caráter mutante dos elementos da realidade (físicos, naturais ou
artefatos fabricados pelo homem) conduz a uma seleção destes elementos que são
organizados através de um modelo conceptual.
O modelo mais utilizado nos SIGs é aquele das Entidades- Relações de Chen.
As entidades são definidas como "fenômenos indivisíveis" e as relações são as asso-
ciações possíveis entre entidades para descrever "fenômenos complexos".
56

As entidades podem ser representadas por atributos descritivos, propriedades


geométricas e espaciais (coordenadas). Os atributos descrevem as características
não espaciais qualitativas e quantitativas das entidades e as propriedades geométri-
cas e espaciais constituem a forma de representação no plano ou no espaço tridi-
mensional da entidade e a sua localização relativa ao sistema de coordenadas.
Os modelos de representação dos dados espaciais mais conhecidos e usa-
dos são os modelos vetorial e raster. Em um modelo vetorial a representação das
informações espaciais é baseada no armazenamento de pontos e das correspon-
dentes coordenadas, a partir dos quais é possível realizar formas geométricas mais
complexas. O modelo raster representa a realidade geográfica dividindo a superfície
ou fração de território em uma grade regular. Estas unidades elementares são
chamadas de células ou pixels e geralmente assumem as formas retangular ou
quadrada.
A modelação vetorial usa unidades homogêneas ou objetos de três tipos: pon-
tos, linhas e polígonos. A organização lógica de gestão computadorizada dos dados
espaciais no modelo vetorial pode ser feita através de uma estrutura não- topológica
(spaghetti), na qual as primitivas gráficas são organizadas em "layers" (por exemplo:
edifícios, limites dos lotes, curvas de nível, etc.) ou através de uma estrutura topoló-
gica caracterizada pela invariância das relações espaciais entre os objetos geométri-
cos com a mudança de escala ou com a introdução de distorções dos próprios obje-
tos no plano ou no espaço.
As estruturas topológicas mais utilizadas são a estrutura arco-nó e a estrutu-
ra TIN (Triangulated Irregular Network).
A estrutura arco-nó pode ser representada por entidades (tabelas) e relações
de dependência funcional entre elas. Através deste tipo de estrutura pode-se realizar
análises espaciais do tipo análise de contigüidade ou de conectividade importante na
análise das redes (por exemplo no cálculo do percurso mínimo) e nos modelos de
interação espacial (por exemplo: os modelos de origem-destino).
A estrutura TIN refere-se a um modelo de representação da terceira dimen-
são através de superfícies numa plataforma GIS, geradas para descrever fenômenos
físicos como a morfologia do terreno ou fenômenos ligados à representação espacial
de variáveis estatísticas. Como exemplo de aplicações desta estrutura podemos citar
estudos de conformação geológica dos terrenos, visualização da paisagem, análise
57

hidrológica, problemas de radiocomunicação e engenharia civil e estudos ambientais.


No modelo raster (ou varredura), citado anteriormente, cada célula (pixel) re-
presenta uma parte da superfície a ser representada e como tal tem uma dimensão
própria. Desta dimensão depende a resolução geométrica do modelo, isto é, a
unidade mínima de informação que pode ser identificada (por exemplo, as imagens
geradas pelo satélite Ikonos têm uma resolução de aproximadamente 1 metro, isto
significa que cada célula no terreno ocupa uma superfície de 1m x 1m e portanto não
é possível identificar objetos com dimensões iguais ou menores).
O uso do sensoriamento remoto para o estudo do uso do solo urbano pode ser
feito a partir de fotografias aéreas ou através de imagens obtidas por satélites. As
maiores dificuldades para a utilização dos dados orbitais são de duas ordens: a
primeira em função da resolução das imagens obtidas (o satélite Ikonos nos dá uma
resolução de 1 metro) e a segunda vem da grande heterogeneidade dos alvos.
As imagens de satélite podem ser utilizadas para identificar as diversas tipolo-
gias de uso do solo urbano (residencial, industrial, comercial, áreas verdes, etc.). Por
apresentarem características homogêneas os diversos elementos do tecido urbano
podem ser classificados, identificando-se características sócio-econômicas de cada
setor.
A análise do desenho do arruamento e parcelamento do solo, da verticaliza-
ção das edificações, do tipo de pavimentação (asfalto, calçamento em pedras polié-
dricas, chão batido), do tipo de cobertura das edificações (cerâmica, zinco, cimento-
amianto, laje de concreto, etc.), da quantidade de áreas cobertas pela vegetação nos
fornece um quadro bastante claro sobre a qualidade ambiental dos diversos compar-
timentos homogêneos existentes na área pesquisada.
Através das imagens orbitais podemos determinar as características da veg-
etação urbana: se rasteiras ou arbóreas. Podemos fazer também estudos de som-
breamento, analisando os efeitos da verticalização das construções sobre a quali-
dade de vida dos moradores de determinada área.
A quantificação destes elementos detectados pelos sensores do satélite, uti-
lizando-se de programas que possuem ferramentas de classificação (ENVI, por ex.)
podem levar ao estabelecimento de índices, que poderão ser utilizados em estudos
comparativos entre compartimentos com diferentes características sócio-econômi-
cas.
58

O uso de imagens de satélite juntamente com fotografias aéreas e mapas


temáticos podem ser úteis para a caracterização e descrição da estrutura espacial
das cidades, com grande aplicação no planejamento urbano e ambiental.

2.4- LEGISLAÇÃO URBANA E AMBIENTAL.

As diretrizes gerais da política urbana no Brasil foram estabelecidas pela lei nº


10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamentou os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988. Esta lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece
normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem
como o equilíbrio ambiental (parágrafo único, artigo 1º).
A lei no seu artigo 2º parágrafo I garante aos cidadãos o direito a cidades sus-
tentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambi-
ental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e
ao lazer, para as presentes e futuras gerações. No parágrafo IV a lei prevê o plane-
jamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e
das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de
modo a corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre
o meio ambiente. No parágrafo XII a lei estabelece como uma de suas diretrizes a
proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do
patrimônio cultural, histórico,artístico, paisagístico e arqueológico.
No capítulo II a lei estabelece no seu art.4º, parágrafo II, que serão utilizados
instrumentos para o planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões. No parágrafo III regula o planejamento municipal, que deve
estabelecer um plano diretor para a cidade, disciplinar o parcelamento, o uso e a ocu-
pação do solo e realizar o zoneamento ambiental.
Em 1996 é elaborado o Plano Diretor do Município de Belo Horizonte promulgado
pela lei municipal nº 7.165 de 27/8/1996.
O Planto Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano
- sob o aspecto físico, social, econômico e administrativo, objetivando o desenvolvi-
59

mento sustentado do município, tendo em vista as aspirações da coletividade - e de


orientação da atuação do poder público e da iniciativa privada (capítulo1, artigo 1º).
Dentre os vários objetivos do plano diretor podemos destacar: a promoção da
adequada distribuição dos contingentes populacionais, a promoção da compatibiliza-
ção da política urbana municipal com a metropolitana, a estadual e a federal; e a
preservação, proteção e recuperação do meio ambiente e o patrimônio cultural,
histórico, paisagístico, artístico e arqueológico municipal e seu aproveitamento social-
mente justo e ecologicamente equilibrado, mediante a utilização adequada dos recur-
sos naturais disponíveis.
Para atingir os objetivos de desenvolvimento urbano previstos, a lei estabelece
que as políticas públicas deverão ser orientadas por diretrizes de diversas ordens:
1- Diretrizes da política de desenvolvimento urbano.
2- Diretrizes de intervenção pública na estrutura urbana (da política urbana, da
área central, dos centros e centralidades, da proteção da memória e do patrimônio
cultural, da política de segurança pública, do sistema viário e de transportes, da uti-
lização de energia, das comunicações, do meio ambiente, da política de saneamen-
to, das áreas de risco ecológico, da política habitacional, do turismo e do sub-solo)
3- Diretrizes sociais.
4- Diretrizes para as favelas.
5- Diretrizes para a Pampulha.
6- Diretrizes da legislação tributária.
7- Diretrizes do cronograma.
Para atender às questões levantadas pelo nosso trabalho, destacaremos os
detalhes de algumas destas diretrizes.
São diretrizes relativas ao meio ambiente: a manutenção e ampliação da
cobertura vegetal urbana (arborização dos logradouros públicos, áreas particulares,
praças e parques), a proteção dos cursos d'água e águas subterrâneas, a estabiliza-
ção de encostas que apresentem riscos de deslizamento, o controle da poluição, a
recuperação de áreas degradadas pelas empresas mineradoras, a garantia de
maiores índices de permeabilidade do solo em áreas públicas e particulares.
O Plano Diretor de 1996 divide as áreas de risco geológico em duas catego-
rias: potencial (incidente em áreas não parceladas e desocupadas) e efetivo (inci-
dente e áreas parceladas ou ocupadas) As modalidades de risco geológico são: de
60

escorregamento, associado à escavações, de inundações, de erosão e assoreamen-


to, de contaminação do lençol freático. A lei prevê diretrizes diferenciadas para as
duas categorias de risco.
O Plano Diretor de Belo Horizonte estabelece a execução de um Plano
Global de Urbanização das Favelas do Município num prazo máximo de 10 anos e a
implementação de medidas necessárias à remoção e ao reassentamento dos ocu-
pantes de áreas de risco, à recuperação e à preservação ambiental, à instalação de
equipamentos urbanos básicos.
A Lei de Uso e Ocupação do Solo do Município de Belo Horizonte nº 7.666 de
27/08/1996 estabelece as normas e as condições para parcelamento, ocupação e
uso do solo urbano do município, cujo território é considerado área urbana e dividido
em zonas, de acordo com as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor. As zonas
diferenciadas segundo os potenciais de adensamento e as demandas de preser-
vação e proteção ambiental, histórica, cultural, arqueológica ou paisagística, são as
seguintes:
I- Zona de Preservação Ambiental - ZPAM -;
II- Zona de Proteção - ZP -;
III- Zona de Adensamento Restrito - ZAR -;
IV- Zona de Adensamento Preferencial - ZAP -;
V- Zona Central -ZC -;
VI- Zona Adensada - ZA -;
VII- Zona de Especial Interesse Social - ZEIS -;
VIII- Zona de Grandes Equipamentos - ZE - ;
A forma e a imagem de Belo horizonte, como a de qualquer outra cidade, é
composta por elementos urbanos tais como vias e edificações que foram construídos
em diversas épocas, observando-se ou não as leis vigentes em cada período, por-
tanto para se fazer uma avaliação do quadro atual da cidade, é necessário o conhe-
cimento das sucessivas legislações que regularam o parcelamento, o uso e a ocu-
pação do solo através do tempo.
A cidade planejada por Aarão Reis para ser a capital do estado de Minas
Gerais foi prevista para ter uma população de no máximo 300.000 habitantes, cifra
que logo foi superada, trazendo novos desafios para o planejamento do crescimento
de Belo Horizonte.
61

A princípio a regulamentação urbana da cidade previa poucas limitações: as


construções da avenida Afonso Pena deveriam ter no mínimo dois pavimentos e as
construções dos bairros deveriam ocupar, no máximo, 50% dos terrenos. Com o
crescimento da cidade novas normas para ordenar as construções se fizeram
necessárias e foi criado o Código de Obras de Belo Horizonte através do Decreto nº
165 de 01/10/1933. Este código normalizava as condições gerais das edificações,
estabelecendo parâmetros que visavam o controle do adensamento da cidade e as
condições de salubridade das construções.
Entre outros parâmetros o decreto nº 165/1933 estabelecia que as edificações
residenciais não podiam ocupar mais da metade da área total do terreno e estabele-
cia no artigo 64, um gabarito de alturas das construções conforme redação abaixo:

"Art. 64 - De um modo geral, as construções devem ser contidas em um sólido,


constituído por faces planas verticais, cujos traços no terreno coincidam com as divisas do
lote, e cuja altura máxima será fixada:
1-Na Zona Residencial:
a) do lado da rua, por um plano com a inclinação de 50º sobre a horizontal, passan-
do 5m (cinco metros) de altura na sua interseção com o plano de alinhamento da face opos-
ta da rua;
b) nos lados, por outro plano com inclinação de 50º sobre a horizontal, partindo de 5m
(cinco metros) de altura, na sua interseção com o plano passando pelos alinhamentos
divisórios.
c) Nas áreas internas, o mesmo plano a 50º sobre a horizontal partirá da altura de 5m
da parede oposta, contados do piso."

A inclinação de 50º foi modificada para 55º pelo decreto nº 30 de 01/08/1938.


A chamada lei do "gabarito" vigorou até a publicação da Lei de Uso e
Ocupação do Solo (LUOS) de 08/ 12/1976, quando foram introduzidos os conceitos
de "Coeficiente de aproveitamento" (relação entre área total edificada e a área do
lote), "Taxa de ocupação" (relação entre a projeção horizontal da área edificada e a
área do lote). Os "modelos de assentamentos urbanos", estabelecidos em função da
área e frente mínima dos lotes, condicionavam as respectivas taxas de ocupação,
coeficientes de aproveitamento, afastamentos e áreas de estacionamento, conforme
a localização no tecido urbano (artigo 39).
As leis de Uso e Ocupação do Solo de 25/03/1985 e a de 28/08/1996 e as leis
retificadoras decorrentes das mesmas deram continuidade aos princípios estabeleci-
dos pela lei de 1976, ora flexibilizando os usos, ora restringindo e manipulando os
62

índices para estimular ou restringir o adensamento em cada área da cidade conforme


as avaliações técnicas e disputas entre as partes interessadas na apropriação da
cidade.
A legislação ambiental no Brasil foi iniciada durante o primeiro governo Vargas,
em 1934, com a criação do Código das Águas, um instrumento legal de controle
ambiental e, com a criação do Código Florestal, em 1965.
Em 1986, o CONAMA, através da Resolução 001, regulamenta os EIAs-
RIMAs, (Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental) estabele-
cendo os critérios e as normatizações para o licenciamento de implantação de
grandes empreendimentos modificadores do meio ambiente, como é o caso das
extrações de minério.
De acordo com Ross (2000):

"No âmbito do relevo, os EIAs/RIMAs devem contemplar os estudos geomorfológicos


de base empírica, baseando-se em levantamentos bibliográficos, cartográficos, pesquisas
de campo e elaboração de cartogramas temáticos, que permitam estabelecer a análise do
relevo em aspectos como:
· Compartimentação topográfica;
· Caracterização dos padrões de formas e das vertentes e suas relações com os solos,
as rochas, o clima e a vegetação;
· Classificação das formas de relevo quanto à sua gênese, tamanho (morfometria) e
dinâmica atual;
· Classificação das formas de relevo quanto à sua fragilidade potencial e emergente,
procurando-se identificar problemas de erosão e assoreamento, inundações, instabilidade
dos terrenos nas vertentes muito inclinadas, instabilidade dos terrenos planos (planícies flu-
viais, marinhas, lacustres etc.).
(...) Assim, um empreendimento deve ser analisado quanto aos riscos de sua insta-
lação para a natureza e os riscos que a natureza oferece à presença do empreendimento
naquele lugar.
Assim sendo, o primeiro fato que deve estar permanentemente em alerta aos estu-
diosos da geomorfologia é que as formas de relevo, de diferentes tamanhos, têm explicação
genética e são inter-relacionados e interdependentes às demais componentes da natureza,
e portanto são dinâmicas."
63

3- ESTUDO DE CASO: AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA BACIA DO


CÓRREGO DA SERRA EM BELO HORIZONTE.

3.1- INTRODUÇÃO

A escolha de uma área de estudo irá permitir a verificação de um modelo


baseado na análise das inter-relações entre fenômenos heterogêneos com o objeti-
vo desvendar as características das diversas partes desta área. Hartshorne, em seu
livro Questões sobre a natureza da Geografia de 1959, citado por Moraes (1999) for-
mula os conceitos de "área" e de ïntegração". A área seria uma parcela da superfície
terrestre, diferenciada pelo observador, que a delimita por seu caráter. Esta delimi-
tação é um procedimento de escolha do observador, que seleciona os fenômenos
enfocados. Hartshorne afirma que a integração entre todas as inter-relações pos-
síveis daria a realidade total da área, porém sua apreensão seria impossível, daí a
necessidade de se selecionar os elementos mais significativos. O aprofundamento
das análises dos fenômenos agrupados e inter-relacionados leva a um maior co-
nhecimento da singularidade local.
Rougerie e Beroutchachvili (1991), citados por Troppmair (2000: 9) usam o
conceito de geossistemas como referência para análises de áreas homogêneas:

"o geossistema é composto por 3 componentes: os abióticos (litosfera, atmosferas,


hidrosfera, que formam o geoma), os bióticos (flora e fauna) e os antrópicos (formado pelo
homem e suas atividades)".

Ainda de acordo com Troppmair (2000: 94):

"Todo Geossistema também possui três características fundamentais : morfologia,


dinâmica e exploração biológica.
O Geossistema é portanto uma unidade complexa, um espaço amplo que se carac-
teriza por certa homogeneidade de seus componentes, estruturas, fluxos e relações que,
integrados, formam o ambiente físico onde há exploração biológica.
(...) Os sistemas geográficos diretamente ligados a componente espacial estão, na
maioria das vezes, vinculados a compartimentação do relevo originando e refletindo
condições ambientais como clima, geologia, pedologia, hidrografia, gerando inter-relações
diretas com a biosfera, modelando a paisagem".
64

KOHLER (2003: 30) aborda os estudos do ambiente, lançando mão dos princí-
pios da Geoecologia:

“A Geografia tem por objetivo o estudo da Geosfera, espaço de interação da litosfera,


atmosfera, hidrosfera e biosfera. Numa analogia com as artes cênicas, a geografia fornece-
ria o script de um ato da “peça” do teatro global, representada no espaço (geosfera) e em
determinado momento (tempo) pelo homem. Dessa forma, a Geosfera deve ser compreen-
dida como o palco de todas as atividades humanas históricas (e pré-históricas), em dife-
rentes cenários espaço-temporais. É considerada como “meio” ou “ambiente” que contém os
aspectos abióticos e bióticos, responsáveis pela dinâmica do globo terrestre. A escola alemã
de Geografia denomina de Landschatsökologie ou Geoescologia, a disciplina que estuda a
geosfera, tida como interdisciplinar, transdepartamental e aplicada (Leser,1978;
Mosimann,2000). Esse palco é interativo, vivo, produto jamais acabado da dinâmica exis-
tente entre os processos geológicos, geomorfológicos, pedológicos, hidrológicos, clima-
tológicos e biológicos, incluindo os antrópicos”.

Como estudo de caso, iremos fazer uma avaliação ambiental de um geossis-


tema urbano, localizado na vertente norte da Serra do Curral em Belo Horizonte. Os
limites da área de estudo são os da bacia do córrego da Serra, que abrangem a
escarpa da Serra do Curral, o parque das Mangabeiras, os bairros Mangabeiras,
Serra, São Lucas, vilas do Aglomerado da Serra e parte dos bairros Santa Efigênia e
Funcionários. O córrego da Serra é afluente do Ribeirão Arrudas, que por sua vez é
afluente do Rio das Velhas que é um dos principais formadores do Rio São Francisco.
Na avaliação ambiental da bacia hidrográfica do córrego da Serra pre-
tendemos verificar alguns dos fenômenos já descritos no âmbito deste trabalho, uti-
lizando-nos de técnicas de análise e manipulação de informações obtidas remota-
mente (levantamentos aerofotogramétricos, fotografias aéreas e imagens de satélite),
pesquisa bibliográfica, pesquisas de campo e fotografias.
As informações adquiridas remotamente serão analisadas em quatro cenários
diferentes, através da interpretação de fotos aéreas obtidas em 1967, 1977 e 1989
(dados fornecidos pelo IGA- Instituto de Geociências Aplicadas do Estado de Minas
Gerais) e de dados coletadas de regiões do espectro eletromagnético pelo satélite
Ikonos no ano 2001.
Para manipulação dos dados e elaboração dos mapas serão utilizados os soft-
wares AutoCad, Idrisi, Surfer, CorelDraw, Photoshop e ENVI.
Serão avaliados também o impacto nas configurações urbanas das sucessi-
vas modificações na legislação urbana e da implementação de transformações
65

urbanas de porte como abertura de vias estruturais e implantação de equipamentos


urbanos.
No desenvolvimento deste trabalho procuraremos aplicar alguns princípios
fundamentais, que retiramos de Amorim (1985) :

1- Complexificação acelerada da teoria utilizada na geografia...


2- Aperfeiçoamento do aparato metodológico...
3- Ampliação(...) do instrumental técnico...
4- Procura de maior eficácia e relevância científica da geografia..

3.2- FORMAÇÃO GEOLÓGICA, GEOMORFOGIA, TOPOGRAFIA,


HIDROGRAFIA E VEGETAÇÃO.

Para efeito deste trabalho, iremos considerar as bacias hidrográficas


brasileiras, como referência para definição dos Geossistemas, em suas diferentes
escalas. Na mais elevada ordem de magnitude e complexidade, consideraremos o
Brasil como um sistema dividido em 8 bacias hidrográficas, entre elas a bacia do Rio
São Francisco (mapa 01), que é descrita por Kohler (2003) como se segue:

"A bacia hidrográfica do rio São Francisco, em seu sentido amplo, de recepção, trans-
porte e deposição de toda drenagem superficial e subterrânea, abrange uma área de
645.067,2 km2 , contida aproximadamente entre as coordenadas de 13º - 21º Lat. S e 36º -
48º Long. W Gr. Trata-se da terceira bacia hidrográfica do Brasil, e a primeira contida inteira-
mente em território brasileiro, segundo o mesmo critério. O rio São Francisco nasce no
Chapadão dos Zagaias, nos altos orientais da Serra da Canastra, por volta da cota de 1.450
m (Cetec,1983). Percorre 3.160 km rumo norte, atravessando os Estados de Minas Gerais e
Bahia. A partir da altura de Sobradinho (BA) toma curso leste, perfazendo a divisa entre
Bahia e Pernambuco e entre Sergipe e Alagoas, até a foz."

A nossa área de estudo é a bacia do córrego da Serra, que como ja men-


cionamos está localizada na bacia do Rio São Francisco. O córrego da Serra é aflu-
ente do ribeirâo Arrudas, cuja bacia se junta à bacia do córrego Onça para formar a
região ocupada pelo município de Belo Horizonte. O ribeirão Arrudas é afluente do
Rio das Velhas que por sua vez é um dos principais afluentes do rio São Francisco
(Mapa 01).
O córrego da Serra tem sua nascente principal no Parque das Mangabeiras,
e desce com suas águas cristalinas até ser canalizado próximo à portaria norte do
66

parque, em uma galeria subterrânea que se inicia sob a rua Trifânia, de onde segue
fazendo um caminho em que, ora está debaixo de uma via, ora está atravessando
por debaixo da área ocupada de algum quarteirão. Ainda canalizado recebe as
águas do córrego Mangabeiras, que tem a maior parte do seu percurso canalizado
sob a rua Estévão Pinto. A medida que vai atingindo as partes mais baixas do vale
ele vai aumentando a velocidade, em virtude da retificação dos leitos do córrego e de
seus afluentes, indo desembocar no ribeirão Arrudas, na Avenida dos Andradas,
próximo ao Perrela (mapa 03).
A área de estudo é compartimentada em unidades paisagísticas definidas com
características próprias e com seus limites bem delineados. Estas unidades configu-
ram paisagens urbanas (bairros constituídos por conjuntos de edificações verticais e
horizontais, favelas, vias de circulação de veículos automotores, praças, cursos
d'água canalizados, etc) e paisagens naturais (parque das Mangabeiras e escarpas
da Serra do Curral).
A caracterização de cada um destes compartimentos será feita posteriormente
neste trabalho e o espaço construído e o ecossistema urbano, conseqüência da
ação do homem sobre a paisagem, serão analisados a partir do estudo das relações
entre os diversos elementos que constituem o ambiente urbano, levando sempre em
conta que as relações e conexões entre os eventos ocorrem sempre tendo como
referência as dimensões têmporo-espaciais.
Podemos considerar a bacia do córrego da Serra dividida nos seguintes com-
partimentos ambientais: escarpa íngreme da serra do Curral, parque das
Mangabeiras, bairro Mangabeiras, bairros Serra e São Lucas, vilas do Aglomerado
da Serra (Marçola, N.Sra.Conceição e N. Sra. Aparecida) e bairros da área central
(Funcionários e Santa Efigênia), conforme podemos comprovar nas imagens feitas
pelo satélite Ikonos em 2002 (mapa 04).
As imagens do Ikonos captadas a partir das radioções infra-vermelhas emi-
tidas pelos alvos, são úteis para se quantificar as áreas verdes, uma vez que nas ima-
gens obtidas, a vegetação é percebida na cor vermelha. Pela análise da imagem
(Mapa 04), podemos avaliar a alta concentração de vegetação no parque das
Mangabeiras e na escarpa da Serra do Curral. Nas áreas urbanizadas, o bairro
Mangabeiras é o que apresenta um maior percentual de verde, seguido pelos bairros
Serra, São Lucas Santa Efigênia e Funcionários, cuja área verde é representada prin-
67
68
69

cipalmente pela vegetação das vias e praças e de alguns quintais sobreviventes à


sanha da especulação imobiliária. As vilas do Aglomerado da Serra são as que apre-
sentam menor percentagem de áreas verdes, fato que, aliado às altas declividades
do terreno e à composição geológica não favorável em alguns locais, tornam estes
ambientes mais frágeis e sujeitos às ações do intemperismo.
As áreas mais baixas da bacia, com cotas altimétricas em torno da cota 825,
coincidem com as áreas mais antigas da cidade (as partes dos bairros Santa Efigênia
e Funcionários localizadas dentro do anel estabelecido pela avenida do Contorno) e
estão localizadas ao longo da margem direita do ribeirão Arrudas. Os terrenos vão
ganhando altitude à medida que se afastam do Arrudas em direção à Serra do
Curral, onde atingem cotas em torno da cota 1350 (Mapas 05 e 06).
A geologia da bacia do córrego da Serra é extraordinária, pois apresenta
exemplos das principais formações geológicas que compõe a estrutura do sítio de
Belo Horizonte (Mapa 07).
A parte mais baixa da bacia, limitada ao norte pelo ribeirão Arrudas está toda
contida dentro do chamado Núcleo histórico de Belo Horizonte em área constituída
por parte dos bairros Funcionários e Santa Efigênia. A geologia desta unidade pai-
sagística é composta de um antigo agrupamento chamado Complexo Belo Horizonte,
constituído genericamente de Gnaisses.
O segundo agrupamento, o Complexo Metassedimentar, de idade paleopro-
terozoica é composto por agrupamentos menores que são: o grupo Itabira, o grupo
Piracicaba e o grupo Sabará. O terceiro agrupamento é o das rochas ditas intrusivas.
O bairro Mangabeiras é composto por rochas de resistência intermediária que
formam pequenas serranias, caracteristicamente uma sub serra de morrotes
descontínuos. A situação estrutural desta unidade é caracterizada por um mergulho
da estrutura voltado para sudeste o que torna as encostas voltadas para esta direção
instáveis e sujeitas a desmoronamentos. O mapa geológico de Belo Horizonte, exe-
cutado pelo IGA (Instituto de Geociências Aplicadas do Estado de Minas Gerais) em
1988, indica as direções dos mergulhos da estrutura, facilitando a identificação das
áreas de risco geológico. Os cortes efetuados no solo para implantação das vias do
bairro muitas vezes tirou as condições de estabilidade dos lotes, como é o caso do
terreno localizado na vertente onde está localizado o Palácio das Mangabeiras que
tem um histórico de escorregamentos que tem levado muros, ruas e vegetação ao
70
71
72
73

chão.
A topografia da bacia do córrego da Serra é bastante variada apresentando
deste áreas planas, como as situadas próximas ao ribeirão Arrudas, até áreas bas-
tante íngremes, como é o caso da escarpa da Serra do Curral. (Mapa 08). De um
modo geral à medida que nos afastamos das margens do ribeirão Arrudas em direção
à Serra do Curral, as declividades dos terrrenos vão se tornando cada vez maiores
(Mapa 09).
Na parte da bacia contida dentro do núcleo histórico de Belo Horizonte (Santa
Efigênia e Funcionários), situada paralelamente ao Vale do ribeirão Arrudas temos
uma topografia suave com terrenos localizados em sua maioria nas faixas de declivi-
dade abaixo de 5% e entre 5 e 10%.
Nos bairros Serra e São Lucas a predominância é de faixas de declividade
entre 5 e 30%, sendo tembém encontrados terrenos na faixa entre 30 e 47%.
Nas vilas do Aglomerado da Serra os terrenos estão em sua maioria classifi-
cados nas faixas de declividade entre 30 e 47% e acima de 47%. A legislação vigente
proíbe a ocupação dos terrenos com declividades acima de 47%. A alta densidade de
ocupação dos terrenos leva à diminuição da permeabilidade do solo, aumentando a
velocidade das águas de chuva e agravando o problema causados pelas enchentes
e pelos desmoronamentos.
O bairro Mangabeiras, apesar de ter sido implantado em terrenos com
topografia semelhante à do aglomerado da Serra, apresenta uma taxa de ocupação
menor (composto basicamente por residências unifamiliares), o que mantém o solo
com uma taxa de permeabilidade mais confortável, diminuindo as situações de risco.
A escarpa da serra do Curral é quase vertical, com declividades acima de
47%, e por ser voltada para noroeste as condições geológicas favorecem a estabi-
lidade da vertente.
O mapa de orientação de vertentes (mapa 10) foi elaborado associando-se às
orientações solares, as cores seqüenciadas do espectro de luz visível. A escala de
cores utilizada (figura 09) associa a orientação da vertente para Norte com a cor ver-
melha e a orientação da vertente para Sul com a cor azul. Portanto se as cores no
mapa de orientação de vertentes ficam em torno do vermelho (norte), temos uma
área bastante ensolarada e se as cores do mapa ficam em torno do azul (sul), temos
uma área com temperaturas mais baixas e com excesso de áreas sombreadas.
74
75
76
77

FIGURA 09 - Escala de cores e orientação solar associada, indicada no mapa de orientação de ver-
tentes (mapa 10).

O mapa de orientação de vertentes (mapa 10) indica que a maior parte da


área está voltada para as direções NW, N e W. Em segundo lugar temos as vertentes
voltadas para NE e E. Este fato leva-nos a concluir que a bacia de um modo geral
apresenta boas condições de insolação. A bacia apresenta, em menor quantidade,
vertentes voltadas para S, SE e SW localizadas em áreas do Aglomerado da Serra
e no parque das Mangabeiras.

3.3- PAISAGEM URBANA: SISTEMA VIÁRIO E OCUPAÇÃO DO SOLO.

A paisagem urbana é um conjunto de elementos naturais ou construídos, por-


tadores de qualidades visuais específicas que podem ser reconhecidos e organiza-
dos num modelo coerente. Quanto mais legíveis são estes atributos ambientais,
mais fácil se torna a identificação e a percepção das imagens urbanas, o que confere
um sentido de orientabilidade para as pessoas na sua movimentação pela cidade.
Nas suas andanças pela cidade cada cidadão percebe os cenários e paisagens
através dos sentidos da visão, da audição, do tato e do olfato, fazendo associações
com lembranças e experiências passadas.
Kevin Lynch (1999: 2) foi um pioneiro no estudo da percepção ambiental e no
se livro A Imagem da Cidade nos revela:

"A cidade não é apenas um objeto percebido (e talvez desfrutado) por milhões de
78

pessoas de classes sociais e características extremamente diversas, mas também o produ-


to de muitos construtores que , por razões próprias, nunca deixam de modificar sua estrutu-
ra. Se, em linhas gerais, ela pode ser estável por algum tempo, por outro lado está sempre
se modificando nos detalhes. Só um controle parcial pode ser exercido sobre seu crescimen-
to e sua forma. Não há resultado final, mas apenas uma contínua sucessão de fases."

Portanto a descrição de uma paisagem urbana será sempre referida a um


determinado momento específico, sendo talvez mais importante a identificação dos
processos característicos das transformações desta paisagem no tempo e as suas
relações com o entorno.
Algumas características da paisagem urbana são de fundamental importância
para sua valorização pelas pessoas, tais como: espaço aberto com ampliação da
vista panorâmica, vegetação, água, sentido de movimento na rede viária e contrastes
visuais.
Para melhor entendermos as formas físicas da paisagem urbana, uti-
lizaremos o modelo de Lynch (1999) que as classifica em cinco tipos de elementos:
vias, limites, bairros pontos nodais e marcos, conforme descrição abaixo:

"1.Vias- As vias são os canais de circulação ao longo dos quais o observador se loco-
move de modo habitual, ocasional ou potencial. Podem ser ruas, alamedas, linhas de trân-
sito, canais, ferrovias. (...)
2.Limites- Os limites são os elementos lineares não usados ou entendidos como vias
pelo observador. São as fronteiras entre duas fases, quebras de continuidade lineares: pra-
ias, margens de rios e lagos, etc., cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e pare-
des. (...) Esses limites podem ser barreiras mais ou menos penetráveis que separam uma
região da outra, mas também podem ser costuras, linhas ao longo das quais duas regiões
se relacionam e se encontram.
3.Bairros- Os bairros são as regiões médias ou grandes de uma cidade, concebidos
como dotados de extensão bidimensional. O observador neles "penetra" mentalmente, e eles
são reconhecíveis por possuírem características comuns que os identificam.
4.Pontos nodais- Os pontos nodais são os pontos, lugares estratégicos de uma cidade
através dos quais o observador pode entrar, são os focos intensivos pra os quais ou a partir
dos quais ele se locomove. Podem ser basicamente junções, locais de interrupção do trans-
porte, um cruzamento ou uma convergência de vias, momentos de passagem de uma estru-
tura a outra. Ou podem ser meras concentrações que adquirem importância por serem a
condensação de algum uso ou de alguma característica física, como um ponto de encontro
numa esquina ou uma praça fechada. Alguns desses pontos nodais de concentração são o
foco e a síntese de um bairro, sobre o qual sua influência se irradia e do qual são um sím-
bolo. Podem ser chamados de núcleos.
5.Marcos- (...) Em geral, são um objeto físico definido de uma maneira muito simples:
edifício, sinal, loja ou montanha. Seu uso implica a escolha de um elemento a partir de um
79

conjunto de possibilidades.(...) Como exemplos, podemos citar as torres isoladas, as cúpu-


las douradas, as grandes montanhas.

Vias

É desejável que as vias, uma vez identificáveis, também tenham continuidade.


As vias com destino e origem claros dão às pessoas um senso de direção e per-
cepção da sua localização na cidade. Na nossa área de estudo temos várias tipolo-
gias de organização do sistema viário. Na parte mais antiga, dentro do anel da Av. do
Contorno, as ruas tem uma continuidade bem definida, mas a regularidade da orga-
nização em malha ortogonal dificulta a identificação das vias e dos lugares. O sis-
tema viário dos bairros Serra e São Lucas é composto por vias coletoras com um
traçado "orgânico" tais como as ruas do Ouro e Estevão Pinto e vias locais com traça-
dos ortogonais, o que confere às ruas identidade e orientabilidade. Por outro lado a
existência de vias sem saída, em "cul de sac" no bairro Mangabeiras, ligadas a vias
coletoras, transmitem às pessoas uma sensação de descontinuidade nos percursos.
Nas vilas do Aglomerado da Serra, o sistema viário é organizado pelas ruas Dr.
Camilo e Bandonion, que funcionam como coletoras de uma miríade de becos e
vielas, que podem ser percorridos com desenvoltura apenas pelos moradores locais.
Em termos funcionais, para classificarmos as vias da área de estudo,
podemos utilizar a metodologia desenvolvida pela Lei de Uso e Ocupação do Solo
de Belo Horizonte (nº 7.166 de 27 de agosto de 1996) que divide as vias nas
seguintes classes:
A- Arteriais - Vias com significativo volume de tráfego, utilizada nos desloca-
mentos urbanos de maior distância, com acesso às vias lindeiras devidamente sina-
lizado. São desta categoria as avenidas Afonso Pena, Contorno, Getúlio Vargas,
Carandaí e Brasil ( mapa 11).
B- Coletoras - Vias com função de permitir a circulação de veículos entre as
vias arteriais e as vias locais. Nesta categoria temos as ruas do Ouro , Estevão Pinto,
Palmira, Capivari, Caraça, Trifânia e Av. Bandeirantes, que permitem a integração do
bairro da Serra com o resto da cidade.
C- Locais - Vias de baixo volume de tráfego, com função de possibilitar o
acesso direto às edificações.
D- De pedestres - Vias destinadas à circulação de pedestres e, eventual-
80
81

RUBEM PEREIRA
FIGURA 10 - Limites da bacia do córrego da Serra: No primeiro plano à direita, avenida do Contorno
com praça Milton Campos e ao fundo a Serra do Curral,com seu perfil danificado pela mineradora
MBR. O bairro Serra apresenta, à esquerda, verticalização intensa ao longo da rua Estévâo Pinto e
no centro da foto, residências horizontalizadas e quintais (reserva para a especulação imobiliária?).

mente, de bicicletas.

Limites

Os limites físicos da bacia são evidentemente, por definição, as cristas ou divi-


sores de água que a contornam. Todavia as fronteiras mais evidentes são o Ribeirão
Arrudas, ao norte e a Serra do Curral, ao sul (Figura 10). Podemos considerar tam-
bém como barreiras as avenidas Afonso Pena e do Contorno pelo grande volume de
tráfego que elas comportam. A leste os limites são dados pela cerca que envolve o
parque das Mangabeiras e podemos considerar também que os terrenos com altas
declividades do aglomerado da Serra configuram um outro limite.

Bairros

O bairro é um setor da cidade intrinsecamente ligado à sua evolução e é


constituído por partes que reproduzem localmente o fenômeno do crescimento
urbano como um todo. De acordo com Rossi (1982: 70):

"O bairro é uma unidade morfológica e estrutural; é caracterizado por uma certa pai-
sagem urbana, por um certo conteúdo social e por uma função; portanto, uma mudança num
desses elementos é suficiente para fixar o limite do bairro. Também aqui é necessário ter pre-
sente que a análise do bairro como fato social baseado na segregação de classe ou de raça,
nas funções econômicas ou, em todo caso, na camada social corresponde indubitavelmente
ao mesmo processo de formação da metrópole moderna."
82

Podemos identificar claramente os limites dos bairros e vilas que com-


põe a bacia em estudo. A localização de cada extrato da população no tecido urbano
depende de fatores geográficos, morfológicos, históricos e econômicos. Antes
mesmo dos fatores geográficos, parecem ser determinantes os fatores econômicos.
Os bairros Santa Efigênia e Funcionários são identificados pelo traçado orto-
gonal de suas vias, uma vez que estão dentro dos limites da Avenida do Contorno no
chamado centro histórico de Belo Horizonte. Nestes bairros podemos identificar algu-
mas zonas decadentes, representando ilhas em relação ao desenvolvimento geral,
configurando-se como grandes áreas de reserva. Nestas áreas sobrevivem alguns
edifícios construídos na época da fundação de Belo Horizonte, o que confere um sig-
nificado mais amplo a esta região no tocante à preservação da memória e do
patrimônio histórico da cidade. O uso do solo é predominantemente de atividades li-
gadas ao setor da saúde e residencial multifamiliar de renda média.
O bairro São Lucas tem um uso residencial predominante e está comprimido
entre a Avenida do Contorno e os terrenos de alta declividade ocupados pela Vila
Nossa Senhora de Fátima. Seu limite com o bairro da Serra é tênue, a rua Pouso
Alto, localizada numa crista de um dos morrotes onde estão localizados os dois bair-
ros. Os moradores podem ser classificados como pertencentes aos extratos médios
da população. O uso dos terrenos localizados ao longo da Avenida do Contorno e das
vias coletoras é predominantemente comercial e serviços.
O bairro da Serra tem o uso semelhante ao bairro São Lucas, mas o proces-
so de verticalização é mais acentuado, principalmente em terrenos localizados entre
a rua do Ouro e a avenida Afonso Pena e próximo ao clube Minas II, em edifícios ocu-
pados por uma população pertencente a extratos de renda mais elevados.
As vilas do aglomerado da Serra ocupam terrenos com declividades acima de
47% e apresentam um uso residencial com edificações precárias, muitas vezes loca-
lizadas em áreas de risco. Obviamente o nível de renda da população é baixo e os
terrenos são atendidos precariamente pelos serviços de infra-estrutura urbana.
O bairro Mangabeiras (Figura 11) é de uso residencial com edificações ocu-
padas em sua maioria por uma população de alta renda. Apesar de parte do bairro
ser implantada em terrenos com declividades muito altas, este fato é compensado
pela grande dimensão dos lotes o que permite uma baixa ocupação dos terrenos. O
solo do bairro composto de filitos, gera problemas de escorregamentos trazendo
83

RUBEM PEREIRA
FIGURA 11 - Escarpa da Serra do Curral tendo ao fundo o pico Belo Horizonte. Percorre paralela-
mente à escarpa, a avenida José Patrocínio Pontes com o hospital Hilton Rocha à direita. À esquer-
da localiza-se o bairro Mangabeiras.

danos a algumas vias e residências.

Pontos nodais.

Podemos identificar como pontos nodais no bairro Santa Efigênia (dentro de


nossa área de estudo) o cruzamento das avenidas do Contorno com Avenida dos
Andradas (conhecido como ponte do Perrela), o cruzamento das avenidas Brasil e
Francisco Sales, a praça Floriano Peixoto. No bairro dos Funcionários temos o cruza-
mento das avenidas Getúlio Vargas com Contorno e rua do Ouro (acesso ao bairro
da Serra). No bairro da Serra são pontos nodais: o cruzamento das ruas do Ouro com
Palmira e a praça Milton Campos e no bairro Mangabeiras temos as praças da
Bandeira e do Papa.

Marcos.

O marco principal de nossa área de estudo , que também é o marco prin-


cipal de Belo Horizonte é a Serra do Curral, que tem suas escarpas e seu perfil impo-
nente limitando a bacia ao sul.
Podemos considerar o parque das Mangabeiras também como marco pela
grande massa vegetal nas bordas da área urbanizada.
Outro marco importante, pela dimensão e pelo caráter simbólico é o edifício da
Santa Casa de Misericórdia. Podemos considerar também o Colégio Arnaldo como
um marco importante na nossa área de estudo, tanto pelo seu valor simbólico como
84

pelo seu valor histórico e arquitetônico.

3.4- COMPARTIMENTAÇÃO PAISAGÍSTICA:

3.4.1- Escarpas da Serra do Curral.

A serra do Curral é o elemento geográfico mais importante de Belo Horizonte,


sendo o marco referencial principal para quem circula pela região.
Suas escarpas íngremes conformam uma barreira que impede o acesso à
região localizada ao Sul da mesma (cidade de Nova Lima) e ao crescimento da
cidade nesta direção (Figura 11). A serra está na memória de cada belo-horizontino
e sua forte presença é registrada por Nava (2001):

"Olhava os lados do Mercado, cujo arvoredo denso fechava o horizonte. Para os do


Cruzeiro, no alto. Lá estava a parede da serra do Curral lembrando, daquele ponto, um pás-
saro caído e de asas abertas." (Figura 12)

FIGURA 12 - Avenida Afonso Pena e o seu final na praça do


Cruzeiro. Ao fundo a Serra do Curral (1950).
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.
85

A Serra do Curral é o resultado de um ciclo de erosão , que se iniciou com o


soerguimento brusco. Com o decorrer do tempo, os processos foram rebaixando o
conjunto, carregando as partes mais moles para as planícies aluvionais. A parte que
não foi erodida é formada por , principalmente itabiritos, que compõe as escarpas da
serra. O conjunto formado pelas escarpas da Serra do Curral , é descrita por Monte-
Mór (1994: 12) como :

"marca de muitos limites da ocupação central do espaço mineiro. Suas rochas


resistentes e formações escarposas expressam a força do quadrilátero ferrífero, interpondo-
se às intempéries naturais e, em parte, à própria ação

predatória humana.(...) Nas partes íngremes da serra, o clima úmido e fresco expressa-se
numa vegetação mais abundante e rica, enquanto nos mares de morros, ao norte, as mes-
mas chuvas intensas, caindo sobre o solo poroso que abriga a vegetação do cerrado, pro-
duzem um clima seco e quente. A diversidade e a pluralidade de microclimas, característi-
cas da região de Belo Horizonte, são assim garantidas.

O solo da serra do Curral, é da classe Latossolo ferrífero de coloração verme-


lho-escuro com matizes preferencialmente inferiores a 10R, teores de sesquióxido de
ferro (Fe2 O3 ) superiores a 40%. São solos derivados de rochas metamórficas tipo
itabirito e congêneres e a massa do solo é altamente atraída por imã. Neste solo é
bastante freqüente a ocorrência de concreções ferruginosas de diâmetros variáveis,
tanto na superfície como na massa do solo, o que os classifica como cascalhentos,
apresentando, não variavelmente, textura argilosa e/ ou muito argilosa cascalhento.
RUBEM PEREIRA

FIGURA 13 - Afloramentos rochosos na crista da Serra do Curral


86

Também são comuns as nuances das tonalidades vermelhas e roxas em função da


incidência dos raios solares.
O relevo é forte ondulado, com afloramentos rochosos (Figura 13) e com
encostas de conformações convexas sob vegetação de campos cerrados e cerrados
pouco densos e arbustivos.
A sua composição geológica, rica em minério de ferro (hematitas e itabiritos)
proporcionou a sua exploração por mineradoras que na maior parte das vezes pouco
contribuíram pela preservação do meio ambiente e da paisagem natural. Na área de
estudo objeto deste trabalho, podemos ver sua ação na destruição do perfil da Serra,
com o rebaixamento de sua crista, o que trouxe grande prejuízo para a paisagem na-
tural da vertente voltada para Belo Horizonte percebida historicamente pelos habi-
tantes da região (Figura 14). Amorim Filho (1999: 148) a este respeito relata:

"Os impactos ambientais da mineração podem ser sentidos até, por exemplo, em
plena região metropolitana de Belo Horizonte, onde também há intensa atividade minerado-
ra e de grande significado para a economia. Nesse cenário metropolitano, em que se dá o
encontro de forte processo de urbanização com uma atividade mineradora igualmente forte,
destaca-se a Serra do Curral, macrounidade paisagística situada imediatamente ao Sul dos
espaços mais urbanizados da capital do estado.
A grande agressão à Serra acontece por conta da presença de grandes jazidas de
minério de ferro, que fizeram com que uma intensa atividade extrativa ali se desenvolvesse
nas últimas décadas. Em função da mineração, uma parte significativa da Serra vai deixan-
do de existir e até o seu perfil, para quem o observa desde Belo Horizonte , vai gradualmente
sendo modificado e rebaixado. O alinhamento e as encostas imponentes da Serrado Curral
constituem-se certamente, no aspecto mais marcante do conjunto paisagístico que compõe
RUBEM PEREIRA

FIGURA 14 - Cava da mineração da MBR desativada com lago em formação.


87

esse belo horizonte. Do ponto de vista do espaço percebido da capital, a Serra é um de seus
marcos fundamentais, além de ser o único marco paisagístico da região metropolitana indi-
cado por unaminidade pela população em diversas pesquisas."

Apesar de ter sido licenciada pelo CONAMA, durante a exploração da mina


pela MBR (Minerações Brasileiras Reunidas), ocorreram acidentes conforme foi noti-
ciado pela imprensa. A manchete do jornal O Estado de Minas de 30/04/1992 foi a
seguinte:

"Deslizamentos em mina da MBR deixa dois operários feridos"

Na reportagem o jornal noticia um deslizamento de terra na mina Águas


Claras, da MBR, onde foi estimado a movimentação de 1 milhão de toneladas de
terra. O acidente afetou a encosta tombada pelo Patrimônio Histórico, na parte volta-
da para o Parque das Mangabeiras. O deslizamento foi causado pelas fortes chuvas
na região no início do ano e pela existência de uma trinca na encosta.
Em 02 de junho de 2000, é novamente o jornal O Estado de Minas, que aler-
ta novamente sobre os riscos ambientais que a mineração MBR sujeita a cidade. A
manchete é:

"Ação de mineradoras ameaça abastecimento de água na RMBH"

No artigo publicado, são apresentados os estudos do geólogo João Alberto


Pratini de Morais sobre o depósito de águas subterrâneas na Serra do Curral. As
mineradoras são consideradas como responsáveis pela contaminação das águas da
Serra do Curral e são tidas como a principal causadora de danos ao ecossistema
local. O desmatamento de mais de 1 milhão de m2 (erosão, assoreamento de cursos
d'água e enchentes) é considerado o maior responsável pela degradação de forma
irreversível de 30% da Serra do Curral, o que traz risco para a população de BH, já
que o problema afeta toda a bacia do rio das Velhas.
Na vertente oposta e pertencente ao município de Nova Lima os danos foram
maiores com a abertura de imensa cava para mineração a céu aberto. A mina foi
desativada por não ser mais economicamente viável a extração do minério ali exis-
tente. Como durante a exploração da mina se fez necessário o rebaixamento do
88

RUBEM PEREIRA
FIGURA 15 - Crista da Serra do Curral, vista do pico Belo Horizonte. A esquerda a foto mostra a
cava desativada da MBR sendo preenchida pelo lago e a direita o parque das Mangabeiras.

lençol freático, a sua desativação trouxe novamente a água que irá ocupar a cava
com um lago de aproximadamente 100 metros de profundidade (Figura 15).
A preservação e proteção da vertente da serra voltada para o norte e perten-
cente a bacia do córrego da Serra é responsabilidade da administração do parque
das Mangabeiras. A proximidade com as áreas urbanas tornaram esta parte da serra
do Curral vulnerável a incêndios na época das secas, o que destruía regularmente a
sua flora e parte da fauna. Para fazer frente a este problema foi executado um sis-
tema anti-incêndio, com a utilização de tubulações e água proveniente do lago que
cobre a mina desativada na vertente de Nova Lima.
Existem vários projetos para utilização turística da serra do Curral ainda não
implantados. Os mais importantes são a construção de um teleférico ligando o par-
que ao topo da Serra e o de uma trilha para caminhada acompanhando a crista da
Serra no trecho que se encontra sob a jurisdição da administração do parque das
Mangabeiras.

3.4.2- Parque das Mangabeiras.

O parque das Mangabeiras (Figura 16) com uma área de aproximadamente


850.000 m2, é considerado o 2º maior parque urbano da América do Sul. Está loca-
lizada no sopé da Serra do Curral, que limita o parque pelo Sul. A leste faz divisa com
o Aglomerado da Serra e com o parque da Baleia, a Norte faz divisa com o bairro da
Serra e a Oeste com o bairro Mangabeiras (Mapas 12, 13, 14, 15 e 16).
A mata existente no parque é o resquício de uma floresta que já fora descrita
por Olavo Bilac quando aqui esteve, em janeiro de 1894, para cobrir os preparativos
89
90
91
92
93
94

RUBEM PEREIRA
FIGURA 16 - Parque das Mangabeira: estacionamentos, Praça das Águas,
administração e área para esportes.

do início da construção da cidade. O jornalista republicano vê o sítio, de acordo com


Magalhães, B. A. e Andrade, R. A. (1989 : 11) como se segue:

"Estamos a mil metros, mais ou menos, acima do nível do mar. Dois panoramas diver-
sos se desenrolam. De um lado é a natureza selvagem da serra, grandes massas brutas de
arvoredo que lhe galgam a lombada e se acumulam embaixo, numa floresta emaranhada e
pujante."

A área onde hoje se situa o Parque das Mangabeiras pertenceu à antiga


Fazenda do Capão e sua posse foi transferida para a Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte no início do século XX. É dentro desta área que estão situadas as princi-
pais nascentes do córrego da Serra. No plano de Aarão Reis, o córrego da Serra, jun-
tamente com os córregos Cercadinho, Acaba-Mundo e Mangabeiras eram os princi-
pais responsáveis pelo abastecimento da capital. Em área localizada na parte norte
do atual parque foi instalada a Caixa de Areia, primeira estação de tratamento de
água da cidade que abastecia o Bairro Serra.
Abaixo da Caixa de Areia, o córrego era usado para recreação, conforme nos
conta Nava (2001: 155), em suas memórias do ano 1920:

"Nesse fim de férias eu trouxera os amigos das anteriores para tomarem conta comi-
go dos domínios da Serra. Ocupamos o Cruzeiro, seu campo de futebol, sua Caixa-d'água
cercada d'araucárias, escalamos Curral de todos os modos possíveis, subimos ao Pico,
95

invadimos as cercas do Bambirra, talamos a chácara do Arquimedes Gazzio, roubamos


manga-rosa no Estevão Pinto, manga-espada na Dona Carolina Figueiredo e arriscada
empresa! Jabuticabas da casa da Dona Dudu Goulart. Mas o melhor foi quando nos associ-
amos aos filhos do Seu Zé Rizzo, ao Rubinho da Sá Delminda, ao Nô do Seu Silvério, ao
Albertinho do Seu Abras, ao Antonio e ao Geraldo do Amaro da Sá Adelaide e a outros ele-
mentos autóctones para construir o nosso banheiro no curso d'água que descia da Caixa de
Areia. A escolha do local foi feita pelo Lála, ponto represável logo abaixo dum rápido com
cachoeira; o risco foi de minha lavra; a direção dos trabalhos coube ao Chicão."

O Parque situa-se nas encostas da Serra do Curral, limite norte do


Quadrilátero Ferrífero, nas formações geológicas denominadas Grupo Itabira e
Grupo Piracicaba componentes do Super Grupo Minas. Em relação ao Grupo Itabira
afloram aqui o itabirito dolomítico e o minério de ferro da Formação Cauê, e o dolomi-
to da Formação Gandarela. Do grupo Piracicaba aparecem o quartzito ferruginoso da
Formação Cercadinho e o filito quartzito da Formação Fecho do Funil. As partes mais
altas da Serra são sustentadas pelos itabiritos ( minérios de ferro ) e lentes de hemati-
ta da Formação Cauê, de onde é extraída a maior parte do minério de ferro produzi-
do no Brasil. O ferro muitas vezes se solubiliza e serve como cimento para as bre-
chas, ou, como matéria-prima para as espessas cangas encontradas em muitos pon-
tos do Parque.
No início da década de sessenta instalou-se na área a FERRO BELO HORI-
ZONTE S/A (FERROBEL), empresa mineradora municipal, que explorava minério de
ferro. Através do decreto 1466 de 14 de outubro de 1966, foi criado o Parque das
Mangabeiras, com finalidade de se preservar a reserva florestal e dotá-la de área de
recreação para a cidade. Em 30/12/1974 foi sancionada a Lei 2403, autorizando sua
implantação. Em fins de 1979 a FERROBEL foi desativada e começaram os estudos
relativos à sua implantação, elaborados pela PLAMBEL (Superintendência de
Desenvolvimento da Região Metropolitana). O projeto paisagístico do Parque foi
elaborado por Roberto Burle Marx e sua equipe. No projeto, a mata e a vegetação
típica da região são preservadas e parte do sistema viário já existente (pavimentado
com pedras irregulares tipo pé-de-moleque) é aproveitado. Dentro do parque foram
preservadas todas as nascentes do córrego da Serra que são permanentemente
monitoradas pela administração do parque. As áreas desmatadas e degradadas pela
mineração são destinadas para os estacionamentos, a praça de esportes, as edifi-
cações da administração, as áreas para eventos (praça das águas e teatro de arena)
a pista de bicicross, os play-grounds e mirantes. Foram também projetadas trilhas por
96

dentro da mata para prática de caminhadas e apreciação da natureza.


No dia 13 de maio de 1982 o Parque foi inaugurado, ficando sob a adminis-
tração da BELOTUR (Empresa Municipal de Turismo) até 1983, quando a Secretaria
Municipal de Cultura e Turismo passou a definir sua estrutura administrativa. Em
1989 o Parque passou a ser gerenciado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
A Serra do Curral é um conjunto paisagístico natural que pode ser comparado
com outros conjuntos de mesma natureza existentes num contexto global.
Em seu livro Geografia das paisagens, Rougerie (1971: 126-133) faz uma
comparação entre os vários conjuntos paisagísticos naturais do espaço terrestre e
desvenda seu dinamismo interno e suas relações recíprocas. Com relação à vege-
tação das regiões montanhosas Rougerie as descreve como se segue:

"A escalada para os cumes se faz, em toda a parte, através de uma sucessão de cin-
turões vegetais que diferem uns dos outros pela fisionomia e pela composição. Nos sopés,
a paisagem das terras baixas galga as primeiras encostas: as raízes da montanha mergu-
lham na ambiência regional.
Mais acima, surge o plano montanhês, revestido de florestas mistas. Em toda a face
da terra observa-se a vocação florestal deste plano: corresponde ao aumento de umidade
devido a altitude.
Mais acima,(...) a vida reflui ao nível do solo neste meio áspero, sujeito aos ventos e
à insolação responsáveis pela exacerbação das evapotranspirações e ao frio e novamente
à insolação que reduzem o crescimento".

Em função do relevo da área e dos diferentes tipos de solo, o Parque apresen-


ta uma cobertura vegetal heterogênea (diversificada ) formando uma rica variedade
de ambientes.
Sua vegetação nativa é exuberante e representa uma pequena parte da flores-
ta existente nas fraldas da Serra do Curral que foi destruída pela urbanização da
cidade e foi preservada justamente por pertencer a uma mineradora (FERROBEL),
que manteve a sua integridade. A vegetação do Parque reúne espécies que variam
entre o campo de altitude, cerrado, e matas de galeria.
As espécies preservadas com predominância no campo, das gramíneas,
canelas de ema e algumas espécies de orquídeas. No cerrado, típico dos solos mais
ácidos, a ocorrência de espécies como o pau-santo, barbatimão, candeia, caviuna e
a mangaba, que deu origem ao nome da região, proliferam e ocupam a maior parte
da área do Parque.
97

As partes mais baixas do Parque, por onde correm os vários cursos de água,
concentram grande quantidade de solo fértil. Isto propicia a consolidação da vege-
tação de grande porte, classificada como mata de galeria e composta de várias espé-
cies nobres como o jacarandá, vinhático, jequitibá, e a quaresmeira, eleita árvore
símbolo de Belo Horizonte.
Em 1996, sob a coordenação do prof. José Luiz Pedersoli, foi desenvolvido um
projeto, parceria da Prefeitura de Belo Horizonte com a UFMG/FUNDEP (publicado
no site da PBH), cujo objetivo era o conhecimento do potencial botânico do Parque
das Mangabeiras, através de coletas e determinação sistemática das plantas com flo-
res, mês a mês, a fim de reconhecer e caracterizar as formações vegetais existentes
determinando famílias, gêneros e espécies. Constatou-se que a família Compositae
representada principalmente pela Erementhus erythopappus é a mais abundante,
seguida pela família Melastomaceae, representada pelos gêneros Miconia e
Tibouchina e também por plantas da família Myrtaceae do gênero Myrcia. Na
pesquisa citada, verificou-se também formações vegetais de cerrado, mata ciliar,
representantes da mata semidecidual estacional de altitude, nos pontos mais altos
algumas espécies de campo rupestre. Foram identificadas cerca de 320 espécies
vegetais, entre as quais podemos citar, através do seu nome popular, as seguintes:
aroeira-branca, araticum-do-mato, mangabeira, ipê-amarelo-do-cerrado, pau-d'arco,
pequi, embaúba, marmeleiro, sucupira-do-cerrado, caviúna-do-cerrado, jacarandá-
do-cerrado quaresmeira, tingui, mamica-de-porca, mutamba, pau-terra, capitão-do-
campo, pau-santo, jatobá-do-cerrado, ingazeiro, angico-rajado e barbatimão.
A fauna do parque é muito variada, tendo sido registrada a ocorrência de treze
espécies de mamíferos não voadores na área: o mico estrela (Callithrix penicillata), o
tatu- galinha, o gambá-de-orelha-branca, a cuíca-de-quatro-olhos, a catita, o esquilo,
o quati, o furão, a raposa, o ouriço-cacheiro, o rato-do-mato, o rato-de-árvore e o
tapeti.
O quati - Nasua nasua - é um dos poucos mamíferos de médio porte que o
Parque das Mangabeiras abriga. Seus bandos chegam a ter mais de 25 indivíduos e,
ocasionalmente, ultrapassam os limites da reserva.
Encontramos no parque a maior concentração de aves do município, cerca de
158 espécies, que corresponde a quase 25% da avifauna do estado de Minas Gerais.
Os répteis são representados por 12 espécies de serpentes e lagartos, e os
98

anfíbios por 16 espécies, uma delas descrita cientificamente pela primeira vez no par-
que (espécie de anuro Eleutherodactylus izecksohni).
O parque das Mangabeiras constitui-se em um nicho ecológico peculiar, e sua
sustentabilidade depende da preservação dos diversos fatores que garantem o seu
equilíbrio. Alterações provocadas principalmente pelo homem podem levar a extinção
de espécies e outras alterações ambientais não desejáveis. Pereira e Almeida (2000:
227) alertam:

"Os ecossistemas estão sempre se modificando embora, na maioria das vezes, de


forma relativamente lenta, e toda área cujas condições ecológicas favoreçam a determi-
nadas comunidades ou espécies, também sofrem alterações. Fatores climáticos, geológicos
ou antrópicos podem causar a fragmentação de áreas fazendo surgir entre elas ambientes
ecologicamente desfavoráveis à sobrevivência daquelas espécies. Estes ambientes desfa-
voráveis são comumente denominados de barreiras ecológicas."

Pela localização estratégica do parque, freqüentemente são feitas propostas


de construção de uma via que iria percorre-lo, paralelamente à Serra do Curral, per-
mitindo o fechamento do chamado Anel Rodoviário de Belo Horizonte, possibilitando
a ligação da BR 040, passando pelo bairro Belvedere, pela Mineração Lagoa Seca e
bairro Mangabeiras, com o parque da Baleia indo até Sabará. Estes projetos visam
sobretudo permitir o acesso e integrar áreas liberadas pelas companhias de mine-
ração, que tiveram suas minas esgotadas e que poderiam ser transformadas em
áreas residenciais. Estes projetos encontram grande resistência por parte dos ecolo-
gistas que temem a quebra do corredor ecológico existente na área, o que traria um
grande prejuízo para o ambiente.

3.4.3- Bairro Mangabeiras.

A origem do bairro Mangabeiras remonta à década de 50, quando o gover-


nador do estado e futuro presidente do Brasil Juscelino Kubistcheck se muda para o
Palácio das Mangabeiras (Figura 17) atraindo a construção de casas a seu redor,
mas a sua criação definitiva foi efetivada a partir da aprovação do loteamento através
do decreto municipal nº 2.317 de 16 de janeiro de 1973 pelo então prefeito Oswaldo
Pieruccetti. O novo bairro ocupava parte da 1ª Seção Urbana (Lote 1 do quarteirão
99

RUBEM PEREIRA
FIGURA 17 - Palácio das Mangabeiras.

9) e parte da Fazenda das Mangabeiras com área total de 605.549 m2 de pro-


priedade da Companhia Urbanizadora Serra do Curral.
O bairro está assentado sobre os morrotes existentes no sopé da Serra do
Curral, que limita o bairro a Sul (Mapas 17 e 18). A leste o bairro faz divisa com o
Parque das Mangabeiras, a oeste com o Bairro Comiteco e a Norte com o bairro da
Serra. A maior parte de sua área construída está assentada em terrenos com declivi-
dades acima de 47% (Mapa 19 e 20).Os terrenos têm grandes dimensões (áreas
nunca inferiores a 500 m2) e baixas taxas de ocupação, o que contribui para alta taxa
de permeabilidade do bairro. Aliado a este fato o bairro possui vias e praças bem
arborizadas e a proximidade com as escarpas da serra do Curral e com o parque das
Mangabeiras contribuem para o micro-clima existente, com temperaturas agradáveis,
boa ventilação e boa vista.
As moradias existentes são de excelente padrão construtivo e os habitantes
RUBEM PEREIRA

FIGURA 18 - Bairro Mangabeiras: vertente voltada predominantemente para nordeste.


100
101
102
103
104

RUBEM PEREIRA
FIGURA 19 - Bairro Mangabeiras: vertente voltada predominantemente para oeste.

são, em sua maioria, consumidores de alta renda (Figuras 18 e 19)


O ponto nodal do bairro é a praça da Bandeira (Figura 20) que articula as li-
gações entre as áreas de influência das avenidas Bandeirante e Afonso Pena, sendo
o acesso principal do bairro (Mapa 21). A praça é também um marco, pelo aspecto
monumental futurista dado pelo desenho do mastro da bandeira e da praça de even-
tos. Neste local são realizadas periodicamente cerimônias de troca da bandeira do
Brasil por militares de diversas corporações e grupos de estudantes.
Outro marco importante do bairro é a praça do Papa (Figuras 21 e 22), local
de grande valor simbólico para a população de Belo Horizonte, que ali se reúne para
RUBEM PEREIRA

FIGURA 20 - Praça da Bandeira, ponto nodal do bairro das Mangabeiras.


105
106

RUBEM PEREIRA

FIGURA 21- Praça do Papa e avenida Agulhas Negras (2002)

manifestações religiosas de diversos credos e eventos culturais de tribos urbanas


diversas. Não podemos também nos esquecer do Palácio das Mangabeiras, símbo-
lo do poder do Estado e guardião das tradições do povo mineiro.
Com relação a geologia do bairro podemos considerar que, de um modo geral,
os terrenos são estáveis, com exceção dos terrenos existentes na encosta cujo topo
é ocupado pelo Palácio das Mangabeiras. Nesta vertente, a construção das ruas
Bady Salum , Pedro José Pardo, Arquiteto Rafaello Berti e João Camilo Torres, afe-
tou o sistema de drenagem interna natural do maciço, causando instabilidade através
de movimentos de terra nas estações chuvosas. Estudos da Secretaria de Estado de
Obras Públicas (1991) concluíram que os escorregamentos se dão sobretudo a nível
profundo, nos contactos filito-quartizito, caminhos preferenciais da água que satura o
maciço no período chuvoso, caminhos estes impedidos pelas obras de urbanização.
Como conseqüência, ocorre a saturação do filito que rapidamente perde a resistên-
cia transformando-se numa massa oleosa lubrificante, transformando o contacto fili-
to-quartizito em superfície de escorregamento. Estas vias foram construídas no início
da década de 70 e a instabilidade evoluiu rapidamente com o desenvolvimento de
107

FIGURA 22 - Bairro Mangabeiras com Praça do Papa.


Fonte: IGA(Instituto de Geociências Aplicadas de MG)
Aerofoto 1977

FIGURA 23: Detalhe da figura 22, indicando o


escorregamento sobre a Rua Rafaello Bertti em 1977

deslizamentos regressivos, avançando em direção ao topo da vertente (Figura 23).


Neste processo a rua Bady Salum foi interrompida pelo deslizamento em 1984 e
restaurada por um aterro construído com a utilização de um sistema "terra armada".
Após 3 anos a contenção foi destruída novamente devido ao processo de instabili-
108

FIGURA 24 - Situação do encontro da Rua Badi Salum com a rua


Pedro José Pardo em 1989.
Fonte: Prodabel-Levantamento Aerofotogramétrico de BH- 1989.

FIGURA 25 - Deslizamentos e desvio da Rua Badi Salum em 1992.


Fonte: Secretaria de Obras Públicas de MG (1992)

dade da encosta e em 1992 os deslizamentos atingiram também a rua Pedro José


Pardo e os terrenos do Palácio das Mangabeiras (Figuras 24 e 25).Foram então pro-
jetadas e executadas obras com o objetivo de estabilizar a encosta. Para conter o
avanço dos deslizamentos em direção ao topo foi construída uma grelha de concre-
109

BRUNO AZEVEDO
FIGURA 26 - Grelha atirantada de concreto construída no terreno do Palácio das Mangabeiras em
1992 para conter os deslizamentos

to armado atirantada e executado um sistema de drenagem profunda (Figura 26). A


rua Pedro José Pardo foi recuperada e foi construída uma via provisória para se
acessar as casas isoladas da rua Bady Salum, situação que permanece até hoje
(Figura 27). Aliado a estas obras foram plantadas espécies vegetais indicadas para
ajudar na contenção dos deslizamentos. Todavia a terra continua se movimentando
nas épocas de chuva, derrubando muros e invadindo parte das ruas Arquiteto
RUBEM PEREIRA

FIGURA 27 - Desvio construído para substituir trecho da rua Badi Salum destruido pelos desliza-
mentos.
110

Rafaello Berti e João Camilo Torres, conforme podemos verificar em fotos feitas no
local em 2001, 2003 e 2004 (Figuras 28,29 e 30).

RUBEM PEREIRA
FIGURA 28- Contenção provisória para conter deslizamentos sobre a
rua arq. Rafaello Bertti. Foto de 2001.
RUBEM PEREIRA

FIGURA 29 - Deslizamento sobre a rua arq. Rafaello Bertti em 2003.


RUBEM PEREIRA

FIGURA 30 - Deslizamernto sobre a rua arq. Rafaello Bertti em 2004.


111

3.4.4- Vilas Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora Conceição e


Marçola.

Estas vilas estão localizadas nas partes mais altas e mais íngremes dos mor-
rotes típicos da topografia do sul de Belo Horizonte nos contrafortes da Serra do
Curral e juntamente com a favela do Cafezal, vila Novo São Lucas e vila Nossa
Senhora de Fátima compõe o chamado Aglomerado da Serra (Mapa 22).
As vilas altamente adensadas, estenderam sua ocupação sobre áreas de risco
em terrenos com declividades impróprias para a implantação de edificações, localiza-
dos em linhas de drenagem e agravados pela supressão da cobertura vegetal e pelo
lançamento de esgoto a céu aberto (Mapas 23 e 24).
A estrutura geológica da serra do Curral, de um modo geral, apresenta um
mergulho voltado para sudeste, o que torna as vertentes voltadas para noroeste mais
estáveis e as voltadas para sudeste mais instáveis e sujeitas a escorregamentos
(Mapa 25). Os acidentes decorrentes de deslizamentos são freqüentes. As
construções são precárias e inacabadas, com problemas estruturais de diversas
órdens. A paisagem é caótica e fragmentada.
O que se vê é uma comunidade marginalizada dos direitos básicos de cidada-
nia e marcada pela segregação social, econômica, racial, etc.
De acordo com dados levantados no " Plano Global do Aglomerado da Serra",
elaborado pela prefeitura de Belo Horizonte em 2000, através da URBEL, a Vila
Nossa Senhora Aparecida (Figura 31) existe há, aproximadamente, 50 anos. Em
RUBEM PEREIRA

FIGURA 31 - Vila Nossa Senhora Aparecida com antena da rádio


Del Rey acima e bairro São Lucas, à direita.
112
113
114
115
116

1970, contava pouquíssimos moradores, não existindo nem água nem luz. Os
primeiros moradores buscavam água em dois chafarizes localizados na Rua Mica e
na Rua Oriental ou em uma mina localizada na Rua Monte Alegre onde hoje é o
reservatório da COPASA.
A água chegou na Vila há 15 anos, aproximadamente, primeiramente na Rua
Monte Alegre e de lá era "puxada" para as outras casas.
Foi também nessa época, que a rede elétrica foi implantada. Antes, já existia
em algumas casas em forma de "bicos", sistema usado para fazer ligações clandes-
tinas.
Ainda segundo o Plano Global do Aglomerado da Serra (2000), os primeiros
moradores da Vila Nossa Senhora da Conceição (Figura 32) vieram do interior do
estado principalmente das cidades de Raul Soares, São Pedro dos Ferros, Rio
Casca, Montes Claros, Teófilo Otoni, há mais de 80 anos. Nava (2003: 299) ao des-
crever as chuvas torrenciais que caiam sobre Belo Horizonte na década de 20, assim
se refere aos moradores que já ocupavam os morros da região:

"Lembro particularmente da gente pobre da Serra - adultos e crianças - com seus


sacos de aniagem dobrados e descendo da cabeça ao tronco feito capuzes e capas - que
davam aos agasalhados com estes panos aspectos de figuras das telas de Bosch."

Em 1954 tudo ainda se conservava em estado natural, com muita área verde.
Segundo depoimentos de moradores mais antigos, a região era muito pacífica e os
moradores tinham uma boa relação de vizinhança. Os primeiros barracões eram de
zinco, tábua e papelão. Mais tarde começaram a surgir os primeiros barracos de
adobe e somente por volta dos anos 70 surgiram os de alvenaria.
Em 1970 a luz elétrica chegou à Vila por meio de ligações clandestinas, assim
como as primeiras urbanizações e a rede de água.
RUBEM PEREIRA

FIGURA 32 - Vila Nossa Senhora da Conceição, vista da rua Herval. À direita, bairro da Serra com
Serra do Curral acima.
117

RUBEM PEREIRA

FIGURA 33 - Vila Marçola

O assentamento da Vila Marçola (Figura 33) teve início há aproximadamente


40 anos. Diz-se que o terreno pertencia à família de Vitório Marçola, cujos herdeiros
hoje residiriam em Brasília. Outra versão é de que toda a área já era de propriedade
pública, e foi dividida em glebas de acordo com mananciais de água (o Córrego
Cardoso era um deles), já na época da construção da cidade.
Até 1960, não existia nenhuma forma de abastecimento e a água era busca-
da na mata do Parque das Mangabeiras.
Os primeiros moradores eram em sua maioria do interior. Não tinham nenhu-
ma infra-estrutura e os primeiros barracos eram feitos de lata e papelão.
A ocupação começou no terreno onde hoje é o Minas Tênis Clube II. Mais
tarde foram aparecendo as primeiras casas de adobe e telhas francesas ou de
amianto. Laje e alvenaria foram materiais que só surgiram na década de 70, quando
também começaram as primeiras melhorias na vila.
A luz chegou por volta de 73/74, assim mesmo via "gatos" puxados da Rua
118

Caraça. A água só veio por volta de 83/84 e ainda hoje existem becos onde a água
é obtida através de ligações clandestinas, pois não há abastecimento oficial (o seg-
mento da Rua Caraça é um exemplo).
Os acessos para as vilas se dão por vias estratégicas. Para acessar a vila
Aparecida são utilizadas as ruas Camões e Monte Alegre; para a vila Conceição são
utilizadas as ruas Pouso Alto e Herval e para acessar a vila Marçola são utilizadas as
ruas Sacramento, Capivari e Caraça (Mapa 26). O sistema viário das vilas é estrutu-
rado principalmente pela rua Doutor Camilo que percorre a crista do morro e pela rua
Bandonion que vai a meia encosta. O sistema viário é complementado por becos que
percorrem o terreno nas curvas de nível e por escadarias que cortam as curvas per-
pendicularmente.
As edificações são geralmente barracos de alvenaria de tijolos cerâmicos fura-
dos ou blocos de concreto sem reboco, podendo atingir até 3 pavimentos. São
implantadas ao longo dos becos e escadarias com soluções às vezes engenhosas,
às vezes um convite ao risco.
A topografia das vilas se apresenta, de um modo geral acima de 47%, declivi-
dade inadequada para ocupação por habitações. Além disso a alta taxa de ocupação
das vertentes diminuem as áreas de absorção das águas de chuva, aumentando os
riscos de deslizamento e desmoronamento.
O adensamento das vilas pode ser comprovado pelos dados do quadro 01,
onde se constata um aumento crescente no número total de domicílios, no curto
período de 6 anos.

QUADRO 01
Quadro Comparativo do Total de Domicílios do Aglomerado da
Serra, por Vilas.

Domicílios Domicílios (%)


1993 * 1999 **
Marçola 2.169 2.852 31,48
N. Sra. Aparecida 1.302 1.748 34,25
N. Sra. da Conceição 1.817 2.217 22,01

(*) Fonte: URBEL - Levantamento do Universo de Trabalho


(**) Fonte: Contagem de Domicílios- PGE- 1999.
119
120

De acordo com dados da URBEL a densidade domiciliar do Aglomerado (con-


siderando todas as 6 vilas) é de 89,19 dom/ha, 5,96 vezes superior à densidade
domiciliar da Capital e 3,67 vezes à da Regional Centro-Sul (Quadro 02).

QUADRO 02
Densidade Domiciliar por Vila

Vila Área (ha)* Total de Densidade


Domicílios (dom/ha)
N. Sra. Aparecida 14,19 1.784 123,19
N. Sra. da Conceição 18,37 2.217 120,68
Marçola 22,23 2.852 117,70

(*) Fonte: Equipe de Urbanismo - PGE - 2000.

Todas as Vilas do Aglomerado da Serra, mesmo as mais antigas como Nossa


Senhora da Conceição, Nossa Senhora Aparecida e Marçola (tempo médio de ocu-
pação de 17,6 anos, 16,9 anos e 12,8 anos respectivamente), vêm, nos últimos cinco
anos, recebendo percentual significativo de pessoas, fato resultante do desemprego
e empobrecimento geral da população, além de ser o Aglomerado, um local estratégi-
co para a moradia (Quadro 03).

QUADRO 03
Tempo de ocupação das Vilas do Aglomerado da Serra (Valores em Percentual)
Vilas/Tempo Conceição Marçola Aparecida
Ocupação
0 a 2 anos 12,1% 18,6% 10,4%
2 a 5 anos 08,7% 16,6% 10,04%
5 a 10 anos 14,7% 18,6% 17,8%
10 a 20 anos 30,0% 21,8% 27,9%
20 a 30 anos 18,4% 15,5% 17,4%
Mais de 30 anos 16,1% 08,9% 16,4%
Média (anos) 17,6 12,8 16,9
Fonte: Contagem de Domicílios - PGE - 1999.
121

A densidade demográfica das vilas do aglomerado também são exagerada-


mente altas quando comparadas com a densidade demográfica de Belo Horizonte
(60,21 hab/ha) e com a da Regional Centro -Sul (75,71 hab/ha), conforme podemos
observar abaixo (Quadro 04).

QUADRO 04
Domicílios Residenciais/Mistos, População Residente Estimada e Densidade
Demográfica, por Vila do Aglomerado da Serra

Vila Domicílios Tamanho População Dens. Dem.


Resid/Mistos médio da Residente (hab/ha)
Família
N. Sra. 1.504 4,1 6.166 434,53
Aparecida
N. Sra. da 1.864 4,2 7.828 426,12
Conceição
Marçola 2.037 3,9 7.944 327,85

Fonte: PGE - Contagem de Domicílios e Pesquisa Amostral - 1999

O crescimento exarcebado da população das vilas do Aglomerado da Serra


pode ser verificado também nos quadros 05,06, 07 08 e 09 e comparados com o
quadro geral de taxa de crescimento e densidade demográfica de Belo Horizonte e
das Administrações regionais.
QUADRO 05
População Residente nas Vilas do Aglomerado da Serra, em 1983, 1996 e 1999.

(*) Fonte: Inventário do PLAMBEL - 1983.


(**)Fonte: IBGE- Contagem Populacional/1996.
122

QUADRO 06
População de Belo Horizonte e das Administrações Regionais, Taxa de
Crescimento e Densidade Demográfica 1991-1996

Regional Pop. Área Dens. Pop. Dens. Taxa


1991 (ha) Demogr. 1996 Demogr. cresc.
(Hab/ha) (%)
Barreiro 219.740 5.514 39.85 237.089 43.00 7.90
Centro-Sul 247.032 3.236 75.71 255.271 78.23 3.34
Leste 248.742 2.889 86.10 243.120 84.15 -2.26
Nordeste 248.763 3.986 62.41 250.149 62.76 0.56
Noroeste 337.294 3.814 88.44 335.827 88.05 -0.43
Norte 151.074 3.432 44.02 175.653 51.18 16.27
Oeste 247.834 3.210 77.21 252.288 78.59 1.80
Pampulha 105.718 4.680 22.59 120.916 25.84 14.38
Venda 198.126 2.761 71.76 217.864 78.91 9.96
Nova
Belo _ 33.550 60.21 2.091.448 62.34 3.53
Horizonte
Fonte: IBGE - Censo Demográfico/1991 e Contagem Populacional/1996.

QUADRO 07
Vilas do Aglomerado da Serra, Segundo o Número de Domicílio por Edificação
(valores em %)

Vilas/ nº Domicílios 1 2 3 4 +de 4 Nº


N. Sra. Aparecida 73.14 18.30 5.85 1.54 1.16 1229
N.Sra.Conceição 71.93 19.37 6.01 1.98 0.70 1564
Marçola 70.10 21.01 5.90 1.86 1.06 1980

Fonte: Contagem de Domicílios - nov/dez 1999.


123

QUADRO 08
Vilas do Aglomerado da Serra, Segundo a Verticalização (valores em %)

Vilas/Nº Pavimentos 1 2 3 4 + de 4 Nº
N. Sra. Aparecida 45.24 48.98 5.04 0.32 _ 1224
N.Sra.da Conceição 52.04 41.94 5.24 0.26 0.13 1558
Marçola 62.98 34.54 1.91 0.20 _ 1973

Fonte: Contagem de Domicílios - nov/dez 1999.

QUADRO 09
Domicílios Residenciais e Mistos, por Vilas do Aglomerado da Serra

Nossa Senhora Aparecida 1504 86,04


Nossa Senhora da Conceição 1864 84,07
Marçola 2037 71,42

Fonte: Contagem de Domicílios - nov/dez 1999.

De acordo com o " Plano Global do Aglomerado da Serra" (2000), as vilas do


Aglomerado Serra mostram uma situação geral de risco distinta umas das outras,
principalmente devido ao tempo de ocupação diferenciado de cada uma delas. O
processo de urbanização destas regiões tem sido feito de forma gradativa e sempre
posterior a ocupação da área. Por isso é naturalmente observado, que as vilas com
tempo de ocupação maior, apresentam-se mais bem servidas de infra-estrutura
urbana e como conseqüência imediata disto, muitos dos problemas de risco já foram
solucionados.
O quadro 10 permite uma análise global e por vila do ponto de vista das áreas
de risco geológico-geotécnico (considerados apenas os riscos iminente e alto). A Vila
Aparecida é a melhor deste ponto de vista com a ocupação mais antiga e melhor
topografia com apenas 1,1% de sua área como de risco. A situação de maior risco
encontra-se na vila Marçola com 11,7% de sua área comprometidos.
Os fatores naturais, tais como declividade do terreno, grau de alteração da
124

QUADRO 10
Áreas de Risco Alto e Iminente por Vila

Aparecida 14,2 -- 0,16 0,16

6 2,68 2,84

Fonte: URBEL (2000)

rocha, estruturas presentes na rocha, presença de formações superficiais e as linhas


de drenagens, são definidores para as situações de risco e condicionam o tipo e porte
adequado da obra para cada local. De maneira geral, pode-se dizer que as obras fun-
damentais para o início da estabilização das áreas de risco, ou mesmo, para a
extinção de diversas situações deste tipo recaem em obras de infra-estrutura urbana,
tais como drenagem pluvial e fluvial, esgotamento sanitário e recuperação de becos.
Em outros casos, a edificação de estruturas de contenção é imperiosa.
Ainda de acordo com o Plano Global do Aglomerado da Serra, na área em
estudo foram encontradas regiões as quais podem ser denominadas como 'não edi-
ficantes', onde a ocupação não é possível, visto que qualquer tipo de obra civil não
se faz justificada. Estas áreas devem ser tratadas como áreas de preservação ambi-
ental definitiva e podem ser utilizadas como instrumentos para trabalhos sociais
educativos, buscando valorizar o meio ambiente. Ressalta-se que o tratamento
destas regiões deve ser prioritário (mesmo que de forma inacabada), para que as
situações de risco da área em estudo não se alastrem mais ou se tornem mais
graves. Salienta-se que estes locais estão muitas vezes associados a situações de
risco alto ou iminente ou de extrema insalubridade, dados determinantes para a
definição de priorização das intervenções
O adensamento das vilas do aglomerado ao longo do tempo pode ser obser-
vado analizando-se os cenários de uma área selecionada da vila Nossa Senhora
Conceição e do bairro da Serra, próxima ao Hospital Evangélico, nos anos 1967,
1989 e 2002 em aerofotos e imagem do satélite Ikonos (figuras 34, 35 e 36), que rep-
resentam uma amostra do fenômeno ocorrido ao longo de toda a bacia.
125

Hospital Evangélico

FIGURA 34 - Foto aérea 1967


Fonte: IGA- Instituto de Geociências Aplicadas de MG.

FIGURA 35 - Foto aérea 1977


Fonte: IGA- Instituto de Geociências Aplicadas de MG.

FIGURA 36 - Imagem do satélite Ikonos (2002)


Fonte: Impe
126

3.4.5- Bairros da Serra e São Lucas.

Os bairros da Serra e São Lucas formam uma unidade paisagística, limitada


por um lado por vias de tráfego intenso: Av. do Contorno, Av. Afonso Pena e Av.
Bandeirantes, que o isolam parcialmente da vizinhança e pelo outro lado limitada
pelas favelas do Aglomerado da Serra.
Os dois bairros estão situados entre as cotas 850 e 1000 m acima do mar
(Mapa 27).
Os bairros apresentam em sua maior parte declividades suaves entre 5 e 20%
(Mapa 28 e 29). Em em segundo lugar apresentam áreas com declividades entre 20
e 47% e em alguns pontos apresenta declividades acima de 47% de declividade.
Podemos considerar os bairros bem ensolarados, pois a maior parte de seu
território esta orientada para W ou N/NE, mas podemos observar parte de sua área
voltada para S e SW, o que indica locais com menor insolação ao longo do ano (Mapa
30).
Os dois bairros tem uso predominantemente residencial e os usos comercial e
de serviços ocorrem principalmente nas avenidas principais e nas vias coletoras.
Ainda são comuns as residências unifamiliares com jardim e quintal mas o processo
de verticalização e o adensamento populacional são fenômenos que estão evoluin-
do muito rapidamente, diminuindo a permeabilidade do solo e deixando a região vul-
nerável a situações de risco causados pelo intemperismo (Figura 38).
Os pontos nodais do bairro da Serra são a praça Esperanto- esquina da aveni-
da do Contorno com rua do Ouro (Figura 37), a esquina da rua do Ouro com rua
BRUNO AZEVEDO

FIGURA 37- Praça Esperanto e ruínas da vila Rizzo, marco histórico do bairro da Serra.
127
128
129
130
131

RUBEM PEREIRA
FIGURA 38 - Bairro da Serra, com Hospital Life-center à esquerda. Pode-se perceber a verticaliza-
ção em curso do bairro, com edificações de grande altura ao longo das vias principais. No alto o
Aglomerado da Serra.

Palmira, a esquina da avenida do Contorno com a rua Monte Alegre, a esquina da


rua Bernardo Figueiredo com avenida Afonso Pena e Avenida Bandeirantes com
avenida Afonso Pena.
O sistema viário interno do bairro (Mapa 31) é organizado principalmente pelas
vias coletoras: ruas do Ouro, Estevão Pinto, Palmira, Caraça e Trifânia. No início do
século XX, esta já era a configuração do sistema viário do bairro, conforme podemos
confirmar com Nava (2001: 350) em sua descrição do bairro no início dos anos 20:

"Para quem conhecia a Serra palmo a palmo como eu, reconstruir seu caminho era
fácil. Nossa cidade tinha como último quarteirão antes das escarpas do Curral, o quadrado
formado por Caraça, Ouro, a deserta Palmira e a Rua do Chumbo. Esta e Ouro, daí para
cima viraram trilhas que iam se perder no Arquimedes Gazzio e no atual sítio das
Mangueiras. Quem subia Ouro, tinha de virar à esquerda e pegar o caminho cheio de postes
de alta-tensão que iam na direção de Morro Velho. Do Pico e ali perto, na da Caixa de
Areia."

A rua do Ouro todavia só se transformou no acesso principal da Serra poste-


riormente, uma vez que a mesma era interrompida em muitos pontos por buracos e
erosões. Nava (2001) assim descreve a situação:

"Ora, direis, mas não seria melhor? cortar por Ouro, vencer Monte Alegre, Contorno,
Maranhão tudo tão mais direto. Eu vos responderei no entanto que esta zona era cheia de
erosões, buracos,desbarrancamentos, ruas pela metade, matagais, córregos, águas repre-
sadas. Só muito aos poucos a Prefeitura foi completando a cidade e Serra, Cruzeiro,
Funcionários - enfim se conurbaram."

Os principais marcos do bairro são a praça Milton Campos, a caixa d'água do


132
133

Cruzeiro, a praça da Bandeira e o clube Minas Tênis II. A praça Milton Campos, que
anteriormente era conhecida como praça do Cruzeiro é assim descrita por Nava
(2003: 294) nas suas memórias do ano de 1925:

"Íamos ao outro extremo da cidade - subindo ao Cruzeiro. Galgávamos o barranco


onde terminava a Avenida Afonso Pena e ganhávamos o campo de futebol onde está a
Praça Milton Campos (ele, nesse tempo, não praça, não estátua, às vezes conosco). Do pé
da torre de alta voltagem e da Cruz de madeira de que vinha o apelido do logradouro - olhá-
vamos a cidade. Víamos Afonso Pena como a Campos Elíseos de cima dum Arco do Triunfo.
Estéril, de moledo solferino e terra escarlate, sem calçamento e com as beiradas escavadas
pela erosão das grandes chuvas que faziam sulcos caprichosos como negativos de cordas
torcidas - ela ia até ao Abrigo que via-se embaixo, no cruzamento com Paraúna - pequeni-
no, àquela hora dourado,parecendo corpo retilíneo, cubo, dado, jogado na convergência
daquelas avenidas e das ruas Ceará e Cláudio Manuel."

A caixa d'água do Cruzeiro, que fazia parte do sistema de abastecimento do


córrego da Serra assim aparece nas memórias de Nava (2003: 295):

"Para atrás era a montanha, o Cercado, o Curral que sob um céu que desmaiava, ia
perdendo o verde do mato e o vermelho do chão para esticar-se em todo o horizonte duma
cor violeta dum roxo de quaresma que avançava seus dois braços em direção ao último
clarão do crepúsculo para apaga-lo enfim e desaparecerem por sua vez, na pulverização
azul-marinho e depois negra da noite que se constelava.
Às vezes passávamos a buraqueira de detrás do Cruzeiro, atravessávamos o
Pindura-Saia, subíamos à velha Caixa d 'Água cercada de araucárias. Fixávamos um sol
inverossímil que aumentava de tamanho à medida que se aproximava da fímbria do hori-
zonte."

A delimitação física entre os bairros da Serra São Lucas é a rua Pouso Alto
localizada em uma crista de um dos morrotes característicos da região. Este limite
não é muito bem percebido, pois são muito parecidas as tipologias do sistema viário
e as tipologias das edificações existentes em ambos os lados da Rua Pouso Alto.
O bairro São Lucas está localizado numa faixa estreita de terreno, compreen-
dida entre a Avenida do Contorno e a Vila Nossa Senhora Aparecida. Seu sistema
viário é estruturado principalmente pelas ruas Engenheiro Carlos Antonini, Rua Dante
e Rua Camões. Sua ocupação é predominantemente composta por edificações uni-
familiares e por edifícios residenciais multifamiliares com 3 ou 4 pavimentos.
No projeto da nova capital de Minas Gerais, as áreas localizadas fora do anel
da Avenida do Contorno eram classificadas como pertencentes à chamada zona sub-
134

urbana (bairros Santa Teresa, Carlos Prates, Bonfim, etc) e à zona de sítios (bairros
da Serra e Floresta). Nesta última zona, contíguos aos bairros dos Funcionários e de
Santa Efigênia estão localizados os bairros da Serra e São Lucas. Para as zonas
suburbanas estava prevista a localização de chácaras para produção de produtos
hortifrutigranjeiros. Estes bairros se diferenciam claramente da área urbana pelo
traçado de seu sistema viário, que apesar de ser ainda ortogonal em sua maior parte,
apresenta vias sinuosas, como é o caso da rua do Ouro e da rua Estevão Pinto (anti-
ga Chumbo) e se adequa mais á topografia, diferentemente do traçado viário regular
existente dentro da av. do Contorno, que ignora a topografia, os cursos d'água e a
vegetação existentes.
A existência dos mananciais de águas cristalinas da bacia do Córrego da
Serra, aliada à sua localização em cotas altimétricas elevadas levaram ao aproveita-
mento desta água para atendimento das necessidades de parte da cidade e para
tanto foi construída uma infra-estrutura de abastecimento da qual fazia parte o reser-
vatório denominado "caixa de areia", localizado onde hoje está implantado o parque
das Mangabeiras.
Com a expansão do centro histórico da cidade e com a construção de linhas
de bondes que ligavam o centro às áreas suburbanas e às áreas sítios a partir da
década de 20 (Castriota,1998), a Serra começa a se urbanizar, dando início ao
processo de modificação do uso do solo, com a substituição das chácaras por lotea-
mentos que foram paulatinamente aumentando o adensamento populacional da
região, diminuindo as áreas permeáveis, a fauna e a flora características das fraudas
da Serra do Curral.
O início deste processo foi registrado por Nava (2001: 144-145) em seu livro
de memórias "Chão de ferro", onde descreve o percurso que conduzia à sua mora-
dia no ano de 1918 :

"Ganhava-se a Serra - nesse tempo serra virgem - pela Rua Cláudio Manuel e depois
Chumbo. Aí o bairro começava a tomar seu caráter. À esquerda as casas do Dr. Cícero (azul,
dentro da mata) e a do Desembargador Siriri (verde dentro da mata). Ainda à esquerda, a
touceira de bambus e os atalhos que seriam a Rua Bernardo Figueiredo. Logo depois, à di-
reita, a fachada fechada dos Goulart. Outro pulo para defronte e começavam os muros e as
colunetas da chácara do Estevinho. No Ponto do Bonde, olhando o nascente, viam-se no
meio da copa das mangueiras, os telhados e as vidraças dos Gomes Pereira e olhando o
poente, mais mangueiras, toda uma aléia de mangueiras e no fundo, a casa de D. Carolina.
Ainda havia continuação de rua até em frente ao sobrado branco e misterioso do dr. Aleixo,
135

mas daí para diante, eram atalhos abertos entre matagais e barrancos, cheios de poeiras nas
secas, cheios de lama nas águas, passando defronte do Zé Rizzo, do Seu Abras, da bode-
ga do Albertino e chegando finalmente às veredas que configurariam, com o tempo, a Rua
Caraça. Nessa esquina, mirando à direita - o espigão que levava aos Chalés das Viúvas e à
esquerda - o ladeirabaixo que ia a nossa nova casa. Em frente, o aprumo gigantesco muro
Serra do Curral (...)".

Em outro trecho do “Chão de Ferro” (2001: 146), Nava descreve os córregos


que percorriam o bairro da Serra, e em especial o córrego Mangabeiras que ao
descer a rua Chumbo, formava uma queda d’água antes de chegar na Caraça (Figura
39):

"Quando desci pela primeira vez a Rua Caraça, chutando seus calhaus de crisopaco,
vermelhão, aço e ferrugem - fui ouvindo aos poucos o ruído de águas despencando que ia
aumentando. De Chumbo, Caraça descia em rampa suave até aquele córrego, um dos
muitos que serpenteavam nos mundos indescobertos da Serra. O que eu ouvia, separava
nosso terreno do lote vizinho. Descia das encostas da Serra do Curral, das sesmarias do
Arquimedes Gazzio, passava nos fundos dos latifúndios do Zé Rizzo, do Dr. Aleixo, recebia
a afluência de outro que descia da Caixa de Areia e atravessava a Rua do Ouro,seguiam
mutualmente engrossados por dentro das terras do Gomes Pereira e viravam no corregão
maior que banhava as glebas do Estevinho. Seguia ora a descoberto, ora debaixo de túneis,
dando braços que se juntavam a outros riachos. Acabavam todos no Arrudas, depois no Rio
das Velhas velho, depois nomarroeiro São Francisco, depois no Mar Oceano. Ao atravessá-
lo, paramos no meio da pinguela que o major mandara construir com duas grossas tábuas.
Ele marulhava entresseixos dois metros abaixo, mas o ruído grande vinha de uma cascata
que olhamos deslumbrados. A límpida língua d'água saía de dentro de plantas agrestes, da
vegetação ribeirinha, onde predominavam tufos de samambaias e de avencas gigantescas -
como esguicho parabolando do fundo das barbas lodosas de um mascarrão de mármore
preto. Atirava-se dentro dum banheiro natural cavado por sua força - mas de que seu jato
não turbava a transparência das águas que já ferviam no fundo mineral de cascalho lavado
e relavado. O riacho descia dentro de leito inteiriço feito de ganga de ferro, estrondava
naquele ponto, borbulgava e descia. A visão só tinha três cores - o negro das pedras, o bran-
BRUNO AZEVEDO

FIGURA 39 -Praça Violeta Soter Vargas, local onde até a década de 60 existia a queda d’água
descrita por Pedro Nava.
136

co das águias de prata e o verde var vertarial das ramagens que se sacudiam fazendo sim
e não, sim e não, impulsionadas pelo ar deslocado pelo ímpeto da linda despencada".

O córrego Mangabeiras teve seu curso desviado e canalizado a meia encos-


ta sob a Rua Estevão Pinto (ex- rua Chumbo). Esta operação liberou os terrenos
localizados no vale às margens do córrego entre as ruas Estevão Pinto e Ouro para
serem ocupados por grandes edifícios, alterando definitivamente o eco-sistema tão
bem descrito pelo memorialista, causando uma queda na qualidade de vida dos
moradores do bairro, que perderam um terreno natural, que poderia ter sido transfor-
mado em uma área de preservação ambiental com potencial de uso educacional e
de lazer. A descrição de Nava, da natureza exuberante existente nos idos de 1918
em locais hoje totalmente urbanizados levam-nos não a uma atitude passiva, saudo-
sista, mas à urgência de uma ação no sentido de preservar o que restou das
nascentes do córrego localizadas no parque das Mangabeiras e da vegetação nativa
e da que restou das chácaras nos fundos de quintais das residências sobreviventes
desta época.
O micro-clima do bairro da Serra é condicionado pela sua localização geográ-
fica (no sopé da Serra do Curral) e pela geomorfologia do compartimento, que se
traduz em baixas temperaturas no inverno e chuvas torrenciais no verão. Nava
(2001) em seu livro "Chão de ferro" nos dá uma descrição do clima no verão de
1918:

"Eram longas cordas d'água perpendiculares desabando implacavelmente durante


um, dois, três dias, uma semana, no ar quente parado de março. Ou então a chuva vinha
com os ventos desabridos da Serra do Curral e atirava-se às lufadas, às mangas, aos potes,
aos cântaros, que juntavam seu ruído contínuo de metralha batendo no chão metálico ao
tambour roulant da trovoada de Belo Horizonte e ao urro do enxurrão do nosso córrego vira-
do torrente. Às vezes o aguaceiro parava na tarde escura; um instante o vento se imobiliza-
va. Mas continuava a água a correr serra abaixo nas encostas, nas vertentes, nas ladeiras -
abrindo sulcos profundos, abissais, caprichosos como negativos das colunas torsas do bal-
daquino de São Pedro. Seu chiado não cessava. Escurecia e continuava dia noite adentro,
dia aceso em prata pelos relâmpagos se pegando uns pelas caudas dos outros dentro da
batida espaçada de mil caixas surdas e do rufo vitorioso de milhares de tambores em ré que
replicavam juntos, em coro, junto com timpanões, tarolas, junto com tímbalos."

As condições climáticas do bairro descritas por Nava permanecem, talvez um


pouco alteradas pela mudança dos ventos ocasionada pela verticalização do bairro
137

e pelo aumento da impermeabilização dos terrenos.Todavia a canalização e a retifi-


cação de parte do córrego da Serra e do córrego Mangabeiras e a eliminação das
matas ciliares pioraram consideravelmente as condições ambientais da bacia, tornan-
do cada vez maiores os prejuízos causados pelas enchentes, que ocorrem com uma
freqüência cada vez maior. Em abril de 2004 as chuvas torrenciais que caíram sobre
a serra do Curral, sobre as nascentes do córrego da Serra no parque das
Mangabeiras e no bairro da Serra acumularam um volume de água superior à capaci-
dade de vazão dos canais subterrâneos. Esta água destruiu os bueiros e canaliza-
ções nas rua Palmira (Figura 40) e Dona Cecília, transbordou e inundou as ruas,
invadindo escritórios, residências, garagens de edifícios residenciais (Figura 41) e
comerciais, oficinas mecânicas (figura 42) e escolas, destruindo veículos e imóveis

RUBEM PEREIRA

FIGURA 40 - Rua Palmira: destruição das galerias subterrâneas durante temporal em abril de 2004.
RUBEM PEREIRA

FIGURA 41 - Garagem de edifício localizado à rua Monte Alegre, após temporal em 2004.
138

RUBEM PEREIRA
FIGURA 42 - Efeitos das chuvas de 2004 na rua Desembargador
Drumond.

que estavam no seu percurso trazendo um prejuízo incalculável para a população e


para a cidade.
A ocupação urbana dos terrenos do bairro da Serra, foi feita de forma paulati-
na e a sua evolução pode ser constatada nos registros de aprovação dos loteamen-
tos e desmembramentos de glebas, conforme o mapa apresentado por Azevedo
Jr.(1994). Esta ocupação se fez inicialmente a partir do quarteirão formado pelas ruas
Ouro, Palmira, Chumbo (Estevão Pinto) e Caraça em lotes maiores (área de 1000 a
3000 m2) com uso predominante de chácaras, ao longo do vale formado pelos cór-
regos Mangabeira e Serra. No período de 1920 a 1930, esta ocupação se estende
para os terrenos localizados a leste da Rua do Ouro em lotes com área em torno de
360 a 400m2, e ocupados por habitações unifamiliares. Esta ocupação se dá em
direção as partes mais altas do bairro em terrenos localizados em áreas com declivi-
dades que variam de 5 a 20%. Entre 1931 e 1940 inicia-se a ocupação das áreas
mais elevadas em terrenos com declividades acima de 20% no polígono formado
pelas ruas Monte Sião, Herval, Pouso Auto e Afonso Alves Franco. No mesmo perío-
do ocupa-se as áreas localizadas às margens do córrego da serra e sujeitas à inun-
dações, compreendidas entre as ruas Monte Alegre, Estevão Pinto, Palmira e Ouro.
A ocupação dos terrenos próximos a praça Milton Campos se dá entre 1941 e 1960
e as áreas entre a Av. Afonso Pena e Rua Estevão Pinto são ocupadas após 1960.
Registra-se a partir da década de 50, principalmente no bairro da Serra, a sub-
stituição de edificações unifamiliares por edifícios multifamiliares construídos em ter-
139

renos geralmente obtidos pelo remembramento de dois ou mais lotes. A altura dos
edifícios nos bairros residenciais era limitada a 3 ou 4 pavimentos para atender às
leis de regulamentação urbana da época, notadamente o Decreto nº 165 de
01/10/1933, que estabelecia um gabarito abaixo do qual as construções deveriam
estar contidas. Estas normas foram substituídas em 1976 pela Lei de Uso e
Ocupação do Solo de Belo Horizonte, que permitia uma maior verticalização a par-
tir de novos critérios (taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, afastamen-
tos obrigatórios, etc.).
A verticalização se disseminou por todo o bairro, mas de forma acentuada em
três focos principais. O primeiro foco está localizado entre a rua do Ouro e a Avenida
Afonso Pena com edificações residenciais multifamiliares e comerciais (Figura 43).
Este fenômeno se explica em parte, pela proximidade e atração exercida pela av.

(E
T)ATRO KLAUSS VI
A NNA - TELEMAR

FIGURA 43 -Área localizada entre a avenida Afonso Pena e rua do Ouro pressionadas crescente-
mente pela especulação imobiliária.
Fonte: Prodabel- Levantamento Aerofotogramétrico de BH - 1989.
140

Afonso Pena que é um dos principais eixos da cidade e por outro lado, pela existên-
cia nesta área de lotes de grandes dimensões originados das chácaras ali existentes
desde a fundação da cidade.
Na proximidade da av. Afonso Pena, a construção de edifícios residenciais de
alto luxo em terrenos com área variando em torno de 1000 m2 chegando até 7000m2,
proporcionou a preservação de vegetação nativa e de vegetação originária das chá-
caras anteriormente existentes. Infelizmente tal fato não ocorre de maneira genera-
lizada, pois as legislações urbanas já citadas foram muito permissivas, trazendo
muitas vezes como conseqüência, a destruição total da cobertura vegetal e a imper-
meabilização dos terrenos com a construção de garagens subterrâneas, que podem
ocupar toda a área do lote. Este fenômeno pode ser observado pela análise de dois
cenários obtidos através de aerofotos de 1977 e 1989 (Figuras 44 e 45). Num perío-
do de apenas 12 anos podemos comprovar uma verticalização acentuada na região

FIGURA 44 - Foto aérea de área situada entre FIGURA 45 - Foto aérea de área situada entre
av. Afonso Pena e rua do Ouro em 1977. av. Afonso Pena e rua do Ouro em 1989.
Fonte: IGA - Instituto de Geociências Aplicadas Fonte: IGA - Instituto de Geociências Aplicadas
de MG. de MG.
141

facilitada pelas mudanças na legislação, principalmente a partir da Lei de Uso e


Ocupação do solo de 1976.
O segundo foco é a região existente próxima ao Minas Tênis Clube II e à entra-
da inferior do Parque das Mangabeiras. A construção do Clube e do parque fez parte
de uma operação urbana que teve início em 1977. Esta operação visava dar acesso
ao recém criado Parque das Mangabeiras e viabilizar a valorização imobiliária dos
terrenos localizados no sue entorno (Figura 46). As principais medidas tomadas
foram:
995

0
RUA

100
1005
960
1003.5

RUA
TIFANA
R

LV N
E

E.
RUA

CO

M.
DO
EL
HO
UAI 1005
RUA DO

ARASS

TRI
FAN A 9 84.9

985.9

965.1 RU A 1009.4

RUA
965

970.1

NHO
M BI
TRIF
ANA
ORIENTE

MUZA

973.5

..
QE

Q.E.
970

PRAC A
97 5
Q .
E. PRAC A
Q .
E.

C I
D ADE D O
Q .
E. C I
D ADE DO PO RTO
Q .
E.
OURO

990
..
QE

Q .
E.
PO RT
O
Q .
E.
995

RUA
Q .
E.
Q .
E.
Q.E.

999.8

980

978 .
7
98 0.
1
..
QE

Q.E.

Q.E.

Q.E.
R UA

Q.E.

Q E
..
80
9

999.4
2
. 990.8
989
RUA

O S
RUA

A NT RUA
DO

S
990 DE
98 9.
6

ANTES
EIR

Q.E.
DOS BAND
QE

ENGA
..

RO BERTO ALVAR
984 .
9
989.2

IV AI
10 00.
5 PAULA

993.4 RUA

996.1
PRO

RUA 985 1002 1


.
FES
SO
R

100 0 Q E
..
OU
RO

LHETE
RAMA
DOS

IVAI

Q
..
E
0
99

995 .
6
()ASA FREUD ATENC AO PSIQUICA
C JEHA

Q .
E.
1 005.6
UI
BAMB
RUA
RUA

100 5.
7
1005 .
7
B
I
NAG Q .
E.
ESTE

1005 A
VA

BUI LIM
BAM
O

RUA

1008 3
.

RUA
995
1007 .
5
E.E. PRO FESSOR Q E
..
PEDR
O A O
AL
EIXO SEBASTI D E
PR ACA
Q .
E.

3005 28
G
O RGIO
I

D A
M EI
DE AL
PAES A
995

PAUL
990

L
DAYRE

101 5 Q .
E.
Q .
E.
AVENIDA

OS
PNTO
I

N CAN
I I IAO
DOM SEBAST
RUA 1000
DO
OURO

DE
RUA Q .
E.

1017 6
.

Q E
..
1020
RUA
J

1010 Q E
..
Q .
E.

ESC .INF. Q .
E. Q E
..
Q .
E.
-43% % d55'
1 0" -43 55'
00" -43 54'
50"
R.
D O

PEI
X N
IH O Q E
..
1065
O

J
URO

J
-19 56'
50"
D OU RADO
RUA

1070

1015 4
.
1015

ARQ

SC

Q .
E.
J A
.

HREI

1018 5
.
ENG
BER

Q E
..
1030 ALVAR 1075

1010 Q E
..
1010 2
.
R
P
OFESSO

A NOS
R

IICI
N Q .
E.
DOM Q .
E.
RUA
1012 6
. 1077 2
.

Q .
E.
O
ROBERT

1025 .
2
RU A
RUA

1031 7
.
1035
1045
1040
EST
EVAO

Q .
E.

1005 1050
S
ET

1025
AN

Q
RI

..
E
BANDE

ASSO CIACAO 1062 8


.

1010

1026 1
.
PENA

DOS

RA
MINEI 1055
PI
NT
O

1077 2
.
1036 3
.

1120
TACA O
LI
BI
J DE REA 1040 1
.

Q .
E.
RA
RUA DEI
CAL
1048 7
.
112 5

S
Q E
..
D OS BA NDEIRANTE 1 130
AVENIDA
PRAC A
1031 6
.
1031 6
.
10 60

J
PENNA

1104 9
.
DA

PROF
Q .
E.
ESS 1135
O R

1104 5
.
1030 3
.

1014 6
.

1015

1140
TAC AM BI
RA Q E
..
AVEN

R UA I
1104 .
5
IDA

SANI
I

1145
O PPI

VER

RT
I
RAC

UL
A
MATA

1025

VDP
GO
103

SEM N OM
RA
0

IAC AM BI
T E
TOR RES

FIGURA 46- Área de influência do Minas Tenis Clube II.


Fonte: Prodabel - Levantamento Aerofotogramétrico de BH - 1989.

a) Prolongamento da Avenida Bandeirantes melhorando o acesso ao parque e


promovendo uma integração do sistema viário existente com as novas áreas que
estavam sendo urbanizadas, como o bairro Mangabeiras e o loteamento de luxo que
foi construído onde era o antigo Clube dos Caçadores.
b) Erradicação de uma favela existente e doação do terreno da mesma para
construção da sede do Minas tênis Clube II.
A implantação deste equipamento urbano atraiu grandes empreendimentos
imobiliários residenciais, o que pode ser comprovado pela análise de três cenários
ambientais através de imagens aéreas feitas sobre a regiâo em 1967, 1977 e 1989
(Figuras 47, 48 e 49).
Este tipo de operação urbana, onde grandes massas populacionais são deslo-
cadas para dar lugar a novos usos aos terrenos com a valorização das áreas assim
liberadas é muito comum no desenvolvimento das metrópoles e é assim descrito por
142
143

Carlos (2001: 24):

"O processo aparece sob a forma de uma operação urbana, que aparece como
estratégia de intervenção espacial, sinalizando as novas relações do processo de repro-
dução espacial, em que parcela significativa de solo urbano ocupado é liberado para outro
uso, com a destruição de imóveis e o deslocamento (e/ou expulsão) dos habitantes. O
processo de reprodução espacial envolve segmentos diferenciados da sociedade, com inte-
resses e desejos conflituosos. Todavia, o processo de reprodução espacial revela que os
interesses divergentes podem entrecruzar-se sob a unidade do Estado, que tem inques-
tionável poder de comando.(...) O Estado se utiliza de seu poder de planejador para, "em
nome do interesse público", desapropriar áreas imensas da metrópole (fazendo a terra
mudar de mãos), instalando, na seqüência, a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento
da nova atividade, e, com isso, mudando o uso, a função e o sentido dos lugares. Esse
processo não só permite o estabelecimento de uma nova atividade no lugar, mas sobretudo
desencadeia um processo de valorização do solo urbano por meio dos investimentos em
infra-estrutura e do aumento do potencial construtivo da área (até então interditada pela lei
de zoneamento vigente na cidade). A essa situação ainda se deve acrescentar o fato de que
mudanças na área obrigam antigos proprietários a vender suas pequenas propriedades,
criando um aquecimento no mercado imobiliário."

O terceiro foco é uma área localizada próxima às vilas do aglomerado da


Serra. Esta localização se justifica pela desvalorização dos terrenos em função da
proximidade da favela (falta de segurança), pela alta cota altimétrica dos terrenos o
que proporciona uma vista espetacular da cidade e pela economia gerada pelo
desnível dos terrenos que é aproveitado com garagens para atendimento das
unidades habitacionais (Fig. 50).
RUBEM PEREIRA

FIGURA 50 - Verticalização do bairro da Serra, junto às vilas do Aglomerado da Serra.


144

RUBEM PEREIRA
FIGURA 51 - Parte alta do bairro São Lucas. No meio da imagem temos a parte dos bairros
Funcionários e Santa Efigênia que está contida dentro do anel da avenida do Contorno. A direita, a
vila Nossa Senhora Aparecida e acima a parte verticalizada da bacia correspondente à chamada
Região Hospitalar.

3.4.6- Área do centro histórico (parte dos bairros Santa Efigênia e


Funcionários).

Esta é a área ocupada mais antiga de toda a bacia e está contida dentro dos
limites da Avenida do Contorno, portanto dentro do Setor Urbano da cidade projetada
por Aarão Reis (Figura 51). Esta área está localizada nas partes de cotas altimétricas
mais baixas da bacia (Mapa 32), à margem direita do Ribeirão Arrudas, onde
deságua o córrego da Serra. A topografia é quase plana com a maior parte dos
terrenos apresentando declividades entre 0 e 10%, excessão feita para os terrenos
situados no encontro das avenidas Carandaí, Francisco Sales e Contorno, onde
encontramos declividades situadas entre 10 e 30% (Mapas 33, 34 e 35).
A ocupação da área foi iniciada no princípio do século XX com a edificação de
construções no estilo hoje chamado de eclético. São desta época muitas edificações
ainda existentes na região, sendo que boa parte delas se apresenta em péssimo
estado de conservação ou com interferências visuais inaceitáveis (Figura 52)
RUBEM PEREIRA

FIGURA 52 - Bar Brasil 41, localizada na praça Floriano


Peixoto do lado do Quartel do Batalhão de Polícia.
Poluição visual e degradação física: Telhado elevado de
cerâmica, placa, toldo e calçada.
145
146
147
148
149

Podemos considerar como marcos principais desta unidade paisagística o


Quartel do Batalhão da Policia Militar localizado na praça Floriano Peixoto, o Colégio
Arnaldo localizado na esquina das avenidas Brasil, Bernardo Monteiro e Carandaí e
a Santa Casa de Misericórdia, que foi construída nos primeiros anos da cidade e
posteriormente substituída pelo atual edifício projetado pelo arquiteto Rafaello Berti
(Mapa 36).
É na praça Floriano Peixoto, onde está localizado o quartel, que se inicia a rua
Niquelina, fonte de inspiração para o memorialista Pedro Nava no ano de 1926
,(2003: 389):

“Quando tudo aquietou ele dirigiu-se a um dos enormes bufês do salão de


banquetes e dele retirou três botelhaços de Veuve Clicquot que mandou um cupincha pôr no
carro em que íamos sair. Isso é para beber no alto da Serra do Curral – disse ele. Saímos
juntos, o Olinda recusando-se, aterrado, a participar de nossa expedição. Vocês estão
loucos! Automóvel dirigido pelo Fábio e fratura da espinha em perspectiva. Ventania do alto
da Serra é tuberculose certa. Não. Mas nós, sim! E fomos. Chispamos para as portas do
Quartel, tomamos Niquelina, acabou a cidade e começou a estrada.”

O Colégio Arnaldo, outro marco importante da região e os cursos d’água que


ainda percorriam a cidade a céu aberto são lembrados por Nava (2003: 160-161),
quando rememora os idos de 1923:

“Descíamos até o colégio Arnaldo, parávamos um pouco no pontilhão da esquina de


Carandaí. Ouvíamos o murmurar do riacho, olhávamos as estrelas longínquas, inundava-nos
de lua cheia e do cheiro das árvores que farfalhavam à brisa de Belo Horizonte. Um perfume
nos seguia que era o da cidade-menina.”

Em 1911 é fundada a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte em terreno


próximo à nossa área de estudo e logo esta passa a atrair várias entidades ligadas à
saúde, conforme mencionado pelo então estudante de medicina Pedro Nava (2003:
394-395) relatando suas memórias do ano de 1926:

“ Nas nossas andanças íamos e vínhamos do São Vicente (N.R.- Hospital São
Vicente) à frente da Faculdade. Contemplávamos sua fachada azulada e suja da poeira
vermelha. Olhávamos um instante a face de bronze do busto de Cícero Ferreira. Pegávamos
o passo outra vez e caminhávamos em direção à Santa Casa. Parávamos no meio da Praça
Quinze e olhávamos o frontispício marrom da construção central com os nove degraus da
sua escadaria de granito, a larga porta ogival com pseudovitrais nas bandeiras e as duas
janelas do andar de cima também dum gótico indigente. Mais recuadas e para dentro do
jardinzinho anterior, os renques de janelas à esquerda, da Clínica Médica de Mulheres que
acabava confrontando com as construções nunca concluídas e sempre no tijolo, de nova ala
150
151

da Maternidade Hilda Brandão; à direita da Clínica Médica dos Homens, emparedando com
o Pavilhão Carlos Chagas (onde ficava o anfiteatro de aulas do Balena) e dependências do
seu Ambulatório. Íamos até o portão do São Lucas e apreciávamos ao fundo e ao longe o
risco nítido e metálico da Serra do Curral incisando-o no céu de onde, em pouco, a noite
começaria a subir.”

Em meados do século XX a região foi se adensando, com destaque na


construção de edificações no estilo Art Déco. Neste estilo, foi concluída em 1941 a
construção do novo edifício da Santa Casa de Misericórdia, projeto do arquiteto
Rafaello Berti (Figura 53). O edifício com 32 000 m2 de área construída era, à época,
o primeiro e único hospital geral do porte no país. A localização deste hospital na
região, juntamente com a Escola de Medicina e o Hospital São Lucas, passou a atrair
laboratórios, consultórios médicos e outros empreendimentos ligados à saúde, o que
vai caracterizar a área como uma região hospitalar, passando a centralizar os

FIGURA 53 - Santa Casa, desenho original de Raffaello Berti.


Fonte: Raffaello Berti - projeto memória.

principais recursos médicos do Estado de Minas Gerais.


No final do século XX, acelera-se a substituição de parte das edificações
residenciais unifamiliares por edificações verticalizadas de uso residencial
multifamiliar e de uso de serviços, com ênfase em atividades ligadas à saúde.
152

FIGURA 54- Região Hospitalar 1967.No alto à direita


edifício da Santa Casa.
Fonte: IGA - Instituto de Geociências Aplicadas de MG.

FIGURA 55- Região Hospitalar 1977. Em baixo, parte da


vegetação nos canteiros centrais das avenidas
Bernardo Monteiro e Brasil, que aparecem na
imagem de 1967 foi eliminada.
Fonte: IGA - Instituto de Geociências Aplicadas de MG.

FIGURA 56- Região Hospitalar 1989. Observa-se o início


da verticalização ao redor do cruzamento das
avenidas Brasil com Francisco Sales.
Fonte: IGA - Instituto de Geociências Aplicadas de MG.
153

FIGURA 57 - Enchente do ribeirão Arrudas em 1979.


Fonte: Jornal “O Estado de Minas”.

Podemos verificar a crescente verticalização da região neste período, facilitada pela


flexibilização das legislações urbanas, comparando os cenários através de
fotografias aéreas feitas em 1967, 1977 e 1989 (Figuras 54, 55 e 56)
As áreas localizadas à margem do ribeirão Arrudas foram ocupadas

RUBEM PEREIRA

FIGURA 58 - Encontro das poluídas águas do córrego da Serra com o igualmente poluído ribeirão
Arrudas, próximo ao cruzamento da avenida dos Andradas (limite Norte da bacia do Córrego da
Serra) com avenida do Contorno.2002.
154

inicialmente por favelas que foram vítimas constantes de inundações cada vez mais
freqüentes na época das chuvas (Figura 57). Na década de 80 o ribeirão Arrudas foi
retificado e teve sua seção ampliada, reduzindo a zero os problemas causados pelas
cheias na região. A avenida dos Andradas, que acompanha o leito do ribeirão foi
prolongada e as favelas foram substituídas por edificações em terrenos agora
valorizados pela intervenção urbana (Figura 58)
155

3.5- CONCLUSÕES

Na introdução desta pesquisa foi enfatizada a necessidade de elaborá-la tendo


como marco uma visão conjuntiva da Geografia, partindo-se da descrição,
compreensão, explicação e interpretação dos lugares da terra, associando-se as
dinâmicas dos processos sociais nos naturais, em suas peculiaridades (MONTEIRO,
2003: 15). Neste sentido foi feita uma análise integrada do ambiente urbano a partir
da avaliação dos aspectos físicos do lugar e das intervenções humanas no ambiente
estudado.
Na avaliação ambiental urbana realizada optou-se pela abordagem sistêmica,
que focaliza as bacias hidrográficas como unidades geomorfológicas fundamentais
de paisagem e definidoras dos limites de áreas, tendo em vista o funcionamento
integrado de seus elementos.
A bacia hidrográfica estudada (Córrego da Serra) apresenta-se
compartimentada em unidades paisagísticas, caracterizadas por uma certa
homogeneidade de seus componentes e o geossistema pesquisado apresenta inter-
relações entre os seus componentes abióticos e bióticos (incluindo-se aí os
componentes antrópicos) originando condições ambientais específicas.
Existe uma relação entre os diversos agrupamentos geológicos que compõe
a área de estudo com o relevo e com o tipo de ocupação dos terrenos. As partes mais
baixas, compostas pelo mais antigo agrupamento, chamado Complexo Belo
Horizonte, constituído genericamente de gnaisses, é também a área de menor
declividade e é onde foi implantada parte do centro histórico de Belo Horizonte (parte
dos bairros Santa Efigênia e Funcionários). Subindo em direção ao topo da bacia,
temos a seguir o agrupamento Sabará, cuja litologia típica é um filito, cuja declividade
varia de média a alta (acima de 30%) e coincide com parte do bairro da Serra e com
as vilas do Aglomerado da Serra. Logo depois temos o grupo Piracicaba,
caracterizado por um relevo de média a alta declividade e coincidente com as partes
mais elevadas do bairro da Serra, com o bairro Mangabeiras e com o parque das
Mangabeiras. Finalmente temos o Grupo Itabira que compõe a escarpa da Serra do
Curral, que ocupa a parte mais alta da bacia e tem as maiores declividades da região.
A avaliação ambiental é uma atividade analítica que pressupõe a
156

compreensão do espaço através do estudo das relações mantidas entre seus


elementos e aspectos físicos, bióticos, econômicos, sociais e culturais. A Geografia
Cultural considera o caráter simbólico dos prédios, monumentos, praças, ruas,
bairros, cidades, regiões ou montanha, vale, rio ou área florestal, para os diversos
grupos sociais e a interpretação de textos a respeito das paisagens e lugares,
incluindo-se tanto a literatura, a música, a pintura e o cinema. Neste sentido a
pesquisa extraiu de textos literários, poéticos e jornalísticos (Pedro Nava e Olavo
Bilac principalmente) as referências aos elementos que compõe a imagem urbana da
cidade e especialmente da área de estudo, procurando identificar e mapear os
limites, vias, marcos e pontos nodais, cuja percepção tem grande importância na
orientação das pessoas em seus deslocamentos pela cidade em diferentes épocas e
cenários.
Neste trabalho foi fundamental a utilização da comparação de cenários
ambientais em diferentes épocas e lugares como recurso para se chegar a uma
avaliação ambiental a partir da análise da dinâmica das transformações que vem
ocorrendo na área de estudo.
As principais transformações ocorridas na bacia do córrego da Serra
detectadas pela pesquisa foram decorrentes de intervenções antrópicas que nem
sempre contribuíram para o equilíbrio do geossistema. Estas intervenções
registradas em tempos diversos através de fotografias aéreas, imagens de satélite e
referências bibliográficas sobre a área, mostram uma ocupação que reduziu
drasticamente as áreas verdes e permeáveis da região. As figuras 59, 60 e 61
exemplificam este fato, através da comparação de uma área de referência localizada
ao longo da Rua Estevão Pinto no bairro da Serra, onde se percebe a paulatina
destruição dos pomares existentes nos quintais e sítios e sua substituição por
edificações verticais, em fotografias aéreas feitas nos anos de 1967, 1977 e 1989.
Outro fator analisado na região foi o tratamento dado aos cursos d'água pelos
urbanistas que projetaram a malha viária da região, cujo traçado praticamente
ignorou a hidrografia da área, canalizando e desviando o curso dos seus córregos em
todas as áreas urbanizadas. Exemplo disto foi a canalização do córrego
Mangabeiras, que teve seu curso desviado do fundo do vale para uma de suas
encostas através da retificação e canalização do mesmo sob a rua Estevão Pinto,
com a eliminação das matas ciliares e áreas permeáveis, criando assim uma grande
157
158

gleba para ocupação comandada pela especulação imobiliária (figuras 62 e 63).


Outra intervenção antrópica significativa foi a diminuição progressiva das
áreas permeáveis das nascentes dos córregos correspondentes às áreas de alta
declividade que foram ocupadas pelas vilas do Aglomerado da Serra .Este fato pode
ser comprovado pela comparação de cenários em uma área de referência próxima
ao Hospital Evangélico, através de fotos aéreas tomadas nos anos de 1967 e 1977 e
imagem do satélite Ikonos do ano 2002, nas figuras 33, 34 e 35.
Estes três fatores, aliados às chuvas periódicas que caem sobre a região
(relatadas por Pedro Nava desde a década de 20) trouxeram como conseqüência a
ocorrência recorrente de desastres ambientais tais como desabamentos,
alagamentos e soterramentos de edificações com danos pessoais e materiais
irreparáveis.
Os alagamentos ocorridos em abril de 2004 (figura 64) foram causados pelas
chuvas concentradas que atingiram as encostas das bacias hidrográficas contíguas
dos córregos da Serra e do Cardoso, tendo de um lado do divisor topográfico os
bairros Novo São Lucas, Santa Efigênia, as vilas São Lucas, Cafezal e N. Sra. de
Fátima e do outro lado os bairros São Lucas, Serra e as vilas N. Sª da Conceição, N.
Sª de Aparecida e Marçola. Pela comparação das fotos aéreas tomadas em 1967 e
1989, em duas áreas selecionadas da bacia onde foram registrados graves acidentes
nas chuvas de 2004 (figuras 65, 66, 67 e 68) podemos concluir que a redução das
áreas permeáveis existentes e a construção de edificações nestes locais
contribuíram decisivamente para o desastre.
O processo de verticalização intensiva implantado na parte da bacia localizada
na área central (figuras 54, 55 e 56) e no bairro da Serra, contribuiu para o
agravamento da degradação do meio ambiente pela poluição do ar gerada pelo
aumento de circulação de veículos movidos a combustíveis fósseis, pela poluição
sonora gerada pelos automóveis e por atividades que geram um nível de som acima
do permitido e suportado pelo homem, pela poluição da água que após ser
canalizada passa a receber as águas servidas que correm para a rede de água
pluvial e pela poluição visual causada por construções de gosto duvidoso, pelos out-
doors e pelas mais diversas formas de publicidade. As edificações muito
verticalizadas causam também uma alteração no sistema de ventilação natural da
cidade, criando corredores de vento e turbulências nas bases dos prédios. Podemos
159
160
161
162
163
164

verificar também, como conseqüência da verticalização excessiva, um aumento das


áreas sombreadas, o que pode muitas vezes levar a diminuição ou até a eliminação
da insolação em algumas áreas edificadas, causando danos à saúde dos moradores.
Na análise do mapa de declividades da bacia, verificamos que temos dois
compartimentos que apresentam ocupação urbana em terrenos de alta declividade
(mais de 30% nas encostas e mais de 47% nas linhas de drenagem): as vilas do
Aglomerado da Serra e o bairro Mangabeiras. Os dois compartimentos, apesar de
apresentarem topografias semelhantes, foram ocupados por populações com níveis
de renda totalmente diferentes; as vilas por um extrato de baixa renda e o bairro por
um extrato de alta renda. É evidente que este fato levou a padrões diferentes de
ocupação do solo.
Nas vilas o sistema viário é composto por vias coletoras estreitas e muitas
vezes íngremes, becos e escadarias. O uso do solo desta área é caracterizado por
uma ocupação intensiva dos terrenos localizados em áreas de alta declividade.
Quando estes terrenos estão localizados nas linhas de drenagem ou nas nascentes
dos córregos, fica caracterizada uma situação de alto risco ambiental.
No bairro Mangabeiras o sistema viário é composto por vias amplas e praças.
Nas partes mais íngremes as vias em "cul de sac" acompanham as curvas de nível
em um sentido e são interligadas por vias de pedestres no outro sentido. Os lotes são
grandes, acima de 500m2 e tem uma baixa taxa de ocupação, com jardins e quintais
bem arborizados, mantendo alta a taxa de permeabilidade dos terrenos. Todavia a
construção de vias em áreas com declividades elevadas sem uma análise geológica
adequada levaram à desestabilização das encostas com movimentos de massa
causados pelo cerceamento da drenagem natural, como é o caso relatado da rua
Bady Salum junto ao Palácio das Mangabeiras (figuras 21, 22, 23 e 24).
A escarpa da Serra do Curral está parcialmente preservada, mas lá está a
marca permanente que a mineração MBR deixou no perfil da serra que é percebida
como o mais importante símbolo de Belo Horizonte.
A paisagem da bacia do córrego da Serra ainda é excepcional graças às matas
do parque das Mangabeiras, à imponência da serra do Curral, às praças, à vegetação
urbana das calçadas e dos quintais, à arquitetura representada por edificações de
diversas épocas e à variedade de vistas e perspectivas desfrutadas. A preservação
do potencial paisagístico da bacia do córrego da Serra só será possível a partir de
165

um planejamento que tenha como objetivo implantar o desenvolvimento sustentável


da área.
Medidas mitigadoras são necessárias para manter ou melhorar o ambiente
natural e construído da bacia:
1- Controle da especulação imobiliária, reduzindo o fenômeno da
verticalização e do adensamento construtivo da área.
2- Redução das áreas de risco das vilas do Aglomerado da Serra com obras
de desobstrução das linhas de drenagem e das nascentes.
3- Manutenção de todas as áreas verdes e nichos ecológicos existentes.
4- Realização de obras de contenção e planejamento de uso adequado para
as áreas geologicamente instáveis da área.
5- Uso planejado das águas subterrâneas, mantendo-as livres de
contaminação para atender ao consumo crescente da população.
6- Planejamento do uso das águas superficiais da bacia, mantendo e
ampliando os cursos d'água a céu aberto, aumentando as áreas de absorção e
criando novas opções de lazer para a população.
166

Referências Bibliográficas

ACSELRAD, Henri. A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas


políticas urbanas. Editora DP&A, Rio de Janeiro, 2001.

AMORIM FILHO, Oswaldo Bueno. Reflexões sobre as tendências teórico-


metodológicas da geografia, Ed. Instituto de Geociências UFMG, Belo Horizonte,
1985.

AMORIM FILHO, Oswaldo Bueno. Topofilia, Topofobia e Topocídio em MG, in DEL


RIO, Vicente e OLIVEIRA, Lívia, Percepção Ambiental, a Experiência Brasileira,
Editora Studio Nobel, São Paulo, 1999.

ANDRADE, R.F. e MAGALHÃES, B.A. A formação da cidade in CASTRIOTA, L. B.


Arquitetura da modernidade, Editora UFMG, Belo Horizonte, 1998.

AZEVEDO JR., Manoel Teixeira. Serra: um olhar urbano in Cadernos de


Arquitetura e Urbanismo.-n. 1, Editora Puc Minas, Belo Horizonte, ago. 1994.

BELO HORIZONTE (MG) PREFEITURA. SMA – Dep. De Comunicações,


Documentação e Estatística, Coletânea da legislação sobre planejamento urbano,
obras e construções no município de Belo Horizonte, 1975.

BELO HORIZONTE (MG) PREFEITURA. Lei de Uso e Ocupação do Solo nº 2662.


“Minas Gerais” 8 de dezembro de 1976. Belo Horizonte, 1976.

BELO HORIZONTE (MG) PREFEITURA. Secretaria Municipal de


desenvolvimento urbano. Uso e Ocupação do Solo Urbano em Belo Horizonte. Belo
Horizonte, SMDU, 1985.

BELO HORIZONTE (MG) PREFEITURA. Legislação Urbanística do Município de


Belo Horizonte. Belo Horizonte, SMPL, 1996.
167

BELO HORIZONTE (MG) PREFEITURA. URBEL. Plano Global do Aglomerado da


Serra. Belo Horizonte, 2000.

BERTI, Mário (Obra Póstuma). Raffaello Berti: projeto memória, Editora AP


Cultural, Belo Horizonte, 2000.

BRITO, Francisco A. e CÂMARA, João B.D. Democratização e Gestão


Ambiental. Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 2001.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço- tempo na metrópole, Editora Contexto, São
Paulo, 2001.

CARVALHO, Edézio Teixeira. Geologia Urbana para Todos, uma Visão de Belo
Horizonte, Editora do autor, Belo Horizonte, 1999.

CAVALHEIRO, Felisberto. Urbanização e alterações ambientais in TAUK, Sâmia


Maria. Análise Ambiental: Uma visão multidisciplinar, Editora Unesp, São Paulo,
1995.

CHRISTOFOLETTI, A. Aspectos da análise sistêmica em Geografia in Bol.


Geogr. Teorética, Rio Claro, 1980-81.

CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural: o Estado da Arte in ROSENDAHL, Zeny e


CORR A, Roberto Lobato (organizadores). Manifestações da Cultura no Espaço,
Editora UERJ, Rio de Janeiro, 1999.

CORREA, Roberto Lobato. Geografia Cultural: passado e futuro – uma


introdução in ROSENDAHL, Zeny e CORR A, Roberto Lobato (organizadores).
Manifestações da Cultura no Espaço, Editora UERJ, Rio de Janeiro, 1999.

COSTA, Heloísa S. e BAPTISTA, Maria Elisa. A ARQUITETURA SILENCIOSA


in CASTRIOTA, L. B. Arquitetura da modernidade, Editora UFMG, Belo Horizonte,
1998.
168

DEL RIO, Vicente e OLIVEIRA, Lívia. Percepção Ambiental, A Experiência


Brasileira, Editora da UFSCar e Studio Nobel, São Paulo, 1999.

FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Planejamento Ambiental para a Cidade


Sustentável, Annablume Editora, Comunicação, São Paulo, 2001.

GUERRA, Antonio José Teixeira e CUNHA, Sandra Baptista. Impactos


Ambientais Urbanos no Brasil, Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2000.

GUERRA, Antonio José Teixeira e CUNHA, Sandra Baptista. Geomorfologia e Meio


Ambiente, Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2000.

HARVEY, D. Explanation in Geography – Ed. Arnold, London, 1969.

JOHNSTON, R.J. Geografia e geógrafos , Ed. Difel, São Paulo, 1986.

Jornal “O ESTADO DE MINAS” de 30/04/1992 – Belo Horizonte.

Jornal “O ESTADO DE MINAS” de 02/06/2000 – Belo Horizonte.

KOHLER, H.C. Aspectos geoecológicos da bacia hidrográfica do São Francisco


(primeira aproximação na escala 1:1 000 000), p. 2 5-35. In: H.P. Godinho &
A. L. Godinho (org.). Águas, peixes e pescadores do São Francisco das Minas
Gerais. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003.

KOHLSDORF, Maria Elaine. A Apreensão da Forma da Cidade, Editora


Universidade de Brasília, Brasília DF,1996.

LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve em primeiro lugar, para fazer a guerra,
Papirus editora, Campinas SP, 1988.

LEMOS, Celina Borges. A cidade republicana Belo Horizonte, 1897- 1930 in


CASTRIOTA, L. B. Arquitetura da modernidade, Editora UFMG, Belo Horizonte, 1998.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1999.
169

MACEDO, Ricardo Kohn. A importância da avaliação ambiental in TAUK, Sâmia


Maria (organizadora), Análise Ambiental: Uma visão multidiciplinar, Editora UNESP,
São Paulo, 1995.

MARCONDES, Maria José de Azevedo. Cidade e Natureza, proteção dos


mananciais e exclusão social, Editora da Universidade de São Paulo – Edusp, São
Paulo 1999.

MARTINS, Sérgio. A metropolização em Belo Horizonte: apontamentos para uma


pesquisa sobre a reprodução social, in CARLOS, Ana Fani Alessandri e LEMOS,
Amália Inês Geraiges, Dilemas Urbanos: novas abordagens sobre a cidade, Editora
Contexto, São Paulo, 2003.

MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo. Urbanização extensiva e lógicas de


povoamento, in Santos, M. ,Souza, Maria A.A. e Silveira, M.A., Território
Globalização e Fragmentação, Editora Hucitec Anpur, São Paulo, 1998, pp. 169-181.

MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo, LEMOS, Celina Borges, COSTA, Heloisa


Soares de Moura e MARQUES, Yara Landre. Belo Horizonte: espaços e tempos em
construção, CEDEPLAR-UFMG, Belo Horizonte, 1994.

MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Geossistemas - a história de uma


procura. Editora Contexto, São Paulo, 2001.

MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. A questão ambiental na Geografia do


Brasil, in Cadernos Geográficos n° 5 / Universidade Federal de Santa Catarina,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Geociências. Imprensa
Universitária, Florianópolis, maio 2003.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia, Pequena História Crítica. Editora


Hucitec, São Paulo, 1999.

NAVA, Pedro. Chão de ferro, Atelier Editorial, São Paulo, 2001.


170

NAVA, Pedro. Beira-mar, Atelier Editorial, São Paulo, 2003.

PALMIERI, Francisco e LARACH, Jorge Olmos Iturri. Pedologia e


Geomorfologia, in GUERRA, Antônio José Teixeira, Geomorfologia e Meio Ambiente,
Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2000.

PEREIRA, João Batista da Silva e ALMEIDA, Josimar Ribeiro de. Biogeografia e


Geomorfologia, in GUERRA, Antônio José Teixeira, Geomorfologia e Meio Ambiente,
Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2000.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº10.257, de 10 de julho de 2001, Diário Oficial


– Seção 1 – Atos do Poder Legislativo, Edição nº 133 de 11/07/2001.

ROSS, Jurandir Luciano Sanches. Geomorfologia aplicada aos EIAs- RIMAs, in


GUERRA, Antônio José Teixeira, Geomorfologia e Meio Ambiente, Editora Bertrand
Brasil, Rio de Janeiro, 2000.

ROSSI, Aldo. La arquitectura de la ciudad , Editorial Gustavo Gilli, S. A.,


Barcelona, 1982.

ROUGERIE, G. Geografia das paisagens, Difusão Européia do Livro, São Paulo,


1971.

SALGUEIRO, Heliana Angotti. A cidade, artefato cultural do espaço e do tempo,


in CARLOS, Ana Fani Alessandri e LEMOS, Amália Inês Geraiges, Dilemas Urbanos:
novas abordagens sobre a cidade, Editora Contexto, São Paulo, 2003.

SPÓSITO, Maria Encarnação Beltrão. O embate entre as questões ambientais e


sociais no urbano in CARLOS, Ana Fani Alessandri e LEMOS, Amália Inês Geraiges,
Dilemas Urbanos: novas abordagens sobre a cidade, Editora Contexto, São Paulo,
2003.

TAUK, Sâmia Maria organizadora). Análise Ambiental: Uma visão


multidisciplinar, Editora da Universidade Estadual Paulista (UNESP), São Paulo,
171

1995.

TROPPMAIR, H. Geossistemas e Geossistemas Paulistas, Instituto de


Geociências e Ciências Exatas, Univ.Est.Paulista, Rio Claro, 2000.

VILLAÇA, FLÁVIO. Espaço intra-urbano no Brasil, Livros Studio Nobel Ltda., São
Paulo, 2001.

Você também pode gostar