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O PODER
DA PALAVRA
Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho -
uma visão do mundo
A revista Digesto Econômico, da Associação
Comercial de São Paulo (ACSP), reúne neste
número 46 artigos publicados por Olavo de
Carvalho no Diário do Comércio, jornal da entidade. A
simples observação da diversidade dos temas abordados
revela a amplitude dos conhecimentos do autor, que trata
Rogério Amato
Presidente da Associação Comercial de
São Paulo e da Federação das Associações
Comerciais do Estado de São Paulo.
Política Nacional
10 O Foro de São Paulo, versão anestésica
Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3180-3737
CEP 01014-911 - São Paulo - SP 13 O mistério da KGB mental brasileira
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e-mail: acsp@acsp.com.br
17 A direita a serviço da esquerda
Presidente
Rogério Amato
20 Top-Top e Fuc-Fuc
Superintendente Institucional
Marcel Domingos Solimeo
22 Fraqueza suicida
24 Maquiavel e os bobos
25 PT, o partido dos ricos
28 O nacionalismo contra a nação
ISSN 0101-4218
29 Aritmética do engodo
Diretor-Responsável
João de Scantimburgo
Diretor de Redação
Aborto
Moisés Rabinovici
Editor-Chefe
31 Debatendo com o crime
José Guilherme Rodrigues Ferreira
Movimento Gay
Editores
Carlos Ossamu e Domingos Zamagna
Chefia de Reportagem
José Maria dos Santos
32 Consequências mais que previsíveis
Editor de Fotografia
Alex Ribeiro
Pesquisa de Imagem
36 Estupro psicológico estatal
Mirian Pimentel
Editor de Arte
José Coelho Forças Armadas
Projeto Gráfico
Evana Clicia Lisbôa Sutilo 37 Diagnóstico da situação
Diagramação
Evana Clicia Lisbôa Sutilo 38 Incomparáveis
Artes
Max e Zilberman
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Sonia Oliveira (soliveira@acsp.com.br) 3180-3029
Gerente de Operações
Valter Pereira de Souza
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PABX (011) 3180-3737 REDAÇÃO (011) 3180-3055 A nuvem de palavras da capa destaca os
FAX (011) 3180-3046
termos que aparecem com maior frequência
www.dcomercio.com.br no texto de apresentação de Olavo de
Carvalho, que está nas páginas 6 a 9.
Maurizio Brambatti-Pool/Reuters
uma nação de excluídos políticos, onde partido da sua própria classe, mais se
a maioria não tem representantes nem tornam prisioneiros da jaula marxista.
porta-vozes. Privado dos canais nor- Também não conheço um só capi-
mais de atuação, o conservadorismo talista que não acredite na lenda es-
brasileiro recua para o inconsciente co- querdista de que Karl Marx foi "um
letivo e tem de se expressar por vias sim- grande pensador". Podem proclamar
bólicas, indiretas, analógicas. Muitos até que "o marxismo está superado",
dos eleitores de Lula votaram nele pelo mais quanto mais o depreciam da bo-
simples fato de que ele parecia um tipo ca para fora, mais lhe rendem home-
mais antigo, mais arraigado nas tradi- nagem em pensamento.
ções populares, do que seus concorren- Ora, Karl Marx não foi nenhum gê-
tes moderninhos, com ares de tecno- nio, nenhum grande pensador, ne-
cratas. O motivo da escolha não foi po- Se você é católico, não se sinta obrigado nhum cientista social notável. Foi uma
lítico nem ideológico: foi puramente es- besta quadrada, incapaz de dominar
tético. Não encontrando quem falasse
a dizer amém à declaração do Papa de os problemas filosóficos mais ele-
em seu nome, o povo votou em quem que Karl Marx "forneceu uma imagem mentares e de se orientar no meio da
se parecia com ele fisicamente, sem ter a clara do homem vitimado por bandidos". mixórdia verbal que ele próprio criou.
menor ideia de que elegia o candidato Seu único talento foi o do vigarista in-
do aborto, do desarmamento civil, do telectual capaz de angariar prestígio
casamento gay – de tudo o que podia haver de mais artificial e an- por meio do blefe, do boicote e da intimidação. Estudem a atuação
tipopular. Aí a política eleitoral se torna pura fantasia alucinatória. dele na I Internacional e verão do que estou falando.
Segundo: dentre os defensores da economia privada, muitos Mas, antes disso, examinemos um ponto essencial. Embora a tra-
têm menos horror ao esquerdismo do que à perspectiva de ser to- dição marxista condene com veemência o "abstratismo burguês",
mados por "extremistas de direita". Então, apressam-se em isolar que supostamente raciocina a partir de meros conceitos sem ter em
economia e cultura, articulando a apologia do capitalismo com a vista a praxis histórica, toda a análise que Marx faz da economia ca-
do programa cultural revolucionário, incluindo abortismo, euta- pitalista é abstratismo da espécie mais primária. Ele define o capi-
násia, liberação das drogas e anticristianismo professo ou implí- talismo como exploração da mais-valia e sai tirando conclusões des-
cito. Tornam-se assim forças auxiliares da revolução gramsciana, e sa definição sem prestar a mínima atenção às condições histórico-
toda a sua gritaria em favor da liberdade de mercado já não faz a sociais que já em sua época possibilitavam a existência do capita-
menor diferença, pois ninguém na esquerda está lutando pela so- lismo. Em sua definição, este se resume a uma determinada relação
cialização dos meios de produção; todas as tropas foram concen- entre capitalistas e operários, exploradores e explorados. Nesse es-
tradas no campo de batalha cultural. quema, não há nenhum lugar para a massa dos consumidores, a
Terceiro: se uma parte da direita não tem ideologia nenhuma e vasta classe média da qual depende a existência de capitalistas e
a outra tem uma ideologia que favorece a revolução cultural, o re- operários. Uma máquina econômica constituída apenas de explo-
sultado é que a esquerda fica com o monopólio da propaganda radores e explorados não poderia durar um só dia. Afinal, quem pa-
ideológica. Até os que a odeiam são obrigados a falar na lingua- ga a brincadeira? Partindo da sua definição de capitalismo, Marx
gem dela, o que significa que tudo o que dizem funciona, no fim acreditava que o número de consumidores iria diminuir cada vez
das contas, como propaganda esquerdista. mais, até que a máquina de exploração já não tivesse condições de
Quarto: não é possível que a própria "direita" que criou essa si- funcionar. Mas o único argumento que ele oferece em favor dessa
tuação permaneça psicologicamente imune a seus efeitos por previsão é que ela é uma decorrência lógica da sua definição de ca-
muito tempo. Ela própria acaba introjetando a cosmovisão e os pitalismo – uma definição que, a priori, já omitia a existência dos
valores da esquerda, e no fim das contas já não tem nada a alegar consumidores. Na verdade, estes é que deveriam ser o centro da de-
em favor do capitalismo senão o fato de que ele é do seu interesse. finição: o capitalismo pode até incluir exploradores e explorados,
E é exatamente assim que estamos hoje em dia: entre os opina- mas ele não consiste nem em explorar nem em ser explorado – ele
dores de plantão, não há mais quem não veja a política como a luta consiste em comprar e vender. Até mesmo a relação entre patrão e
entre "interesses" privados e "valores" coletivos. Em suma: no Bra- empregado é apenas um caso especial de compra e venda – algo
sil, entre as classes falantes, todo mundo é de esquerda – uns por- que qualquer principiante habilitado a distinguir gênero e espécie
que gostam, outros porque não sabem ser outra coisa. tem a obrigação de perceber. Em vez de definir o capitalismo pelo
Marco
Aurélio
Garcia:
mímica foi
transmitida
pela TV
em rede
nacional.
Top-Top e Fuc-Fuc
T odo mundo no Brasil viu os gestos do sr. Marco Aurélio
Garcia e de seu ajudante Bruno Gaspar transmitidos
pela TV, cujas equivalências onomatopaicas, salvo me-
lhor juízo, são respectivamente "top-top" e "fuc-fuc".
Não se ouve som nenhum na gravação, mas, pelo contexto, o
sentido vernáculo da mímica ministerial foi aproximadamen-
te: "Agora eles tomaram no..." - sapientíssima observação ante
abjurado de toda ambição revolucionária e aderido ao culto da
ordem burguesa, essas declarações já bastavam para demons-
trar, acima de qualquer dúvida, que nenhum dos dois decla-
rantes era confiável. Ou estavam mentindo para seus antigos
correligionários, ou para seus novos eleitores. Dando a primei-
ra hipótese por certa e inquestionável sem necessidade de exa-
me, a mídia nacional inteira e os próprios adversários eleito-
a qual o criativo assessor, recordando a máxima célebre do can- rais de Lula decidiram abafar as entrevistas comprometedo-
didato interiorano, poderou, também sem palavras: "Se nóis ras, que teriam bastado para destruir a candidatura petista.
não ó neles, ó eles em nóis". Logo depois, interrogado polidissimamente pelo entrevista-
O Diário do Comércio pede minha opinião sobre esse inte- dor Boris Casoy quanto ao risco de uma aliança Lula-Castro-Chá-
ressante número de mímica, mas antes de emiti-la devo recor- vez, o candidato assegurou que era tudo invencionice de "um pi-
dar alguns aspectos do governo Lula, sem cuja perspectiva o careta de Miami" (referia-se ao escritor cubano Armando Valla-
sentido daquele diálogo silencioso arriscaria tornar-se dema- dares). Na ocasião, a aliança já estava combinada nas reuniões do
siado esotérico. Foro de São Paulo e nos meses que se seguiram foi consolidada
Em outubro de 2002, o sr. Lula disse ao jornal Le Monde que a sobretudo por intermédio do sr. Garcia, que, desde a renúncia de
eleição que o tornaria presidente era apenas uma farsa destina- Lula à presidência do Foro, se tornou o agente de ligação entre o
da a legitimar a tomada do poder pelas organizações de esquer- governo brasileiro e aquela entidade.
da. Confirmando as palavras do líder, o sr. Garcia informou ao Pouco antes, o sr. Lula havia assinado, ainda como presiden-
jornal La Nacion , em Buenos Aires , que o PT continuava firme te do Foro, um compromisso de defender incondicionalmente
na esquerda revolucionária: "A impressão de que o PT foi para o as Farc, a narcoguerrilha colombiana, acusando de "terrorismo
centro surge do fato de que tivemos de assumir compromissos de Estado" qualquer coisa que se fizesse contra ela. Se o eleitor
que estão nesse terreno. Isso implica que teremos de aceitar ini- brasileiro soubesse disso, jamais votaria nessa criatura. Mas
cialmente algumas práticas. Mas isso não é para sempre." novamente a grande mídia e os supostos opositores de Lula
Como toda a campanha petista se baseava exatamente na hi- ajudaram a varrer a poeira para baixo do tapete, escondendo
pótese oposta, isto é, de que o candidato e seu partido tinham não só o acordo abjeto mas a própria existência do Foro de São
Aqueles que
forçam a Igreja a
"A
escolher entre
fraqueza atrai a agressão", Quarenta anos de hegemonia cultural ser de esquerda
dizia Donald Rumsfeld, cujo gramsciana fixaram tão bem na mente e abster-se da
malogro político não deve popular o dogma do monopólio esquerdista política querem
fazer esquecer que foi o das virtudes, que preservá-lo contra a mera a primeira
arquiteto da mais espetacular vitória militar suspeita de que possa haver algo de bom na alternativa.
dos tempos recentes, a ocupação em quinze direita se tornou prioridade máxima para os
dias de um país inimigo poderoso e bem próprios direitistas. Tão longe levam eles a
armado, cujo sucesso contra as tropas obediência a esse mandamento que, mesmo
invasoras era anunciado como líquido e certo quando querem denunciar os crimes mais
por toda a mídia esquerdista do mundo. escabrosos da esquerda, se apressam em
A sentença do ex-secretário da Defesa advertir que o fazem sem o menor intuito
norte-americano deveria servir de alerta político, o que equivale a reconhecer que só a
aos antipetistas brasileiros, dos quais esquerda tem o direito de fazer política.
muitos se empenham menos em combater Do mesmo modo, quando veem os
o adversário do que em esquivar-se prodígios de manipulação esquerdista do
pudicamente da rotulação de conservadores noticiário, não ousam cobrar da mídia um
e direitistas, que se fossem homens de espaço justo e digno para as vozes
coragem ostentariam com orgulho. conservadoras, muito menos a publicação de
ENGODO
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Consequências mais
que previsíveis
C omo não cabe ao analista político dizer
às pessoas o que devem ou não devem
fazer nas suas vidas privadas, nunca es-
crevi uma linha a favor ou contra as prá-
ticas homossexuais ou qualquer outra conduta eró-
tica existente ou por inventar. Escrevi, sim, contra o
movimento gay como fórmula ideológica e projeto
cessariamente interpretadas como adversas aos di-
reitos da comunidade homossexual;
7) Análises sociológicas, históricas ou estatísticas
que ponham em evidência qualquer conduta nega-
tiva da comunidade gay. Essas análises já estão pra-
ticamente excluídas do universo cultural decente. A
lei vai proibi-las por completo;
de poder. Isso bastou para que eu fosse rotulado de 8) Qualquer resistência que um pai ou mãe de fa-
"homofóbico" vezes sem conta. Conclusão: se esti- mília oponha à doutrinação homossexual de seus fi-
vesse em vigor a lei maldita que o nosso Parlamento lhos nas escolas ou à participação deles em grupos e
quer aprovar, eu iria para a cadeia por conta de opi- entidades homossexuais;
niões políticas. 9) Qualquer tentativa de impedir ou reprimir, por
Na verdade a lista de atitudes humanas puníveis atos ou palavras, as expressões públicas de erotismo
como "homofóbicas" é bem variada. Ela abrange: gay, discretas ou ostensivas, moderadas ou extre-
1) Citações da Bíblia ou de livros sagrados de mas, mesmo diante de crianças ou em lugares con-
qualquer religião que façam objeções morais ao ho- sagrados ao culto religioso;
mossexualismo; 10) Qualquer observação casual, feita no escritó-
2) Opiniões médicas, psiquiátricas e psicotera- rio, na rua ou mesmo em casa (se houver testemu-
pêuticas, que ponham em dúvida, de maneira mais nhas) que possa ser considerada desairosa aos ho-
ou menos explícita, a sanidade da conduta homos- mossexuais ou ao movimento gay. Isso inclui a sim-
sexual. Isso inclui obras clássicas de Freud, Adler, ples expressão de satisfação que um cidadão possa
Szondi, Frankl e Jung, entre outros; ter por ser heterossexual.
3) Manifestações pessoais de repulsa física ante o A lei, enfim, criminaliza e pune com pena de prisão
homossexualismo, emoção tão espontânea e irre- inumeráveis condutas consideradas normais, legíti-
primível quanto o próprio desejo homossexual. (In- mas, aceitáveis e até meritórias pela quase totalidade
versa e complementarmente, a repulsa do homosse- da população brasileira. E não pensem que ficará no
xual pela sexualidade hetero, ou até por variantes papel. Neste momento já estão sendo organizados
homossexuais que não coincidam com a sua, como grupos de olheiros – espalhados primeiro nas escolas,
por exemplo a repulsa dos gays machões pelos tra- depois em toda parte – para vigiar, delatar e punir os
vestis e transexuais, não apenas será considerada lí- dez tipos de conduta acima assinalados.
cita, mas estará sob a proteção da lei, condenando-se As consequências mais que previsíveis da apro-
como "homofóbica" toda objeção que se lhe apresen- vação dessa lei são tão portentosas e ilimitadas que a
te ou, mais ainda, toda tentativa de reprimi-la. Ou maioria dos cidadãos tem dificuldade de concebê-
seja: o direito à repulsa sexual será monopólio exclu- las, limitando-se a apreender por alto suas aparên-
sivo da comunidade gay); cias mais superficiais e patentes, se não a tratar o as-
4) Expressões verbais populares, de uso espontâ- sunto com leviana indiferença. Mas essas conse-
neo e irreprimível, consideradas depreciativas e an- quências podem ser resumidas da seguinte manei-
ti-homossexuais; ra: Com um só golpe de caneta, um grupo militante
5) Piadas e gracejos que mostrem a conduta ho- organizadíssimo, fartamente subsidiado do exte-
mossexual sob um ângulo risível; rior, associado aos partidos de esquerda e agindo em
6) Opiniões políticas contrárias aos interesses do consonância com a estratégia geral que os orienta,
movimento gay, que já são e serão cada vez mais ne- terá conquistado uma quantidade de poder policial
n ó s t i c o
Di a g a ç ã o
d a s i t u
O patinho feio
da política nacional
U m artigo que publiquei no Rio de Janeiro, mas que o
leitor do Diário do Comércio pode encontrar em
h t t p : / / w w w. o l a v o d e c a r v a l h o . o rg / s e m a-
na/070308jb.html, acabou suscitando mais polêmi-
cas do que eu esperava. Nele eu esboçava as preliminares de
uma crítica ao hábito da direita brasileira de denominar-se "li-
beral" em vez de "conservadora", hábito que resulta numa de-
seu significado e transformando-a num pretexto jurídico-for-
mal para banir da vida pública toda expressão da fé, instituin-
do a perseguição antirreligiosa generalizada que, a esta altura,
já se traduz numa profusão de leis repressivas.
O que no Brasil incitou a direita a autodenominar-se "liberal"
foi o fato de que o debate político nacional se limita quase que
por inteiro a uma questão econômica, a disputa entre interven-
sastrada inversão das suas intenções e propósitos, já que o libe- cionismo estatal e livre mercado. Nesse quadro, a simples opção
ralismo é uma etapa do movimento revolucionário mundial e pelo "liberalismo clássico" em economia acabou servindo para
não se pode frear um movimento fazendo-o dar, como dizia Lê- definir toda uma corrente política como "liberal" (ou, segundo
nin, um passo atrás para dar dois para a frente. seus adversários, "neoliberal", um termo que já
A terminologia política americana é muito comentei aqui; v. http://www.olavodecarva-
mais sã e realista do que a brasileira. Direita e es- lho.org/semana/050725dc.htm). Os inconve-
querda, nos EUA, são chamadas respectiva- nientes disto são múltiplos.
mente "conservatism" e "liberalism", mostran- Desde logo, o fato de uma corrente política
do que o pivô da luta política é a escolha entre aceitar definir-se exclusivamente pela sua op-
conservar os valores e princípios dos Founding ção econômica serve para legitimar um debate
Fathers, ou, ao contrário, liberar-se deles. O fato Como no Brasil político atrofiado, expressão cultural de uma
de que esses valores e princípios absorvam em não há outras sociedade doente obcecada por dinheiro – ou
si o legado do liberalismo econômico clássico antes, como dizia o Millôr Fernandes, pela falta
correntes direitistas
(de Adam Smith a Ludwig von Mises) poderia de dinheiro.
gerar algum equívoco, mas nunca vi um ame- além da "liberal", Em segundo lugar, o liberalismo político é
ricano com mais de oito anos de idade confun- a ela acorrem desde suas raízes um movimento revolucionário
dir "classic liberalism", que é uma teoria econô- em busca de abrigo e antirreligioso. A origem do termo é espanhola,
mica, com o liberalismo político de Ted Kenne- os conservadores opondo "liberales" a "serviles", abrangendo im-
dy, Nancy Pelosi e George Soros, que tende a plicitamente neste último termo a totalidade dos
católicos,
uma economia estatizante e socialista. É que a fiéis católicos. Foi o liberalismo que, na França,
divergência em economia é somente um ele- protestantes e instituiu a "constituição civil do clero", virtual-
mento de detalhe numa disputa que se desen- judeus. mente banindo a Igreja do território nacional. Na
rola em torno de diferenças muito mais abran- linguagem das encíclicas papais, "liberalismo" é
gentes e profundas. Em última instância, o que a denominação das correntes heréticas, que di-
está em jogo é saber se os princípios da Constituição continuarão luíram o dogma tradicional, preparando o advento da apostasia
valendo em sentido material, substantivo, com todas as suas im- geral e da "teologia da libertação". Entre os protestantes, "libera-
plicações culturais e morais para o guiamento da vida america- lismo religioso" é o nome da traição organizada. "O liberalismo –
na, ou se, ao contrário, serão interpretados num sentido mera- como resumiu um pregador evangélico americano – substituiu-
mente jurídico-formal, que permita usá-los em favor de valores se à perseguição. A perseguição matava homens, mas fazia pros-
opostos aos que inspiraram a redação do documento. perar a causa; o liberalismo mata a causa bajulando os homens
A diferença é exemplificada pelo debate atual em torno do para induzi-los a compromissos. A verdade perseguida sobrevi-
famoso "muro de separação" que Thomas Jeffenson pretendia veu em todas as eras, mas a verdade comprometida nunca sobre-
erguer entre o Estado e as religiões. A ideia original era impedir vive à tragédia fatal em que a voz de Deus é igualada à voz das
que o Estado se tornasse instrumento de perseguição religiosa. tradições humanas" (Judson Taylor, em http://gos-
Os "liberals" apegam-se hoje à fórmula, mas esvaziando-a do pelweb.net/OldTimersWorks/judsontaylor.htm).
Como no Brasil não há outras correntes direitistas além da "li- migos da liberação das drogas e da eutanásia, fiéis religiosos ao
beral", a ela acorrem em busca de abrigo os conservadores cató- lado de discípulos de Voltaire e Richard Dawkins empenhados
licos, protestantes e judeus. Mas aí, em nome da liberdade de mer- em banir a religião da vida pública. Durante algum tempo, essas
cado, são obrigados a camuflar as divergências que têm com os divergências podem parecer desprezíveis em face da luta mais
demais liberais em pontos muito mais decisivos de ordem moral imediata contra a economia estatista. Mas isso é uma ilusão mor-
e cultural. O "liberalismo" brasileiro, unificado exclusivamente tal. Há tempos a esquerda internacional e local já decidiu que a
por um programa econômico, é um saco de gatos no qual têm de estatização da economia pode ser adiada indefinidamente, se não
conviver em harmonia abortistas e antiabortistas, adeptos e ini- sacrificada de vez em favor da fórmula mista chinesa – e que mui-
Win McNamee/AFP
Pato
sentado
V ocês conhecem a expressão americana Sitting Duck? É o
pato sentado, o alvo mais fácil até mesmo para o atira-
dor inepto. As escolas da Virginia estão repletas de pa-
tos sentados, porque uma lei demagógica, maliciosa e, a
rigor, criminosa, proíbe o porte de arma aos professores e funcio-
nários em serviço nessas entidades e até aos pais de alunos que
por ali transitem.
Qualquer maluco que deseje ini- Vicent Kline/AFP
ciar uma carnificina sabe qual é o lu- cação caiu formidavelmente, mas a delin-
gar mais seguro onde montar o espe- quência infanto-juvenil cresceu na
táculo. Se apontasse uma arma para mesma proporção.
um caixa do WalMart, para um gar- Leiam, a respeito, The Deliberate
çom de restaurante ou para um ven- Dumbing Down of America, de Charlotte
dedor de cachorro quente numa pra- Thomson Iserbit (Ravenna, Ohio, Cons-
ça de Richmond, levaria chumbo de cience Press , 2001).
dez fregueses ao mesmo tempo. As provas que a autora aí apresenta são
Mas para que o sujeito há de correr tantas, que a conclusão se segue inevitavel-
esse risco, se logo na esquina há uma mente: crimes como os do jovem sul-corea-
multidão de trouxas desarmados, en- no Cho Seung-Hui são o produto acabado
tregues à sanha dos assassinos por legisladores iluminados? O de um longo e meticuloso esforço de engenharia social.
massacre de anteontem foi na Virginia Tech, mas podia ter sido Muita gente por aqui reclama que os burocratas esquerdis-
em qualquer outra instituição de ensino do "Old Dominion". tas que dominam o sistema oficial de ensino estão empenha-
Mais ou menos um ano atrás, a Assembleia Geral da Virginia dos numa guerra cultural contra os EUA, destruindo a educa-
vetou uma emenda legal que, voltando atrás no desarmamen- ção e a moral para em seguida atribuir os resultados medonhos
tismo insano, devolvia aos professores, funcionários e alunos de suas próprias ações à "lógica do sistema".
devidamente qualificados o seu antigo direito de portar armas Na mídia de todos os países
no local de trabalho e estudo. do mundo há sempre uma mul-
Na ocasião, o representante da Virginia Tech , Larry Hin- tidão de papagaios prontos pa-
ckler, disse em entrevista ao jornal Roanoke Times (tão fana- ra repetir esse chavão de pro-
ticamente desarmamentista quanto a Folha e o Globo) que es- paganda. Na infalível Rede
tava muito feliz com a derrota da emenda: "Tenho a certeza de Globo, incumbiu-se disso uma
que a comunidade universitária está agradecida à Assembleia, psicóloga da PUC, Sandra
porque sua decisão ajudará os pais, estudantes, professores e Dias, segundo a qual o morticí-
visitante a sentir-se seguros no nosso campus." nio foi "um ato heroico" por
O resultado aí está. voltar-se contra "o consumis-
As escolas têm sido há décadas um dos instrumentos mo americano".
principais de que se servem os agentes do globalismo para Também não faltaram na mí-
dissolver o tradicional espírito americano de altiva inde- dia brasileira as ponderações
pendência e implantar uma nova cultura em que o cidadão de sempre sobre a "cultura
se torna cada vez mais indefeso, mais boboca, mais depen- americana da violência" - as
dente da proteção estatal. quais, vindas de um país do He-
Até os anos 60, os EUA tinham as melhores escolas do mun- misfério Sul que é recordista mun-
do, e nenhum ministério da Educação. Desde a criação do mi- dial de assassinatos, equivalem Diário do Comércio,
nistério e da adoção dos "parâmetros curriculares" politica- moralmente e geograficamente a 18 de abril de 2007
mente corretos ditados pela ONU, não só a qualidade da edu- cuspir para cima.
Obama não é o
candidato
M
preferido do
eleitor americano, esmo na hipótese altamente im- nal. Embora abafado até o extremo limite do
mas é o candidato provável de que Barack Hus- possível pela grande mídia e nem de longe
preferido da sein Obama venha a tirar da car- mencionado durante a Convenção que sacra-
espécie humana. tola uma certidão de nascimen- mentou entusiasticamente o candidato demo-
to autêntica e demonstrar enfim sua condição crata, o processo já está correndo (v. www.oba-
legal de cidadão americano, restará sempre o macrimes.com). Foi movido num tribunal fe-
fato líquido e certo de que uma certidão falsa deral da Filadélfia pelo advogado Philip Berg,
foi apresentada ao público, oficialmente, pela um militante clintoniano cuja única intenção,
sua campanha eleitoral (v. a análise irrespondí- segundo ele diz, foi a de poupar ao seu partido
vel de um perito forense em http://atlassh- o dano incomparavelmente maior de eleger
rugs2000.typepad.com/atlas_shrugs/2008/ um inelegível, ou mesmo um elegível que já no
07/atlas-exclusive.html). dia da posse estará carimbado oficialmente
Crime é crime, e não deixa de sê-lo pelo sim- como criminoso.
ples fato de a conduta do acusado vir eventual- A pergunta que não me sai da cabeça é: por
mente a sugerir, ex post facto, que foi um crime que os líderes do Partido Democrata estão
desnecessário e prejudicial a ele mesmo. Se aceitando, aparentemente sem grande preo-
Obama for eleito, será, segundo parece, o pri- cupação, o risco desse vexame colossal? É im-
meiro presidente americano a ser empossado possível que não saibam da certidão forjada, é
trazendo nas costas uma condenação crimi- impossível não perceberem que estão arris-
crise
trou foi uma garota que transou com o namo-
rado, um policial demitido em circunstâncias
um tanto deprimentes e um assessor de cam-
panha que teria sido bem remunerado por
Fannie Mae e Freddie Mac. E, destas três mi-
americana
seráveis picuinhas, nada se provou de ilegal,
quanto à segunda e a terceira se revelou abso-
lutamente falsa: o sujeito já havia se demitido
da sua firma de advocacia quando ela come-
çou a trabalhar para os gigantes falidos. Em
compensação das atenções universais volta-
das obsessivamente para essas antinotícias,
nada ou quase nada se vê no New York Times
ou na CNN – muito menos na mídia brasileira
– sobre os fatos simplesmente escabrosos da
biografia de Barack Hussein Obama – biogra-
fia tão repleta de lances comprometedores que
simplesmente não é possível contá-la, mesmo
O candidato do medo
C
ele não avisasse?
hamado de "Messias" pelo líder radical muçulma-
no Louis Farrakhan e de "Meu Jesus" pela editora-
chefe de um jornal universitário, Barack Hussein
Obama informa: "Contrariamente ao que diz a
opinião popular, não nasci numa manjedoura." Já pensaram se
Segredos
e mentiras
sem fim
O
juiz federal Richard Barclay Surrick rejeitou o pe- nascimento dele sob guarda do Estado, para que ninguém ti-
dido do advogado democrata Philip J. Berg para vesse acesso ao documento sem autorização do próprio Oba-
que intimasse Barack Hussein Obama a apresen- ma ou de seus familiares. O mesmo fez o governo do Quênia
tar sua certidão de nascimento original. A senten- com todo e qualquer documento referente a Obama, logo após
ça baseou-se em dois argumentos: expulsar do território queniano o repórter Jerome Corsi que es-
1) Pela lei americana, nada autoriza o simples eleitor a ques- tava ali investigando as atividades do candidato em prol do ge-
tionar a elegibilidade de um candidato presidencial; nocida Raila Odinga.
2) Berg peticionou como simples eleitor, não como vítima, já Obama pessoalmente proibiu que todas as entidades deten-
que não comprovou qualquer dano pessoal sofrido em razão toras de seus documentos os divulgassem sob qualquer ma-
da candidatura Obama. neira que fosse. Eis a lista dos papéis que permanecem secretos
A Constituição americana determina que só cidadãos ame- (v. NewsMax.com):
ricanos natos têm o direito de concorrer à presidência, mas esse 1) Registros médicos.
permanece um direito sem garantia nenhuma: por incrível que 2) Correspondência enviada e recebida pelo seu gabinete no
pareça, não há nenhuma instituição incumbida de exigir prova Senado.
de nacionalidade dos candidatos. Se ao simples eleitor é tam- 3) Agenda dos encontros e demais compromissos atendidos
bém negado esse direito, aquele artigo da Constituição está por ele no Senado.
virtualmente revogado. 4) Lista dos clientes do seu escritório de advocacia e recibos
Berg anunciou que vai recorrer à Suprema Corte: "O que está dos respectivos pagamentos.
em questão é saber quem tem legitimidade para impor a obe- 5) Histórico escolar do Occidental College, onde ele estudou
diência à Constituição. Se eu não tenho, se você não tem, se o seu por dois anos.
vizinho não tem legitimidade para questionar a elegibilidade de 6) Histórico de seus estudos na Columbia University.
um indivíduo à presidência dos EUA, então quem tem? Assim 7) Histórico de seus estudos na Faculdade de Direito de
qualquer um pode simplesmente se afirmar elegível para o Con- Harvard.
gresso ou para a presidência sem que ninguém possa questionar 8) Sua tese de doutoramento em Columbia.
o seu estatuto legal, a sua idade ou a sua cidadania." 9) Seu comprovante de registro na Ordem dos Advogados
Enquanto isso, todos os canais possíveis para se averiguar a de Illinois.
nacionalidade de Obama estão meticulosamente bloqueados. 10) Lista dos clientes que ele representou como advogado
A governadora do Havaí, Linda Lingle, colocou a certidão de na firma Davis, Miner, Barnhill & Gallard (solicitado a apre-
Contra do
dições laicismo
A moral laica do mundo burguês reconhece e até procla-
ma com orgulho "científico" sua própria relatividade,
em teoria. Mas nenhuma ordem social pode conten-
tar-se com uma obediência relativa, que desemboca-
ria fatalmente no conflito geral e no caos. Daí a distinção prática,
tipicamente moderna e burguesa, entre moral privada e ordem
pública. A primeira pode multiplicar-se em variações infinitas,
que a velha autoridade religiosa jamais teria sonhado ser.
A essa primeira contradição soma-se outra pior. Não é possível
controlar a sociedade sem regulamentar a economia. À medida
que os controles morais embutidos na cultura do velho regime ce-
dem sua autoridade ao aparato judicial, burocrático e policial, am-
plia-se na mesma medida a intervenção do Estado na economia.
O estatismo econômico indefinidamente expansionista é ineren-
desde que não perturbe a segunda. É a informalidade da escolha te, portanto, à dialética do Estado leigo. Mas este não se impôs
moral, limitada pela formalidade estrita da ordenação jurídica. justamente mediante a promessa de resguardar a liberdade eco-
Esse arranjo de ocasião disseminou-se tão universalmente nômica? Sim. O que não se deve é confundir as intenções decla-
que adquiriu foros de sabedoria eterna e imagem por excelên- radas do discurso ideológico com a fórmula política substantiva
cia da "normalidade", ao ponto de que já ninguém percebe o cuja implantação elas legitimam. A contradição pode escapar até
que ele tem de instável e problemático; e, não o percebendo, mesmo aos mais sinceros propugnadores da nova política, mas,
tem de improvisar hipóteses rebuscadas para explicar por uma que ela existe, existe. O moderno Estado leigo pode, com a maior
sucessão imaginária de acidentes as crises e percalços que sinceridade do mundo, prometer a liberdade econômica – o que
um exame sério deveria ter revelado à primeira vista como de- ele não pode é realizá-la, a não ser de maneira capenga, perma-
senvolvimentos lógicos e inevitáveis de contradições iniciais nentemente ameaçada pelo avanço da mentalidade socialista,
não conscientizadas em tempo. que a expansão mesma do laicismo oficial fomenta.
De um lado, aquela distinção constitutiva do Estado laico foi Não é coincidência que o país que defendeu com mais efi-
estabelecida como ato de uma minoria revolucionária contra cácia a liberdade econômica tenha sido justamente aquele que
um consenso anterior fundado na homogeneidade moral da so- só adotou o laicismo como me-
ciedade cristã. Uma vez vitorioso, o Estado laico passa a cor- canismo secundário de auto-
roer necessariamente o que possa restar dessa homogeneida- controle do próprio Estado,
de, que para ele representa a origem mesma de toda obstina- sem a ambição de fazer dele
ção "reacionária" erguida contra sua obra modernizante. Dis- um princípio regente de toda a
solvida pouco a pouco a unidade moral do povo, a única maneira vida social e política, antes con-
de evitar a autodestruição da sociedade pelo caos é transferir servando vivo e embutindo em
para a esfera jurídica os mecanismos reguladores antes ope- suas instituições o máximo que
rados pelo simples automatismo das tradições arraigadas no podia das antigas tradições re-
senso comum. O que era obediência espontânea torna-se as- ligiosas. Muito menos é coinci-
sim controle estatal forçado. Na proporção mesma do sucesso dência que, hoje em dia, aque-
obtido pelo Estado leigo em seu esforço de "modernização", o les que desejam radicalizar o
número, a complexidade e a abrangência dos controles jurídi- princípio laicista, expelindo a
co-burocrático-policiais vão crescendo, avançando para dentro religião da vida pública, não se-
de todos os campos da existência social e invadindo por fim a jam de maneira alguma amigos
vida privada e até a intimidade dos pensamentos, regulando a da liberdade econômica, mas
linguagem, a educação doméstica, etc. Tão logo deixa de ser todos, em mais ou em menos,
uma promessa e se torna uma realidade, aquilo que surgiu sob adeptos do intervencionismo Diário do Comércio,
o pretexto de resguardar a liberdade individual revela ser um estatal - socialistas confessos 17 de junho de 2008
mecanismo opressivo incomparavelmente mais exigente do ou enrustidos.
do globalismo
Não só essa transição já aconteceu, mas ela
foi realizada sob a proteção de um conjunto de
pretextos retóricos altamente enganosos, cria-
dos para dar à população a ideia de que a mu-
dança ia no sentido da maior liberdade para os
cidadãos, da maior participação de todos no
governo e de mais sólidas garantias para a em- vo, o eleitorado escolhia o governo segundo os
presa privada. Todos os termos-chave dessa re- programas que lhe pareciam os mais conve-
tórica – "governo reinventado", "parcerias pú- nientes, e o governo eleito – executivo e parla-
blico-privadas", "terceira via", "descentraliza- mento – repassava esses planos aos órgãos da
ção" – significam precisamente o contrário do administração pública, para que os executas-
que parecem indicar à primeira vista. sem. No novo sistema de "parcerias público-
Os dois diagramas que acompanham este privadas", a administração pública é só uma
artigo tornarão isso bastante claro. As flechas parcela do órgão executor. A outra parcela é es-
aí indicam a origem do poder e o objeto sobre o colhida por entidades sobre as quais o eleito-
qual se exerce. No antigo sistema representati- rado não tem o menor controle e das quais não
O segredo da
invasão islâmica
A autoridade
religiosa do mal
N este momento, a diretoria da PETA - People for the
Ethical Treatment of Animals, empombadíssima
ONG que em nome dos direitos dos animais diz
horrores das pessoas que comem carne, usam ca-
sacos de pele ou vão ao circo – está sendo processada pela ma-
tança de milhares de gatos e cachorros. Funcionários da organi-
zação recolheram os bichos em depósitos públicos, dizendo que
Educado nos princípios do relativismo, que entrou na moda
quando eu era adolescente (embora os adolescentes de hoje
acreditem ser os primeiros a tomar conhecimento dele), demo-
rei muito para descobrir por experiência – e tive enorme dificul-
dade de admitir – que no mundo há pessoas muito boas e pes-
soas muito más, separadas por um abismo irredutível. Hoje em
dia, quem quer que proclame em voz alta a existência dessa di-
iam arranjar famílias para adotá-los. O pessoal dos depósitos nem ferença que salta aos olhos na vida diária é imediatamente acu-
pensou em duvidar dos agentes de uma instituição famosa e po- sado de "maniqueísmo". Mas isso não é senão uma inversão a
liticamente correta. Dias depois os homens da PETA foram sur- mais, pois o maniqueísmo, historicamente, consiste em equali-
preendidos jogando os cadáveres de 14.400 animais num terreno zar o bem e o mal como princípios, neutralizando a diferença de
baldio, em sacos de lixo. Leia a história completa valor que os separa. E eu não sou covarde o bas-
em www.petakillsanimals.com. tante para me abster de dizer as coisas como as
Também neste momento os remanescentes do vejo, só por medo de uma rotulação pejorativa
Khmer Vermelho, a organização genocida lide- cuja falsidade já se revela na própria semântica
rada pelo famigerado Pol-Pot, estão sendo julga- do termo.
dos por um tribunal em Phnom Penh, Camboja, Mais doloroso ainda, porém, foi descobrir
depois de tudo o que a bondosa ONU fez para que todos os mestres-pensadores e líderes polí-
livrá-los de tão desumano constrangimento. Es- E eu não sou covarde o ticos que encarnavam os ideais pomposamente
ses terroristas chegaram ao poder com a ajuda de bastante para me abster alardeados pela militância intelectual esquer-
milhões de jovens militantes americanos e euro- dista – todos, sem exceção – pertenciam inequi-
de dizer as coisas como
peus que, manipulados por uma rede de organi- vocamente à segunda categoria. Quem quer
zações esquerdistas e um exército de pop stars as vejo, só por medo de que estude as vidas de cada um deles descobrirá
das artes e letras, marcharam "pela paz" nos anos uma rotulação pejorativa que Voltaire, Diderot, Jean-Jacques Rousseau,
60 sob lindos pretextos idealistas e humanitários, cuja falsidade já se Sade, Karl Marx, Tolstoy, Bertolt Brecht, Lênin,
forçando os EUA a desistir de uma guerra vito- revela na própria Stálin, Fidel Castro, Che Guevara, Mao Dze-
riosa, sair do Vietnã do Sul e deixar o caminho li- dong, Bertrand Russel, Jean-Paul Sartre, Max
semântica do termo.
vre para que os comunistas armados pela China Horkheimer, Theodor Adorno, Georg Lukács,
invadissem esse país e o vizinho Camboja. Resul- Antonio Gramsci, Lillian Hellman, Michel Fou-
tado final do massacre: três milhões de civis mor- cault, Louis Althuser, Norman Mailer, Noam
tos, mais de três vezes o total das vítimas da guerra. Leia a história Chomsky e tutti quanti foram indivíduos sádicos, obsessiva-
completa em Mark Moyar, Triumph Forsaken. The Vietnam War, mente mentirosos, aproveitadores cínicos, vaidosos até à de-
1954-1965 (Cambridge University Press, 2006). mência, desprovidos de qualquer sentimento moral superior e
O paralelo entre a matança de animais e a de seres humanos de qualquer boa intenção por mais mínima que fosse, exceto, tal-
não é fortuito: em ambos os casos um discurso atraente, conden- vez, no sentido de usar as palavras mais nobres para nomear os
sado em slogans de grande impacto repetidos ad nauseam pela atos mais torpes. Muitos cometeram assassinatos pessoalmen-
mídia, recobriu com o manto do prestígio moral uma gangue de te, sem jamais demonstrar remorso. Outros foram estupradores
sociopatas assassinos, criminalizando os que se opunham a seus ou exploradores de mulheres, opressores vis de seus emprega-
planos macabros e transformando cidadãos inocentes em cúm- dos, agressores de suas esposas e filhos. Outros, orgulhosamen-
plices daquilo que existe de pior no mundo. O fundo ideológico, te pedófilos. Em suma, o panteão dos ídolos do esquerdismo
nas duas ocasiões, é o mesmo: a inversão revolucionária dos sen- universal era uma galeria de deformidades morais de fazer in-
timentos morais, a imposição do mal em nome do bem. veja à lista de vilões da literatura universal. De fato, não se en-
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públicos em toda parte e a destruição das defesas cul- os escritos esquerdistas borbulham de idiotices a esse
turais de quase todas as nações europeias, colocando- respeito), mas consegue perfeitamente enxergar on-
as de joelhos ante a prepotência do inimigo. Em todos de ela está e quais os pontos vulneráveis onde pode
esses casos, o símbolo unificante por trás das forças atingi-la com seus ataques. A entidade contra a qual
prodigiosamente variadas utilizadas no ataque é se voltam é opaca e intelectualmente inapreensível,
sempre o mesmo: o ódio comum à civilização do Oci- mas é real e presente o bastante para sentir a dureza
dente permite que os mais empedernidos machistas dos golpes que a atingem.
islâmicos marchem, nas ruas de Nova York e Paris, de Tão abrangente é a força unificadora do símbolo
mãos dadas com militantes "gayzistas", feministas e por trás da multiplicidade dos alvos, que até mesmo
abortistas que nos seus próprios países eles condena- as culpas do próprio movimento revolucionário po-
riam sumariamente à morte. dem ser imputadas à sua vítima, permitindo descar-
O fato de que a civilização odiada não seja um blo- regar sobre ela todo o ódio e o desprezo inconscientes
co homogêneo, mas um amálgama desnorteante- que ele foi acumulando contra si mesmo ao longo de
mente confuso de correntes incompatíveis entre si, sua história de crimes e horrores. Não há um só es-
não perturba em nada os seus detratores nem torna querdista no mundo que se admita moralmente cul-
menos certeira a sua pontaria. "Civilização ociden- pado pelo genocídio soviético, chinês ou cambojano.
tal", tal como eles a entendem, não é um conceito ra- Quanto mais horror essas realidades lhe inspiram,
cionalmente definível, é um símbolo: basta mirar mais monstruoso lhe parece o capitalismo ocidental.
Excesso de
delicadeza
A
Orlando Kissner/AFP
A
já nascidas neste planeta, um mentiroso
N
vigora nos EUA, mas só entre pessoas que
aprenderam História com filmes de
A
Hollywood. Entre as demais sempre restou
R I
pelo menos a vaga suspeita de que as coisas
O diário do passado
P raticamente toda a linguagem do jornalismo político
em circulação hoje em dia foi criada para descrever um
mundo que não existe mais – o mundo do pós-guerra.
As notícias já não podem refletir os fatos porque são
pensadas e escritas segundo esquemas descritivos estreitos
demais para a situação atual. As mudanças ocorridas ao longo
das últimas cinco décadas no quadro internacional são tão gi-
gantescas que escapam ao horizonte de visão do jornalismo –
daí que os fatos mais importantes fiquem fora do noticiário ou
recebam cobertura irrisória, enquanto aparências fúteis mere-
cem atenção desproporcional.
As consequências disso para a alma popular são devastadoras,
principalmente porque aí se introduz um segundo fator compli-
cante: como já não existe propriamente "cultura popular", a ve-
locidade de produção da "indústria cultural" atropelando a cria-
tividade espontânea do povo, o resultado é que a mídia se torna a
fornecedora única dos símbolos e valores com que o cidadão co-
mum se explica a si mesmo e enquadra, como pode, a sua expe-
C
SX
riência pessoal num esboço de visão geral do mundo. A força com
que a mídia influencia a própria estruturação das personalidades
individuais e das relações pessoais é hoje imensurável. Isso quer
dizer que, se essa mídia se aliena da realidade, todos se alienam
com ela. Cada um sente na sua própria vida diária os efeitos di- tavam as ações e
retos de profundas transformações globais, mas, como estas não palavras do gover-
aparecem no debate público, ou aparecem deformadas por este- no de Washington,
reótipos, a equação psicológica que se estabelece é a seguinte: por automaticamente ex-
mais que o cidadão tente amoldar sua visão da realidade ao re- pressando nos termos
corte deformante, buscando uma falsa sensação de segurança no desse mesmo código as
ajustamento à pseudo realidade legitimada pelo consenso midiá- suas posições – e as de seus
tico, setores inteiros da sua experiência pessoal, familiar e grupal respectivos governos - com rela-
permanecem encobertos e inexpressáveis, latejando no escuro co- ção à política americana e, no fim das contas, a tudo o mais.
mo infecções não diagnosticadas. O sentimento de desajuste ex- A doutrina Morgenthau, como veio a ser chamada, é com-
terno e insegurança interna, que até umas décadas atrás era pró- plexa, mas duas de suas características interessam de maneira
prio da adolescência, espalha-se por todas as faixas etárias: não há mais direta ao que estou tentando dizer aqui:
mais pessoas maduras, todos são "teenagers" vacilantes, incapa- 1º. Ela explicava as ações desenroladas no cenário interna-
zes de uma decisão firme, de um raciocínio conclusivo. cional em função de interesses objetivos (materiais ou ideais),
Mas a análise dessas consequências pode ficar para um ou- racionalmente formulados e identificáveis.
tro artigo. Volto aqui às causas da alienação da mídia. 2º. Embora reconhecendo que os Estados nacionais pode-
Dois documentos, a meu ver, ilustram bem o esquema inter- riam no futuro dissolver-se em unidades políticas maiores, ela
pretativo que partir do fim da II Guerra foi adotado mais ou os tratava como agentes principais do processo político mun-
menos uniformemente por toda a mídia do Ocidente para a dial (daí o título do livro).
descrição da política mundial: o livro de Hans J. Morgenthau, As consequências imediatas desse enfoque eram duas:
"Politics Among Nations: The Struggle for Power and Peace", 1ª. A noção de "interesse nacional" tornava-se o conceito
publicado em 1948 pela Alfred A. Knopf, e a Carta da ONU, descritivo fundamental: a política mundial era, em suma, uma
assinada em São Francisco em 25 de junho de 1945. trama de interesses nacionais em concorrência, em conflito, em
O primeiro tornou-se a bíblia do Departamento de Estado colaboração etc.
americano e, por isso mesmo, o código geral com que os po- 2ª. Os agentes supranacionais sem natureza estatal, como os
líticos e os formadores de opinião nos outros países interpre- movimentos revolucionários, as religiões, as mega-empresas
Quando a
alma é pequena
T
odos os males do Brasil, excetuados os de causas natu- prestígio artístico, o método é geralmente bem sucedido.
rais, nascem da ausência, na nossa cultura, de um ele- Exemplo, a lição do sr. ministro da Cultura: "A metáfora da
mento essencial à vida humana: a busca da verdade. Aí música brasileira na globalização efetiva dos carentes objetos
ninguém sabe o que é isso, nem muito menos tenta sa- da sinergia fizeram a pluralização chegar aos ouvidos eternos
ber, porque ninguém sente falta daquilo cuja existência ignora. da geografia assimétrica da melodia." Praticantes assíduos fo-
Pior: todo mundo conhece as expressões verbais correspon- ram Oswald de Andrade e Glauber Rocha, no passado. Hoje
dentes à coisa faltante e as usa para designar uma infinidade de em dia, José Celso Martinez Corrêa.
outras coisas, de modo que a falta se torna ainda mais invisível 4) Simulação de equilíbrio e maturidade mediante uma lin-
e às vezes parece até uma superabundância. Ausente a busca guagem polidamente inconclusiva que tenta pairar "au dessus
da verdade, parece que sobram as verdades conhecidas e flo- de la mêlée", só para dar maior credibilidade, implícita ou ex-
resce por toda parte o amor à verdade, com seu complemento plícita, a uma opção prévia não justificada que acaba se reve-
inverso, o ódio ao erro e à mentira. lando em algum ponto do argumento. É em geral a linguagem
As atitudes humanas ante a verdade traduzem-se imedia- dos editoriais de jornal.
tamente nos modos de argumentação empregados nas discus- 5) Sedução da plateia mediante afetação de bom-mocismo e
sões públicas. Argumentar é sempre apelar a uma instância su- sentimentos humanitários, patrióticos ou pseudo-religiosos
perior que tem o prestígio da verdade e da autoridade. Em to- expressos em linguagem melosa ou grandiloqüente, entre-
dos os debates culturais e políticos no Brasil, sem exceção vi- meada ou não de rosnados ameaçadores ao partido adverso
sível, os modos de argumentação usados são os seguintes: que revelam sutilmente o ódio psicótico latente sob as efusões
1) Apologia incondicional de crenças cegas adquiridas na ju- do puro amor. Leiam Frei Betto.
ventude, jamais postas à prova e sempre carregadas de um valor 6) Diluição das percepções mais óbvias mediante apelo a es-
emocional absoluto, que deve ser defendido contra todo ataque tereótipos relativistas, desconstrucionistas, pragmatistas, ce-
do exterior. Para isso o sujeito pode mobilizar uma dose formi- ticistas, etc., quase sempre para justificar alguma opinião idio-
dável de pensamento racional e até de conhecimentos, mas tudo ta que assim fica dispensada de apresentar suas razões.
isso permanece exterior, é usado como mera arma defensiva ou 7) Talvez não devessem sequer ser colocadas em linha de
ofensiva e jamais como instrumento de análise crítica das cren- exame as argumentações fundadas no puro e grosso interesse
ças mesmas. Qualquer contato com as ideias adversas deve ser grupal, quando não no desejo de prazer. Quando o sr. Luiz
breve e superficial o bastante para evitar o contágio. De prefe- Mott diz que Jesus era gay, o que ele quer dizer é apenas que
rência elas não devem ser conhecidas diretamente, mas reduzi- aprecia tanto as práticas homossexuais que desejaria fazer de-
das logo a algum modelo prévio bastante repugnante. las uma revelação divina. "Ma non è uma cosa seria".
2) Afetação de modéstia racional mediante o apego à "ciên- Há também instrumentos pseudo-retóricos de uma torpeza
cia", aos "argumentos lógicos", aos "números" e aos "fatos", tu- sem par que são de uso comum e endêmico em todos esses casos.
do isso acompanhado de desprezo olímpico pelo "fanatismo", Um deles é a definição arbitrária dos termos, forjada para levar
pelo "fundamentalismo", etc. Parece o oposto da atitude ante- automaticamente a uma conclusão previamente escolhida. Por
rior mas é uma variante dela, apenas trocado o conteúdo da exemplo, o sujeito argumenta que as religiões são a maior causa
paixão ideológica ostensiva para a ilusão iluminista de um de violência assassina, e quando objetamos que as ideologias ma-
mundo transparente, uniformemente acessível aos métodos terialistas e científicas mataram muito mais gente, responde que
da ciência experimental. as inclui na definição de "religiões". Outro é o argumentum ad ig-
3) Irracionalismo histriônico e afetação de misteriosa sabe- norantiam: apelar à própria ignorância da existência de alguma
doria instintiva, expressa mediante afirmações paradoxais, coisa como prova de que a coisa efetivamente inexiste. A lista se-
compactamente obscuras, às vezes impossíveis de analisar por ria longa e fastidiosa. Não diferiria, em substância, daquela apre-
absoluta falta de sentido, mas suficientemente enigmáticas ou sentada por Schopenhauer na sua Dialética Erística, apenas com
chocantes para hipnotizar o auditório. Se acompanhado de o acréscimo peculiarmente brasileiro de que os próprios nomes
E s s e sta nis-
método não lavskiano
é infalível, mas é o no mar das con-
único que existe. Todos tradições. Quem quer
os estilos de argumentação que que tenha amor à verdade an-
apontei acima tratam de evitá-lo como à peste. seia por esse mergulho, mesmo quando não
Não apenas fogem à contradição e às dificuldades, mas cada um tem a certeza de encontrar alguma verdade no fundo. A fuga
deles consiste materialmente numa simples casamata de pala- generalizada ante esse desafio é o traço mais geral e constante
vras erigida em torno de algum desejo ou preferência, de algum dos "formadores de opinião" no Brasil. Em última análise, esse
preconceito no sentido mais estrito do termo. No fundo, todos são fenômeno expressa o medo de viver, o desejo de fugir logo para
apenas instrumentos de autodefesa psicológica ante as contradi- um mundinho imaginário imune a riscos intelectuais.
ções e perplexidades da vida. Todas as opiniões, com efeito, nas- Esse medo, por sua vez, revela-se da maneira mais inconfun-
cem de alguma reação à experiência vivida, mas muitas delas são dível na literatura de ficção nacional. Repassando mentalmente
uma reação de fuga, o fechamento neurótico numa redoma de pa- as produções maiores da nossa criação romanesca – índice seguro
lavras. São expressões de almas frágeis e vacilantes, que se ape- da imaginação das classes letradas –, o que me chama a atenção
gam a opiniões como se fossem amuletos, para escapar ao terror em primeiro lugar é a falta absoluta de problemas, de enigmas, de
da incerteza, ao thambos aristotélico, portanto à possibilidade perplexidades. O romancista brasileiro limita-se a retratar situa-
mesma de acesso à verdade. ções vistas segundo a ótica de uma filosofia ou ideologia preexis-
Como algumas opiniões socialmente relevantes não têm tente, de modo que tudo no fim parece óbvio e explicado. Não
uma estrutura lógica interna suficiente para que possam ser estou falando de escritores ruins, mas justamente dos melhores.
apreendidas racionalmente, elas requerem uma espécie de pe- Tomem o excelente Graciliano Ramos no mais bem sucedido dos
netração psicológica da parte do intérprete. Descobri a solução seu livros, São Bernardo, no mais popular, Vidas Secas , ou no
para isso logo na juventude, quando estudei teatro por algum mais ambicioso, Angústia. O que se vê nos dois primeiros são
F
reud costumava dizer que a história da mente ocidental cia newtoniana, e por fim um contemporâneo de Freud, Max We-
tinha sido marcada por três derrotas humilhantes im- ber, tirara disso a mais letal das consequências: não só o bem e o
postas sucessivamente às presunções do ego humano: mal são escolhas arbitrárias, mas o próprio conhecimento cien-
primeiro, Copérnico demonstrara que o planeta que tífico não é possível sem alguma escolha arbitrária inicial.
habitamos não é o centro do universo; depois, Darwin ensinara Nas décadas seguintes, o rebaixamento da espécie humana
que o homem não é um ente superior, mas apenas um animal prosseguiu implacavelmente. O behaviorismo substituiu a no-
entre outros; por fim, o próprio Freud trazia a prova de que a ção mesma da "psique" por um conjunto de reflexos condicio-
consciência individual não é sequer a dona de si própria, mas o nados não muito diferentes dos que determinam a conduta de
joguete de forças inconscientes. um rato ou, em última instância, de uma ameba. O estrutura-
A ideia do progresso do conhecimento como uma troca de ilu- lismo e o desconstrucionismo aboliram a noção marxista do sen-
sões grandiosas por verdades cada vez mais deprimentes im- tido da História como um resíduo das ilusões humanistas. A ge-
pregnou-se tão profundamente na cosmovisão das classes letra- nética, a neurofisiologia, os modelos informáticos do cérebro e a
das, que outros episódios da história das ideias foram interpre- psiquiatria de base farmacológica reduziram a nada as preten-
tados de acordo com ela, quase que por automatismo. Entre Co- sões da própria psicologia freudiana. A ecologia mostrou o ser
pérnico e Darwin, Newton e Galileu haviam ensinado que humano como um bicho mal comportado e destrutivo, preju-
nossas impressões do mundo sensível são subjetivas e engano- dicial à natureza. Por fim, o filósofo Peter Singer promoveu os
sas, só as quantidades mensuráveis podendo ser objeto de co- frangos e porcos a titulares de direitos humanos, em pé de igual-
nhecimento certo, e Kant demonstrara a impossibilidade de sa- dade até com uma criatura sublime como ele próprio.
ber algo de positivo sobre Deus e a imortalidade da alma. Entre Assim vieram caindo, uma a uma, as "ilusões narcísicas" –
Darwin e Freud, Marx evidenciara que a própria história das como as chamava Freud – de uma espécie animal que ousara se
ideias não é senão a exteriorização aparente de interesses econô- proclamar imagem e semelhança de Deus. A história das
micos camuflados, Comte oficializara a proibição de perguntar ideias científicas, vista sob esse aspecto, é uma história da hu-
sobre aquilo que não podemos conhecer pelos métodos da ciên- mildade intelectual.
A consciência
da consciência
E mbora estes artigos venham repletos de análises de
situações políticas concretas, raramente reproduzo
neles algo dos fundamentos de filosofia política e
filosofia geral que transmito nos meus cursos. O
resultado é que as análises ficam boiando no ar como balões
sem dono, soltas do fio que as amarra ao solo comum. Vou
aqui remediar isso um pouco, explicando um – apenas um –
modelos colhidos de outras ciências deva ser mais útil e
proveitoso do que tomá-la inteiramente a sério desde o início
como um dado incontornável da realidade.
Toda tentativa de constituir o objeto "homem" como coisa
externa – e, pior ainda, de recortá-lo do seu fundo concreto
mediante a seleção de seus aspectos matematizáveis, com
exclusão do resto – só pode resultar na produção de uma
daqueles fundamentos. analogia, de uma figura de linguagem, de um símile poético.
O fato de que nas ciências ditas humanas o sujeito e o Estudos assim orientados podem criar interessantes
objeto do conhecimento sejam o mesmo foi muitas vezes metáforas, mas não ciência propriamente dita. Pode-se
lamentado como causa de distorções subjetivistas comparar o homem com formigas, com ratos de laboratório,
incompatíveis com as pretensões do rigor científico. com programas de computador, ou, como o faz o dr. Freud,
No esforço de eliminar essas distorções, muitos estudiosos com um sistema de pressões hidráulicas. Tudo isso é muito
tentaram constituir aquele objeto como entidade do mundo sugestivo, mas, como o número de símiles é ilimitado por
exterior, à maneira dos fatos da natureza, neutralizando o definição, o conjunto não tem como deixar de ser totalmente
viés subjetivo do observador. Acontece que aquela inconclusivo, como inconclusiva é a leitura das obras-primas
coincidência de sujeito e objeto é a verdadeira e efetiva da literatura universal.
situação de conhecimento nas ciências humanas, e não vejo A coincidência de sujeito e objeto é, ao contrário, uma
por que fugir a essa situação mediante analogias com posição privilegiada que deve ser assumida desde o início
Vicent West/Reuters
Reprodução
demais meninos, mas por dentro era um bebê, simplório como
um passarinho, por total ignorância não só dos pecados como
também de tudo o mais.
Sendo a escola uma instituição religiosa, os professores le-
ram-me trechos do Evangelho, que me comoviam até às lágri-
mas, mas daí, mediante uma lógica que me es-
capava, deduziam e me atribuíam a incumbên-
cia de confessar meus pecados, dos quais o úni-
co que me ocorria, na minha desesperadora informação fidedigna quanto à natureza das
pobreza de repertório, era o pecado original. porcarias – e mesmo depois de cientificado ain-
Disfarçando como podia a minha radical in- da continuei duvidando que as pessoas fizes-
compreensão do estado de coisas, entrei na fila sem mesmo aquelas coisas, as quais me pare-
do confessionário esperando que, quando che- ciam sumamente despropositadas e tediosas.
gasse a minha vez, tudo se esclareceria. Mas foi Tardiamente chegado a um universo repleto
então que veio o pior. De trás de uma cortina Eu não tinha a mais de estímulos e desafios, eu não podia conceber
que o tornava semi-invisível, um padre não mínima ideia do que que alguém perdesse seu tempo "fazendo por-
identificado me perguntou: podiam ser as tais carias" em vez de se dedicar a alguma ativida-
– Você fez porcarias? porcarias, mas, fossem de mais substantiva, como jogar bolinha de gu-
Eu não tinha a mais mínima ideia do que po- de, brincar de Roy Rogers ou ir à matinê ver os
diam ser as tais porcarias, mas, fossem lá o que
lá o que fossem,
desenhos de Tom & Jerry.
fossem, pareciam ser comuns a toda a humani- pareciam ser comuns a Mais tarde informaram-me que alguns me-
dade, de modo que, por mera precaução, res- toda a humanidade, (...) ninos se dedicavam mesmo a um exercício de-
pondi: "Sim." E já ia me sentindo muito alivia- nominado "troca-troca", mas, como jamais eu
do pelo meu sucesso neste teste inicial, quando visse nenhum deles se entregando a essa prá-
o padre voltou à carga: tica, permaneci incrédulo, só fingindo acredi-
– Com meninos ou com meninas? tar em tudo para não desagradar a ninguém e para não parecer
Agora ele me pegou, pensei aterrorizado. Como poderia eu ainda mais esquisito do que aquilo me parecia a mim. As por-
supor que aquele delito misterioso e incognoscível se pratica- carias, no fundo, se é que existiam mesmo, deviam ser coisa de
va com ambos os sexos? Não querendo, porém, dar o braço a gente grande, aquelas pessoas aborrecidas que só falavam de
torcer, declarei peremptoriamente: "Com os dois." Feito isso, assuntos chatos – dívidas, doenças, arrumação de casa, polí-
fui liberado para a parte leve do serviço, que consistiu em rezar ticos corruptos, juízes de futebol ladrões – e, para cúmulo,
dez Pai-Nossos e dez Ave-Marias, coisa que eu já fazia habi- achavam normal comer brócolis em vez de sorvete. Que encan-
tualmente sem ter de passar por aquele vexame preliminar. to pudesse haver nos seus afazeres porcaríferos era algo que
Alguns meses se passaram antes que eu recebesse alguma me escapava por completo.
O
Dia de Ação de Graças, que se todas as nações reconhecer a providência
festeja desde o século XVI, mas de Deus Todo-Poderoso, obedecer à Sua
foi instituído como data oficial vontade, ser gratas aos Seus benefícios e
por George Washington, é um humildemente implorar Sua proteção e
dos últimos motivos remanescentes para os favor." Essas palavras já respondiam
EUA não se tornarem de vez uma nação de antecipadamente àqueles que negam a
meninos mimados odientos, empenhados em origem judaico-cristã das instituições
vingar-se de seus benfeitores. Malgrado as políticas americanas.
tentativas de inocular neles a amargura e a Como alguns amigos americanos me
revolta, em geral os americanos continuam pediram que celebrasse o Thanksgiving
gratos de viver num país tão rico e generoso, com eles escrevendo umas linhas sobre o
de modo que em seus corações o sentimento sentimento de gratidão, decidi tomar como
de amor a Deus se mescla indissoluvelmente ponto de partida o que pode haver de
com o amor à pátria. Nos EUA, é às vezes menos cristão ou judaico: as ideias do
difícil saber onde termina a religião e onde filósofo Peter Singer, o professor de
começa o civismo. Instituindo o Princeton que não vê grande diferença
Thanksgiving Day em 3 de outubro de 1789, entre matar uma galinha para comê-la e
George Washington escreveu: "É dever de estrangular um bebê para jogá-lo no lixo.
Svilen Milev/SXC