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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RELATÓRIO SÍNTESE DE PROJETO DE PESQUISA

O ENSINO E A ÉTICA DO JORNALISMO E DA PUBLICIDADE E PROPAGANDA


EM UM CENÁRIO DE HIBRIDISMO E TRANSFORMAÇÕES
DO MERCADO DE TRABALHO

PROJETO FINANCADO PELO FUNDO MACKPESQUISA

São Paulo, 2020


O ENSINO E A ÉTICA DO JORNALISMO E DA PUBLICIDADE E PROPAGANDA
EM UM CENÁRIO DE HIBRIDISMO E TRANSFORMAÇÕES DO MERCADO DE
TRABALHO

EQUIPE:
PROFESSORA-LÍDER
PROFA. DRA. DENISE CRISTINE PAIERO

PROFESSORES
PROF. DR. ALVARO BUFARAH JUNIOR
PROF. DR. ANDRE CIOLI TABORDA SANTORO
PROF. DR. DANIEL DE THOMAZ
PROF. DR. JOSE ALVES TRIGO
PROF. DR. JOSE MAURICIO CONRADO MOREIRA DA SILVA
PROF. DR. RAFAEL FONSECA SANTOS
PROF. DR. ROBERTO GONDO MACEDO
PROF. DR. ROGERIO APARECIDO MARTINS

ALUNA BOLSISTA
CAMILA OLIVEIRA

São Paulo, 2020


Resumo

No mundo contemporâneo, a atuação dos profissionais de comunicação tem sido pautada


por uma série de transformações. Esse processo tem origem em vários fatores, como o
predomínio das ferramentas digitais, o declínio das mídias tradicionais no Jornalismo e
na Publicidade e a valorização do conteúdo como ferramenta de persuasão. Com base
nesse contexto, esta pesquisa aborda uma série de temáticas que têm, como pontos de
convergência, uma melhor compreensão do mercado de trabalho e a possível otimização
da formação em comunicação. A ascensão dochamado “branded content”, a hibridização
entre diferentes campos, as expectativas e percepções de egressos dos cursos de
graduação e a atuação profissional são alguns dos pontos abordados. Como resultado,
percebe-se uma necessidade crescente de adequação das práticas pedagógicas para que
sejam atendidas as exigências de formação impostas aos profissionais.

Palavras-chave: Comunicação, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Ensino Superior


Abstract

In the contemporary world, the work of communication professionals has been guided by
a series of transformations. This process has its origin in several factors, such as the
predominance of digital tools, the decline of traditional media in Journalism and
Advertising and the valorization of content as a tool of persuasion. Based on this context,
this research addresses a series of themes that have, as points of convergence, a better
understanding of the labor market and the possible optimization of communication
training. The rise of the branded content, the hybridization between different fields, the
expectations and perceptions of graduates from undergraduate courses and professional
performance are some of the points addressed. As a result, there is a growing need to
adapt teaching practices to meet the training requirements imposed on professionals.

Keywords: Communication, Journalism, Advertising, Higher Education


Sumário

Parte I - Mudanças nos mercados de Jornalismo e Publicidade e Propaganda: da separação


total à hibridização

Apresentação.........................................................................................................................04

1. A produção de conteúdo jornalístico-publicitário: apontamentos preliminaries……….09


2. A integração entre jornalismo e publicidade: estratégias de “branded content” na mídia
tradicional………………………………………………………………………………21
3. Branded content e documentário contemporâneo brasileiro: uma análise sobre o curta-
documentário “Ciclos” a partir das relações híbridas entre as linguagens audiovisuais do
jornalismo e da publicidade……………………………………………………….……31

Parte II – Formação e mercado de trabalho para jornalistas e publicitários

4. Formação e demandas de mercado para jovens jornalistas: expectativas e percepções dos


egressos do curso de Jornalismo da UPM………………………………………………51
5. Ambiente corporativo, empregabilidade e competitividade: percepções dos egressos do
curso de Publicidade e Propaganda da UPM……………………………………………65
6. Conteudista, um jornalista que desenvolve histórias para o Século XXI: Uma visão do
novo profissional de jornalismo sob a ótica dos dirigentes das empresas de
comunicação…………………………………………………………………………....76
7. Tendências para um futuro desconhecido: os novos paradigmas do mundo do trabalho em
publicidade…… …………………………………………………...…………………...85
8. Análise do ensino de Jornalismo e Publicidade e Propaganda a partir das habilidades e
competências dos cursos da UPM……………………………………………………..99
Considerações Finais………………………………………………………………….110
Apresentação

Por uma compreensão complexa de um mercado profissional em


transformação

A presente pesquisa nasce a partir de uma percepção de professores de jornalismo e


publicidade e propaganda de que as áreas da comunicação estão passando por mudanças
bastante significativas. Essas mudanças, que se intensificaram a partir da última década e
que só foram possíveis com o advento da internet, estão trazendo também novas
demandas aos profissionais formados em Jornalismo e Publicidade e Propaganda, entre
outras áreas.

Nos casos das áreas aqui destacadas, é surpreendente a velocidade com que as mudanças
vêm ocorrendo. Profissionais do mercado, egressos, empresas e, obviamente, quem forma
esses profissionais têm sido demandados por novas habilidades e competências com
grande frequência.

Uma percepção comum, que, como veremos adiante, é compartilhada com os egressos
dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda e também com profissionais de
destaque no mercado que buscam talentos para contratar, é que, atualmente, há uma
aproximação muito clara entre os trabalhos de jornalistas e publicitários. Por vezes, é
muito difícil compreender a fronteira que separa as atuações dos dois profissionais,
sobretudo quando observamos a comunicação que as marcas procuram fazer hoje.
Durante muitos anos, a separação das áreas, que efetivamente tinham – e ainda têm –
mecanismos muito específicos de desenvolvimento profissional, funcionou para criar
campos relativamente estanques de atuação no mercado de trabalho, amparados por
projetos pedagógicos que seguem a explorar as idiossincrasias de cada uma delas. Hoje,

4
no entanto, o cenário apresenta-se de forma distinta. A partir de uma série de
transformações, das quais destaca-se, talvez, a revolução digital, que traz novas
plataformas e impõe um rearranjo dos modelos de negócio tradicionais, as áreas
convergem em ritmo intenso.

Essa mudança é bastante recente, como veremos no capítulo 1 deste trabalho. Até meados
dos anos 1990, as linhas que separavam a informação da divulgação de marcas era
claramente marcada. Hoje, no entanto, vivemos um cenário em que as marcas tornaram-
se produtoras de conteúdo – jornalístico, inclusive. Algumas, como veremos aqui,
chegam a se tornar referências como prestadoras de informações sobre determinado setor.
Além disso, grandes veículos de comunicação têm aberto espaços cada vez maiores em
suas grades e páginas ao chamado Branded Content, ou conteúdo patrocinado, uma
mistura bastante clara entre Jornalismo e Publicidade, como veremos nos capítulos 1 e 2
deste trabalho.

Outro ponto a ser destacado consiste nas estratégias que devem ser incorporadas ao ensino
superior (em jornalismo, publicidade e propaganda e relações públicas – com destaque
para os dois primeiros, que fazem parte do rol de cursos de graduação oferecidos pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie) para suprir as demandas de uma realidade de
mercado em que a convergência de suportes, entre muitos outros fatores, passa a ser cada
vez mais a regra do ambiente profissional. Esta pesquisa confirma uma percepção:
atualmente, a maioria dos graduados em jornalismo não atua diretamente na grande
imprensa. Assessorias, agências de comunicação, assessorias de comunicação de
empresas e, mais recentemente, agências de publicidade, têm absorvido grande parte
desses profissionais. No caso dos egressos do curso de Jornalismo da UPM, o índice dos
que atuam fora das redações passa de 70%, como veremos no capítulo 4 deste trabalho.

No curso de jornalismo, como já apontado em trabalhos anteriores, a mudança na lógica


profissional começa pela transformação da mentalidade do jornalista. O curso de
Jornalismo da UPM, por exemplo, deve compreender (e compreende) a interdependência
dos sistemas de comunicação em direção a múltiplos modos de acesso a conteúdos a partir
de relações complexas entre a mídia corporativa, de cima para baixo, e a cultura
participativa, de baixo para cima. E as instituições de ensino e pesquisa têm o desafio de
atualizar teorias, metodologias pedagógicas e técnicas de ensino das práticas jornalísticas
em meio a esse cenário em mutação.

5
Por sua vez, como também veremos nesta pesquisa, publicitários são cada vez mais
demandados em áreas que fogem à chamada publicidade tradicional.

Foi com o objetivo de compreender essas mudanças e os efeitos desse processo para
nossos egressos, bem como as expectativas do mercado em relação a esses profissionais,
que nos unimos para realizar esta pesquisa. Podemos dizer que este enfoque, dentro dos
cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, é inédito no Brasil. Tratamos de um
tema bastante atual e relevante, buscando abordá-lo sob diferentes óticas: a do mercado,
a dos egressos dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UPM e a dos
profissionais que contratam esses egressos.

O trabalho é dividido em dois blocos:

O primeiro (Parte I) é formado por três artigos. Tem foco na mudança nas áreas de
Jornalismo e Publicidade e Propaganda, com destaque para as tendências de hibridização
entre as áreas. Nele, contextualizamos o atual cenário da Comunicação, buscando as
origens das mudanças e explicando os termos mais comuns utilizados pelo mercado para
abordar a mistura de conteúdos jornalísticos e publicitários. Além disso, trazemos
exemplos de produtos que derivam desse hibridismo.

O segundo (Parte II) é formado por cinco capítulos. O foco dessa parte do trabalho está
no impacto dessas mudanças para os profissionais de comunicação. Na primeira parte,
procuramos compreender como os egressos dos cursos de Jornalismo e Publicidade e
Propaganda da UPM percebem o mercado de trabalho e se, de fato, sentem os efeitos
dessa hibridização entre as áreas. Para isso, foi aplicado um mesmo questionário1 para
ambas as áreas e que foi respondido por centenas de egressos dos cursos aqui apontados.
Além disso, nos artigos seguintes, entrevistamos profissionais experientes do mercado –
tanto de Jornalismo, quanto de Publicidade e Propaganda – buscando compreender o
perfil profissional desejado pelo mercado. Por fim, comentamos os Projetos Pedagógicos
dos Cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UPM, destacando as principais
habilidades e competências oferecidas aos alunos e sua relação com as demandas dentro
do atual cenário da Comunicação.

1
Todas as pesquisas envolvendo questionários e entrevistas foram realizadas apenas após o aval
do Comitê de Ética em Pesquisa da UPM, seguindo estritamente as regras previstas para esse tipo
de investigação.

6
O material ora apresentado pode ser lido em sua íntegra, o que dá ao leitor uma percepção
ampla do atual cenário de hibridização das áreas de comunicação. Além disso, os
capítulos podem ser lidos separadamente, pois foram redigidos em forma de artigos e,
portanto, trazem informações que contextualizam cada abordagem.

Profa. Dra. Denise Paiero

Líder do Projeto de Pesquisa

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Parte I

Mudanças nos mercados de Jornalismo e


Publicidade e Propaganda: da separação
total à hibridização

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Capítulo 1

A produção de conteúdo jornalístico-publicitário: apontamentos


preliminares

André Cioli Taborda Santoro2


Denise Cristine Paiero3
Isabella França Diniz4
Patrícia Vilas Boas5

Em meados da década de 1990, ainda era comum no jornalismo brasileiro (e em vários


outros países) a divisão quase estanque entre a redação e o departamento comercial de
uma publicação. A separação entre Igreja e Estado (BUCCI, 2003), metáfora de raiz
histórica usada por vários autores para ilustrar esse procedimento, servia, ao menos em
tese, para evitar que os interesses publicitários tivessem influência sobre a informação
jornalística.

Em linhas gerais, o processo funcionava da seguinte forma: os departamentos de


publicidade dos principais veículos informativos mantinham estratégias de captação e
manutenção de anunciantes e parceiros comerciais sem que essas iniciativas fossem
compartilhadas com os diretores de redação. Isso garantia que as notícias e reportagens
não sofressem interferência direta do mercado publicitário – que, em um cenário
diferente, poderia, por exemplo, solicitar que um determinado produto ou serviço tivesse
abordagem positiva (ou ao menos não tivesse abordagem negativa) em uma edição ou
programa na/no qual a marca do anunciante estivesse presente.

2
Coordenador do Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana MAckenie. Professor dos cursos de
Jornalismo e Publicidade e Propaganda – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
3
Professora do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
4
Aluna do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
5
Aluna do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.

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Da mesma forma, as redações planejavam e executavam suas pautas sem consultar os
responsáveis pela publicidade do veículo. Essa configuração não indicava, obviamente,
apenas o zelo com a ética e com a qualidade da informação, mas ajudava a garantir a
credibilidade do veículo, que, por extensão, funcionava como cartão de visitas para novos
anunciantes – processo no qual o jornalismo se apoia ao menos desde o final do século
XIX, quando surgiram alguns dos grandes conglomerados midiáticos que existem até hoje
(AMARAL, 1996). Na matriz histórica do jornalismo, as empresas responsáveis pela
publicação de jornais e revistas (e, posteriormente, as emissoras de rádio e TV) tentaram,
durante muito tempo, evitar que o conteúdo dos veículos fosse contaminado por interesses
publicitários, justamente para garantir a massa de leitores / ouvintes / espectadores que,
por sua vez, ajudam a garantir o fluxo de verba publicitária necessário à sobrevivência
das empresas jornalísticas.

Mas pode-se dizer que esse cenário de proteção irrestrita dos valores éticos do jornalismo
pertence ao passado. Nas últimas décadas, os anunciantes perceberam, inicialmente na
chamada “velha mídia” (jornais, revistas, TVs e rádios) e logo em seguida nas mídias
digitais, que o potencial para a veiculação de marcas, serviços e produtos ia além dos
espaços tradicionalmente reservados à publicidade. No lugar dos anúncios, várias
empresas passaram a investir nos então chamados informes publicitários, que traziam
informações relevantes e quase sempre escritas ou organizadas a partir de ferramentas
jornalísticas. Declarações entre aspas, textos claros, ênfase em dados factuais, autoria
jornalística e outras marcas discursivas fazem parte desse arsenal.

A despeito de haver, nesse processo, uma simbiose entre o jornalismo e a publicidade que
pode ser extremamente positiva quando é necessário comunicar os valores de uma marca
de forma diferenciada, ao menos dois detalhes dessa operação suscitam questões sobre a
ética jornalística: 1) mesmo quando há uma identificação clara do conteúdo publicitário,
este pode ser mesclado à informação jornalística de forma deliberada, sem que existam
sinais evidentes de diferenciação entre o discurso jornalístico e o material publicitário; 2)
os profissionais responsáveis pela elaboração dos informes publicitários (e de outras
peças que têm como base algum conteúdo relacionado a marcas específicas) são, em
geral, jornalistas – habituados, portanto, à confecção de textos factuais, muitas vezes
indissociáveis de paradigmas caros à profissão, como a imparcialidade, a neutralidade e
a objetividade (AMARAL, 1996).

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Com o crescimento dos portais de informação e o advento das redes sociais, os informes
publicitários migraram para as novas mídias, apesar de seguirem em franca utilização nos
meios tradicionais. Hoje agrupados sob a alcunha do branded content, que acabou, por
sua vez, incorporado às estratégias de marketing de empresas de todos os portes, os
informes deixaram de ser peças estáticas e passaram a contar com os recursos
audiovisuais e interativos disponíveis na internet – vídeos, áudios, links, enquetes,
interações em redes sociais etc. Essa migração para o ambiente digital trouxe a
necessidade de redefinir as relações entre o conteúdo editorial e o mercado publicitário
(CARLSON, 2015).

Muitos autores já apresentaram reflexões pertinentes sobre como as novas tecnologias


diversificaram as possibilidades midiáticas em um ambiente de convergência de suportes
e linguagens (JENKINS, 2012). Instigante, o cenário atual suscita questões múltiplas
sobre o potencial comunicativo aberto pela mídia digital. Mas ainda são preliminares as
discussões sobre os dilemas abertos por essa hibridização entre o jornalismo e a
publicidade, outrora distintos.

Denominações múltiplas

Um dos fatores que tornam complexa a tarefa de investigar esse fenômeno é o seu caráter
interdisciplinar, que agrega saberes e práticas de diferentes áreas. Decorre dessa
característica uma multiplicidade de conceitos que, não raro, convergem para definições
muito semelhantes. Eis alguns:

a) Branded content

Em tradução livre, o significado desse conceito em português seria “conteúdo de marca”.


O objetivo principal é informar ou entreter com base em técnicas jornalísticas,
promovendo uma marca de forma direta ou indireta. A estratégia tem um forte poder de
engajamento: cria uma relação mais próxima entre o público e a marca, gera mídia
espontânea e aumenta a visibilidade (MOTTA, 2013). Como já apontado,
o branded content utiliza técnicas jornalísticas. E isso abre possibilidades de trabalho para
o profissional da área, habituado às rotinas de pauta, apuração e pesquisa, redação e

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edição final do material. Atualmente, várias empresas jornalísticas tradicionais têm criado
departamentos especializados na produção de conteúdo de marca.

b) Marketing de conteúdo

De modo similar ao branded content, essa estratégia tem como foco criar um conteúdo
relevante e atraente que possa gerar uma imagem positiva da marca, mas quase sempre
destina-se ao incremento direto de vendas e ao retorno financeiro de um produto ou
serviço. Sua utilização tem uma série de vantagens, como o custo baixo e o alcance mais
significativo. Trata-se de uma estratégia de longo prazo, que tem a capacidade de atingir,
ao longo do tempo, clientes qualificados e consumidores interessados. Segundo dados da
edição 2018 da pesquisa Content Trends, 73% das empresas brasileiras já adotam essa
metodologia na sua estratégia de aquisição de clientes e 61,8% das que ainda não utilizam
pretendem adotá-la em breve (PEÇANHA, 2019).

c) Publicidade nativa

Muito usado no mercado norte-americano (termo original: native advertising), esse


conceito define uma estratégia publicitária que tem como objetivo transmitir informações
sobre a marca de forma “nativa” ou camuflada (mas não invisível), sem que o receptor
seja interrompido em seu processo de apreensão das informações. Assim como nos itens
anteriores, trata-se de um método de produção e inserção de conteúdo em diferentes
mídias, quase sempre com um enfoque que valoriza o distanciamento da publicidade
tradicional (SMITH, 2017).

d) Publieditorial

Também conhecido como informe publicitário, publispot ou advertorial. Trata-se de uma


ferramenta que utiliza espaços essencialmente jornalísticos para a divulgação de marcas
(CARLSON, 2015). Em relação às inserções publicitárias tradicionais, a estratégia tem
como vantagem o fato de ser mais aprofundada, colocando a marca dentro de um contexto
e criando uma história que valoriza a organização, fortalece a imagem e engaja o público.
Do ponto de vista ético, é recomendável que o receptor seja devidamente informado de
que o material consumido tem relação direta com a marca apresentada.

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e) Publicidade encapotada

Bastante utilizado em Portugal, o termo traz uma carga negativa em relação aos aspectos
éticos da aproximação entre o jornalismo e a publicidade. Em geral, ele costuma ser usado
quando há a utilização de branded content ou publieditoriais sem referência direta ao fato
de que o conteúdo é patrocinado por uma empresa, ou quando produções audiovisuais
(como uma telenovela, por exemplo) se valem de uma estratégia também conhecida como
“merchandising”, em que as marcas são inseridas de forma deliberada em um roteiro
(VERÍSSIMO, 2017).

Percepção dos consumidores

No Festival de Publicidade de Cannes, que concede alguns dos prêmios mais cobiçados
pelos profissionais da área, uma das categorias dos “media lions” é “branded content &
entertainment” (conteúdo de marca e entretenimento), que foi incluída no rol dos prêmios
em 2012. Reconhecida pelo mercado publicitário, a estratégia se disseminou a ponto de
permitir várias possibilidades de definição. De forma bastante resumida, trata-se, como
já apontado anteriormente, de conteúdo produzido a partir de uma vinculação direta a
alguma marca e posteriormente veiculado com o objetivo de gerar engajamento e “recall”
nos receptores. Ao contrário do marketing de conteúdo, que é direcionado geralmente a
uma necessidade direta de influência sobre a decisão de compra dos consumidores (LIEB,
2011), o branded content busca comunicar valores e conceitos relacionados à marca,
gerando apenas em alguns casos específicos um incremento direto de vendas.

A aceitação do mercado, que tem reflexo na inserção em prêmios como o de Cannes, tem
base em evidências sólidas: um estudo realizado em 2016 pelo IPG Media Lab e pela
Forbes com cerca de 4 mil pessoas mostrou que a exposição a determinados tipos de
conteúdo de marcas tradicionais tem a real capacidade de amplificar o interesse pela
mensagem transmitida – em um nível significativamente maior que o de anúncios
tradicionais. Diante do impacto significativo no universo de consumidores, o mercado
publicitário se reorganizou em busca da chamada propaganda ou publicidade nativa, que
rompe a barreira entre os anunciantes e o meio editorial e se coloca como uma das
principais tendências do marketing contemporâneo (SMITH, 2017).

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Segundo José Roberto Martins, diversos são os fatores que levam o consumidor a adquirir
determinado produto. Ao escolher um serviço para contratar ou um item para comprar,
ele procura por referências que atestem o bom atendimento e que atendam as suas
expectativas. Esse tipo de pré-avaliação pode incluir pesquisas, indicação de terceiros,
reputação da empresa no mercado, serviço de atendimento ao cliente no pós-venda,
experiências anteriores com a marca e outras vertentes que podem ser levadas em
consideração. “O resultado de todo esse processo é a percepção da qualidade do produto
ou serviço e, portanto, de marca” (MARTINS, 2006, p. 156).

Daí a relevância do branded content no marketing de uma empresa. Devido à


intangibilidade de alguns serviços e produtos antes da compra efetiva, o marketing de
conteúdo permite o primeiro contato do consumidor com a marca de forma mais natural
e subjetiva. Martins afirma que são raras as oportunidades que o cliente tem de testar a
maioria dos produtos que adquire. Assim, manter uma boa imagem de marca (e
consequentemente um bom valor de marca), é essencial.

Para Mauro Calixta Tavares, o valor de marca reside na mente do consumidor, que
"baseia-se no conhecimento que ele tem da marca, na lembrança de tê-la visto antes e em
seu reconhecimento com suas várias mensagens" (2008, p. 388). É importante salientar
algumas funções que o branded content desempenha, como a de gerar “recall”. Segundo
Márcia Carvalhal e Marcello Chamusca (2011), em um cenário de mercado cada vez mais
concorrido, utilizar novas formas de divulgação que façam o consumidor lembrar mais
vezes da marca pode ser fator decisivo na conquista de determinado público-alvo.

Compreende-se por recall a memória que o consumidor tem de uma marca a partir de um
anúncio ou propaganda a que ele já teve acesso anteriormente e que foi relacionado
inconscientemente ou conscientemente com determinado assunto, posicionamento ou
situação. De acordo com os autores, em razão do advento tecnológico e digital, se tornou
muito mais fácil chegar até o consumidor, mas muito mais difícil conquistá-lo, devido à
pluralidade de opções ofertadas e ampliação da concorrência. Assim, criar lembrança de
marca e ter um maior engajamento com o cliente pode ajudar a empresa a se destacar no
mercado e, consequentemente, conseguir novos consumidores e/ou fidelizar os antigos.

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Para isso, algumas companhias apostam na construção de “brand awareness” (consciência
ou notoriedade de marca) por meio de seus projetos de branded content. O termo se refere
à “capacidade de os consumidores recuperarem a marca em sua memória corretamente”
e serve “para quantificar como os consumidores identificam a marca em condições
diversas” (GÖRLICH, 2015, online).

Uma pesquisa da organização Content Marketing Institute com a agência de marketing


Advance Ohio mostrou que mais da metade dos entrevistados declararam acreditar que o
marketing de conteúdo trouxe “brand awareness” para suas empresas. Em alguns casos,
empresas procuram associar suas marcas a questões sociais e sustentáveis. Essa boa
reputação gera um valor de marca que agrega valor tanto à empresa quanto ao produto
fornecido (WALTERS; ROSE, 2015, online).

Rogério Covaleski, em sua tese de doutorado, defende que “o consumidor contemporâneo


tem se tornado mais exigente no momento de optar pela marca” e, consequentemente, “a
publicidade tem se mostrado atenta e aberta a se reinventar” (2010, pp. 22-25). Com os
avanços na tecnologia e inovações no modo de divulgar um produto via internet,
entretenimento e publicidade se integram, fazendo com que o consumidor se entretenha
ao mesmo tempo em que está sendo involuntariamente influenciado a desenvolver
simpatia por determinada marca ou empresa.

O branded content mescla entretenimento e informação, que vão além do enfoque


exclusivamente publicitário. Hoje, devido à extensa variedade de meios e formas
existentes de divulgação, a propaganda permite alcançar públicos variados. Por outro
lado, é mais difícil conseguir sua atenção. José Roberto Martins afirma que esses novos
formatos de consumo forçarão as mídias tradicionais a se reinventar. “Tudo indica que os
próprios veículos de mídia deverão se reposicionar como marcas de entretenimento,
informação e até com a ampliação do seu comprometimento social” (2006, p.46).

Efeitos no mercado jornalístico


No jornalismo, o “branded content” se apresenta de várias formas. A primeira impressão
é a que indica o surgimento de um novo filão de exploração de conteúdos publicitários
que, durante muito tempo, se restringiram a inserções de anúncios nas mídias tradicionais.
Diversifica-se, portanto, a possibilidade de aporte de recursos advindos do mercado
publicitário, o que não deixa de ser um alento no cenário de crise que tem se alastrado

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pela mídia tradicional. Além disso, essas novas possibilidades trazem oportunidades
diretas de trabalho para jornalistas, que são profissionais mais habituados à produção de
conteúdo em todas as etapas do processo: concepção da pauta, apuração e pesquisa,
redação e edição final do material a ser apresentado ao cliente e posteriormente veiculado.
Por fim, o “branded content” abre a possibilidade do trabalho criativo e cuidadoso com
as marcas, o que é relevante se considerarmos a fragmentação cada vez maior da
exposição nas novas mídias, especialmente nas redes sociais.

Esse incremento das iniciativas baseadas no branded content tem estimulado o


reposicionamento de algumas empresas jornalísticas tradicionais, que se empenham na
criação e manutenção de unidades de negócio especializadas no desenvolvimento de
conteúdo de marca. Citamos três exemplos: a Editora Abril (Estúdio Abril Branded
Content, ou Estúdio ABC), o jornal Folha de S. Paulo (Estúdio Folha) e a Editora Globo
(Estúdio Globo). Os “estúdios” se apoiam na bagagem acumulada pelas três empresas,
que construíram suas reputações a partir da credibilidade de publicações essencialmente
jornalísticas e mantêm equipes especializadas na produção de conteúdo de matriz
jornalística, mas adequados às necessidades do meio publicitário.

A partir das páginas no Facebook do Estúdio ABC, do Estúdio Folha e do Estúdio Globo,
notamos que as três empresas inauguraram a presença de suas novas unidades em 2015,
com alguns meses de diferença, em um indício de que a concorrência já se mostrava
acirrada – e o mercado, aquecido – naquele período específico. Sobre a Folha de S. Paulo,
um texto publicado no jornal ajuda a compreender o contexto da criação do estúdio
voltado à produção de conteúdo patrocinado. Em 7 de outubro de 2015, a iniciativa foi
apresentada da seguinte forma:

Com a missão de atender à demanda de anunciantes e do mercado


publicitário por conteúdo de qualidade, a Folha da Manhã, empresa que
edita a Folha, criou um novo núcleo de negócios, o Estúdio Folha.

Independente da Redação da Folha e norteado pelos princípios de


qualidade editorial do jornal, o Estúdio vai oferecer conteúdo
patrocinado feito sob medida para marcas, em diferentes plataformas e
formatos. (2015, online6)

6
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1691039-folha-cria-nucleo-de-conteudo-
patrocinado.shtml>. Acesso em 20/1/2020.

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Mais adiante, um executivo do jornal se posiciona a respeito das questões éticas
relacionadas à criação da nova unidade:

Antonio Manuel Teixeira Mendes diz que o conteúdo do Estúdio Folha


vai se pautar pelo rigor de apuração e perseguição da verdade. “Não
vamos fazer nada que seja contra o interesse do consumidor”, diz.

Ele afirma que o novo núcleo é “desvinculado da Redação, mantendo


sempre os princípios básicos do jornal, de separação Igreja-Estado, mas
aproveitando o nosso DNA de produção de conteúdo para atender à
demanda das marcas”. (idem)

Depreende-se dos trechos citados que, apesar de haver, por parte da direção do jornal, o
desejo de ocupar um nicho que já existia em 2015 e continua existindo nos tempos atuais,
os valores da publicação, ao menos no discurso oficial publicado quando da criação do
Estúdio Folha, devem ser seguidos para que a credibilidade do veículo não seja
questionada. É um equilíbrio delicado: se, por um lado, não se pode fechar os olhos às
demandas do mercado, o pacto de confiança com os leitores construído ao longo de muitas
décadas de história do jornal precisa ser mantido. Do contrário, não apenas a iniciativa de
aderir ao “branded content” pode naufragar, mas o conteúdo essencialmente jornalístico
da publicação talvez seja ameaçado pela, por assim dizer, promiscuidade entre a “igreja”
e o “estado”, na metáfora recorrente sobre a necessária e já citada separação entre os
departamentos de jornalismo e de publicidade nas redações, de forma geral.

Essa parece ser uma preocupação dos veículos, conforme mostra a 21ª edição do Manual
de Redação da Folha de S. Paulo (2018). Nela, o tema é tratado diretamente em três
verbetes: “Estúdio Folha” (p. 31), “Conteúdo Patrocinado” (p. 87) e “Informe
Publicitário” (p. 103). Em todos os casos, o Manual reforça que trata-se de conteúdo
publicitário, produzido por jornalistas fora da redação e que deve ser claramente
diferenciado do conteúdo editorial do jornal.

No entanto, na prática, manter essa separação parece não ser tão fácil. Em palestra
realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie em março de 2018, um editor de alta
patente do jornal Folha de S. Paulo (cuja identidade não divulgamos para que sua
integridade profissional seja preservada) foi questionado sobre uma eventual preocupação
da empresa com a credibilidade do conteúdo jornalístico diante do crescimento do
branded content. Em seu depoimento, ele assumiu que existe, sim, um grande incômodo
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com essa questão. Mas não escondeu que o conteúdo patrocinado traz receitas
significativas ao veículo. E que essa talvez seja uma das formas de sobreviver ao cenário
atual de crise econômica generalizada no país, de fuga de assinantes, de queda nas vendas
e de pulverização das verbas publicitárias.

Os números apresentados pelo mercado editorial ilustram a questão financeira. Em


depoimento ao site especializado PropMark, Edward Pimenta, diretor do G.Lab, da
Infoglobo (unidade das Organizações Globo responsável pela publicação dos jornais O
Globo, Extra e Expresso, entre outros produtos jornalísticos), afirmou que “30% do
faturamento publicitário das publicações do jornal O Globo, das revistas da Editora Globo
e do jornal Valor Econômico já são oriundos do branded content”7. Em um cenário de
receitas minguantes, essa fatia é expressiva.

Aberto o caminho, percebe-se, a partir dos registros nas redes sociais dos três grupos
midiáticos (jornal Folha de S. Paulo, Editora Globo e Editora Abril), uma conquista
diversificada de clientes, com iniciativas que vão desde conteúdos gerados apenas para
veiculação em mídia tradicional até campanhas completas com inserção em múltiplos
suportes, inclusive no próprio Facebook, a partir de publicações pagas, o que mostra a
complexidade das demandas dos contratantes. Do ponto de vista jornalístico, uma questão
sobressai para além das oportunidades de negócio: a intersecção entre os discursos de
ambos os campos: publicidade e jornalismo.

Como já salientamos, o mapeamento do viés publicitário desse tipo de ação é


relativamente simples. Trata-se apenas de buscar um caminho alternativo à veiculação
direta de anúncios. E de garantir que a marca, para além de produtos ou serviços
específicos, seja a principal beneficiada. Mas os profissionais e pesquisadores da área do
jornalismo, que são atores importantes nesse processo e se aproveitam, direta ou
indiretamente, das novas oportunidades profissionais do “branded content”, também
precisam estar atentos para os dilemas e efeitos produzidos por essa prática cada vez mais
recorrente em redações e agências especializadas na produção de conteúdos patrocinados.

Por fim, é óbvia a relação entre o interesse das empresas pelo branded content e a maior
credibilidade que esse tipo de conteúdo passa quando comparado à publicidade

7
<http://propmark.com.br/mercado/credibilidade-faz-crescer-interesse-das-marcas-pelos-content-
studios>. Acesso em 20 de janeiro de 2020.

18
tradicional. Isso acontece, em grande parte, em razão da própria credibilidade conquistada
pelo jornalismo – e pelos veículos jornalísticos tradicionais – ao longo da sua existência.

Referências bibliográficas

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BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.

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19
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tornar um especialista no assunto. (2019). Disponível
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promoção de marcas. Dissertação de Mestrado em Publicidade e Marketing, Escola
Superior de Comunicação Social (2017). Disponível
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content/uploads/2016/02/AdvanceOHIO_Whitepaper.pdf>. Acesso: 20/01/2020.

20
Capítulo 2

A integração entre jornalismo e publicidade: estratégias de “branded


content” na mídia tradicional

André Cioli Taborda Santoro8


Bruna Rios de Paula Soares9
Denise Cristine Paiero10
Sâmara Morales Bueno11

Com circulação total de aproximadamente 126 mil exemplares (impresso e digital), mais
de 5,7 milhões de “unique visitors” e mais de 2,5 milhões de “page views” em seu site
(PUBLIABRIL, online)12, a revista Quatro Rodas, veículo que é referência na produção
de conteúdo sobre o mercado automotivo no Brasil, publicou, em novembro de 2016, um
conteúdo especial patrocinado pela montadora Renault13. Com o objetivo aparente de
realizar um teste o modelo Sandero R.S., o material publicitário traz, já em seu crédito de
autoria, a identidade da unidade que o produziu: “Por Rodrigo França para o Estúdio ABC
com fotos de Renato Pizzutto”. Mas além desse indicador e do discreto selo “Apresentado
por Renault – Passion for Life” antes do texto, não há, na abertura, qualquer menção
direta ao fato de que o material configura um texto publicitário.

Mais adiante, sobressai uma marca jornalística. Com o intuito de caracterizar o carro
citado como um modelo “esportivo”, a revista lança mão de um recurso muito utilizado
em suas reportagens tradicionais: a certificação do conteúdo por especialistas.

8
Coordenador do curso de Jornalismo da UPM. Professor do curso de Jornalismo – Centro de
Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana Mackenzie.
9
Aluna do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
10
Professora do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
11
Aluna do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
12
Todos os dados relativos à circulação e ao público-alvo das publicações da Editora Abril indicados
neste trabalho foram retirados do site <http://publiabril.abril.com.br>. Acessos em 16 de fevereiro de
2020.
13
Disponível em < https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/o-renault-sandero-r-s-e-mesmo-um-carro-
esportivo/>. Acesso em 16 de fevereiro de 2020

21
Convidados a testar o veículo, uma dupla de pilotos profissionais atesta o caráter
esportivo do modelo. E o autor do especial coroa o veredito com a seguinte afirmação:

Quem diz isso são os ex-pilotos de F1: Antonio Pizzonia e Tarso


Marques. Os dois participam da websérie “Sandero R.S. Race” e
aceleram até o limite o novo veículo em três dos melhores autódromos
brasileiros: Capuava, Velo Città (ambos no interior de São Paulo) e
Curitiba. (QUATRO RODAS, online)

Mais adiante, declarações entre aspas dos pilotos coroam as impressões relatadas no texto:
“‘Pelo preço de R$ 58.880, não há um conjunto com esta potência e que seja tão divertido
de guiar’, diz Tarso, com a concordância do colega” (QUATRO RODAS, online). Outro
conteúdo em destaque no especial é um vídeo de 4 minutos e 41 segundos, também
disponível no site da revista, em que os pilotos mostram como o teste foi realizado. Outro
elemento chama a atenção nos vídeos: além de Pizzonia e Marques, Antonio Tabet
(publicitário e humorista) e Felipe Andreoli (apresentador e humorista) integram as
equipes de pilotagem.

No final do texto, surge outra pista de que o conteúdo não foi produzido nos mesmos
moldes das matérias publicadas na revista. Na última frase, o especial publicitário convida
o leitor a acessar um material complementar no site da fabricante:

Na galeria especial, veja os pilotos Tarso Marques e Antonio Pizzonia


acelerando o novo Renault Sandero R.S. 2.0 em alguns dos momentos
da websérie. Para assistir todos os episódios, acesse o site da Renault.
(QUATRO RODAS, online14)

Um entre vários especiais de “branded content” produzidos e veiculados recentemente na


mídia brasileira, o material desenvolvido pela Editora Abril traz alguns elementos
importantes para uma discussão sobre essa estratégia de amplificação e consolidação de
marcas. Um deles, mais óbvio, é relacionado diretamente ao universo da publicidade. A
peça encomendada pela Renault não restringe seu alcance aos consumidores interessados

14
No site indicado, o trecho “acesse o site da Renault” remete ao hiperlink
<https://www.renault.com.br/universo-renault/campanhas/sandero-rs-race.html>, cujo conteúdo
aparentemente foi removido do site da fabricante e não estava disponível para visualização em 16 de
fevereiro de 2020, quando da finalização deste artigo.

22
na aquisição imediata do carro em questão, mas ajuda a construir uma imagem positiva
sobre o modelo apresentado e, em um efeito colateral positivo, aumenta o “recall” sobre
a própria montadora. E a solução encontrada ultrapassa as fronteiras de um anúncio ao
buscar pontos de contato com o discurso jornalístico, que tem, entre outros elementos, a
credibilidade como um de seus principais trunfos.

Por outro lado, ao fornecer subsídios para que uma marca (a Renault) direcione um
conteúdo específico a um público seleto de leitores (da revista impressa e do site da
publicação), o jornalismo se tensiona em seus limites éticos. O uso de aspas, a validação
da informação por fontes supostamente confiáveis, a estrutura textual essencialmente
jornalística e a ausência de indicadores explícitos e inquestionáveis do caráter publicitário
do conteúdo são alguns fatores que precisam ser discutidos com o cuidado que o tema
exige, nesse e em muitos outros exemplos de estratégias de “branded content”.

Conteúdo positivo no gerenciamento de crise

De dezembro de 2017 a janeiro de 2018, a Editora Abril publicou, em suas revistas


(edições impressas e online), uma série de informes publicitários sob encomenda da
empresa Petrobras, a maior petrolífera do Brasil e uma das maiores do mundo, com receita
total, em 2018, de aproximadamente 350 bilhões de reais. Mergulhada em sucessivos
escândalos de corrupção há vários anos, a empresa tem adotado múltiplas políticas de
comunicação voltadas à restauração de sua imagem pública, seriamente comprometida
após a deflagração da operação “Lava-Jato”, que já levou à prisão vários políticos e
empresários brasileiros, entre outros envolvidos. Inserida nesse cenário, a Petrobras
planejou a inserção de conteúdos publicitários em revistas como Exame, Você S.A.,
Superinteressante, Mundo Estranho e Claudia, em suas edições impressas e online.
Importante ressaltar que alguns desses títulos já foram descontinuados – como a Mundo
Estranho – ou não pertencem mais ao portfólio de publicações da Editora Abril – como a
Exame.

O primeiro aspecto a ser ressaltado é a diversidade das publicações – e do conteúdo


inserido em cada uma delas. Como cada uma das revistas tem perfil bastante diferente de
público, o material produzido foi adaptado, inclusive em relação à proposta de pauta. Na
revista Claudia, com circulação total de aproximadamente 195 mil exemplares por mês

23
no impresso e no digital (dados de outubro de 2019) e público majoritariamente feminino,
o “branded content” tem como título “Brasileiras que mudaram a ciência”15. Trata-se de
uma compilação de perfis de cinco mulheres que se destacaram em suas áreas de pesquisa,
algumas das quais com reconhecida carreira internacional. Não há, no texto, nenhuma
referência, direta ou indireta, à empresa patrocinadora do estudo, que é citada apenas no
canto esquerdo da primeira página do informe publicitário, que traz os dizeres
“Apresentado por PETROBRAS”.

Nas revistas Exame (126 mil de exemplares de circulação total de janeiro a novembro de
2018)16 e Você S/A (38,5 mil em outubro de 2019, de acordo com dados do site
PubliAbril, já mencionado), o foco da campanha17 são as novas estratégias de governança
corporativa da Petrobras, focadas essencialmente na redução de riscos empresariais
relacionados à corrupção. Como as publicações têm leitores diretamente relacionados ao
ambiente corporativo, a temática do informe publicitário gira em torno de conceitos de
gestão, liderança e compartilhamento de decisões. Como se vê, o objetivo parece ser
causar algum impacto direto nos leitores (e naqueles que, de alguma forma, são
influenciados pelos leitores) quanto às medidas que a empresa vem tomando para se
distanciar do noticiário sobre corrupção no Brasil.

Na revista Mundo Estranho (86 mil exemplares de circulação total em maio de 2018,
atualmente descontinuada), que era voltada ao público jovem, o tema do informe
publicitário18 se assemelha ao da revista Claudia e apresenta a trajetória de nove
cientistas, homens e mulheres, que se destacaram em suas áreas do conhecimento. Um
detalhe a ser ressaltado é a presença de nomes ligados diretamente à Petrobras, como o
do engenheiro Paulo Tibana, cujos trabalhos na área de geologia foram usados no
desenvolvimento de tecnologias de exploração de petróleo nas regiões em que a empresa
atua.

Na revista Superinteressante (148 mil exemplares de circulação total em outubro de


2019), o conteúdo parece ser o menos adaptado aos propósitos da empresa, se

15
< https://claudia.abril.com.br/carreira/brasileiras-que-mudaram-a-ciencia/>. Acesso em 16 de fevereiro
de 2020.
16
< https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2019/03/11/revistas-semanais-recuperam-
audiencia-no-digital.html>. Acesso em 16 de fevereiro de 2020
17
< https://exame.abril.com.br/carreira/novos-tempos-praticas-modernas/> e <
https://exame.abril.com.br/negocios/os-efeitos-de-uma-boa-governanca/>. Acesso em 16 de fevereiro de
2020.
18
<https://mundoestranho.abril.com.br/curiosidades/a-jornada-em-busca-do-conhecimento/>. Acesso em
26 de fevereiro de 2020.

24
considerarmos o perfil dos leitores. Voltada à divulgação de temas científicos e de
interesse geral, a publicação19 patrocinada pela Petrobras serviu para a veiculação de um
informe publicitário sobre tecnologias que transformaram a humanidade, como a roda, a
prensa de tipos móveis, o motor de quatro tempos (talvez o único ponto de aderência com
a área de atuação da petrolífera brasileira) e a internet, entre outras.

Pode-se perceber, a partir dos exemplos citados, que a empresa utilizou o “branded
content” em publicações da Editora Abril como uma de suas estratégias de gerenciamento
de crise. Ao buscar leitores de revistas com segmentação em nichos muito específicos, o
objetivo parece ser o fortalecimento da imagem positiva da Petrobras. A questão ética a
ser levantada, assim como no caso do material produzido para a revista Quatro Rodas por
encomenda da montadora Renault, é a inserção de conteúdo adequado de forma bastante
evidente ao perfil de cada veículo (e dos leitores de cada veículo) sem que haja uma
identificação clara e inequívoca de que se trata de conteúdo patrocinado – em todas as
publicações, há apenas dois elementos no topo da página com os dizeres “Apresentado
por Petrobras” e “Produzido por Abril Branded Content”. Além disso, o recurso da
indicação de autoria nominal dos textos, que só não é utilizado no material produzido
para as revistas Exame e Você S/A, também indica ao leitor que aquele conteúdo pode,
sim, ser interpretado como uma produção essencialmente jornalística, gerando um ruído
de leitura significativo.

Media Lab – O Estado de S. Paulo

O Media Lab, estúdio de branded content do jornal “O Estado de S. Paulo”, além de usar
o jornal impresso, se vale da plataforma online para veicular conteúdo, explorando
também produções em formato audiovisual. Em busca de aprimorar sua inserção no
mercado, a empresa se vale de alguns números significativos:

A prática “native advertising” tem 41% a mais de intenção de compra


do que o “advertising” tradicional. Por isso, o conteúdo de marca é
considerado o futuro do marketing por 78% dos diretores de marketing.

19
<https://super.abril.com.br/ciencia/a-incrivel-jornada-em-busca-do-conhecimento/>. Acesso em 26 de
fevereiro de 2020.

25
Além disso, 70% dos consumidores preferem conhecer empresas e
marcas a partir de conteúdo.20

Trabalhando com soluções para conteúdo de marca, o estúdio utilizou a plataforma de


informação do jornal para aproveitar os leitores e chamar a atenção para o novo projeto.
À época do lançamento, o diretor de marketing publicitário da empresa, Marcelo Moraes,
frisou: “Tudo o que não for anúncio tradicional estará sob essa nova marca. Pode ser a
promoção de um evento ou uma história contada de forma diferente”.21

Em sua dissertação de mestrado, Jonas Gonçalves da Silva analisou as redações no Brasil,


como foco no modelo de “O Estado de S. Paulo”, e cita que o branded content já é uma
realidade na maioria das redações jornalísticas.

É preciso considerá-lo uma nova fonte de receita para garantir a


sustentabilidade do jornalismo como negócio. E também temos de
entender que os veículos trabalham hoje em dia com o conceito de
‘estratégia de conteúdo’, mediante o qual são combinadas
características dos processos jornalísticos de produção com aspectos
relacionados ao marketing, o que reúne veículos de mídia e empresas
anunciantes em torno de um propósito de fortalecimento de marcas.
(2018, online)

Essa nova fonte de receita, aliada a novas práticas jornalístico-publicitárias, também se


apresenta como consequência da transformação geracional por que passa o mundo já há
alguns anos. A chamada “geração z”, formada por crianças, adolescentes e jovens adultos
nascidos a partir de 1997, é consumidora voraz de informação e conteúdos nos ambientes
digitais e traz uma alta demanda por novas plataformas e soluções informativas –
inclusive no domínio da publicidade.

With so much of Gen Z’s social life centered around the digital domain,
significant percentages prefer socializing online than in real life. More
than half say it’s easier to chat digitally, or more convenient. (JWT
Intelligence, 2012, online)22

20
<http://patrocinados.estadao.com.br/medialab/o-que-fazemos/>. Acesso em 16 de fevereiro de 2020.
21
< https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,media-lab-estadao-chega-ao-mercado,70001671807>.
Acesso em 16 de fevereiro de 2020.
22
“Com uma parte significativa da vida social da Geração Z centrada no domínio digital, porcentagens
significativas preferem socializar na internet a fazê-lo na vida real. Mais de metade afirma que é mais
fácil ou mais conveniente conversar digitalmente” (tradução livre).

26
Para que o público dessa geração consuma a propaganda voluntariamente e seja receptivo
a ela, é necessário que a empresa ou o comercial em si representem algo de interesse para
o indivíduo. O laboratório de pesquisa brasileiro Consumoteca Lab conduziu, em 2017,
uma pesquisa com três mil jovens entre 17 e 21 anos espalhados pelo país, para tentar
mapear seus comportamento e opiniões. Um dos resultados foi o engajamento com as
causas sociais. De acordo com o estudo, 46% dos entrevistados leva isso em conta na hora
de consumir alguma marca. (2017, online). E esse é apenas um exemplo entre as muitas
possibilidades de aproximação com as novas gerações consumidoras de informação.

Como analisado por Jonas Gonçalves Silva, o Estadão é um exemplo dessa tentativa de
se aproximar do público jovem, sendo ele mesmo denominado, pelo autor, como uma
“Redação Analógica Digital (RAD)”, com diferentes plataformas de mídia em um mesmo
espaço. Essa estratégia multiplataforma acaba sendo catalisadora de novos processos
produtivos, potencializando o alcance das mídias.

Ainda sobre o Media Lab, ao observar produções feitas para as empresas Netflix e Porto
Seguro, é notável a forte presença de conteúdo jornalístico-publicitário. Em uma parceria
com dois dos maiores jornais do Brasil, a Netflix patrocinou capas de branded content
nas versões impressas de “O Estado de S. Paulo” e da “Folha de S. Paulo”. O objetivo foi
divulgar a segunda temporada da série “Narcos”, que traz narrativas sobre alguns dos
narcotraficantes mais conhecidos do mundo, como o colombiano Pablo Escobar. No
Estadão, a capa fictícia da ação promocional trazia, como manchete principal, o texto
“Chefão do narcotráfico colombiano foge da cadeia” (2018, online).

A Porto Seguro é outro exemplo relevante. No mesmo ano de 2018, o Media Lab publicou
uma série de branded content com o mote “Viva o hoje, o amanhã é com a gente”. O
conteúdo, publicado nos canais digitais e nas edições impressas do jornal, trazia material
informativo sobre seguros de vida, planos de previdência e investimentos em geral. O site
especial da ação23 apresentava uma série de textos de fácil entendimento sobre esses e
outros tópicos, sempre com a marca da empresa patrocinadora.

23
< http://patrocinados.estadao.com.br/portoseguro/>. Acesso em 16 de fevereiro de 2020.

27
Produções no exterior

Fora do Brasil, um dos exemplos que mais se destacam é o “T Brand Studio”, do jornal
norte-americano “The New York Times”. O estúdio, fundado em 2014, tem escritórios
em Nova York e em Londres. Constituído por jornalistas, produtores de vídeo,
estrategistas e especialistas em mídias sociais, o grupo já desenvolveu mais de 100
campanhas para mais de 50 marcas diferentes. Uma das mais notórias foi a parceria com
a série de ficção “Orange Is The New Black”, veiculada na Netflix e baseada no livro
“Orange Is the New Black: My Year in a Women’s Prison”, de Piper Kerman (2010).

A campanha lançada em 2014 para a divulgação da segunda temporada da série leva o


título de “Womens Inmate”24 e conta com diversos recursos para prender a atenção
durante a leitura. O texto tem aproximadamente 1500 palavras e logo no início observa-
se uma animação na qual há mulheres enfileiradas, todas com o uniforme laranja da
penitenciária. No lugar dos traços faciais há uma série de letras e números para a
identificação individual. Na sequência aparece um vídeo, seguido de texto e de mais uma
animação, em que três mulheres estão sentadas dentro do camburão e olham através das
grades. Atrás delas, uma mulher e duas crianças olham as do lado de dentro. No restante
da matéria, mais vídeo e animações, além de tabelas e gráficos. Mas como saber se é uma
propaganda?

Abaixo do logotipo do jornal, no topo da página, há uma linha em que está escrito “paid
post” (“postagem paga”) e a marca da empresa Netflix, plataforma de streaming da série.
Mas essas informações podem facilmente passar despercebidas caso não haja uma maior
atenção por parte dos leitores.

Na segunda parte do texto, há uma menção direta à série, relatando que em um “op-ed”
(abreviatura de “opposite editorial page”, ou “página editorial oposta”, que remete à
página de um jornal impresso que traz opiniões de colunistas ou comentaristas) de agosto
de 2013 do próprio jornal, a autora do livro que inspirou a série chama a distância das
mulheres presas e suas famílias de “uma segunda sentença”, dando gancho para que se
inicie uma discussão sobre os relacionamentos fora e dentro dos muros da prisão. Embora

24
< https://www.nytimes.com/paidpost/netflix/women-inmates-separate-but-not-equal.html>. Acesso
em 26 de fevereiro de 2020.

28
o jornal não diga diretamente para os leitores assistirem à série, o texto aborda
profundamente a questão das mulheres nas penitenciárias norte-americanas.

A matéria pode ser interpretada mais como um anúncio publicitário do que como algo
realmente jornalístico, já que propósito está claro e o patrocínio, indicado. Não obstante,
trata-se de um material com alta densidade informativa, já que traz uma reflexão acerca
do modelo penitenciário feminino. Quando são afastadas de suas famílias e amigos, as
mulheres acabam perdendo um pouco de sua identidade, já que ao adentrar os muros da
prisão, cada uma possui um código pelo qual será identificada. Além disso, o texto
informa que suas vestimentas não são adequadas para o corpo feminino e os produtos de
higiene básica não diferem tipo de pele ou cabelo. Muitas sentem falta dos cuidados
pessoais que tinham antes de entrarem nas celas. Além disso, muitas penitenciárias não
têm instalações adaptadas para as mulheres, fazendo com que suas experiências piorem
ainda mais.

Além de investir na narrativa de história, o texto buscou algo mais informativo ao


consultar dados do Departamento de Estatísticas de Justiça dos Estados Unidos,
informando que, em 2007, 1 milhão e 700 mil crianças tinham um responsável (pai ou
mãe) na prisão, tendo que ser enviadas para membros da família fora de seu estado de
origem ou colocadas em lares de adoção. Sobre os relacionamentos dentro dos muros, há
muitos conflitos tanto com outras presidiárias como com funcionárias, mas grande parte
vê as outras como uma família.

O artigo, além de tratar das questões dentro da penitenciária, relata as dificuldades que as
mulheres enfrentam ao serem liberadas, tanto em relação à visão de terceiros quanto em
relação à procura de trabalhos, que é muito mais difícil para ex-presidiárias. Com tantas
informações, o leitor acaba absorvendo o fato de que há um programa no Netflix que
retrata a vida árdua das mulheres dentro dos muros de uma prisão. No jornal “The New
Yok Times”, em “O Estado de S. Paulo”, na “Folha de S. Paulo” ou nas revistas da Editora
Abril, o que se percebe é a tendência, cada vez maior, de mesclar informações
publicitárias ao conteúdo jornalístico.

Referências bibliográficas

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<https://www.consumotecalab.com/geracao-z/>. Acesso: 16 de fevereiro de 2020.

29
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de produção do Estadão e HuffPost. São Paulo, 2018. [103 f.]. Dissertação (Programa
de Mestrado Profissional, Produção Jornalística e Mercado) - Escola Superior de
Propaganda e Marketing. Acesso em: 26/02/2020.

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PUBLIABRIL. Disponível em: <http://publiabril.abril.com.br>. Acesso: 26 de fevereiro


de 2020.

O ESTADO DE S. PAULO. Netflix e Media Lab Estadão publicam a ‘fuga de Pablo


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<http://patrocinados.estadao.com.br/medialab/branded/impresso/netflix-e-media-lab-
estadao-publicam-a-fuga-de-pablo-escobar-na-capa-do-jornal/>. Acesso: 16 de fevereiro
de 2020.

30
Capítulo 3

Branded content e documentário contemporâneo brasileiro: uma


análise sobre o curta-documentário “Ciclos” a partir das relações
híbridas entre as linguagens audiovisuais do jornalismo e da
publicidade

Daniel De Thomaz25

Introdução

O presente artigo pretende refletir sobre como a linguagem audiovisual, em especial o


documentário de entrevistas contemporâneo brasileiro, vem sendo utilizada pela
Publicidade na elaboração de conteúdos para campanhas publicitárias de marcas. Para
isso, foi feita uma análise do curta-documentário Ciclos, realizado pela produtora Vice
Brasil, para o Banco Itaú Unibanco, veiculado no ano de 2017. A partir desse material
audiovisual, identificamos o percurso das principais mudanças ocorridas nas áreas de
atuação do jornalismo e da publicidade a partir do conceito de marketing de conteúdo.
Observamos também aspectos narrativos tradicionalmente atribuídos aos documentários
utilizados para associar valores como verdade e realismo à marca, configurando uma
possível tendência no marketing de conteúdo de linguagens híbridas.

Na virada do milênio, os grandes conglomerados midiáticos sofreram uma das maiores


reviravoltas desde que foram criados. Sob os auspícios da convergência digital, termo que
desenvolveria uma nova cultura e comportamento, nas palavras de Henry Jenkins (2006),
as mídias tradicionais (televisão, rádio, jornais, revistas, fotografia, cinema e literatura)
perderam seus domínios exclusivos, dando lugar ao que hoje são chamadas novas mídias,

25
Professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda – Centro de Comunicação e Letras –
Universidade Presbiteriana Mackenzie.

31
lideradas pelas redes sociais. Essas mudanças tecnológicas e culturais não extinguiram
suas antecessoras. Pelo contrário, ambas conseguem coexistir pacificamente, porém em
novas relações onde, agora, imperam conteúdos e plataformas mediados por um agente
que até então sempre fora passivo: o público.

De uma massa humana sem nome e rosto, dividida em faixas etárias, em minutos e
segundos cujos valores chegavam a ser astronômicos, o indivíduo comum se emancipou
e ganhou autonomia em suas escolhas. O modelo tradicional de compra e venda de
produtos já não é suficiente para essa nova personalidade midiática. Ela mesma faz sua
grade de programação e a acompanha ubiquamente, quando, onde e na plataforma que
lhe for mais conveniente. Além disso, as pessoas querem fazer parte da comunidade da
marca, de forma efetiva. Ou seja, aquele indivíduo passivo dos anos 1980 agora escolhe
as histórias com as quais se identifica. E esse poder não se restringe apenas à escolha em
si dos conteúdos e produtos com os quais pretende interagir de forma ativa. O público
também produz seus próprios conteúdos em seus dispositivos pessoais e os veicula em
seus canais, exercendo uma influência jamais vista, muitas vezes com milhares ou mesmo
milhões de seguidores.

Nesse contexto, as profissões da área da Comunicação foram afetadas. A convergência


midiática e a revolução digital vêm modificando e barateando procedimentos de
planejamento e produção técnica que até então se restringiam a determinadas instituições
e ocupações profissionais. As áreas mais atingidas certamente foram aquelas ligadas ao
Jornalismo e à Publicidade. Historicamente interdependentes, essas irmãs agora estão se
tornando quase siamesas pelo fenômeno da convergência. Suas fronteiras são cada vez
mais tênues a ponto de, praticamente, se apagarem ou se fundirem em um terceiro ente,
muitas vezes chamado de branded content, ou marketing de conteúdo. E é justamente
sobre um desses momentos de fusão, de hibridismo entre linguagens semelhantes, mas
com funções distintas, que o presente artigo pretende refletir.

O fenômeno híbrido aqui analisado é representado pelo curta-documentário “Ciclos”,


produzido pela empresa Vice Brasil a pedido do Itaú Unibanco, e veiculado a partir de 30
de janeiro de 2017 em múltiplas plataformas. Estreando na rede de salas de cinema do
banco e hoje contando com 133.484 visualizações26, essa peça é o fio condutor para a

26
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=WHO31WxVwCE&t=2s e acessado em 10 de
janeiro de 2020.

32
reflexão sobre diversos aspectos pertencentes à interface entre o Jornalismo e a
Publicidade. O estudo sobre esse conteúdo de marca poderá permitir a reflexão sobre a
fusão entre as profissões, a nova natureza dos conteúdos híbridos nascidos desse processo
e alguns dos resultados obtidos pela intensa participação de público ao longo da
campanha. Nos interessa, sobretudo, identificar aspectos específicos do conteúdo
audiovisual. Nele, poderemos compreender como estratégias narrativas historicamente
desenvolvidas em audiovisuais nativos do cinema-documentário e do jornalismo estão
sendo apropriadas pelas marcas para atribuir verossimilhança, credibilidade e
preocupação com a informação de utilidade pública como, por exemplo, o discurso da
mobilidade sustentável nos grandes centros urbanos. Essas metas, antes perseguidas por
produtores independentes, cineastas e empresas jornalísticas, hoje fazem parte de um
amplo cardápio estratégico de marketing de conteúdo de grandes empresas e indústrias.
No caso aqui exemplificado, uma instituição bancária, cujo protagonismo no uso da
bicicleta está entre seus objetivos institucionais.

Conteúdos patrocinados e branded content

A revolução digital abalou profundamente as bases do mundo do trabalho. Todos os


modelos de atuação estão sendo revistos. O perfil é de um profissional mais adaptado ao
cenário da convergência. E isso pode ser notado nas notícias sobre as reestruturações das
empresas de comunicação. Nelas, é comum que setores anteriormente apartados por
especificidades técnicas sejam integrados, visando à otimização de custos e processos.
Um exemplo disso foi a matéria produzida pelo portal Comunique-se (2018) sobre as
reestruturações realizadas entre o final de 2017 e começo de 2018. A Band, por exemplo,
fez 80 demissões no começo daquele ano. Já a integração das redações do jornal O Globo
com a da revista Época levou ao corte de 30 funcionários.

Nesse cenário, podemos observar que o território tradicionalmente ocupado e conquistado


pelo jornalismo ao longo dos últimos séculos encontra-se ameaçado pelo surgimento de
novos produtores de conteúdo sem formação específica na área, como blogueiros e
youtubers, que conquistaram enormes audiências, levando os profissionais a reverem
papéis e estratégias. Por outro lado, agências de publicidade e anunciantes buscam canais
de investimento que deem maiores retornos (e façam mais sentido) para as marcas e para
seus públicos. Esse contraste revela que certos conceitos, técnicas e divisões
33
anteriormente estabelecidas estão em plena movimentação de convergência. Certos
princípios norteadores do jornalismo começam a ser reinterpretados, como, por exemplo,
que a ação jornalística se esgota na finalidade de informar e não vai além da recepção da
mensagem, momento do início de outros processos (CHAPARRO, 2007). A proposição
do autor está diretamente ligada à divisão tradicional do trabalho em comunicação, como
assevera outro autor da definição abaixo, publicada em fins dos anos 1970:

Informação de atualidade, ou Jornalismo, que tem como fim específico


a difusão objetiva de fatos através da informação e interpretação dos
acontecimentos que são notícia. Propaganda – difusão de ideias ou
doutrinas pela via da sugestão emotiva, para alcançar certo grau de
coação entre receptores. Anúncio - difunde mercadorias entre
consumidores, em um regime de mercado competitivo. Relações
Públicas – difusão parcial de fatos e ideias relacionadas com uma
atividade ou serviço com o objetivo de criar um clima de cordialidade
pública favorável a esse serviço. (ALBERTOS, 1977, p. 49)

Os limites do Jornalismo e da Publicidade parecem estar se apagando nas últimas décadas.


Como poderemos ver, no atual contexto, o processo jornalístico não se encerra mais na
recepção da mensagem. Ele é um elemento que, na função de conteúdo de marca, por
exemplo, pode ser o início e o fim de um plano estratégico de marketing, unindo diversas
equipes de trabalho em função de uma meta atingida por meio de uma identificação com
o público.

Outras definições e divisões entram em choque com o atual modelo. O que


tradicionalmente se organizava em departamentos e norteava o trabalho das equipes
também conceituava as áreas de atuação profissional, como podemos observar nas
palavras do pesquisador José Marques de Melo:

Jornalismo, Propaganda e Relações Públicas são atividades


informativas essencialmente diferentes tendo como fronteira o território
da persuasão. Enquanto a propaganda e as relações públicas processam
mensagens que pretendem persuadir e levar os cidadãos à ação,
adentrando muitas vezes o espaço do imaginário, e apelando para o
inconsciente, o jornalista atem-se ao real. (1985, p. 42)

Da afirmação acima, chama a atenção a utilização do termo “real” atribuído ao


jornalismo. A larga utilização do efeito da realidade produzido, possivelmente herança
dos veículos de comunicação em sua era de apogeu, aos poucos, como veremos, tornou-
se um recurso narrativo atribuído a qualquer objeto. Como lembra Charaudeau (2015)

34
sobre as informações veiculadas pelos meios de comunicação tradicionais como
noticiários, na zona de transação do enunciado proposto, o público não discute nem
questiona, simplesmente aceita. Conforme assevera (2015, p. 54), essa posição de
apagamento do sujeito e de aparente neutralidade do engajamento produz efeito de
objetivação e autenticação. Dessa forma, o sujeito que mostra traz uma informação como
se a verdade não pertencesse a ele e só dependesse de si mesma. Como veremos nos
conteúdos de branded content, o apagamento do sujeito, no caso, uma marca ou um
produto, também é desejado para cumprir esse já tão incorporado efeito do real sobre o
público.

Em meio a tais contrastes, as agências de publicidade passam a criar suas campanhas cada
vez mais atentas a como as empresas se comunicam com seus consumidores. A partir
dessa observação, surge, no mercado de comunicação, a necessidade de seus profissionais
reverem não só o modelo, mas principalmente como deve ser construído o conteúdo de
sua criação. Mais do que escolher comprar um determinado produto, os consumidores
querem se relacionar e se conectar emocionalmente com as marcas. Esperam que elas
lhes tragam histórias inspiradoras e que possam viver uma experiência completa de
interação e colaboração. Por isso,

para conquistar essa dimensão, os profissionais da comunicação


passaram, então, a desenvolver planejamentos estratégicos que
consideram a criação de experiências relevantes (e afetivas) com seus
usuários, capazes de construir resultados sustentáveis para as marcas.
(BORTOLETO, 2020, p.27).

É a era da economia afetiva. Segundo a lógica da economia afetiva, o consumidor ideal é


ativo, compreendido emocionalmente e parte de uma rede social. Ver o anúncio ou
comprar o produto já não basta: a empresa convida o público a entrar na comunidade da
marca. Além disso, é necessário que as marcas de sucesso sejam construídas pela
exploração de múltiplos contatos entre a marca e o consumidor (JENKINS, 2006). A força
de uma conexão é medida em termos de seu impacto emocional.

Essa nova lógica, baseada em sentimentos e emoções, impõe a necessidade de


desconstrução das já ultrapassadas técnicas publicitárias de persuasão, normalmente nada
sutis. Entre as novas formas de convencimento, notamos a utilização frequente de uma
das formas mais antigas de troca de experiência e conhecimento entre as pessoas: as
histórias. Elas são mecanismos de difusão de conhecimentos e relações humanas, gerando

35
identificação e conexão imediatas. Nessa onda, surge o conceito de transmedia
storytelling, ou seja, contar boas histórias de marcas e distribuí-las nas plataformas mais
adequadas. Esse novo desafio está colocado aos profissionais e empresas que passam a
aprender a manusear estratégias que permitam que áreas como cinema, teatro e literatura
desenvolvam suas narrativas com eficiência. Esses novos construtos precisam dialogar
com seu modelo de atuação, essência e valores. Essa estratégia nasce da necessidade de
capturar a atenção da audiência, cada vez mais pulverizada. É o marketing de conteúdo,
cuja abordagem ultrapassa as simples características dos produtos e serviços para permitir
uma

abordagem de marketing estratégico focada na criação e distribuição de


conteúdo valioso, relevante e consistente para atrair e reter uma
audiência claramente definida e, em última análise, impulsionar a ação
lucrativa dos clientes (CMI, s.d.)

Como nos explica Andrea Semprini (2010), as marcas precisaram se realinhar,


encontrando novos espaços de atuação em um contexto marcado pela ampliação do
arsenal midiático e pela busca das pessoas por transparência e por iniciativas de inovação
que realmente façam diferença na vida delas. Tal constatação comprova o evidente
desgaste dos formatos dos anúncios presentes nas plataformas digitais, como banners e
pop-ups. Uma pesquisa da Page Fair (CORTLAND, 2017), empresa irlandesa, em
parceria com a Adobe, constatou que o número de usuários da internet que passou a usar
os ad blockers (programas que bloqueiam publicidade digital) cresceu 41% entre 2014 e
2015. A quebra do fluxo de leitura por um anúncio digital certamente vem incomodando
o público. Diante disso, restou às marcas uma estratégia mais direcionada ao
escamoteamento ou até mesmo camuflagem de seus reais interesses de venda. Assim, em
vez de aparecerem como meros anunciantes, começam a patrocinar conteúdos pelos quais
o seu público tivesse verdadeiro interesse e que podem ser produzidos por ela própria ou
por terceiros, ou mesmo apoiar financeiramente um conteúdo já existente. Dessa
necessidade de reinvenção e sobrevivência, surge uma das principais formas de
hibridismo entre Jornalismo e Publicidade, os conteúdos patrocinados por marcas, ou
publieditoriais. Assim, as marcas começam a caminhar para além de seus mercados e
ocupar novos espaços simbólicos na sociedade, na cultura e no imaginário dos seus
públicos (SEMPRINI, 2006).

36
Diversas iniciativas surgem. Os estúdios de produção de conteúdo nascem dentro das
próprias empresas jornalísticas e começam a dialogar com o mercado. Esses conteúdos
demandam profundidade de pesquisa, organização das informações em formato de
reportagem ou notícia e também qualidade apurada do texto final. Esse conteúdo
“premium” começa a se consolidar no mercado, conquistando novas audiências. Os
publieditoriais não podem ser confundidos com as matérias. As reportagens seguem
sendo produzidas pelos departamentos de jornalismo, garantidores da liberdade e
independência editorial. Porém, como mencionamos acima, continuam tendo a função de
anúncios qualificados, mas que, por meio da linguagem e formato criam um elo de
confiança e credibilidade com a marca.

Foi exatamente esse o tipo de conteúdo escolhido pelo Itaú Unibanco e pela produtora
Vice Brasil para auxiliar na divulgação do documentário Ciclos. Além da reportagem
sobre seu lançamento, com entrevistas com o diretor Alexandre Charro, a página
disponibiliza outras reportagens e infográficos sobre a malha cicloviária da cidade, os
aplicativos de intermodalidade e até mesmo um infográfico com dicas do grupo
cicloativista Bike Anjo de como andar de bicicleta na cidade27. A estratégia é clara. A
partir do momento em que o visitante acessou e leu a informação, e viu valor nela, ele
passa a reconhecer o esforço da marca e, consciente ou inconscientemente, cria para si
um sistema de recompensa. Dessa forma, o consumidor passa a estar no centro das ações,
num processo de “presença ativa” em meio às marcas. No caso exemplificado, podemos
notar a repercussão da participação ativa do público em diversas outras ações do banco,
que promovem o cicloativismo, desenvolvendo assim o conceito de comunidade de
marca.

As comunidades de marca realizam funções importantes em nome da marca, como


compartilhar informações, perpetuar a história e a cultura da marca e fornecer assistência
a outros usuários. Oferecem uma estrutura social ao relacionamento entre o vendedor e o
consumidor. As comunidades exercem pressão sobre os membros para que se mantenham
fiéis ao grupo e à marca (JENKINS, 2006). Além de página na rede social, atualmente
com mais de 4 mil seguidores28, onde diversas informações sobre rotas seguras de
bicicletas e experiências de ciclistas são compartilhadas, a marca mantém ainda diversos

27
http://estudio.folha.uol.com.br/projetociclos/. Acessado em 10 e janeiro de 2020.
28
https://www.facebook.com/bikesampa. Acessado em 10 de janeiro de 2020.

37
conteúdos em vídeo disponibilizados no Youtube como tutoriais29 e histórias de vida.
Aliás, é importante lembrar que o banco foi responsável pelo primeiro sistema de
compartilhamento de bicicletas na cidade de São Paulo, o Bike Sampa30, uma parceria
entre a iniciativa privada e a Prefeitura de São Paulo lançada em 2012 que hoje
disponibiliza 2.600 bicicletas distribuídas em 260 estações na cidade de São Paulo, com
milhares de usuários cadastrados. Essa intensa participação do público fez o projeto se
expandir para 14 capitais brasileiras e uma capital estrangeira, Santiago do Chile. O
resultado aponta para um forte engajamento na causa da mobilidade sustentável e da
qualidade de vida nos grandes centros urbanos. Mais uma vez, a estratégia de
comunicação centrada nas necessidades do consumidor garante os resultados. Como
assevera Jenkins (2006, p. 67), nos dias de hoje, os consumidores de marca se
movimentam on-line, conseguem sustentar as conexões sociais por longos períodos e,
assim, podem intensificar o papel que a comunidade desempenha em suas decisões de
compra, aumentam o número de consumidores potenciais que interagem com a
comunidade e ajudam a levar consumidores casuais a um envolvimento mais intenso com
o produto. Na outra ponta, a marca passa a ser responsável pela “experiência receptiva”
que pode proporcionar ao consumidor (GABRIEL, 2010, p. 76).

Iniciativas como essa colocam juntos, em uma mesma missão, jornalistas especializados
em produzir conteúdos pesquisados com apuração, sob uma lógica narrativa, e
publicitários com suas práticas e seus conhecimentos em marketing e vendas. Desse
encontro, nasce a perspectiva de criação de novos caminhos para a comunicação, entre
eles, o promissor branded content.

Primo dos formatos da propaganda, esse tipo de conteúdo tem por missão dialogar com
temas contemporâneos e causas sociais, além de apresentar um forte teor emocional. Sua
elaboração exige alta capacidade criativa e de inovação, possibilitando, assim, a produção
de narrativas que geram a motivação e o engajamento de seus públicos. É, portanto, uma
estratégia com qual as marcas conseguem se pronunciar, construir um discurso
ideológico, afirmando sua visão de mundo com base na criação de uma mensagem
genuína, que a diferencia dos concorrentes e permite a construção de sua identidade. O
caso aqui estudado envolve diretamente o branded content denominado “Ciclos”. Mas

29
https://www.youtube.com/watch?v=ka3GjKAKj0g. Acessado em 10 de janeiro de 2020.
30
<https://www.itau.com.br/imprensa/releases/bike-sampa-inicia-atividades-em-cinco-novas-estacoes-
neste-sabado.html>. Acesso em 11 de janeiro de 2020.

38
não se esgota somente no documentário. Outras ações são desenvolvidas para que não se
restrinjam a um único momento. O objetivo é estimular uma cultura da participação,
desenvolvendo constantes convites de participação do público31. Mesmo com alto retorno
comercial32, o branded content não se concentra apenas em objetivos comerciais, mas no
enriquecimento da imagem da marca em relação aos seus públicos e à sociedade. Assim,

o branded content nasce num espaço que é só dele, num movimento de


dentro para fora, do coração da marca para o coração do público, por
meio de conteúdos cheios de significados, construídos para promover
conversas sociais, fazendo com que elas ganhem o maior alcance
possível. (BORTOLETO, 2020, p.101).

A estratégia parece surtir efeitos. Segundo uma pesquisa feita pela Nielsen (2016), os
consumidores lembram mais das marcas que geram conteúdos próprios do que das marcas
que fazem anúncios tradicionais. Esse estudo foi feito com a mesma empresa em dois
contextos diferentes: ela teve um retorno de 86% quando compartilhou conteúdo próprio
e de 65% com uma propaganda tradicional. Outros indicadores como afinidade, intenção
de compra e recomendação seguiram a mesma tendência.

O primeiro objetivo do branded content é ganhar o coração das pessoas


com conteúdos que tenham alta carga emocional e/ou simbólica e que,
por consequência, gerem valor para a marca. (BORTOLETO, 2020,
p.107)

Na ponta desse processo de produção de conteúdos emotivos e simbólicos está o


audiovisual. Pensado e desenvolvido para emaranhar diversos recursos narrativos de
matrizes visuais (imagens, videografismos e animações), verbais (textos escritos) e
sonoras (falas, ruídos e música), eles costumam impactar o público significativamente
como mensagem de valor. Conforme demostra pesquisa realizada em 2017 pela
Provokers e divulgada pelo periódico Meio & Mensagem, o consumo de vídeos pela
internet cresceu 90% em apenas três anos. Além disso, 83% das pessoas responderam que

31
O banco Itaú Unibanco mantém um canal no Youtube em que, a partir de setembro de 2019, o público
pode acessar vídeos sobre experiências de ciclistas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Consistem
em entrevistas onde pessoas comuns contam suas experiências ciclísticas nessas cidades a jornalistas
cicloativistas como Renata Falzoni. A web série tem o sugestivo nome de Diários da Bicicleta, referência
clara ao filme Diários da Motocicleta (2004), de Walter Salles (membro da família proprietária do banco)
e está disponível em <www.youtube.com/watch?v=1he2uX3RVjs>. Acesso em 10 de janeiro de 2020.
32
Um estudo realizado pela Business Insider (DEARO, 2017), um dos maiores canais de notícias de
negócios web, mostra que a projeção de faturamento com branded content nos Estados Unidos, pulou de
US$ 8 bilhões, em 2015, para US$ 21 bilhões, em 2018. (BORTOLETO, 2020).

39
buscam conteúdos que não passam na TV em vídeos da internet. Identificados os
conteúdos de maior acesso, a pesquisa constatou também que a audiência se concentrava
em vídeos que contavam histórias interessantes. E na construção dessa narrativa, o
recurso de storytelling é uma ferramenta essencial. Afinal, essa estratégia permite que as
marcas conheçam ou revisitem suas crenças e valores e saibam contar suas próprias
histórias. Por fim, essas narrativas precisam gerar significado e conexão com a audiência.

O branded content vem se firmando na mídia brasileira. Como dito, os grandes veículos
já montaram suas áreas para comercialização de conteúdos editoriais sob encomenda de
empresas. Mas o que vem mudando é a forma como são apresentados. Tradicionalmente,
os informes publicitários e os publieditoriais são veiculados de forma a distingui-los do
restante do material jornalístico, delimitando o território da publicidade e do marketing.
A barreira foi rompida, ainda que haja certo pudor. No caso em questão, a empresa Vice
Brasil foi quem criou e desenvolveu o conteúdo a pedido do Banco Itaú Unibanco, ao
longo do ano de 2016. O conteúdo menciona discretamente a marca Itaú Unibanco na
abertura, apenas com seu logo. O curta-documentário de 29 minutos e 37 segundos
estreou inicialmente nas salas de cinema Itaú Unibanco, na cidade de São Paulo, e a partir
de janeiro de 2017 foi veiculado em diversos canais da internet, conforme informado ao
longo desse artigo. A Vice Brasil, inaugurada em 2009, é filial da matriz norte-americana
e tem o objetivo de produzir conteúdo jornalístico e revestir parte dele de produto
comercial à disposição das marcas (MURAKI, 2016).

No Brasil, a Vice tem realizado projetos com marcas que querem falar com a geração
millenial (também conhecida como geração Y ou geração da internet, nascidos após o
início da década de 1980 até 1995), como Nike, Skol, Ray-Ban e Smirnoff. São ações que
envolvem a cobertura jornalística de eventos, cujas reportagens trazem a informação
explícita sobre o patrocínio, ou a produção de vídeos para exibição no site ou apenas nos
canais próprios das empresas. O veículo se tornou assim uma agência de criação de
marketing e, para isso, conta com seu conhecimento do que querem os millenials, de sua
linguagem e de seus hábitos de consumo (MURAKI, 2016). O tom da produção da Vice
Brasil acompanha a matriz, ou seja, é centrado em abordagens envolventes, de forte apelo
emocional, como alerta a jornalista: “O leitor é enganado, mas se não prestar muita
atenção, leva gato por lebre, sem nenhuma conotação pejorativa nessa comparação”.
(MURAKI, 2016).

40
A Vice Brasil tem uma parceria com a Folha de S. Paulo desde 2015 para a produção de
reportagens em conjunto, o que justifica a página de lançamento do projeto Ciclos
anteriormente mencionada nesse artigo. Esse tipo de produção, que segue o formato
editorial, possibilita que a marca dê seu primeiro passo para a construção da confiança e
da gratidão de sua audiência, sentimentos que são a base para um relacionamento de longo
prazo, que não esteja pautado na venda imediata para alguém que nunca mais vai voltar
a procurá-la. É uma ação de forte interação e engajamento do público. Um conteúdo tão
interessante que passa a ser uma experiência promissora de um mundo com significado.
Como nos explica Andrea Semprini (2010, p. 21), um mundo possível é uma construção
de sentido altamente organizado, no qual confluem elementos narrativos, fragmentos do
imaginário, referências socioculturais, elementos arquetípicos e qualquer outro
componente que possa contribuir para tornar este mundo significativo para o destinatário.

Esses conteúdos geralmente apagam complemente as marcas e seus negócios. Como é


centrado na audiência, só é possível contar histórias a partir do que ela sente. Não importa
se a escolha é uma ficção ou um conteúdo documental (BORTOLETO, 2020, p.125).
Além disso, as marcas também podem utilizar esses conteúdos para educar sua audiência
em relação a determinado tema ou promover um processo de educação. No nosso caso
em particular, o objetivo do curta-documentário parece ter sido esse mesmo. O tema
escolhido foi o debate em torno de uma grande questão contemporânea, as possíveis
opções para a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida nas grandes cidades. A
cobertura jornalística da época afirma justamente isso:

Com Ciclos queremos convidar as pessoas a refletirem sobre a


mobilidade urbana nas cidades, alcançando especialmente aquelas que
não têm a bicicleta inserida no seu dia-a-dia”, afirma Luciana Nicola,
superintendente de relações governamentais e institucionais do Itaú
Unibanco. “Acreditamos que o Itaú, na condição de maior banco
privado do Brasil e um dos maiores do mundo, tem o papel de devolver
para a sociedade iniciativas que contribuam para o seu desenvolvimento
integral. E o incentivo ao uso da bicicleta como transporte ativo é uma
delas”, completa a executiva. (PROPMARK, 2017).

Sobre a forma de apresentação desse conteúdo, a Vice Brasil afirma que houve um grande
cuidado em deixar de lado a romantização da bicicleta, saindo da esfera dos interesses
individuais e focando em tensões sociais importantes para a mobilidade ativa. Gabriel
Klein, head de criação da Vice Brasil à época, afirmou ser o curta-documentário um
conteúdo bastante humano e verdadeiro, que, em sua opinião, vai além do já convencional

41
branded content (PROPMARK, 2017). Mais uma vez podemos refletir sobre o parcial ou
completo apagamento do sujeito enunciador da mensagem, recurso recorrente nas mídias
tradicionais (CHARAUDEAU, 2015), mas atualmente desejado pelas marcas. Ser mais
do que um convencional branded content, como afirmou Klein, seria como se o efeito de
realidade ganhasse contornos da própria realidade que a marca quer inferir no mundo de
significados que constrói. Para isso, em seus conteúdos, faz uso de ferramentas narrativas
que ampliam a sensibilidade da audiência e fortalecem o engajamento. A seguir,
verificaremos como algumas delas são oriundas de outras linguagens, como a
cinematográfica e o jornalismo.

Hibridismos no documentário contemporâneo

O recurso do storytelling é o mais recorrente na construção de narrativas audiovisuais de


conteúdos de marca. Storytelling é a arte ou a técnica utilizada para contar qualquer tipo
de história, de um filme ou uma campanha publicitária a uma informação comercial ou a
apresentação de uma empresa (NUNEZ, 2009). Já Adilson Xavier (2015) nos sugere três
definições de storytelling, a saber, 1) Pragmática: é a tecnoarte de elaborar e encadear
cenas, dando-lhes um sentido envolvente que capte a atenção das pessoas e enseje a
assimilação de uma ideia central; 2) Pictórica: é a tecnoarte de moldar e juntar as peças
de um quebra-cabeças, formando um quadro memorável e 3) Poética: é a tecnoarte de
empilhar tijolos narrativos. Em qualquer um dos casos, os ingredientes de uma narrativa
atraente e envolvente parecem ser os mesmos, desde as mais remotas eras. São sempre
histórias interessantes, emocionantes, que tirem as pessoas do lugar-comum com
personagens que sejam cativantes e que apresentem características humanas com as quais
a audiência possa se reconhecer facilmente. Além disso, como recomenda o “monomito
ancestral” de Campbell (1990), é fundamental que exista uma jornada, ou seja, o caminho
percorrido pelo personagem para alcançar um objetivo. Como sempre, nele, o herói
precisa sempre sair transformado, nunca deve terminar a trajetória do mesmo jeito que
começou. Na trama, uma série de acontecimentos encadeados levam os personagens a
enfrentar desafios e obstáculos, estimulando-os a encontrar suas próprias resoluções.
Também há sempre um conflito, determinado por impasses e forças antagônicas que
colocam outro personagem (ou evento) em oposição ao protagonista. Da combinação
equilibrada desses elementos narrativos, surge o conteúdo acrescido de recursos técnicos
no processo de captação, edição e finalização do conteúdo como veremos a seguir.
42
No caso de Ciclos, as personagens são pessoas comuns que têm relações em diferentes
níveis com a bicicleta e a cidade de São Paulo. Magrão, 52, é o professor e cicloativista
que vive na zona leste; a florista Carol, 35, usa a bike para entregar seus arranjos; Lorena,
27, é uma advogada e atriz que está começando a pedalar. Além dos três protagonistas,
há personagens secundários, como um representante de bairro que não é contrário às
ciclovias implantadas, mas acredita que as ruas de São Paulo deveriam ter sido melhor
planejadas, um taxista favorável às ciclofaixas e uma instrutora da ONG Bike Anjo que
ajuda Lorena a dar suas primeiras pedaladas. Embora os personagens principais estejam
em São Paulo, há cenas filmadas na Cidade do México, onde um cicloativista comenta a
relevância do uso da bike em uma megacidade. Com exceção do último, todos esses
personagens reais tem como cenário a cidade de São Paulo. A partir de seus relatos, a
história da cidade é reescrita. Ao contarmos e recontarmos as histórias, atribuímos
dinâmica à narrativa, complementando seus sentidos, pois contar histórias

(...) sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as


histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais
fia ou tece enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece
de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando
o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira
que adquire espontaneamente o dom de narra-las. Assim se teceu a rede
em que está guardado o dom narrativo. (BENJAMIN, 1987, p.37)

Como salienta o autor, o movimento de contar e recontar histórias proporciona


protagonismo de sujeitos e fatos muitas vezes invisíveis na cidade. Essas narrativas
ultrapassam tempo, espaço, presente e passado, tonando-se amplas e plurais, atualizando
o contexto e as memórias coletivas a partir de novas interpretações.

A produção de um documentário, por excelência, e seu uso como linguagem permite uma
melhor noção de conhecimento histórico baseado no modo de vida de sujeitos sociais e
seu ambiente. Dessa forma, essa nova forma de enxergar a realidade, a partir da ampliação
dos horizontes de materialização dos fatos e dos acontecimentos não oficializados,
permite colocar em dúvida as narrativas oficiais, aquelas reproduzidas entre grupos
sociais como verdades a serem partilhadas e estabelecidas. Ao recontar a história da
cidade, a partir do conceito da mobilidade sustentável, do uso da bicicleta no caótico
cenário urbano, o documentário permitiu a entrada de novos agentes sociais que até então
permaneciam ausentes. Ao utilizar a linguagem audiovisual como narrativa para recontar
histórias, cria-se um ambiente de diálogo entre história, propriamente dita, cultura
popular, memória e identidade. É uma tentativa de redimensionamento do olhar para

43
muitas releituras possíveis das narrativas oficiais ou silenciadas da cidade, um discurso
que é

(...) resultado da leitura, construção do sujeito que a lê, enquanto espaço


físico e mito cultural, pensando-a como condensação simbólica e
material e cenário e mudança, em busca de significação. Escrever,
portanto, a cidade é também lê-la, mesmo que ela se mostre ilegível a
primeira vista; e engendrar uma forma para essa realidade sempre
móvel. Mapear seus sentidos múltiplos e suas múltiplas vozes e grafias
e uma operação poética que procura apreender a escrita da cidade e a
cidade como escrita, num jogo aberto a complexidade. (GOMES, 1994,
p. 45).

Nas palavras do documentaria inglês John Grieson, o documentário é o tratamento


criativo da realidade que norteia o documentarista (NICHOLS, 2005, p. 51). Portanto,
espera-se mais da representação do que da reprodução da realidade. No documentário,
convenciona-se utilizar recursos que o distinguem como os cortes para introduzir imagens
que ilustrem a situação mostrada numa cena e a gravação do som direto. Ao contrário da
montagem da continuidade, que se propõe a organizar os cortes para dar a sensação
de tempo e espaço únicos, unificados, a montagem de evidência típica do documentário
organiza-os dentro da cena de modo a dar a impressão de um argumento único,
convincente, sustentado por uma lógica (NICHOLS, 2005). Essa técnica, amplamente
utilizada nos filmes documentários, tem uma função comprobatória. Os documentários
reúnem provas e, em seguida, utilizam-nas para construir sua própria perspectiva ou
argumento sobre o mundo, sua própria resposta poética ou retórica para o mundo. Dessa
forma, como objetivo final, os documentários transmitem uma lógica informativa, uma
retórica persuasiva, uma poética comovente, que prometem informação e conhecimento,
descobertas e consciência.

Ciclos faz uso de diversas técnicas do documentário com o objetivo de cumprir essa
lógica. Dentre elas, a forma como os personagens narram suas histórias é especialmente
notável na escolha do diretor Alexandre Charro. Ao longo dos depoimentos, apaga-se
completamente a figura do mediador ou interlocutor, aquele que estaria responsável em
mediar o contato dos personagens com o público. Todas as cenas são gravadas como se
fossem flagras gravados no exato momento em que acontecem. Esse recurso nos remete
novamente a Nichols (2015), quando, em sua classificação sobre os tipos de
documentários existentes, menciona o modo observativo. Segundo ele, a partir da década
de 60, avanços tecnológicos transformaram os pesados equipamentos de gravação de

44
vídeo e áudio em leves dispositivos móveis. Isso facilitou o deslocamento da equipe de
filmagem para qualquer local utilizando câmeras com grande autonomia de baterias e
centenas de fitas magnéticas. Os resultados foram surpreendentes. Diretores como Robert
Drew, nos Estados Unidos, e Jean Rouch, na França, fazendo uso desse recurso em seus
filmes33, cunharam a expressão “cinema direto”, ou seja, uma linguagem cinematográfica
onde aparentemente não há intervenção do cineasta nas cenas, as coisas simplesmente
“acontecem”. Assim,

(...) olhamos para dentro da vida no momento em que ela é vivida. Os


atores sociais interagem uns com os outros, ignorando os cineastas.
Como na ficção, as cenas costumam revelar traços de caráter e
individualidade. Fazemos inferências e tiramos conclusões baseadas no
comportamento que observamos ou a respeito do qual ouvimos.
(NICHOLS, 2015, p.148).

Com isso, o isolamento do cineasta na posição de observador pede que o espectador


assuma um papel mais ativo na determinação da importância do que se diz e faz. Todas
as formas de controle que um cineasta poético ou expositivo poderia exercer na
encenação, no arranjo ou na composição de uma cena foram sacrificadas à observação
espontânea da experiência vivida (NICHOLS, 2015). E é exatamente esse o efeito
desejado de Ciclos: viver a experiência. Além disso, o testemunho de alguém que apenas
registra, um voyeur, contribui para a sensação de realidade e confiabilidade dos
testemunhos. Na ficção, por exemplo, as cenas são arquitetadas para que vejamos e
ouçamos tudo, ao passo que as cenas do documentário observativo representam a
experiência de pessoas reais que, por acaso, testemunhamos. Em todas elas, a câmera não
aparece, pois seria contra a premissa dos documentários observativos, segundo a qual o
que vemos é o que teria acontecido se a câmera não estivesse ali para observar. Na época
em que esse estilo floresceu e nos anos seguintes, o público absorvia naturalmente o efeito
desejado. Porém, com o tempo, uma questão se colocou nesse modo criativo de
representar a realidade: quanto do que vemos seria igual se a câmera não estivesse lá, ou
quanto seria diferente se a presença do cineasta fosse mais facilmente reconhecida?
Questões filosóficas à parte, a técnica se consagrou como estilo e desde então vem
influenciando cineastas e jornalistas no mundo todo.

33
“Primárias” (Drew) e “Crônica de um verão” (Rouch e Morin), ambos de 1960, são excelentes
exemplos de filmes que fazem uso dessa linguagem.

45
No Brasil, não por acaso, um dos seus mais expressivos representantes é o cineasta João
Moreira Salles. Seu pai, Walther Moreira Salles, foi ministro de Estado e embaixador e,
como banqueiro, foi o maior acionista da União de Bancos Brasileiros (Unibanco), hoje
incorporado ao Banco Itaú. Mas, a exemplo do irmão, o cineasta Walter Salles, e
incentivado por ele, dedicou-se ao cinema. Seu primeiro trabalho, em 1985, foi o roteiro
para a série "Japão, uma Viagem no Tempo", exibida na extinta TV Manchete 34. Desde
então, o cineasta já filmou inúmeros documentários e hoje configura entre os maiores
realizados do gênero observativo no país. Coincidência ou não, a obra de Salles
certamente inspirou Alexandre Charro, pois as técnicas de apagamento do narrador e
testemunho velado da realidade de fato são praticamente as mesmas utilizadas em
documentários do cineasta como “Nelson Freire” (2003) e “Entreatos” (2004).

Para Lins (2008), a obra de Salles traz o cinema de observação, aspira à invisibilidade da
filmagem, registrando indivíduos reais como se a equipe não estivesse presente, retirando,
na montagem, qualquer indício de uma interação mais evidente com os personagens.
Segundo a autora, esse estilo é bastante representativo do documentário brasileiro
contemporâneo, orientado pela recusa do que é “representativo” e privilegiando a
afirmação de sujeitos singulares, dois traços marcantes de diferenciação do chamado
documentário moderno, em particular aquele produzido no decorrer dos anos 60. No
Brasil, o estilo singularizado, baseado em histórias de pessoas comuns, é inaugurado por
Eduardo Coutinho, em “Cabra marcado para morrer” (1964/1984), um “divisor de águas”,
segundo Jean-Claude Bernardet, entre o cinema moderno dos anos 60 e 70 e o
documentário das décadas de 80 e 90. No enredo, quando Coutinho retoma o filme na
década de 80, não se trata mais de implantar um projeto estético coletivo, engajando
camponeses e intelectuais numa experiência comum, com fins didáticos e de promoção
da luta camponesa. Trata-se agora de um indivíduo em busca de outros indivíduos (LINS,
2008).

E é essa a forma como é construída a narrativa de Ciclos, um entrelaçamento de histórias


de vidas de pessoas comuns, mas únicas porque são indivíduos. Porém, a essência da
mensagem ainda traz diferenças fundamentais da linguagem predominante do
documentário brasileiro contemporâneo inaugurado por Coutinho. Como bem observou

34
< http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa13466/joao-moreira-salles>. Acesso em 12 de janeiro
de 2020.

46
Ismail Xavier em entrevista, a vontade agora é explorar mais os sujeitos no que têm de
singular. Evitam-se generalizações, a busca dos porquês. Concentra-se na apresentação
de um inventário dos imaginários – enfim outra fenomenologia mais regrada – sem se
deter no problema da relação entre eles e as condições materiais de existência, sem saltos
da experiência imediata para suas implicações sociais e políticas (LINS, 2008, p. 78). Em
Ciclos, no entanto, essa individualidade é apagada, os sujeitos se misturam em um
discurso monológico na medida em que suas experiências e visões estão engajadas em
uma causa comum, no caso, o casamento harmonioso entre suas vidas particulares e a
gigantesca cidade por meio das bicicletas. Não por acaso, é a mesma causa subjacente e
previamente determinada pela marca.

Considerações finais

Nesse artigo, procuramos refletir a respeito das novas relações entre jornalismo e
publicidade na chamada cultura da convergência. Embora ocorram empréstimos entre
linguagens nativas dessas duas áreas, por meio de ações de marketing de conteúdo,
podemos concluir, a partir da análise do curta-documentário Ciclos, que algumas
características primordiais permanecem preservadas. No caso em questão, embora
aproprie-se de estilos consagrados do cinema, como o modo observativo do
documentário, por mais que deseje o apagamento do sujeito da enunciação, o conteúdo
de marca exige engajamento ideológico, relegado ao segundo plano pelos
documentaristas brasileiros a partir dos anos 80. Mas considerando que esse processo de
apropriação de linguagens é permanente e irreversível, não tardará o dia em que as marcas
também utilizarão essa forma supostamente individualizada e descomprometida com
representatividade social em narrativas estilizadas de conteúdos de marca.

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47
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48
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49
Parte II

Formação e mercado de trabalho


para jornalistas e publicitários

50
Capítulo 4

Formação e demandas de mercado para jovens jornalistas:


expectativas e percepções dos egressos do curso de Jornalismo da UPM

Denise Paiero35

Neste capítulo da pesquisa investigamos particularmente a relação entre egressos do curso


de jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e o mercado profissional. O
objetivo principal foi avaliar como a formação recebida no curso e os desafios
encontrados no mercado são percebidos por ex-alunos e ex-alunas que se formaram desde
as primeiras turmas do Mackenzie, há mais de 15 anos, até o formados recentemente, nos
últimos semestres. Essa é uma análise particularmente importante, considerando-se que
o curso de Jornalismo do Mackenzie completa 20 anos em 2020. Portanto, os dados
apontados servem também como um balanço a respeito dos caminhos que têm sido
seguidos pelos nossos alunos.

Dentre as perguntas estiveram questões ligadas à rotina profissional dos egressos, área de
atuação profissional e lacunas percebidas em sua formação. Também foram feitas
perguntas direcionadas ao objetivo principal deste projeto, com foco na percepção dos
egressos sobre a hibridização entre as áreas de jornalismo, publicidade e propaganda,
relações públicas e outras vertentes da comunicação. Vale ressaltar que o mesmo
questionário foi apresentado a egressos do curso de Publicidade e Propaganda da UPM.
Os resultados dessa pesquisa podem ser vistos no capítulo 5 desta pesquisa. A ideia foi
compreender o mercado de trabalho de forma complexa.

35
Professora do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.

51
O questionário foi montado na plataforma Google Docs com 19 perguntas, abertas e
fechadas. A divulgação para a formação do grupo de participantes se deu nas redes sociais
da professora pesquisadora responsável, como foco no Facebook, cuja rede de seguidores
é formada basicamente por ex-alunos do curso de Jornalismo do Mackenzie. Para a
montagem e aplicação das pesquisas, a pesquisadora contou com a ajuda da aluna bolsista
do MackPesquisa Camila Oliveira. 112 egressos do curso de Jornalismo da UPM
responderam ao questionário. Os resultados obtidos são apresentados a seguir:

Todos os respondentes foram alunos do curso de Jornalismo da UPM. Dentre os


respondentes estavam alunos de praticamente todos os anos de existência do curso. O
mais antigo se formou em 2003, portanto, na primeira turma do curso, e o mais recente
havia se formado menos de seis meses antes da aplicação do questionário.

Uma das respostas que mais chamaram a atenção dos pesquisadores se refere à área de
atuação dos egressos, que era abordada na questão 3. Perguntamos: “Em qual tipo de
empresa você atua?” O gráfico abaixo ilustra os resultados:

Quanto a esse resultado, alguns pontos que valem ser ressaltados são:
a. Apesar da sabida crise pela qual o jornalismo tradicional vem passando, apenas 13,4%
dos respondentes afirmaram atuar em área fora da Comunicação.

b. Pouco mais de 20% informaram trabalhar em redações jornalísticas;

52
c. Mais de 57% atuam em áreas relacionadas à Comunicação Corporativa, como Agências
de Comunicação e Assessorias de Imprensa (7,1%). Outros 6,3% afirmam atuar dentro
de Agências de Publicidade.

d. Quase 9% afirmam atuar como empreendedores e/ou freelancers.

Os dados apontam para uma tendência no mercado de trabalho para jornalistas:


profissionais de jornalismo têm encontrado espaço significativo fora das redações, área
tradicionalmente ocupada por jornalistas. Esses dados são relevantes pois nos ajudam a
entender as respostas para muitas das próximas questões da pesquisa.

A questão seguinte era aberta e perguntava qual a função exercida pelo egresso
atualmente. Recebemos mais de 70 respostas diferentes. Eis as mais comuns: Assessor de
Imprensa / Comunicação; Produtor de conteúdo, analista de comunicação, editor, redator
e repórter. Também apareceram diversos cargos de gestão, como Gerente de
Comunicação, Gerente de Formatos e Gerente de Marketing, Coordenador de
Comunicação e Coordenador de RP, Executivo de atendimento, Executivo de contas e
Diretor de Conteúdo.

Quando questionados sobre a realização de estágios durante a graduação, 92,9% dos


respondentes afirmaram que “sim”, fizeram estágio durante a graduação. Vale ressaltar
que o estágio para alunos de jornalismo só passou a ser obrigatório em 2013, a partir da
publicação das novas Diretrizes Nurriculares Nacionais do MEC para a área. Vemos, no
entanto, que mesmo antes da obrigatoriedade o estágio já era uma prática comum entre
os alunos.

As questões 6 a 13 deveriam ser respondidas na chamada escala Likert, em que 0 é o


menor valor e 5 o maior valor possível, e se referiam à percepção do egresso a respeito
de pontos específicos sobre sua formação em jornalismo na UPM. Vale ressaltar que
aqui pretendíamos verificar a percepção que o egresso tem sobre sua formação a partir
da realidade verificada por ele no mercado de trabalho. Os resultados obtidos foram os
seguintes:

53
Antes de verificarmos pontos específicos da formação do aluno, verificamos a
importância da marca UPM para a carreira profissional dos formados. Ressalta-se aqui
que quase 80% dos egressos (soma de notas 4 e 5) entendem que o nome da Universidade
foi importante ou muito importante para sua carreira. Portanto, verifica-se que
empiricamente o egresso entende que o nome da UPM é valorizado pelo mercado de
trabalho e, portanto, contribuiu para seu desenvolvimento profissional. Menos de 5%
acreditam que o nome da Universidade não teve importância para sua carreira.

A formação técnica recebida no curso também é apontada como importante ou muito


importante pela maioria dos egressos. Cerca de 66% indicam essa formação como
relevante ou muito relevante. Tomando-se como base o atual PPC do curso de Jornalismo
da UPM, bem como as diretrizes curriculares para a área, verificamos que o investimento

54
na área prática, que ocupa praticamente metade da atual matriz curricular do curso da
UPM é percebido pelo egresso de forma positiva.

No entanto, embora a formação técnica tenha sido vista como importante, os


instrumentais aprendidos no curso não recebem a mesma percepção. Menos da metade
dos egressos consideram que os instrumentais recebidos têm aderência com o mercado
encontrado por eles. Isso se deve, ao nosso ver, às mudanças constantes nas tecnologias
de comunicação. Dessa forma, cruzando os dados das questões 7 e 8 verificamos que, na
percepção dos egressos, a formação técnica foi relevante, mas os instrumentos
encontrados no mercado não são exatamente os aprendidos na Graduação.

55
Sobre os preceitos básicos de ética e empreendedorismo, cerca de 60% dos egressos
consideram que a formação no curso de jornalismo da UPM foi relevante ou muito
relevante. Lembramos que, conforme apontado na questão 3 desta pesquisa, cerca de 9%
dos egressos já atuam como empreendedores.

Na questão seguinte abordamos a importância do ensino presencial para o curso de


jornalismo.

Os resultados para essa questão foram os mais próximos à unanimidade que tivemos.
Quando perguntados sobre a relevância do ensino presencial em sua formação quase 90%
dos egressos afirmam que ela foi relevante ou muito relevante, com destaque para esta
última categoria (68,8%). Ou seja, apesar do desenvolvimento das ferramentas de Ensino
à Distância e da atual tendência de investimento em cursos nessa modalidade, no caso
dos formados em Jornalismo pela UPM a educação presencial continua sendo percebida
como positiva e fundamental.

A Extensão, que é um dos pilares da UPM, foi tema da questão seguinte:

56
A maioria dos egressos do curso de jornalismo (cerca de 64%) da UPM acredita que as
ações extensionistas e de cunho social realizadas durante a sua formação foram
importantes para o seu desenvolvimento profissional. Essa percepção vai ao encontro da
vocação extensionista da UPM, bem como das diretrizes curriculares da área que apontam
o jornalismo como uma ferramenta de desenvolvimento social. Além disso, a
proximidade com a sociedade faz parte do Projeto Pedagógico do Curso de Jornalismo da
UPM.

Como podemos ver, quase 60% dos egressos acha importante dar continuidade aos
estudos, fazendo uma pós-graduação. Em outras respostas, muitos inclusive afirmam eu
já fizeram pós, principalmente na área de Comunicação Corporativa e/ ou Marketing.

57
Esse interesse ponta para um mercado importante a ser trabalhado na UPM: a formação
continuada para egressos da área de Comunicação.

Mais de 80% dos egressos considera importante a formação em língua estrangeira para
sua carreira.

As perguntas seguintes eram abertas.

A questão 14 pedia para que o egresso refletisse sobre as expectativas que ele tinha em
relação ao curso quando o escolheu, comparando-as à realidade que encontrou no
mercado. Sobre isso, perguntamos:

“As expectativas que você tinha relação à profissão quando você escolheu seu curso
corresponderam ao cenário que você encontrou no mercado? Por quê?”

Os resultados apontam para dados bastante significativos: 86 respondentes (cerca de


75%) responderam “Não” para essa questão. Ou seja, a realidade encontrada no mercado
não corresponde às expectativas observadas antes do curso. Vale lembrar que, neste caso,
o foco estava na expectativa do jornalista antes de entrar no curso e não após o início das
aulas. Dentre os principais motivos para a frustração da expectativa os egressos
apontaram:

1. Escolha do curso com foco na atuação em redações e no chamado “jornalismo


tradicional”.

58
Muitos egressos apontam que, embora se imaginassem trabalhando em TV, revista ou
jornal tradicional, não conseguiram encontrar espaço nessas áreas. Esses dados são
coerentes com as respostas obtidas na questão 3, que mostram que a grande maioria dos
egressos do curso de Jornalismo da UPM atua na área de comunicação corporativa, fora
de redações, portanto. Essa frustração de expectativas, em relação ao que se esperava na
escolha do vestibular, aparece tanto em respostas de recém-formados, quanto de formados
há mais de uma década. Vemos aqui que, embora o mercado de trabalho tenha se
modificado e diversificado, os jovens ainda fazem a escolha da profissão a partir da ideia
de jornalismo tradicional. Vale ainda ressaltar que vários dos respondentes que apontaram
essa questão afirmaram estar hoje satisfeitos com seu trabalho, apesar da expectativa
frustrada num primeiro momento.

2. Mercado do jornalismo tradicional saturado e instável, com profissionais mal


remunerados e pouco valorizados.

Dentre os que experimentaram atuar no jornalismo tradicional, muitos apontam que se


decepcionaram devido às condições de trabalho que encontraram.

Por outro lado, dentre os que afirmaram ter encontrado pontos em comum entre a
expectativa antes do início do curso e a realidade do mercado, as principais justificativas
foram:

1. O egresso trabalha no jornalismo tradicional, dentro do que imaginava serem as


tarefas profissionais do jornalista.

2. O egresso esperava trabalhar com comunicação corporativa antes mesmo de iniciar o


curso e encontrou oportunidades nessa área.

Na pergunta seguinte, pedimos para que o egresso focasse na relação entre o que foi
aprendido na universidade e o que o mercado busca. Para isso, questionamos:

“A partir da sua experiência no mercado, quais conteúdos você acredita que teriam sido
importantes para a sua formação, mas não foram apresentados durante sua Graduação
na UPM?”

59
A pergunta permitia respostas abertas. Agrupamos as respostas mais frequentes em três
grandes grupos:

1. O primeiro, citado em mais da metade das respostas, se refere a conteúdos voltados


diretamente para a comunicação corporativa, com destaque para: Marketing,
Assessoria de Imprensa / Comunicação, Gerenciamento de Crise de Imagem,
planejamento estratégico, comunicação interna, Branded Content. Muitos citam que
tiveram esses conteúdos, mas que gostariam de ter aprofundado essas questões com
maior carga horária, já que elas são exigidas em seu dia a dia profissional.
2. O segundo grupo se refere à produção de conteúdo para Internet. Entre esses, os mais
citados foram: Jornalismo digital, redes sociais, influenciadores digitais, SEO,
métricas. Vale lembrar que, em grande parte, esses conteúdos aparecem no mercado
também voltados à comunicação corporativa, o que aproxima este grupo aos que
responderam como apontado no item 1.
3. O terceiro grupo aponta para conteúdos mais práticos em disciplinas ligadas à
produção de notícias.

Uma observação importante: de forma geral, egressos que afirmam ter se formado há
mais tempo sentem mais falta dos conteúdos do grupo 1 e 2 que egressos recém-formados.
Entendemos, portanto, que recentes mudanças na matriz curricular do curso de
Jornalismo da UPM, ocorrida em 2018, atenderam a parte dessas demandas.

Vale ainda destacar que alguns egressos apontaram a necessidade de ter conteúdo de
empreendedorismo mais próximo à realidade de quem pretende abrir uma pequena
empresa de comunicação ou prestar serviços na área, já que essa é a realidade de parte
significativa dos formados.

A pergunta seguinte apontava para uma das questões centrais desta pesquisa e buscava
verificar qual a percepção dos egressos a respeito do hibridismo entre as diferentes áreas
da comunicação. Para isso, questionamos:

“No cotidiano do seu trabalho você percebe a aproximação entre as diversas áreas da
Comunicação (PP, Jornalismo, RP etc)? Exemplifique.”

De todas as questões abertas apresentadas na pesquisa que embasa esse artigo, essa foi a
que teve maior índice de respostas iguais: 105 respondentes, ou quase 95% dos

60
participantes, responderam “sim”, portanto, disseram que percebem a hibridização das
diferentes áreas da Comunicação. Foram comuns expressões como “muito” e “sem
dúvida”. Apenas 3 responderam não ver aproximação entre as áreas. Os demais deram
respostas neutras.

Separamos alguns exemplos de respostas:

“Não vejo sequer separação. A verdade é que no dia a dia todos andam muito juntos”.
“Sim. Praticamente a mesma coisa. O mercado pede para você saber um pouco de cada.”
“Sim! Hoje o jornalista precisa ser/saber um pouco de cada coisa dentro da
comunicação.”
“Sim. Uma vez que nunca trabalhei diretamente com o jornalismo, sempre apliquei meus
conhecimentos adquiridos na universidade em áreas correlatas, como o marketing e as
relações públicas.”
“Sim. Trabalhando em agência, passo por todas essas áreas, com produção de conteúdo,
relacionamento com a imprensa, produção de branded content, etc.”
“Sim. Muitas das habilidades são relacionadas. Acredito até que a divisão nem faça
mais sentido”

“Totalmente. Onde eu atuo hoje é uma mistura entre jornalismo /publicidade /marketing
e design”

“Sim, cada vez mais precisamos ser multidisciplinares”

Ou seja, no mercado de comunicação, na percepção de nossos egressos, o hibridismo já


ocorre de modo amplo. De qualquer forma, vários egressos responderam que as
habilidades adquiridas no curso de jornalismo da UPM são fundamentais para que ele
exerça bem todas as atividades de comunicação.

De forma mais específica, na questão seguinte, perguntamos:

“Você já precisou realizar alguma atividade que seria mais associada a uma área da
Comunicação diferente da de sua formação? Explique.”

O número de respostas positivas também foi grande: 85 egressos responderam que sim,
já precisaram realizar atividades originalmente mais associadas a outra área da

61
comunicação. As áreas mais comuns apontadas por eles foram marketing, gestão de redes
sociais, comunicação interna, relações públicas, publicidade e/ou propaganda, eventos e
design.

Chama a atenção, no entanto, o fato de que, mesmo sem serem perguntados diretamente
sobre isso, vários egressos responderam que, apesar de terem de realizar atividades
diferentes da sua formação em jornalismo, os conhecimentos de jornalismo foram
fundamentais para o desenvolvimento de seu trabalho.

Na penúltima pergunta direcionamos a dúvida para a atuação em branded content e


marketing de conteúd,o que, como já apontamos neste trabalho, são áreas que têm sido
percebidas como tendências no mercado. Essa também era uma questão aberta, que
permitia que o egresso explicasse sua atuação na área. O resultado vai ao encontro dessa
percepção: embora seja uma área que vem se expandindo apenas recentemente no Brasil,
73 egressos afirmaram já ter trabalhado ou ainda trabalhar na área. No entanto, 48
afirmam que, ao menos incialmente, não se sentiram preparados para trabalhar com esse
tipo de material. Palavras como “desconforto”, “complexo” e “difícil” apareceram em
várias respostas. E mesmo entre os que afirmaram se sentir preparados, vários apontaram
que fizeram pós em Marketing antes de executar a atividade. Muitos incluíram em suas
respostas entender que os cursos de jornalismo deveriam dar mais importância para essa
área. Em várias respostas, os egressos afirmam saber que esses conceitos praticamente
não existiam quando se formaram, há alguns anos. Duas respostas apontam que o egresso
se sentiu capacitado para fazer as atividades citadas pois realizaram ações de Branded
Content ou Marketing de Conteúdo na Redação Virtual do Mackenzie, um espaço extra-
classe de prática de jornalismo onde atuam alunos de Comunicação da UPM.

A última questão perguntava:

Quais pontos gostaria de retratar adicionalmente quanto a melhorias que poderiam


ocorrer no processo de formação para futuros alunos do Centro de Comunicação e
Letras – CCL?

Em coerência com as respostas obtidas em questões anteriores, muitos egressos


chamaram a atenção para a necessidade de haver maior integração entre as diferentes
áreas da comunicação (sobretudo entre Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações

62
Públicas). Nesse ponto, algumas sugestões de conteúdos específicos foram dadas. As que
mais apareceram foram: Marketing; Marketing de Conteúdo e Branded Content;
Assessoria de Imprensa e de Comunicação; Gerenciamento de Crise de Imagem,
Comunicação Corporativa. Alguns sugeriram que parte da grade curricular de Jornalismo
fosse dividida com o curso de Publicidade e Propaganda, a fim de haver maior
entrosamento entre alunos e maior compartilhamento de conteúdo, já que o mercado
demanda profissionais que saibam atuar em várias áreas.

Assuntos ligados às redes sociais, em específico, e à comunicação na Internet, de forma


geral, apareceram em várias respostas. Temas como “monitoramento de redes sociais,
Jornalismo de dados, SEO, ranqueamento, produção de conteúdo multimídia para web e
podcasts estiveram entre as sugestões. Em alguns casos, essas disciplinas foram sugeridas
em função de demandas das empresas não jornalísticas que contratam jornalistas, o que
nos leva, novamente, à hibridização das áreas de comunicação.

Uma resposta que resume os dois padrões citados anteriormente é : “Acredito que a
maioria dos conteúdos a que fomos expostos foram relevantes para a minha formação
enquanto jornalista. Porém, ao meu ver, é totalmente necessária a aproximação dos
temas ligados à tecnologia e de outras áreas da comunicação (sobretudo marketing).”

O terceiro tipo de resposta que chamou nossa atenção se refere a uma suposta “visão
romântica” ou muito antiga sobre o jornalismo que seria passada para os alunos. Vários
egressos apontaram que não sabiam muito bem o que encontrariam no mercado. Esse tipo
de resposta, no entanto, foi mais comum a egressos que afirmaram ter concluído o curso
há vários anos. Há, dentro dessa linha, respostas que mostram o lado positivo da questão,
indicando que o curso forma profissionais que conseguem se adequar a diferentes áreas
do mercado de trabalho: “Somos capazes de trabalhar com RH, em employer branding,
em relações institucionais, sustentabilidade, conteúdo, SEO.”, afirmou um dos egressos
do curso de Jornalismo da UPM na pesquisa.

Além disso, algumas respostas apontam para sugestões diretas de disciplinas como
Jornalismo Gastronômico, Jornalismo e Educação, Agronegócio e Finanças.
Chamam ainda atenção dois padrões de respostas que parecem seguir em sentido oposto:
um grupo de egressos aponta que acredita ser importante ter menos teoria e mais
atividades práticas, ligadas ao mercado. Outro grupo aponta que o curso deveria se

63
preocupar mais com a formação humanística, tratando as teorias com maior
aprofundamento e exigindo leituras mais complexas dos alunos.

Considerações Finais

A análise geral dos dados obtidos com as respostas ao questionário aplicado aos egressos
do curso de Jornalismo da UPM traz dados relevantes sobre o mercado de comunicação
e sobre como o profissional formado pela UPM percebe sua formação, o mercado de
trabalho e sua própria colocação no mundo profissional. Entendemos que, dessa forma,
conseguimos um mapeamento de todas essas questões em um momento crucial, quando
o curso completa 20 anos.

O cruzamento das respostas às várias questões apresentadas traz algumas informações


que saltam aos olhos. Listamos a seguir as principais:

- A percepção de que o mercado de comunicação e do jornalismo estão mudando


radicalmente é compartilhada por quase todos os egressos.

- A hibridização das áreas de comunicação – sobretudo Jornalismo, Publicidade e


Relações Públicas – lhes parece um caminho sem volta. É ainda, na percepção da maioria
dos egressos, a questão mais importante a ser resolvida, tanto na sua formação pessoal
quanto na formação dos futuros alunos de Jornalismo da UPM

- De forma geral, eles entendem que o nome do Mackenzie é relevante e consideram eu


o curso de Jornalismo deu a eles uma boa formação. Ambos, tanto o nome da
Universidade, quanto a formação recebida no curso de Jornalismo, foram cruciais para
sua colocação no mercado.

Dessa forma, acreditamos ter em mãos um material bastante rico para que o curso de
Jornalismo da UPM possa crescer ainda mais, buscando adequar seus conteúdos às
demandas dos alunos e do mercado. No entanto, considerando a grande maioria das
respostas, esses ajustem precisam ser feitos sem que se perca a essência do curso e o foco
na formação ampla, tanto teórica, quanto prática, sempre em busca da excelência.

64
Capítulo 5

Ambiente corporativo, empregabilidade e competitividade: percepções


dos egressos do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade
Presbiteriana Mackenzie

José Maurício Conrado Moreira36


Roberto Gondo Macedo37

Introdução

O mercado de trabalho nunca se manteve estático nas exigências técnicas e no que tange
as habilidades e competências dos indivíduos. O senso de competitividade corporativa
sempre condicionou o aumento do grau de excelência nos processos de contratação e
potencialização de novos talentos, independente da área de atuação e segmento
mercadológico. Nesse sentido, o papel da Universidade é corroborar para uma formação
condizente com as necessidades sociais, empresariais e éticas. O papel do artigo é
apresentar pontos de análise e reflexão acerca dos egressos do curso de Publicidade e
Propaganda do Centro de Comunicação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em
São Paulo. Para tal fim, foi realizada uma pesquisa quantitativa com 110 egressos do
curso, no período de novembro a dezembro de 2019, visando fortalecer o processo de
identificação da relação formação e empregabilidade.

O período de formação universitária é um dos mais relevantes para consolidar ou limitar


a carreira do profissional. A estrutura da grade de componentes bem como o planejamento
de atividades correlatas durante o curso e seus semestres de formação, contribuem de
modo incisivo para o desenvolvimento de habilidades e competências inerentes aos
cursos estabelecidos no corpus da Universidade.

Entretanto, a capacidade de adequação do ambiente universitário para as novidades e


demandas do mercado é fator fundamental para o desenvolvimento sustentável dos

36
Professor dos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras –
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
37
Professor do curso de Publicidade e Propaganda – Centro de Comunicação e Letras – Universidade
Presbiteriana Mackenzie.

65
discentes, seja nos seus desafios iniciais nos estágios nas empresas, como nas suas
efetivações e crescimento posterior a sua formação.

O alto grau de competitividade empresarial, intensificado nas duas últimas décadas por
ocasião do fortalecimento das estratégias de internacionalização, exigem dos seus
colaboradores maior capacidade de ajustes dessa nova realidade, onde o ethos de
competição por vagas de alto desempenho não são mais locais, mas sim transitam em
ambientes globais, com exigências maiores e mais intensas.

Ambientes de alto desempenho corporativo exigem não somente uma visão técnica dos
seus colaboradores, mas também o domínio de outras capacidades emocionais, que
permitem sustentar altas pressões corporativas e sociais dos indivíduos. Nesse sentido, é
pertinente que a Universidade promover de modo concomitante esses debates além do
conceito técnicos, visando à promoção de habilidades e competências de liderança,
resiliência e empreendedorismo para alunos dos múltiplos cursos de formação.

São Paulo, tal como as maiores cidades do mundo, demanda maior atenção no
posicionamento dos seus cidadãos nas organizações que se estabelecem na sua estrutura.
A velocidade competitiva, o ambiente urbano intenso e caótico da cidade, contribuem
para um ambiente de alta mistura de possibilidade de crescimento profissional e pessoal,
com capacidade de saber lidar com um cenário de exclusão também latente e que exige
performance e desempenho sustentáveis para seus indivíduos.

Manter e ofertar cursos superiores em grandes centros urbanos condiciona as instituições


de alto desempenho a não focarem apenas na formação básica nas respectivas áreas do
conhecimento, mas também oferecer possibilidade de aprendizado de novos
conhecimentos, amparados nas mais novas tendências de mercado, visando promover
fortalecimento das suas habilidades no ambiente de competição.

O cenário da Comunicação e da Publicidade e Propaganda

Com a evolução tecnológica amparada nas redes digitais e com alta velocidade da
informação em fluxo contínuo, a realidade do ambiente comunicacional se tornou
integrado e convergente, ditando novos desafios comportamentais e geracionais.

66
As percepções dos indivíduos frente às múltiplas interações midiáticas posicionam o
contexto comunicacional como um dos eixos estratégicos para os diferenciais
competitivos empresariais. (CARNEIRO, 2017, p.48). Por este motivo, é possível
considerar deveras natural á adaptação das Universidades na formação desses novos
profissionais.

Os desafios atuais vão além das percepções técnicas, visto que o comportamento social
está cada vez mais susceptível as consequências de uma sociedade da informação intensa
e repleta de entraves relacionados com ansiedade e depressão informacional. Na visão de
Wurman (2014), a sociedade e o indivíduo devem observar o acesso à informação com
cautela e coerência, para evitar excessos e realizar o uso positivo da grande quantidade
de informações facilmente obtidas.

Em diversas obras, Castells (2018) descreve uma sociedade informacional com


dificuldades para se chegar ao contexto da sociedade do conhecimento, dada a baixa
capacidade do coletivo de propiciar filtros eficientes para que o indivíduo não se
sobrecarregue de tamanha carga de informações diárias, sendo muitas delas
desnecessárias para o seu convívio, mas que contribuem para o seu desgaste mental.

Baseado nesse arcabouço, o desafio de uma formação superior não transita apenas na
necessidade de preparar o discente com premissas técnicas, mas também promover
discussões e reflexões frente á temas transversais, tais como geopolítica, ética,
empreendedorismo, dentre outros.

Para Neshein (2007) o pensamento competitivo de uma organização não deve se limitar
ao conceito clássico tecnicista, mas absorver dos colaboradores o máximo de suas
experiências e tornam o ambiente eficiente e com valorização no capital intangível das
equipes.

Direcionando para a realidade da formação de Publicidade e Propaganda, a cada ano que


passa, o profissional dessa carreira de trabalho deve observar o mercado como algo
expandido, isto é, com múltiplas oportunidades de atuação, integrando com demais
carreiras e departamentos, isentando-se em muitos dos casos do ambiente tradicional das
Agências e seus respectivos ciclos de atendimentos. O cenário digital estimula uma
mudança no universo da publicidade, seja na criação, como no planejamento.
(CARNEIRO, 2017).

67
As organizações estão reinventando seus processos constantemente e observando o seu
mercado promissor utilizando de múltiplos olhares, dentre eles o da Publicidade e
Propaganda, como um estratégico pensamento analítico do comportamento do
consumidor. (LUPETTI, 2014).

De modo conciso, é notório afirmar que o contexto de mudanças e ajustes organizacionais


é constante, com uma velocidade nunca antes vista, onde o diferencial competitivo e a
inteligência estratégica imperam no norteamento de ações, novos modelos de negócios e
interações sociais. O profissional que deve estar preparado para atender essas demandas
é aquele que compreende a flexibilidade e visão holística como percepções fundamentais
para o êxito de uma carreira contemporânea.

Análises e resultados da pesquisa

Com o objetivo de fortalecer o processo de análise do escopo do artigo,


metodologicamente foi desenvolvida uma pesquisa quantitativa com foco em egressos do
curso de Publicidade e Propaganda do Centro de Comunicação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.

Com a participação de 110 estudantes, o intuito foi de verificar a aderência do campo de


formação do discente com o seu atual e respectivo campo de atuação profissional, visto
que com o dinamismo do mercado convergente em suas áreas do conhecimento, sob a
percepção hipotética, a possibilidade de possuir profissionais distantes do seu eixo
principal de formação é representativo.

Gráfico 01 – Curso de formação no Mackenzie

68
Sob a perspectiva de aplicação da pesquisa, 100% dos entrevistados se formaram em
Publicidade e Propaganda pela UPM. Considerando a pergunta a seguir (há quanto
tempo) foi possível observar que uma menor parcela se formou quando o curso tinha
como nome: Propaganda, Publicidade e Criação. A mudança para a denominação
“Publicidade e Propaganda se deu no ano de 2011”, visando adequar o curso com a
demanda latente de mercado, que incluía a vertente de Marketing na estrutura
programática do curso, na perspectiva das habilitações.

A própria inclusão da habilitação de Marketing no curso potencializou o trânsito dos


discentes em processo de estágio e egressos em situação de efetivação nas suas
respectivas funções, permitindo que atuem não somente em empresas cujo núcleo de
atividades seja a comunicação, mas poder desempenhar atividades em todos os segmentos
produtivos, sob a égide de análise de mercado e comportamento de consumo.

Gráfico 02 – Atuação empresarial dos entrevistados

Essa premissa da habilitação de Marketing se sustenta também nos resultados


apresentados no Gráfico 2, visto que 56% dos entrevistados sua atuação profissional fora
da área de Comunicação. Todavia, vale considerar que a interpretação da questão pode
ter sido relacionada com a identificação da área de comunicação com empresas de
comunicação.

Isto é possível e plausível, já que no universo do percentual supracitado é possível existir


situações de registros que estejam em atividades de comunicação e mercado, mas em
empresas de outros segmentos. Do universo que trabalham na área de comunicação, mas

69
em outro tipo de empresa, as respostas atingem resultados como: Fintechs, Empresas
Financeiras, Laboratórios Farmacêuticos, Terceiro Setor e empresas no ramo de serviços.
No contexto do universo da comunicação, sobre as principais funções ocupadas, foram
apresentadas atuações como: analista de marketing, direção de arte, Assistente de criação,
analista de marketing, redator publicitário e executivo de contas.

A importância da marca institucional da Universidade também foi inserida como


relevante na coleta de dados. Nesse sentido, 79% dos entrevistados apontam como muito
e altamente relevante o papel da credibilidade da Universidade Mackenzie nos seus
passos estabelecidos na carreira. Foi utilizada para estabelecer a avaliação uma Escala
Likert 0-5.

Gráfico 03 – Importância da marca da Universidade na carreira

A grade técnica também foi considerada na coleta de informações, já que as abordagens


dos componentes podem limitar ou contribuir para o desempenho dos egressos no
mercado. Sob essa perspectiva, 91% dos entrevistados transitam pela escala Likert com
boas avaliações. Tal análise é importante para o processo de avaliação, porque é ponto
pacífico que o grau de evolução dos conceitos e informações no mercado de trabalho é
altamente dinâmico e, em muitos casos, gera um desafio intenso para acompanhamento
das inovações pelas Universidades e seus respectivos Centros de Estudos.

Gráfico 04 – Importância da formação técnica presente na grade do curso

70
Sob esta perspectiva, é possível identificar também que a credibilidade e qualidade de
formação da instituição estão diretamente relacionadas com o êxito no processo de busca
por estágios durante o período de formação na Graduação. Dos resultados apresentados,
vale salientar que 88,4% da amostra realizaram estágio durante o curso e que tal feito foi
representativo para sua potencialização da carreira, em início de desenvolvimento.

Um dos pontos representativos de atuação da Universidade na grade dos cursos por ora
ministrados são a inclusão e fortalecimento dos princípios éticos e empreendedores. O
resultado pode ser considerado positivo, visto que 80% dos entrevistados avaliaram a
política relacionada ao tema de modo profícuo.

Gráfico 05 - Relevância para a formação direcionada para os princípios éticos e


empreendedores

O ensino presencial foi um dos pontos levantados pela pesquisa, visto que o segmento
educacional se encontra em constante inovação e em busca de um equilíbrio no seu
processo de ensino-aprendizagem para a formação superior amparada nas modalidades
presencial e à distância. Dos entrevistados, 50,5% dos egressos julgaram como muito
relevante e 28% julgaram como relevante o ensino presencial. Esse ponto nos permite
refletir acerca da relevância dos momentos de ensino presenciais, conciliados com as

71
modalidades que ofereçam maior flexibilidade de mobilidade e horários. Por fim, 2%
entrevistados não consideram o ensino presencial relevante para o êxito de formação.

Gráfico 06 – Relevância do ensino presencial na formação dos conteúdos

O papel da formação complementar de extensão no ensino superior também foi abordado


diante dos egressos de Publicidade e Propaganda. O resultado apresentado de 79,8% de
boas percepções acerca das políticas de extensão universitária, permitindo concluir que o
contínuo esforço para tais atividades são fundamentais para um trabalho de alto
desempenho na formação dos discentes.

Gráfico 07 - Importância das atividades de extensão e ações de foco social realizadas


durante sua formação de graduação

Vale salientar também a abordagem que dirigiu a pesquisa, relacionada com o ambiente
de internacionalização e percepção dos egressos a respeito da temática, seja pela

72
importância dos idiomas na potencialização da carreira, como também no estímulo para
a formação técnica internacional. Nesse contexto, 53,7% dos entrevistados valorizam os
idiomas como base para o sucesso e estímulo na carreira e 27,4% dão máxima importância
para a formação técnica internacional.

Gráfico 08 - Grau de relevância relacionado à formação de Pós-Graduação para a


carreira

Um ponto pertinente de reflexão, dada a abordagem dirigida à importância da Pós-


Graduação para a potencialização da carreira, é que 20,8% relataram baixa percepção da
formação posterior à graduação como diferencial de carreira. Apesar de estatisticamente
menor do que os 57,3 % de alta relevância da formação para o crescimento profissional,
é interessante observar tal relato, dada a alta competitividade apresentada no mercado de
trabalho dos ambientes urbanos, de maior trânsito dos egressos Ausentar ou retardar a
formação contínua podem limitar o crescimento do profissional, limitando sua ascensão
nas funções.

Nos questionamentos abertos, permitindo participação dos entrevistados, relatos


sugeriram maior intensificação das ações de formações e ajustes de grade do curso para
as questões digitais. Esse ponto se justifica pela rapidez de mudanças no cenário de
estratégias e ferramentas digitais, como também pela alta demanda de atividades do
segmento corporativo para tais recursos.

Considerações Finais

Um dos maiores desafios para o cenário de formação superior no Brasil e também em


cenário internacional é a capacidade de adequação das grades de formação para atender

73
de modo sustentável e pertinente as demandas dos mercados, em alta velocidade de
mudanças e novas exigências.

Como modo de complementar tais realidades, vale compreender as atividades de extensão


como auxiliares para o fortalecimento dos conhecimentos relacionados com inovação,
empreendedorismo e novas ferramentas de trabalho.

Como realidade específica no curso de Publicidade e Propaganda do Centro de


Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, desde 2011, com a
modelagem de duas habilitações (Criação Publicitária e Marketing), as possibilidades de
trabalho para o egresso se ampliaram, permitindo que os mesmos pudessem transitar
também em empresas cujo núcleo de trabalho não se enquadra na área de comunicação,
como Agências de Publicidade, Agências Digitais, dentre outros.

De acordo com a pesquisa com egressos do curso (predominantemente depois de 2011,


com grade com duas habilitações), a identificação com o curso se manteve alta, porém
com egressos se dirigindo para múltiplos segmentos mercadológicos. A
internacionalização também é um ponto de interesse dos formados, dada a alta
competitividade internacional e também a forte formação do curso, permitindo que os
mesmos possam competir por vagas e funções de representatividade no campo
empresarial.

Todavia, apesar do alto reconhecimento do curso e também institucionalmente da


Universidade no cenário nacional e internacional, vale manter atenção constante para
adequar do melhor modo possível as tendências tecnológicas, gerenciais e
comportamentais na formação dos alunos vigentes, em andamento com o período de
graduação. Desse modo, a atualização se torna algo contínuo, favorecendo o grau de
excelência e manutenção da credibilidade na área de comunicação e, em especial,
Publicidade e Propaganda.

Referencial bibliográfico

CARNEIRO, Rafael. Publicidade na TV Digital: um mercado em transformação. São


Paulo: Aleph, 2017.

74
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2018.

LUPETTI, Marcélia. Gestão Estratégica da Comunicação Mercadológica. São Paulo:


Thomson Pioneira, 2014.

NESHEIN, Jonh. Diferencial Competitivo. Rio de Janeiro: Best Seller, 2007.

WURMAN, Richard. Ansiedade da Informação 2: como transformar informação em


compreensão. São Paulo: Cultura, 2014.

75
Capítulo 6

Conteudista: um jornalista que desenvolve histórias para o Século XXI


– uma visão do novo profissional de jornalismo sob a ótica dos
dirigentes das empresas de comunicação.

José Alves Trigo38

Introdução

Em 2014, o empreendor e escritor Joe Pullizi desenvolveu um livro (Conteúdo S.A.) que
se tornou referência. Ele defende a tese de que as empresas precisam de conteúdo para
fidelizar e buscar novos clientes, que, para ele, estariam sobrecarregados pela propaganda
tradicional. Estaria perdendo sentido a publicidade na qual o consumidor recebe cerca de
5 mil mensagens diárias com empresas alardeando suas vantagens. No universo da
comunicação, essa estratégia, cada vez mais, perde a sua eficácia. Pullizi defende que se
você é líder no segmento, tem mais conhecimento que a maioria das pessoas e, por isso,
pode (para ele, deve) produzir um conteúdo para que sua marca torne-se cada vez mais
conhecida.

Paralelamente, o pesquisador Philip Meyer aponta em seus estudos um declínio da mídia


impressa, sobretudo os jornais. Os jornais sobreviveram séculos como sendo fonte única
de uma informação privilegiada. Ele compara a um pedágio em uma região montanhosa,
onde os motoristas preferem pagar um valor a dar voltas na montanha para chegar ao seu
destino. Historicamente o leitor pagava para ler um jornal impresso e ter acesso a
informações que podiam ser relevantes para sua atividade. Observa Meyer que esse
declínio da impressa tradicional tem ocorrido desde os anos 1960.

38
Professor do curso de Jornalismo – Centro de Comunicação e Letras – Universidade
Presbiteriana Mackenzie.

76
Dados da Digital News Report (2019), do Reuters Institute, mostram que apenas 27% dos
brasileiros usam a mídia impressa para ter acesso a notícias. Essa porcentagem era de
50% em 2013. A grande maioria das pessoas (87%) disse que tem acesso à informação
via internet. Apenas a título de curiosidade, esses números são semelhantes aos dos
Estados Unidos, onde 19% as pessoas têm informações pela mídia impressa e 72% via
online.

Se durante a maior parte da história do jornalismo as notícias foram produzidas por


repórteres profissionais, com o surgimento da Internet há mudanças nesse perfil. O
jornalista já não é mais necessariamente o primeiro a ter acesso à informação, de modo
que ele possa reproduzir para a sociedade os fatos a que apenas ele teve acesso. Bowman
(apud Pew Center, 2013) mostra que a cobertura do ataque às torres gêmeas de Nova
York, em 11 de setembro de 2001, teve uma grande participação do público, que produziu
o “do-it-yourself-journalism” (jornalismo feito por você mesmo, em tradução livre). As
fotografias e comentários foram feitos por pessoas comuns, que estavam participando,
presenciando a tragédia que atingiu a cidade americana.

É este o contexto em que encontramos a comunicação e o jornalismo. Para os


apocalípticos, a atividade jornalística tornou-se desnecessária, pois há outros meios de ter
acesso a informação, como por exemplo os textos escritos pelas pessoas comuns e
postados em mídias sociais, como no Facebook. O relatório desenvolvido pela Reuters,
já citado, mostra que 54% dos brasileiros têm acesso às notícias via Facebook e 53% pelo
aplicativo Whatsapp. E 26% das pessoas dizem ser informadas com os dados fornecidos
pelo Instagram.

Vamos voltar a Pullizi, que defende a divulgação de conteúdo como uma nova forma de
estratégia para as empresas. Ele preconiza que as empresas tenham o que chama de uma
equipe de conteúdo. Essa equipe seria formada basicamente por um gerente de conteúdo,
que seria o supervisor, digamos assim, de uma linha editorial da empresa, preocupado
com o fato de que todas as iniciativas correspondam às estratégias da empresa. O segundo
profissional seria o editor-chefe ou criador de conteúdo. Os criadores de conteúdo
desenvolveriam histórias conforme o nicho de atuação da empresa. E o terceiro
profissional seria o gerente de audiência, um profissional que gerencia a audiência dos
conteúdos desenvolvidos.

77
Há mais um elemento que entra recentemente neste contexto. Trata-se do branded
content. O termo pode ser traduzido como sendo “conteúdo da marca”. Há ainda algumas
divergências por parte dos autores sobre o que seria esse conteúdo. Há os que chamam de
branded entertainment (entretenimento de marca) porque uma das suas funções também
seria a de divertir o consumidor.

O jornalista, pelo caráter generalista da profissão (conhecedor de várias áreas e setores)


tem sido visto como um potencial criador de conteúdos e atuante na área de branded
content. Tem sido comum empresas contratarem profissionais com formação em
jornalismo para atuarem em áreas que apresentam um hibridismo entre marketing e
propaganda.

Este artigo se propõe a fazer a uma reflexão sobre o que os dirigentes das empresas de
comunicação consideram como importante na construção do novo perfil do jornalista que
está entrando no mercado.

O objetivo principal desta pesquisa é mostrar o perfil do jornalista que o mercado


brasileiro no setor das grandes e médias empresas está buscando, procurando ater-se ao
máximo às opiniões e evitando cair na armadilha das previsões, deixando eventuais
análises sobre o futuro menos imediato para o leitor desta pesquisa.

Como objetivo secundário busca-se ter uma visão mais detalhada das necessidades do
mercado e também quais são os aspectos que necessitam de um aprimoramento.

Como justificativa considera-se a necessidade de ter um estudo mais sistemático que


possibilite uma melhor compreensão desse contexto, tendo em vista que o autor é
professor de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Foi desenvolvido um questionário com 20 perguntas. O questionário oferecia


inicialmente um termo de consentimento livre e esclarecido, que era uma exigência da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, patrocinadora da pesquisa. O documento garante
que não haverá dados que possam identificar o entrevistado. Seis dirigentes foram
entrevistados pessoalmente e quatro por email. 20% dos entrevistados não participam
diretamente dos processos de seleção, embora tenham um papel de gerenciamento nas
empresas.

Os dirigentes entrevistados são todos formados em jornalismo e responsáveis pelas


maiores empresas de comunicação do Estado de São Paulo, atuando nas áreas de internet,

78
televisão e assessoria de comunicação. Buscou-se evitar ex-alunos da universidade, para
que o recorte se distanciasse de outros estudos componentes deste relatório. Outra
condição importante é que tivessem um cargo de direção nas empresas de comunicação
e, se possível, que atuassem na contratação de jornalistas.

Optou-se por uma pesquisa qualitativa, pois ela permitiu obter comentários e análises que
serviram de subsídios para a produção deste documento.

O leitor vai notar que muitas das porcentagens apresentadas no início das análises do
resultado da pesquisa são semelhantes ou arredondadas. Isto ocorre por que não se trata
de uma pesquisa quantitativa com um universo expandido de entrevistados. O mais
importante, aqui, são as observações dos entrevistados.

As perguntas do questionário buscam avaliar o que os dirigentes buscam de novas


habilidades nos profissionais da área de jornalismo, pressupondo que uma dessas
condições seja a atuação em áreas próximas, como publicidade e marketing. A pesquisa,
qualitativa, busca comprovar (ou não) observações empíricas feitas nas contratações de
alunos durante seus estudos nas universidades e nas conversas informais com eles. Como
a universidade também promove vários eventos com profissionais da área de jornalismo,
também percebeu-se nessas atividades que tem sido recorrente o discurso de que a
profissão, assim como tantas outras, está passando por transformações.

O termo conteudista, usado no título deste artigo, é uma aglutinação das palavras
conteúdo e jornalista. Essa denominação tem sido usada no meio educacional para
caracterizar um profissional capaz de desenvolver recursos para aulas de ensino à
distância, mas parece que, neste caso, o termo torna-se ainda mais adequado ao
jornalismo.

Resultados da pesquisa

A criação e desenvolvimento de sites e aplicativos como os de edição de vídeos tem sido


uma das tarefas demandadas de profissionais de jornalismo. A questão proposta na
pesquisa é caracterizada como “tecnologia em um nível mais avançado”, pois as noções
básicas podem ser desenvolvidas até mesmo por usuários mais comuns. 60% dos
entrevistados consideraram que este aspecto é importante na atividade profissional do
jornalista. Durante muito tempo esse tipo de atividade ficou restrita aos profissionais

79
formados na área de rádio e TV. Porém, uma rápida passagem pelas redações das
emissoras de televisão permite observar muitos jornalistas já operando ilhas de edição de
vídeo. Ainda que ele não seja propriamente um operador, o conhecimento dos recursos
pode, por exemplo, facilitar a própria elaboração de um roteiro ou até mesmo de uma
pauta. Editar vídeos também permite uma rápida transmissão de notícias para as redes
sociais, ainda que transmitidas por smartphones, já que há aplicativos de edição de vídeos
desenvolvidos para esse tipo de equipamento.

O conhecimento na área de marketing foi considerado um aspecto de destacada


importância pelos entrevistados. 20% deles chegou a considerar esse aspecto pouco
importante, medido na escala Likert39. É possível que os entrevistados tenham
considerado o marketing em sua acepção mais mercadológica, como uma ferramenta de
vendas, enquanto que modernamente há novas estratégias, como marketing de conteúdo
ou inbound marketing, com o uso do marketing para promover o que se convencionou a
chamar de “encantamento de clientes”, usando técnicas como as de storytelling.

A proposta da aproximação do jornalismo com o marketing pode apresentar-se de formas


distintas. A experiência do jornal Los Angeles Times (Mulard, 1997) no final do século
XX, quando jornalistas se aproximaram do departamento comercial, parece ser tida como
uma experiência significativamente negativa para a profissão até os dias atuais. Na época,
propôs-se, por exemplo, que ao fazer uma reportagem sobre um bairro, a equipe comercial
desenvolvesse uma estratégia para vender anúncios sobre lançamentos imobiliários na
região. A estratégia não funcionou.

A discussão não é sobre a proximidade do marketing com as redações, que parecem


necessitar de uma independência editorial, mas sim no sentido inverso. Do jornalista com
as empresas produtoras de marketing editorial. E neste sentido, é possível acreditar-se em
uma sinergia maior, dentro da proposta de Pullizi, que não deixa claro o uso das técnicas
jornalísticas, mas que destaca a importância do conteúdo como uma forma de adicionar
informações novas e relevantes para a marca.

39
Gradações da escala: 1) discordo totalmente, 2) discordo, 3) indiferente (ou neutro), 4) concordo e 5) concordo
totalmente.

80
Quando questionados sobre a importância da gestão de projetos, apenas um dos
entrevistados destacou esse fator como importante. Por se tratar de uma importante player
na área de televisão, o dirigente destacou essa necessidade.

A instituição mais renomada no mundo dos projetos chama-se PMI (Project


Managemente Institute). E para facilitar o entendimento sobre a área, criou um
documento chamado PMBOK (Project Management Body of Knowledge). Para a PMI, a
gestão de um projeto é um esforço “temporário empreendido por criar um produto,
serviço ou resultado único e exclusivo” (Project Builder, online, 2020). Como se vê,
embora tenha sua principal função na área executiva das empresas, é perfeitamente
adequada às demandas das produções de conteúdo e, na prática, muitos jornalistas já a
executam, sobretudo os editores. Talvez o que não ocorra seja uma sistematização como
é feita em projetos a longo prazo. Essa sistematização provavelmente não ocorre com o
uso de ferramentas de workflow pela natureza das atividades, dinâmicas, mas seria
perfeitamente adequada, por exemplo, no desenvolvimento de um videodocumentário.
Também não tem sido usual que o profissional de jornalismo envolva-se com aspectos
relacionados à gestão de custos nos projetos, mas não seria uma surpresa se algumas
organizações já exijam ou passem a exigir.

Desenvolver conteúdos em diferentes plataformas apresentou-se como uma habilidade


necessária para 60% dos entrevistados. Essa resposta é coerente com a primeira, que
aborda a importância da criação e desenvolvimento de sites e aplicativos como os de
edição de vídeo. Compreende-se aqui como diferentes plataformas as redes sociais,
vídeos, mídia impressa e áudio. Porém, cada vez mais surgem novas mídias, como telas
com mensagens em elevadores e supermercados ou até mesmo games. O que pode ser
ponderado é que há uma diferença substancial entre criar novos conteúdos e “alimentar”
os canais com conteúdos já existentes. Desta forma há um desafio maior, pois além da
competência para manter os conteúdos, é possível considerar-se que se espera também
uma capacidade criativa por parte desse novo profissional.

A pesquisa também mostra a importância do relacionamento interpessoal e da capacidade


do trabalho em grupo, defendida por 80% dos entrevistados, o que parece ser natural em
um ecossistema onde as atividades cada vez mais têm que ser concatenadas entre
profissionais e equipes, diferente da concepção paradigmática do jornalista solitário que
buscava incessantemente o furo e apresentava para sua equipe.

81
A maioria dos dirigentes (80%) também descartou a necessidade de formação superior
para profissionais de comunicação. Deve-se considerar que não foi abordada aqui a
questão da exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, extinto pelo
STF em 2009.

Nas questões abertas abordadas pela pesquisa é que podemos conhecer com mais
profundidade a percepção sobre os profissionais. Uma das questões indagava: “Como
você avalia a formação de profissionais recém-formados nos cursos de Jornalismo e/ ou
Publicidade?”. As respostas variam. Mas é recorrente o fato de que os recém-formados
chegam às redações sem saber como é a sua dinâmica, sem perspectiva sobre o
funcionamento das redações, desconhecendo as rotinas do trabalho. A dirigente de uma
assessoria de comunicação atribui isso a uma defasagem entre o que ensinam as
universidades e as constantes alterações no mercado de trabalho. Também foi criticada a
competência para a produção de textos. “Os formandos saem da universidade com pouca
ou nenhuma noção do mercado. Muitas vezes mal sabem redigir textos”, argumentou a
chefe de redação de uma publicação tradicional especializada em cobrir assuntos do setor
de comunicação.

Foi perguntado: “Quais são, na sua opinião, as principais falhas nessa formação? E os
pontos positivos?”. Um dos aspectos positivos abordados foi a preparação das
universidades para a discussão das questões éticas e também algum conhecimento teórico.
Porém, dois aspectos foram recorrentes. O primeiro de que o estudante sai da universidade
despreparado para enfrentar questões como desenvolver uma autonomia financeira,
autogerenciamento de sua carreira, organização empresarial e pouco conhecimento sobre
ferramentas digitais. Uma editora disse que “falta na grade curricular, imagino, cadeiras
que preparem estes jovens para o mercado atual.” Para os entrevistados, é como se
houvesse um “abismo” entre os que as universidades pregam e o que o mercado espera
do profissional: alguém com iniciativa, criatividade e capacidade de redigir textos.

Sobre as habilidades necessárias, três foram apresentadas: habilidades com novas


tecnologias, criatividade e senso crítico. As duas primeiras já foram destacadas neste
artigo, mas o senso crítico abordado pelos entrevistados refere-se ao fato de o profissional
saber distinguir o que é um fato novo, de interesse para a sociedade, e quando se trata de
uma informação falsa, mais conhecida como “fake news”. Os entrevistados destacaram
que muitos profissionais recém-formados mostram dificuldades para apurar e usar
ferramentas que possam confirmar as informações. Uma das questões procurava saber se
82
os dirigentes notavam que os profissionais recém-formados têm mostrado uma mudança
no desenvolvimento dessas habilidades. A maioria disse que apenas observou um
aumento na competência para atuar com as tecnologias digitais, mas que muitos atuam
de forma isolada. Ou seja, quem mostra habilidade com a edição de vídeos tem
dificuldades com as fotografias ou com diagramação e que o mercado exige um
profissional multitarefa.

Sobre a aproximação do jornalismo com novas estratégias de marketing de conteúdo e


branded content para a divulgação de marcas, as respostas são mais diversificadas. Para
alguns, essas novas estratégias não são jornalismo e devem ser evitadas. Para outros, é
“uma tendência de fato do mercado, que tem sido exigida cada vez mais dos jornalistas,
e que os cursos de comunicação devem contemplar”. Porém, quase todos são unânimes
em dizer que, independentemente de ser ou não jornalismo e do que esse mercado
representa, os profissionais mostram-se pouco capacitados para lidar com essas
tendências.

Considerações finais

Duas lacunas ficaram evidentes nesta pesquisa: a ausência de competências para


multitarefas que exijam um conhecimento mais aprofundado e falta de preparo para um
mercado que remodelou nas últimas décadas.

Houve questionamentos sobre a qualidade dos textos produzidos e também sobre o senso
crítico necessário para tratar as informações. Porém, acredito que se esta pesquisa fosse
desenvolvida em outras ocasiões, os resultados não seriam diferentes. Parece ser
recorrente uma certa ausência de sinergia entre as necessidades do mercado e as
competências apresentadas por profissionais recém-formados. Porém, é possível
considerar que isso também ocorra em outras áreas como as de saúde, administração,
direito etc.

Mas há dois aspectos que merecem uma melhor reflexão nesse contexto paradigmático.
O primeiro é a setorização do profissional, que desenvolve habilidades específicas,
enquanto o mercado procura o que se convencionou chamar de um profissional
“holístico”, inteiro, completo. Uma das razões pode ser a precarização das relações no
mercado do trabalho, que procura atuar cada vez mais com um número menor de

83
profissionais. Essa concepção pode parecer paradoxal em uma atividade como a do
jornalista, que atribuiu um conceito singular ao termo “setorista”, ou seja, especialista em
um setor.

Nos anos 1980 a Folha de S. Paulo, por exemplo, tinha um jornalista setorista
especializado nos assuntos da Câmara Municipal, Aeroporto ou Assembleia Legislativa.
Para ilustrar, o profissional ficava o dia todo nessas repartições e no final do dia produzia
seus textos, algo inconcebível para os dias atuais. E o mercado hoje busca alguém que,
mais do que conhecer sobre vários assuntos, também seja capaz de produzir vídeos de
forma profissional, editar áudios e tenha noções de programação na internet. Sem dúvida
um grande desafio para os novos profissionais.

O segundo aspecto destacável é o que parece ser uma desconexão entre as universidades
e o mercado no aspecto das novas atividades. Isto também pode soar como recorrente.
O que se destaca aqui é que o jovem entra na universidade pensando em ter uma atividade
remunerada nos moldes da CLT e muitos acabam tendo que criar e gerenciar projetos ou
pequenas empresas.

Referências Bibliográficas

MEYER, Philip. Os jornais podem desaparecer. São Paulo: Contexto, 2007

MULARD, Claudine. Jornal segue fórmula comercial para mudar. Folha de S. Paulo.
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/11/23/mundo/13.html. Acessado
em 15jan2020

PULLIZI, Joe. Conteúdo SA: como os empreendedores usam o conteúdo para gerar um
público enorme e criar empresas bem-sucedidas. São Paulo: DVS Editora, 2017.

Digital News Report. Disponível em


<https://static.poder360.com.br/2019/06/DNR_2019_FINAL-Reuters-1.pdf>. Acessado
em 15 de janeiro de 2020.

PROJECT BUILDER. Disponível em <https://www.projectbuilder.com.br/blog/o-que-e-


gestao-de-projetos/>. Acessado em 15 de janeiro de 2020

84
Capítulo 7

Tendências para um futuro desconhecido: os novos paradigmas do


mundo do trabalho em publicidade.

Alvaro Bufarah Junior40

Cenário de mudança na comunicação e na publicidade

As mudanças trazidas pelos avanços tecnológicos do final do século XX foram sentidas


em todas as áreas do conhecimento humano. Os desdobramentos políticos, econômicos e
socioculturais destes processos foram tão profundos que vários autores os denominam de
Revolução da Informação.

Nos anos 2000, a tecnologia da informação aumentou a produtividade das empresas à


medida em que se tornaram mais eficientes, aproveitando ao máximo as inovações.
Porém, o número de postos de trabalho caiu em detrimento do uso das tecnologias, pois
houve um aumento do sistema de automação; terceirização de trabalho para outros
estados e países; a própria área de tecnologia assistiu departamentos inteiros serem
centralizados em computação em nuvem. Neste contexto, chegamos à crise de 2008, em
que a liquidez dos mercados desapareceu e os investimentos foram cortados. Empresas
quebraram ou tiveram de reduzir seus quadros a menos da metade. Na era pós-crise,
houve uma retomada do crescimento econômico mundial, mas sem a reabertura de todos
os postos de trabalho cortados no período da crise (FORD, 2019, p. 81-83).

Passada a primeira onda de criação e desenvolvimento da internet, avançamos para a


segunda década do século com a consolidação das “novas tecnologias”. Os impactos
destes processos foram tão profundos que há autores que defendem que o mundo está
vivenciando uma mudança bem maior do que as simples alterações nos hábitos de
consumo e do perfil das indústrias. Defendem a ideia de uma mudança de “Era” que vem
acompanhada por uma série de transformações de níveis estruturais. Estes processos
podem ser verificados em praticamente todos os setores econômicos, tendo como carro

Professor dos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo – Centro de Comunicação e


40

Letras – Universidade Presbiteriana Mackenzie.


85
chefe o da comunicação, incluindo o marketing e a publicidade, áreas que cresceram,
diversificando-se e segmentando-se.

O estudo desenvolvido pelos pesquisadores Gustavo Cardoso, Carlos Magno, Tânia de


Morais Soares e Miguel Crespo, intitulado “Modelos de Negócios e Comunicação
Social”, traça 18 grandes linhas que moldam a evolução que assistimos aplicada ao setor
de comunicação (2016, p. 24-28).

O primeiro item é o que chamam de “tempos de transição tecnológica e de novos padrões


de criação de valor”, momento em que a tônica está na busca por novos modelos de
negócios economicamente sustentáveis, já que os modelos anteriores demonstraram total
esgotamento. Em seguida indicam que a primeira fase da transição digital terminou,
momento em que as questões digitais não podem ser mais encaradas como algo externo
ou isolado das empresas de comunicação. Para eles, a transição já se instalou, é autêntica
e multidimensional nos processos e nos produtos e serviços das organizações, e
concluem: “o saber fazer digital não basta, é preciso saber ser digital”.

A pesquisa revela que o espaço empresarial pensado em um ambiente de mídia expandida


forçou que as diversas mídias se adaptassem às novas regras do ambiente digital
dialogando entre si e com os diversos públicos. Neste sentido, é importante que se tenha
esta mesma lógica na gestão das empresas, nas dimensões produtivas, na cultura
organizacional e na leitura dos públicos. Desta forma, é preciso considerar que para a
criação de novos negócios, as empresas precisam se movimentar no mesmo ambiente
mental de seus destinatários. As empresas do setor de comunicação e marketing têm de
adotar uma nova linguagem interativa em que o usuário tenha a possibilidade de decidir
(ou não) o meio e os tempos de consumo.

Outro fator importante é a menor distinção entre os canais de distribuição. Na segunda


década do século XXI, a tendência é de cada vez mais haver uma menor diferenciação
entre os canais de consumo de mídia. As empresas têm o grande desafio de reconfigurar
suas ofertas de forma transversal. Neste contexto, a remuneração está ligada à fidelização.
As empresas precisam garantir uma ótima relação com seus públicos para só então pedir
uma remuneração justa pelos seus conteúdos e investimentos.

Ao mesmo tempo, à medida que a rede se torna cada vez mais intangível fisicamente, os
sistemas tornam- se “psicologicamente” mais próximos e mais sensíveis ao toque e ao

86
gesto, marcando, assim, uma perda do protagonismo do PC diante do uso de celulares,
tablets e dos modos de navegação mais orgânicos.

Segundo os pesquisadores CARDOSO, MAGNO, SOARES, CRESPO (2016, p. 32-38),


o uso de conteúdos de raízes digitais é, e será, cada vez maior em detrimento do consumo
de conteúdos criados originalmente analógicos e convertidos para os meios digitais. Ou
seja, a mera adaptação de materiais para o ambiente digital leva a experiências falhas e
investimentos com baixo ou sem retorno.

Outro fator determinado no estudo é o marketing dialogicamente inclusivo, em que o


usuário está no centro da estratégia de mercado das marcas, sendo cada vez mais
importante utilizar dados e indicadores de tendências para uma gestão hipersegmentada
e decisões fundamentadas em uma estratégia hiperanalítica. Desta forma, a distribuição
de conteúdo passa pelos agregadores e grandes portais. Cada vez mais será necessário
negociar com as grandes empresas do setor de internet, pois elas têm grande capacidade
de influenciar os comportamentos de consumo. Para atender a uma demanda crescente,
as empresas de comunicação (marketing e publicidade) deverão abrir espaço para
pequenos produtores de conteúdo e também será necessária uma nova organização dos
limites do direito autoral e seus contextos, além de uma reestruturação estratégica do setor
publicitário.

Não podemos perder de vista que o consumo de conteúdos em diferentes plataformas


levará à ampliação do uso dos aplicativos para facilitar o uso em diferentes formas e
momentos distintos atendendo a uma escolha do usuário. O perfil de geração de material
de múltiplos usuários para outra infinidade de consumidores pode ser uma forma de
expandir o alcance das marcas das empresas de mídia. Porém, será necessário o uso de
estratégias assertivas e formas de contatos mais sutis com os usuários. Isso em
contraposição a um momento em que os leitores são saturados de mensagens diariamente.

Outra intenção registrada pelo estudo é a maior produção de conteúdos pelos usuários. A
tendência é de aumento da produção de material pelos consumidores tendo em vista as
facilidades do uso de ferramentas de produção e edição de texto, áudio, vídeo e fotos. Os
usuários tendem a encontrar novas formas de usar e reutilizar os conteúdos, abrindo
espaço para novos materiais postados e novamente reeditados e publicados em um
looping infinito de possibilidades.

87
A superabundância de informação é uma oportunidade real para as empresas de
comunicação (marketing e publicidade). Com o excesso de informações, os dados passam
a ser menos importantes diante da necessidade de organizá-los, seja por uma ferramenta
específica ou por curadoria. Portanto, o que parece um problema pode ser uma boa
oportunidade para as empresas do setor, incluindo agências de publicidade, produtoras,
meios de comunicação e anunciantes.

Temos de considerar a existência de novos setores econômicos como o uso do big data
combinado com a computação em nuvem e a gestão de diversas plataformas de conteúdos
gerados pelos usuários. Estes setores têm alto potencial de crescimento de receita para os
próximos anos, auxiliando o desenvolvimento de produtos e serviços novos para o setor
de comunicação.

Também devemos agregar outro elemento a este cenário: a Internet das Coisas. Há uma
tendência real do uso de dispositivos inteligentes agregados ao nosso cotidiano. O grande
desafio das empresas do setor de comunicação será desenvolver conteúdos passíveis de
serem consumidos em todos estes novos equipamentos. Caso contrário, poderão ser
excluídos deste novo filão.

A maior integração das mídias tende a reduzir ainda mais a separação entre os meios. Este
cenário já atinge vários mercados, como exemplo o de televisão, em que empresas de
tecnologia como Samsung e Apple tendem a crescer buscando se consolidar. De outro
lado, empresas nativas como Google, Netflix e Hulu também tendem a expandir seus
domínios. Diante deste quadro, as emissoras de televisão convencionais tendem a perder
mercado caso não atuem com velocidade na busca por novos produtos e serviços que
gerem novas formas de receita.

Na esteira destas análises, ainda temos o empoderamento das audiências. Com o


desenvolvimento das tecnologias, os indivíduos tendem a ter mais controle sobre a
produção, distribuição e consumo da informação. Neste contexto, o marketing precisa ser
relacional e não apenas focado em venda.

Todos esses elementos apontam para uma mudança radical na forma de consumir
produtos e serviços nas mais diversas áreas, entre elas, o setor de comunicação (marketing
e publicidade) e entretenimento. As empresas de comunicação sentiram muito a mudança
que se reflete na forma de captar recursos, especialmente as relacionadas à mídia
tradicional (emissoras de rádio e TV, jornais, agências de notícias, assessorias de

88
comunicação etc.). Neste momento, após a consolidação dos meios digitais, o que se nota
é falta de iniciativas estratégicas e práticas para reagir a estas mudanças, adaptando-se
aos novos cenários.

Ao analisarmos o segmento de publicidade e propaganda, verificamos que as variáveis


indicadas acima impactaram de forma direta na estrutura das empresas desta área, mas
para base deste estudo focaremos na necessidade de um novo perfil profissional que
atenda as necessidades das empresas de comunicação (marketing e publicidades diante
destes paradigmas.

A pesquisa de campo com profissionais do setor

Para ajudar no esclarecimento destas questões, foi desenvolvida a pesquisa “O ensino e a


ética do jornalismo e da Publicidade e Propaganda em um cenário de hibridismo e
transformações do mercado de trabalho”, tendo com responsável a Profa. Dra. Denise
Cristine Paiero, do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Esta pesquisa tem por objetivo investigar os processos de transformação do
ensino e da realidade profissional na área de comunicação, com ênfase no fenômeno de
hibridismo entre o jornalismo e a publicidade.

Como instrumental de trabalho, foi desenvolvido um questionário padrão com 20


perguntas, das quais 12 são testes e 8 dissertativas. O foco foi o perfil desejado pelos
empregadores na área de publicidade e propaganda. Foram convidados 25 gestores de
diversos segmentos do mercado publicitário, sendo que foram obtidas 9 entrevistas com
profundidade realizadas entre os dias 02/12 e 20/12 de 2019. As entrevistas foram
realizadas via telefone ou Skype. Importante destacar que a pesquisa foi desenvolvida
com apoio do MackPesquisa, que, por meio do seu Conselho de Ética, orientou que os
os entrevistados não deveriam ser identificados ao longo dos textos. Para tanto, foi
mantida a indicação dos conteúdos apenas com referência aos cargos, sem citar empresas
e pessoas.

Do total de entrevistados, 3 têm formação em Publicidade e Propaganda, 2 em Design, 1


em Jornalismo, 1 em Computação Gráfica e 1 em Administração de Empresas com ênfase
em Marketing. O que indica a diversificação das formações na área de comunicação.

89
Outro parâmetro da pesquisa é a média de anos em que os respondentes atuam na área: 5
estão no ramo há mais de 20 anos, 3 atuam entre 10 e 20 anos e apenas 1 tem menos de
10 anos de experiência no segmento.

Importante destacar que todos os entrevistados participaram dos processos de seleção de


novos funcionários em suas empresas, tendo, muitas vezes, o poder de decisão na
contratação.

Quando avaliamos o tipo de empresa dos participantes da pesquisa temos 3 que trabalham
em agências de publicidade, 4 em empresas de mídia, 1 no setor de marketing de uma
instituição de ensino e 1 em produtora de conteúdos digitais. Dados que revelam a
diversificação dos segmentos no setor.

O que é reforçado pelo perfil de cargos: 1 diretor estratégico de agência, 2 gerentes de


marketing, 1 vice-presidente de criação e conteúdo, 1 diretor da área de digital, 3
coordenadores (um de marketing, um de criação e outro de pesquisa) e 1 head de consumo
e marketing.

Um dado interessante é que as equipes têm tamanhos diferentes atendendo às


necessidades de cada empresa no segmento, considerando que o uso das tecnologias de
comunicação e informação otimizaou as tarefas ajudando a reduzir custos e tornar mais
eficientes as equipes. Desta forma, os entrevistados responderam que têm equipes que
variam de 3 a 83 pessoas. Sendo 4 equipes com menos de 10 pessoas, 2 entre 20 e 30
funcionários e outra com mais de 50.

Considerando a escala Likert, em que 1 é o menor valor e 5 o maior valor possível de


avaliação (como mais importante), a maioria dos respondentes (4) afirmou que a
tecnologia em um nível mais avançado para criação e desenvolvimento de conteúdos e
ferramentas digitais é menos importante quando se avalia um novo profissional recém-
formado. Apenas uma das empresas julga este quesito como muito importante.

Porém, quando questionados sobre conhecimentos na área de marketing, 5 responderam


que é fundamental, indicando que o conhecimento teórico adquirido na graduação é a
base para o relacionamento profissional dos novatos com os demais funcionários da
empresa, pois é este conteúdo que facilita o entendimento das estruturas e estratégias do
setor.

90
Outro fator preponderante nas afirmações dos entrevistados é a necessidade de que os
formados em publicidade e marketing tenham conhecimentos de gestão de projetos. Dos
9 gestores entrevistados, 85% consideram este elemento com importante ou muito
importante. Da mesma forma que, ao serem questionados sobre a capacidade dos recém-
formados de criarem conteúdos em diferentes plataformas, 85% das respostas informaram
que é uma competência muito apreciada pelas empresas.

Curiosamente, as respostas à questão seguinte (pergunta 11) desmistificam parte do


conceito de que todos os profissionais na área devem ter fluência no idioma inglês. Para
50% dos entrevistados, isso é importante, porém não fundamental. Mas 85% das respostas
são afirmativas quanto a necessidade da capacidade de relacionamento interpessoal com
outras pessoas em grupos de trabalho.

A partir da questão 12, são solicitadas respostas dissertativas (mais profundas) de cada
um dos participantes, visando o aprofundamento dos dados. Desta forma, quando
questionados sobre a importância da formação superior, as respostas apresentam a
valorização das graduações, pois 7 dos 9 entrevistados afirmam que é sim, muito
importante a passagem pelos bancos acadêmicos. E apenas 2 gestores descartam esta
necessidade. Um dos pontos buscados para as contratações de novos profissionais é o
fator comportamental somado a uma boa base de conhecimento adquirido nos cursos,
porém o fator decisivo está na “iniciativa, no protagonismo, na vontade de aprender
mais...”. Complementando este posicionamento, o diretor da produtora de conteúdo
afirma que:

Hoje o mercado oferece muitos conhecimentos em diversas plataformas


e muito baseado na experiência que se tem, cada vez mais cedo para a
nossa juventude. Entretanto, esses conhecimentos, na maioria das
vezes, são soltos e voltados apenas a partes práticas (ferramentas,
linguagens, plataformas), que se em 3 ou 5 anos (cada vez mais cedo)
não existe mais a necessidade do determinado conhecimento, os
profissionais ficam perdidos. É necessário, na minha visão, que os
conhecimentos adquiridos estejam sempre alinhados aos objetivos do
mercado e as oportunidades que os alunos podem “surfar”. E pra esse
papel, a formação superior é essencial. Precisamos de futuros
profissionais cada vez mais completos e capacitados a pensar, discutir
e inovar. (entrevista realizada em 2019)

Ao serem perguntados sobre como avaliam a formação profissional dos recém-graduados


nos cursos de publicidade, eles concordam com a importância dos cursos de graduação.

91
Porém, todos os entrevistados foram unânimes em dizer que os cursos trazem “muita
teoria e pouca prática”, pois o mercado de publicidade, propaganda e marketing é muito
dinâmico, necessitando que se tenha uma maior interligação das ações cotidianas das
empresas com o que é ministrado em sala de aula.

Para a VP de criação e conteúdo, a formação acadêmica é muito importante, mas não


fundamental. Ela valoriza especialmente a experiência no desenvolvimento de pesquisas
ao longo do período da graduação. Para esta gestora, um dos pontos falhos da formação
dos jovens publicitários é a falta de desenvolvimento de competências emocionais e um
melhor comportamento para negócios. Por outro lado, ela elogia o olhar “fresco e as novas
ideias dos novatos”. Um dos gestores fez questão de frisar que a lacuna entre teoria e
prática é maior com os estudantes das universidades públicas, pois a falta de
relacionamento entre as instituições e o mercado é reconhecida há anos.

Já um dos coordenadores que respondeu à pesquisa disse que os alunos saem da academia
como “generalistas e descolados das realidades do ambiente de trabalho”.
Complementando esta visão, o coordenador de marketing destacou que os jovens são
utópicos, rasos e sem vivência coorporativa. Este último quesito é um dos pontos mais
ressaltados pelos entrevistados. Também temos respostas que indicam a falta do bom uso
do idioma materno, ou seja, o português. Um dos profissionais entrevistados explicou que
os estagiários e os recém-formados escrevem muito mal, não sabendo apresentar um
pensamento de forma ordenada.

Para a questão “Quais as habilidades mais valorizadas nos profissionais de publicidade?”,


podemos destacar: visão global das situações; conexão com pessoas; uso de habilidades
técnicas (ferramentas de uso profissional); conhecimento de métricas; capacidade de
adaptação; inovação; não se eximir da solução dos problemas; maturidade; ser bem
informado; capacidade de gerenciamento do tempo; entendimento sobre o que é
importante (prioritário) e análise de dados. Impressionante que apenas um dos
entrevistados indicou “criatividade” como sendo uma das competências mais importantes
na avaliação de um novato.

Os entrevistados opinaram com a mesma linha de respostas ao serem questionados sobre


a percepção de mudanças nas demandas profissionais para os publicitários. A maioria
registrou as alterações sofridas pelas empresas do setor e avaliou que os perfis
profissionais passaram a ter uma importância estratégica para os negócios. Desta forma,

92
segundo os entrevistados, as equipes precisam de profissionais multitarefas que entendam
das diversas áreas de comunicação e ao mesmo tempo sejam membros especializados das
equipes, colaborando com know-how de suas vivências e apresentando uma visão
diferenciada do todo para o grupo. Como explica a VP de criação:

Acho que as principais mudanças se referem a uma maior fluidez entre


os meios, entre o on e o off, entre as tecnologias e formas de chegar no
público. O que se reflete em uma maior multidisciplinaridade, por um
lado (eu escrevo, edito, faço o layout do post, por exemplo), e uma
maior necessidade de especialização, por outro (serei o melhor editor
de vídeo/motion designer do mercado). São dois caminhos, não
necessariamente excludentes. Lembro que quando estava saindo da
faculdade havia uma barreira muito clara entre o jornalismo online e o
offline, e dentro dessas duas frentes, profissionais com especialidades
bem diferentes: o editor, o repórter, o designer, o coordenador de pauta,
o fotógrafo, o produtor, o programador, e ainda tudo isso reproduzido
em diferentes temas (política, cultura, internacional, esportes,
economia) e meios (jornal, rádio, TV, revista). Se hoje em dia tudo está
mais misturado e o profissional faz um pouco de tudo, também vejo
uma valorização quando alguém é muito especialista em algo.
(entrevista realizada em 2019)

Na mesma linha de raciocínio, o diretor da produtora de conteúdo complementa


afirmando que:

...precisamos formar profissionais alinhados com o que o mundo está


pedindo, pois é isso que nossos filhos irão experimentar. A dificuldade
de geração de empregos voltados para produção de conteúdo
(multiplataforma), pois a máquina está fazendo isso com velocidade,
escala e cada vez menor investimento – a China/Índia pararam de
produzir MVPs e PoCs, e começaram a implementar soluções e já
apresentar resultados com dados par ao mundo. A velocidade é outra.
O que a máquina não vai ter, ou vai demorar a ter, é expertise nas
relações interpessoais e a capacidade analítica que produz estratégias
efetivas. E nesse aspecto estamos carentes... não é mais o especialista
ou o generalista... mas o conceito de nexialismo que tem tomado o
mercado (entrevista realizada em 2019).

Como ele indicou, temos o surgimento de um novo perfil profissional: o nexialista, que
segundo o entendimento comum é o profissional que mescla a diversidade e profundidade
de conhecimentos de modo que tudo tenha nexo entre si.

Sobre a tendência de crescimento de estratégias de Marketing de Conteúdo e Branded


Content na divulgação das marcas, os entrevistados avaliaram que não há mais uma

93
separação entre as áreas e que a produção de conteúdo não é só uma tendência, mas sim,
uma ferramenta de comunicação que deve ser explorada dentro de um contexto
apropriado. A gerente de marketing de um veículo de comunicação indica que “ marcas
autênticas com personalidade, transparência e propósito se tornam necessárias”, sendo
este o grande diferencial para o anunciante.

De forma convergente, a posição da colega de área, a VP de criação e conteúdo, afirma


que a forma de comunicação é nova, porém o desafio é muito antigo:

Voltamos ao desafio de sempre: relevância. E isso passa por


encantamento (emocionar, fazer rir, fazer chorar, fazer lindo, inovar,
chocar), características que sempre foram da boa Publicidade, mas
também por entregar utilidade (identificar uma pauta relevante, traduzir
e disseminar um comportamento, ensinar, representar, informar, fazer
diferença real, mobilizar, conectar as pessoas), características que
sempre foram do bom Jornalismo. Entendo que o que faz sentido hoje
é a união da utilidade com encantamento. Quando ensinamos e fazemos
rir ao mesmo tempo, ou quando propomos uma conversa atual de uma
forma visualmente maravilhosa e nova. Pra mim, utilidade com
encantamento, encantamento com utilidade, é o caminho da relevância
(entrevista realizada em 2019)

Concluímos as entrevistas indagando se os profissionais de comunicação/publicidade


estão capacitados para lidar com as tendências expostas. Os entrevistados foram taxativos
em colocar que não acreditam que os seus pares estejam aptos a enfrentar estas mudanças
do mercado.

A mesma profissional, indicada acima, fecha o raciocíonio sobre estas mudanças:

Acho que ninguém está pronto porque estamos inventando esse


caminho enquanto percorremos. Mas vejo que ainda há quem
negue essa necessidade, quem fique feliz por colocar seu filme
lindo, mas sem conteúdo algum, na rua e encher de mídia. Ou
quem queira fazer a sua reportagem de milhares de caracteres
sem pensar em formas mais interativas e amigáveis de contar a
história. Não acho que é precise saber fazer, mas estar aberto a
experimentar e pensar sempre nas pessoas que estão do outro
lado da tela (entrevista realizada em 2019).

94
Na mesma linha, o produtor complementa indicando que há uma necessidade de se avaliar
todo o processo de comunicação antes de se produzir qualquer conteúdo:

Todos os profissionais da comunicação precisam estar em maior


contato com tendências globais, entendendo que a discussão não é de
off-line vs on-line, mas comunicação veloz, multiplataforma, que
precisa reinventar as disciplinas tradicionais para atender as
necessidades do mercado. É pensar a jornada das marcas, dos
consumidores muito antes de produzir conteúdo (2019).

Paradigmas do mundo do trabalho em publicidade

As respostas dos profissionais entrevistados demonstraram a preocupação com um setor


que se altera na mesma velocidade em que a tecnologia avança, mudando paradigmas dos
setores econômicos. Importante trazer a esta pesquisa a indicação de tendências para o
biênio 2019/2020, embora não seja possível garantir a efetivação prática de todas as ações
listadas.

O jornal Meio&Mensagem (2020) divulgou uma pesquisa intitulada “o Futuro do


Trabalho”, desenvolvida pela publicitária Cintia Gonçalves e pelo consultor de inovação
e consumer insight Diego Selis, da SEL Histórias de Comportamento. O estudo foi
realizado entre outubro e dezembro de 2019 e mesclou metodologias quantitativas e
qualitativas, com o objetivo de entender o que pensam os profissionais iniciantes e
seniores sobre o universo do trabalho. A etapa quantitativa foi realizada pelo Instituto
Qualibest de 3 a 13 de dezembro do mesmo ano.

Os dados indicaram que a perspectiva de mudança e a incerteza afetam os profissionais


de diferentes idades e posições dentro da área publicitária e de comunicação. Neste
processo, a tendência verificada é de que as carreiras sejam cada vez mais fragmentadas,
contrapondo a linearidade das profissões no mundo antes da revolução da informação.

O ponto comum entre as diferentes gerações é a dúvida sobre o que irá acontecer no
mercado de trabalho. Segundo dados da pesquisa, 52% dos pesquisados dizem não saber
quais profissões existirão ou não no futuro. De acordo com a etapa quantitativa, 71% dos
respondentes acreditam que as empresas terão menos funcionários no futuro. Os dados
levantados estão focados em duas gerações especialmente: a X e a Z.

95
Segundo o estudo, os profissionais da geração X têm medo de serem substituídos pelos
mais jovens e de não conseguirem acompanhar as mudanças tecnológicas. Porém, entre
os mais jovens (geração Z) há uma ansiedade com relação ao desconhecido.

Como consequência de carreiras não-lineares, os pesquisados acreditam que o mercado


valoriza cada vez mais a vivência e experiências profissionais diversas em detrimento de
títulos hierárquicos.

Outra tendência do setor é o aumento do uso de plataformas e da informalidade na


contratação de serviços. O que se chama no mercado de “economia gig”, caracterizada
pelo ambiente que compreende trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício,
como freelancers e autônomos, além de empresas contatadas para serviços pontuais.

Na prática, a transformação digital trouxe mudanças que extrapolam o espectro do uso


das tecnologias, alterando as relações de trabalho e as expectativas das pessoas em relação
a elas. Com isso, as empresas ficam mais suscetíveis as pressões econômicas e às
demandas dos colaboradores, levando os profissionais a buscarem novos modelos de
contratação e gestão dos negócios no setor de comunicação/marketing e publicidade.

De acordo com dados da pesquisa divulgada pelo Meio&Mensagem (2020), os


profissionais, tanto mais jovens quando os veteranos do mercado, esperam um futuro com
mais adaptabilidade e autonomia, sendo que 80% dos respondentes acreditam que as
pessoas poderão trabalhar em empresas de qualquer lugar no mundo. Outros 72% dizem
que o empreendedorismo será o principal conceito que guiará as empresas em 2040.
Dentro deste contexto, haverá grande chances de um publicitário mudar de área várias
vezes durante a carreira, mesmo para setores distintos de sua formação.

Em uma pesquisa realizada em 2019 pela empresa Pearson com 1.000 brasileiros, 64%
dos participantes disse que já está ultrapassada a ideia de trabalhar em um único
empregador durante sua carreira. Por outro lado, há profissionais que já esperam trabalhar
em projetos pontuais e em funções que talvez ainda não existam, contrapondo o conceito
de emprego com carteira assinada.

Em dados publicados no jornal Meio&Mensagem (2020), um estudo realizado com


profissionais de RH mostrou que 4 entre 10 profissionais da área esperam que pelo menos
20% das equipes de suas empresas sejam talentos temporários ou terceirizados até 2022.

96
O futuro do trabalho no setor de comunicação também será permeado por atividades
remotas como homeoffice, coworkings e mais perfis profissionais conhecidos por
“nômades” digitais, aqueles que se dividem entre o trabalho remoto, reuniões e visitas a
clientes.

Dados da pesquisa “O Futuro do Trabalho” revelam que no setor de comunicação as


agências passaram a encarar o trabalho remoto como uma opção escalável e não mais
como políticas isoladas.

De forma geral, os dados apresentados pela pesquisa corroboram com as informações


levantadas nos questionários e entrevistas realizadas com os profissionais do setor de
publicidade e comunicação indicados na primeira parte deste estudo, tais como o fato de
que há um grande impacto no cotidiano das empresas de comunicação após a inserção
destas empresas no mercado digital; as alterações trazidas pelo uso de novas tecnologias
levaram a fortes mudanças no consumo de conteúdos de comunicação de todos os tipos
forçando os profissionais do setor a repensarem quais suas funções neste ambiente digital
e qual a relevância das relações profissionais e com as empresas.

Os dados levantados na pesquisa não podem determinar se as tendências verificadas nas


entrevistas serão confirmadas no mercado brasileiro de comunicação em algum momento.
Os fatos revelam que é necessária uma revisão dos cursos de publicidade e marketing
para atender as novas demandas profissionais do mercado nos próximos anos. Uma
característica marcante neste processo é que a grande tendência profissional é que não é
mais a empresa que direciona a carreira dos colaboradores, mas sim, os profissionais que
buscam acomodar seus desejos pessoais às necessidades da empresa e do trabalho.

Referências bibliográficas

CARDOSO, Gustavo; MAGNO, Carlos; MORAES SOARES, Tânia; CRESPO, Miguel.


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financiacion-de-los-medios/>. Acessado em: 16.07.2019.

FORD, Martin. Os robôs e o futuro do emprego. Tradução Claudia Gerpe Duarte. – 1º


ed. – Rio de Janeiro: Best Business, 2019.
97
00. 21 lições para o século 21. Tradução Paulo Geiger. – 1º ed. – São Paulo: Companhia
das Letras, 2018.

O Futuro do Trabalho. Pesquisa Meio&Mensagem. Edições 1892 e 1893. Grupo M&M.


São Paulo, janeiro de 2020.

PARDO, Alberto. Tendências para 2019 em publicidade mobile. Meio&Mensagem. São


Paulo. 14.01.2019. Disponível em:
<https://www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2019/01/14/tendencias-para-2019-
em-publicidade-mobile.html>. Acessado em: 15.07.2019

98
Capítulo 8
Análise do ensino de Jornalismo e Publicidade e Propaganda a partir
das habilidades e competências dos cursos da Universidade
Presbiteriana Mackenzie

Rafael Fonseca Santos41

Rogério Aparecido Martins42

Juliana Fagundes Pithon43

Este trabalho se propõe a refletir, ainda que brevemente, acerca das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda
e seus apontamentos sobre as habilidades e competências esperadas para os profissionais
da área de comunicação. Esse enfoque se faz necessário dado o contexto extremamente
conturbado da área de comunicação, em que o mercado de trabalho ano a ano se reinventa,
exigindo dos cursos superiores uma formação profissional mais adequada às suas
demandas, especialmente no desenvolvimento das chamadas soft skills, mais conectadas
às competências e habilidades presentes nos Projetos Pedagógicos (PPC) do que
propriamente ao currículo de disciplinas específicas.

Tal reflexão é confrontada com uma pesquisa quantitativa aplicada a alunos das duas
graduações que aponta para uma tendência na qual os estudantes indicam suas próprias
percepções sobre a maturidade de suas habilidades e competências.

Diretrizes Curriculares Nacionais


Na década de 1960, o Conselho Nacional de Educação (CNE) criou a primeira versão da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394, de 20 de dezembro de

41
Professor dos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo – Centro de Comunicação e
Letras – Universidade Presbiteriana Mackenzie.
42
Coordenador do curso de Publicidade e Propaganda – Centro de Comunicação e Letras –
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
43
Formada em Jornalismo pela Universidade Presbitriana Mackenzie
99
1996), chamada de LDB, com o objetivo de assegurar o direito da educação e da formação
dos ensinos básico, médio e superior do Brasil. Atualizada em 1996, segundo o Art. 2º da
referida lei, a sua finalidade aparece diante da afirmação: “A educação, dever da família
e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana,
tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1996). Ou seja, além da formação
escolar, acadêmica e profissional, a lei garante a educação como desenvolvimento de
habilidades e competências para o melhor exercício da cidadania, de forma que a
sociedade seja também beneficiada.

Originada por essa lei, a Diretriz Curricular Nacional (DCN) para a graduação tem como
objetivo direcionar a elaboração dos planejamentos curriculares e dos Projetos
Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Ensino Superior (IES). Constituídos de
regras que garantem competências e habilidades durante a formação acadêmica, segundo
o inciso V, do Art 43 (Brasil, 1996), os cursos de graduação devem fomentar o contínuo
aperfeiçoamento pessoal e profissional do educando, por meio de recursos didáticos que
promovam o amadurecimento de habilidades e competências inerentes a cada área de
formação.

As DCN devem ser o ponto de partida do corpo docente ao cumprirem o papel de auxílio
na programação de elementos didáticos como, por exemplo, a definição das habilidades
e competências desenvolvidas nos respectivos componentes curriculares,
estabelecimento dos recursos pedagógicos disponíveis e definição dos instrumentos
avaliativos.

Outra garantia estabelecida pela LDB para a graduação são as múltiplas experiências
durante a aprendizagem do aluno. O Artº 53 (Brasil, 1996) assegura, por exemplo, que as
IES devem “Estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção
artística e atividades de extensão”, ou seja, a formação acadêmica deve estar além da sala
de aula proporcionando ao estudante conhecimentos que integrem a teoria e a prática.

Diretrizes Curriculares Nacionais - Jornalismo


Nesse sentido, seguindo a LDB, a primeira DCN com algo referente a Jornalismo era a
de bacharelado do curso de Comunicação Social, já que ele era visto como uma
habilitação (ou ênfase) deste. Somente em 27 de setembro de 2013, foi publicada no

100
Diário Oficial da União a Resolução CNE/CES 1/2013 estabelecendo a atual Diretriz
Curricular Nacional para o bacharelado em Jornalismo.

Muito embora as Diretrizes Curriculares Nacionais tenham sido uma


conquista para os cursos superiores no Brasil, no caso do Jornalismo
havia, ainda, mais uma questão a ser resolvida: a sua condição como
uma habilitação do bacharelado de Comunicação Social, que foi
mantida. [...] Entretanto, as diretrizes de 2001 mantiveram a habilitação
em Jornalismo e foi somente no ano de 2013 que, finalmente, ela se
transformou em um bacharelado em Jornalismo com as aprovações do
Parecer CNE/CES nº 39, de 20 de fevereiro de 2013, e da Resolução nº
1, de 27 de setembro de 2013. (ANTONIOLI, 2014, p. 186)

Ainda segundo Antonioli, antes disso, em 2009, foi feito um relatório pela Comissão de
Especialistas nomeada pelo Ministério da Educação, formada por José Marques de Melo,
Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior, Eduardo Barreto Vianna Meditsch, Lucia Maria
Araújo, Luiz Gonzaga Motta, Manuel Carlos da Conceição Chaparro, Sergio Augusto
Soares Mattos e Sonia Virgínia Moreira. O referido relatório tinha como objetivo
“repensar o ensino de Jornalismo no contexto de uma sociedade em processo de
transformação” e destacar sugestões para a Diretriz Curricular Nacional do curso:

O relatório das diretrizes trata de questões cruciais para o jornalismo e


para a formação do jornalista como: o novo cenário comunicacional, os
suportes tecnológicos, a capacidade discursiva das organizações, a
instantaneidade da informação, a globalização de ideias, a revolução
das fontes, os comportamentos culturais, as relações de poder, entre
outras. (ANTONIOLI, 2014, p. 187)

Após algumas alterações no Relatório a respeito das orientações feitas pela Comissão
Especializada, a atual Diretriz Curricular de Jornalismo foi aprovada quatro anos depois
com o objetivo de garantir qualidade à graduação e assegurar os direitos do estudante.
Segundo o Art.n°17, foi estabelecido um limite de dois anos para que as IES se
adequassem a ela e implantassem seus currículos novos, ou seja, em 2015 todos os cursos
já deveriam estar de acordo com as novas DCN.

Em uma breve análise da DCN para os cursos de Jornalismo, torna-se salutar destacar o
inciso I, do Art. 2º, que propõe que os cursos devem ter como alicerce do seu andamento,
o acesso à informação e dialogismo entre os indivíduos e a sociedade, ou seja, uma
correlação de discursos. É necessário que o estudante de Jornalismo não crie barreiras
entre os seus interesses e o que é importante para a sua profissionalização.

101
Quando se opta por ensinar jovens, torna-se relevante questionar sobre
a medida e a profundidade suficientes de informação a lhes
proporcionar, para que sejam de fato educados, para que aprimorem
seus níveis de compreensão adequadamente para o desempenho das
atividades profissionais, e ainda, comuniquem suas ideias de maneira
eficiente para a comunidade em que vivem. É preciso introduzi-los na
teoria geral das artes, na semântica das obras e na configuração plástica
de seu sentido e abordagens poéticas, a fim de que possam compreender
as estratégias do apelo e das condições pragmáticas, estética e
midiológicas da produção e da recepção de sentido. (AZZOLINO,
2008, p. 83)

O acesso, a criação e o entendimento de um repertório plural desde o início da formação


acadêmica são fundamentais para o desenvolvimento da formação integral do educando.
O amadurecimento de suas habilidades e competências na área pressupõem tal pluralismo
que, por sua vez, demanda a utilização de metodologias que introduzam ativamente o
aluno na construção de conhecimentos e estimulem a interação entre ensino, pesquisa e
extensão em conexão com diferentes segmentos da sociedade.

Diretrizes Curriculares Nacionais – Publicidade e Propaganda


Assim como o curso de Jornalismo, seguindo a LDB, a primeira DCN que tratava de
Publicidade e Propaganda na área de Comunicação foi estabelecida em 2002, por meio
de Resolução CNE/CES, número 16.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a área de Comunicação


Social e suas habilitações foram estabelecidas por meio da Resolução
CNE/CES nº 16, de 13 de março de 2002, publicada no Diário Oficial
da União de 9 de abril de 2002. A referida Resolução fundamentou-se
no Parecer CNE/CES nº 492, aprovado pelo Colegiado em 3 de abril de
2001, que definiu o “padrão básico de referência para todas as
instituições que mantenham Cursos de Graduação em Comunicação
com habilitações em Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e
Propaganda, Cinema, Radialismo, Editoração, ou outras habilitações
pertinentes ao campo da Comunicação que venham a ser criadas” (MEC
– Conselho Nacional de Educação)

Basicamente desde 2018, está em andamento uma série de rodadas de audiências públicas
entre as IES, promovidas por associações legitimamente constituídas: Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, Associação

102
Brasileira de Pesquisadores em Publicidade – ABP2, Associação dos Profissionais de
Propaganda – APP, para discutir possíveis alterações, com a devida atualização, das DCN
dos cursos de Publicidade e Propaganda.

A Sua Senhoria o Senhor FERNANDO FERREIRA DE ALMEIDA


Vice-Presidente Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação - INTERCOM Senhor Vice-Presidente, De ordem do
Conselheiro Gilberto Garcia, membro da Câmara de Educação Superior
do Conselho Nacional de Educação e relator da Comissão instituída
para elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
graduação em Propaganda e Publicidade, informamos Vossa Senhoria
que no Bolem de Serviço do Ministério da Educação foi publicada a
Portaria CNE/CES nº 2 (anexo), de 25 de janeiro de 2018, que formaliza
a constituição da Subcomissão que presta assessoria à Comissão do
CNE. (Ofício nº 109/2018/SE/CNE/CNE-MEC Brasília, 02 de março
de 2018)

Nessas audiências públicas são tratadas as possíveis alterações nas diretrizes, buscando
atender ao objetivo fundamental de flexibilizar a estruturação dos cursos para ajustar ao
dinamismo da área, buscando viabilizar o surgimento de propostas pedagógicas
inovadoras e eficientes para atender, principalmente, particularidades geográficas, uma
vez que o território brasileiro possui dimensão continental com uma grande gama de
culturas.

Projeto Pedagógico do Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana


Mackenzie
Para este estudo, foi escolhido o primeiro objeto de análise, o Projeto Pedagógico do
Curso (PPC) de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), tendo em
vista se tratar de um dos melhores cursos do país (especialmente no que tange à avaliação
feita pelo mercado de trabalho, como apontado pelo Ranking Universitário da Folha de
S. Paulo, em 2019, em que o curso da UPM figura em primeiro lugar em tal critério),
além da familiaridade dos pesquisadores que lecionam na referida instituição.

A concepção do campo jornalístico, apontado no PPC da UPM, já indica a centralidade


do desenvolvimento das habilidades e competências dos estudantes em uma percepção
educacional mais abrangente e complexa do que a falida ideia de educação bancária
(FREIRE, 2011).

103
Na concepção fundante deste Projeto Pedagógico, o Jornalismo é um
campo do saber produzido em uma ação social legitimada e reconhecida
que participa da construção da realidade, que faz a mediação de relações
sociais, que produz conhecimento e reconfigura a esfera pública e as
estratégias dos diversos atores sociais.

(...)

O jornalista formado pelo Mackenzie deve carregar consigo além da


excelência profissional, uma formação humanística e generalista
consistente, que contribua para a propagação das ideias para um mundo
mais justo, democrático e ético e pelo direito à informação de qualidade.
(Projeto Pedagógico do Curso de Jornalismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, 2017, p.22; 25)

O Artigo 5º das Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de Jornalismo estabelece o


seguinte em termos de perfil para os alunos graduados:

O concluinte do curso de jornalismo deve estar apto para o desempenho


profissional de jornalista, com formação acadêmica generalista,
humanista, crítica, ética e reflexiva, capacitando-o, dessa forma, a atuar
como produtor intelectual e agente da cidadania, capaz de responder,
por um lado, à complexidade e ao pluralismo característicos da
sociedade e da cultura contemporâneas, e, por outro, possuindo os
fundamentos teóricos e técnicos especializados, o que lhe
proporcionará clareza e segurança para o exercício de sua função social
específica, de identidade profissional singular e diferenciada em relação
ao campo maior da comunicação social. (GOVERNO FEDERAL,
2013)

Sendo assim, é necessário compreender de que maneira o curso de Jornalismo da UPM


constrói seus pressupostos para a formação discente. As habilidades e competências
listadas no PPC (2017, p. 26-35) apresentam-se em 42 itens subdivididos em quatro eixos
de competências: gerais, cognitivas, pragmáticas e comportamentais, conforme
orientação das DCN. Além disso, são listados nove indicadores do perfil esperado do
egresso do curso. A somatória desses itens compreende, em tese, a formação proposta (e
esperada) pelo curso.

Assim como a proposição das DCN, a lista de habilidades e competências é extremamente


extensa e generalista. Como exemplo, vê-se o item “pautar-se pela inovação permanente
de métodos, técnicas e procedimentos” (p. 27), em que se planeja desenvolver os
estudantes em algo que não é claro, afinal, “técnicas e procedimentos” são expressões
muito abrangentes e vazias, se fora de contexto.

104
Por outro lado, a extensão dos itens (51, no total) permite perpassar por quase toda a
complexidade da formação humanística da área de comunicação. Isto é, espera-se que o
aluno desenvolva suas habilidades, por exemplo, em “reconhecer e definir problemas,
equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo em
que estiver envolvido, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e
exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo de tomada de decisão, com
fundamentação ética e responsável” (p. 30) ou em “atuar em equipe multiprofissional”
(p. 31). Essas habilidades são hoje reconhecidas como soft skills, em contraposição às
hard skills, por tratar de capacidades humanas que transcendem a esfera técnica da
profissão escolhida, mas permeiam as faculdades humanas intrínsecas à comunicação e
ao convívio em sociedade.

As questões referentes ao pensamento crítico na formação intelectual também são


contempladas, na medida em que sugerem que cerca de 80% dos componentes
curriculares trabalham no fomento a estes itens.

A dinâmica das profissões no campo da comunicação exige, ainda, que o profissional


formado nas cadeiras acadêmicas seja capaz de perceber-se como sujeito ativo nos
processos de ensino e de aprendizagem (FREIRE, 2011).

A capacidade de observar as demandas da sociedade e do mercado de trabalho se tornou


elemento essencial para o profissional de comunicação, em especial o jornalista. Ele
precisa ser incentivado e instigado a, de maneira crítica e honesta, intelectualmente,
questionar sua posição no mundo, bem como sua capacidade e disposição para ação. Ou
seja, a proposição de habilidades e competências do PPC deve conjugar tal expectativa
na educação formal acadêmica.

O que se percebe é que o PPC de Jornalismo da UPM busca, em tese, abarcar toda essa
multiplicidade nos processos educativos de seu corpo discente. Há no projeto o
aprofundamento e a proposição adequada dos temas concernentes ao campo da
comunicação. Evidentemente, há uma certa prolixidade na definição das habilidades e
competências esperadas. No entanto, esse é um problema descoberto nas próprias DCN
da área, não sendo, portanto, exclusividade da UPM.

O questionamento que se levanta, dessa forma, é se esse projeto desenhado cumpre com
seu objetivo e se alunos percebem o próprio desenvolvimento de habilidades e
competências ao longo do curso.

105
Projeto Pedagógico do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade
Presbiteriana Mackenzie

Como segundo objeto de análise, o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Publicidade e


Propaganda (PP) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), possui características
semelhantes ao curso de Jornalismo da mesma IES, no que tange ser considerado um dos
melhores cursos do país, conforme Ranking Universitário da Folha de S. Paulo, o alto
poder de empregabilidade no mercado de trabalho, de acordo com Centro de Integração
Empresa-Escola (CIEE) e o fato de ser o maior curso do país, conforme levantamento de
alunos concluintes que realizaram o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(ENADE) 2018.

O PPC vigente desde 2018 do curso de PP foi elaborado com alicerce na DCN atual e,
também, visando as características aventadas nas atualizações, discutidas nas audiências
públicas, conforme mencionado anteriormente.

COERÊNCIA DO CURRÍCULO COM AS DIRETRIZES


CURRICULARES NACIONAIS – DCN

A articulação do Projeto Pedagógico do Curso de Publicidade e


Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie com as
Diretrizes Curriculares Nacionais (CNE/CES 492/2001 p.16) é dada,
principalmente, a partir dos seguintes itens:

- Flexibilização da estruturação do curso, tanto para atender a


variedades de circunstâncias geográficas, político-sociais e acadêmicas,
como para ajustar-se ao dinamismo da área, e para viabilizar o
surgimento de propostas pedagógicas inovadoras e eficientes; -
Estabelecimento de orientações para a obtenção de padrão de qualidade
na formação oferecida e de uma estrutura para gerar opções de
conhecimento e atuação no mercado; - Desenvolvimento de
competências para o desempenho profissional; - Dinâmicas que
proporcionem a autonomia do aluno; - Articulação entre extensão,
pesquisa e ensino; - Articulação com os cursos de pós-graduação. (PPC
de PP, 2018, pg. 32)

O curso de PP da UPM conjectura para a formação discente as habilidades e competências


listadas no atual PPC, de acordo com a linha específica de formação Criação Publicitária
e Marketing.

106
Nesse contexto, para a linha formativa de Criação, há um conjunto de sete abordagens
basilares que vão desde o domínio das teóricas e conceitos até a orientação e execução de
produção de campanhas analógicas e digitais. Já na linha formativa de Marketing, o
conjunto de seis abordagens basilares envolve desde o domínio crítico de objetivos de
comunicação mercadológicos e organizacionais até e a articulação para o planejamento
de utilização das diversas mídias.

O PPC possui um importante papel de nortear o curso, uma vez que aponta, no que está
estabelecido nas habilidades e competências, o caminho formativo do alunado para
atender as expectativas da área de comunicação. Nesse sentido, o PPC de PP da UPM
pretende estar em linha com as multiplataformas comunicacionais, objetivando a
convergência em um único projeto educacional no campo da comunicação.

Parafraseando o questionamento do curso de Jornalismo, este projeto realmente está


cumprindo seu objetivo-mor com os alunos, sob a percepção do próprio desenvolvimento
de habilidades e competências ao longo do curso?

Resultados de Pesquisa com o Alunado - Tendência


Para responder a esse grande questionamento, foram elaborados: a) um questionário
específico para o curso de Jornalismo e b) um questionário específico para o curso de
Publicidade e Propaganda. Buscou-se a realização de uma pesquisa quantitativa, por meio
online, no período de novembro e dezembro de 2019, com os alunos de ambos os cursos
acerca das habilidades e competências esperadas para o egresso.

Embora os resultados não sejam conclusivos, em face a quantidade de respondentes, 37


respostas, pode-se traçar uma tendência de padrão de comportamento do alunado de
ambos os cursos.

Tanto no curso de Jornalismo como no de Publicidade e Propaganda da Universidade


Presbiteriana Mackenzie, os alunos possuem um bom grau de compreensão e valorização
das conquistas históricas de cidadania, direitos e desenvolvimento sustentável. Ainda, o
padrão de respostas aponta que a ética é valorizada em quaisquer situações, bem como o
domínio da língua portuguesa é primordial, além do domínio de outros dois idiomas.

Outro ponto de atenção é a necessidade de inovação constante, de utilização de novas


tecnologias, da habilidade de trabalho em equipe multifacetadas e o constante

107
aprendizado pela curiosidade, criando desta forma, alternativas para o aperfeiçoamento
das práticas profissionais.

Iniciativa e criatividade foram fortemente indicadas nas respostas, aliadas ao


reconhecimento crítico do pensamento estratégico para resolução de problemas com
diferentes graus de complexidade para tomada de decisões.

Embora exista uma preocupação em atualização e evolução do conhecimento, quando se


trata de conhecimento metodológico científico sobre a leitura de artigos técnico-
científicos e a participação de produção de conhecimento, houve uma média preocupação.
Infere-se que se trata de uma característica geracional que, inclusive, pode ser apontada,
ainda que em parte, no baixo número de respondentes desta pesquisa.

Referências bibliográficas

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formação do jornalista à luz da legislação educacional. Revista Brasileira de Ensino de
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<www.filosofiacienciaarte.org/attachments/article/1127/Diretrizes%20Curriculares%20
e%20cursos%20de%20Jornalismo-
%20a%20formac%CC%A7a%CC%83o%20do%20jornalista%20a%CC%80%20luz%2
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AZZOLINO, Adriana Pessatte, et al. Mapeamento do ensino de jornalismo cultural no


Brasil em 2008 - O ensino de Jornalismo Cultural no Brasil em 2008: carteira professor
de graduação. São Paulo: Itaú Cultural, 2008.

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 13 de fevereiro de
2020.

BRASIL. Resolução CNE/CES 1/2013. Diário Oficial da União, 1° de outubro de 2013 –


Seção 1 – p. 26.

Diário Oficial da União. Ofício nº 109/2018/SE/CNE/CNE-MEC Brasília, 02 de março de


2018.
108
FREIRE, Paulo. Ação Cultural Para a Liberdade e Outros Escritos. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2011.

MEC – Conselho Nacional de Educação. Disponível em


<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=128
431-texto-referencia-publicidade-e-propaganda&category_slug=novembro-
2019&Itemid=30192>. Acesso em 15 de fevereiro de 2020.

PROJETO Pedagógico do Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana


Mackenzie. São Paulo, 2017.

PROJETO Pedagógico do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade


Presbiteriana Mackenzie. (PPC de PP) São Paulo, 2018.

109
Considerações finais

Resultados que nos ajudam a apontar caminhos

Jornalistas que saibam pensar e produzir material jornalístico sobre e para marcas.
Publicitários que consigam criar conteúdos de qualidade. Publicitários e jornalistas que
saibam contar boas histórias em plataformas diferentes, pensando na tecnologia como
uma aliada, e não como um fim. E fazer tudo isso tendo em mente a ética com a
informação, a transparência e a capacidade de ouvir o outro. Esses são, ao nosso ver, e
após a conclusão desta pesquisa, os principais desafios para profissionais de
comunicação. E formar profissionais que tenham essas capacidades parece ser o grande
desafio para professores e outros responsáveis pelos cursos de comunicação no Brasil e
em diversas partes do mundo.

A leitura da íntegra desta pesquisa nos permite ter a compreensão mais ampla de algumas
das mudanças recentes mais significativas pelas quais passam o mercado e os
profissionais de comunicação. O que, inicialmente, surgiu como uma forte e comum
percepção entre os professores-pesquisadores que compõem o grupo que realizou este
trabalho, pode aqui ser comprovado e detalhado. Por meio de exemplos concretos do
mercado e também a partir dos resultados das pesquisas feitas com os diferentes grupos
aqui abordados (egressos dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UPM,
gestores experientes nos mercados de ambas as áreas e alunos de ambos os cursos),
verificamos como essas tendências, apontadas na primeira parte do trabalho, estão
influenciando as rotinas profissionais e o mercado de trabalho para todos os setores
envolvidos.

Ao finalizar esta ampla pesquisa, podemos destacar alguns pontos que chamam a atenção:
a hibridização entre as áreas de Publicidade e Jornalismo já é uma realidade e traz efeitos
diretos para todo o mercado da Comunicação. No que diz respeito à formação dos
profissionais envolvidos nas áreas aqui abordadas, ao que nos parece, as habilidades mais
valorizadas não estão ligadas a questões técnicas, mas à capacidade de realizar
multitarefas, organizar e gerenciar projetos e à flexibilidade para aprender
constantemente.

110
Outra percepção comum à maioria dos entrevistados, sejam egressos ou gestores, se refere
à importância da formação superior, tanto para jornalistas, quanto para publicitários. Por
outro lado, muitas das respostas de todos os grupos consultados apontam para uma certa
inadequação de parte da formação recebida na sala de aula às novas demandas do
mercado.

A capacidade para lidar com a informação – seja publicitária ou jornalística – em


multiplataformas também aparece como consenso entre os entrevistados. Considerando a
velocidade com que as técnicas e ferramentas de comunicação se atualizam e se
multiplicam, entendemos que mais do que formar profissionais que conheçam programas
e aplicativos específicos, que podem ser substituídos rapidamente, é necessário formar
profissionais que, independente da tecnologia, consigam se adaptar às mudanças e
trabalhar com diferentes materiais de comunicação.

No que se refere ao ambiente interno dos cursos de comunicação da Universidade


Presbiteriana Mackenzie, a necessidade da formação por habilidades e competências
parece ser realmente uma tendência. Portanto, acreditamos que as recentes mudanças nas
matrizes curriculares dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UPM
caminham em consonância com essa percepção.

Por outo lado, chama nossa atenção o fato de que em 2013 as novas diretrizes curriculares
nacionais para cursos de jornalismo tenham apontado exatamente para a separação das
áreas. Conforme vimos no capítulo 8, o Jornalismo deixou de ser considerado uma
habilitação da área de comunicação para se configurar como um campo próprio.
Curiosamente, é nessas mesmas diretrizes que aparece, pela primeira vez, a
obrigatoriedade de se incluir na formação e jornalistas conteúdos ligados a Assessoria de
Imprensa / Comunicação – área por muito tempo associada à formação em Relações
Públicas ou até mesmo a Publicidade e Propaganda.

Os desafios são múltiplos! Gestores, pesquisadores, professores, alunos e o próprio


mercado da comunicação percebem uma crise nas estruturas tradicionais das área de
Jornalismo e Publicidade e Propaganda. A grande questão é que, conforme aponta um
dos gestores entrevistados no capítulo 6 desta pesquisa, precisamos dar conta das
mudanças enquanto elas acontecem. Para quem forma profissionais que atuarão no futuro,
os desafios são ainda mais complexos. Como atrelar as demandas de mercado às
expectativas de alunos e egressos dentro de um cenário em constante transformação?

111
Esperamos com este trabalho ter dado algumas respostas, mas, mais que isso, esperamos
ter contribuído para que consigamos fazer as perguntas certas, que possam nos levar a
uma formação de qualidade, ética e que permita aos nossos egressos atuar em um mundo
cada vez mais complexo.

Estes resultados serão agora entregues à Coordenação dos Cursos de Jornalismo e


Publicidade e Propaganda da UPM e, conforme já deliberado com os Coordenadores (que
também fazem parte do projeto), serão apresentadas aos professores de ambos os cursos,
para que todos possam contribuir em futuras discussões acerca dos nossos cursos.

112

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