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arte

como
terapia
Introdução
Alain de Botton, filósofo e autor, coescreveu o livro Art as Therapy lançado no Brasil, em 2017,
junto com o historiador de arte e também filósofo, o australiano John Armstrong, fundador da The
School of Life, uma organização global que se dedica a desenvolver a inteligência emocional ou as
habilidades emocionais que nos ajudam a viver melhor, de forma mais plena e bem vivida. A
essência da inteligência emocional apresentada na The School of Life vem das boas ideias
retiradas da Cultura, da Filosofia, da Psicologia, da Arquitetura e da Arte.
Como vivemos tempos sem precedentes, ele considera a importância da capacidade que a arte
tem em consolar, conectar e confortar. Olhando para obras de seis séculos, ele argumenta que a
arte nos oferece validação, coragem, resiliência, otimismo e perspectiva.
A arte faz com que pensemos sobre as nossas falhas como seres humanos e contempla o peso da
existência; como isso pode nos proporcionar companheirismo psicológico e cultural; e como isso
nos lembra de valorizar o mundo ao nosso redor.
A arte nunca foi um mero entretenimento, pois juntamente com a religião, tem sido humanitária
para os tempos atuais. Além disso, a arte conecta os seres humanos como autores, arquitetos,
músicos, compositores, pintores e poetas, através de seus legados.
E foi assim, pensando no real propósito da Arte que chamamos a amiga, colecionadora, advogada
e acima de tudo amante da Arte: Marta Fadel, para nos dar alguns exemplos de como a arte pode
nos ajudar a buscar o equilíbrio, nos tempos atuais.

 
É tempo de repensarmos as nossas intolerâncias. E ao fazer isso, talvez, venhamos a nos deparar
com uma limitação que permanece quase oculta: a desconfiança de tudo o que não
conhecemos. Este sentimento, esta incerteza, esta suspeita, ou, mais grave, ainda, também este
temor, não fazem com que as pessoas sumariamente rejeitem o que não conhecem? Nossas
vidas são feitas de pequenas certezas cotidianas, erguidas, exatamente, para nos proteger do
“incerto” e de tudo que possa nos provocar medo e angústia.

Fonte: “Vaso de flores”, de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). Os vasos de flores são um dos
temas recorrentes da obra de Guignard, como as vistas imaginárias de cidades coloniais mineiras
e os Cristos flagelados. Este óleo, de 1931, onde as cores quentes como que se destacam sobre
uma predominância de cores frias, revela o invariável equilíbrio de composição do artista, com
destaque para o par de maçãs que ladeiam o vaso, a cortina e o caixilho da janela, através da qual
aparece um singelo casario. Créditos: Coleção Instituto São Fernando.

A vida moderna foi construída sob os moldes do que Ortega y Gasset chamou de “comfort”.
Uma ordem pública se criou em torno do desenvolvimento técnico, econômico e politico. E,
certamente, passamos também a viver e nos beneficiar da herança iluminista. Ela fundamentou a
Declaração dos Direitos do Homem, a democratização do conhecimento e as liberdades
individuais.
Pois bem, nossas vidas eram regidas por estes hábitos e estas leis. Mas, abruptamente, fomos
invadidos por uma moléstia obscura que subverteu esta ordem. Ela nos tirou a liberdade de ir e
vir, afetou o comércio, que é a base secular das trocas entre os humanos, e nos impediu, mais
do que tudo, do convívio social.

Surgiu nas manchetes um nome frio, laboratorial, que nos remete à ficção científica: Covid 19. O
vírus trouxe consigo os fantasmas da “Gripe Espanhola” e da terrível Peste Negra, do século XIV.

Há várias semanas, somos vítimas deste ataque, como se um batalhão de micróbios urdisse um
plano mortal contra os seres humanos. Desde então, vivemos encerrados entre portas e janelas,
em uma trajetória única, sofrida e interior, buscando através de vivências humanas, uma
explicação geral da vida. O período que hoje passamos, ocorre, exatamente no momento mais
agudo do ataque de um vírus devastador.

E, ao mesmo tempo, em uma camada quase adjacente às nossas demandas mais prioritárias (a
máscara, o álcool-gel, o cotidiano roubado), surgem algumas perguntas essenciais.
Sim, o ato de filosofar é tão inato em nós como respirar.
Por isso, mesmo agora, nesta trincheira asséptica que virou a vida, ele se manifesta. E por mais
tímidas que sejam as nossas perguntas, em momento de aflições tão objetivas, de alguma
forma, não estamos nos indagando, também, se não estamos vivendo um “chamamento” à
razão e contra o ódio, à perseguição, à cobiça, às guerras e à destruição ambiental?

Esse lockdown não surge, como uma espécie de “pé no freio”, justamente, no momento onde as
distopias pareciam ter vencido as utopias? A humanidade já não se indagava se haveria,
realmente, um futuro?

Houve um tempo, em que acreditávamos que os recursos do planeta Terra eram inesgotáveis.
Cabe lembrar que as cidades foram construídas sob esta crença. E a economia se moldou sob
essa verdade absoluta, que até então, era posta como inquestionável. Mas, aos poucos,
cientistas do mundo todo mostraram que não. Pior, provaram que o planeta agoniza, que já não
suporta tanta destruição em seus oceanos, nos rios, florestas, tanto lixo e tantos gases tóxicos,
lançados na atmosfera.

Em meio à pandemia, o Papa Francisco nos deu o seu claro recado: “Avançamos, destemidos,
pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente”.

O Papa tem razão, o mundo está doente! E desta doença que provocou transformações tão
profundas em nossas vidas, sabe-se tão pouco. Ignoramos suas origens, a extensão da sua força,
onde se esconde e como pode, afinal, nos atacar. Talvez, o inimigo mais assustador seja, de fato,
o invisível. Ele não tem, como reforço dos seus exércitos, a nossa imaginação?

Como deter este processo? Como não se deixar se abater por pensamentos negativos? Como
manter a chama da esperança acesa e perseverar?

No mínimo, temos que defender os nossos pensamentos, a nossa capacidade de sonhar, de


viajar, mesmo que seja sem sair do lugar.
Nossos olhos precisam de alimento, sim, por isto, e mais do que nunca, recorro às palavras do
historiador suíço Burckhardt:

“A contemplação, mais do que um dever, é uma obrigação. Ela representa nossa parcela de
liberdade, em face do constrangimento das coisas e do Império da necessidade.”

Para abrandar a dor e as incertezas destes dias, formou-se uma grande corrente mundial do
pensamento. Nunca estivemos tão longe, e ao mesmo tempo, tão perto. A aldeia global
preconizada por Marshall McLuhan, parece ter virado realidade. E nesta corrente eu me insiro,
com a singela contribuição que posso oferecer: os quadros de uma coleção, que, decerto, não
resolverão os problemas do mundo, mas, talvez, ajudem a criar janelas para a sua imaginação.

É hora de viajarmos para dentro, hora de fazermos perguntas e de repensarmos a vida.


A arte sempre nos ajudou neste caminho.
Bondade

“Maternidade em círculos”, de Belmiro de Almeida (1858-1935). Este famoso quadro, de 1908,


composto integralmente por círculos e suas interseções, é como uma antevisão de diversas
tendências estéticas que
se afirmariam nas artes plásticas do Brasil e do mundo pelo resto do século XX. Crédito: Coleção
Particular.

O bondoso carrega no seu alforge o espírito de solidariedade humana. O sofrimento do


semelhante não se limita, não se circunscreve a ele mesmo, senão também ao bondoso.

E é na benevolência que o bondoso busca o complemento mágico de suas virtudes. Mas


benevolência não se exerce para com o que lhe é superior porque se igualará a um ato
inapropriado de servilismo.

É, portanto, outro o mundo ionizado da benevolência orientadora da compreensão que ajuda


pelo entendimento das deficiências alheias e pela capacidade de acudir em complemento ao
que ao outro falta no exercício dos deveres incumbidos.

As cores fortes predominam na composição geométrica de Belmiro de Almeida revelando-nos,


entre um triângulo e dois semi-cones, a representação de uma cena de maternidade, momento
maior do benfazer feminino.
O dom total de dar a vida, o amor surpreendente transformado na própria raiz da nossa
existência.
Caridade

“Oração na igreja”, de Antônio Gomide (1895-1967). A geometrização que domina a obra, da


década de 1920, já prenuncia claramente a aproximação do artista à estética Art Déco. Crédito:
Coleção Particular.

A palavra Caridade vem do  latim caritas. É uma virtude teologal  definida pelo Cristianismo,
assim como a fé e a esperança. Significa amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si
mesmo. É um ato voluntário de doação aos que necessitam. Sinaliza para o cristão que o fim de
todas as ações humanas é o amor.

Para o  Espiritismo, a Caridade é um dever moral do homem e vai muito além do auxílio
material, refletindo o princípio cristão de amor mútuo entre todos, independentemente da
situação em que se encontrem, tendo aplicação no âmbito moral e material.

A Caridade é uma virtude praticada por religiosos e não religiosos e até por ateus, por
representar elevação moral e a verdadeira essência da natureza humana.
A cena cubista que aparece na obra de Gomide contextualiza a ideia religiosa de que nunca
estaremos sozinhos, sempre haverá seres especiais que estarão prontos a nos acolher. E assim,
poderemos enfrentar os trechos difíceis da nossa existência. As contradições situadas na obra de
arte e na sua concepção interna em meio às contradições, conflitos tensões e problemáticas
artístico-estéticas.
Castidade

“Gioventù”, de Eliseu Visconti (1866-1944). Este puríssimo nu adolescente, uma das obras mais
célebres do artista, datado de 1898, com o bosque ao fundo e a quase onírica sequência de
pombas — símbolo da pureza — revela um Visconti mais próximo ao simbolismo, mais
aparentado a um Puvis de Chavannes do que ao impressionismo de
outras obras suas.Crédito: Museu Nacional de Belas Artes.

A Castidade é uma das 7 virtudes definidas pelo Cristianismo e cultivada desde tempos remotos
por quase todas as religiões.

Significa pureza em relação ao sexo. São João Paulo II disse, na Exortação Apostólica Familiaris,
que a castidade “é a energia espiritual que sabe defender o amor dos perigos do egoísmo e da
agressividade e  sabe promovê-lo para maior realização”. 

É uma das regras para manter-se ao lado de Deus, segundo as religiões abraâmicas. E um dos
caminhos para alcançar a libertação ou iluminação dos sofrimentos e decepções, de acordo com
outros credos.
Nas artes, a Castidade sempre esteve presente nas diversas representações do Amor. Ela tem
como virtudes auxiliares o pudor, a humildade, a mortificação, a laboriosidade, a caridade e a
piedade.

A obra de Eliseu Visconti é considerada uma das mais altas expressões da arte brasileira: a
imagem de uma menina com a sua delicadeza, ingenuidade e pureza, encantam.

A arte é capaz de atrair a nossa atenção e admiração exercendo um verdadeiro fascínio sobre os
homens, desde os primórdios da humanidade.
Diligência

“Patinhos no Lago, de Eliseu Visconti (1806-1944). Este famoso quadro de Visconti, provavelmente
ainda aluno da Escola de Belas Artes, onde tinha as paisagens como tema preferido, tem uma
preocupação com os detalhes das formas, um tanto recortadas, predominando sobre o conjunto.
Um curioso e lindo colorido, com bastante leveza e suavidade.  Concilia os animais com a
paisagem, seja em momentos da natureza, seja em instantâneos da autenticidade da rotina vida.
Crédito: Coleção Particular.

A palavra Diligência vem do latim diligere e significa amar.  É a virtude que se opõe a


displicência e  preguiça e define a nossa capacidade de entrega, com determinação,
planejamento, disciplina e satisfação, para a realização de algo que represente o Bem.

Em ética, é a virtude de seguir um objetivo de vida e atingi-lo, com um nível de excelência,


agindo com honestidade e transparência. 

O Cristianismo a adotou como uma das virtudes humanas para a prática da Bondade – outra das
7 virtudes.
A pintura de Eliseu Visconti revelando os patos, as sombras, a atmosfera, a luz e a água a se
mover, transformando o lago em espelho deslumbrante é como o amor.

O amor que, na arte, foi caracterizado em alegria, tristeza, saudade, isolamento e, até mesmo,
em humilhação e discriminação.
Humildade

Jesus como o Bom Pastor, imagem baiana do século XIX. A figura do Bom Pastor, carregando
amorosamente um cordeiro, é das mais antigas representações do Cristo na arte paleocristã,
anterior mesmo à cristalização da imagem tradicional com seus atributos icônicos. Além do
chapéu e do cajado, destacam-se na escultura as chagas das mãos. Crédito: Coleção Particular.

Todos quantos professam a humildade vêem-se imersos na divindade da modéstia e da


submissão.

O que pediu Jesus Cristo é que o seguíssemos nos exemplos que fartamente deixou de renúncia
e compreensão.

Nada mais ferino e ofensivo do que a arrogância, o oposto da humildade caracterizadora de um


bom coração e alma em paz consigo mesma.

A imagem barroca da figura do Bom Pastor com o cordeiro consolida o entendimento de que
diversas obras permitem diferentes interpretações.

Somos criaturas imperfeitas, assoladas de desejos e, muitas vezes, obcecadas por status. Falta a
humanidade, a humildade necessária para encarar as dificuldades e as adversidades que surgem
no decorrer da vida.
Paciência

“Figura feminina lendo ao ar livre”, de Carlos Oswald (1882-1971). Este óleo, de 1912, representa
um momento fortemente impressionista na pintura do autor, embora a sua extraordinária obra no
campo da gravura tenha deixado a sua obra pictórica num compreensível, ainda que nem sempre
justo, segundo plano. Crédito: Coleção Particular.

A Paciência é uma virtude que consiste em manter a calma e o equilíbrio diante das dificuldades
e em saber esperar, perseverar, para alcançar o objetivo.

O homem paciente tolera a adversidade e até as injustiças, em nome de um propósito,  e sabe


ouvir o outro, mesmo que este lhe diga o que não deseja.

É um das 7 virtudes cristãs, característica dos sábios e dos santos, que, segundo teólogos e
filósofos, todos devemos imitar.

São muitos os exemplos de representação da Paciência nas artes, mesmo porque a grande arte
é fruto de trabalho paciente e dedicado dos artistas
Paciência na figura da mulher sentada, lendo um livro de Carlos Oswaldo, que nos mostra um
refinamento artístico do pintor, na representação daquela figura humana para tolerarmos o
aprisionamento que estamos vivendo.

A arte funciona como um amigo imaginário que pode transformar o mundo como um mágico,
quando exerce seu ofício.
Temperança

“Colheita de café”, de Djanira (1914-1979). A temática popular, que domina a obra da pintora,
também comparece na presente obra, notável pelo movimento, entre tantas outras de uma pureza
mais estática bastante típica da artista. Crédito: Coleção Particular.

A palavra Temperança  vem do latim temperatio. Significa moderação, contenção ou


autocontrole.

A Temperança é sintoma da maturidade e nos conduz ao cumprimento dos nossos deveres , na


medida em que contém os nossos instintos e paixões e modera nossos impulsos e apetites.

Agir com temperança é abrir caminhos para a sobriedade e o desapego. “A temperança é o


sentido da medida”, disse o Papa Francisco, que associa a palavra ao equilíbrio que nos permite
escolher o melhor caminho, para o corpo e para a alma.

Por isso, a temperança se opõe à gula, ao consumismo,  à incontinência verbal e a todo tipo de
exagero.
A obra de Djanira simboliza uma cena de colheita de café, um dia de trabalho no campo. O tom
avermelhado da terra, cor telúrica, une a cor do solo ao trabalho social.

Sua aproximação com a pintura, para a qual ela demonstrou aptidão inata, deu-se, pode-se
assim dizer, de forma terapêutica, enquanto se recuperava em um sanatório de tuberculosos.

A evolução e reconhecimento de sua obra, adquiridos pouco a pouco, à base de muito esforço e
aplicação a esse ofício.

Com o passar dos anos, tendo vivido momentos difíceis atormentada pela doença, no início da
carreira, sua expressão se tornou mais pessoal, mais espontânea, mais rica e mais colorida. Foi
então que seu mundo encantado explodiu com uma linguagem mais madura e muito autêntica.

Tendo, portanto, lidado durante um período de sua vida com o isolamento e com a saudade,
ocasionados por uma grande enfermidade, nos faz perceber que esses registros de solidão e
sofrimento foram, de algum modo, redimidos pela cultura e pela produção artística. Artista
singular na poética da arte brasileira.

Esse relatório foi produzido inspirado no livre Arte como Terapia,


de Alain de Botton e John Armstrong, disponível
em nossa bookshop de São Paulo.

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