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Maytê Moreira

1 – Quando apareceram no português as formas você/vocês para o tratamento?

Essas formas apareceram no português pelos séculos XVII e XVIII, e tiveram origem na forma
“vossa mercê”, introduzida na língua por volta dos séculos XIV e XV para tratar, inicialmente, o
rei. No entanto, as mudanças socioeconômicas fizeram com que essa forma de tratamento
fosse se popularizando e perdendo status. “Vossa mercê” passou a ser a forma pela qual se
tratavam, primeiro, os membros da aristocracia, depois, os membros da baixa burguesia, ao
passo que outras formas de tratamento eram inseridas para marcar os membros de maior
poder econômico e prestígio social. Em 1597 ainda há um registro da expressão “vossa mercê”
no fechamento de uma carta, indicando que o tratamento ainda se relacionava à
demonstração de respeito. Foi uma forma de cuidado no tratamento entre a burguesia
urbana. No entanto, pelos séculos mencionados, XVII e XVIII, essa forma de tratamento foi
ficando arcaica, enquanto a forma abreviada “você” se espalhava. Essa simplificação fonética
fez com que a forma se popularizasse e se consolidasse como a forma geral do tratamento da
segunda pessoa do discurso, pluralizando-se, também, para “vocês”.

2 – Que consequências essas mudanças no sistema de tratamento do interlocutor trouxeram


para o paradigma da conjugação verbal em português e, em especial, no PB?

Quando o “vossa mercê” foi inserido na língua, o tratamento fazia referência às propriedades
do rei, fazendo referência a ele próprio apenas por metonímia. Por esse motivo, essa forma
concordava com a terceira pessoa do discurso. Assim, o “você”, embora se refira ao
interlocutor, não concorda com a segunda pessoa, mas com a terceira.

Como uma das consequências, no português brasileiro, as formas verbais conjugadas na


segunda pessoa caíram em desuso, fazendo com que mesmo os grupos que usam “tu”,
conjuguem o verbo em terceira pessoa. A forma da terceira pessoa do plural e sua conjugação
tornou-se arcaica. Outra consequência é o aumento da possibilidade de ambiguidade, já que a
conjugação verbal em terceira pessoa do discurso pode corresponder a sujeitos da segunda e
da terceira, e em alguns tempos verbais a conjugação de primeira e terceira pessoas do
discurso são homofônicas.

Outra consequência, não verbal, mas de grande ocorrência, é a “mistura de tratamento”, em


que o sujeito interlocutor é tratado por “você”, mas os pronomes possessivos e oblíquos do
mesmo enunciado referem-se a ele como segunda pessoa.

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