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Capa: Francis Rodrigues

Equipe editorial
Coordenação: Maria Aparecida Balduíno Cintra
Copidesque: Marilize Silva Pedra
Revisão: Josiane de Fátima Pio Romera
Cristina Mariko Namassu

D a d o s Internacionais dc C a t a l o g a ç ã o na publicação ( C I P )
( C â m a r a Brasileira d o L i v r o , S P , B r a s i l )

Castellani Filho, Lino.


Educação física no Brasil : a história que não se conta / Lino
Castellani Filho. 4® edição - Campinas, SP : Papirus, 1994. (Cole- índice
ção corpo e motricidade).

C344e
Bibliografia
1. Educação física - Brasil - História I. Título.

94-1865 CDD-613.70981
APRESENTAÇÃO 11
índices para c a t á l o g o sistemático: INTRODUÇÃO 13
1. B r a s i l ; üducação física : História 613.70981
Capítulo I
ISBN 85 308-0021-4
LÁ VEM COM HISTÓRIA 17

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA


Capítulo II
© M. R. Cornacchia & Cia. Ltda.
DA HISTÓRIA QUE NOS É CONTADA PARA
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O REVELAR DE UMA OUTRA HISTÓRIA .. 33
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PAPIRUS BVD
TIO—
RA AU
FIADA SOBE O PANO 33
CENA I 33
CENA II 36
CENA III 38
CENA IV 44
Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica,
resumida ou modificada, em língua portuguesa ou qualquer outro idioma.
CENA V 53
CENA VI 67
SEGUNDO ATO 73
CENA I 73
TERCEIRO ATO

CENA I

Com o fim do Estado Novo, acompanhamos o mo-


vimento da sociedade brasileira em busca de caminhos
que a recolocassem dentro de padrões tidos como de
"normalidade democrática". A elaboração de uma nova
Carta Magna, em 1946, que viesse a substituir aquela
de 37, canalizou as atenções dos diversos segmentos
sociais em geral e dos políticos em particular, com vis-
tas a dar a ela, contornos liberais-democráticos que a
distinguissem marcadamente dos traços autoritários de
sua antecessora.
No campo educacional, deflagrou-se em meados de
1948, um debate — a partir da formação, por parte do
então Ministro da Educação, Clemente Mariani, de uma
comissão de educadores — em torno de questões cir-
cunscritas à intenção de se elaborar um projeto de Dire-
trizes e bases para a Educação nacional. Canalizou-se,
desta forma, esse campo específico de luta, os debates
dos educadores que, remanescentes do movimento havi-
do no início da década de 30 e abafado por conta do
período estadonovista, viam vitoriosas no texto consti-
tucional de 46, muitas das bandeiras por eles defendidas
e enunciadas no conhecido Manifesto de 32.
O que se deu, portanto, a partir daquela data, até
a promulgação, 13 anos depois, da Lei n.° 4.024 — Lei
de Diretrizes e bases da Educação Nacional — foi todo
um debate em torno de questões atinentes à Educação
Nacional. Centrado, num primeiro instante, na questão
da organização dos sistemas de ensino — na qual des-
pontavam duas posições divergentes, a primeira delas

101
defendendo uma concepção centralizadora, aparente- n.°s 5.540/68 e 5.692/71" ,0T, nos aponta o caminho para
mente pautada ainda nos princípios presentes na Cons- o entendimento do que se passou nos anos que se suce-
tituição de 37, e a segunda, apoiada na Carta de 46, deram ao período do Estado Novo até os momentos mais
deixando antever uma concepção federativo-descentra- próximos ao movimento de abril de 64. Necessário se
lizadora do sistema de ensino — teve, a partir de 1958, faz frisar ser tal entendimento de suma importância
uma mudança de enfoque no rumo das discussões,
passando, em razão do substitutivo Carlos Lacerda, a para a compreensão do fato de ter tido a ruptura advin-
enfocar a questão do, nele denominado, monopólio da através do regime de exceção implantado em 64,
estatal das "coisas" da Educação, atendendo as pres- caráter unicamente político, tendo em vista a preserva-
sões contra esse monopólio, a interesses privatistas, o ção da ordem sócio-econômica em vigor, dado que a
qual, por sua vez, contava com o respaldo das institui- continuidade no poder daqueles que o detinham, con-
ções confessionais, na busca de resgatar a sua influên- duziria, inevitavelmente, ao desequilíbrio do referido
cia na gerência das questões da Educação. nível. Daí entende-se que, se no plano sócio-econômico
Segundo Otaíza Romanelli, se, sob a ótica do pro- não houve perda da solução de continuidade, tal fato
cesso de luta, os resultados foram positivos, pois " . . . re- tenha se repetido também no plano educacional. É nessa
velaram, entre outros aspectos, da parte dos educadores mesma direção que devemos entender a fala de Bergo,
da velha geração de 30, agora acompanhados pelos da em obra já mencionada: ".. .Com a evolução da Repú-
nova geração, uma disposição firme para a continuação blica, se não se fala mais no positivismo, é que seus
da luta iniciada duas décadas antes, mas interrompida termos foram substituídos por novos. 'Ordem e Pro-
durante o intervalo ditatorial..." 105, sob a ótica da aná- gresso' estão caracterizados como 'Segurança e Desen-
lise do produto final obtido com a promulgação da lei, volvimento'. O apoio norte-americano vem reforçar esses
os resultados foram negativos, pois " . . . a lei que fora ideais, através da elaboração de doutrinas como a da
tão discutida e que poderia ter modificado substancial- Segurança Nacional. Os problemas são os mesmos. No
mente o sistema educacional brasileiro, iria, no entanto, início da República, o problema era livrá-la do atraso
fazer prevalecer a velha situação, agora agravada pela
urgência da solução de problemas complexos de educa- secular; hoje é livrá-la do subdesenvolvimento, porque,
ção, criados e aprofundados com a distância que se fazia segundo os teóricos, ela é a nação chave da América
sentir, havia muito, entre o sistema escolar e as neces- Latina para a defesa do ocidente. À Escola Superior de
sidades do desenvolvimento..."106 Guerra, coube a adaptação da doutrina aos novos tem-
pos. O objetivo é acelerar o progresso, mas manter a
Dermeval Saviani, em artigo denominado "Análise continuidade sócio-econômica..." 108
crítica da organização escolar brasileira através das Leis É dentro desse prisma que se deve, então, perceber
o107.caráter deSAVIANI,
Dermeval continuidade
Educação: contido
do senso nos
comumdocumentos legais
à consciência filosófica.
105. Otaíza de Oliveira ROMANELLI, op. cit., pp. 1/1-172.
pp. 133-155.
106. Ibiã., op. cit., p. 179.
108. Antonio Carlos BERGO, op. cit., p. 161.

102 103
que vieram a seguir à Lei n.° 4.024 de 20 de dezembro ção — conforme classificação de Saviani — geradora
de 1961, que fixou as Diretrizes e bases da Educação de posturas despidas de criticidade, apoiada e paralela-
Nacional. Nota-se que, como lembra ainda Saviani, em- mente ratificadora do modelo tecnocrático de desenvol-
bora traga ela em seu bojo, a intenção de tratar da vimento, traduzido, em termos de Política educacional,
Educação Nacional, limitou-se porém, tão somente, à or- na Teoria do Capital Humano, referencial teórico do
ganização escolar, prendendo-se, em relação a ela, a ape- tecnocratismo educacional. Intencionava-se, segundo
nas regular o funcionamento e controle do que já estava palavras de Romanelli, adotar-se "...em definitivo, as
implantado. Daí concluir Dermeval, que " . . . os verda- medidas para adequar o sistema educacional ao modelo
deiros problemas educacionais permaneceram intocados de desenvolvimento econômico que então se intensifi-
e a educação popular sequer foi considerada. A orga- cava no Brasil. .." U 1
nização escolar, manteve assim, a sua característica de Essa compreensão do sistema de ensino, afinada com
aparelho reprodutor das relações sociais vigentes..." 109 a Teoria da Economia da Educação n~, foi forjada atra-
No entanto, importante se faz notar que, embora os obje- vés dos Convênios Mec-Usaid e ratificada no Relatório
tivos contidos na Lei n.° 4.024/61, não tenham sido re- Meira Matos e naquele outro referente ao Grupo de
vogados pelas Leis n."" 5.540/68 e 5.692/71, não significa Trabalho da Reforma Universitária, e na Lei n.° 5.692/71
estarem elas envolvidas do mesmo espírito daquela. — Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1.° e 2.°
Como diz Saviani, " . . . uma vez que a continuidade graus, institucionalizando, desta forma, por meio desses
sócio-econômica só pode ser garantida através da ruptu- documentos legais, os princípios inseridos nas idéias da
ra política, inevitavelmente o espírito acabou sendo alte- USAID.
rado. A inspiração liberalista que caracterizava a Lei
n.° 4.024/61, cede seu lugar a uma tendência tecnicista 111. Otaíza de Oliveira ROMANELLI, op. cit., p. 196.
nas Leis n.0B 5.540/68 e 5.692/71.. ,"110. 112. Carlos Benedito MARTINS, Ensino Pago, um retrato sem retoques, p. 60.
busca, em estudo de Ted Goertzel, por ele citado, a análise das " . . . carac-
Explicitava-se tal tendência tecnicista, na incor- terísticas ideológicas que informam o pensamento e o planejamento edu-
cacional da USAID e de sua aplicação na sociedade brasileira..."
poração, por parte dos responsáveis pela definição da Refere-se Goertzel, aos autores que orientam este pensamento como
política educacional, de um entendimento do sistema sendo os teóricos da Economia da Educação.
educacional associado, quase que mecanicamente, à " . . . Concebem estes educadores o ensino superior, como uma variá-
vel fundamental no desenvolvimento econômico, pois o sistema de ensino
qualificação profissional, pautado em parâmetros fixa- constitui uma fonte de formação de recursos humanos para o incremento
dos por uma formação técnico-profissionalizante respal- das atividades industriais. Nesta concepção sobre o processo educacional,
tal ensino definiu-se claramente a favor dos interesses dos grupos domi-
dada na concepção analítica de Educação, pertencente nantes da sociedade. O traço mais característico dessa posição, com rela-
ao quadro das Teorias Acríticas de Filosofia da Educa- ção à educação, constituiu-se na ênfase dada para carreiras específicas
em vez do desenvolvimento da formação de forças intelectuais mais am-
plas, concebendo a educação como uma parte do treinamento de indiví-
109. Dermeval SAVIANI, op. cit., pp. 144-145. duos para aplicação de conhecimentos especializados em suas profis-
1 1 0 . Ibid., p. 148. sões . . . "

104 103
Maria de Lourdes Manzíni Covre, a certa altura de a "personagem" por ela vivida, modificações substan-
seu trabalho113, recorre a Marilena Chauí ("Ideologia e ciais em seus traços de personalidade, que viessem a
Educação" e "Educação, simplesmente") e a Luis Pe- alterar a característica de sua participação na "peça"
reira ("Classe operária-situação e reprodução"), para em cena. Não nos fica difícil, então, fazermos alusão à
trazer à baila, o debate acerca dos "traços da concepção maneira como dela lançaram mão, face a predominân-
tecnocrática de educação". Diz-nos ela: ".. .A ascensão cia — na definição da política educacional — das con-
da concepção tecnocrática de educação, revela a ascen- cepções próprias à Teoria da Economia da Educação.
são hegemônica do monopolismo no embate das visões
educacionais das frações do capital: o embate entre uma Teve ela — dada a contundente presença tecnicista
concepção mais liberal, nomeada humanista, e uma nas Leis n.08 5.540/68 e 5.692/71 — reforçado o seu ca-
concepção máis funcional, empresa-educação, a tecni-
ráter instrumental, caráter esse que, num primeiro
cista. Na primeira, 'o estudante, como Homem, é o fim
da educação, enquanto na da opção tecnocrática ( . . . ) instante, veio a configurar-se no zelar, enfaticamente,
o ser humano é o meio ou instrumento da educação' pela preparação, recuperação e manutenção da força de
(Chauí). trabalho, buscando com esse proceder, assegurar ao
Em ambas as concepções educacionais burguesas, o ímpeto desenvolvimentista então em voga, mão-de-obra
Homem é uma abstração. Todavia, na primeira, pode-se fisicamente adestrada e capacitada. Esse caráter ins-
pensar a educação ainda como criação de cultura, o que, trumental, evidencia-se ainda mais quando o Decreto
na segunda, define-se precipuamente como investimen- n.° 69.450/71, em seu artigo 1.°, refere-se a ela como
to 'racional' ( . . . ) ou, ainda, é um enfoque cujo trata- sendo ".. .ATIVIDADE que por seus meios, processos e
mento e prescrições encontram-se 'sempre na linha da técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas,
economia da educação : não se cuida de Homens, mas morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando (consti-
de força de trabalho, não se trata da construção de tuindo-se em) um dos fatores básicos para a conquista
Homens historicamente determinados, mas da elabora- das finalidades da Educação Nacional..." 115 O termo
ção de um fator de produção necessário — força de tra-
ATIVIDADE empregado no texto legal, tem sua defini-
balho nos vários níveis e tipos de qualificação técnica'
(Luis Pereira) .. ,"114 ção expressa formalmente no Parecer n.° 853 de 12 de
novembro de 1971, do Conselho Federal de Educação,
CENA II CFE, e na Resolução n.° 8 de 1.° de dezembro do mesmo
ano e daquele mesmo Conselho, ganhando a conotação
Diante desse novo contexto, a Educação Física con-
tinuou a representar seus "papéis", não vindo a sofrer,
115. O Decreto n.° 69.450 de 1.° de novembro de 1971, ao regulamentar o
artigo 22 da Lei n.° 4.024/61 e a alínea C do artigo 40 da Lei n.°
113. Maria de Lourdes Manzini COVRE, A fala dos homens. 5.540/68, regulamenta a Educação Física como atividade escolar regular,
114. Ibid., pp. 196-197. nos currículos dos cursos de todos os graus de qualquer sistema de ensino.

106
107
de um fazer prático não significativo de uma reflexão § 1.° do artigo 3.° do Decreto n.° 69.450/71, que diz cons-
tituir a aptidão física, " . . . a referência fundamental
teórica"6 para orientar o planejamento, controle e avaliação da
Educação física, desportiva e recreativa, no nível dos
A compreensão da Educação Física enquanto "ma- estabelecimentos de ensino..." 119
téria curricular"117 incorporada aos currículos sob a
forma de atividade — ação não expressiva de uma re-
flexão teórica, caracterizando-se, dessa forma, no "fazer O prevalecer do entendimento de saúde em seu
pelo fazer" — explica e acaba por justificar sua presen- aspecto bio-fisiológico, tão somente, encontra eco na
ça na instituição escolar, não como um campo do co- legislação esportiva brasileira, quando ela — no inciso I
nhecimento dotado de um saber que lhe é próprio, espe- do artigo 5.° da Lei n.° 6.251/75 — afirma ser um dos
cífico — cuja apreensão por parte dos alunos refletiria objetivos básicos da Política Nacional de Educação Físi-
ca e Desportos, o " . . . aprimoramento da aptidão física
parte essencial da formação integral dos mesmos, sem a da população.. ."120 Externava-se, dessa forma, a carac-
qual, esta não se daria — mas sim enquanto uma mera terização de uma outra sua faceta, qual seja, aquela
experiência limitada em si mesma, destituída do exer- voltada às questões afetas à "performance esportiva",
cício da sistematização e compreensão do conhecimento, simulacro, na Educação Física, da ordem da produtivi-
existente apenas empiricamente. Como tal, faz reforçar dade, eficiência e eficácia inerentes ao modelo de socie-
a percepção da Educação Física acoplada, mecanica- dade no qual, a brasileira, encontra identificação.121
mente, à "Educação do Físico", pautada numa com-
preensão de Saúde de índole bio-fisiológica, distante damente, dissociado dos demais fatores de saúde, o exercício físico, antes
mesmo de propiciar saúde, pressupõe a sua existência para ser praticado
daquela observada pela Organização Mundial de Saú- sem incorrer em prática danosa ao Homem.
de 118, compreensão essa, sustentadora do preceituado no 119. Entende-se, assim, o porquê do Decreto n.° 69.450/71 tratar, no seu
artigo 5.°, dos padrões de referência para orientação das normas regi-
mentais da adequação curricular dos estabelecimentos, bem como para o
116. Segundo expressão utilizada no corpo do Parecer do CFE n.° 853/71, alcance efetivo dos objetivos da Educação Física, desportiva e recreativa",
pelo seu relator, Valnir Chagas, " . . . nas atividades, as aprendizagens de- situando-os nos 4 incisos que integram esse artigo, quanto a "seqüência
senvolver-se-ão antes sobre experiências colhidas em situações concretas de distribuição semanal das aulas" (inciso I), "tempo disponível para
do que pela apresentação sistemática dos conhecimentos..." Por sua vez. cada sessão" (inciso II), "composição das turmas" (inciso III) e quanto
a Resolução n.° 8/71 do CFE, traduz, no caput do artigo 4.°, a forma ao "espaço útil (a ser) destinado para cada aluno" (inciso IV).
como as matérias deveriam ser escalonadas nos currículos plenos de 1.° 120. Lei n.° 6.251 de 8 de outubro de 1975. Institui normas gerais sobre os
e 2.° graus, tratando em seus parágrafos 1.°, 2.° e 3.°, de definir os desportos e dá outras providências. Regulamentada pelo Decreto n.° 80.228
termos 'Atividades', 'áreas de Estudo' e 'Disciplinas'. de 25 de agosto de 1977.
117. Segundo se depreende do Grupo de Trabalho responsável pelo antepro- 121. Cabe aqui registrar o surgimento, nesse período — década de 70 —, dos
jeto básico da Lei n.° 5.692/71, mencionado pelo relator do Parecej n.° Laboratórios de Aptidão Física, vinculados a órgãos governamentais e/ou
853/71, a palavra "matéria" tem o sentido inequívoco de "matéria-prima" a instituições de ensino superior, e desenvolvendo pesquisas, em sua maio-
a ser trabalhada. ria, no campo da Fisiologia do Esforço. Qualquer dúvida a respeito da
118. A Organização Mundial da Saúde nos conduz a refletir sobre a necessi- linha das pesquisas levadas a efeito pelos Laboratórios, bem como da
dade de — ao nos referirmos à saúde de um povo — termos em mente concepção de saúde que as orienta, sugerimos a consulta, a título de
o conceito de Saúde Social por ela desenvolvido, segundo o qual, povo exemplo, da publicação do Centro de listuilos do Laboratório de Aptidão
saudável é aquele que possui atendidas suas necessidades básicas de ali- Física de São Caetano do Sul, CELAFISCS, denominado "CELAFISCS-
mentação, moradia, transporte, educação, trabalho, lazer. . . Visto isola- 10 anos de contribuição à Ciências do Esporte" (1986).

108 103
Os exemplos abaixo, recentes, retratam, por si só,
essa similitude:

ESSE
0 SESI está mostrando
lá fora o que algumas pessoas
não querem ver aqui dentro:

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A primeira
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C.SdIarqucari e »nftoes- 0 Brasil deu um show no Ran. E nâofaiapenas
ctáam 1 a um show de esporte. Foi uma Inesquecível
dfcaçSo a um ebjethe
demonstração de talento, criatividade
as
*ncM _»a *M • «im *p•nnv*Ira.auo1•aa. I*m
pa1i-a— »-
RM aiail 1 M 11 1 e persistência. Foi um exempio de garra.
«llAfeai, o SE» tem E é dessa garra que todos nós estamos

precisando. É nessa garra que cada um de

^ ^ H ^ k H B j f ^ ^ ^ ^ ^ nós deve se inspirar para construir, a cada dia,

M ^ B H ^ H um tuturo melhore mais digno para este país.


S«rvko Social do Indústria. M ^ H ^ H ^ H Trabalhe, lute, confie, lembre-se do exemplo
oRO C.N.I.©
SC rSdcIoluébm
e utoso:
iaEm
doarceioosm da traba-
um pnedqaueno CMM«I^I Wid—t <1 toééttris.
M . ^ H dos nossos atletas.

S
C.N.I.#
Acredite no Brasil. Acredite em voei.

Coateómçto Nacional da Mtetria.

103 103
Nada, entretanto, torna-se mais elucidativo de tudo
o que até agora, nesta questão, dissemos, do que repor- A "justificativa teórica" para tal chamada publici-
tarmo-nos à matéria mandada publicar pela Associação tária, embora já fartamente indicada, ganhou contor-
nos mais nítidos, de extrema singeleza, no livro Subsí-
Cristã de Moços — ACM —, sob a forma de espaço pu-
dios para implantação de uma Política Nacional de Des-
blicitário, na revista Visão, em sua edição de 30 de no-
portos, publicada há exatamente 10 anos antes do anún-
vembro de 1981.
cio da ACM, pelo Departamento de Educação Física,
fetais a caatagxgaag
Corte o stress Esporte e Recreação do Governo do Distrito Federal.
e o cansaço do Pires Gonçalves, seu autor, dizia então da necessidade
das grandes firmas dinamizarem o setor desportivo de
seu pessoal seus funcionários e dirigentes."... Isto poderá ser alcan-
Funcionário» bem preparado« çado — dizia ele — seja através de uma prática bem
fisicamente produzem mais
• melhor. orientada (colônia de férias, ginástica de pausa, compe-
O
rMFACK»
Dinnipinhoniodiito . Vários boráiioa a
para tição entre as diversas fábricas, criação de praças es-
• N» M> MtMÍM^«M fc^tll - prática de nataçio, cooper
ginástica, volibol, basquete, portivas, etc.), seja através de convênios entre os Minis-
1- a«ma» w Hlwfcwi futebol d« salão, atividades tério de Educação e Cultura — Ministério da Fazenda
•Wf áV tVM * A ^VVVfr sociais e culturais, etc..
£BV
ltfWHÉ9 M CSUolpA Ml^
nt» — Minstério do Interior — Ministério da Indústria e
»»• *» ri
m
N IIwiiuii. mL'SZ
• É l t pMkcftcOn (MkMHi
Aprovalls as laellMadat
do convénio oovi| ompfiMi. Comércio — Indústria Privada."... 122 Reforçava ele, a
A II|^M4|KIMI è mII M M*-
«Mr IM. A fM^lhi M>
* Hw »Hi*. » Li«» nh necessidade de se obrigar " . . . as grandes organizações
T
ICIfallt«* liplum« an Cl*. Associação Crlstl de Moços
«. I I » y M <«11%. d« SBo Paulo - YMCA (a) proporcionarem meios materiais (campo de futebol
i'ii'fci N§ ^Mk ál MVwt< RECURSOS EXTERNOS -I Baa Nmw miam MT-T«I.^S*-I0II
e/ou quadras e/ou piscinas) para a prática desportiva
061a ras è Patrobráa
ao «iiliiilut « •» m«u»i nos arredores da empresa, a qual passaria a desempe-
• M Ik««l
* pMfotrJ* « • «•«•Mim» it
nhar uma importante função social na região..." E
tt.t ét tutrn. Mtm-
i
iMpn, M M u UMMM, ét
tt mm * | Sua | prognosticava: " . . .O rendimento do trabalho e, conse-
I. A I verba de qüentemente, a produção, (com esse proceder) apresen-
» W » ' « - U t » «i «WHilll
propaganda tariam um crescimento apreciável..." 123
pode ser
«IM « M%.
KU VNffcHfM I pciflv á| t él
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| U. pequena, seus Mas não era só a percepção de que "trabalhadores
RECURSOS IXTÍBNOS-«
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MtquIOM uaada* *kM CflM IFm—l 4a Mae nao. que orientava a proposta de Pires Gonçalves. Também
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tn Ht nos dizia ele, com todas as letras, o que mais poderíamos
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Hampam «rtaMi 4* RwMr (FB- KteiJz, alcançar com o levar aos trabalhadores, a prática de
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» O l l i iIII
n 1»m•«*..«»»«i.
•m.:mi)HijM{i».mt«iiyiir l o 122. José Antonio Pires GONÇALVES, Subsídios para implantação de uma
<w* A ef*sçÉe um « |
íd |MniM braaHriro i /IffA AtwigctoBmlemaAnmciattiB. política nacional de desportos, p. 38.
•BBBHHMHMilHBHMHBHBB 123. Ibid.. p. 38.

112 8 103
".. .Ainda que algum dono ou gerente de empresa possa — civis e militares — do movimento de 1.° de abril de
pensar que o desporto praticado nos intervalos ou em 1964.126
horas pré-estabelecidas por planejamento, vá fatigar os No que diz respeito ao Esporte, sua capacidade de
empregados, o efeito é comprovadamente contrário, pois catarse, de canalizar em torno de si, para seu universo
ele atua como uma autêntica ginástica de pausa, com- mágico, os anseios, esperanças e frustrações dos brasi-
pensando as tensões e aumentando o rendimento da leiros, foi imensamente explorada. A lembrança do
Organização. E o lado psicológico? E a atividade lúdica? ".. .Noventa milhões em ação, prá frente Brasil, salve
Os operários passariam a referir-se à equipe de futebol a Seleção!", numa verdadeira ode à "corrente prá fren-
de 'sua fábrica', ao 'seu ginásio', num autêntico e bené- te", ainda está bastante, e hoje dolorosamente, viva —
fico 'esprit du corps'..." 124 E fechando, então, o capítulo 17 anos passados — em nossas mentes e corações, pois,
"Educação Física e Desportos na organização Privada",
126. Escola Superior de Guerra, op. cif., pp. 418-419. Segundo a ESG, criada
vaticinava: ".. .No caso da iniciativa privada, é preciso pela Lei n.° 785 de 20 de agosto de 1949 e estruturada pelo Estado
interessá-la, há que mostrar a necessidade da dinamiza- Maior das Forças Armadas, EMFA, com a finalidade legal de " . . . formar
pessoal de alto nível para o exercício das funções de direção e para pla-
ção desportiva da massa que utiliza, para conseguir, nejamento da Segurança N a c i o n a l . . . " (artigo 1.°), Segurança Nacional
através disso, um sorriso em lugar de um rosto fechado, " . . . é o grau de garantia que — através de ações políticas, econômicas,
psico-sociais e militares — o Estado proporciona, em determinada épgca,
a alegria substituindo a contrariedade e a angústia. O à nação que jurisdiciona, para a conquista ou manutenção dos objetivos
resultado será, sem dúvida, a cooperação em vez da nacionais a despeito de antagonismos ou pressões existentes ou poten-
ciais . . . "
omissão, a produção em vez da inércia ou do descon-
Portanto, a Segurança Nacional " . . . é função de um Poder Nacional
tentamento. Teremos, assim, conseguido um inteligente fortalecido harmonicamente em suas quatro expressões: Expressão Polí-
investimento em termos de humanismo ..." 128 tica, Expressão Psicossocial, Expressão Econômica e Expressão Militar..
devendo esta última, estar " . . . alicerçada numa população significativa em
quantidade e qualidade, apoiada numa sólida organização política e numa
CENA III firme e desenvolvida economia, capaz de atuar com rapidez, eficiência e
eficácia para eliminar focos de intranqüilidade no âmbito interno e exter-
no do p a í s . . . " Ê dentro dos fatores Psicossociais que se situa a Edu-
Mas, a Educação Física e o Esporte não correspon- cação, por ela definida como sendo " . . . o processo de aperfeiçoamento
do ser humano no sentido da facultar a realização de suas potencialida-
deram às expectativas da classe dirigente tão somente des, bem como a transmissão e a assimilação de conhecimentos e valores
na questão referente ao princípio do "Desenvolvimento". culturais do grupo s o c i a l . . . " (p. 359). Vimos convivendo, de há muito,
com leis que tratam especificamente da questão da Segurança Nacional.
Responderam, também, aos anseios dos governantes, no Tivemos, assim, a Lei n.° 1.802/53, que definia crimes contra o Estado:
trato daquele outro, relativo ao polo "Segurança" que, o Decreto-lei n.° 314/67; o Decreto-lei n.° 898/69, bastante utilizado pelo
Governo Militar e que acabou se tornando conhecido como a "Lei da
junto ao anterior, compunha o binômio "Desenvolvi- Segurança Nacional": a Lei 6.620/78, edição um pouco melhorada da
mento com Segurança", caro à Doutrina da Segurança anterior e a lei n.° 7.171 de 14 de dezembro de 1983, a Lei da Segu-
rança Nacional em vigor, todas com a característica comum de " . . . instru-
Nacional, tão ardorosamente defendida pelos guardiões mentos de preservação do governo, dos aparelhos do Estado, contra os
movimentos sociais...", conforme palavras de José Paulo CAVALCANTI
FILHO, em artigo denominado "Lei de Defesa do Estado Democrático",
124. Ibid., p. 38.
(Folha de São Paulo, 2 3 / 7 / 1 9 8 7 ) .
125 Ibid., p. 39.

114 9 103
foi na esteira desses hinos ufanistas — apologistas de Já no espaço institucional escolar, importante se
uma postura cívica exacerbadamente alienada, patoló-
gica — que vieram os odientos crimes políticos cometi- faz resgatarmos os passos dados pela Educação Física
dos, voluptuosamente, pelos aparelhos repressivos — es- e que a fizeram chegar, compulsoriamente, ao ensino
tatais e para-estatais — num ritmo e forma poucas superior, no final da década de 60.
vezes presenciados na história política da sociedade bra- Teve a Educação Física, ratificada sua obrigatorie-
sileira. dade no ensino primário e médio, na Lei n.° 4.024/61,
Foi também no início dos anos 70, que começou a em seu artigo 22. Não se cogitava, até então, e é impor-
ganhar corpo, o depois conhecido como Movimento "Es- tante frizar tal fato, de torná-la obrigatória também no
porte para Todos", o EPT. Assim nos referimos a ele, ensino superior. Anos mais tarde, em 1966, o Conselho
em artigo publicado no periódico "Corpo e Movimento", Federal de Educação deixou transparecer sua posição a
de abril de 1985: " . . . Braço direito do Desporto de massa, esse respeito, quando no Parecer n.° 424, assim se ex-
apresentado como uma proposta de esporte não formal, pressou: ".. .Todos reconhecemos a necessidade e o be-
inspirado no quadro teórico da Educação Permanente, nefício de exercícios físicos em qualquer idade, desde
encontrou o EPT, campo fértil para a sua propagação que devidamente adaptados. Entretanto, a razão de ser
em nosso país, a partir da necessidade sentida pela clas- da obrigatoriedade prescrita em lei, não é tanta o bene-
se governante, de convencer aos segmentos menos favo- fício, e sim o papel de fator formativo, que inclui atitu-
. recidos da sociedade brasileira, de que, o desenvolvi- des físicas, mentais e morais. Por isso, a obrigatoriedade
mento econômico propalado na fase do 'milagre', tinha da Educação Física se ajusta bem aos cursos de nível
seu correspondente, no campo social. Essa idéia foi médio que, de conformidade com a Lei de Diretrizes e
apreendida nos sinais tidos como significativos de me- Bases, se destinam à formação do adolescente. Ultrapas-
lhoria da qualidade de vida do povo brasileiro (abstra- sada essa faixa de formação, a prática de exercícios
tamente considerado, por desconsiderar a divisão da físicos já deve ser um hábito agradável e saudável, re-
sociedade em classes sociais). O EPT, assim, seria a sultante de um processo formativo..." E conclui:
comprovação de que, ao desenvolvimento econômico al- "... Nada impede que nas escolas superiores, haja diver-
cançado no início da década de 70, correspondia o sas modalidades de exercícios físicos. O que parece não
desenvolvimento social da sociedade brasileira, expresso caber mais, é a obrigatoriedade da Educação Física..."
— dentre outras formas — no acesso às atividades físi- Não poderia ser mais claro, o ponto de vista defendido
cas de lazer pela camada da população, até então, dela pelo CFE.
alijada..." 127
dade', conduzindo à uma prática mantenedora das desigualdades através
127. Lino CASTELLANI FILHO. O Esporte e a nova república. Corpo & das diferentes oportunidades, (vinha) sendo alvo de críticas por parte
Movimento, (47):7-10. Continuava eu dizendo, naquela ocasião, que " . . .a de estudiosos do assunto. Tais críticas, traduzem a certeza do desvela-
falácia dc seu pressuposto básico (melhoria da qualidade de vida dos mento da intenção intrínseca ao discurso e prática do EPT, de mas-
brasileiros), somada ao discurso da 'quantidade' com prejuízo da 'quali- carar a característica classista da estrutura social brasileira..."

116 10 103
Dois anos após esse Parecer, a Lei n.° 5.540 de 28 de ram transparecer tal intenção. A explicação, então, a
novembro (Lei da Reforma Universitária) parecia con- nosso ver, encontra-se em outra instância de entendi-
cordar com tal pensamento, quando em seu artigo 40, mento.
letra 'C', incitava as instituições de ensino superior, a Se é verdade que o movimento deflagrado em 1.°
estimularem as atividades desportivas, vindo, por inter- de abril de 1964 encontrou apoio em amplos setores da
médio do Decreto-lei n.° 464, de 11 de fevereiro de 1969, classe dominante, também o é que encontrou, desde os
dizer ser através de orientação adequada e instalações primeiros momentos que se seguiram ao golpe, fortes
especiais, a maneira pela qual deveria se dar tal estí- resistências de diversos outros segmentos sociais bra-
mulo. sileiros.
Entretanto, não demorou mais do que 5 meses para É sabido que os estudantes, notadamente os univer-
que a Educação Física — por força do Decreto-lei n.° sitários, localizavam-se entre aqueles que opunham
705 de 25 de julho128 — passasse a ter a sua obrigatorie-
dade estendida a todos os níveis e ramos de escolariza- ferrenha resistência às intenções anti-democráticas
ção, contrariando, dessa maneira, tudo o que se confi- dos que falavam em nome do Estado. A União Nacional
gurava nos pronunciamentos do Conselho Federal de dos Estudantes, UNE, extremamente combativa, inco-
Educação, CFE. modava por demais os dirigentes, fazendo com que, já
em 1964, tivessem eles que lançar mão de mecanismos
Já tivemos a oportunidade de dizer — em várias legais — ao lado da sempre presente e ativa repressão
outras ocasiões12" — que ao nos debruçarmos sobre a física — para tentar arrefecer o ânimo daquela entida-
legislação escolar brasileira em geral e aquela relativa de estudantil. Em 9 de novembro daquele ano, foi então
à Educação Física em particular, temos sempre presen- promulgada a Lei n.° 4.464, a Lei Suplicy — como então
te, a intenção de atentarmos para as "entrelinhas", ao
ficou conhecida, em "homenagem" ao seu idealizador,
fazermos a leitura das linhas: de percebermos o "espí-
rito" da lei, ao nos defrontarmos com a sua letra e, final- Deputado Suplicy de Lacerda — que dispunha sobre os
mente, de compreendermos o contexto para, somente órgãos de representação dos estudantes e criava, para
assim e então, darmos ao texto a interpretação devida. substituir a UNE, a figura do Diretório Nacional dos
Assim sendo, fica-nos evidente que não é através desses Estudantes.
ou de outros documentos legais, vistos e analisados em Isso, porém, não alterou, substancialmente, a com-
si mesmos, que vamos entender o porquê da obrigato- batividade da UNE e sua legitimidade junto aos estu-
riedade preceituada. Em nenhum momento eles deixa- dantes e à sociedade em seu conjunto, fazendo com que
o governo promulgasse, em 14 de janeiro de 66, um
128. Decreto-lei n.° 705 de 25 de julho de 1969 — Altera a redação do artigo
22 da Lei n.° 4.024/61, estendendo a obrigatoriedade da prática da Edu-
outro documento legal, o Decreto n.° 57.634, que suspen-
cação Física a todos os níveis e ramos de ensino. dia, por 6 meses, a partir daquela data, as suas ativi-
129. Por exemplo, por ocasião da publicação do artigo "A (des)caracterização dades. Mesmo assim, na clandestinidade a partir de
profissional-filosófica da Educação Física" já citado.

118 107
então,130 a UNE continuou presente nos debates acerca praticamente aniquilada — afora a violência dos apa-
das questões nacionais, manifestando sempre a inten- relhos repressivos — por força da promulgação do Ato
ção de ver de volta, implementado, os planos políticos Institucional n.° 5, de 13 de dezembro de 1968 e dos De-
pré-64, como também presente esteve nas questões pro- ;retos-lei n.os 464 e 477 de fevereiro de 1969.
priamente educacionais, como aquelas que diziam res-
peito à reforma universitária em gestação, colocando-se Nesse cenário, coube à Educação Física o papel
contrária aos convênios MEC-USAID então ensaiados. de, entrando no ensino superior, por conta do Decreto-
As retaliações sofridas por ela em 1966, somadas à lei n.° 705/69, colaborar, através de seu caráter lúdico-
incapacidade demonstrada de — após um momento de esportivo, com. o esvaziamento de qualquer tentativa de
climax do movimento, alcançado em setembro daquele rearticulação política do movimento estudantil. Eviden-
ano e detectado, segundo Poerner, pelo chefe do Serviço ciava-se, dessa forma, os traços alienados e alienantes
Nacional de Informações, General Goubery do Couto e absorvidos pela "personagem" vivida pela Educação
Silva — " . . . promover um recuo organizado para Física.
acumulação de forças... ",131 fizeram com que sua pre-
Poerner, em obra citada, já havia feito menção,
sença, a nível nacional, ficasse abalada, guardando suas
lutas, proporções mais regionalizadas daquela época até embora em outra circunstância, ao destino que — se-
início de 68, quando então teve sua força recrudescida gundo ele — se almejava aos estudantes universitários,
por contingência de determinados fatos ligados à morte como também ao papel que caberia ao Esporte represen-
de um estudante.132 tar. Reportando-se à Lei Suplicy, ainda sob a forma de
projeto de lei, aprovado pelo Congresso Nacional em 27
Nesse ano de 1968 e início de 69, sofreu ela, mal- de outubro de 1964, por 126 votos contra 117, dizia ele:
grado sua revitalização, toda sorte de pressões, sendo ".. .Calem-se para sempre." Eis a mensagem das auto-
130. Artur José POERNER, Poder jovem, p. 269. Em julho de 1966, a U N E ridades de abril através da lei, aos jovens do seu país.
organizou e realizou, em Belo Horizonte, MG, seu XXVIII Congresso, Em troca, a juventude, silenciosa e bem comportada,
segundo seus dirigentes, legal, pois o prazo de suspensão de suas ativi-
dades, imposto pelo Decreto n.° 57.634, já havia expirado. Não foi essa, ganharia alguns bombons: os Diretórios Acadêmicos se-
• contudo, a interpretação do Secretário de Segurança de Minas Gerais, riam transformados em alegres centros recreativos pu,
Sr. Bias Fortes Filho, que o considerou ilegal " . . . e m atendimento às
instruções das autoridades federais, que já promoveram a extinção da
na melhor das hipóteses, em clubes esportivos, cujos
UNE..." atletas envergariam, com orgulho, camisas olímpicas
A esse respeito, ver também José Luis SANFELICE, Movimento estu-
dantil: a UNE na resistência ao golpe de 64, p. 107.
com a inscrição 'University of Brazil' no peito..." E,
131. Ibid., p. 279. continuando no tom sarcástico adotado, concluía:
132. Ibid., p. 295. Tratava-se da morte de Edson Luis de Lima Souto. " . . .
Quando o corpo baixou à sepultura, as mais de 50 mil pessoas que
" . . . Talvez fosse até possível substituir o futebol pelo
lograram acesso ao interior da necrópole, ouviram o solene juramento rugby..." 133 Em 1971, o Decreto n.° 69.450, ao fazer
prestado por milhares de jovens: Neste luto, começou a luta! Era o sinal
de que a, até então, maior manifestação popular de protesto pós abril de
64, teria seqüência..." 1 3 3 . Ibid., p. 2 3 2 .

120 103
alusão à forma de organização da Educação Física no 68.065/71 — que criava a figura dos centros cívicos, que
ensino superior, apresenta-nos a figura dos .. .clubes deveriam funcionar " . . . sob a assistência de um orien-
esportivos universitários.134 tador, elemento docente designado pela direção do esta-
belecimento. .." — com o previsto no parágrafo 1.° do
CENA FINAL artigo 13 do Decreto n.° 69.450/71 — que dizia ser in-
cumbência dos clubes esportivos, desenvolverem " . . . ati-
vidades físicas supervisionadas pelos professores de
Mas os passos dados pela Educação Física não eram Educação Física..." — não é mera coincidência! Colo-
isolados. Guardavam singular similitude com aqueles cavam-se ambas, pois, na direção de responder aos
outros ensaiados pela Educação Moral e Cívica, numa princípios de Desenvolvimento com Segurança, próprios
demonstração inconteste de que a inclusão compulsória à Doutrina da Segurança Nacional, a elas cabendo con-
da Educação Física no ensino superior, veio atender à tribuir na formação de consciências dóceis, atributo
uma ação engendrada pelos "arquitetos" da ordem polí- necessário — associado à qualificação da mão-de-obra —
tica vigente, no sentido de aparar possíveis arestas — ao capital, segundo expressão tomada de empréstimo a
no campo educacional — que pudessem vir a colocar em Antonio Carlos Bergo.135
risco a consecução do projeto da sociedade em cons-
trução. Assim, a exclusão da Filosofia do rol das discipli-
nas obrigatórias dos currículos de 2.° grau e a inclusão
Assim, se a lei 5.540/68, como dissemos, referia-se à da Educação Moral e Cívica no 2.° e 3.° graus — neste
letra "C" do artigo 40, a Educação Física, à letra "D" do último, com o nome de Organização Social e Política
mesmo artigo, fazia referência à necessidade das insti- Brasileira, OSPB — paralelamente à da Educação Física
tuições de ensino superior estimularem " . . . as ativida- — com seu repertório lúdico-esportivo associado às im-
des que (visassem) a formação cívica, considerada in- plicações decorrentes de sua presença na instituição
dispensável à criação de uma consciência de direitos e escolar, entendida unicamente enquanto ATIVIDADE
deveres do cidadão e do profissional..." Se o Decreto- — não pode ser visto como medidas díspares, como se
lei n.° 705 de julho de 69 tornou a Educação Física tivessem sido tomadas aleatoriamente. Compõem, a
obrigatória em todos os níveis e ramos de escolarização, nosso ver, um conjunto de medidas adotadas, que refle-
coube ao Decreto-lei n.° 869 de 12 de setembro daquele
mesmo ano, determinar medida idêntica com relação à 135. Antonio Carlos BERGO, op. cit., p. 179. Cabia à Comissão Nacional de
Educação Moral e Cívica. Por sua vez, qualquer seme- Moral e Civismo, composta por nove membros nomeados pelo Presidente
da República, encarregar-se da implantação da disciplina de Educação
lhança entre o disposto no artigo 32 do Decreto n.° Moral e Cívica, funcionando, no dizer de Bergo, " . . . como autoridade
espiritual de controle da Doutrina..." (p. 180). A ela é que caberia
"organizar e submeter à aprovação do Ministério de Educação e Cultura,
134. Decreto n.° 69.450 de 1.° de novembro de 1971 — Artigo 13: "A prática as instruções para exames de livros didáticos, do ponto de vista de moral
da Educação Física no ensino superior, será realizada por meio de clubes e civismo, em cumprimento do disposto na letra 'E' do artigo 6.° do
universitários, criados segundo modalidades afins, na conformidade das Decreto-lei n.° 869/69, e na Letra 'G' do artigo 10.° deste regulamento"
instalações disponíveis, os quais se filiarão à Associação Atlética da res- (Decreto n.° 68.065/71).
pectiva Instituição".

122 107
tiam a opção — no melhor estilo Comteano — pela nega-
ção da Filosofia, enquanto teoricamente dotada de con-
teúdo potencialmente gerador de posturas constituídas
de criticidade, optando por outras que estariam compro-
metidas em representar " . . . o papel ideológico de con-
dução do poder pela elite..." 136

DESCE O PANO...
. . . Ao "baixar o pano" sobre o palco onde encenou-
se £ peça na qual destacamos o papel — com suas varia-
das máscaras — representado pela Educação Física,
cabe-nos, como aliás é praxe acontecer em todos os
finais de espetáculos, num esforço da platéia de, ao
resumi-los, melhor entendê-los, fazer alusão, ao seu
término, às evidências do caráter reprodutivista da Edu-
cação Nacional. Nesse particular, excelente foi a atua-
ção, ou em linguagem mais peculiar à nossa área, a
"performance" da Educação Física.
Mas, para que não saiamos do "teatro" com a incô-
moda sensação de impotência motivada pela rudeza das
cenas, que nos poderia levar a concluir, equivocadamen-
te, pelo sentimento de frustração em relação à institui-
ção escolar e à Educação Física em particular, necessá-
rio se faz resgatarmos os possíveis sinais de resistência
esboçada por outras personagens desta peça que, por
serem coadjuvantes, não mereceram destaque neste ca-
pítulo, não lhes sendo dada, portanto, a atenção devida.
É o que passaremos a fazer, no próximo e último capí-
tulo, intitulado "Prá onde caminha essa história".

136. Ibid., p. 191. Segundo a ESG, o papel da Filosofia diz respeito à


" . . . especulação e à formulação de princípios universais, sem prejuízo da
normatividade que lhe incumbe estabelecer, especialmente com vistas à
consolidação de uma genuína sabedoria de v i d a . . . " (ESG, Manual Bá-
sico, pp. 11-12).

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