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Educação e Pesquisa

Universidade de Sao Paulo


revedu@edu.usp.br
ISSN (Versión impresa): 1517-9702
BRASIL

2002
Marcus Aurélio Taborda de Oliveira
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E DITADURA MILITAR NO BRASIL (1968-1984):
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
Educação e Pesquisa, janeiro-junho, año/vol. 28, número 001
Universidade de Sao Paulo
São Paulo, Brasil
pp. 51-75

Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal

Universidad Autónoma del Estado de México


Educação Física escolar e ditadura militar no Brasil
(1968-1984):h i s t ó r i a e h i s t o r i o g r a f i a

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira


Universidade Federal do Paraná

Resumo

Neste artigo pretende-se indicar um conjunto de procedimentos


oficiais, institucionais e profissionais, que produziu uma nova for-
ma de conceber a educação física no interior da instituição escolar
no Brasil, desde o final dos anos 1960, com base em um diálogo
crítico com a recente produção historiográfica da educação e da
educação física no Brasil.
Aqueles procedimentos foram orientados no sentido de dotar essa
prática escolar de uma maior legitimidade acadêmica por meio de
um amplo programa de massificação de seus conceitos e práticas,
de maciços investimentos estatais em pesquisa nessa área, da ne-
cessidade de formação de especialistas mediante a expansão dos
cursos de formação superior, e de um aparato legislativo que de-
finia com rigor padrões de referência para a sua prática escolar.
Para tanto, suas fontes principais são: a série total da Revista Bra-
sileira de Educação Física e Desportos (1968-1984), editada pela
Divisão de Educação Física do MEC, os Programas de Educação
Física da Prefeitura Municipal de Curitiba entre 1970 e 1984 e os
depoimentos de professores da rede municipal de ensino de
Curitiba.
Partindo do pressuposto de que o processo histórico se define
como uma síntese de continuidade e ruptura, recorre à obra de
Edward Palmer Thompson para demonstrar como aquele se desen-
volve a partir da experiência dos agentes da história e do diálogo
entre o ser social e a consciência social, sem negligenciar a análise
da influência dos fatores estruturais sobre esse mesmo processo,
aspecto privilegiado pela historiografia criticada.

Palavras-chave
Correspondência:
Marcus Aurélio Taborda de Oliveira História da educação física escolar – Ditadura militar – Disciplinas
Universidade Federal do Paraná /
Setor de Educação escolares.
Dept o de Teoria e Prática de Ensino
Rua General Carneiro, 460
5º andar, sl. 501
82940-150 – Curitiba – PR
E-mail: marcusat@ufpr.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 51-75, jan./jun. 2002 51


Physical education at school and the military
dictatorshipinBrazil(1968-1984): h i s t o r y a n d h i s t o r i o g r a p h y

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira


Universidade Federal do Paraná

Abstract

This paper describes a set of official, institutional and


professional procedures that, since the late sixties, produced a
new way of conceiving the physical education within the
school in Brazil; to this end, a critical dialogue is effected with
the recent historiography literature on education and physical
education in Brazil.
The aforementioned procedures were geared towards endowing
the physical education with greater academic legitimacy
through a series of measures: a wide program of massification
of its concepts and practices, massive state investments in
research in this field, the need to train specialists through the
expansion of higher education courses, and the creation of a
legal apparatus that defined rigorously the standards of its
practice at school. To such effect, the paper’s main sources are
the complete series of the Revista Brasileira de Educação Física
e Desportos (Brazilian Journal of Physical Education and Sports
(1968-1984), edited by the Physical Education Division of the
Ministry of Education (MEC), the Programas de Educação Física
(Programs of Physical Education) from the Municipal
Government of Curitiba between 1970 and 1984, and
statements given by teachers of the municipal school system of
Curitba.
Considering that the historical process is defined as a synthesis
of continuity and rupture, the work of Edward Palmer
Thompson is drawn upon to show how this process develops
from the experience of history’s agents and from the dialogue
between the social being and the social conscience, without
overlooking the analysis of the influence of structural factors,
an aspect privileged by the historiography criticized.
Correspondence:
Marcus AurélioTaborda de Oliveira
Universidade Federal do Paraná /
Setor de Educação Keywords
Dept o de Teoria e Prática de Ensino
Rua General Carneiro, 460
5º andar, sl. 501 History of Education – Physical Education – Military dictatorship
82940-150 – Curitiba – PR – School disciplines.
E-mail: marcusat@ufpr.br

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Educação física escolar e rência governamental no desenvolvimento da
ditadura militar no Brasil: o que educação física escolar, tornava-se referência
nos fala a historiografia? praticamente exclusiva para a prática de ativi-
dades corporais no plano mundial, seja dentro
Segundo uma determinada produção ou fora da escola. Isso teria ocorrido, em par-
acadêmica da área da educação física a partir te, porque numa certa perspectiva o esporte
da década de 1980, de forte acento crítico, codificado, normatizado e institucionalizado
com a qual discutirei ao longo desse trabalho, pode responder de forma bastante significati-
a educação física escolar foi conformada de va aos anseios de controle por parte do poder,
forma autoritária pelo Estado no Brasil, a partir uma vez que tende a padronizar a ação dos
das reformas educacionais de 1968 (Lei 5.540) agentes educacionais, tanto do professor
e 1971 (Lei 5.692 e decreto 69.450). Segundo quanto do aluno; noutra, porque o esporte se
as análises oriundas desses estudos, no interes- afirmava como fenômeno cultural de massa
se do desenvolvimento de um maior grau de contemporâneo e universal, afirmando-se, por-
eficiência produtiva no mundo do trabalho e, tanto, como possibilidade educacional privile-
pressupondo a importância da educação giada. Assim, o conjunto de práticas corporais
escolarizada para se atingir este fim, a passíveis de serem abordadas e desenvolvidas
tecnicização do ensino patrocinada pelo gover- no interior da escola resumiu-se à prática de
no teria como premissa básica a discipli- algumas modalidades esportivas. As práticas
narização, a normatização, o alto rendimento escolares de educação física passaram a ter
e a eficácia pedagógica. Esse pressuposto se- como fundamento primeiro a técnica esporti-
ria orientado pelo alinhamento do país a uma va, o gesto técnico, a repetição, enfim, a redu-
ordem mundial calcada no desenvolvimento ção das possibilidades corporais a algumas
associado ao capital internacional, mais expli- poucas técnicas estereotipadas.
citamente, ao norte-americano. Segundo tal Essas são algumas das teses da
concepção, é irrefutável a tese da dependência historiografia. Mas teriam os professores de
estrutural, o que implica necessariamente a educação física adotado passivamente os pres-
dependência cultural, aí incluída a educação supostos teóricos e metodológicos para a edu-
em geral e, no âmbito deste trabalho, a edu- cação física escolar difundidos pelo Estado e
cação física escolar em particular. divulgados pela Revista Brasileira de educação
Dentro dessa perspectiva os intelectu- f í s i c a e D e s p o r t o s (periódico do MEC com
ais a serviço do governo teriam gestado as ampla circulação nacional), ou a prática coti-
políticas públicas para a educação no período diana da educação física escolar desenvolveu-
aqui abordado. Para a educação física escolar se com uma autonomia relativa ante as orien-
a Lei 5.692/71 reserva, em seu artigo 7º , um tações de um governo autoritário? As evidên-
espaço de obrigatoriedade nos currículos esco- cias empíricas, a serem exploradas ao longo
lares. Essa obrigatoriedade foi regulamentada deste artigo, não permitem respostas esquemá-
com o Decreto 69.450/71, que impôs padrões ticas para essa questão.
de referência para a prática de educação físi- Tais suposições, ainda que não sejam
ca no interior da escola, caracterizada como de todo descartadas, carecem freqüentemente
atividade, ainda que a educação física passas- de uma análise empírica mais acurada. Se, por
se a ter todos os pressupostos característicos um lado, a partir de meados da década de
da configuração de uma disciplina escolar 1970, a produção acadêmica em educação fí-
(Chervel, 1990). sica começava a se desenvolver com critérios
Segundo uma interpretação corrente científicos, principalmente pelo início de um
na historiografia, o esporte, aliado à interfe- processo de titulação (mestrado e doutorado)

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d e seus profissionais e pela emergência dos cotidiano ou, de forma ainda mais radical,
primeiros cursos de pós-graduação no Brasil, como massa de manobra apenas e sempre? Isso
por outro lado, já estava sendo produzida e eqüivaleria a extrair do sujeito toda a sua au-
discutida no âmbito educacional uma literatura tonomia, ainda que relativa, em face das vicis-
baseada nas teorias críticas, com as quais os situdes da vida social e toda sua capacidade de
profissionais da educação física travaram con- indignação e resistência diante dos modelos
tato tardio, uma vez que essas teorias só fo- preconcebidos de organização da cultura. As-
ram apropriadas pela teoria da educação físi- sim, ao operar com as evidências não foi difí-
ca no início dos anos 1980. Esses dois movi- cil refutar uma leitura determinista e economi-
mentos infirmam a tese de um transplante cista do materialismo histórico, característica
puro e simples de teorias estrangeiras. As evi- de uma determinada leitura da história, que
dências mostram que havia embates bastante extrai dos sujeitos toda sua potência criadora
significativos em torno da questionável impor- e os reduz a pouco mais que simples insumos
tância do esporte como prática pedagógica, o culturais. Nessa perspectiva os agentes histó-
que ocorria até mesmo no interior de um perió- ricos não teriam qualquer possibilidade de mo-
dico do MEC. ver-se com autonomia diante das rígidas estru-
A historiografia desenvolveu uma es- turas ideológicas determinadas pelo Estado.
treita interpretação que imputa à educação Moldar-se a determinados modelos culturais
física escolar uma função de reprodução do impostos de forma imperativa seria então tudo
ideário oficial, calcado na ideologia da segu- o que restaria aos mais diversos sujeitos.1
rança nacional e do Brasil grande. Além disso, Essa perspectiva da história da educação
a tecnicização das práticas corporais represen- física foi marcada por uma visão linear, um tanto
taria melhoria das condições da força de tra- mecânica, desenvolvida no âmbito da pesquisa
balho, no sentido de torná-la mais eficiente e em história da educação no Brasil a partir da
eficaz no processo de produção; a raciona- década de 1970 a qual, por sua vez, se alimen-
lidade e o planejamento da economia da edu- tou das discussões desenvolvidas no interior das
cação conformavam, então, as políticas públi- Ciências Sociais. Assim, um dos objetivos deste
cas e, conseqüentemente, as práticas escolares, artigo é evidenciar os limites desse tipo de abor-
deixando pouco ou nenhum espaço para a in- dagem, tendo como referência para análise uma
tervenção dos sujeitos na história. determinada produção teórica da história da
Essa visão está fortemente influenciada educação no Brasil a partir da década de 1970
pela perspectiva de um a p r i o r i estrutural- e a influência desta produção mais ampla sobre
economicista nas relações do governo com a so- a pesquisa em educação física no Brasil a partir
ciedade civil, atuando aquele como mediador dos da década de 1980. Já existe um acumulo sig-
interesses entre o capital e o trabalho, para ga- nificativo de estudos que fazem a crítica da pro-
rantir a acumulação ampliada do primeiro. O “Es- dução historiográfica da educação brasileira, mo-
tado” é concebido como uma instância que paira tivo pelo qual resolvi deter-me exclusivamente na
acima dos conflitos e dos consensos e determi- produção historiográfica da educação física es-
na a prática e os interesses cotidianos dos sujei- colar. Mas trabalhei sempre tendo no horizonte
tos na história. Essa perspectiva marca ainda uma as obras de Vieira (1983), Libâneo (1989),
profunda crença na última instância da estrutu-
ra econômica como orientadora da organização
1. A pesquisa que deu origem a este trabalho resultou na minha tese
da cultura e das práticas culturais em particular, de doutorado em História e Filosofia da Educação, defendida em mar-
como é o caso da educação escolarizada. ço de 2001 junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Educa-
Ora, como conceber os sujeitos histór i - ção: História, Política, Sociedade, da PUC/SP, sob a orientação do prof.
dr. Kazumi Munakata. Para um maior aprofundamento dos pressu-
cos como indivíduos incapazes de gerir o seu postos e procedimentos por mim adotados ver Oliveira (2001).

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Freitag (1986), Saviani (1987, 1988, 1989), pela sua característica fundamentalmente his-
Buffa e Nosela (1991), Germano (1993), Cunha tórica. Assim é que os textos escolhidos, an-
e Góes (1994) e Guiraldelli Jr. (1994). Na pers- tes de se configurarem como um todo homo-
pectiva de crítica a essa produção, bem como gêneo, caracterizam-se mais como entradas
a outros estudos aqui não referidos, o leitor possíveis de leitura na história recente da edu-
tem à disposição os trabalhos de Rashi (1990), cação física no Brasil, a partir de uma orien-
Aranha (1992), Azanha (1992), Vieira (1994) e tação crítica. Em comum esses trabalhos tra-
Barreira (1995). zem um determinado olhar sobre a história e
A escolha de obras e autores da edu- a produção humana com algumas nuanças,
cação física deu-se pela conjugação de dois fa- mas caracterizados basicamente por uma for-
tores distintos: a) a crítica aos modelos (polí- ma vertical de conceber a relação entre os su-
ticas) gestados pelo Estado naquele período e jeitos históricos e as estruturas sociais, políti-
b) a utilização de um referencial de análise que cas e econômicas. Muitos desses trabalhos não
tenha como objeto privilegiado a educação se caracterizam sequer como estudos históri-
escolar. Esse recorte se faz necessário para pre- cos. Mas fazem inserções nesse campo, o que
cisar o alcance e os limites do trabalho ao qual permite leituras e interpretações de caráter his-
me proponho: primeiro, traçar um quadro do tórico. Esse foi o meu intento: com base nas
quanto foi restrita a análise da dimensão so- indicações históricas dadas por esses autores
cial, política, econômica e cultural brasileira, que freqüentam com assiduidade os cursos de
sob a ótica de uma tradição de pesquisa com- formação de professores e a produção acadê-
prometida com a transformação da educação mica da área – motivos mais do que suficien-
escolar brasileira em geral e a educação física tes para o estabelecimento de um diálogo crí-
escolar em particular, a partir da década de tico – procurei captar e indicar um determina-
1980. E, segundo, buscar recolocar a questão do esquema interpretativo das relações entre o
das análises das práticas escolares, particular- ideário oficial e as práticas cotidianas dos
mente da educação física, na nossa história agentes educacionais, presente na produção
recente, a partir de um olhar para dentro d a acadêmica da educação física no Brasil a par-
escola, devolvendo aos sujeitos o seu lugar na tir do início da década de 1980.
história da educação física escolar no Brasil. Desde a chegada das teorias críticas
educacionais à área de educação física no Bra-
Leituras sobre a história da sil na década de 1980, seus pesquisadores têm
educação física brasileira. afirmado que ela se encontra em crise (Medina,
1983; Carmo, 1985; Guiraldelli Jr, 1988; Mariz
Ao caracterizar esse tópico como leitu- de Oliveira, 1988; Bracht, 1992; Tani, 1998).
ras pretendo deixar claro que não foi meu in- Mais notadamente no âmbito escolar, a edu-
tento esgotar a análise da produção cação física tem sido considerada como uma
historiográfica referente ao período em ques- disciplina sem um lugar muito claro na esco-
tão. Trata-se antes de uma leitura possível de la. Muitos pesquisadores caracterizam-na como
obras datadas e situadas. Com isso pretendo uma atividade sem legitimidade (Bracht, 1992),
alertar o leitor que não é a minha intenção sem função social (Betti, 1991; Coletivo de Au-
abarcar o conjunto da obra dos autores aos tores, 1992), sem função política (Guiraldelli Jr,
quais me reporto, mas apenas debater com al- 1988) e até mesmo sem função educativa
gumas obras escolhidas, seja pelo seu forte (Mariz de Oliveira, 1988) no interior da esco-
impacto na área da educação física escolar, seja la. Todos esses estudos caracterizam-se por

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uma visão estrutural extremamente ampla e história é chamada para justificar algo” (p. 9).
um tanto arbitrária: a educação física estaria Segundo a autora, um traço característico de
em crise porque – dentre outras razões – o go- trabalhos dessa natureza é “o recuo a períodos
verno autoritário instalado no Brasil após históricos passados [que] serve para mostrar
1964, na tentativa de consolidar sua ideologia, que o presente é do jeito que é porque o pas-
fez uso das atividades desportivas (e da edu- sado foi o que foi” (1990, p. 9). A minha op-
cação física em geral) com a finalidade de ção por tal operação poderia representar riscos,
anestesiar a consciência e amainar a participa- não fosse a grande influência que essas obras
ção popular nos processos reivindicatórios e lograram conquistar junto à comunidade aca-
decisórios. Então, teria o governo produzido e dêmica e, em muitos casos, junto aos currícu-
divulgado uma certa abordagem de educação los oficiais e aos professores. Ora, essa influ-
física que se consolidou de forma incontestá- ência acaba por reforçar leituras históricas de
vel, sem que os profissionais da área pudessem segunda mão, mesmo que os estudos de cará-
contrapor-se às suas medidas arbitrárias e ter histórico não fossem o interesse primeiro
autoritárias. dos autores das obras arroladas. Assim, para
A primeira dificuldade que apareceu ao criticar as práticas escolares de educação físi-
tentar recortar a história da educação física no ca, vários autores recorreram a um mergulho
período aqui proposto diz respeito à limitada na sua história, indicando linhas de continui-
produção historiográfica da área, principalmen- dade entre o que foi e o que tem sido a edu-
te sobre o período por mim estudado: é pratica- cação física escolar neste país.
mente inexistente na historiografia qualquer tra- Certamente a obra de Castellani Filho
balho que faça referência ao período aqui pro- (1988) marca uma ruptura com as leituras an-
posto. À exceção do estudo de Lima (1992), des- teriores da história da educação física no Bra-
conheço trabalhos de maior densidade sobre essa sil, mas pouco inova no sentido do método.
temática. Já existe na historiografia da educação Com uma base teórica marcadamente avança-
física brasileira um grande número de estudos em da para a época em que foi produzido,
torno da influência militar sobre a educação fí- Castellani Filho reescreve a história, porém, nos
sica (Goellner, 1996; Bercito, 1996; Castro, 1997; velhos moldes lineares, causais. Ainda assim,
Ferreira Neto, 1999). Mas ainda não foram pro- sua análise traz para a cena o conflito inerente
duzidos trabalhos que se refiram especificamente a uma sociedade de classes, o que representa
ao período da ditadura militar. Assim, a aproxi- um avanço relativo perante uma forma
mação histórica deu-se por recortes feitos a partir asséptica de conceber a relação da educação
de outras obras consagradas na área, mas que física com a cultura. Traçando um paralelo
não se caracterizam por serem estudos histó- constante entre educação e educação física
ricos, necessariamente. No seu conjunto tais escolar, Castellani Filho procura demonstrar o
estudos dizem respeito muito mais às práticas caráter marcadamente reprodutivista da educa-
escolares do que à história propriamente dita. ção física escolar brasileira (p. 124). Fiel às
Mas todos eles, de uma maneira ou de outra, teorizações críticas baseadas na relação de cau-
recorrem à história para justificar posições, sa e efeito entre a estrutura e a superestru-
construir interpretações e alguns até mesmo tura, o autor denuncia também o caráter de
estabelecer prescrições. continuidade das propostas educacionais do
Nesse sentido é importante destacar Estado nas décadas de 1960 e 1970 e a
que esse conjunto de obras analisado perfaz o tecnicização da educação em geral e da edu-
caminho já apontado por Warde (1990), uma cação física escolar em particular, como ade-
vez que, ainda que não sejam trabalhos pró- quação ao modelo de desenvolvimento eco-
prios de história da educação física, neles “a nômico adotado pelo Brasil. Faz críticas à

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caracterização da disciplina escolar educação guns aspectos chamam a atenção. Em pri-
física como atividade e não como campo de meiro lugar é útil destacar a recorrência às
conhecimento (p. 108). Critica também os teorizações de Saviani no seu trabalho, o
pressupostos da educação do físico e da que marca claramente uma tendência de
esportivização como afeitos a um modelo pesquisa na educação física brasileira; em
hegemônico no plano das relações interna- segundo lugar, a vinculação até certo pon-
cionais de dependência aos quais o Brasil se to mecânica da educação física escolar com
submete (p. 114). Em linhas gerais, então, o um projeto nacional de desenvolvimento;
texto de Castellani Filho tem sua tônica finalmente, a afirmação de que o lúdico per-
baseada na denúncia, na crítica, em um deu espaço para as “tarefas mecânicas”. Essa
mergulho nos documentos legais e em pou- interpretação apresenta problemas, uma vez
ca ou nenhuma preocupação em torno da que me parece inexato falar em substituição
real consolidação das políticas públicas no do lúdico pelo mecânico nesse período, a
interior da escola. Sua obra se caracteriza menos que a pesquisa histórica pudesse in-
por uma visão da gestação conspiratória de dicar sobre que bases – lúdicas ou mecâni-
políticas públicas nos interesses escusos do cas – se assentava a educação física no pe-
capitalismo dependente. ríodo anterior à ditadura militar. Hoje come-
Fruto de uma mesma tradição críti- çam a despontar trabalhos que podem lan-
ca, embora não se caracterize como um tra- çar algumas luzes sobre esse debate (Sousa
balho histórico, o trabalho de Bracht (1992) e Vago, 1997; Vago, 1999). Mas Soares
faz incursões por esse campo. Segundo mi- (1998) já demonstrou que a educação físi-
nha interpretação, a obra de Bracht signifi- ca nasceu sob o signo da técnica e do ren-
ca mais uma reedição de categorizações dimento, mesmo em solo europeu. E o pró-
macroes-truturais, descarnadas da concre- prio autor aponta que a história da educa-
tude histórica, segundo sua própria formu- ção física brasileira está marcada por uma
lação. Bracht parte de uma análise da visão funcional e utilitarista (saúde, adestra-
vinculação da educação física escolar com as mento físico, etc.). Então soa como exage-
instituições médica, militar e esportiva para ro imputar à ditadura militar a substituição
tecer considerações acerca de uma possível na escola de uma prática lúdica por outra
autonomia pedagógica da área. Seus apon- baseada na técnica. Para Bracht, para que a
tamentos indicam a indefinição do papel do educação física escolar possa autonomizar-
professor de educação física escolar, bastan- se em relação ao esporte faz-se necessária
te útil para a consolidação do modelo peda- uma “reflexão crítica do próprio papel da
gógico prevalecente nos anos da ditadura Escola em nossa sociedade de classes” (p.
militar: 24), o que parece exato. Em sua perspecti-
va a educação física escolar acaba por ser
Essa orientação parece, mais uma vez, ade- “fator de reprodução das relações sociais
quar-se bem à orientação tecnicista que, dominantes, e assim, somente serão – os
principalmente nas décadas de 60 e 70, pre- objetivos e conteúdos da educação física –
dominam no sistema educacional brasileiro, radicalmente questionados quando as pró-p r i a s
sob a égide da ditadura militar, do projeto relações sociais vigentes o forem” (p. 24).
“Brasil-Grande”. (Bracht, 1992, p 23-24) Os esforços do autor para desenvolver
uma teoria (crítica) da educação física, no meu
A crítica de Bracht avança ao apon- entender, esbarram em algumas contradições.
tar a redução das possibilidades educativas Ao apontar que a “verdadeira educação física
da educação física na escola. Contudo, al- é aquela que acontece concretamente, e não

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uma entidade metafísica que estaria hibernan- autoritária (p. 79), a tecnicização da educação
do em algum recanto à espera de sua desco- física escolar tem o sentido estreito de prepa-
berta” (p. 35), e ao afirmar em seguida que a rar para o trabalho (p. 61). Nessa perspectiva,
educação física “está relacionada, direta ou in- parece não haver nenhuma possibilidade de
diretamente, com as necessidades do projeto uma cultura produzida a partir da escola, uma
educacional hegemônico em determinada épo- vez que a escola seria conformada a partir dos
ca, e com a importância daquela manifestação interesses da “classe burguesa”.
no plano da cultura e política em geral” (p. De forma bastante fecunda os estudi-
36), parece-me que Bracht não contrapõe a re- osos da história das disciplinas escolares têm
alidade efetiva do cotidiano escolar e as con- mostrado o quão infrutífera é uma análise ba-
figurações das políticas educacionais. Ora, a seada somente nas determinações que a escola
“verdadeira educação física”, aquela que efeti- sofre de fora para dentro. A escola tem sido
vamente acontecia (ou não acontecia) em nos- cada vez mais reconhecida como um espaço de
sas escolas, não era a mesma propugnada pe- contradição, capaz de produzir práticas singu-
las políticas públicas dos governos de plantão. lares a partir da experiência dos seus agentes,
Ou seja, não existia a “verdadeira” educação o que não confirma a tese de possíveis trans-
física, assim como continua a não existir, mas posições mecânicas para o seu interior. Ou seja,
diferentes práticas escolares de educação físi- esses estudos têm enfatizado que a instituição
ca. O autor abstrai ainda a experiência concreta escolar não existe em abstrato; cada escola,
dos agentes sociais ao discutir a dimensão do uma realidade; cada realidade, diversas formas
esporte na escola e do trabalho como catego- de conceber os embates e conflitos reais. A
ria não fundante da prática pedagógica. escola produz uma cultura muito própria, fil-
Relativizando o conceito de trabalho, trando as determinações extra-escolares ou
Bracht vai indicar que a “utilidade da educa- assimilando-as conforme suas necessidades e
ção física advém do seu caráter inútil” (p. 51). conveniências (Chervel, 1990; Goodson, 1990,
Tenho dúvidas quanto à efetividade desse pos- 1991, 1995a, 1995b, 1995c; Belhoste, 1995;
tulado. Os limites dessa assertiva não serão Chevallard, 1998).
analisados aqui, uma vez que requer um outro Na mesma linha de raciocínio de
ângulo de compreensão. Apenas chama a aten- Bracht, Coletivo de Autores (1992) também
ção a incoerência da relativização do conceito apontam para uma perspectiva de denúncia de
de trabalho efetuada por Bracht, uma vez que modelos reprodutivistas de educação física
faz uma opção clara pelo suporte teórico- através da história:
conceitual do materialismo-histórico-dialético
em suas análises. Ocorre que Bracht acaba por A perspectiva da educação física escolar, que
tentar conformar o cotidiano da escola a uma tem como objeto de estudo o desenvolvi-
série de categorizações estabelecidas a priori. mento da aptidão física do homem, tem
Ainda que o autor visualize e critique a edu- contribuído historicamente para a defesa dos
cação física em sua inegável negatividade, ele interesses da classe no poder, mantendo a
acaba por incorrer numa análise por demais estrutura da sociedade capitalista.
abstrata quando fala de uma escola Apoia-se nos fundamentos sociológicos, fi-
transformadora, de mudança social, de escola losóficos, antropológicos, psicológicos e,
de classes. Assim, se aproxima de concepções enfaticamente, nos biológicos para educar o
muito difundidas nas teorias críticas da edu- homem forte, ágil, apto, empreendedor, que
cação no Brasil, que estabelecem críticas de ca- disputa uma situação social privilegiada na
ráter marcadamente estrutural: a escola repro- sociedade competitiva de livre concorrência:
duz a sociedade burguesa (p. 74), a escola é a capitalista. Procura, através da educação,

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adaptar o homem à sociedade, alienando-o interação e produção que se dá no interior da
da sua condição de sujeito histórico, capaz escola. Teria mesmo o esporte todo o poten-
de interferir na transformação da mesma. cial descrito acima para conformar de manei-
Recorre à filosofia liberal para a formação ra tão acintosa os sujeitos a um determinado
do caráter do indivíduo, valorizando a obe- modo de produção, nesse caso, o capitalista?
diência, o respeito às normas e à hierarquia. Ou isto é uma outra forma de abstração aca-
Apoia-se na pedagogia tradicional influenci- dêmica? Em que medida a escola (e o profes-
ada pela tendência biologicista para adestrá- sor) tem poderes para definir como se forma-
lo. Essas concepções e fundamentos infor- rá, enfim, o caráter do educando por intermé-
mam um dado tratamento do conhecimento. dio do esporte? O esporte que acontece den-
Nessa linha de raciocínio pode-se constatar tro da escola (se acontece!) é o mesmo regido
que o objetivo é desenvolver a aptidão físi- pela indústria de entretenimento, pelos mass-
ca. O conhecimento que se pretende que o media? Teria o professor que atua no cotidia-
aluno apreenda é o exercício de atividades no da escola consciência ou mesmo intenção
corporais que lhe permitam atingir o máxi- de adestrar os alunos? Dividiria ele essa afir-
mo rendimento de sua capacidade física. Os mação de que sua perspectiva de educação fí-
conteúdos são selecionados de acordo com sica escolar se baseia em uma filosofia liberal?
a perspectiva do conhecimento que a escola Ora, quando no texto os autores afirmam que
elege para apresentar ao aluno. (Coletivo de o sistema capitalista recorre à filosofia liberal
Autores, 1992, p. 36) para formar o caráter do indivíduo valorizan-
do a obediência, o respeito às normas e à hi-
Esta citação traz elementos fun- erarquia, esquecem de matizar as teses básicas
damentais daquilo que estou identificando do próprio liberalismo ao longo do seu desen-
como generalizações e abstrações. Em primei- volvimento histórico. São muitas as questões,
ro lugar, parte da constatação de que existe e a minha intenção aqui não é respondê-las,
uma sociedade capitalista e, não, manifesta- mas questionar a validade de averbações tão
ções particulares do modo de produção capi- peremptórias. No trato com as fontes históri-
talista. Afinal, uma tese genérica de conforma- cas, mais notadamente a Revista e depoimen-
ção ao capitalismo corre o risco de incorrer em tos de professores, ficam patentes as diversas
equívocos básicos: primeiro, abstrair o que viria impressões acerca do fenômeno esportivo e de
a ser o capitalismo, concebido de forma indis- sua utilização com fins pedagógicos, como
tinta para toda e qualquer formação social, o poderemos ver mais adiante.
que implica abrir mão de matizes culturais Mas voltando às considerações do Co-
próprios; segundo, transplantando, bem ao letivo de Autores (1992), não é precipitado
gosto das “camisas de força” teóricas, uma advogar que o objetivo dessa concepção (do
explicação universal que, contraditoriamente Estado) seria o “máximo rendimento”, ainda
no interior da obra analisada, nega uma expli- mais quando temos claro que render bem não
cação própria para o processo de formação e significa necessariamente fazer o jogo do ca-
organização da cultura brasileira. Assim, a ex- pital? Ora, a exigência de render de maneira
plicação macroestrutural para o que viria a ser produtiva e eficaz implica a necessidade de
a vinculação da educação física escolar aos competência na produção das condições de
ditames do capitalismo parece-me uma forma existência humana mais dignas para o conjun-
profunda de redução da compreensão da orga- to dos homens e mulheres, num mundo menos
nização da cultura. Mas, além desse aspecto opressivo. Atuarmos nessa perspectiva e exigir-
por si só limitador, o texto também permite mos do educando que faça o mesmo, não re-
criticar sua desvinculação com o processo de presenta fazer o jogo do capitalismo ou do li-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 51-75, jan./jun. 2002 59


beralismo. Se a aptidão física é um reducio- Uma entidade ligada à ideologia gerada e
nismo canhestro, a justificativa do texto cita- difundida pelo aparato estatal pós-64, onde
do para sua superação soa um tanto quanto o “novo” racionalismo teria (...) ”um colori-
exagerada. do mais técnico, atuando, de um lado, como
O Coletivo de Autores (1992) instaura- elemento de desmobilização política da so-
ra uma ruptura com uma determinada manei- ciedade civil e, de outro, como fundamento
ra de pensar a educação física escolar no Bra- das medidas estatais de estabilidade política
sil, a partir, principalmente, da radicalidade e crescimento econômico” (...). Isto devido,
com que aponta para o conflito como catego- entre outras razões, ao fato de que desde
ria fundante da prática pedagógica. Mas esbar- 1967, (através da Doutrina MacNamara) foi
ra nos limites da denúncia, da abstração e da estipulado que a estabilidade (segurança)
generalização. Suas proposições metodológicas dos países latino-americanos seria garantida
pouco avançam no sentido daquilo que é tra- pelo seu desenvolvimento econômico apoia-
dicionalmente concebido como organização do, invariavelmente, no seu potencial de
escolar; falta-lhe a concretude da sala de aula crescimento científico e tecnológico (...).
na sua análise, e, sobretudo, acredito que o Reforçando estes fatos podemos constatar a
espaço que reserva aos sujeitos históricos não tendência inicial, da linha de pensamento
se encontra na realidade, mas antes na teoria. científico de origem positivista proveniente
Por outro lado, analisando ainda esse mesmo dos Estados Unidos, com o que o CBCE se
texto e recorrendo ao pensamento gramsciano, fundara no início de suas atividades, uma
algumas afirmações e constatações apontam vez que seus fundadores estabeleceram,
para a negação de próprio suporte teórico da como metodologia de trabalho (veja, por
obra referida. Se considerarmos o processo his- exemplo, suas normas de publicação cientí-
tórico como dialético e a sociedade civil (e a fica), as especificações de uma entidade de
escola aparece como aparelho privado de cunho eminentemente racionalista, o deno-
hegemonia) como campo de correlação de for- minado American College os Sports
ças, a escola não apenas atuaria mantendo a Medicine. (Palafox, 1990, p. 44-45)
estrutura da sociedade capitalista como tam-
bém representaria uma possibilidade de con- Nas suas considerações Palafox abre
fronto e crítica e construção da contra- mão de historicizar suas análises, o que impli-
hegemonia. Além disso, o Coletivo de Autores ca formular uma interpretação da história sem
abre mão da historicidade para operar uma crí- a devida contextualização histórica. No campo
tica histórica. específico da educação física, a análise e as crí-
Outro trabalho que aponta na mesma ticas em torno da fundação do CBCE também
direção é o de Gabriel Humberto Muñoz reclamam uma maior historicidade. Ora, o CBCE
Palafox. Traçando críticas ferinas à configura- como entidade científica só poderia se consti-
ção da política nacional de ciência e tecnologia tuir dentro dos cânones da ciência. Acusar uma
para a área de educação física no período da entidade científica de ser racionalista só pode
ditadura militar, o autor refaz o percurso já soar como equívoco: como poderia uma entida-
delineado pelos autores precedentes, no que
diz respeito a uma total subserviência da so-
2. O Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte é a maior e mais
ciedade civil à sociedade política. Sua leitura da significativa entidade de cunho acadêmico-científico da área de Edu-
constituição do CBCE2 parece-me um exercí- cação Física no Brasil. O leitor encontrará uma análise rigorosa da
criação e consolidação do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte,
cio de análise trans-histórica. Palafox caracte- inclusive no sentido de infirmar algumas das considerações de Palafox,
riza a entidade como no trabalho de Paiva (1994).

60 Marcus Aurélio Taborda de OLIVEIRA. Educação física escolar e...


de científica abrir mão da racionalidade na sição de autonomia para superar a condi-
construção do conhecimento científico? ção de classe da sociedade burguesa, nem
O fato de a entidade que se consti- sempre tão demar-cada (Thompson, 1979).
tuía aliar-se a uma entidade americana “de Diante dessas considerações, outro es-
cunho eminentemente racionalista” não im- tudo que merece destaque é o de Oliveira
plica, necessariamente, fazer o jogo da do- (1994). Polarizando a intervenção educativa da
minação. Acredito que naquele momento educação física brasileira em torno de uma
histórico a criação de uma entidade cientí- pedagogia do consenso e uma pedagogia do
fica para a educação física no Brasil impli- conflito, o autor oferece-nos um balanço da
cava o avanço técnico e científico da área, produção intelectual sobre a educação física a
aspecto bem afeito à política desenvolvi- partir dos anos 1980, momento em que con-
mentista do período. Mas a interpretação de sidera terem emergido elementos críticos na
Palafox faz identificar um certo reducio- educação física brasileira. Sua posição diante
nismo no plano da organização da cultura; da polarização proposta é bastante emblemá-
afinal, entendida como uma das possibilida- tica daquilo que aqui denomino de abstracio-
des, a criação daquele colégio não desquali- nismo. O autor reclama que
fica a entidade e seus fundadores como pes-
quisadores preocupados com o avanço da A ótica do consenso sustenta-se em princí-
área no Brasil. A sua perspectiva foi a ven- pios funcionalistas que só prevêem possibi-
cedora em um campo de tendências. O au- lidades para interação, continuidade, conser-
tor parece trabalhar com a idéia de que só vação, harmonia, equilíbrio e ajustamento
existe uma única razão “verdadeira”; nesse sociais. A ideologia capitalista tende a tor-
caso, que razão seria essa? nar-se senso comum, restringindo o leque
Porém, mais contundente nas for- de opções das classes dominadas. Se per-
mulações teóricas do autor, é sua defesa da guntarmos a um pobre qual o sonho de sua
vitimização dos professores em face dos vida, a resposta quase inevitável será: ser
desdobramentos das políticas educacionais rico, ou seja, trocar de lado. O papel do pro-
do período: “o docente de educação física, fessor, como intelectual orgânico que opta
como outros profissionais nesta sociedade pelos desfavorecidos, é abrir o amplo leque
de classe, tem sido também vítima das mais de percepção daqueles que o cercam para as
diferentes formas de violência ideológica contradições do capitalismo, dando-lhes op-
do sistema capitalista vigente” (p. 101). Já ções. A pedagogia do conflito é um trabalho
destaquei que não é minha intenção de persuasão, no sentido gramsciano, para a
absolutizar as possibilidades dos sujeitos superação do conhecimento do senso co-
na construção da história; tampouco absol- mum, ou seja, a filosofia das classes subal-
ver o “Estado” autoritário ou o capitalismo ternas. Não se pode esperar que, espontane-
das suas indiscutíveis contribuições para a amente, as massas despertem para as neces-
reificação dos sujeitos e da cultura em ge- sidades da verdadeira transformação social.
ral. Mas é possível subestimar a capacida- Esse foi um dos maiores ensinamentos de
de, ainda que limitada, de reação dos su- Lenin. O trabalho pedagógico revolucionário
jeitos? Afinal, quem reagiu à repressão, por implica obstaculizar a veiculação de valores
que motivo o fez? Castellani Filho (1988) burgueses, assim como preparar os trabalha-
bem demonstra que havia resistência, havia dores para serem dirigentes em uma outra
reação. Vitimar o professor é tirá-lo da sua sociedade. A passagem para esse outro nível
condição de sujeito histórico, capaz de tor- de consciência é a catarsis gramsciana. (Oli-
nar-se criativo, no sentido mesmo de aqui- veira, 1994, p. 185)

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 51-75, jan./jun. 2002 61


Parece-me que também Oliveira viti- dominação, pois uma ação pedagógica de-
miza os professores. E bem ao gosto dos inte- senvolvida sem objetividade, sem raízes his-
lectuais, as classes dominadas aparecem no seu tóricas e perspectivas do como deveria ser,
texto como incapazes de gerir suas vidas, ne- leva a lugar nenhum.
cessitando, portanto, serem iluminadas pelos Especificamente em educação física, necessi-
doutos membros da academia. Observe-se que ta-se de professores com competência técni-
o professor, nesse texto, também precisa ser ca, cientes do que fazer, como fazer e por
esclarecido. Caso contrário ele não teria con- que fazer, e conscientes politicamente, sa-
dições de conduzir a massa ao esclarecimento. bendo a quem estão servindo, quem é bene-
Ocorre que imputar ao professor o papel de ficiado com sua prática, enfim, professores
intelectual orgânico é simplificar em demasia que consigam ter uma visão de totalidade,
a concepção gramsciana que não reduz o in- na qual o importante é entender a inter-re-
telectual orgânico a uma pessoa, mas conce- lação dinâmica das partes que compõem
be-o como uma vontade coletiva. E essa von- este todo, e não a simples justaposição des-
tade é histórica, ou seja, consciente do seu sas partes. (...)
momento histórico real (Gramsci, 1991, p. 6). Quando insistimos em colocar a questão da
É claro que o esclarecimento, ainda que seja identidade social e política do professor de
obscuro o que o autor entende por esse ter- educação física não o fazemos gratuitamen-
mo, não pode ocorrer sem o consórcio dos pro- te. Agimos assim porque acreditamos ser
fessores, se pensarmos nas práticas escolares. este o primeiro passo rumo à consciência fi-
Porém, as abstrações em torno do papel do losófica e de classe. (Carmo, 1985, p. 31)
professor na transição para uma sociedade
socialista conforme propõe Oliveira (1994, p. Novamente estamos diante de uma sé-
187) desencarnam os indivíduos de sua rie de considerações de como deveria se com-
materialidade concreta e histórica. portar o professor de educação física, de como
Na mesma linha de desenvolvimento deveria ser a prática pedagógica, enfim, de
de Oliveira, no trabalho de Carmo (1985) tam- como deveria ser a realidade. É importante
bém é possível perceber esse universo abstra- observar que, ainda que inúmeros autores e/ou
to – não seria autoritário? – das teorizações estudos reivindicassem a histórica como tribu-
acadêmicas sobre a prática dos professores: nal de suas inquietações perante as determina-
ções do mundo capitalista, a alternativa seria
O competente e o incompetente fundam-se uma nova ordem social por definição boa, ou
na concepção de mundo e não na forma seja, a-histórica. Essa ordem social, assim como
como se apresenta este ou aquele indivíduo a prática real da educação física, pairaria em
diante de um fenômeno. Assim, toda ação algum lugar asséptico, longe da “contamina-
teórico-prática em educação física desprovi- ção” humana. Os homens e mulheres capazes
da de uma consciência histórico-cultural de de soerguer esse mundo deveriam ser educa-
classe resultará apenas em mais uma das dos, preparados, formados, esclarecidos. E não
tantas inócuas ações pedagógicas tão co- raro alguns desses trabalhos apresentam-se
muns hoje em dia. Esta inocuidade não é como porta-vozes do “novo”, como portado-
gratuita nem fruto do acaso, ela é proposital res da potência transformadora, ou seja, como
e de alto poder conservador, principalmente o s candeeiros capazes de iluminar todos aque-
porque, quanto pior for a veiculação do sa- les que permanecem no obscurantismo de prá-
ber, pior será a apreensão pelo aluno e, ticas reprováveis, uma vez que são práticas de
conseqüentemente, mais fácil será a utiliza- “reprodução social”. Em nome da crítica a um
ção do conhecimento como instrumento de mundo efetivamente desumano e reificador

62 Marcus Aurélio Taborda de OLIVEIRA. Educação física escolar e...


estabeleceu-se um protocolo de intenções que (1981, p. 21). Guiraldelli Jr. não faz alusão ao
desconsiderou por completo a prática huma- rico debate que estava posto nas páginas da
na concreta através da história, aquela que Revista, debate que era internacional, e que
efetivamente se desenvolveu no cotidiano, por remetia a uma consolidação do esporte que
homens e mulheres reais. não tinha necessariamente a ver com a polí-
Por fim, julgo interessante apontar tica do Brasil-Grande. Outra preocupação que
ainda algumas das formulações propostas por esse autor não teve foi a de verificar o que se
Guiraldelli Jr. (1988) e Betti (1991), dois au- praticava antes desse período nas escolas bra-
tores que estabeleceram, de pontos de vista sileiras. Alguns dos professores por mim en-
diferentes, análises sobre o desenvolvimento trevistados criticam não só o governo, mas
histórico da educação física no Brasil e, mais também a literatura, pela ênfase dada, por
precisamente, sobre as influências governa- exemplo, ao Esporte para Todos (EPT) no pe-
mentais sobre a sua prática escolar nos anos ríodo em questão. Segundo o professor Julio
da ditadura militar. Fiel à tradição críti- Lubachevski, verbi gratia, as atividades que vi-
ca que abdicou da empiria, Guiraldelli Jr. tece riam a ser denominadas de EPT já eram de-
considerações sobre os “usos” da educação senvolvidas em Curitiba desde meados dos
física pelos governos militares. Para o autor anos 1950, portanto, num período de exercí-
cio e vigência da frágil democracia brasileira,
É preciso também notar que, se por um no qual o país não estava sob a égide dos mi-
lado a educação física Competitivista era litares. Assim, talvez seja exagero considerar
incentivada pela ditadura pós-64, pois tal a tese que afirma que o interesse primeiro da
concepção ia no sentido da proposta de um divulgação das atividades esportivas pelo go-
“Brasil-Grande”, capaz de mostrar sua pu- verno fosse de “analgésico social”, como con-
jança através da conquista internacional, clui Guiraldelli Jr. O autor, a partir de algu-
por outro lado, obviamente, esse não era o mas premissas que são mais ideológicas que
único interesse governamental ao endossar epistemológicas, confirma suas inferências a
tal concepção. partir de uma leitura apenas parcial dos do-
Na verdade, o “desporto de alto nível”, di- cumentos. Havia um debate na Revista por ele
vulgado pela mídia, tinha o objetivo claro utilizada e havia denúncias da própria orien-
de atuar como analgésico no movimento tação esportiva para a educação física brasi-
social. A preocupação com a possibilidade leira.
do aumento das horas de folga do traba- Já o caso de Betti (1991) não é o
lhador, que mesmo um sindicalismo amor- mesmo. Esse autor opera uma crítica à
daçado poderia conseguir, incentivava o esportivização da educação física brasileira,
governo a procurar no desporto a fórmula no período, com base num profundo mergu-
mágica de entretenimento da população. lho na legislação e na documentação oficial.
(Guiraldelli Jr., 1988, p. 31-2) Suas referências principais para tecer críticas
às políticas educacionais do período são os
Uma das fontes de Guiraldelli Jr. para trabalhos de Freitag (1986) e Romanelli
extrair suas conclusões é justamente a Revista (1986), duas obras de referência no campo
Brasileira de educação física e Desportos, mi- educacional. A análise proposta por Betti por
nha fonte escrita privilegiada. E é interessante si só limita muito a compreensão do proces-
notar como o autor opera uma apropriação so histórico, uma vez que a efetivação das
d o s r e g i s t r o s d a R e v i s t a da forma que políticas oficiais em práticas escolares não foi
Thompson denominou de autoconfirmadora analisada. Ainda assim o autor afirma que

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 51-75, jan./jun. 2002 63


O conteúdo esportivo deu então uma nova A explicação histórica não pode tratar de
coloração aos programas de educação física absolutos e não pode apresentar causas su-
no Brasil, centrados na velha ginástica sueca ficientes, o que irrita muito algumas almas
e francesa. O esporte pareceu também ir ao simples e impacientes. Elas supõem que,
encontro da ideologia propagada pelos con- como a explicação histórica não pode ser
dutores da Revolução de 1964: aptidão físi- Tudo, é portanto Nada, apenas uma narra-
ca como sustentáculo do desenvolvimento, ção fenomenológica consecutiva. É um en-
espírito de competição, coesão nacional e gano tolo. A explicação histórica não revela
social, promoção externa do país, senso como a história deveria ter se processado,
moral e cívico, senso de ordem e disciplina. mas porque se processou dessa maneira, e
(Betti, 1991, p. 161) não de outra; que o processo não é arbitrá-
rio, mas tem sua própria regularidade e
Julgo ser importante indicar que o au- racionalidade; que certos tipos de aconteci-
tor também utiliza alguns números da Revista mentos (políticos, econômicos, culturais) re-
por mim aqui estudada. Nesse caso, a crítica lacionaram-se, não de qualquer maneira que
anteriormente dirigida a Guiraldelli Jr. permanece nos fosse agradável, mas de maneira parti-
procedente na análise do estudo de Betti. Ou culares e dentro de determinados campos de
seja, o autor enxergou nas páginas da Revista possibilidades; que certas formações sociais
apenas aqueles elementos que referendavam as não obedecem a uma “lei”, nem são os
suas críticas às políticas oficiais do período refe- “efeitos” de um teorema estrutural estático,
rido. O seu estudo não é tão incisivo quanto os mas se caracterizam por determinadas rela-
anteriores naquilo que respeita à organização ções e por uma lógica particular de proces-
social. Certamente isso se justifica também pelo so. (1981, p. 61)
seu suporte teórico diferenciado, senão antagô-
nico. Mas ainda assim suas análises não contem- Certamente não podemos considerar os
plam o desenrolar das políticas oficiais no pla- professores como sujeitos capazes de, por si só,
no das práticas concretas. Segundo os professo- transformar a realidade mediante sua prática
res por mim entrevistados o esporte apareceu pedagógica, como gostariam alguns dos auto-
como uma alternativa ao descaso e à improvisa- res anteriormente citados. Porém, os professo-
ção que então grassavam nas aulas de educação res também não são ou foram vítimas;
física. Para a grande maioria desses professores tampouco, foram coitados. Eles foram sujeitos
o esporte era uma atividade educativa por exce- que agiram e reagiram dentro de condições his-
lência. Assim sendo, ele era muito mais uma al- tóricas concretas, bastante objetivas. Eles certa-
ternativa positiva do que um rebaixamento do mente não tinham a disponibilidade acadêmica
valor formativo da educação física escolar. Ou para teorizar sobre o fim ou o início dos tem-
seja, representava, mesmo, uma “nova coloração” pos. Vale lembrar que a crítica à condição in-
para a educação física escolar. Quanto aos usos gênua ou alienada do professor está presente
ideológicos que se podem fazer do esporte não em inúmeros outros trabalhos, além desses aqui
podemos falar o mesmo de qualquer outra prá- analisados, como é possível destacar em Medina
tica cultural? E os professores partilhavam des- (1983), Pereira (1988), Mariz de Oliveira (1988),
sa compreensão ou haveria compreensões dife- Carvalho de Freitas (1991), Kunz (1991), Ferreira
rentes em torno daquele uso? Neto (1993) e Gonçalves (1994).
Toda a construção teórica dessa produ- As reformas educacionais de 1968 e
ção aqui destacada – diferente nos seus objeti- 1971 são resultado de um processo contínuo
vos e formas de análise – nega a história como de consolidação hegemônica, que não se deu
movimento. Segundo Thompson: sem profundos antagonismos, divergências

64 Marcus Aurélio Taborda de OLIVEIRA. Educação física escolar e...


embates e conciliações. Amplas parcelas da dade política teria perdido apoio da sociedade
sociedade civil debatiam-se em torno do que civil por conta da hipertrofia daquela, confor-
representava a própria reorganização da cultura me indica Saviani, (1988, p. 95)? A historio-
no pós-guerra, tanto no plano interno quan- grafia mais recente sobre o golpe militar de
to no externo. Assim, o Estado brasileiro con- 1964 tem enfatizado, inclusive, a própria ten-
figurava-se como um amálgama de interesses são interna das Forças Armadas, que em hipó-
diversos, não monolíticos, mas que, em última tese alguma estavam coesas quanto aos rumos
instância, não se propunha somente a fazer do país após os acontecimentos de 31 de
mecanicamente o jogo do capital internacional. março de 1964 (D’Araújo et al., 1994; Sodré,
Havia tensões que parecem ter sido descon- 1997; Gorender, 1997; Figueiredo, 1997). A
sideradas ao longo da produção historiográfica. análise da história pela sua configuração estru-
Mesmo porque se delineava toda uma outra tural pouco espaço deixa para a configuração
configuração para a cultura brasileira, no sen- de formas particulares de correlação de forças,
tido de sua modernização. O sentimento de permeada pelas características próprias da cul-
nação moderna, forte, grande, difundido pelo tura brasileira.
Estado não trazia nada de novo; antes, era Parece-me que é também negada a
apenas uma redefinição de um processo inici- historicidade da elaboração da reforma educa-
ado já no século XIX de construção da nação cional da ditadura quando se aponta a conti-
brasileira, como nos indica Carvalho (1987). A nuidade entre o texto das várias reformas
própria dimensão política da produção do Ins- aprovadas – Lei 5.540/68 e Lei 5.692/71 – e a
tituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) ordem socioeconômica gestada a partir de
aponta nesse sentido. Resta saber em que me- 1964. Creio que é o mínimo que se espera de
dida o povo brasileiro estava preocupado com um regime que pretende ampliar e consolidar
a invenção ou não da nação, proposta pelos o seu domínio, e a política educacional é pe-
governantes, para muito além de seu cotidia- dra de toque nessa empreita. Dessa maneira,
no mais imediato. absurdo seria se não houvesse uma certa
Uma parcela significativa da história da organicidade entre as reformas educacionais e
educação brasileira, da qual tomei apenas al- o modelo socioeconômico. Mais: é importan-
guns exemplos, tem sido escrita à luz de de- te destacar que as “vitórias” encetadas pelo re-
ter-minantes estruturais, mas sem captar a gime militar foram expressão de um período de
lógica de processo impressa no desenvolvimen- extrema ebulição política e de uma profunda
to histórico. Ora, parece-me bastante difícil reorganização cultural no Brasil. No vazio cri-
sustentar que havia consenso popular em tor- ado pelo fim do popu-lismo no início da dé-
no do poder do Estado militarizado. Mas tam- cada de 1960, aflora-ram as condições histó-
bém não podemos afirmar que os governos mi- ricas necessárias para a reorganização das for-
litares não contavam com algum apoio entre a ças mais conservadoras, mas não sem uma per-
população. Creio que é necessário até mesmo manente luta pelo poder em torno das ques-
indagar se o conjunto da sociedade civil sabia tões educacionais e políticas mais amplas
ou imaginava o que estava se passando em (Ianni, 1974, 1997; Fernandes, 1982, 1997).
termos políticos no país e até que ponto os Assim, o nexo entre a organização política, di-
governos militares não tinham o apoio, ainda nâmica cultural e a reorganização do sistema
que velado, de significativas parcelas da popu- educacional só pode ser compreendido à luz da
lação. Não se trata de negar a repressão, a análise dos fatos concretos e não por
exceção do regime e mesmo seu caráter perver- categorizações externas à própria história. Es-
so. Mas, se formos proceder a uma análise dos tas, quando não apenas abstratas, correm o
fatos concretos, poderíamos afirmar que socie- risco ainda de se tornarem arbitrárias.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 51-75, jan./jun. 2002 65


As análises aqui desenvolvidas têm a ce em alguns trabalhos. Os documentos por
motivação clara e já manifesta de propiciar a mim analisados, entre os quais incluo os depo-
retomada do debate acerca da configuração imentos dos professores de educação física,
histórica da educação física escolar, mais pre- indicam o quanto as críticas desferidas contra
cisamente, no período pós-1964. Os estudos os governos militares diante da opção pelo de-
escolhidos foram-no pelo grau de imagens e senvolvimento precisam ser relativizadas, se
compreensões que ajudaram a consolidar na tomadas como elemento apenas de juízo ide-
área, o que contribuiu, intencionalmente ou ológico.
não, para que se cristalizasse uma concepção A profusão de teorias de desenvolvi-
do desenvolvimento histórico da educação fí- mento gestadas a partir do ISEB (Toledo,
sica rígido e algo mecânico. Uma concepção 1982) demonstra o quanto havia de divergên-
que cancela os sujeitos na sua potência cria- cias em torno do melhor projeto de desenvol-
dora e obsta a compreensão da história como vimento para o Brasil a partir da década de
um processo dinâmico e multifacetado. O que 1950. Num período de “crise de hegemonia” a
se depreende dessa análise é a profunda carac- vacância do poder abriu possibilidade para um
terística generalizante e abstracionista de uma regime autoritário mas, de forma alguma,
determinada produção em educação física no monolítico e, em alguns dos seus estratos, pro-
Brasil, no que tange aos estudos voltados para fundamente nacionalista. Sendo assim, a liga-
o ensino de educação física. A vinculação en- ção automática entre as políticas educacionais
tre essa produção em educação física e a do governo brasileiro pós-1964 e o capitalis-
historiografia da educação brasileira é clara. mo internacional aponta para a desconsi-
Não podemos esquecer em absoluto o caráter deração da particularidade do desenvolvimen-
situado e datado dessa produção. É preciso to cultural brasileiro.
destacar também o papel que ela cumpriu na O que pretendo, então, é chamar a
abertura de novas possibilidades de compreen- atenção para aquilo que considero como dois
são do fenômeno social e cultural que é a problemas presentes numa determinada manei-
educação física. ra de escrever a história da educação e da edu-
Por outro lado, no que tange à com- cação física escolar no Brasil: a abstração e a
preensão da história da educação física, essa generalização. No caso dos estudos analisados
produção incorporou alguns “vícios” e alguns esses problemas ficam patentes quando trans-
limites da pesquisa em educação à qual, na sua formam o Estado em um ente superior, que
maior parte, esteve vinculada; o principal de- paira acima das mazelas humanas e dos inte-
les é olhar para a realidade de fora dela. Na resses dos homens e dos grupos que represen-
perspectiva da teoria educacional, houve avan- tam. Ou o Estado é apresentado como per-
ços significativos a partir da produção anali- tencente a um só grupo social (classe ou fra-
sada. Mas, também, deu-se muita margem para ção de classe) ou é elevado à condição de su-
equívocos quando se perdeu de vista o cotidi- premo juiz das intenções humanas. Ora, o Es-
ano da escola e duas das principais categorias tado não pode ser abstraído de sua orientação
utilizadas por praticamente todos os interlo- conflituosa, marcada por tensões, dissensões e
cutores aqui contemplados: a história como conciliações. O Estado é uma construção his-
movimento contraditório e a sociedade como tórica, determinada por uma correlação de for-
lugar de conflito. Tomado o Estado brasileiro ças que se consubstancia nos diversos interes-
do período analisado como títere do capitalis- ses de classes e frações de classes contrários e
mo internacional e dos arroubos conspiratórios antagônicos. E no campo da história não são
da burguesia, restou fazer a apologia da revo- tangíveis as leis gerais, as generalizações uni-
lução via educação, via a escola, como apare- versais, uma vez que ela, a história, se confi-

66 Marcus Aurélio Taborda de OLIVEIRA. Educação física escolar e...


gura como um processo (Thompson, 1981). No meros outros fatores determinam em larga
plano educacional, é preciso investigar até que medida a instituição, configuração e transfor-
ponto o Estado freqüentou as salas de aula. mação dos saberes escolares ao longo do tem-
po. Portanto, privilegiarei aqui outras vozes
A reorganização da educação que não as oficiais – consideradas como aque-
física escolar: um amálgama de las oriundas do aparelho estatal –, pretenden-
interesses do com isso indicar o contraponto possível
entre os múltiplos interesses em jogo na reno-
Muitas evidências permitem inferir que vação da educação física escolar naquele pe-
a educação física brasileira naquele momento ríodo.
passava por um processo de renovação. Um Como é impossível falar de um deba-
universo bastante diverso de fontes indica que te sobre a educação física no Brasil sem
muitas vozes se levantavam para reivindicar um remetê-lo ao debate internacional, julgo ser
maior reconhecimento acadêmico e escolar importante destacar o cerne daquele debate: a
para esse componente curricular. Desde a nor- relação entre uma educação física voltada para
ma legal a partir da Lei 4024/61 (Diretrizes e a educação integral do indivíduo e o esporte
Bases da Educação Nacional), reforçada na Lei na sua forma acabada, ou seja, de rendimen-
5692/71 e no decreto 69.450/71, passando to ou de alto nível:
pela expansão dos cursos de formação de pro-
fessores em nível superior, pela oferta de cur- O fato importante – o fato mundial – é que
sos emergenciais de formação de “recrea- todos os países têm tomado perfeita consci-
cionistas”, pelo incentivo ao intercâmbio inter- ência da importância humana e social da
nacional na área, pela emergência de um pro- educação física. A confusão mais freqüente
grama de publicações, pelo debate aberto no entre exercício físico e desporto de grande
interior do Conselho Federal de Educação so- competição (amador ou profissional) é ainda
bre a organização escolar desse componente obstáculo sério aos programas de educação
curricular, pela qualificação em nível de física no mundo. O poder central (por dema-
mestrado e doutorado dos primeiros profissi- gogia), o público (por interesse imediato),
onais da área e desaguando na reivindicação mesmo os pais dos praticantes (por
dos professores escolares por uma definição incompreensão) têm enorme tendência a ce-
mais precisa do espaço da educação física nos der ao “desporto espetáculo”. No entanto,
currículos, eram muitos os fóruns onde a edu- devemos esperar que, um dia, os educadores
cação física era ponto de pauta obrigatório. físicos do mundo inteiro, intimamente liga-
Não é a intenção desse artigo esgotar o tema, dos pelos princípios essenciais, saberão im-
mesmo porque somente agora começam a sur- por, em todos os países, uma educação físi-
gir pesquisas de caráter histórico sobre a rela- ca racional, estruturada para ser posta, ver-
ção entre a constituição e a reorganização dos dadeiramente, ao serviço do homem e da
saberes escolares e as práticas docentes no sociedade. (Seurin apud Ramos, 1970, p. 26)
âmbito da ditadura militar no Brasil. Mas no
caso da educação física escolar é possível in- O texto acima é indicativo de dois dos
ferir algumas questões a partir do corpus do- elementos por mim anteriormente apontados.
cumental por mim reunido e ao mesmo tem- O primeiro refere-se à preocupação mundial
po infirmar uma certa tradição de leitura, a com o significado e a importância da educa-
qual percorremos no tópico anterior. Essa lei- ção física no processo educativo. Pierre Seurin,
tura está fadada à obsolescência á medida que autor do texto acima, era membro da
a pesquisa histórica tem demonstrado que inú- Fédération International de Éducacion

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Physique –FIEP, talvez a maior entidade inter- deve ser despertada e incentivada entre alu-
nacional de educação física. Nos anos 1970 nos e professores de educação física, dentro
Seurin viria a ser presidente da entidade. O das condições materiais disponíveis e essen-
segundo elemento diz respeito à inserção do cialmente no campo das atividades da gi-
Brasil no debate internacional. Não por acaso nástica e dos desportos. (VI Reunião de Di-
optei por uma citação de segunda mão. Jair retores de Escolas de educação física, 1967)
Jordão Ramos foi um dos mais destacados in-
telectuais da educação física brasileira. Naquele Não emergia ali, conforme indica o
período, ele lançava mão de um trabalho de texto acima, uma forte pressão para a eleva-
circulação mundial de um autor consagrado ção do status institucional da educação física,
para referendar a sua própria posição sobre a a partir de uma série de considerações em tor-
renovação da educação física brasileira. Mas se no de sua relevância social, da necessidade de
os intelectuais brasileiros necessariamente re- desenvolvimento de pesquisa na área, o que
corriam à literatura internacional, como se requeria formação de professores e pesquisa-
posicionavam aqueles responsáveis pelas elabo- dores e alocação de recursos? E em linhas
rações curriculares? Essa posição se expressa- gerais a corporação dos professores, por meio
va na preocupação com a definição e expan- de uma das suas associações, não destoava
são do campo acadêmico da educação física daquelas considerações:
brasileira, como é possível observar no texto
abaixo: – necessidade, cada vez maior, de dar ao
educador uma formação de amplo e profun-
Estabelecimento de uma política nacional de do caráter humano;
educação física. Propõe várias medidas para – revisão dos processos pedagógicos; esti-
execução desses fins: instalações desportivas, mular o educando a resolver situações novas
material, formação intensiva de profissionais com os recursos que o educador lhe forne-
da especialidade, cursos intensivos regula- cer; agir e reagir face aos problemas que lhe
mentados, zelo pela norma legal, saúde ur- surgem;
bana e rural, plano nacional de comunica- – necessidade de pesquisar no campo da di-
ção (incremento da educação física), função dática;
de representação de professores de educação – que as autoridades governamentais solici-
física nos órgãos, conselhos etc, orçamento. tem a colaboração das entidades de classe
dos diversos Estados da União, quando dos
TEMA B – unificação dos currículos dos di- estudos dos problemas da formação dos
ferentes cursos das escolas de educação físi- professores de educação física;
ca. Matérias obrigatórias e matérias – exige várias providências do Estado no to-
optativas, diversificação dos programas dos cante a valorização do profissional;
diferentes cursos – currículo mínimo. extensão da educação física a toda a comu-
nidade;
TEMA D – desenvolvimento da educação fí- – incentivo (política) (sic) aos recém forma-
sica por meio de pesquisas e de cursos de dos;
aperfeiçoamento em alto nível e de pós-gra- – os programas das escolas de educação fí-
duação: solução de muitos dos nossos pro- sica devem ser orientados no sentido de cri-
blemas. Esses cursos não devem ser limita- ar no futuro professor o espírito e iniciativa
dos aos assuntos da ginástica e dos despor- do livre empreendimento;
tos, destacando-se, como tema prioritário, o – melhorar o nível do ensino especializado
relativo a métodos de pesquisa. A pesquisa de educação física, facilitando os contatos

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da especialização com os centros mais adi- pelo seu caráter de manual, de receituário. Mas
antados do mundo; esse caráter era constantemente subvertido à
– que sejam cumpridos fielmente o ditames medida que os professores lançavam mão dos
do Decreto no 69.450/71, por ser certo e de mais variados artifícios na sua prática cotidi-
profunda liberalidade, sendo mesmo o míni- ana:
mo a exigir, tendo em vista que a educação
física, através dos exercícios físicos, dos des- As crianças vinham para a escola; elas ti-
portos e das atividades ditas de recreação, nham aquela noção de vir para a escola para
representa a alegria, o prazer, a saúde física aprender a ler e escrever; jamais vinham para
e mental da infância, da adolescência e dos a escola para fazer educação física, jamais;
adultos. (Recomendações do III Encontro de isso não se cogitava. E essa fase de 5ª a 8ª
Professores de educação física da série era de implantação recente, isso nos
Guanabara, 1972) anos 70. Então, para as crianças que cami-
nhavam em torno de 4 a 6 quilômetros para
E no plano da política miúda também vir para a escola, chegar na escola para cor-
emergiam preocupações com a educação físi- rer, para saltar, enfim, para fazer aquilo que
ca. Um exemplo pode ser tirado do primeiro eu havia aprendido que era importante, eles
programa de educação física da Prefeitura não achavam que realmente era importante,
Municipal de Curitiba: não é? Então, eu tive que usar de “n” meca-
nismos de sedução para que eles passassem
A elaboração do “Programa por Temporada” a gostar do conteúdo (...).
objetiva propiciar aos senhores Professores A gente adaptou a educação física a cir-
de educação física, a preparação dos seus cunstâncias muito naturais. Por exemplo, o
alunos de modo planejado obedecendo a salto em extensão a gente fazia com as
uma programação antecipada e definida, sombras do barranco por sobre a estrada; o
afastando deste modo processos improvisa- salto em profundidade era saltar do barran-
dos, e sem uma seqüência pedagógica. co sobre a estrada; o salto em altura era sal-
Nunca será possível realizar uma tarefa educa- tar os galhos caídos sobre o barranco.
cional se a mesma não for antecipada em seus (Massaneiro, 1998).
objetivos e nos meios a serem utilizados.
Desta forma pretendemos acabar por vez Esse pequeno conjunto de evidências
com o regime de improvisação dentro das diversas permite situar a configuração da edu-
escolas municipais, fornecendo orientação cação física brasileira no âmbito das reflexões
educacional sistemática, formal e organizada desenvolvidas por Goodson (1990):
dentro da conceituação moderna da educa-
ção. (1972, p. 18) Análises mais atentas das matérias escolares
revela uma série de paradoxos inexplicados.
Esse texto é outra evidência de como Em primeiro lugar, o contexto escolar é, sob
as coisas mudavam naquele momento, pelo muitos aspectos, muito diferente do contex-
menos no que diz respeito à educação física to universitário – problemas mais amplos de
em Curitiba. O Programa por Temporada des- motivação do aluno, de capacidade e de
pontava como uma alternativa à improvisação controle necessitam ser considerados. A tra-
que grassava nas escolas municipais e ao des- dução da “disciplina” para a “matéria esco-
caso com a educação física escolar. Diante l ar”, portanto, exige uma considerável adapta-
desse quadro organizou-se um programa que ção (...). Em segundo lugar, as matérias esco-
viria a ser conhecido como “Bíblia”, justamente lares são, com freqüência, ou divorciadas de

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sua disciplina-base ou não tem uma disci- de diferentes perspectivas, lançam-se à luta
plina-base. (Goodson, 1990, p. 234-235) em torno daquilo que representaria a síntese
mais aproximada dos seus interesses manifes-
Se olharmos para o desenvolvimento tos. O Estado que legislava, os pesquisadores
histórico e para a realidade atual da educa- que reclamavam recursos e os professores que
ção física brasileira, creio ser possível refe- exigiam um controle forte sobre aquilo que
rendar as considerações acima. E é ainda consideravam desmando das escolas ( B e l t r a m i ,
esse mesmo autor que nos dá elementos 1992), bem como lançavam mão dos mais
para compreender esse processo: variados artifícios para o seu trabalho coti-
diano, como ficou patente nos textos acima.
O grau de isolamento ou autonomia das Todos esses sujeitos, portadores de amplo
matérias escolares pode ser visto, numa leque de interesses e reivindicações, de uma
análise mais atenta, como estando relaci- forma ou de outra estavam amalgamados
onado aos estágios de evolução das maté- naquele momento. Em suma, todos deseja-
rias. Longe de serem derivadas de discipli- vam maiores e melhores recursos para o desen-
nas acadêmicas, muitas matérias escolares volvimento de suas atividades no âmbito da edu-
precedem cronologicamente suas discipli- cação física.
nas-mãe: nessas circunstâncias a matéria
escolar em desenvolvimento realmente A atuação através da distribuição padroniza-
causa a criação de uma base universitária da de recursos representa um processo de
para a “disciplina” de forma que professo- “tendência acadêmica” que angustia os
res secundários das matérias escolares subgrupos que promovem as matérias esco-
possam ser treinados. (Goodson, 1990, p. lares. Por isso, áreas tão diversas como as de
235) trabalho em madeira e metal, educação físi-
ca, artes, estudos técnicos, contabilidade,
Os debates promovidos no âmbito da costura e economia doméstica têm procura-
educação física brasileira nos últimos qua- do melhoria de status, defendendo uma in-
renta anos têm evidenciado uma busca in- tensificação de exames e habilitações no es-
cessante pelo reconhecimento acadêmico, tilo acadêmico. (Goodson, 1995, p. 37)
institucional e social. Diante de um campo
de possibilidades – diferentes perspectivas Nas falas contempladas nos limites
do ensino da educação física na escola – desse trabalho – entidades internacionais/in-
esse processo não se desenvolveu sem o telectuais da educação física, dirigentes de
consórcio, inclusive, da corporação dos pro- escolas superiores, legisladores e professores
fessores de educação física, como já explo- – vemos convergir uma série de orientações
rou Beltrami (1992). Daí a necessidade de que determinariam os rumos da educação
localizarmos a experiência desses professo- física escolar no Brasil pelo menos por vin-
res no âmbito daquilo que Thompson carac- te anos, o que infirma a tese de um Estado
teriza como o diálogo entre o ser e a cons- demiurgo determinando o lugar e a prática
ciência social (1981, p. 17). As perspectivas daqueles diferentes sujeitos na organização
diversas de agentes diversos estão pautadas de uma prática cultural, a educação física. E
por uma necessária e intrincada trama social essas orientações nada tinham de altruístas
e cultural, em que algumas tendências são ou arbitrárias. Antes, faziam parte da corre-
suplantadas por outras, permanecendo as lação de forças determinada pelas condições
primeiras como potência histórica. Nesse objetivas dos sujeitos em uma determinada
processo os diferentes sujeitos, portadores ambiência cultural e histórica. Partindo do

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pressuposto de Goodson (1990) de que o autogerir-se. Assim, não podemos falar
controle universitário não reflete um padrão g enericamente de uma conformação do siste-
continuo de dominação generalizada, é pos- ma educacional pelo Estado autoritário. Pri-
sível afirmar que meiramente, então, prefiro caracterizar as ini-
ciativas oficiais como sendo “do governo” e
O conhecimento acadêmico de alto s t a t u s não “do Estado”. Mas, apesar da influência
ganha seus aderentes e aspirantes menos governamental, ainda assim, no caso da reno-
através do controle dos currículos que so- vação da educação física brasileira, a sua
cializam que através da conexão bem corporação de especialistas ajudou a conformar
estabelecida com padrões de alocação de o sistema educacional, mormente no que se
recursos e com o trabalho associado e as refere às práticas escolares. Da tensão entre o
perspectivas de carreira que esses assegu- “imposto” pela via legal e aquilo que foi assi-
ram. O estudo das matérias escolares em milado e produzido por parcelas da sociedade,
evolução dirige nossa atenção para a evo- emergia a prática cotidiana dos educadores
lução de padrões de alocação de recursos. escolares.
O trabalho recente de M. Smith tem de- Para essa produção acadêmica por mim
monstrado claramente quão frutífero po- indicada, com a qual não pretendi exaurir o
deria ser esse enfoque ao substituir cruas tema, representativa de uma forma de “ler” a
noções de dominação por padrões de con- história da educação no Brasil, caberia à escola,
trole nos quais os grupos subordinados com sua função estritamente reprodutora, úni-
podem ser vistos ativamente em ação. ca e exclusivamente a reificação dos indivídu-
(Goodson, 1990, p. 252) os e da cultura no interesse da manutenção/
reprodução da ideologia burguesa. Para aque-
Assim, é possível concluir que, a me- les que pretendem uma sociedade mais igua-
nos que houvesse o consentimento dos di- litária a escola seria, então, perfeitamente dis-
versos agentes sociais, as políticas educaci- pensável. Por que continuamos, então, a
onais não teriam condições de consolidar-se estudá-la e a trabalhar nela? Analisemos a es-
no interior das escolas. Até porque a escola cola por dentro de suas particularidades e de
pode desenvolver uma dinâmica própria de suas determinações próprias. Deixemos as ge-
organização que, sem dúvida, relaciona-se neralizações e as abstrações para aquilo que
com o plano cultural mais amplo, mas que não tem existência concreta na história da
interage com ele para manifestar-se e para educação e da educação física.

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Recebido em 23.05.2001
Aprovado em 27.03.2002

Marcu
Marcuss Aurélio Taborda de Oliveiraé doutor em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP; professor do Departamento de
Teoria e Prática de Ensino e do programa de Pós-Graduação em Educação, linha de História e Historiografia da Educação, da
Universidade Federal do Paraná.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 51-75, jan./jun. 2002 75

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