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QUARTA-FEIRA, 26 DE AGOSTO DE 2009

Libelos de sangue e conspirações


Na Idade Média, durante a epidemia da Peste Negra na Europa, em muitos lugares
do continente, os Judeus foram acusados de envenenar os poços (na altura
pensava-se que a doença era transmitida pela água, quando na verdade eram as
pulgas dos ratos). A cada acusação, em cada local, as autoridades civis e religiosas
cristãs prendiam um certo número de judeus que eram mortos. Nos episódios mais
"misericordiosos", perante a ameaça da morte, os detidos tinham a opção da
conversão à fé cristã.

Pintura que retrata o martírio de Simão de Trento, 1475 |


Capa de uma edição em espanhol de Os Protocolos dos Sábios de Sião
(note-se que a capa retrata que os Judeus controlam o dinheiro, a Igreja, a Maçonaria, o Comunismo e... o
Nazismo) |
Embate do 2º avião no World Trade Center em 11 de Setembro de 2001, outra "obra da Mossad".

Também na época medieval surgiram acusações de assassínios rituais judaicos, nos


quais inocentes criancinhas cristãs eram degoladas e o seu sangue aproveitado
para fazer a matzá, o pão ázimo de Pessach, a Páscoa Judaica. Um dos casos mais
famosos foi o de Simão de Trento, que seria depois canonizado. Acusações deste
teor propagaram-se por toda a Europa ao longo dos séculos, incluindo no século
XX, com o famoso caso Beilis, em 1911.
A acusação dos assassínios rituais está tão enraizada na sociedade russa que ainda
há poucos anos, o próprio patriarca da Igreja Ortodoxa Russa fez referências e
esses libelos de sangue, acreditando fielmente na veracidade das acusações. Ainda
hoje, é possível encontrar abundante literatura que defende histórias destas em
muitos países árabes, além de numerosos filmes e séries de televisão onde são os
mitos são encenados. Além destas, a fantasia do plano judaico para dominar o
Mundo – que atingiu o seu apogeu na obra Os Protocolos dos Sábios de Sião –
continuam a ter aceitação em muitas sociedades, da populaça árabe a alguns
intelectuais europeus. A Internet, obviamente, possibilitou a dispersão global deste
tipo de delírio, havendo milhares de sites e blogs sobre o assunto, incluindo lojas
online que vendem Cds e livros sobre o assunto, ligados desde a canalha neo-nazi
europeia e americana, até aos islamo-fascistas.
Em 2001, após os ataques do 11 de Setembro, depressa apareceram teorias da
conspiração que ligavam a Mossad (os Serviços Secretos israelitas) ao planeamento
e realização do ataque terrorista. De nada valeram os vídeos divulgados por Osama
bin Laden e seus compadres a vangloriar-se pela sua estrondosa vitória contra o
Satã americano. Ainda hoje, qualquer sondagem num país árabe sobre a autoria
dos ataques dará como resposta vencedora a Mossad ou uma aliança desta com a
sua congénere americana, a CIA. Bin Laden, esse é o herói mais popular dos
mesmos questionados.
Esta semana, na Suécia, um dos jornais mais vendidos do país, o
sensacionalista Aftonbladetpublicou um artigo onde acusava Israel de raptar
palestinianos e os matar a fim de traficar os seus órgãos. Alegadas testemunhas
contaram histórias de familiares que após alguns dias desaparecidos, reapareceram
mortos e com marcas de lhes terem sido retirados órgãos. Oportunamente, a
história era relacionada com a recente prisão de um judeu americano acusado de
traficar órgãos a partir de Israel (pagava 10 mil dólares a um dador em Israel e
vendia-os por um valor muito mais alto nos EUA).
Escandalizado por este novo libelo de sangue, o governo de Israel exigiu uma
tomada de posição do governo sueco, "uma condenação formal e não um pedido de
desculpas" pelas alegações publicadas pelo jornal. A resposta sueca foi
peremptória: "não interferimos na liberdade de expressão". Ou seja, não interessa
aquilo que o tal jornaleco escreveu, já que a liberdade de expressão e da imprensa
é algo absoluto e ilimitado.
Face à posição sueca, começaram a ser tomadas algumas medidas. O ministro do
Interior israelita, Eli Yishai disse que atuaria no sentido de evitar que jornalistas do
diário sueco recebessem permissões de trabalhar em Israel. Nem a propósito, logo
no Domingo, dois jornalistas do mesmo Aftonbladet dirigiram-se ao Gabinete de
Imprensa do Governo (GIG) em Jerusalém requerendo acreditação de imprensa. O
diretor do GIG instruiu os seus empregados para atrasar o maior tempo possível
previsto na lei – até 3 meses – para rever o pedido dos jornalistas suecos.
De acordo com o diretor Danny Seaman, os tais jornalistas reagiram mal quando
foram informados de que coisa iria demorar mais do que é costume. Os jornalistas
receberem uma explicação da demora: há uma série de verificações a serem feitas,
incluindo – disse em tom de piada – testes de sangue, para verificar os tipos de
sangue dos repórteres e a sua elegibilidade para transplante de órgãos.
Outros apelaram a um boicote a companhias suecas como a IKEA (que tem apenas
uma mas bem sucedida loja em Israel) ou a Volvo. Esqueceram-se dos
eletrodomésticos Electrolux, dos carros Saab, dos telemóveis Ericson, da
farmacêutica AstraZeneca ou das roupas H&M.
Podem alegar que a reação israelita terá sido exagerada. Afinal, quantas
barbaridades e mentiras são escritas diariamente nos jornais do mundo inteiro? Até
admito que nós, Judeus, somos um pouco histéricos quando falam mal de nós.
Porém, há que lembrar que as feridas causadas ao longo dos séculos por acusações
como estas são muitas e bem profundas.
PS – Mais uma vez, depois do infeliz episódio do jogo de ténis da Taça Davis há
poucos meses em Malmö, a Suécia escreve uma triste página na sua história
recente. Sintomático de um futuro promissor...

tags: anti-semitismo, diplomacia, teoria da conspiração

publicado por Boaz às 20:35


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DOMINGO, 23 DE AGOSTO DE 2009

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