Crónica de opinião sobre os acontecimentos de 20 de Outubro de 2004, passado um ano sobre essa repressão policial na Universidade de Coimbra. Análise política da actuação do reitor e da DG/AAC
Título original
Reflexões sobre declínio da Academia e da Universidade de Coimbra
Crónica de opinião sobre os acontecimentos de 20 de Outubro de 2004, passado um ano sobre essa repressão policial na Universidade de Coimbra. Análise política da actuação do reitor e da DG/AAC
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Crónica de opinião sobre os acontecimentos de 20 de Outubro de 2004, passado um ano sobre essa repressão policial na Universidade de Coimbra. Análise política da actuação do reitor e da DG/AAC
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Reflexões sobre declínio da Academia e da Universidade de
Coimbra
Converter as Universidades em organismos
políticos, no correntio e jornalístico sentido da palavra, sôbre ser uma monstruosidade pedagógica, é crime nacional e um atentado à razão. Sob essa aparência calma de convergência de opiniões esconder-se-á o cancro que corroerá a cultura. Joaquim de Carvalho, em A minha resposta ao último considerando do decreto que desanexou a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, Tipografia França Amado, 1919, p. 15
A epígrafe do “mestre”, conhecido outrora no seu círculo de amizades
como “Professor de Coimbra”, serve-me tão só de apanágio à evocação do “dever da Memória” sustentado nas teses do pensador búlgaro Tzvetan Todorov. Pretendo sobretudo provocar as mentes despertas e alertar as consciências acomodadas. Isto porque, do meu humilde ponto de vista, a vida pública (e por consequência a “vida Académica” e ou Universitária) deverá ser sempre entendida sob uma bitola axiológica de probidade intelectual. Há alguns anos, uns pretendiam Fazer Univer[sc]idade, enquanto outros lançavam promessas de Um outro futuro para a Universidade de Coimbra. A comunidade universitária decidiu, na época, o rumo que queria tomar, elegendo o Professor Doutor Fernando Jorge Rama Seabra Santos, Reitor da Universidade de Coimbra (UC). Os eventos sucederam rapidamente. Os governantes da nação, com as suas conhecidas opções políticas, “apertaram o cerco” ao Ensino Superior Público, ameaçando, cada vez mais, a própria existência, de facto, da Universidade em Portugal! Perante leis desfasadas do contexto social, das realidades económicas globais ou sequer das opções estratégicas de um desenvolvimento sustentado — as quais em países como Irlanda se basearam no binómio desenvolvimento económico e Educação — a resposta dos agentes universitários foi quase nula e quase sempre subserviente. A uma Universidade — ainda para mais a uma Universidade com os pergaminhos da de Coimbra — não se pode nunca consentir o silêncio ultrajante, quando praticamente a ameaçam de morte, num sentido metafórico evidentemente. Durante todo o século XX, muitos teóricos da política, economistas, filósofos ou sociólogos, reflectiram sobre o valor real do vector Educação para o desenvolvimento das sociedades. Considerações políticas e ideológicas à parte, permanece-me na lembrança a paráfrase de Vladimir Ilich Ulianov (Lenin): “o desenvolvimento económico das nações assenta em três premissas fundamentais: educação, educação, educação”. No entanto, em Portugal, a educação é um gasto. É vista como um luxo supérfluo e cedo se tornará um privilégio. Estaremos porventura perante a aurora do tempo em que “o cancro que corroerá a cultura” no altar profano do unanimismo intelectual? À margem destes considerandos, que se podem entender como desabafos, pretenderei, agora, reflectir sobre os acontecimentos que marcaram, tanto a abertura solene das aulas na UC, como as “comemorações” do dia 20 de Outubro. Começando pelo fim, muitos não entenderam o que esteve em causa há cerca de um ano nas imediações da Unidade Pedagógica Central do Pólo II da UC. Ignoremos, por momentos, as razões da Academia, esqueçamos as legítimas preocupações do Sr. Reitor. Atentemos apenas no facto, inaudito de em toda a História da Universidade de Coimbra, de ter o seu Reitor assumido, politicamente, a responsabilidade por uma intervenção policial sobre colegas universitários. Terá sido apenas por uma luta justa (ou solidária), contra a fixação das propinas pelas instituições de ensino que protestavam os Estudantes? Ou terá sido, tão só, pela defesa do princípio da democraticidade paritária na gestão das instituições de ensino superior que a Academia se bateu? A partir do instante em que forças de autoridade pública penetraram no próprio seio da vida universitária, o princípio da autonomia foi posto em causa. Assim, é o próprio conceito de universidade livre que é lesado e, neste caso, por lesa- majestade. Relembremos, outros tempos, outras situações políticas. Quando, por exemplo, na crise académica de 1962, o então reitor da Universidade de Lisboa, Marcello Alves das Neves Caetano, se demitiu pelo simples facto das forças policiais terem sido autorizadas a entrar no campus da referida universidade. O dia 20 de Outubro de 2004 ficou agora plasmado numa placa de ferro que simboliza a resistência efémera da Academia em prol da própria ideia de universidade. Um ano passou e, timidamente, sem alarde, quase com vergonha e desconhecimento das massas, os “líderes estudantis”, lá por obrigação descerraram a placa, sem dizer nada a ninguém. Todavia, não convidaram os estudantes alheios a uma festa constante, nem simplesmente aqueles que lá estiveram, no pólo II da UC em 2004, a sofrer a carga policial, nem sequer o próprio estudante que foi detido! Reflexões urgem, hoje, sobre os acontecimentos que provocaram o cancelamento da abertura solene das aulas, na UC, no último dia 19 de Outubro. No meu modesto entender, o facto em si revela apenas cobardia. Desde já esclareço que não votei na última Assembleia Magna. Exerci esse direito ao não voto, fundamentalmente, por respeito, quer à instituição, quer a todos os colegas universitários — sobretudo, aos novos estudantes que este ano chegaram à Universidade de Coimbra – que partilham do direito inalienável de assistir à tradicional cerimónia. De um outro ponto de vista, por respeito também a opiniões contrárias dos que pretendem uma luta radical assente no vector da força. Em suma, deleguei no colectivo o poder de decisão. Contudo, da parte da Academia, a resposta foi radical. Democraticamente, esta escolheu o caminho da razão da força e outros escolheram a resposta da cobardia. Tantos os dirigentes da nossa Associação Académica, como o Sr. Reitor, mais uma vez foram cobardes, traindo a confiança eleitoral que lhes foi depositada. Ao tentar encenar o encerramento da porta férrea — ludibriando o espírito da moção aprovada a 12 de Outubro, pela Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC) — a Direcção-Geral da AAC (DG/AAC) desonrou o compromisso ancestral de fazer cumprir toda e qualquer decisão de magna (tomada com ou sem quórum). Ao utilizar precisamente o argumento da falta de quórum, o Sr. Reitor tentou apenas dividir a Academia, mais do que dividir a comunidade universitária. Esquecer-se-á de quantas e quantas reuniões dos órgãos internos das faculdades, para não referir as da própria Assembleia da Universidade que o elege, para cujo quórum contribui essencialmente a presença dos representantes do corpo estudantil! Ou será que o Sr. Reitor já reviu também as posições assumidas no seu programa de candidatura sobre gestão democrática e paritária das instituições? Torna-se por demais evidente que cancelar uma cerimónia a qual vinca a própria forma de estar da Universidade de Coimbra, no seio da nação e do mundo, é a atitude mais fácil do apaziguador de conflitos. O silêncio, por vezes, é mais confrangedor que a “guerra de surdos”. O confronto de ideias, se não fosse a base da democracia, seria sempre o apanágio do ser Universidade. Todos sabemos, nós, os universitários, que muitos não compreendem posições antagónicas entre Academia e Reitoria. Na realidade, e em última análise, deveriam ter sido sempre os interesses comuns dos Estudantes e da Universidade — entendida enquanto instituição e enquanto comunidade tendo interesses que geralmente se completam — o baluarte da acção política, quer do reitor (órgão de governo da UC), quer da direcção-geral (órgão executivo da AAC). Palavras finais sob a forma de conselho. Visto que à margem de divergência políticas, gosto de cultivar amizades e prezo, tanto o Professor Doutor Fernando Jorge Rama Seabra Santos, como o colega Fernando Gonçalves, nesse patamar das relações pessoais. A probidade intelectual não se poderá nunca contradizer na acção política. Se assim fosse, a vida das instituições, consubstanciada na gestão corrente das mesmas, padeceria de antagonismos inexplicáveis. Por outro lado, a mesma vida institucional seria sempre confundida, pelo todo social, com as opções individuais dos titulares do poder e jamais encarada como opção estratégica, mais ou menos fundamentada, — neste caso concreto da própria Universidade — nos trilhos da construção do futuro das sociedades humanas.
Talasnal (Serra da Lousã), 11 de Novembro de
2005
Este texto foi enviado, sob forma de carta aberta,
aos principais jornais diários nacionais e de Coimbra, sendo publicado parcialmente na secção de “Passeio Público”, do Jornal de Notícias (edição centro), com o título “O declínio da Academia (I)” em: Jornal de Notícias, 14 de Novembro de 2005, p.22