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Georgino Jorge de Souza Neto

Rogério Othon Teixeira Alves


Sarah Teixeira Soutto Mayor

Recreação e estudos
do Lazer

Montes Claros/MG - Setembro/2015


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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES

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ISBN - 978-85-7739-679-5

2015
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Carlos Caixeta de Queiroz
Autores
Georgino Jorge de Souza Neto
Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa. Especialista em
Psicopedagogia (Unimontes/UFMG). Mestre e doutorando em Estudos do Lazer pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Departamento de Educação Física
e do Desporto da Universidade Estadual de Montes Claros.

Rogério Othon Teixeira Alves


Licenciado e Bacharel em Educação Física pela Universidade Estadual de Montes
Claros. Especialista em Educação Física Escolar (Unimontes). Mestre e doutorando
em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do
Departamento de Educação Física e do Desporto da Universidade Estadual de Montes
Claros.

Sarah Teixeira Soutto Mayor


Licenciada em Educação Física pela Universidade do Estado de Minas Gerais.
Especialista, mestre e doutoranda em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de
Minas Gerais.
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Lazer e História . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.2 As Histórias do Lazer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.3 Uma História Sempre em Andamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.4 Carnaval e Futebol: Duas Manifestações de Lazer Repletas de Simbolismos


no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Lazer e Sociedade: Aspectos Conceituais e Relacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.2 Lazer: Uma Apropriação Conceitual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.3 Lazer: Aspectos e Relações Fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
O Lúdico e o Jogo: Conceitos e Contextos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3.2 Uma Conversa Sobre o Lúdico e Jogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Sugestão de Atividades Práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4.2 Atividades Propostas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Referência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Referências Básicas e Complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Apresentação
Caro(a) acadêmico(a),
Este é o Caderno Didático da disciplina Recreação e Estudos do Lazer. Nele, teremos a opor-
tunidade de apresentar e discutir a Recreação e o Lazer para além do entendimento do senso
comum, que os vê como mera brincadeira sem sentido. Para quebrar esse paradigma errôneo,
no transcorrer do texto, objetivamos demonstrar as várias possibilidades de trabalho com essa
temática, entendendo a existência do lazer na humanidade e sabendo, por exemplo, que as pri-
meiras experiências do lazer estariam situadas na Antiguidade Clássica. Perceberemos a mudan-
ças advindas da reconfiguração social iniciada pela Revolução Industrial: com as sociedades ur-
bano-industriais, uma nova vivência do lazer, reconhecendo-o e ressignificando-o.
Olharemos para o Brasil, suas manifestações culturais de lazer, notadamente o carnaval e o
futebol como duas das principais, delineadas ainda no final do século XIX e modificadas ao longo
do tempo.
E, por fim, abordaremos o potencial pedagógico dos jogos, a sua importância e as possibili-
dades de trabalho nas escolas como um conteúdo da Educação Física, cooperando na formação
de educadores mais críticos e responsáveis. Para que isso ocorra, apresentaremos e discutiremos
atividades lúdicas com o intuito de enriquecer a prática e a intervenção profissional de professo-
res e animadores culturais, dentre outros.
No momento seguinte, na Unidade 2, apresentaremos e discutiremos o lazer na contempo-
raneidade, desdobrando conceitos e aspectos fundamentais para a compreensão desse fenôme-
no, bem como suas relações com a dinâmica social.
Nas Unidades 3 e 4, abordamos o potencial pedagógico do lúdico e do jogo, a sua impor-
tância e as possibilidades de trabalho nas escolas como um conteúdo da Educação Física, coo-
perando na formação de educadores mais críticos e responsáveis. Para que isso ocorra, apresen-
taremos e discutiremos atividades lúdicas com o intuito de enriquecer a prática e a intervenção
profissional de professores e animadores culturais, dentre outros.

Bons estudos!

Os autores.

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Unidade 1
Lazer e História
Georgino Jorge de Souza Neto
Rogério Othon Teixeira Alves
Sarah Teixeira Soutto Mayor

1.1 Introdução
Podemos dizer que a história faz parte de todos nós; é elemento constituinte de todas as cul-
turas, sociedades, classes, etnias e demais caracterizações que identificam quaisquer grupamentos
humanos. Ou seja, todos os humanos são seres necessariamente históricos, pois, do seu nascimen-
to até a sua morte, constroem uma história de vida particular e, ao mesmo tempo, contribuem para
constituição de uma história coletiva, relacionada ao meio e ao tempo em que vivem.
Portanto, hábitos, costumes, afazeres, formas de trabalho e também possibilidades de vi-
vência do lazer variam conforme a cultura de um lugar e são sempre mutantes em relação ao
período histórico compreendido. E, assim, acontece com todas as ações humanas. Como nos
lembra Hobsbawm (1997), os costumes são sempre variáveis, pois não há nenhum grupamento
humano que permanece completamente imutável ao longo dos séculos. Mesmo nas sociedades
ditas tradicionais, como povos indígenas com raro contato com outras civilizações, é pouco pro-
vável que sua forma de vida permaneça do mesmo modo durante toda a sua existência.
Nesse contexto, podemos afirmar que o lazer é parte integrante da história da humanidade
e, como vimos anteriormente, suas concepções e formas de vivência são também mutáveis, de
acordo com cada sociedade. Falar de lazer no Brasil não é a mesma coisa que falar de lazer na
Espanha, por exemplo. Mesmo dentro do território brasileiro, podemos perceber distinções entre
uma região e outra, entre estados e, até mesmo, entre municípios. Vivenciar o lazer no norte do
país pode ser significativamente diferente do que vivenciá-lo na região sul. Ainda, em um estado
como Minas Gerais, que possui 853 municípios, a experiência com o lazer pode ser bastante diver-
sa entre as suas localidades. Da mesma forma, o período histórico também é determinante para a
compreensão do que se entende por lazer e, consequentemente, para suas formas de vivenciá-lo.
Como observa Williams (2003), toda cultura comporta uma espécie de tradição seletiva; em
cada período, formas de viver (em suas variadas facetas) são, de alguma forma, selecionadas e
mantidas ao longo de um determinado tempo, enquanto outras são menorizadas ou mesmo
desprezadas.
Para além dessas diferenças (que comportam singularidades culturais), também podemos
pensar em inúmeras variáveis que se inter-relacionam, como classe social, etnia, religião, local de
moradia, nível de escolaridade, gênero, entre outras. Tais características influenciam, historica-
mente, nas formas e nas possibilidades de vivência do lazer.

1.2 As Histórias do Lazer


Como qualquer prática cultural, a existência do lazer na humanidade também comporta
muitas histórias. Há estudiosos que acreditam que ele sempre existiu e, nesse sentido, suas pri-
meiras experiências estariam situadas na Antiguidade Clássica. Um dos pesquisadores mais in-
fluentes dessa corrente é o espanhol De Grazia. Para ele, a origem do lazer estaria na prática dos
filósofos gregos, descrita pelo termo skholé. Como lembra Gomes (2004), no uso comum, a pala-
vra denominava um tempo desocupado, que gerava prazer intrínseco. De Grazia (1966) reporta
à acepção de Aristóteles para embasar sua posição. Para o filósofo grego, o lazer era uma forma
de cultivar a mente por meio da música e da contemplação. No entanto, essa possibilidade exigia

11
UAB/Unimontes - 5º Período

total libertação das atividades laborais, ou seja, apenas uma pequena parcela influente (simbóli-
ca e economicamente) poderia usufruir do privilégio do lazer, tais como os governantes, os gran-
des proprietários de terra, artistas e filósofos, dentre outros. Naquele contexto, realizar atividades
laborais era destino dos extratos pobres da população e dos escravos e, por essa razão, o ato de
trabalhar era pouco honrado e virtuoso.

Figura 1: A prática da ►
música na Grécia Antiga
era um privilégio da
elite.
Fonte: Disponível em
<http://commons.wiki-
media.org/wiki/File:Mu-
sic_lesson_Staatliche_An-
tikensammlungen_2421.
jpg>. Acesso em 10 jun.
2015.

Outro pesquisador que defende essa abordagem é Frederic Munné (1980). Para ele, a
ideia do lazer, descrita pela noção de otium, já estava presente na Roma Antiga. Compreen-
dido, no caso dos nobres, como “descanso para o corpo e diversão para o espírito”, no qual a
meditação era prática comum (GOMES, 2004), adquiriu, nos contextos mais populares, a pos-
sibilidade de descanso e divertimento através da realização de grandes espetáculos, prática
que ficou conhecida como “pão e circo”. Tal ação era fomentada pelos líderes políticos como
uma das formas de distrair o povo, evitar manifestações contrárias ao Império e proporcionar,
assim, certa coesão territorial. As grandes lutas de gladiadores que ocorriam no Coliseu são
exemplos expressivos de tal prática. Em meio ao divertimento proporcionado pelas lutas, pães
eram distribuídos ao povo.

Figura 2: Ruínas do ►
Coliseu romano.
Fonte: Disponível em
<http://www.turismoinde-
pendente.com.br/o-coli-
seu/>. Acesso em 10 jun.
2015.

Na figura 2, é possível perceber a grandiosidade do estádio. Ao centro, os gladiadores, nor-


malmente escravos, lutavam entre si. Antes da luta, ficavam confinados em galerias no subsolo
esperando o momento de ingressarem na arena (não mais existente nos dias de hoje, conforme
pode ser visto na figura anterior). O destino do perdedor era decidido pelo imperador, que assis-
tia ao espetáculo em um lugar de destaque. Este normalmente ouvia o apelo popular antes de
sinalizar com o polegar qual seria a sorte do lutador vencido: polegar para cima significava cle-
mência, polegar para baixo, morte.

12
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Ainda, segundo a abordagem que defende que o lazer sempre existiu, este seguiu sendo
vivenciado na Idade Média, período compreendido entre os séculos V e XV. Nesse caso, os car-
navais e os festejos populares (mesmo com o forte controle da igreja e dos senhores feudais,
marcas características desse momento) são exemplos recorrentemente citados. Como observa
Gomes (2004, p. 135), “[...] os poderes hegemônicos procuravam controlar as festas e os diverti-
mentos [...]. As festas oficiais consagravam a [...] durabilidade das hierarquias, das normas e dos
tabus religiosos, políticos e morais”, embora os festejos citados, como o carnaval, pudessem pos-
sibilitar temporariamente uma subversão da ordem social. Como ponderou Bakhtin (2008, p.9),
em seu livro “Cultura popular na Idade Média e no Renascimento”, a característica do carnaval,
naquele período, pode ser descrita como uma paródia da vida ordinária e uma “lógica original
das coisas ao avesso”.
Ainda assim, como nos períodos anteriores, o livre desfrutar de momentos de lazer podia ser
considerado privilégio da nobreza, que detinha tempo e condições materiais para tal.

◄ Figura 3: O combate
entre o carnaval e
a quaresma – Peter
Brueghel (1559).
Fonte: Disponível em
<https://www.pinterest.
com/evesze/pieter-brue-
gel-the-elder-c-1525-1569-
dutchflemish-/>. Acesso
em 10 jun. 2015.

Seguindo a mesma lógica, o período posterior, denominado Renascimento, também com-


portou experiências de lazer, de acordo com os pesquisadores que adotam a perspectiva de
que essa prática sempre existiu. Esse momento pode ser compreendido como etapa importante
para a transição do feudalismo para o capitalismo, entre os séculos XV e XVII. O Renascimento
é marcado por intensas transformações na sociedade europeia, sobretudo nas artes, na ciência,
na política, na religião e na literatura. Há uma forte tentativa de ruptura com algumas estruturas
feudais (embora isto não tenha ocorrido por completo, já que muitas das ações renascentistas
foram derivadas de conhecimentos do período da Idade Média) e o desejo de retorno a algumas
características da Antiguidade Clássica, ou seja, um “renascer” de antigas estruturas e práticas-
potencializado pelas novas descobertas e ações nos vários campos do conhecimento. Podemos
destacar, como exemplo, as obras de Leonardo da Vinci e Michelângelo, as descobertas científi-
cas de Nicolau Copérnico e Galileu Galilei, a invenção da imprensa e a Reforma Protestante. Vis-
lumbra-se uma significativa diminuição do poder da igreja e o homem, nesta perspectiva, é cada
vez mais compreendido como protagonista da sociedade.
BOX 1
Feudalismo e capitalismo

O feudalismo pode ser considerado o sistema econômico e social existente na Idade Mé-
dia (comumente situada entre os séculos V e XV), em que predominavam as relações servis
em torno da posse e do usufruto de terras. Os proprietários (nobres), chamados senhores feu-
dais, cediam uma parte de seus terrenos aos servos, denominados vassalos, em troca de seus
serviços, de sua submissão e lealdade. Cada propriedade de terra (feudo) possuía sua própria
economia. Era uma relação de dependência, instituída pelo direito de nascimento e pela igre-
ja, e que praticamente não permitia a mobilidade social.

13
UAB/Unimontes - 5º Período

O capitalismo é o sistema econômico que sucede o feudalismo e que se consolida por


meio da própria decadência do sistema feudal (estimulada pelo grande aumento populacio-
nal, pela necessidade crescente de novas técnicas de produção, pelas doenças que assolaram
parte da Europa, dentre outros fatores). Esse período é fortemente marcado pela exploração
de novas terras pelos países mais poderosos, como Inglaterra, França, Holanda, Espanha e
Portugal, que promoviam grandes navegações a outros continentes em busca de novas maté-
rias-primas (metais preciosos), propriedades e escravos. O capitalismo é o sistema que persis-
te até hoje na maioria dos países do mundo e é caracterizado pelo surgimento da burguesia e
de suas ações comerciais, pelas exportações e interações globais, pelo acúmulo de riquezas e
o fomento ao lucro, pelas relações assalariadas, dentre outras características.

Fonte: Autoria própria.

De Grazia (1966, p. 17) chama a atenção para o retorno do ideal de lazer grego nesse mo-
mento. Nos dizeres do autor: “[...] no Renascimento, o esforço por copiar e imitar, por conservar
o mundo antigo foi quase tão impressionante como seu fracasso neste intento”. Ainda em suas
palavras: “Os de boa família conservam suas mãos tão apartadas do barro comum como haviam
feito os gregos. A tradição clássica persiste: se a maioria trabalha, uns poucos têm lazer”.
Assim, no período do Renascimento, o trabalho também possuía uma alta carga negativa
para os nobres, que se distinguiam dos cidadãos comuns por poderem dedicar-se horas a não
fazer nada considerado produtivo. Este foi um ideal que se manteve ao longo dos períodos abor-
dados, mesmo que significado de formas diferentes em cada um deles.
Na Idade Moderna, não há diver-
gências entre os estudiosos quanto à
existência do lazer. O ponto de discor-
dância reside no momento de concep-
ção da prática. Para os autores citados
anteriormente (e para tantos outros
não retratados aqui), o lazer existe
desde a Antiguidade e se estende aos
Figura 4: Figura ► demais períodos históricos, guardan-
feminina descansando
(Dolce Far Niente).
do consigo as particularidades de cada
Autor: Sir Lawrence época e de cada sociedade. Já para
Alma-Tadema,1882. outros estudiosos, que veremos a se-
Representação da guir, o lazer é uma prática originária
contemplação e da modernidade; foi concebida por ela
do descanso no
Renascimento.
devido às transformações específicas
Fonte: Disponível em
que este período possibilitou à vida
<http://www.wikiart.org/ humana.
en/sir-lawrence-alma- Um dos grandes marcos para se
tadema/a-female-figu-
re-resting-dolce-far-nien-
pensar a experiência da modernidade
te-1882>. Acesso em 12 e a ocorrência do lazer é a Revolução
jun. 2015. Industrial, gestada na Inglaterra no sé-
culo XVIII. Com a invenção de máqui-
nas a vapor e a proliferação de indús-
trias, a experiência da população com
o trabalho (em especial, a parcela mais
pobre) se alterou significativamente.
O tempo de labor, antes mais flexível
e variável conforme o tipo de trabalho
e, até mesmo, conforme o ciclo solar
diário e as especificidades das estações do ano, modificou-se com a rotina “artificializada” das fá-
bricas, com os tempos predeterminados de entrada e saída do trabalho, não mais regidos pelas
próprias necessidades dos trabalhadores. Com o novo cenário econômico que se gestava, mui-
tos camponeses perderam suas terras e se viram obrigados a migrar para as cidades em busca
de emprego. Esta foi predominantemente a mão de obra trabalhadora que se configurou na In-
glaterra industrial. As extensivas horas de trabalho (que chegavam a dezesseis horas diárias) não
poupavam nem as crianças.

14
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

BOX 2
Modernidade

A experiência da modernidade pode ser entendida de várias formas. Ela é mais comu-
mente atrelada às grandes mudanças econômicas e sociais operadas pela transição do feu-
dalismo para o capitalismo e por uma nova visão acerca do homem e da ciência. A crença na
razão é uma de suas características centrais, legitimada pelas próprias transformações ocasio-
nadas pelas grandes revoluções europeias (inglesa, francesa e industrial). Pode ser compreen-
dida como uma forma de organização social centrada no capitalismo e no cientificismo que se
expandiu para outros continentes através dos europeus. Por outro lado, pode ser vista como
uma representação variável e impossível de caracterizar por conceitos prévios, menos conec-
tada com setores concretos de atividades e com rupturas e transições de períodos e mais in-
terligada à produção de imaginários discursivos.

Fonte: Autoria própria.

◄ Figura 5: Representação
de crianças trabalhando
na fábrica, situação
comum no período da
Revolução Industrial.
Fonte: Disponível em <ht-
tps://clionainternet.wor-
dpress.com/2012/06/12/
revolucao-industrial-ex-
ploracao-do-trabalho/>.
Acesso em 12 jun. 2015.

Diante das características do trabalho, nesse momento (amplamente modificadas com o ad-
vento das máquinas), há uma produção de tempos específicos para as diversas ações humanas e,
nessa perspectiva, é que diversos autores creditam a essa etapa a emergência do tempo de lazer.
Configura-se a existência de um tempo determinado para esse fim, consequentemente relacio-
nado ao tempo laboral.
Marcellino (2007) e Melo (2010) podem ser considerados importantes pesquisadores que
defendem o lazer como produto moderno. Para eles, o lazer não pode ser considerado uma ma-
nifestação gestada em momentos anteriores à modernidade, pois não havia uma separação rígi-
da entre tempo laboral e tempo de não trabalho, fato fundamental para a existência do que hoje
compreendemos como lazer.
Para Marcellino, o lazer é “fruto da sociedade urbano-industrial e, dialeticamente, incide so-
bre ela como gerador de novos valores que a contestam” (MARCELLINO, 2007, p. 12). No enten-
dimento proposto por Melo (2010), o conceito de lazer se sistematizou a partir do século XVIII.
Segundo o autor:

No decorrer dessa centúria, a articulação entre o desenvolvimento de um novo


modelo econômico (que tem como um dos parâmetros centrais o modo de pro-
dução fabril), uma nova organização política (o fim do absolutismo e a gestão
da ideia de Estado-Nação), a melhor estruturação de um conjunto de posições
acerca da vida em sociedade (decorrentes do Iluminismo e do Liberalismo) e a
nova conformação de classes sociais (o crescimento do poder da burguesia e o
surgimento da classe operária) configuram um momento histórico marcado pela
ruptura com o passado (MELO, 2010, p. 15).

15
UAB/Unimontes - 5º Período

DICA Entretanto, mediante a divergência das abordagens apresentadas, o que se pode concluir é
A máquina a vapor é que não existe uma versão correta, apenas maneiras diferentes de ver um objeto. É importante
considerada o principal que o estudioso do lazer conheça tais enfoques, a fim de se situar quanto aos estudos e pes-
símbolo da Revolução quisas desenvolvidas na área, angariando conhecimentos que lhe permitam manifestar seus pró-
Industrial inglesa, pois prios argumentos. Podemos dizer que, mais importante do que buscar origens precisas para o
sua invenção, no século fenômeno “lazer”, é reconhecer suas mudanças no tempo e as problemáticas sociais pelas quais
XVIII, proporcionou
um aumento signifi- está envolto.
cativo da produção de
mercadorias. Com essa

1.3 Uma História Sempre em


tecnologia, houve uma
profusão na instalação
de indústrias, provocan-
do grandes mudanças
na sociedade.
Andamento
Das primeiras experiências da Revolução Industrial à configuração das sociedades urbano-in-
dustriais que vislumbramos hoje em todo o mundo (muito em razão das influências inglesas que
se espalharam mundialmente), muita coisa se alterou. As relações trabalhistas foram transformadas
pela progressiva aquisição de direitos pelos trabalhadores, tais como a regulamentação da jornada
de trabalho e as férias. Com isso, também a vivência do lazer se alterou ao longo do tempo.
Nesta história de rupturas, violências e conquistas, cada lugar comporta a sua particularida-
de. No Brasil, por exemplo, o lazer apenas passou a ser reconhecido como direito social na Cons-
tituição de 1988.
Como se pode observar, o tardio reconhecimento do direito ao lazer no Brasil vem acompa-
nhado de uma visão utilitarista (sua presença só é legitimada como forma de promoção social),
atrelada aos esportes. Faltam também ações mais concretas que regulamentem esse direito nos
DICA vários âmbitos governamentais.
No momento em que nos encontramos hoje, nas primeiras décadas do século XXI, podemos
Para sabermos um pou-
co mais sobre o lazer na considerar que há uma relativa liberdade para a vivência do lazer, no que tange às escolhas dos
Constituição Brasileira, indivíduos, não desconsiderando, claro, as diversas limitações de ordem econômica e cultural
devemos acessar o ainda presentes para parcela significativa da população. Há dificuldades no cumprimento legal
Capítulo III, Seção III, Do do lazer enquanto direito, nas diversas instâncias sociais, no entanto, podemos dizer que muito
Desporto, Artigo 217, V se alterou quanto às possibilidades de vivência dessa prática.
parágrafo do item IV da
Constituição Federal de Cabe registrar, por exemplo, que no século XIX, a desocupação era amplamente combatida
1988, onde se define “O no Brasil e chegava a ser crime a experiência do ócio. Vagar ou permanecer pelas ruas sem um
poder público estimu- propósito definido podia levar pessoas à reclusão, sobretudo se fossem escravos e brancos po-
lará o lazer como forma bres. No momento posterior, em que o Brasil adquirira sua independência de Portugal, datada
de promoção social”. em 1822, houve uma potencialização da preocupação com o trabalho para a formação de cida-
Confira o texto na
íntegra na Constituição dãos disciplinados e civilizados. A experiência moderna europeia não passaria despercebida por
da República Federativa estadistas e intelectuais brasileiros, que almejavam modificar os modos de vida da antiga colônia
do Brasil. para torná-la uma nação de progresso.
O primeiro Código Criminal do Império foi criado em 1830 e possuía um capítulo destinado
exclusivamente para o enquadramento da população desocupada nas leis recém-criadas. O ca-
pítulo IV discorria sobre “Vadios e mendigos”. No artigo 295, lia-se como crime: “Não tomar qual-
quer pessoa uma ocupação honesta, e útil, de que possa subsistir, depois de advertido pelo Juiz
de Paz [...]”.
Assim, podemos dizer que costumes se modificam ao longo dos tempos. Alguns se esvaem
DICA
por completo, outros se transformam, mas guardam resquícios de práticas remotas. Ficar à toa na
É sempre importante rua ou não ter ocupação laboral não é mais crime e nem é alvo de políticas corretoras, como se
buscarmos os fatos
observava no Código Criminal. Todavia, ainda é possível perceber que a nossa sociedade atual,
históricos. Por isso,
sugerimos acessar o pri- amplamente comprometida com as premissas capitalistas, não vê com bons olhos a ociosidade e
meiro Código Criminal a desocupação. O “não fazer nada” se contrasta permanentemente com a necessidade de ocupa-
do Império brasileiro, ção. Há uma culpabilidade camuflada ao indivíduo que se encontra ocioso. Podemos dizer que o
disponível no endereço trabalho se consolidou ao longo dos anos como uma das principais marcas identitárias do cida-
eletrônico: <http://
dão moderno e isso impacta sobremaneira a (in)compreensão e a (não) valorização dos momen-
www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/LIM/LIM- tos e das opções de lazer em vários aspectos, que tangem os direitos civis, as políticas públicas e
29-11-1832.html>. o próprio entendimento da temática como objeto de estudo.
Afinal, por que ainda causa estranhamento o estudo do lazer? Por que ele ainda não é tão
valorizado como outros campos acadêmicos?

16
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Muitas pessoas ainda são incapazes de compreender a importância do estudo dessa dimen-
são humana simplesmente porque a entendem como algo natural. Não são levadas a vislum-
brá-la como conquista, como processo tenso e intenso de lutas entre classes e entre interesses.
Independentemente das origens do lazer, é certo que ele não existiu sempre da mesma forma.
Possuir um tempo destinado a viajar, ir à praia, praticar esportes, ir ao cinema e ao teatro, fre-
quentar estádios de futebol, ir a bares e passeios em parques e praças, ou para o simples repou-
sar (dentre outras incontáveis possibilidades) é uma conquista histórica. Não é uma concessão
natural, da mesma forma que o trabalho também não se estabeleceu naturalmente, da forma
como o compreendemos hoje.
Parece ainda haver certa desconfiança em se valorizar esse tempo como algo tão impor-
tante como as formas de ocupação do trabalho. Ao mesmo tempo em que as pessoas, em suas
práticas cotidianas, evidenciam o caráter essencial do lazer, ainda não são tão suficientes as dis-
cussões políticas e acadêmicas sobre a temática, como se o lazer fosse uma categoria abstrata e
espontaneamente presente na vida de todos os seres humanos.
No entanto, vale ressaltar que a pouca importância conferida pela população (em geral) ao
lazer como área do conhecimento (que merece e necessita ser estudado) e como direito social
contrasta com a amplitude de sua vivência e, sobretudo, com a rentabilidade que promove. Po-
demos verificar que as últimas décadas do século XX vislumbraram um aumento expressivo de
atividades das mais diversas, fomentando um mercado que, atualmente, movimenta milhões.
Grandes shows e megaeventos esportivos (a exemplo da Copa do Mundo e das Olimpíadas),
além de inúmeras possibilidades que parecem se proliferar no interior das cidades a cada ano
(como shoppings, cinemas, bares, boates, parques temáticos, entre outras), compõem um cená-
rio onde a centralidade da vivência do lazer parece inegável. E isso não se dá apenas em relação
ao consumo das atividades oferecidas, mas à aquisição de inúmeros produtos associados a elas.
Também o turismo se torna um fator de grande exploração, constituindo principal fator econô-
mico de várias cidades ao redor do mundo.
Nesse contexto, que relação podemos estabelecer entre os estudos do lazer e o seu cres-
cente investimento mercadológico?
Compreender o lazer como área de conhecimento e como objeto de políticas públicas pos-
sibilita a construção de uma visão crítica acerca das inúmeras atividades que vislumbramos em
nosso cotidiano. Possibilita-nos fazer algumas perguntas, tais como:
As possibilidades que vemos no nosso dia a dia são acessíveis a todos?
Quem são os principais frequentadores dos eventos promovidos pelo mercado? Há uma
equidade na distribuição de atividades de lazer nas diversas regiões do país?
As ações de fomento ao lazer no âmbito público acontecem com a mesma frequência e com
o mesmo investimento estrutural das que ocorrem no âmbito privado? É possibilitado a qual-
quer cidadão brasileiro o mesmo direito de usufruto do lazer?
Pensar o lazer e suas relações com o mercado na atualidade nos mostra o quanto é impor-
tante estabelecer questionamentos acerca das possibilidades de vivência do lazer, sobretudo,
quando nos referimos à sua espetacularização. O principal fim do espetáculo, no sistema capi-
talista em que vivemos é, sem dúvidas, o lucro e, nessa perspectiva, mais do que tecer críticas ao
mercado, é necessário buscar novas soluções para que as práticas de lazer sejam mais acessíveis
a um contingente populacional maior. E isso se faz com o reconhecimento da importância do
estudo do lazer em nosso cotidiano. Por meio de leituras e discussões, novos questionamentos
emergem e uma nova construção da ideia de lazer pode ser possível.

◄ Figura 6: Rock in Rio


Las Vegas, USA, 2014.
A grande produção
estrutural e a presença
massiva do público dão
a dimensão do negócio
lucrativo.
Fonte: Disponível em
<http://www.bill-
board.com/articles/
news/6062784/rock-in-rio
-heading-to-las-vegas-si-
te-will-resemble-an-amu-
sement-park>. Acesso em
13 jun. 2015.

17
UAB/Unimontes - 5º Período

A pouca problematização do lazer guarda evidentes relações com outros períodos históri-
cos e acaba por legitimar o poder do mercado, já que suas ações são vistas com naturalidade
e outras realidades são pouco pensadas. Também, a supervalorização do trabalho pelo ideário
moderno traz consigo consequências diretas para o entendimento do lazer na atualidade. Talvez,
em um futuro não tão distante, possamos vislumbrar outras possibilidades, advindas do esforço
de estudiosos, políticos e demais pessoas em seu cotidiano que visualizem, com lentes mais am-
pliadas, a importância social do lazer.

1.4 Carnaval e Futebol: Duas


Manifestações de Lazer Repletas
de Simbolismos no Brasil
Carnaval e futebol podem ser considerados, atualmente, duas das principais manifesta-
ções culturais do Brasil. No entanto, a grande aceitação que possuem em nosso país, situa-
ção que, a primeira vista parece comum, foi um processo que começou a se delinear ainda
no final do século XIX.
Festejos com características carnavalescas já ocorriam no Brasil em momento muito anterior
à criação das escolas de samba, dos blocos caricatos e dos trios elétricos que vemos atualmente.
No século XVII, já havia uma manifestação muito comum no país denominada entrudo. Segundo
DICA Araújo (2008), uma das brincadeiras comuns dessa festividade consistia em jogar água e farinha
Para melhor compreen-
nas pessoas que passavam nas ruas, incrementada no século XIX pelos limões de cheiro.
são do tema estudado Entretanto, com a necessidade de “civilizar” o país após a sua independência de Portugal,
sugerimos os filmes: fato já abordado anteriormente, o entrudo foi uma das práticas consideradas insalubres e imo-
“Gladiador”- Uma obra rais, passando a ser proibida em diversas localidades brasileiras, até que se processou a sua ex-
produzida em 2000, tinção. Não é à toa que hoje poucos sabem da existência desse costume, tão presente na vida
que conta a história do
general Máximus Déci-
cultural brasileira em séculos anteriores.
mus. No filme é possível Em seu lugar, ganhou destaque uma manifestação considerada mais afeita à moderni-
observar a política do dade e ao progresso que se desejava para o país: o carnaval. Representado, especialmente,
pão e circo, quando pelos bailes mascarados e pelas grandes sociedades da elite, o carnaval chega ao Brasil de
são jogados pães para forma bem diferente da que conhecemos hoje. Com influências da França e da Itália, o feste-
o público no Coliseu
antes do combate dos
jo aparece, em um primeiro momento, como forma de diversão das classes mais abastadas, o
gladiadores. que não impossibilitou que fosse apropriado de inúmeras formas pelos diversos extratos da
“Tempos Modernos”- É população, sobretudo nas ruas.
considerado uma forte De imediato, sua apropriação popular causou desconforto àqueles que desejavam exclusivi-
crítica ao capitalismo, dade, todavia, nas primeiras décadas do século XX tal festejo foi utilizado como formador de uma
stalinismo, nazifascismo,
fordismo e ao imperia-
identidade nacional. Ferreira (2004) sinaliza que, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas,
lismo, bem como uma tomou um grande impulso a ideia de uma expressão única para o Brasil, e assim, tudo o que pu-
crítica aos maus-tratos desse representar a essência da mistura das “raças” que formava o país era enaltecido. O carnaval,
que os empregados que já era vivenciado de variadas maneiras por diferentes públicos, foi tornado um dos símbolos
passaram a receber mais prestigiados do Brasil.
durante da Revolução
Industrial.
Atualmente, o carnaval se expressa de inúmeras formas e pode ser considerado um dos
“Germinal”- Baseado espetáculos mais fortes e mais rentáveis do país. Blocos caricatos, trios elétricos, shows, bailes,
no romance homônimo brincadeiras diversas nas ruas, entre outros, compõem uma cultura festiva que se manifesta
de Émile Zola, o filme todos os anos, com tal força que torna difícil pensar o país sem ela. Não à toa, um pensamento
aborda os movimentos conhecido e difundido no Brasil é aquele que expressa que o ano só começa efetivamente de-
grevistas de um grupo
de mineiros no norte
pois do carnaval.
da França do século Não nos esqueçamos, no entanto, que o carnaval e os atuais eventos que se constroem em
XIX contra a exploração torno de sua popularidade precisam ser constantemente problematizados em sua relação com
de que são vítimas. o mercado, como já discutido anteriormente. Suas transformações não se processaram natural-
Entretanto, ao se levan- mente no decorrer dos anos. São, em grande medida, fruto do reconhecimento de seu potencial
tarem contra o sistema,
passam a serem alvos
lucrativo e, nessa perspectiva, também se torna interessante pensar as possibilidades de apro-
da repressão das auto- priação dos diversos sujeitos, bem como os resultados das possíveis interferências de um merca-
ridades. do global nas especificidades das manifestações locais.

18
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Situação semelhante aconteceu com o


futebol. Este esporte chegou ao Brasil no fi-
nal do século XIX como expressão de um di-
vertimento dos jovens de elite das grandes
cidades. Naquele momento era muito comum
que os filhos das classes mais favorecidas eco-
nomicamente fossem estudar na Europa. No
regresso para o Brasil, alguns deles trouxeram
novos costumes e experiências, como o fute-
bol, originariamente praticado na Inglaterra. ◄ Figura 7: Carnaval em
Assim, no final do século XIX e início do Olinda, Pernambuco,
século XX, tal esporte era predominantemente Brasil, 2012.
vivenciado pelos jovens das elites, pois eram Fonte: Disponível em <ht-
aqueles que detinham os códigos necessários tps://commons.wikimedia.
org>. Acesso em 14 jun.
e as condições mais favoráveis para praticá-lo 2015.
(desfrutavam de tempo livre para os jogos e
possuíam dinheiro para adquirir os materiais,
pouco acessíveis àquela época).
No entanto, com o tempo, o esporte, que
rapidamente se difundiu pelas cidades, passou
a ser praticado em vários locais e por variados
grupos sociais. Com a criação de ligas compe-
titivas e, sobretudo, com a profissionalização
do esporte, em 1933, o futebol passou por um
amplo processo de popularização. Como era
de se esperar, tal situação não foi bem vista por parte de dirigentes, jogadores e torcedores de al-
guns clubes, que se incomodavam com a mistura de classes e de raças no esporte de origem in-
glesa. Alguns deles, por exemplo, proibiam o ingresso de negros e analfabetos em suas equipes.
Um fator decisivo para uma mudança dessa perspectiva foi o uso político do futebol, sobre-
tudo nos anos 1930, enquanto
fomentador de um ideário de
unidade nacional e a sua vei-
culação como uma das propa-
gandas de uma brasilidade de- ◄ Figura 8: Primeira
sejada, situação parecida com equipe de futebol
a que ocorreu com o carnaval. da cidade de Belo
Com o tempo, houve Horizonte – Sport Club,
1904.
uma progressiva valorização
Fonte: RODRIGUES (2006,
de jogadores negros, mula- p. 158).
tos e oriundos de camadas
sociais anteriormente alijadas
da prática do futebol, em seu
momento inicial no país. Para
o historiador Buarque de Hol-
landa:

O bom desempenho de jogadores de origem negra abre a brecha para a associa-


ção entre a identidade esportiva e o diferencial ético de sua constituição do povo
brasileiro. A originalidade étnica divisada no futebol atinge o seu ápice durante a
realização da Copa do Mundo de 1938, na França. Embora o Brasil não houvesse
saído vencedor, com a obtenção do terceiro lugar, a atuação de Leônidas da Sil-
va, artilheiro da competição, estreita o sentimento esportivo de comunhão com
a pátria, o que seria massificado pelas transmissões radiofônicas durante a Era
Vargas (BUARQUE DE HOLLANDA, 2004, p. 59).

As décadas de 1940 e 1950 foram marcadas pela construção de grandes estádios, como o
Pacaembu, em São Paulo, e o Maracanã, no Rio de Janeiro. No ano de 1950, com o esporte já bas-
tante popularizado, o Brasil sediou pela primeira vez uma Copa do Mundo, uma grande conquis-
ta para o projeto identitário nacional. No entanto, com a perda da final para a equipe do Uruguai,
em pleno Maracanã completamente cheio, os ideários igualitários se esvaíram. Os negros e mula-
tos, principalmente o goleiro Barbosa, foram culpados pelo mau desempenho brasileiro.

19
UAB/Unimontes - 5º Período

Tal problemática apenas se arrefeceria na Copa de 1958, na Suécia, com a conquista do pri-
meiro campeonato mundial pelo Brasil com um time miscigenado. Ainda hoje é bastante per-
ceptível situações de preconceito com atletas negros, resquício não apenas das características fi-
dalgas iniciais do futebol, mas de um mundo ainda bastante marcado pelas relações colonialistas
de séculos passados.
Com o passar das décadas, o futebol se transformou bastante no Brasil. Há muito tempo, sua
prática não é mais privilégio de brancos e ricos (mesmo com os preconceitos ainda observados).
Entretanto, outras problemáticas emergem com a sua massificação e posterior espetaculariza-
ção, tais como a influência do mercado, das mídias, da publicidade, entre outras. Questões es-
tas construídas historicamente no longo percurso de existência do futebol no Brasil e que, atual-
mente, tornam-se temas importantes no debate acadêmico.

Figura 9: Estádio ►
Maracanã, 1950.
Lotação completa do
estádio para assistir
à final da Copa do
Mundo.
Fonte: Disponível em
<http://www.rioonwatch.
org/?p=15930>. Acesso em
13 jun. 2015.

Figura 10: Getúlio ►


Vargas em discurso no
estádio do Pacaembu,
1941. Intima relação
entre futebol e política.
Fonte: Disponível em
<http://acervo.oglobo.
globo.com/fotogalerias/1-
de-maio-getulio-jk-riocen-
tro-12397422>. Acesso em
14 jun. 2015.

Como se pode ver, a história do lazer possui várias facetas e é um importante instrumen-
to para conhecermos melhor a nossa realidade. Carnaval e futebol são apenas alguns exemplos
de tantas práticas de lazer presentes em nosso cotidiano. É importante lembrar que todas elas
possuem uma história. Esse reconhecimento se faz importante para contextualizarmos o lugar
ocupado pelo lazer em nossa sociedade em diferentes tempos; ação essencial para problemati-
zarmos as representações e as possibilidades postas atualmente.

20
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Referências ATIVIDADE
Pesquise com familia-
res mais velhos uma
prática de lazer que,
ARAÚJO, Patrícia. Folganças populares: festejos de entrudo e carnaval em Minas Gerais no sé- em épocas passadas,
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permitida ou vice-versa.
BAKHTIN, Mikhail. Cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de Fran- No seu trajeto diário
para a universidade e/
çois Rabelais. São Paulo: Hucitec; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
ou trabalho, observe
quais são as possibilida-
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas, des de vivência do lazer,
2000. públicas e privadas. As
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planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-29-11-1832.htm>. Acesso em12 abr. 2015. fóruns de discussão.

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MARCELLINO, Nelson Carvalho (Org.). Lazer e cultura. Campinas: Alínea, 2007.

MELO, Victor Andrade de. Esporte e lazer: conceitos. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.

MUNNÉ, Frederic. Psicossociología del tiempo libre: un enfoque crítico. México: Trillas, 1980.

RODRIGUES, Marilita Aparecida Arantes. Constituição e enraizamento do esporte na cidade


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WILLIAMS, Raymond. La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Vision, 2003.

21
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Unidade 2
Lazer e Sociedade: Aspectos
Conceituais e Relacionais
Georgino Jorge de Souza Neto
Rogério Othon Teixeira Alves
Sarah Teixeira Soutto Mayor

2.1 Introdução
Você já parou para pensar sobre o significado do termo “lazer”? Que importância ele tem na
sua vida? Ou, ainda, por que uma disciplina no curso de Educação Física que pretende dar conta
de tal assunto? Pois bem, neste capítulo iremos abordar e discutir os usos e sentidos do fenôme-
no lazer na sociedade, e os impactos que tem causado no cotidiano das pessoas. Já debatemos
sobre a História do Lazer no capítulo anterior, mas entendemos que o sentido contemporâneo
possa esclarecer ainda mais tal experiência.
Assim, dividimos esta Unidade em dois momentos: primeiramente, uma abordagem concei-
tual, desdobrando entendimentos e percepções possíveis sobre o lazer. Em outro sentido, após o
debate conceitual, iremos explorar os aspectos fundamentais do lazer e sua relação com a dinâ-
mica social.

2.2 Lazer: Uma Apropriação


Conceitual
De antemão, já assumimos aqui uma posição definida a priori: das múltiplas possibilidades de
entendimento do lazer, iremos adotar aquela que o compreende como manifestação da cultura
humana. Nesta primeira parte do capítulo, vamos alinhavar as amarras desta relação (lazer-cultura),
e em seguida, oferecer subsídios teóricos para pensar o lazer em outras dimensões e espectros.
Tratamos aqui, de dois temas igualmente instigantes, amplos e complexos: lazer e cultura.
É fato que, no senso-comum, percebemos a ocorrência de uma diversidade imensa de enten-
dimentos que os dois termos comportam. Assim, faz-se necessário uma análise conceitual mais
criteriosa para avançarmos na discussão proposta: do lazer como uma dimensão da cultura.
Partimos da concepção do lazer como uma manifestação da cultura humana, dotado de
sentidos e significados, (re)construídos permanentemente e historicamente determinados. Em-
bora o lazer, em última análise, se constitua em uma vivência essencialmente subjetiva, marcado
pelo interesse e satisfação a partir de uma prática fruída no tempo disponível de um indivíduo,
seria temerário recorremos a uma lógica descolada de uma contextualização histórico-social.
Portanto, ainda que admitindo a polêmica, resgatamos a origem do lazer como fenôme-
no da modernidade, identificado como uma vivência decorrida fora do tempo do trabalho,
marcadamente constituído a partir da Revolução Industrial. No dizer de Werneck (2003), “a era
moderna foi fundamental para que o lazer se estabelecesse como um fenômeno autônomo,
normativo e organizado”.
À parte a subjetividade presente nas vivências de lazer, é na dinâmica social que ele ganha
contornos e sentidos. Toda prática de lazer, seja ela marcada por diversos interesses, é cultural-
mente determinada. É a dimensão cultural que circunscreve o lazer na lógica social, pois é na
diversidade cultural que o homem permanentemente se constrói e se percebe.

23
UAB/Unimontes - 5º Período

Para Geertz (1979, p. 17), apud Gomes e Faria (2005, p. 21), a cultura representa “uma hierar-
quia estratificada de estruturas significantes em termos das quais a ação social é produzida, per-
cebida e interpretada, e que torna possível a sua própria existência”. Assim, a ação social precisa
ter significado para ser apropriada e apreendida, pessoal e coletivamente.
Avançando na discussão, é possível afirmarmos que a cultura é a representação das rela-
ções humanas inscritas num determinado tempo e espaço. Relações que se constituem como
possibilidades de afinidades e conflitos, aproximações e distanciamentos ou, dito de outra for-
ma, possibilidade fecunda de ambiguidades. No entendimento de Gomes e Faria (2005), “é preci-
so estar atento ao fato de que a cultura é campo da atividade, da diversidade, da ambiguidade”.
Para Chauí (1996), “ambiguidade é a forma de existência dos objetos da percepção da cultura.
Percepção e cultura sendo, elas também, ambíguas, constituídas não de elementos ou partes se-
paráveis, mas de dimensões simultâneas”.
A complexidade e a amplitude do termo cultura fazem com que seja importante estabele-
cermos um foco central de análise. O fazemos aqui, a partir da fala de Alves, que afirma:

A cultura é uma condição para a existência humana e pode ser visto como um
texto possível de ser lido, interpretado. Compreendida como um código, como
um sistema de comunicação, seu caráter dinâmico é percebido pelas interpre-
tações, significados, símbolos diante de uma realidade permanentemente em
mudanças ao mesmo tempo em que extremamente rica em sua diversidade (AL-
VES, 2004, p.58).

Em que sentido, então, o lazer pode ser compreendido na ótica da dimensão cultural? Pri-
meiramente, vale retornarmos ao ponto da contextualização histórica do lazer. Ora, se a dinami-
cidade da cultura está presente nas diversas interpretações e simbologias das relações humanas,
o lazer se situa, desde a Revolução Industrial, em um vasto campo de percepções que acabam
por dar sentido e significado à sua prática. Na voz de Gomes, dito de outra forma:

A cultura institui uma expressiva possibilidade para se conceber o lazer em nossa


realidade histórico-social. A cultura constitui um campo de produção humana
em várias perspectivas, e o lazer representa uma das suas dimensões: inclui a
fruição de diversas manifestações culturais (GOMES, 2004, p.124).

Se o lazer, na sua multiplicidade de vivências e práticas, se constitui como uma dimensão da


cultura humana, só o faz à medida que essas vivências e práticas penetram no terreno da cons-
trução da identidade cultural. Identidades sociais que são “construídas como representações por
meio da e na cultura. Elas são o resultado de um processo discursivo e dialógico dentro dos dis-
cursos culturais aos quais temos acesso” (GOMES e FARIA, 2005, p.27).
Sendo uma atividade humana, o lazer se efetiva em tempos e espaços específicos. Como
manifestação que ocorre em terreno demarcado pelas produções culturais, o lazer sofre influên-
cia direta de um universo simbólico determinado histórica e socialmente. Ou ainda, podemos di-
zer que não existem tempo e espaço que não seja apropriado pela cultura. Se, para De Certeau
(1994), “o espaço é o lugar praticado”, a cultura é o espaço vivido, com todas as representações
significantes, que dão consistência e sentido à historicidade humana. O lazer, portanto, é parte
desse conjunto, desse sistema de significações. Como aponta Santin:

Toda cultura é uma criação humana a partir de valores que se atribui a um objeto,
a um acontecimento, ao universo todo. Esses valores nada mais são do que as
significações que a realidade passa a ter para o homem. É neste contexto que
surge o lazer. Cada povo tem o seu lazer, cria o seu modo ou os modos de ocupar
o tempo e de classificar suas atividades. Portanto é no interior da cultura que se
deve saber o que significa lazer (SANTIN, 1997, p.40).

O que representa, socialmente, o que fazemos no nosso tempo disponível? Como as ativi-
dades desenvolvidas no tempo fora das obrigações sociais são percebidas? Qual o grau de apro-
priação dessas práticas pela estrutura social? São questões fundamentalmente importantes para
a necessária compreensão do lazer como fenômeno sociocultural. O lazer só existe no interior da
cultura, mas também devolve para a dinâmica cultural as construções que a determinam como
objeto social. O lazer influencia a cultura e é por ela influenciado, num processo dialético de tro-
ca, ressignificando a todo instante o sentido que damos a ambos.
Nesse sentido, a concepção do significado de lazer ganha novos contornos. Contornos alar-
gados pela visão ampliada da relação estabelecida entre lazer e cultura. Como propõe Marcellino:

24
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Compreender o lazer como dimensão da cultura implica observar que não se


pode concebê-lo na sua especificidade abstrata, o que quer dizer que seu enten-
dimento não é estabelecido em si mesmo, ou de forma isolada, nessa ou naquela
atividade, mas como um componente da cultura historicamente situado. Isso im-
plica o reconhecimento de que a atividade humana está vinculada à construção
de significados que dão sentido à existência (MARCELLINO, 1997, p. 158, apud
GOMES e FARIA, 2005, p. 50).

Retornando ao ponto inicial do debate, podemos indicar que o lazer de fato se caracteriza
como uma das dimensões humanas, em permanente diálogo com as demais dimensões (traba-
lho, educação, política, economia, etc.). Obviamente não pretendemos esgotar a discussão pro-
posta, pela complexidade e abrangência dos fenômenos aqui apresentados. Outras necessárias
considerações devem ser desdobradas, no sentido de avançarmos mais sobre esse vasto campo
de estudo. Por fim, vale refletirmos sobre a lúcida consideração de Marcellino (1997), que alerta:
“a análise da cultura, pois, não pode ficar restrita ao ‘produto’ da atividade humana, mas tem que
considerar também o processo dessa produção – o modo como esse produto é socialmente ela-
borado”.

2.3 Lazer: Aspectos e Relações


Fundamentais
Após este sobrevoo conceitual, vamos discutir agora as perspectivas que se relacionam com
o fenômeno do lazer. Primeiramente, que tal pensarmos sobre o aspecto tempo? Em que medida
o tempo determina as ações no campo do lazer? Pois bem, essa compreensão é fundamental. O
lazer ocorre num tempo específico (socialmente determinado), e é imprescindível que entenda-
mos isto. Grosso modo, podemos pensar uma divisão do tempo social em dois grandes blocos:
um tempo onde se situam as chamadas obrigações sociais; e outro tempo, liberado dessas obri-
gações (o qual chamaremos de tempo disponível). Em quais desses tempos o lazer reside, em
sua opinião?
Acertou quem disse a segunda opção. A disponibilidade é uma característica marcante nas
práticas do lazer. Portanto, estar “livre” para optar como preencher este tempo disponível é con-
dição indispensável. É justamente essa liberdade, essa autonomia de escolha, que determina um
dos aspectos mais importantes do lazer. Mas basta então estar no tempo disponível para ser la-
zer? Ou seja, tudo o que fazemos no tempo disponível se configura lazer?
A resposta para essa questão nos leva a outro aspecto igualmente importante na análise do
lazer: a atitude. Pense em atitude como o resultante da relação entre aquilo que se faz e alguém
que faz alguma coisa. Por exemplo, Pedro que lê um livro; Ana que faz uma caminhada; ou ainda,
João que faz uma viagem. A leitura, a caminhada e a viagem podem não ser satisfatórias para
Pedro, Ana e João. Obviamente, o que se busca quando escolhemos uma atividade para ocupar
o tempo disponível é o prazer. A busca da satisfação, por si só, seria condição suficiente para tal?
Pensamos que não! A ocorrência de uma atitude satisfatória é que vai garantir a efetivação da
vivência de lazer.
Temos, então, tempo e atitude como bases para uma compreensão necessária desse fenô-
meno. E ambos devem coexistir para isto. Não basta apenas termos uma experiência prazerosa,
descolada do tempo disponível. Se isto fosse possível, qualquer atividade que gerasse satisfação
bastaria, inclusive as obrigatórias. E sabemos que a autonomia e a escolha são elementos funda-
mentais no campo do lazer.
Já conseguem então pensar em lazer como uma vivência prazerosa que se situa no tempo
disponível das obrigações sociais, não é mesmo? Mas qual o significado disto? Em que medida o
lazer se configura como significativa marca social? O sentido do lazer passa em compreendermos
que as experiências determinadas pela escolha singular dos indivíduos podem colaborar em dois
sentidos: manter o status quo social (manter as coisas como estão na dinâmica social); ou trans-
formá-lo. A manutenção de um sistema social exige um determinado grau de alienação das pes-
soas que compõem o cenário social. Nesse sentido, o lazer pode ser utilizado como eficaz estra-
tégia de não desenvolvimento (pessoal e social), contribuindo para que a dinâmica social não se

25
UAB/Unimontes - 5º Período

altere. É a reinvenção da política do pão e circo: nesse caso, o lazer seria o circo que distrai o olhar
dos problemas sociais, mantendo as pessoas perfeitamente integradas ao sistema.
Por outro lado, a liberdade de escolha pode também potencializar a nossa formação, tor-
nando-nos cidadãos mais críticos e participativos. Para tanto, é necessária uma permanente edu-
cação para o lazer, que permita a ampliação da paleta de opções do tempo disponível.
Sobre isto, vale apontarmos os valores que recaem sobre o lazer. Via de regra, o senso-co-
mum entende que o lazer tem como valores básicos (sua utilidade), o descanso e o divertimen-
to. Descansar e divertir se tornam, assim, os valores mais comumente associados ao lazer. Mas
como acabamos de ver, no descansar e no divertir estão abertas possibilidades riquíssimas de
desenvolvimento, posto que as atividades situadas no tempo disponível podem nos permitir a
tomada de contato com o real, o fortalecimento de laços interpessoais e uma expansão do nosso
horizonte do “olhar”. Para facilitar esse entendimento, o sociólogo francês Joffre Dumazedier es-
tabeleceu o que ficou conhecido como “Teoria dos 3 D’s”. Ou seja, os valores do lazer residem na
possibilidade de descanso, do divertimento, mas também do desenvolvimento pessoal e social.
Outro conceito formulado por Dumazedier é o anti-lazer. Diferentemente do que se possa
pensar, anti-lazer não deve ser entendido como tudo aquilo que não é lazer. Anti-lazer é o lazer
que aliena, que se situa apenas no descanso e no divertimento, não sendo, portanto, gerador de
atitudes que favoreçam o desenvolvimento. Mais tarde abordaremos a dupla perspectiva educa-
tiva do lazer, onde apontaremos a necessidade de uma educação para/pelo lazer, no sentido de
extrapolarmos a perspectiva negativa do anti-lazer.
Tempo, atitude, significado. Todos esses aspectos se entrecruzam com as experiências de la-
zer, que são múltiplas e plurais. As possibilidades de escolha são enormes. No entanto, o que de-
fine uma escolha e não outra? Dito de outra forma, porque escolhemos assistir um determinado
programa de televisão e não irmos ao cinema? Ou ainda, porque escolhemos jogar futebol e não
dançarmos? O que define as nossas escolhas? Desde o dia em que nascemos vamos sendo edu-
cados para determinados gostos e interesses. Essa educação para o gosto, no entanto, não é defi-
nitiva. Nós não nascemos gostando daquilo que gostamos hoje. Então podemos também apren-
der novos gostos. Explico: durante muito tempo, achava a música clássica entediante, enfadonha
e sem graça. Mas não tinha conhecimentos mais apurados sobre esse tipo de obra musical. A
convivência com o meu avô (um aficionado por música clássica) redimensionou o meu olhar. E o
meu olhar redimensionado por um conhecimento que não possuía redimensionou o meu gosto.
Viram só? Um estilo de música que eu definitivamente não gostava passou a ser uma recorrente
opção no espectro dos meus interesses.
Este conjunto de interesses configura o que chamamos de “conteúdos culturais do lazer”.
Para melhor entendermos a dimensão desses “conteúdos do lazer”, apresentamos uma tenta-
tiva de enquadramento das vivências do tempo disponível, a partir de características comuns,
demarcadas por um interesse central. Um primeiro esboço foi traçado por Joffre Dumazedier, ao
propor que as experiências de lazer estariam “encaixadas” nos seguintes conteúdos:
• Interesse físico (Fig. 11): é representado pela prática de atividades físicas de modo geral. As
práticas esportivas, os passeios, as pescas, a ginástica, realizadas em espaços específicos
(academias, ginásios) e não específicos (ruas, residências), são exemplos representativos.

Figura 11: Aspecto de ►


uma prática esportiva,
caracterizando o
interesse físico do lazer.
Fonte: Disponível em
http://www.juazeiro.
ba.gov.br/download/ima-
ges/Imagem%20ilustrati-
va%20do%20macro%20
campo%20Esporte%20
e%20Lazer.JPG>. Acesso
em 02 Ago. 2015.

26
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

• Interesse artístico (Fig. 12): abrange as mais diversas manifestações artísticas, como o teatro,
cinema, artes plásticas, buscando a satisfação do imaginário (imagens, emoções e sentimen-
tos); seu conteúdo é estético.
• Interesse prático: representado pela capacidade de manipulação, exploração e transforma-
ção de objetos/materiais, como também no trato de elementos naturais e/ou animais. São
exemplos, o artesanato, a jardinagem, a bricolagem e o cuidado com os animais.
• Interesse intelectual (Fig. 12): a ênfase é dada ao conhecimento vivido, experimentado, fun-
damental para a formação do indivíduo. O que se busca é o contato com as informações
objetivas e explicações racionais, através de cursos ou leitura, por exemplo.
• Interesse social (Fig. 12): quando se procura um contato direto com outras pessoas, através
de um relacionamento ou convívio social, manifestam-se os interesses sociais. Exemplos es-
pecíficos são os bailes, cafés, bares e a frequência a associações servindo como ponto de
encontro.

◄ Figura 12: Imagem


retratando os interesses
artístico, intelectual
e social do lazer ao
observarmos o pintor,
o músico, o escritor e o
leitor interagindo num
bar.
Fonte: Disponível em
<http://www.ocafe.
com.br/wp-content/
uploads/2012/04/Grafar-
no-Tutti.jpg>. Acesso em
02 Ago. 2015.

A classificação inicialmente proposta por Dumazedier (1980) foi ampliada pela inserção do
conteúdo turístico, proposto por Camargo (2003), cuja motivação central está na busca de novas
paisagens, ritmos e costumes distintos daqueles vivenciados cotidianamente.
Posteriormente, houve a proposição de mais um conteúdo: o virtual (Fig. 13), idealizado por Figura 13: Aspecto de
Schwartz (2003). Para essa autora, é possível entender o conteúdo virtual do lazer como uma uma sala de acesso à
nova dimensão relacional no tempo disponível. Assim, para ela: internet onde é possível
haver sociabilidade
a partir de uma rede
As características deste novo conteúdo cultural, que está sendo assimilado pelo social.
contexto do lazer, promovem impactos interacionais de diferentes ordens, uma
Fonte: Disponível em
vez que estes meios facilitam a relação tempo-espaço, modificam a forma de <http://www.centrotec-
ação das pessoas numa dimensão própria (valores e atitudes pessoais), também noinfo.com.br/imagens/
numa dimensão social, em relação ao outro e em uma dimensão receptiva, am- noticias/1.jpg>. Acesso em
pliando a ‘geopolítica’ do que seja intimidade e padrão cultural, isto é, conceito e 03 Ago. 2015.
comprometimento na relação com o mundo (SCHWARTZ, 2003, p. 26-27).

Ter clareza sobre os conteúdos culturais
do lazer é sobremaneira importante na ela-
boração de uma proposta de intervenção no
campo do lazer (o que iremos aqui chamar de
“animação cultural”).
É necessário ainda discutirmos outras
possibilidades do fenômeno social “lazer”.
Uma delas diz respeito às dificuldades enfren-
tadas no desenvolvimento de nossas ações no
tempo disponível. Tudo aquilo que impede e/
ou dificulta a ocorrência do lazer pode ser en-

27
UAB/Unimontes - 5º Período

tendido como “barreiras sociais do lazer”. A principal barreira, nesse sentido (e que acaba impac-
tando todas as outras), é representada pelo fator socioeconômico. O pertencimento a uma ou
outra classe social é definidora desde as nossas escolhas até o desenvolvimento em si da ação.
No sistema social vigente, ter mais ou menos dinheiro é algo que determina não apenas o que
escolhemos, mas fundamentalmente quem somos. Pois bem: quando deixamos de fazer algo no
tempo disponível motivado por alguma dificuldade econômica, dizemos que esta barreira é defi-
nida como sendo “interclasse social”.
Mas não é apenas o dinheiro o único empecilho para o desenvolvimento do lazer (embora
ele seja o principal, como já dissemos). Existem outros obstáculos que comprometem a apropria-
ção adequada do lazer, que não são necessariamente dependentes da condição econômica. Por
exemplo: a condição de gênero, a faixa etária, o grau de instrução, espaço, violência, condição
racial, dentre outras. A todas estas barreiras chamamos de “intraclasse social”.
No que tange aos espaços em que o lazer ocorre (o que aqui iremos chamar de “equipamentos
de lazer”), estes podem ser divididos em dois grupos: equipamentos específicos de lazer; e equipa-
mentos não específicos de lazer. O que define cada um deles? Equipamentos específicos de lazer são
aqueles construídos com a finalidade de desenvolvimento das ações do tempo disponível. Esses es-
paços podem ser classificados em: micro, médio e macro, sempre levando em consideração a quan-
tidade de público que o espaço comporta, bem como o número de interesses que ele contempla.
Sobre os equipamentos não específicos de lazer, os mesmos representam aqueles espaços
DICA que não foram construídos com a finalidade de lazer, mas que eventualmente podem cumpri-la.
Exemplos destes são a casa, o bar, a rua e a escola.
Para auxiliar nos estu-
Já sabemos então que o lazer corresponde a uma ação, desenvolvida no tempo disponível,
dos assista aos filmes
sugeridos: a partir de uma escolha subjetiva (determinada por uma educação de gostos), que ocorre em
“O Gosto dos Outros”- determinados espaços e podem sofrer interferências que restringem o seu acesso. Mas também
Comédia dramática é importante pensar sobre o grau de comprometimento com que as pessoas se envolvem nestas
(frança)- Uma teia onde atividades. Isto é a base para verificarmos a “atividade” e/ou “passividade” no lazer.
se cruzam as histórias
Sendo prática ou consumo (fruição), envolvemo-nos com essas experiências com graus de
de vários personagens,
à partida totalmente participação distintos. Nem todos se apropriam das atividades de lazer com a mesma força de inte-
dissimilares, pertencen- resse. Para melhor compreendermos isto, que tal pensarmos em uma classificação desses níveis? O
do a mundos e esferas mais básico e elementar é marcado pelo conformismo, ou seja, o sujeito está pouco envolvido com
sociais opostos. É a his- a experiência e não consegue depreender dela mais que a ação em si. É o famoso “fazer por fazer”.
tória dos gostos de uns
Nesse nível, a passividade impera. No entanto, num grau intermediário de envolvimento, percebe-
e das cores dos outros.
“Duas Vidas”- Comédia mos que os sujeitos já estão mais participativos e interessados. Esse nível pode ser caracterizado
(EUA)- A obra retrata pela criticidade, que corresponde à capacidade crítica, e requer disposição de pensamento e liber-
achance de encontrar dade de ação/reflexão. Esse grau de envolvimento demarca uma transição entre a passividade e a
consigo mesmo quando atividade no lazer. Por fim, temos a perspectiva superior ou inventiva, marcada pela criatividade. É o
tinha oitoanos de idade,
grau máximo, onde a capacidade crítica forma a base para a criação, elemento maior da liberdade e
será que aquela feliz
criança gostaria de ver do envolvimento pessoal. Nesse nível, vivenciamos a experiência “ativa” no lazer.
o que você se tornou Todo este conjunto de ideias converge agora para a dupla perspectiva educativa do lazer.
quando cresceu? Ou seja, todos esses elementos são fundamentais para a ampliação do nosso olhar sobre as pos-
sibilidades de trabalhar com esse fenômeno no espaço escolar (e para além dele). No curso de
Educação Física (nesse caso, com a formação em Licenciatura), é particularmente importante nos
apropriarmos desses conhecimentos, pois tratamos de forma muito direta com os conteúdos cul-
turais do lazer (notadamente o físico-esportivo, mas não apenas ele).
Isso requer a compreensão de que o lazer pode educar e ser educado. Ou ainda, podemos
falar de uma educação para e pelo lazer. A educação pelo lazer (ou seja, lazer como veículo de
educação), diz respeito ao potencial que as práticas de lazer têm em desenvolver a formação dos
sujeitos, desenvolvendo seu espírito crítico, sua participação social e o seu arcabouço de conhe-
cimento, advindos das experiências vivenciadas no tempo disponível. Mas, para isso, é necessá-
rio que as pessoas recebam uma educação “para” o lazer.
A educação para o lazer (ou seja, lazer como objeto de educação) diz da necessidade de cons-
trução de um processo educativo, tendo como alvo e/ou objeto o lazer, seus sentidos e significa-
dos. Dito de outra forma, o lazer como meta pedagógica, alvo deliberado de uma intenção dis-
cursiva/reflexiva, um investimento intencional e planejado na educação dos gostos (pela vivência
prática) e no conhecimento acerca do fenômeno (pelo viés teórico). A escola e todos os seus atores
podem (e devem) assumir essa educação. O professor de Educação Física, ao receber em sua for-
mação essa bagagem (in)formativa, deve canalizar uma proposta pedagógica de educação para o
lazer na escola, envolvendo os seus pares no planejamento e execução desta intervenção. Por se
tratar de um conhecimento multidisciplinar, o lazer permite a criação de muitos canais de diálogos,
o que favorece o envolvimento de todos os atores da escola.

28
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

ATIVIDADE
Terminamos este capítulo, então, oferecendo uma proposta (entre muitas possíveis) de
intervenção escolar a ser trabalhada e socializada virtualmente em fóruns de discussão, ligada
à educação para o lazer, pensamos numa divisão dos grupos de trabalho (pode ser entre uma
turma, ou entre várias turmas, dependendo da amplitude que você queira dar à intervenção, da
estrutura da escola e das pessoas envolvidas) baseada nas dimensões de interesses do lazer (lem-
bram-se dos conteúdos culturais, sobre os quais já falamos?). Nesse sentido, teríamos, então, sete
grupos de trabalho.
Cada um desses grupos (manual, artístico, físico-esportivo, intelectual, turístico, social e vir-
tual) seria provocado/estimulado a desenvolver ações na escola relacionadas ao seu conteúdo. A
seguir, na nossa proposta, apresentamos uma ideia para ser abordada por cada turma:
Manual: A construção de uma horta comunitária ou de um jardim suspenso (com garrafas
pet), que deveria ser mantido durante o ano pelo grupo. Para este trabalho, poderia ser convida-
do um jardineiro, que iria orientar o início das atividades, até que a turma tivesse autonomia de
prosseguir com a manutenção da horta/jardim.
Artístico: A criação de um grupo de teatro escolar. Com o auxílio do professor de artes da
escola, o grupo poderia organizar a formação de um grupo de teatro, se responsabilizando pela
organização do espaço, convite aos alunos interessados, levantamento de material para as peças
(junto à comunidade, por exemplo).
Físico-Esportivo: A organização de um Festival de Jogos de Rua. Este grupo poderia ser in-
citado, com o auxílio do professor de Educação Física, a pesquisar os jogos de rua que eram pra-
ticados em tempos outros. A partir deste levantamento, o grupo repassaria estes jogos (regras,
material, espaço) para os outros alunos. Ao final do processo, poderia se montar um Festival, or-
ganizando equipes para participar do evento.
Intelectual: A criação de um jornal da escola. Este grupo teria que organizar um jornal da
escola, com o auxílio do professor de Português, por exemplo, coletando as informações rele-
vantes do cotidiano escolar, fazendo entrevistas, criando espaços culturais no jornalzinho, etc.
Poderia se pensar numa edição mensal, que deveria ser trabalhada de forma interdisciplinar nos
demais conteúdos escolares.
Turístico: Este grupo seria responsável pela organização de excursões escolares. Juntamente
com a direção da escola, o grupo poderia pensar em locais (na própria cidade ou mesmo outras
localidades) para a visitação dos demais alunos. Cada excursão poderia ser um momento propício
para a reflexão debate de muitos conteúdos escolares, notadamente Geografia e História.
Social: Organização de uma festa da escola. Este grupo seria responsável pela coordenação
e montagem de uma festa escolar. Poderia ser uma festa tematizada, articulada com contextos
que possam ser explorados, como uma “Festa Mineira”, com temáticas (roupas, comidas, músicas)
que estivessem conectadas à mineiridade.
Virtual: Criação de um site/blog. Este grupo seria responsável pela elaboração e manuten-
ção de um site ou blog da escola, que pudesse reverberar as ações desenvolvidas pelos demais
grupos da intervenção. Poderiam ser criados espaços virtuais para sugestão, opinião e publiciza-
ção do Projeto, se configurando em um espaço virtual de trocas e intercâmbio entre os sujeitos
da escola.
Viram só as possibilidades? E como o lazer pode ser trabalhado numa proposta de educa-
ção. Esta não é uma receita pronta e acabada. Portanto, como sugestão de atividade para este
capítulo, a turma será dividida em sete (a partir dos conteúdos), e cada um deverá elaborar uma
proposta diferente da que foi aqui apresentada. Ao final, as equipes devem trocar as experiências
e montar uma intervenção por completo. O material deve ser postado no fórum de discussão.

Referências
ALVES, Vânia F. N. Cultura. In: GOMES, Christianne Luce. (Org.). Dicionário Crítico do Lazer. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.

CAMARGO, Luiz Otávio de Lima. O que é lazer? São Paulo: Brasiliense, 2003.

CHAUÍ, M. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasi-
liense, 1996.

29
UAB/Unimontes - 5º Período

DE CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

DUMAZEDIER, Joffre. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SESC, 1980.

GOMES, Christianne Luce.(Org.). Dicionário Crítico do Lazer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

GOMES, Ana Maria; FARIA, Eliene. Lazer e diversidade cultural. Brasília: SESI/DN, 2005.

MARCELLINO, N. C. Lazer, Cultura e Educação. In: WERNECK, Christianne L.C. et al (Orgs.). Cole-
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MARCELLINO, N.C. Lazer e humanização. 3. ed. Campinas: Papirus, 2000.

SANTIN, Silvino. Diversidade Cultural no Lazer: exclusões e marginalidades. In: WERNECK, Chris-
tianne L.C. et al (Orgs.). Coletânea do IX ENAREL – Encontro Nacional de Recreação e Lazer.
Belo Horizonte: UFMG/EEF/CELAR, 1997.

SCHWARTZ, Gisele Maria. O conteúdo virtual: contemporizando Dumazedier. Licere, Belo Hori-
zonte, v.2, n.6, p. 23-31, 2003.

WERNECK, Christianne L.C. Recreação e Lazer: apontamentos históricos sobre os saberes cons-
truídos e possibilidades de encaminhamento no contexto da Educação Física. In: WERNECK, Ch-
ristianne L. C.; ISAYAMA, Hélder F. Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte: Autênti-
ca, 2003.

30
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Unidade 3
O Lúdico e o Jogo: Conceitos e
Contextos
Georgino Jorge de Souza Neto
Rogério Othon Teixeira Alves
Sarah Teixeira Soutto Mayor

3.1 Introdução
Nesta unidade tencionamos apresentar o lúdico e o jogo e suas relações com a dinâmica so-
cial, bem como sua inserção no contexto escolar. Vocês já pararam para pensar como o jogo é algo
sempre presente em nossas vidas, nas suas mais variadas possibilidades? Pois bem, vamos conver-
sar um pouco mais sobre este importante fenômeno e seu impacto no cotidiano das pessoas.

3.2 Uma Conversa Sobre o Lúdico


e Jogo
Seguindo a lógica de que é necessário recorrermos ao passado para compreendermos o ob-
jeto no momento presente, pensar o jogo no processo que lhe dá origem torna-se fundamental.
Se perguntarmos desde quando o jogo existe, é natural que boa parte das pessoas considere
como a opção mais correta e coerente, “desde que o homem existe”. Para o filósofo Johan Huizin-
ga, que escreveu o clássico livro “Homo Ludens”, o jogo precede a própria humanidade e indepen-
dente da cultura humana na concepção da sua gênese. Para esse autor:

O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições me-
nos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; [...] é-nos possível afirmar
com segurança que a civilização humana não acrescentou característica essen-
cial alguma à ideia geral do jogo (HUIZINGA, 2004, p. 3).

À parte essa percepção apontada por Huizinga, não podemos deixar de creditar a evolução
histórica do jogo e suas variantes à evolução do próprio homem, como elemento da cultura hu-
mana que influencia o indivíduo, mas que também é por ele absorvido e ressignificado.
Assim, historicamente, podemos dizer que as primeiras noções de jogo são percebidas na
sociedade helênica, na Grécia Antiga, que acreditava firmemente no propósito de que o jogo era
condição imprescindível para alcance do estado elevado do espírito e, por essa mesma razão,
restringia-se a uma elite, que ocupava boa parte de seu tempo no desenvolvimento físico e espi-
ritual por virtude dos jogos (daí a inspiração para os Jogos Olímpicos).

◄ Figura 14: A Olímpiada


da antiga Grécia
demonstra a relação do
homem com o jogar.
Fonte: ALVES (2013, p.15).

31
UAB/Unimontes - 5º Período

No período seguinte da humanidade, equivalente a dez séculos de obscurantismo determi-


nado pela Igreja Católica, o jogo e o prazer dele advindo, que aguçaria o caráter lúdico, são nega-
dos a ferro e fogo com o argumento convincente de que toda e qualquer fonte de prazer deveria
ser banida do espírito humano, pois esta impediria a elevação da alma a Deus. É interessante res-
saltar que apenas os jogos das festas religiosas eram permitidos, desde que realizados como rito
de adoração ao Senhor.

Figura 15: Encenação de ►


uma Justa, jogo marcial
da Idade Média.
Fonte: Disponível em
<https://pt.wikipedia.org/
wiki/Justa_(desporto)#/
media/File:Jousting_ren-
fair.jpg>. Acesso em 14 jun.
2015.

A partir do desenvolvimento social burguês e, consequentemente, do capitalismo, com o


seu auge marcado pela Revolução Industrial, o jogo e o jogar assumem funções fortemente li-
gadas à lógica da produção e do consumo, identificado como mero produto, em detrimento do
processo que lhe dá origem. Na atualidade, percebemos a relação que o jogo estabelece com
várias áreas do conhecimento humano, que tentam reduzi-lo a um simples objeto de estudo,
sem considerar as enormes possibilidades contextuais que a prática do jogo oferece. Para Caillois
apud Kishimoto:

A heterogeneidade dos elementos estudados sob o nome de jogo é tão grande,


que se é levado a supor que a palavra jogo não passa de um mero ardil que, pela
sua enganadora generalidade, alimenta ilusões da suposta familiaridade de con-
dutas diversificadas (CAOLLOIS apud KISHIMOTO, 1990, p.187).

Figura 16: As ►
Olimpíadas da
modernidade e sua
relação mercadológica
Fonte: Disponível em
<http://www.historiazine.
com/wordpress/wp-con-
tent/uploads/2011/09/bolt.
jpg>. Acesso em 13 jun.
2015.

De fato, pela amplitude significativa de elementos que se inter-relacionam, demarcar o ter-


ritório de análise do fenômeno jogo é tarefa das mais árduas, e temos certeza que essa proposta
não se esgotará nesta unidade; o que nos interessa de fato é a possibilidade de fornecer uma
base de dados conceituais que ampliem (e não esgotem) a discussão, implementadas numa
perspectiva dialética no plano sociocultural.
Cabem aqui, então, alguns importantes questionamentos: Quem joga? Por que joga? Como
joga? Onde joga? Evidenciar o sujeito social que joga, as suas diversas motivações para o ato do
jogo, as estratégias implementadas e os espaços utilizados para a prática do jogar é inevitavel-
mente necessário para a contextualização sobre a qual nos debruçamos. Mas não podemos ser
ingênuos a ponto de acreditar que respostas fechadas, como um receituário, contemplem as

32
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

questões. Essa perspectiva reducionista é verdadeiramente danosa e gera equívocos contumazes DICA
à interpretação do problema. No dizer de Freire: A dialética pode ser
descrita como a arte do
Atraído por tantos estudos realizados a respeito do jogo selecionei alguns deles diálogo. Uma discussão
e me surpreendi com o esforço de vários autores que tentavam caracterizar o na qual há contraposi-
fenômeno lúdico inventariando suas manifestações mais típicas. Por mais que ção deideias, onde uma
levantassem ocorrências não chegavam ao fim. Essa forma positivista de estudar tese é defendida e con-
o problema mais o oculta que o revela. Passamos séculos desde a inauguração tradita logo em seguida;
da ciência moderna fragmentando cada fenômeno para tentar compreendê-lo a uma espécie de debate.
partir do estudo de suas partes. Ao juntá-las, o conjunto frustra-nos. O fenômeno Sendo ao mesmo
humano, como a natureza de modo geral, é complexo e não pode ter soluções tempo, uma discussão
simplistas. Porém, ter olhos para a complexidade exige bem mais que certo es- onde é possível divisar e
forço de mudança. Somente a ruptura com paradigmas clássicos e o surgimento defender com clareza os
de outros que os substituam, pode permitir aos pesquisadores enxergar o mun- conceitos envolvidos.
do, talvez como seja de fato (FREIRE, 2002, p.7).

Os questionamentos colocados anteriormente apontam uma questão central, não sendo


possível remeter essa análise de forma isolada do todo social. Estudar o sujeito desvinculado de
suas intencionalidades conduz a uma resposta insipiente e vazia; estudar a caracterização do
jogo não amarrado como o espaço em que ele ocorre é igualmente improdutivo.
Sujeito e ação (indivíduo e jogo) se intrincam de tal forma que é simplesmente impossível a
dissociação dos elementos, entendidos e interpretados à luz de um espaço cultural de dinâmicas
sociais que se interagem. Assim, quando enxergamos uma criança jogando, deveríamos ver para
além da criança jogando. Tanto a criança como o jogo são determinados por uma lógica social na
qual estão inseridos; certamente, a criança que brinca no interior é bastante diferente da criança
que brinca em uma cidade maior. Provavelmente também se diferenciam em forma e conteúdo
os jogos presentes nos dois espaços.
Apontei aqui apenas a título de exemplo a questão da cidade grande ou do interior. Para
cada proposição alteram-se lógicas e modelos. Podemos falar de idosos, mulheres, ricos, pobres,
católicos, protestantes, negros (com relação a indivíduos); condomínios, espaços públicos, clubes
(com relação a espaços). Para cada uma dessas categorias, o sentido do jogo e do jogar se alte-
ram. E ainda cabe a análise baseada no aspecto tempo, ou seja, o jogar de ontem se diferencia do
jogar de hoje e certamente irá se diferenciar do jogar de amanhã. Vejam a incrível complexidade
e a amplitude desse fenômeno.
Sobre esta perspectiva, refugiamo-nos novamente em Freire, que alerta:

Resta, portanto, buscar o significado do jogo, não mais na caracterização infin-


dável de partes que o compõem, mas sim na identificação dos contextos em
que ocorre. Seguramente há um nicho... que acolhe o jogo e lhe manifestar-se, o
único ao qual ele se adapta. É nesse ambiente que temos de penetrar para tentar
entender o fenômeno do jogo (FREIRE, 2002, p.58).

Apesar das inevitáveis tentativas de interpretação, cabe o estabelecimento de um consenso


em torno de algumas evidencias básicassobre a compreensão acerca do jogo. Nesse sentido, po-
demos apontar, de acordo com Sobral (SOBRAL, 2004):
• O jogo é uma atividade dominante na criança, e ao mesmo tempo, um fator e um indicador de
seu desenvolvimento global, isto é, tanto do ponto de vista físico como cognitivo e social.
• O jogo é um fenômeno universal presente em todos os grupos humanos, independente-
mente de seu grau de instrução ou riqueza.
• O patrimônio lúdico de uma população reveste uma natureza cultural, não podendo ser en-
tendido fora do respectivo sistema de valores, crenças, representações e organização social.
• Em todas as populações, a presença dos jogos não se confina a um estrato etário, pois en-
contramos sua prática alargada, como variantes específicas, a todos os seus membros, sem
distinção de idade ou de gênero.
Podemos também pensar o jogo como estratégia e/ou ferramenta pedagógica. Nesse senti-
do, vale ressaltar algumas questões pertinentes e necessárias à percepção da relação Jogo x Edu-
cação: O que ensinamos? Para quem ensinamos? Por que ensinamos? Qual modelo de sociedade
minhas intenções pedagógicas perseguem?
O educador, por natureza, por definição e por princípio, não pode se furtar à responsabilida-
de de (co)operar na formação do sujeito-aprendiz, do outro que se entrega à fascinante jornada
de construção do saber.
É possível afirmarmos, não sem sermos redundantes, que existe no ato de jogar uma série
de possibilidades pedagógicas inseridas, desde o simples conhecimento das regras do jogo até
33
UAB/Unimontes - 5º Período

a complexa tarefa de uma execução sequenciada de gestos, sincronizada com todo um contexto
que, de forma singular, cada jogo, em cada momento, exige. Rizzi e Haydt (1987, p.13) percebem
o jogo como “uma atividade que tem valor intrínseco”. Para Leif e Brunelle (1978, p.11), “jogar
educa, assim como viver educa: sempre sobra alguma coisa”.
O que importa, de fato, é entendermos onde reside o potencial pedagógico do jogo, e este
reside na vivência lúdica. Se as experiências prazerosas são eternas, podemos dizer, analogamen-
te, que as aprendizagens prazerosas são eternas.
É inegável o valor da contribuição do jogo e do lúdico no processo ensino-aprendizagem.
Mas então como explicar a resistência da escola, de modo geral, em aceitar a ideia de aprender
com prazer? A escola ainda se refugia em explicações de ordem duvidosa, como aponta o estu-
dioso Gilles Brougère, citado por Freire (2002, p.79), que entendia: “Se o jogo se opõe à seriedade,
dificilmente pode, enquanto tal, recobrir um valor ou uma intenção educativa. Ele vai se distin-
guir tanto da seriedade quanto da educação, que dizem respeito ao mesmo domínio.”
Suponhamos, hipoteticamente, o resultado de uma pesquisa realizada em um sem-núme-
ro de escolas, da qual participaram um sem-número de alunos; estes, quando indagados sobre
qual disciplina nutriam mais gosto, apontavam, sem titubear, a Educação Física, disciplina que,
a priori, detém a legitimidade ou a concessão do uso do jogo na escola. Nas últimas posições,
destacavam-se, não de forma honrosa, a Matemática e o Português. Porém, outra pergunta feita
aos mesmos alunos, denunciava o inusitado equívoco: quando questionados sobre qual a dis-
ciplina mais importante na escola, o dado literalmente virava de ponta a cabeça: Matemática e
Português subiam à lista, enquanto a Educação Física despencava para a rabeira. Diante do fato,
questionamos: não estaria nessa pesquisa a chave do segredo para a Educação? No dia em que
formos capazes de tornar a Educação Física, além de prazerosa, importante; e se, nesse mesmo
dia, tornarmos a Matemática e o Português, além de importantes, prazerosos, aí talvez, somente
talvez, teríamos mais chance de êxito na tarefa de educar.
Kishimoto nos lembra que a escola e a educação se esqueceram que o corpo é o primeiro
brinquedo:

Não só na perspectiva de jogo de exercício, mas representação de brincadeiras


pelo movimento. Rodar como pião, cantando parlendas e músicas que falam
sobre alegria de rodopiar, expressa o prazer anunciado por Caillois (1967) apud
Kishimoto (2001), no ato da vertigem. Unir a representação pelo gesto à da pa-
lavra cantada e recriada é ser criança, é deixar que o corpo se una ao lúdico e
expresse os códigos da cultura em que a criança vive (KISHIMOTO, 2001, p. 9-10).

Outra noção equivocada do sentido do jogo na educação é o de amenizador das agruras


inevitáveis do processo de aprendizagem. O potencial pedagógico do jogo não deve ser circuns-
crito a essa visão reducionista, que limita e aprisiona o ato de jogar em simples possibilidade de
bônus ou prêmio. No dizer de Freire, “o caráter educativo do jogo é algo que está presente nele,
é parte constituinte dele e não um valor agregado apenas para tornar suave a aprendizagem”
(FREIRE, 2002, p. 85).
No status quo definido e instaurado nas escolas, o prazer e o lúdico, expoentes resultantes
da ação do jogo, são terminantemente cerceados, à custa de uma formação que mais aleija que
constrói. Como justificar a lógica mecanicista, que tortura crianças e jovens, obrigando-os a con-
viverem forçosamente em um ambiente nada agradável, por vezes hostil? Bruner (1996) afirma
que a escola fechou as portas para a cultura, tirou as brincadeiras, privilegiou o conhecimento
sistematizado. Para Biarnés:

Surge a violência simbólica, na forma de organizar o ambiente da escola, com as


salas abarrotadas de mesas e cadeiras, no quadro para reprodução da escrita, em
armários que impedem a autonomia e a escolha de materiais, repetição de mo-
nótonos exercícios motores ou na proibição da motricidade inerente às crianças
(BIARNÉS, 1999, p. 49).

Para lembrar novamente Rubem Alves (1998, p.118), “as crianças nascem pipocas arreben-
tadas: estão abertas à infinita variedade do mundo. Mas há sempre o perigo de que, depois de
‘formadas’, elas se tornem piruás.”
É nesse contexto que propomos uma pequena revolução. Uma revolução que, sendo menor,
pretenda-se permanente e cotidiana. E, sendo assim, inauguremos o bom combate, travado nas trin-
cheiras minadas que a escola apresenta. Mas que, enfim, seja fundamentalmente uma revolução que
acredite na beleza e na força do lúdico, do prazer e do jogo na formação do caráter do indivíduo.

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Referências
ALVES, Rogério Othon Teixeira. História da Educação Física e dos Esportes. Montes Claros: Uni-
montes, 2013.

ALVES, Rubem. Concerto para o corpo e alma. Campinas: Papirus, Speculum, 1998.

BIARNÉS, J. Universalité.diversi.sujetdanl’espacepedagogique. Paris: Harnattan, 1999.

BRUNER, J.S. L’educacionentréedanslaculturi: les problemes de l’edole de lapsychologiecultu-


relle. Trad. Yves Bonin. Paris: Retiz, 1996.

FREIRE, João Batista. O jogo: entre o riso e o choro. Campinas: Autores Associados, 2002.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. A LDB e as instituições de educação infantil: desafios e perspecti-


vas. Revista Paulista de Educação Física. São Paulo: supl. 4, 2001, p. 7-14.

LEIF, Joseph; BRUNELLE, Lucien. O jogo pelo jogo. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

MACEDO, L.; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C Os Jogos e o Lúdico na Aprendizagem Escolar. Porto
Alegre: Artmed, 2005.

RIZZI, Leonor; HAYDT, Regina Célia Cazaux. Atividades lúdicas na educação da criança: subsí-
dios práticos para o trabalho na pré-escola e nas séries iniciais do 1º grau. São Paulo: Ática, 1987.

SOBRAL, F. Desporto Infanto-Juvenil: Prontidão e Talento. Lisboa: Livros Horizonte, 2004.

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Unidade 4
Sugestão de Atividades Práticas
Georgino Jorge de Souza Neto
Rogério Othon Teixeira Alves
Sarah Teixeira Soutto Mayor

4.1 Introdução
Na quarta parte do nosso Caderno Didático, apresentamos um repertório de atividades lúdi-
cas, entendido como propostas a serem reconstruídas e ressignificadas permanentemente, com
o intuito de enriquecer a prática e a intervenção profissional de professores e animadores cultu-
rais, entre outros. Toda essa unidade está baseada no livro “O jogo e o jogar: referências do lúdico
no cotidiano”, de autoria de Georgino Jorge de Souza Neto (SOUZA NETO, 2006).
Nessa abordagem prática, os jogos e as brincadeiras são divididos em duas seções: uma primei-
ra seção, denominada “Jogando o jogo”, em que a atividade é apresentada ao leitor, explicitando o
seu desenvolvimento, regras de participação, disposição de participantes, em suma, todos os aspec-
tos estruturais do jogo, ou ainda, como se joga o jogo. Em outra seção, intitulada “Refletindo o jogo”,
propomos uma discussão das possibilidades e das particularidades que cada jogo apresenta. Varia-
ções, elementos motores e cognitivos e aspectos sociais também são explorados nesta seção.
Esperamos que essas propostas possam contribuir para uma intervenção mais qualificada e
crítica, pautada no comprometimento da prática profissional, mola propulsora para transforma-
ções sociais necessárias e prementes.
Finalmente, entendemos que este rol de atividades não é e nunca será suficientemente ca-
paz de implementar tais mudanças. Mas que seja um chamamento, que incite o potencial crítico-
criativo do futuro professor, promovendo o desdobramento dos jogos, alterados e redimensiona-
dos de acordo com a realidade de cada contexto apresentado.

4.2 Atividades Propostas


4.2.1 Alfândega

Jogando o jogo
Disponha os participantes sentados em um círculo. Explique que um código foi criado para
se passar na alfândega, e que somente você possui este código. O objetivo do jogo é, por meio
de tentativas e erros, descobrir o código. Existe uma expressão-chave, que deverá ser dita por
todos, que é “Fui a (nome de um lugar) e levei (código)”. Se o participante acertar o código, ele
“passa”; se errar terá que tentar de novo, na próxima rodada. O código poderá ser qualquer coisa,
como “palavras na ordem alfabética que tenham duas sílabas” (arroz, bola, carro, dado, etc.). À
medida que os participantes completem uma rodada, o animador poderá dar uma pista, para
auxiliar o grupo a descobrir o código. É fundamental enfatizar que, uma vez descoberto o có-
digo, ele não seja revelado para os outros participantes, para se manter o grau de entusiasmo e
interesse no jogo.
Refletindo o jogo
Jogo de extremo raciocínio. Como o código pode ser qualquer coisa, é essencial adequá-lo
ao grupo de trabalho, variando-o sempre. Permita que os participantes também criem códigos,
aumentando o grau de participação e envolvimento. Ótima atividade “quebra-gelo”, ou ainda,
como “volta à calma”. Exercite a sua criatividade, elaborando códigos atrativos e interessantes.

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UAB/Unimontes - 5º Período

4.2.2 Bola Fora

Jogando o jogo
Disponha os participantes em um círculo, em pé e com as pernas abertas. No centro, um jo-
gador com uma bola, deverá chutá-la, tentando passar a bola por entre as pernas de um compa-
nheiro de círculo. Por sua vez, os integrantes do círculo não poderão fechar as pernas para impe-
dir a passagem da bola, porém o poderão fazer com as mãos. Quem deixar a bola passar, deverá
ocupar o lugar de quem estava no centro.
Refletindo o jogo
Podemos perceber que este é um jogo onde a noção de força e direção deve ser trabalhada,
para evitar que algum participante se machuque. Para isso, discuta com os participantes a com-
preensão clara das regras e as consequências da não obediência das mesmas. Acidentes podem
acontecer e lidar com eles também é necessário e importante, sempre abrindo espaço para que
o grupo opine. Num primeiro momento, ou com um grupo adaptado, a bola poderá ser lançada
com as mãos. Para aumentar o grau de motivação, trabalhe com duas ou mais pessoas ao centro,
com duas ou mais bolas.

4.2.3 Campo Minado

Jogando o jogo
Demarque no espaço de jogo uma área específica. Nessa área demarcada, prenda balões
(bexigas) cheios no chão, deixando o mínimo de espaço livre. Forme dois grupos, que ficarão em
lados opostos à área “minada”. Ao sinal do animador, um representante de cada grupo deverá
atravessar o campo minado. Quem atravessar primeiro, sem estourar nenhum balão, pontua para
sua equipe. O jogo acaba quando todos cruzarem o campo minado, somando-se a pontuação
total para determinar o grupo vencedor.
Refletindo o jogo
Este é um jogo que alia velocidade à noção espaciotemporal. Estratégias elaboradas pelos
grupos evidenciam o componente cognitivo, exercitando o raciocínio em conjunto. Inaugure
uma discussão acerca das guerras e de como os campos minados são utilizados como estratégias
cruéis (toda estratégia de guerra é cruel) para vencer o inimigo.

4.2.4 Coelhinho Sai da Toca

Jogando o jogo
Selecione trios entre o grupo de participantes. Dois integrantes formarão a “toca”, e o outro
será o “coelhinho”. Um participante ficará de fora, representando o coelhinho sem toca. Ao co-
mando do animador, que gritará “coelhinho sai da toca”, todos os coelhinhos terão que sair da
sua toca e entrar em outra, momento em que o coelhinho que estava sem toca tentará encontrar
a sua (no caso, uma toca vazia para que ele possa entrar). Um novo coelhinho (ou o mesmo) fica-
rá sem toca, até que um novo comando seja dado, repetindo-se a brincadeira.
Refletindo o jogo
Este é um jogo tradicional da cultura lúdica brasileira. Porém resgatamo-lo aqui para explorar
as outras possibilidades de jogar que a atividade oferece, a partir da sua forma original. Primeira-
mente, notamos que a dupla que representa a toca participa pouco do jogo. Esta questão poderia
ser resolvida trocando-se os papéis da brincadeira; contudo, podemos sugerir que a toca também
participe do jogo, com um novo comando sendo dado de “toca procura coelhinho”, onde as tocas
saem, de mãos dadas, até encontrar um novo coelhinho. Para tal, será necessário que, ao iniciar-
mos a brincadeira, elejamos dois coelhinhos sem toca. Se o comando for “coelhinho sai da toca”, os
dois coelhinhos correm normalmente, cada um atrás da sua toca, ficando sempre dois coelhinhos
de fora. Mas, se o comando for “toca procura coelhinho”, aí os dois coelhinhos se transformam em
toca e saem atrás do seu coelhinho. Outra variação interessante pode ser implementada, utilizan-
do-se outros comandos para a brincadeira. Podemos usar, por exemplo, par e ímpar (par o coe-
lhinho sai da toca e ímpar a toca procura o coelhinho), ou capitais e estados, e assim por diante,
dependendo basicamente da sua criatividade para tornar o jogo ainda mais atraente.

38
Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

4.2.5 Contando Histórias

Jogando o jogo
Reúna os participantes de maneira que todos fiquem próximos uns dos outros. Estabeleça
uma ordem de participação. Comece contando uma história qualquer (de preferência uma his-
tória inventada). Pare a história em um ponto e solicite que o próximo a continue. A história vai
sendo coletivamente construída, até que o animador possibilite a participação de todos.
Refletindo o jogo
Atividade que aperfeiçoa o desenvolvimento da criatividade e do raciocínio. Exercita o cará-
ter cooperativo e a noção de coletividade. Enriqueça a brincadeira, trazendo objetos que, ao se-
rem mostrados, deverão fazer parte da história. Você também pode registrar a história para pos-
teriormente apresentá-la ao grupo (ainda que a história seja “sem pé nem cabeça”). Lance mão
de temáticas para nortear a construção da história, adequando os temas ao perfil do grupo de
trabalho. Lembre-se de que você deve ser o mediador, permitindo sempre que a expressão da
criatividade prevaleça.

4.2.6 Contando História I (Chapeuzinho Vermelho)

Jogando o jogo
No espaço de jogo, divida os participantes em duplas, sentados no chão, um de frente para
o outro. No centro de cada dupla, posicione um lápis (ou caneta), transversalmente. O anima-
dor então explicará que, cada vez que a palavra “vermelho” for dita, o lápis deverá ser apanhado.
Quem apanhar o lápis primeiro marcará um ponto. Porém, quem apanhar o lápis sem que a pala-
vra “vermelho seja dita, perderá um ponto. A seguir, então, o animador contará a história de Cha-
peuzinho Vermelho, devendo eventualmente substituir a palavra “vermelho por verde” ou outras
cores, ou ainda outras palavras iniciadas com a sílaba “ver”.
Refletindo o jogo
Embora esse jogo trabalhe om uma historinha infantil, pode ser aplicado a todas as faixas
etárias com um ótimo grau de animação. Desenvolve a atenção e a velocidade de reação, solici-
tando elementos como recepção visual e auditiva. Perceba a lateralidade dos membros superio-
res no ato de apanhar o lápis. Esta atividade também é interessante para situações “quebra-gelo”,
em um primeiro contato de trabalho com quaisquer grupos. Outras histórias podem e devem ser
criadas, explorando sempre o potencial lúdico presente em cada uma delas.

4.2.7 Contando Histórias II (O Tubarão)

Jogando o jogo
Delimite no espaço de jogo três áreas específicas: uma área menor (do tubarão), uma área
intermediária (do mar) e outra maior (onde ficarão as ilhas). Eleja um participante para ser o tu-
barão, colocando-o na área especificada. Crie “ilhas”, colocando arcos (ou desenhando círculos
no chão), e espalhe-as na área própria das ilhas. Os demais participantes deverão ir para o mar,
“nadando” livremente. O animador então passa a contar uma história, esclarecendo, porém, que
toda vez que a palavra tubarão for dita, os participantes deverão sair do mar e correr para uma
das ilhas, onde estarão a salvo do tubarão, que tentará pegar um participante. Quem for pego,
ocupará o lugar do tubarão.
Refletindo o jogo
Se você está esperando uma história pronta para contar, desculpe decepcioná-lo(a). Crie
uma história, fazendo com que as palavras que comecem foneticamente com a sílaba “TU”, como
tulipa, tutu, turrão, tomate (“tumate”), Túlio e outras, sejam utilizadas, para manter o grau de
atenção. É interessante também que, na sua história, as ilhas sejam extintas (por um Tsunami ou
coisa parecida) diminuindo o número de ilhas existentes. Esclareça que mais de um participante
poderá entrar em uma mesma ilha, desde que estejam com os pés totalmente dentro dela. Outra
forma de variação possível seria aumentar o número de tubarões, fazendo com que o “apanhado”
seja mais um tubarão. Esta brincadeira oferece uma gama de possibilidades de trabalho incrível.
Explore-a, adaptando a sua utilização ao contexto, à faixa etária e aos objetivos propostos.

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UAB/Unimontes - 5º Período

4.2.8 Corrida com Bastões

Jogando o jogo
Divida o grupo em duas ou mais equipes. Cada equipe deverá ter três bastões. Demarque
uma linha de partida e outra de retorno no espaço de jogo. Disponha os participantes em fileiras,
posicionados atrás da linha de partida. Os primeiros jogadores de cada equipe segurarão os bas-
tões de forma que um bastão fique deitado no chão, e os outros dois (um em cada mão) deverão
empurrar o bastão do chão até a linha de retorno, onde voltarão para a linha de partida, entre-
gando os bastões para o próximo jogador. Vence a equipe que terminar primeiro a tarefa.
Refletindo o jogo
Observe o piso do espaço de jogo para que ele seja o mais liso possível, sem ondulações
que possam prejudicar o desenvolvimento da brincadeira. Esse jogo também pode ser realizado
com apenas dois bastões, com o participante empurrando o bastão do chão com somente uma
das mãos. Por ser uma atividade competitiva, explore o tema da competição com o grupo, apon-
tando prós e contras do jogo competitivo.

4.2.9 Corrida Maluca

Jogando o jogo
Em uma quadra (ou outro espaço adaptado), dividimos os participantes em quatro grupos.
Cada grupo ocupará uma das extremidades da quadra, de forma que todos fiquem bem juntos.
Ao sinal do animador, todos os grupos saem, ao mesmo tempo, para ocupar o espaço que estava
na diagonal. Vence o grupo que chegar primeiro (inteiro) do outro lado.
Refletindo o jogo
Ótima atividade par desenvolvimento da percepção do corpo no espaço, ainda que à custa
de muitas trombadas. É interessante notar que, na medida em que jogam, os participantes co-
meçam a desenvolver estratégias de grupo para otimização do desempenho, atitude que eleva o
espírito de participação e envolvimento, desenvolvendo o caráter socializador. Podemos variar a
atividade, propondo que um participante seja o pegador, ficando no centro da quadra.

4.2.10 Corrida do Manequim

Jogando o jogo
Divida os participantes em duas ou mais equipes. Eleja um participante de cada equipe para
ser o “manequim”. Os demais participantes deverão estar vestidos com uma peça de roupa (um
pé de meia, uma calça de moletom, um boné, óculos, ou outras) para ser colocada no manequim
correspondente de sua equipe. Ao sinal do animador, um jogador de cada equipe por sua vez
deverá se dirigir ao manequim (que deverá permanecer estático), despir-se da peça de roupa
que está vestido e colocá-la no manequim, que em momento algum poderá auxiliá-lo. Vence a
equipe que primeiro vestir todas as peças de roupa no manequim.
Refletindo o jogo
Aproveite esta atividade e promova uma discussão sobre a “ditadura da moda”, ou como os pa-
drões do vestir são determinados e impostos socialmente. Varie o jogo, utilizando vestimentas típi-
cas (indígenas, orientais, folclóricas), podendo também discutir outras formas e contextos do vestir.

4.2.11 Corrida dos Números

Jogando o jogo
Agrupe os participantes por números. Por exemplo, um grupo correspondente ao número 1,
outro grupo correspondente ao número 2 e outro representante do número 3. Faça uma divisão
proporcional à quantidade de pessoas que participam da atividade, podendo criar quantos gru-
pos achar conveniente. Determine uma única área de segurança para todos. Inicialmente, os par-
ticipantes deverão se deslocar livremente pelo espaço de jogo (menos na área de segurança), até

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

que o animador dê um comando, gritando um dos números que representam os grupos. Todos
os integrantes pertencentes ao grupo solicitado automaticamente serão “pegadores” e os outros
“fugitivos”, que deverão correr para a área de segurança, onde não poderão ser pegos. Quem for
apanhado passará a integrar a equipe pegadora. O jogo recomeça com o animador devendo “gri-
tar” um novo número pegador a cada rodada.
Refletindo o jogo
Trabalhe a noção de “pertencimento de grupo” à medida que a atividade possibilita a troca
de equipes constantemente. Varie o jogo elaborando outras solicitações no lugar de números.
Por ser um jogo essencialmente dinâmico e motivador, explore-o em vários espaços de interven-
ção, como escolas, clubes hotéis e colônia de férias, dentre outros.

4.2.12 Dança da Garrafa

Jogando o jogo
Duas ou mais equipes, sendo que cada participante deverá estar com um pedaço de bar-
bante preso à cintura, com a outra extremidade do barbante amarrado a um lápis ou caneta, for-
mando um pequeno rabo. Para cada grupo, corresponderá uma garrafa, que deverá ficar a uma
distância determinada pelo animador, frontalmente. Dado o sinal de partida, um participante de
cada grupo deverá ir até a garrafa e, sem o auxílio das mãos, colocará o lápis dentro da garrafa.
Assim que conseguir, ele retornará ao seu grupo, devendo o próximo executar a tarefa, até que
todos tenham feito. Vence quem terminar primeiro (embora isto seja o que menos interessa!).
Refletindo o jogo
Ótima atividade para desenvolver coordenação motora, ritmo e noção de espaço. Tente perce-
ber cada um destes elementos na brincadeira. Por se executar um movimento semelhante ao “re-
bolar”, explore a questão de gênero numa sociedade em que “homem que é homem não rebola”.

4.2.13 Descubra o Apito

Jogando o jogo
Disponha os participantes em círculos, sentados. O animador deverá eleger um participante
para sair do círculo. Neste momento, o animador mostra ao grupo que tem um apito preso à sua
cintura, como um pequeno rabo, e que cada instante um elemento diferente deverá apitar, fa-
zendo isto da forma mais discreta possível. O animador então chama o participante que ficou de
fora e solicita que ele descubra “com quem está o apito”. O animador deve ter cuidado para nun-
ca ficar de costas para o participante, e também deve ser muito cauteloso ao se aproximar de um
dos integrantes do círculo, sempre dificultando a percepção de quem está tentando descobrir o
“dono do apito”.
Refletindo o jogo
Ótimo jogo de animação. Explora a percepção auditiva e pode ser utilizado em vários con-
textos e espaços. Lembre-se que é muito importante que a solicitação seja descobrir “quem está
com o apito” e não “quem está apitando”, para não dar margem a justas reclamações. Você só não
poderá repetir este jogo com o mesmo grupo, por razões óbvias, não é mesmo?

4.2.14 Formando Grupos

Jogando o jogo
Com os participantes espalhados pelo espaço de jogo, andando aleatoriamente. O anima-
dor deverá gritar comandos para que as pessoas se agrupem. Por exemplo, “quem possui a mes-
ma inicial do nome” ou “múltiplo de três”. O grupo que se formar primeiro pontua.
Refletindo o jogo
Este é um jogo que depende fundamentalmente da criatividade do animador. Os coman-
dos que determinam os agrupamentos é que tornam a atividade atraente e motivante. Explore-a
bem, utilizando elementos interdisciplinares, se o contexto for pedagógico.

41
UAB/Unimontes - 5º Período

4.2.15 Futebol de Caranguejo (Caranguejobol)

Jogando o jogo
Divida o grupo em duas equipes, independentemente do número de participantes. Distri-
bua-os em uma quadra de futsal, deixando que isto seja feito livremente de acordo com cada
equipe. Use uma bola alternativa, de preferência de borracha e mais leve. Todos os participantes
deverão assumir a posição de “caranguejo”, com os pés e as mãos apoiados no chão, em decúbito
dorsal (de barriga para cima). Todo deslocamento somente será permitido nesta posição. O obje-
tivo é fazer o gol utilizando os pés para tocar na bola.
Refletindo o jogo
Construa as regras gerais do jogo com a participação do grupo. Defina as faltas e punições,
formas de condução, o tempo, as ações do goleiro, bem como outras particularidades. É interes-
sante que num primeiro momento, o jogo ocorra com o mínimo de regras constituídas, e, a partir
daí, o estabelecimento das regras será pautado pelas próprias percepções dos participantes. Em-
bora seja uma variação do futsal, este jogo permite a participação de um número maior de pes-
soas, assim como a possibilidade de ser jogado entre meninos e meninas conjuntamente, pois as
diferenças de força e habilidade se atenuam (se é que elas existem!).
Obs.: todo jogo pode e deve ser explorado de forma mista.

4.2.16 Futebol de Garrafa (Garrafobol)

Jogando o jogo
Espalhe os participantes pelo espaço de jogo. Cada um deverá ter uma garrafa pet (devida-
mente identificada), com água pela metade. As garrafas devem ser posicionadas pelos jogadores
pelo espaço de jogo. Depois de posicionada, a garrafa não poderá mais ser mudada de lugar. O
animador então jogará uma bola (de preferência uma bola de borracha) e os jogadores terão que
chutar a bola com o objetivo de derrubar as garrafas dos outros participantes, tendo que defen-
der a sua. Vence quem ficar com a última garrafa em pé. Quem teve a garrafa derrubada continua
participando do jogo normalmente.
Refletindo o jogo
Esta atividade pode ser trabalhada como educativo para o futebol e o futsal. Desenvolve a
noção espaciotemporal, atenção, agilidade, além de explorar o raciocínio na elaboração de estra-
tégias para se atingir o objetivo. Uma variação possível é jogar o jogo com duplas ou trios, exer-
citando o fundamento do passe. O jogo também pode ser jogado com as mãos, sendo utilizado
como educativo para o handebol. Discuta o fator de exclusão com o grupo, a partir da noção
corrente de “quem perde sai”.

4.2.17 Guerra de Bolinhas

Jogando o jogo
Em uma quadra ou outro espaço adaptado, demarque uma linha central, que divida duas
áreas de mesmo tamanho. Forme dois grupos, cada um ocupando uma metade do campo. Cada
participante terá em suas mãos uma bolinha de papel. Ao sinal do animador, todos devem lançar
as bolinhas para o campo do “inimigo”, objetivando fazer com que o outro lado tenha um maior
número de bolinhas, devendo pegar as bolinhas lançadas e devolvê-las. Somente poderão ser
apanhadas as bolinhas que estejam no campo demarcado pelo animador. Outro comando indi-
cará o “cessar fogo”. A equipe que possuir um menor número de bolinhas será a vencedora.
Refletindo o jogo
A questão mais relevante a ser explorada nesta atividade, para além das condutas motoras
e cognitivas, é a conduta moral. Percebemos que boa parte dos participantes tende a “burlar”
(um eufemismo para roubar) as regras do jogo, lançando bolinhas após o “cessar fogo”, ou ainda
retirando bolinhas do seu campo depois do sinal do animador para parar. Poderíamos solucio-
nar o problema colocando alguns “vigias” para acusar os desonestos, que seriam rigorosamen-
te punidos. Só que teríamos que fazer isto sempre; tratamos o sintoma e não a causa. Abre-se
então uma possibilidade interessante para colocarmos o tema “honestidade”, como preceito de

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

bom caráter e conduta moralmente aceita. Mais do eu discutir o ato, é pertinente discutir as mo-
tivações para o ato. Por que roubamos no jogo? O que nos leva a tal atitude? Será que o fato de
estarmos inseridos em uma dinâmica social que privilegia a competição e o ganhar não influen-
cia tais comportamentos? Aproveite este momento e faça uma análise reflexiva e crítica sobre a
questão.

4.2.18 Handebol de Sabonete

Jogando o jogo
Separe o grupo em duas equipes, independentemente do número de participantes. Colo-
que, em cada uma das extremidades do espaço de jogo, um balde com água pela metade. O
objetivo é levar o sabonete para o balde, trocando passes. A outra equipe tentará interceptar o
sabonete para levá-lo ao seu balde. É importante que o sabonete esteja sempre molhado, para
dificultar o jogo (ou torna-lo engraçado).
Refletindo o jogo
Apesar de ser uma variação do jogo handebol, não é necessário que os participantes saibam
jogá-lo. Você mesmo pode, juntamente com o grupo, determinar as regras gerais do jogo, como
por exemplo, quantos passos poderão ser dados com o sabonete na mão, limitação de contato,
o tempo e o espaço do jogo, formas de pontuação, escolha de uma área de segurança (onde não
se pode penetrar, evitando que alguém “tome conta do balde”), entre outras. É uma ótima opção
lúdica para introdução ao ensino do handebol (educativo).

4.2.19 Hóquei Rústico

Jogando o jogo
Selecione duas equipes, numerando cada um dos componentes, de forma que os números
se repitam entre uma equipe e outra. Os participantes deverão estar sentados, um grupo de fren-
te para o outro, na área mais central do espaço de jogo. Estabeleça uma distância entre as equi-
pes, onde deverão ser colocados dois bastões e um pano de chão (ou uma toalha). Defina duas
áreas opostas, marcando uma linha no chão. Cada área corresponderá a uma das equipes. Ao
sinal do animador, que chamará um número, os participantes deverão levantar-se, apanhar um
dos bastões no chão e levar, com o bastão, o pano até sua respectiva área. O outro jogador ten-
tará “tomar”o pano, utilizando apenas o bastão, para levar para a sua área de pontuação. Vence a
equipe que, ao final, estabelecer a maior soma de pontos.
Refletindo o jogo
Estabeleça algumas regras mais específicas do jogo, com participação do grupo. Defina, por
exemplo, se o bastão deve ou não estar sempre em contato com osolo, ou ainda sobre a utiliza-
ção dos pés no jogo. Varie a atividade, chamando duas duplas ao mesmo tempo (serão necessá-
rios quatro bastões), podendo trocar passes entre si até a área de pontuação. Ao final, promova
um “grande jogo”,com uma equipe jogando com a outra.

4.2.20 Jogo do Dado

Jogando o jogo
Selecione dois grupos numericamente iguais (ou proximamente iguais). Disponha os joga-
dores de forma paralela, de frente uns para os outros, no centro do espaço de jogo. Estabeleça
duas áreas de segurança (uma para cada grupo). Determine um grupo representante do “par” e
outro “ímpar”. Estando o animador no centro, o mesmo lançará um dado (feito de isopor ou pa-
pelão), com as faces contendo os números de 1 a 6. Caindo um número par, o grupo correspon-
dente fugirá (ou perseguirá – a critério do animador) do grupo ímpar e vice-versa. O grupo fugiti-
vo deverá alcançar sua respectiva área de segurança, onde estará a salvo. Quem for pego, passará
para o outro grupo.
Refletindo o jogo
Este é um jogo onde a atenção e a velocidade de reação estão presentes com maior ênfase.

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UAB/Unimontes - 5º Período

Além disto, há a ocorrência da noção espaciotemporal e do raciocínio rápido. São muitas as possi-
bilidades de variação, bastando criatividade para “inventar” dados. Por exemplo, ainda mantendo
os grupos par e ímpar, os dados podem conter em suas faces operações matemáticas não resolvi-
das. O resultado da operação determinará a ação (perseguir ou fugir). Podemos usar cores, formas,
palavras e muitas outras solicitações para variar o jogo, desde que nos atentemos para a adequa-
ção das mesmas ao grupo de participantes. Alguns comandos podem incitar reflexões do grupo,
gerando discussões e análises, como por exemplo: “objetos de rico” e “objetos de pobre”.

4.2.21 Jogo da Feira

Jogando o jogo
Disponha os participantes sentados em um círculo. Peça para que cada um diga o nome de
uma fruta, verdura ou legume que o representará na brincadeira. O animador então começa a
atividade dizendo “Fui à feira e comprei limão”. O participante que representa “limão”, responderá
“limão você não compra, você compra ____”, passando a vez para o jogador que represente a fru-
ta dita, que terá que responder prontamente.
Refletindo o jogo
Brincadeira que exercita a atenção, o raciocínio e a percepção auditiva. Ideal para se tra-
balhar como atividade de “pouco esforço físico”. Discuta com o grupo as regras do jogo eviden-
ciando os perigos da tão utilizada prenda que, no entendimento dos autores, não passa de uma
punição pra quem erra. Evite também o fator de exclusão, retirando quem erra da brincadeira.
Punição e exclusão são elementos destoantes do caráter lúdico e, portanto, devem ser evitados
nos espaços de jogos e brincadeiras.

4.2.22 Jogo da Mímica

Jogando o jogo
Divida o grupo em duas equipes. Ao comando do animador, um componente de cada gru-
po sairá correndo até o local onde estarão dispostas, no chão, bexigas vazias, com um papelzinho
dentro, contendo o nome de uma profissão. No local determinado, o participante deverá encher a
bexiga e estourá-la, sentando sobre ela; após isto, faz-se a mímica correspondente à profissão lida
para o seu respectivo grupo. Assim que alguém acertar, o participante retorna para o seu grupo,
devendo outra pessoa vir realizar a mesma tarefa. Vence o grupo que terminar primeiro.
Refletindo o jogo
Este é um jogo que atrai e envolve os participantes. Por solicitar a realização de mímicas,
desenvolve e trabalha a expressão corporal e também favorece a socialização, por exigir a cola-
boração conjunta do grupo para encontrar a solução. Aproveite para iniciar uma discussão sobre
as profissões, os papéis sociais que se relacionam com cada uma, como valoração, status e renda.
Variando a atividade, proponha outros temas para as mímicas e posterior discussão.

4.2.23 Jogo da Música

Jogando o jogo
Divida o grupo em duas equipes. Coloque em uma caixa papeizinhos dobrados, cada um
contendo uma palavra. Determine qual grupo começa o jogo, com um participante sendo cha-
mado a retirar um papelzinho da caixa. O jogador terá então que ler a palavra, tendo 1 minuto
para cantar uma música que contenha a palavra sorteada. Cada acerto equivale a um ponto para
a equipe. O jogador, não conseguindo, passa a vez para a outra equipe.
Refletindo o jogo
Brincadeira que explora a memória musical. Desenvolve a cooperação, pois exercita a par-
ticipação em um grupo, com a noção de coletividade. Estabeleça uma adequação a escolha das
palavras, proporcionando um grau de exigência satisfatório. Este jogo pode ser utilizado em vá-
rios espaços de intervenção, como gincanas, colônia de férias, acampamentos, hotéis e outros.

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

4.2.24 Jogo do Varal

Jogando o jogo
Divida os participantes em duas ou mais equipes. Para cada grupo, eleja um participante para
ser o “varal”. Os outros integrantes deverão formar uma fileira, a uma distância determinada pelo
animador. Cada componente deverá estar com um pregador de roupas. Ao sinal do animador, um
participante de cada equipe correrá até o seu varal e prenderá o pregador em qualquer parte, vol-
tando para o seu grupo. O jogo continua até que todos tenham colocado os pregadores e depois
retirá-los. O primeiro grupo que retirar o último pregador será considerado o vencedor.
Refletindo o jogo
Estafeta que apresenta uma gama de aspectos psicomotores, tais como lateralidade,
coordenação motora fina e percepção visual. Tente perceber a ocorrência de cada um destes
elementos na brincadeira. Você também pode explorar a atividade solicitando que os pre-
gadores sejam colocados apenas da cintura para baixo, ou da cintura pra cima, ou ainda, so-
mente na parte de trás ou na frente. Você ainda pode pedir que os pregadores sejam coloca-
dos com a mão não-dominante, observando a influência da lateralidade na execução de um
gesto motor.

4.2.25 Jogo da Verdade

Jogando o jogo
Esta atividade dispensa qualquer tipo de recursos materiais, bastando um espaço amplo
para ser desenvolvida. O número de participantes também não é predeterminado, observando-
se apenas a formação em duplas para a realização da brincadeira.
Primeiramente, demarcamos no espaço do jogo uma área central e duas extremidades
opostas. No centro, dispomos os participantes em duplas, sentados, voltados de costa um para
o outro. Escolhemos um grupo como representante de verdade e outro como representante de
mentira, de modo que em cada dupla um seja “verdade” e o outro “mentira”. O animador então
dirá, em alto e bom som, uma frase que permita o entendimento como sendo verdadeira ou fal-
sa. Sendo a frase verdadeira (“Cristóvão Colombo descobriu a América”), o grupo da verdade per-
segue o grupo da mentira, que foge para a extremidade delimitada à sua frente, onde não po-
derá ser pego. Caso a frase seja falsa (“A capital de Portugal é Coimbra”), será o grupo da mentira
que correrá atrás da verdade, que fugirá para a área segura. Vale ressaltar, porém, que o jogo é
jogado em duplas, ou seja, embora todos participem ao mesmo tempo, cada jogador só poderá
perseguir o seu companheiro da dupla.
Refletindo o jogo
Este é um jogo extremamente dinâmico e motivador. Porém, é interessante que as frases, ou
as solicitações, estejam adequadas ao grupo de participantes. É uma atividade que alia uma so-
licitação cognitiva a uma resposta motora, tornando-a bastante rica. Podemos implementar ain-
da, após o jogo, uma discussão sobre os conceitos de “verdade” e “mentira” e como cada termo é
explorado no cotidiano social. Outra possibilidade é a sua abordagem pedagógica, através das
frases de comando que podem ser determinadas numa abordagem multi e interdisciplinar. Uma
variação interessante é a mudança da regra, permitindo que o jogador persiga a todos do outro
grupo e não apenas à sua dupla.

4.2.26 Nunca Três

Jogando o jogo
Aqui temos uma variação de pegador. Distribua os participantes em duplas pelo espaço de
jogo, de mãos dadas. Cada dupla deverá permanecer no local, sem se movimentar. Escolha dois
participantes para iniciar a brincadeira, um sendo o pegador e o outro o fugitivo. Ao sinal do ani-
mador, o pegador tentará pegar o fugitivo que, para escapar, deverá dar a mão para uma das
pessoas de qualquer dupla. A outra pessoada dupla passará a ser o fugitivo, correndo e dando a
mão para outra dupla e assim por diante. Ao ser apanhado, o fugitivo automaticamente se trans-
forma em pegador.

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UAB/Unimontes - 5º Período

Refletindo o jogo
Atividade com muita movimentação solicitando dos participantes extrema agilidade e velo-
cidade de reação. Permita que todos tenham participado, inserindo uma variação de que a mão
só poderá ser dada para quem ainda não participou do jogo. Com esta nova regra, aumenta-se
consideravelmente o grau de atenção, já que não se poderá dar a mão para qualquer pessoa.
Varie a atividade invertendo a regra, ou seja, a pessoa “liberada” da dupla ao invés de se tornar
fugitiva, se torna pegador. O jogo se chama “nunca três” ou “nunca quatro”, com pequenas altera-
ções da forma de jogar (neste caso, em vez de duplas forma-se trios; quem entrar deverá ir para o
“meio” do trio, permitindo que o jogador que ali estava também participe).

4.2.27 Passando a Bola

Jogando o jogo
Separe o grupo em quantas equipes achar conveniente. Posicione os participantes sentados
por equipes, formando fileiras no espaço de jogo, colocando cada jogador um ao lado do outro.
O primeiro de cada equipe receberá uma bola (pequena), prendendo-a entre os pés, que não
poderão tocar o solo. Ao sinal do animador, o jogador passará a bola com os pés, até o ultimo
participante do seu grupo. A bola deverá ir e voltar. A equipe que terminar o percurso primeiro
será considerada vencedora.
Refletindo o jogo
Ótima atividade para o desenvolvimento da percepção e consciência corporal. Mostre que o
corpo é inteligente e que existem outras formas de movimento possíveis. Explore as capacidades
e potencialidades do corpo, debatendo sobre a questão.

4.2.28 Pega-Pega com Queimada

Jogando o jogo
Variação do jogo de pegador, utilizando-se uma bola de queimada (bola de meia). O pega-
dor tentará “queimar alguém” que, quando for “queimado”, passara a ser o novo pegador.
Refletindo o jogo
Jogo extremamente dinâmico, aliando duas brincadeiras tradicionais (pega-pega e queima-
da). Desenvolve uma gama de aspectos psicomotores, como noção espaciotemporal, coordena-
ção motora, velocidade, percepção corporal, agilidade, velocidade de reação, dentre outras. Ob-
serve a lateralidade de membros superiores no arremesso da bola, que tende a ser feito com o
braço dominante. Varie a atividade, colocando dois pegadores ao mesmo tempo. Outras formas
de variações são possíveis, crie uma.

4.2.29 Pega o Rabo da Cobra

Jogando o jogo
Dividimos o grupo em dois, formando duas fileiras paralelas. Cada participante deverá estar
com as mãos na cintura (ou ombros) de quem estiver à frente. A primeira pessoa da fila será con-
siderada a “cabeça” da cobra, enquanto o último será o “rabo”. Ao sinal do animador, a cabeça de
uma cobra tentará pegar o rabo da outra.
Refletindo o jogo
Apesar de ser uma atividade aparentemente simples, este jogo incita à elaboração de estra-
tégias para se atingir o objetivo forçando o raciocínio em grupo. Tente variar fazendo uma única
cobra, onde a cabeça deverá pegar o próprio rabo. Outra possibilidade seria formarmos várias
pequenas cobras (com três ou quatro elementos cada). A partir daí, elegemos uma “cobra pe-
gadora”, que tentará pegar as demais. Cada cobra apanhada deverá se unir à pegadora, sendo a
cabeça.

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

4.2.30 Pegador Pula-Pula

Jogando o jogo
Espalhe os participantes pelo espaço. Solicite que fiquem encolhidos e agachados (posição
de “prece maometana”). Escolha dois elementos, um sendo o pegador e o outro fugitivo. O pega-
dor tentará pegar o fugitivo, que para escapar, terá que saltar alguém, ficando na posição enco-
lhida e quem foi saltado deverá fugir. Quando o fugitivo for pego, tornar-se-á pegador.
Refletindo o jogo
Possibilidades de variações interessantes: utilize dois pegadores e dois fugitivos, ou dois fu-
gitivos e um pegador, ou ainda, dois pegadores e um fugitivo. Você também pode variar o jogo
fazendo uma inversão: quem foi “saltado”, ao invés de fugir, se tornará pegador. Observe como
esta atividade solicita gestos motores complexos, como corrida com salto, além de exigir uma
noção espaciotemporal bem elaborada. Analise a lateralidade de membros inferiores, perceben-
doqual o pé de apoio no momento da impulsão para o salto.

Referência
SOUZA NETO, Georgino Jorge de. O jogo e o jogar: referências do lúdico no cotidiano. Montes
Claros - MG: Unimontes, 2006.

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Resumo
Unidade1
• A importância de se reconhecer a historicidade de quaisquer práticas culturais, dentre elas,
o lazer.
• As duas mais recorrentes abordagens propostas por acadêmicos sobre a história do lazer
(desde a Antiguidade ou como experiência que é fruto da modernidade)
• As transformações históricas no reconhecimento e nas significações do lazer
• Carnaval e futebol como dois exemplos de práticas de lazer que se modificaram ao longo do
tempo por influências políticas.

Unidade 2
Lazer e sociedade: aspectos conceituais e relacionais
• Nesta unidade discutimos os usos e sentidos do fenômeno lazer na sociedade, e os impac-
tos que o mesmo tem causado no cotidiano das pessoas.
• Observamos a concepção do lazer enquanto uma manifestação da cultura humana, portan-
to dotado de sentidos e significados, (re)construídos permanentemente e historicamente
determinados.
• Discutimos que toda prática de lazer, seja ela marcada por diversos interesses, é cultural-
mente determinada. É a dimensão cultural que circunscreve o lazer na lógica social, pois é
na diversidade cultural que o homem permanentemente se constrói e se percebe.
• Sem pretender esgotar a discussão, indicamos que o lazer de fato se caracteriza como uma
das dimensões humanas, em permanente diálogo com as demais dimensões (trabalho, edu-
cação, política, economia, etc.).
• Afirmamos na unidade que a disponibilidade é uma característica marcante nas práticas do
lazer. Portanto, estar “livre” para optar como preencher este tempo disponível é condição in-
dispensável.
• Vimos que os conteúdos do lazer propostos pelo sociólogo Joffre Dumazedier são: físico,
artístico, prático, intelectual e social. Porém, aos conteúdos do lazer foram inseridos os
interesses turísticos e virtuais.
• Soubemos que o lazer corresponde a uma ação, desenvolvida no tempo disponível, a partir
de uma escolha subjetiva (determinada por uma educação de gostos), que ocorre em deter-
minados espaços e podem sofrer interferências que restringem o seu acesso.
• Falamos de lazer a partir da educação pelo lazer (ou seja, lazer como veículo de educação),
que diz respeito ao potencial que as práticas de lazer têm em desenvolver a formação dos
sujeitos. E a partir da educação para o lazer (ou seja, lazer como objeto de educação), diz da
necessidade de construção de um processo educativo, tendo como alvo e/ou objeto o lazer,
seus sentidos e significados.

Unidade 3
• A importância do lúdico e do jogo no contexto social;
• A importância do lúdico e do jogo no contexto pedagógico;
• As relações entre o lúdico, o jogo e a cultura humana.

Unidade 4
Nesta unidade foi possível apreender um conjunto de atividades práticas, situadas em um
contexto analítico-discursivo, com o intuito de promover no aluno uma apropriação mais crítica
e qualificada de conteúdos para o subsídio de intervenções pedagógicas futuras.

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

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Educação Física - Recreação e Estudos do Lazer

Atividades de
Aprendizagem - AA
1) De acordo com a leitura da Unidade 1, o que significa dizer que o lazer possui “várias histó-
rias”?

2) Sobre as versões produzidas acerca do surgimento do lazer, é CORRETO afirmar:


a) Para Sebastian de Grazia, o lazer é produto da Idade Moderna.
b) Frederic Munné defende que o lazer surgiu na Idade Média.
c) Para Marcellino, o lazer é fruto da Antiguidade Clássica.
d) Segundo Mello, o que concebemos hoje como lazer é produto das revoluções burguesas euro-
peias, em especial, a Revolução Industrial.
e) Para De Grazia e Munné, o ócio é fruto da Antiguidade, enquanto o lazer surge no período do
Renascimento.

3) Assinale V para as alternativas verdadeiras e F para as alternativas falsas.


( ) O lazer é uma categoria universal, ou seja, sua prática é igualitária em todas as regiões de um
mesmo país.
( ) A produção de um conceito de lazer se faz importante para determinar o que pode ou não
ser considerado vivência de lazer, em quaisquer circunstâncias.
( ) Dizer que o lazer é um fenômeno histórico implica reconhecer que ele é constituído em rela-
ção à cultura de um determinado lugar e que varia conforme o tempo histórico compreendido.
( ) Para pensar a história do lazer, considerar algumas variáveis culturais que se inter-relacionam
torna-se importante, tais como, gênero, classe social, etnia, escolaridade, local de moradia, den-
tre outros.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA.


a) V-V-F-F
b) V-V-F-V
c) F-F-V-V
d) V-F-V-V

4) Com base em seus conhecimentos sobre “lazer e história”, marque a alternativa CORRETA.
a) Podemos dizer que o lazer existiu até a Idade Média, período em que o grande controle exerci-
do pela igreja católica e pelos reis extinguiu todas as possibilidades lúdicas.
b) O lazer se tornou direito social no Brasil no ano de 1989 e obteve ampla repercussão no cam-
po político e social.
c) O direito ao lazer ou ao ócio já havia se consolidado no Brasil em meados do século XIX.
d) Podemos dizer que existem, atualmente, duas grandes correntes que abordam o surgimento
do lazer: a que entende que o lazer é um fenômeno que sempre existiu na humanidade e a que
defende que o lazer é um fenômeno típico da modernidade.

5) Com base na leitura da Unidade 2, como você percebe a relação entre jogo e cultura?

6) A partir do que foi apresentado na unidade 3, qual o seu entendimento sobre o jogo ser utili-
zado como estratégia de recompensa na escola?

7) Como o jogo era percebido na Grécia Antiga?


a) Como parte dos festejos religiosos.
b) Um divertimento dos escravos.
c) Parte do processo de formação da elite e distinção social.
d) Recurso para fortalecer o físico dos trabalhadores.

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UAB/Unimontes - 5º Período

8) Sobre o jogo, é CORRETO afirmar:


a) É um fenômeno universal presente em todos os grupos humanos, independentemente de seu
grau de instrução ou riqueza.
b) É uma atividade não dominante na criança.
c) É uma atividade desprovida de relações culturais.
d) É um fenômeno pertencente a apenas uma faixa etária (a fase infantil).

9) Sobre o potencial pedagógico do jogo, marque a opção INCORRETA.


a) Permite o desenvolvimento do espírito lúdico, e consequentemente auxilia no processo ensi-
no-aprendizagem.
b) Facilita o trabalho de socialização entre os alunos.
c) Pode ser uma recompensa para quem apresenta resultados satisfatórios.
d) Exercita o raciocínio e desenvolve o aspecto cognitivo.

10) Na relação Jogo x Educação, é INCORRETO afirmar:


a) O jogo deve estar articulado com o conteúdo proposto.
b) O jogo deve estar adequado aos sujeitos educandos, respeitando a sua fase de desenvolvi-
mento biopsicossocial.
c) O jogo deve ser trabalhado sem conexão com o projeto político pedagógico da escola.
d) O jogo deve ter objetivos claros, em sintonia com o planejamento realizado pelo coletivo es-
colar.

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