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Autoras importantes
Emma Jung
Curiosamente, a esposa de Jung obedece aos princípios gerais do marido ao
mesmo tempo em que se preocupa em estimular as mulheres a resistirem à
convicção cultural da inferioridade feminina. As mulheres não devem definhar,
mas “erguerem-se” para repudiar a difamação da sociedade. Em completo
contraste com a visão de seu marido, a ideia de animus de Emma Jung pode ser
muito positiva e a integração do mesmo resulta em “mulheres ativas, enérgicas,
corajosas e vigorosas”.
Ela continua definindo o animus como Logos, sentido espiritual e
intelectualidade e propõe que seja progressivamente integrado via uma série
de fases nas seguintes formas: poder, ação (ato), palavra e sentido. Através
desses métodos, uma mulher pode absorver sua faculdade Logos e se tornar
capaz de exercer atividades intelectuais bem como emocionais, relacionadas a
Eros. Emma Jung deixa claro que uma mulher precisa assumir um controle
firme do animus se pretende algum dia encontrar seu próprio Eu assertivo.
Caso contrário, o princípio masculino simbolizado pelo animus pode se tornar
um tirano interior. Pode ser projetado num homem poderoso, resultando num
estado insuportável de dependência psíquica (que pensamento sugestivo!).
Mesmo se mantendo inteiramente dentro das noções junguianas do
animus enquanto portador de Logos para a mulher, Emma Jung retrata uma
imagem positiva de uma mulher que atinge independência emocional e
intelectual. Ao mesmo tempo, chama atenção aos problemas das mulheres em
uma sociedade que se recusa a apoiar seu desenvolvimento interior.
Linda Fierz-David
Há dois momentos no relato cativante de Fierz-David sobre a individuação da
mulher através do mito iniciatório que sugerem posteriores revisões críticas ao
animus. Em certo ponto, ela parece definir o animus como o patriarcado
internalizado quando descreve mulheres recebendo instrução espiritual (o
presente do animus) através de seus pais e outras figuras de autoridade
masculinas. Num segundo momento, ela destrincha a tendência de Jung de
descrever o animus e a anima como entidades de gênero fixo, que vai contra os
processos plurais e andróginos do inconsciente. Para Fierz-David, uma parte da
potência espiritual do animus ganha um matiz maternal: “A imagem
arquetípica do animus como líder de almas… se mostra visível… como o Sileno
Órfico, um mãe-pai e sábio mestre, do tipo que nunca existe na realidade”.
Ann Ulanov
Uma escritora diligente sobre Jung e o feminino, Ann Ulanov produziu uma
série de trabalhos, desde seu altamente influente The Feminine in Jungian
Psychology and in Christian Theology (O feminino na psicologia junguiana e na
teologia cristã, em tradução livre) (1971) até, entre os mais recentes,
Transforming Sexuality: The Archetypal World of Anima and Animus
(Transformando a sexualidade: o mundo arquetípico de anima e animus, em
tradução livre), com Barry Ulanov (1994). Ela insiste que a anima não deve ser
igualada literalmente a mulheres reais, o que é muito útil.
Fiel a concepções junguianas quanto aos papéis da anima e do animus,
Ann Ulanov não fez comentários quanto à linguagem misógina de Jung até o
apêndice de seu livro de 1971. Em 1994, os Ulanov também criticaram “a
predileção de Jung pela redução tipográfica”, dizendo: “é praticamente
impossível com a teoria de anima/animus fazer listas limpas e claras de
qualidades ‘masculinas’ e ‘femininas’, ou mesmo distinções categorizadas
consagradas há tempos na prática junguiana como habilidades ‘Logos’ para o
homem e ‘Eros’ para a mulher.” A extensão das noções de animus e anima de
Jung é revisada em direção a uma noção mais complexa da diferença de
gêneros do que a polaridade fácil encontrada nos textos mais antigos de Ann
Ulanov.
Marion Woodman
O trabalho de Marion Woodman é particularmente marcante em seu interesse
pelo corpo e pelas manifestações arquetípicas de gênero. Um aspecto é sua
análise de mulheres com distúrbios alimentares. Sobre a teoria de animus e
anima, ela segue uma linha tradicional, expandindo-a ao argumentar que
problemas de animus poderiam explicar alguns distúrbios alimentares. Livros
como Addiction to Perfection: The Still Unravished Bride (Viciada em perfeição: a
noiva ainda não violentada, em tradução livre) (1982) e The Owl was a Baker’s
daughter: Obesity, Anorexia Nervosa and the Repressed Feminine (A coruja era
filha do padeiro: obesidade, anorexia nervosa e o feminino reprimido, em
tradução livre) (1980) descrevem os resultados prejudiciais de pais que
projetam sua anima nas filhas. Distúrbios alimentares em mulheres podem
ocorrer por conta da possessão pelo animus. Uma mulher pode ser levada a um
perfeccionismo impossível focado através de sua compreensão de seu corpo.
Polly Young-Eisendrath
Polly Young-Eisendrath tem consistentemente revisado e expandido a
representação do animus e da anima de Jung pela causa de uma prática clínica
feminista e empoderadora. Sua forma revisionista de empregar mitos culturais
e histórias para atacar o sexismo é um traço imaginativo e influente de seu
trabalho.
Female Authority: Empowering Women Through Psychotherapy
(Autoridade feminina: empoderando mulheres através da psicoterapia, em
tradução livre) (1987), com coautoria de Florence Wiedemann, propõe uma
“psicologia junguiana abrangente das mulheres na qual o Eu feminino alcança
consciência e poder através da integração do complexo do animus e a
restituição da autoridade que as mulheres projetam sobre ele”. Trata-se não
tanto de uma revisão, mas de uma reintepretação da clássica teoria junguiana
do animus em prol do empoderamento feminino. O método lembra a inovação
de Emma Jung sobre as fases da integração terapêutica do animus.
Young-Eisendrath e Wiedemann sugerem uma visão esquemática,
entrando em contato com o animus como o outro alienígena e depois como o
deus-pai ou patriarca. Essas fases são seguidas pelo animus como um jovem,
um herói ou amante, e depois como o parceiro dentro de si. A mulher deve
terminar com um animus integrado revelado em sua “verdade” arquetípica e
androginia. Um trabalho anterior de Young-Eisendrath, escrevendo sozinha,
Hags and Heroes (Bruxas e heróis, em tradução livre) (1984), critica
enfaticamente a representação que Jung fazia das mulheres como sendo
naturalmente passivas. Ela descreve como Jung se opõe à sensação de
competência das mulheres na ideia de estarem “repletas de animus”.
Claire Douglas
Uma contribuição valiosa para toda a área da psicologia junguiana e gênero é a
obra de análise histórica de Claire Douglas, The Woman in the Mirror:
Analytical Psychology and the Feminine (A mulher no espelho: psicologia
analítica e o feminino, em tradução livre) (1990). Sua visão reformula o animus
não como Logos e intelecto, mas como mediador de uma função de sentir para
mulheres em imagens como um pai-terra, espírito da natureza, jardineiro,
acolhedor ou poeta. Ela argumenta que os termos “animus” e “anima” não
devem ser pinçados diretamente dos textos de Jung, para que os papéis de
gênero do século XX codificados em suas descrições não venham junto como
prescrição.
Douglas é parte de uma tradição enfaticamente embasada de escritoras
junguianas que caracterizavam o animus negativo como a voz do patriarcado,
internalizada de forma prejudicial na psique da mulher. Ela permanece na
órbita da “grande teoria” ao manter concepções de anima e animus como
teorias de um “outro” interior. Mesmo assim, seu trabalho fortalece a tendência
valiosa de incluir fatores sociais e culturais na extensão e revisão de gênero
dentro da psicologia junguiana.
Escritoras importantes
M. Esther Harding
Woman’s Mysteries (Mistérios da mulher, em tradução livre) (1935) não é a
única obra de Esther Harding sobre o pensamento junguiano sobre gênero,
mas continua a ser a mais influente. Dar continuidade à dicotomia de gênero
Eros/Logos de Jung permitiu que seu trabalho fosse aceito por ele. Amplificar
Eros como “o princípio feminino” permite que ela cubra uma gama de
qualidades bem mais ampla e mais poderosa do que o seu mentor visualizara.
De forma relevante, Harding é capaz de investir uma gama de energias no
princípio feminino ao adotar as narrativas das deusas lunares dos períodos
pré-cristãos: ela busca nas deusas da lua relatos do “princípio feminino [que]
não foi adequadamente reconhecido ou valorizado na nossa cultura”. A
originalidade do livro está na forma como desenvolve os aspectos
ambivalentes, potentes e sombrios do feminino.
Embora aparentemente siga Jung na questão de enxergar a mulher
como mais apta a relacionamentos e domesticidade, Harding escreve com
eloquência do potencial para preconceito contra a mulher na sociedade
patriarcal. Ela traz o princípio feminino para a prática analítica ao fazer uma
conexão entre a iniciação da mulher nos mistérios de Luna num passado pagão
e a experiência da mulher em análise no mundo contemporâneo.
As deusas lunares do princípio feminino trazidas por Harding
inspiraram uma geração de feministas junguianas por serem virginais, no
sentido de se sustentarem sozinhas, sem dependerem de nenhum homem. As
“virgens junguianas” podem ser sexuais e procriativas. Elas se mantêm
independentes por conta da autossuficiência gerada pelo contato com o
inconsciente numinoso.
Toni Wolff
O trabalho mais significativo de Toni Wolff sobre gênero é “A Few Thoughts on
the Process of Individuation in Women” (“Algumas reflexões sobre o processo
de individuação nas mulheres”, em tradução livre) (1934). Nele, ela
prestativamente propõe que Eros não é de forma alguma o principal modo de
funcionamento consciente de todas as mulheres. Para ela, muitos problemas
das mulheres modernas resultam da perda do princípio feminino, na falta do
feminino na teologia judaica e protestante.
A partir daí, passa a discutir quatro tipos de personalidade instintivas
femininas: a mãe, a companheira dos homens conhecida como a hetaira, a
Amazona independente e a médium. Na verdade, o que Wolff faz é usar a noção
de “tipo” de consciência para ampliar o leque do que pode ser denominado “o
princípio feminino” na psicologia da mulher. Cada um dos tipos que Wolff criou
não é um padrão uniforme de comportamento, mas uma gama multitudinária
de possibilidades.
Os quatro tipos foram construídos de forma criativa: por exemplo, a
mãe não está limitada à genitora biológica de filhos e inclui várias metáforas de
maternidade e amparo. A hetaira opera primordialmente através do
relacionar-se sexualmente com homens, enquanto a Amazona está identificada
com as feministas, o que não surpreende.
Descrições do tipo mediunístico demonstram bem a tendência de Wolff
de definir o feminino e o potencial feminino predominantemente em relação ao
homem. A médium é uma mulher que ajuda um homem a realizar suas ideias
inconscientes. Outros junguianos já especularam que a relação da própria
Wolff com Jung pode ter contribuído para moldar sua percepção de mulheres
“médiuns”.
Erich Neumann
Considerado por Jung como um junguiano de segunda geração, e basicamente
usuário do mesmo material que Esther Harding, Neumann tem um estilo
grandioso e assertivo de escrever. Como historiador da cultura, propõe uma
grande narrativa de fases no desenvolvimento da consciência humana em seu
livro The Origins and History of Consciousness (As origens e a história da
consciência, em tradução livre) (1954). A humanidade começa na fase
urobórica, próxima da não diferenciação inconsciente. Depois vem o
surgimento do matriarcal nas religiões da grande mãe.
Essas fases são sucedidas (felizmente, segundo Neumann) pelo
monoteísmo patriarcal e pelo refinamento do pensar consciente e da
discriminação orientados pelo Logos. Há alguma indicação de uma possível
fase mais elevada ainda por vir quando a consciência matriarcal das deusas se
reunir com o princípio patriarcal masculino, embora Neumann não explore
essa noção. Ela é revisitada em trabalhos junguianos subsequentes sobre as
grandes deusas, em especial por E. C. Whitmont, discutido mais à frente neste
capítulo.
Ninguém poderia acusar Neumann de ser feminista no sentido comum
da palavra. Seu princípio feminino pertence à fase matriarcal da história da
humanidade e, para ele como também para Jung, a psicologia da mulher é em
grande parte uma questão dessa concepção binária do feminino. As mulheres
estão condenadas a um tipo de funcionamento mental “mais inconsciente”.
Portanto, para Neumann, a confusão do feminino com o matriarcado coloca as
mulheres de volta à pré-história, com homens bem mais adiantados nas
qualidades culturalmente valiosas, como pensamento e raciocínio.
Neumann parece escrever com um considerável medo subjacente da
mulher tanto como ser arquetípico quanto como ser biológico. Sua história da
evolução da consciência é uma forma de narrativa edipiana – da não
diferenciação inconsciente à vinculação com uma figura maternal toda-
poderosa, à repressão, clivagem e identificação com a função paterna. Esse uso
particular do padrão edipiano historiciza e marginaliza o princípio feminino
ainda mais. Mais à frente junguianos se apropriarão de sua alegoria evolutiva e
a reintepretarão de maneira mais produtiva para o feminino e o feminismo.
June Singer
Em obras como Boundaries of the Soul (Limites da alma, em tradução livre)
(1972) e Androgyny: Toward a New Theory of Sexuality (Androginia: rumo a
uma nova teoria da sexuality) (1976), June Singer desenvolve sua aceitação do
binário de gênero de Jung. De passagem, reconhece as lições do “movimento
das mulheres”. Ao desassociar os princípios feminino e masculino da simples
identificação com mulheres e homens biológicos, afirma ainda em Androginia
uma crença que imagina divergir do feminismo contemporâneo, a de que “em
última instância uma mulher é basicamente diferente”.
Para Singer, a noção junguiana de uma potencial “androginia”
arquetípica se torna um meio de teorizar o objetivo da integridade psicológica.
Ao traçar aquilo que argumenta ser uma história cultural desse arquétipo, ela
sugere que mulheres e homens contemporâneos considerem o andrógino como
um modelo culturalmente desejável. Dessa forma, indivíduos podem evitar os
perigos de noções polarizadas de gênero. Arquétipos são resíduos de uma
antiga e divina androginia antes da “queda” primordial ou clivagem de
consciência. Singer quer ir além da teorização de gênero apenas em termos de
estruturas binárias. No entanto, sua androginia ainda se sustenta sobre gênero
como dualidade.
O movimento rumo à androginia que está emergindo hoje emerge
das tensões entre os elementos ‘masculino’ e ‘feminino’ na
sociedade ocidental contemporânea. Ele se volta em si mesmo
como espiral para descobrir a androginia mais antiga, revelada na
mitologia daquele tempo primordial em que o masculino e o
feminino ainda não eram separados na divindade.
Ann Ulanov
Em sua obra extremamente influente The Feminine in Jungian Psychology and in
Christian Theology (O feminino na psicologia junguiana e na teologia cristã, em
tradução livre) (1971), Ulanov comemora a noção de Jung do feminino como
“uma categoria distinta de ser e um modo de percepção inerente em todos os
homens, todas as mulheres, toda a cultura”. Tal aderência a Jung permitiu a
Ulanov escrever um trabalho de teologia feminista, dando continuidade às suas
críticas quanto à diminuição e, às vezes, demonização do feminino na cultura
cristã. Essa perspectiva teológica perpassa o trabalho posterior de Ulanov
sobre gênero e ideias junguianas.
O primeiro livro também desenvolve os quatro tipos de Wolff na
psicologia da mulher. Ulanov se preocupa em separar as mulheres da
linguagem reducionista de Jung sobre a anima. Assim como a maioria dos
adeptos do “princípio feminino”, a cisão que Ulanov faz de sexo e gênero fica
um pouco comprometida por ela presumir ativamente que as mulheres têm
uma relação mais próxima com o feminino. Elas devem almejar a integração do
princípio feminino em análise.
E. C. Whitmont
E. C. Whitmont dá seguimento ao mito de Neumann das três fases de
consciência humana – urobórica (não diferenciada, predominantemente
inconsciente), matriarcal e patriarcal – até a quarta fase, a reconciliação dos
modos de pensar matriarcal e patriarcal. Em outras palavras, Whitmont anseia
pela absorção do princípio feminino pela cultura patriarcal, hiper-
racionalizada que o reprimiu durante tanto tempo.
É claro que, ao separar esses princípios metafísicos de gênero do sexo
do corpo, Whitmont procura narrativas de reincorporação feminina em
mitologias fora ou às margens do cristianismo patriarcal. Um desses mitos é o
da busca pelo Santo Graal. Uma sociedade frágil e orientada para o masculino
procura símbolos femininos para alcançar uma resolução psicológica que é
simultaneamente espiritual e social. Outra fonte muito potente de mitos do
princípio feminino pode ser encontrada fora do cristianismo e do monoteísmo
na busca por deusas pagãs. O trabalho de Whitmore perdura como um grande
progenitor do feminismo junguiano da deusa.
Autoras importantes
Christine Downing
Como acadêmica nas áreas de psicologia e religião, Christine Downing publicou
o que chamou de uma “autobiografia da individuação” em 1984 chamada The
Goddess: Mythological Images of the Feminine (A deusa: imagens mitológicas do
feminino, em tradução livre). Downing compreende seu histórico emocional
interior através da associação de seu eu interior com uma sucessão de mitos de
deusas. Ela encontra conexões diversas com Perséfone, Ariadne, Hera, Atena,
Gaia, Ártemis e Afrodite. Usando essas deusas mitológicas como histórias,
Downing mostra o potencial que narrativas pagãs tem para produzir formas
mais plurais e ativas de imagens femininas do que as imagens aparentemente
mais estáticas de Jung.
Embora Downing admita que algumas dessas deusas estão disponíveis
arquetipicamente para homens, ela se aproxima de uma posição essencialista
que faz uma ligação entre as formas divinas femininas com a psique da mulher.
Seu trabalho continua sendo convincente no que se refere às possibilidades dos
mitos de deusas como meios para imaginar o ser psicológico das mulheres em
termos cada vez mais complexos e dinâmicos. “Estamos famintas por imagens
que reconheçam a qualidade sagrada do feminino e a complexidade, riqueza e
poder nutritivo da energia da mulher.”
Marion Woodman
A obra de Woodman A virgem grávida (1985) desenha a cura da psique
feminina voltando à tradição de Esther Harding e seu afastamento pioneiro da
lente primordialmente judaico-cristã de Jung. Como sua antecessora,
Woodman toma os recursos narrativos das deusas lunares. Expressando, no
característico modo “mito-pessoal” junguiano, a dificuldade de escrever teoria
psicológica na linguagem racional do ego, Woodman vai além de Jung ao
apontar que téoricas mulheres têm uma dificuldade adicional que é a
linguagem racional, tradicionalmente incorporada à masculinidade. A “virgem
grávida” é o feminino desprezado, exilado da cultura, que por sua vez estimula
as mulheres a reprimirem-na em suas próprias psiques.
A palavra “feminino”, como eu a compreendo, tem muito pouco a
ver com gênero, tampouco a feminilidade está sob a custódia da
mulher. Tanto homens quanto mulheres estão buscando suas
virgens grávidas. Ela é a parte de nós que é um pária, a parte que
chega à consciência através da incursão à escuridão, garimpando
sua escuridão de chumbo até trazer à tona sua prata.
Nancy Qualls-Corbett
Nancy Qualls-Corbett, no livro A prostituta sagrada (1988), encontra imagens
arquetípicas da Virgem Maria, de Maria Madalena, da Virgem Negra e das
grandes deusas lunares na prática da prostituta sagrada. Esse ritual pré-cristão
envolvia mulheres que escolheram servir a deusa representando-a no templo.
Qualquer homem poderia chegar e se unir com a deusa sublime relacionando-
se sexualmente com a prostituta sagrada.
Qualls-Corbett faz uma leitura dessa prática como a organização social
do princípio junguiano de que a sexualidade pode ser um meio de se comungar
com o inconsciente numinoso. Uma tarefa da análise é curar a clivagem
traumática que é ainda profundamente arraigada na cultura pós-cristã entre
sexualidade e espiritualidade. A sagrada prostituta é um mito, uma história
permeada de arquétipos, que permite a homens e mulheres imaginarem
formas mais plurais de práticas sexuais e codificações sociais contidas nos
contos sobre as deusas.
E. C. Whitmont
Para Whitmont, a etapa patriarcal da consciência conforme Neumann tem sido
desastrosamente exagerada e prolongada. “Nas profundezas da psique
inconsciente, a antiga Deusa está surgindo. Exige ser reconhecida e
reverenciada. Se nos recusarmos a reconhecê-la, poderá lançar sobre nós sua
força de destruição. Se oferecermos à Deusa o que ela quer, poderá nos guiar,
com compaixão, até a transformação”. Whitmont sugere que quatro mitos
oriundos do monoteísmo masculino serviram para reforçar a esterilidade do
pensamento patriarcal que depende de clivagem e repressão. Esses mitos são,
primeiro, a qualidade divina dos reis, ainda visível nos líderes “mágicos”; em
segundo lugar, o do exílio da humanidade ou paraíso perdido; terceiro, o do
sacrifício do bode expiatório; e, em quarto lugar, o mito da inferioridade do
feminino. A sociedade atual precisa que a deusa “retorne” porque atitudes
patriarcais, ateístas e que degradam o planeta estão, para Whitmont,
diretamente relacionadas ao monoteísmo masculino.
Ao contrário de Jung, Whitmont acredita que o cristianismo (e outros
grandes monoteísmos) não pode ser reformado para liberar seu “outro”
suprimido. Seja esse outro a escuridão, a morte, o corpo ou o feminino, o
monoteísmo masculino não cessará de clivar a psique humana. Monoteísmos
são estruturas neuróticas, unilaterais, devotadas aos poderes que transcendem
e triunfam sobre a natureza.
A grande deusa está ascendendo porque ela é um sinal do outro que a
consciência patriarcal monoteísta reprimiu profundamente. “Ela” está voltando
por meio de psiques individuais e em movimentos culturais como as novas
formas de espiritualidade, campanhas ambientais e eco-feminismo.
LEITURA RECOMENDADA
Geral
Douglas, Claire. The Woman in the Mirror: Analytical Psychology and the
Feminine (Boston: Sigo Press, 1990).
Um valioso relato histórico de gênero e do feminino nos escritos de Jung e dos
pós-junguianos.
Extensão e revisão
Claremont de Castillejo, Irene. Knowing Woman: A Feminine Psychology
(Boston: Shambhala, 1973).
Rompe algumas das suposições misóginas de Jung e faz uma revisão sugestiva
de gênero arquetípico.
Jung, Emma. Animus e Anima (Editora Cultrix/Pensamento, publicação original
da Spring Publictions, 1957).
Nesse trabalho de extensão, Emma Jung é ao mesmo tempo positiva e incisiva
com relação ao animus negativo de Jung.
Ulanov, Ann. The Feminine in Jungian Psychology and in Christian Theology
(Evanston, Ill.: Northwester University Press, 1971).
Um trabalho muito influente por extender tanto as noções de Jung sobre
gênero contrassexual quanto a forma como ele repensou a teologia cristã.
Young-Eisendrath, Polly com Wiedemann, Florence. Female Authority:
Empowering Women through Psychotherapy (Nova York: Guildford Press,
1987).
Enfaticamente critica as limitações de Jung no que se refere a gênero e revisa
seus conceitos para empoderar as mulheres através da individuação.
O princípio feminino
Harding, M. Esther. Os mistérios da mulher (Editora Paulinas; publicação
orginal 1935; Nova York: Harper & Row Colophon, 1976).
Um poderoso e imaginativo progenitor de grande parte do feminismo
junguiano. Harding amplificou as teorias de Jung em torno da mitologia.
Leonard, Linda Schierse. Meeting the Madwoman: An Inner Challenge for
Feminine Spirit (Nova York: Bantam Books, 1993).
Reimagina de forma ponderada os estereótipos femininos negativos como
meio de transformação psicológica.
Woodman, Marion. A virgem grávida (Editora Paulus; edição original Toronto:
Inner City Books, 1985).
Exploração eloquente do feminino. Woodman faz ligações entre mito, análise,
trabalho corporal e teatralidade.
Feminismo da deusa junguiano
Baring, Anne, e Cashford, Jules. The Myth of the Goddess: Evolution of an Image
(Harmondsworth: Viking, 1991).
Uma reinterpretação extensa e abrangente da história e da cultura desde o
neolítico até o presente no que se refere ao feminismo da deusa junguiano.
Brinton Perera, Sylvia. Descent to the Goddess: A Way of Initiation for Women
(Toronto: Inner City Books, 1981).
Uma análise popular e influente do “lado sombrio” do feminino através do mito
sumeriano de Inanna.
Paris, Ginette. O sacramento do aborto (Editora Rosa dos Tempos).
Um estudo fascinante de atitudes contemporâneas relativas ao aborto da
perspectiva das deusas antigas, ao invés da cultura moderna pós-cristã.
Whitmont, Edward C. Retorno da Deusa (Summus Editorial; edição original
Nova York: Continuum Publishing, 1982).
Obra indispensável que deu início à estrutura dessa abordagem.