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Artigos/ Tema Livre Introdução Gramsci, ao qual enxerga nas estruturas sociais (em es-

Nestes tempos de intensa divergência política, pecial, a sociedade civil) como campo de atuação dos
ISSN: 2358-3541
é possível observar com mais nitidez os discursos que movimentos orgânicos, dá lugar à crítica histórico-social
contextualizam aspectos teóricos sobre Globalização e (SADER, 2005). Assim, em virtude das contradições in-
seus entraves nas mediações ante ao público geral. O sanáveis, as forças políticas hegemônicas (ou conser-
que aponta esta condução são os cenários compostos vadoras) atuam na conservação e defesa da estrutura,
pelas últimas eleições (2016 - 2018) nas democracias oci- agindo na tentativa de reparar e “superar” tais contra-
dentais; em especial, nos EUA e no Brasil. Notabilizou- dições. Neste momento, entram em cena as forças anta-
A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTU- -se nos vários meios de comunicação desses países um
incessante confronto ideológico, acirrado pelo aciona-
gônicas (movimentos sociais) que tendem a demonstrar:
• que as forças políticas hegemônicas ba-
DOS CULTURAIS PARA UMA mento proposital de especulações a respeito do campo
internacional, constituindo um imbróglio de equívocos e
lizam suas estruturas para consolidar seu poder;
• que não há superação sem a rup-
INTERPRETAÇÃO DA GLOBA- devaneios no que se refere as teorias da globalização.
São discursos de teor anticientífico, reacionários e que
tura

das estruturas sociais de opressão.
Algumas especificidades do conceito de Gramsci
LIZAÇÃO E DAS IDENTIDADES. expõem uma atmosfera de confusão, verificada pela
prática das interpretações e designada por atores po-
entorno dos movimentos sociais, que, em sua época, esta-
vam estritamente ligadas a classe trabalhadora para su-
líticos auxiliados pelos ensaios conspiratórios, motivan- peração do modelo capitalista de produção, ganharam
Ivan Rodrigo Novais1
do rivalidades históricas deliberadamente distorcidas e novas interpretações ao decorrer do curso histórico viven-
alteradas. Observa-se ainda como a classe dominante ciado na segunda metade do século XX. Atualmente, os
das duas nações se acelerou ao corresponder decisi- movimentos sociais permanecem no campo das atuações
vamente nas engenhosidades desse arranjo político. para superação de padrões opressivos e excludentes,
Grupos de analistas, que abordam este fenôme- mas com pautas concentradas em segmentos singulares
Resumo: Os recentes discursos na esfera política sobre Globalização fazem dos estu-
no como uma tática de resposta à crise do capital financei- que lutam por valores, direitos e cidadania. Suas reivin-
dos culturais um campo propositivo para avaliar os novos rumos das identidades na
ro internacional de 2008 (Lehman Brothers - sofisticado dicações perfazem a esfera do revisionismo do Estado
pós-modernidade. As correntes de análise do fenômeno global, a aceleração do des-
sistema econômico que entrou em ruptura nos EUA), dei- e não declaram, necessariamente, a superação deste.
locamento das identidades e os movimentos sociais de emancipação e igualdade, são
xam explícita a relação simbólica e desigual entre a elite e Outro ponto importante são as prerrogativas
variáveis que estão em destaque num cenário que vem adotando um tom cada vez
a classe média, cujo o poder político é supervisionado e contemporâneas para compreensão do fenômeno. Em
mais conflituoso. Para indicar caminhos analíticos a este complexo tecido de significa-
imposto sob diversos fatores. No caso brasileiro, as consi- conformidade e respeito à pluralidade, no que confere
ções, as concepções adotadas por Stuart Hall lançam olhar nas prerrogativas causais
derações do sociólogo Jessé Souza, sobre os agentes so- as identidades dos movimentos sociais aqui abordados,
(dialética das identidades) com propósito compreensivo dos efeitos da globalização
ciais e culturais, retrata um diagnóstico de tensão entre os se faz a indicação destes grupos como “movimentos so-
na representação social do sujeito moderno. As bases estáveis das velhas identida-
atores políticos que, antagonicamente, buscam resolver ciais de emancipação e igualdade”. Um debate intenso
des sucumbiram diante dos rumos multifacetados que a globalização impõe. No Bra-
as lacunas em diferentes setores da sociedade. Uma “elite sobre a terminologia que possa dar denominação aos
sil e nos EUA ressurgem movimentos reacionários reativados por uma ordem política
do atraso”, acostumada com a formalização do poder grupos de atuação singular é promovido constantemen-
conservadora. Estes, contrários aos movimentos sociais de emancipação e igualdade,
engendrada pela perversa estrutura histórica escravagis- te. Muitos nas Ciências Sociais estão refutando a indi-
estão protagonizando os recentes episódios de um mundo turbulento e conflituoso.
ta, se manifesta em diferentes meios (mídias, espaços reli- cação destes grupos como “movimentos identitários” por,
PALAVRAS-CHAVE: Globalização, Identidade, Estudos Culturais.
giosos, universidades, carteis patronais, etc.) para garantir honestamente, deflagrar uma generalização obtusa que
sua superioridade representativa. O “atraso” deste grupo leva a uma confusão conceitual da ocorrência substan-
Abstract: Recent political discourses on globalization make cultural studies a propositional
está na ocorrência da negação às condições de desvan- cial e ampliada sobre Identidade. Não cabe tecer qual
field for assessing the new directions of identities in postmodernity. The currents of analysis
tagens históricas da base da pirâmide social que, desde denominação aponta com máxima fidelidade as razões
of the global phenomenon, the acceleration of the displacement of identities and the so-
2016, vem crescendo exponencialmente. Segundo dados de pertencimento que fazem desses movimentos terem
cial movements of emancipation and equality are variables that are highlighted in a sce-
do IBGE (LCA Consultores), neste mesmo ano, foi registra- características de convergência. Porém, é possível enten-
nario that has been adopting an increasingly conflicting tone. To indicate analytical paths
do um aumento de 11,6% de brasileiros em situação de der que a posição contra-hegemônica pela defesa de
to this complex fabric of meanings, the conceptions adopted by Stuart Hall take a look at
extrema pobreza (14,83 milhões de pessoas); vale ressal- setores em deflagrante condição de desfavorecimento,
causal prerogatives (dialectic of identities) with a comprehensive purpose of the effects of
tar que esta marca vem com traços étnico-raciais, deter- dá a esses movimentos uma consonância na pauta pela
globalization on the social representation of the modern subject. The stable foundations
minada pela exclusão descomunal admitida secularmente. libertação de estigmas culturais e, proporcionalmente, na
of old identities have succumbed to the multifaceted directions that globalization imposes.
condução para igualdade de direitos e de oportunida-
In Brazil and in the United States, reactionary movements are reactivated, reactivated
Movimentos Sociais Contra-Hegemôni- des, objetivando um teor mais propício à justiça social.
by a conservative political order. These, contrary to the social movements of emancipa-
cos Os movimentos sociais de emancipação e igual-
tion and equality, are leading the recent episodes of a turbulent and conflicting world.
A luta por representação, espaço deliberativo dade¬, por mais que indiquem temas com emergên-
KEYWORDS: Globalization, Identity, Cultural Studies.
e reconhecimento é um intenso jogo de “cabo-de-guer- cias diferentes – étnico-raciais, ambientais, de gênero,
ra” num constante curso de participações em movimen- de classe, etc. – vêm condensando cada vez mais os
tos que, por ora, solidificaram. suas particularidades em elos entre o global e o local; o coletivo e o particular.
ações políticas globais. Em princípio, o pensamento de
1 Doutorando em Sociologia pela Universidade da Beira Interior (UBI)
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Estes movimentos, além de elucidarem as conjun- desde a vida social cotidiana até os planos macroeconô- o assunto é o mercado internacional não se vê tamanho que a globalização é uma representação da reali-
turas históricas que garantem a importância dos temas, micos de interesse do capital internacional. Não obstante, esforço para rechaçar tais condições globais. Aquilo que dade usada como discurso ideológico para alcan-
dão condições de participação ampliada ao processo estas correntes dialogam entre si e estão em constante não pode ser impresso aos esquerdistas como mote de çar fins econômicos e políticos, como as políticas ne-
de representação contínua, traduzindo as vicissitudes de disputa – em particular, sobre a hermenêutica causal. aglutinação ideológico é exatamente o que os marxis- oliberais em atual destaque nos EUA e no Brasil.
uma civilização conflituosa para o campo da reintegração De modo sequencial, a primeira onda traduz tas globalistas mais refutaram – a ação direta e indireta
e empowerment. Os (as) participantes são encorajados a globalização a partir da livre circulação de capitais, do mercado internacional às nações subdesenvolvidas. Estudos Culturais: Uma Abordagem Pós-
(as) ao confronto político por espaço (lugar de fala), re- constituindo a interdependência econômica entre os esta- Entretanto, a segunda onda teórica mencionada -Moderna
agindo em diferentes estruturas socais aos desequilíbrios dos-nação. Essas economias, por sua vez, seguem o fluxo por Martell vai realizar uma extensa crítica ao método
impostos por uma amalgama de suspensão de poder e das grandes multinacionais que orquestram a produção de avaliação da realidade em decorrência da análise Entre os desafios na investigação pós-estruturalis-
subordinação automática. Outra característica importan- mundial. A força de trabalho é pulverizada pelo globo, globalista. Em dissonância com esta última, os Céticos ta sobre a interface da globalização, estão as concepções
te nesta atmosfera de luta está na transversalidade dos mas com consequências sociais dramáticas para classe enxergam que os estados-nação continuam com seus apresentados por Stuart Hall. Uma oportuna atenção ao
temas, que acabam por criar uma enorme rede de co- trabalhadora, a gerar um profundo debate entre Marxis- papéis de organizadores da ordem global, sem per- que se considera como “identidade cultural” foi dada pelo
laboração. Um movimento de consciência ecológica que tas e Liberais. Essa linha analítica é também denominada der totalmente o poder e a identidade. Argumentam autor para caracterizar a força simbólica de resistência –
busca a conservação e/ou preservação dos biomas, está “hiperglobalista” por considerar que as economias nacio- ainda que a economia global é multinacionalizada e mesmo em diferentes contextos – de uma cultura local em
transversalmente ligado as causas de grupos de defesa nais são menos significativas, e que a globlalização con- triádica1 em vez de global. Dessa forma, a globaliza- relação direta com o bombardeamento de informações,
das comunidades nativas (étnico-raciais, gênero, etc.). O duz a um mercado global homogeneizado ou de culturas ção tem um efeito não linear (sinais de diferenciação consumo e estética global. Para isso, Hall (2011) analisa em
plano abaixo (figura 1) ilustra parcialmente a correlação hibridas (MARTELL, 2017), onde as diferenças nacionais se na disseminação), uma vez que arranjos geopolíticos duas frentes conceituais – Identidade e Sujeito Moderno –
de forças entre alguns grupos sociais em confluência: tornam reduzidas a vista do consumo cultural de todo o influenciam nas decisões de estados-nação (MARTELL, o fenômeno da globalização, com propósito de permitir a
mundo, em vez de exclusivamente da sua própria nação 2017). As questões da pobreza e das desigualdades compreensão das variáveis “continuidade” e “descontinui-
(TOMLINSON, 1999). Em síntese, em termos econômicos, globais são problematizadas como produtos desses ar- dade” como ocorrência intrínseca ao processo da dinâmi-
políticos e culturais, os globalistas veem as forças glo- ranjos. Entende-se, assim, que, para os Céticos, os efei- ca cultural. De acordo com Geertz (1989, p. 26) a cultura
bais transnacionais das nações como as principais fontes tos da globalização na política global são desiguais. consiste em estruturas de significado socialmente esta-
de economia, soberania e identidade (MARTELL, 2017). A terceira onda, conhecida como Transforma- belecidas. Isto demonstra que os indivíduos durante suas
A interpretação marxista do globalismo é desta- cionistas, se avalia um quadro mais complexo como con- ações cotidianas asseguram certos símbolos e significa-
que aqui. Como visto anteriormente, os novos atores da sequência das conclusões dos Céticos, além de colocar dos (grande parte impositivos), assim dando manutenção
política conservadora buscaram o álibi para estabelecer em evidência os movimentos sociais que possuam uma a cadeia de interpretações estabelecidas durante este
seus discursos anti-globalista – e criar o pânico nacional agenda global com temas transversais (meio ambiente, processo. Não obstante, Cliford Geertz busca compreen-
– nas tendências de análise macrossociais, estabelecida- finanças, crime, tecnologias de informações internacio- der a cultura revelando os valores sagrados de um povo:
des principalmente por grupos de esquerda. Tais tendên- nais, transporte, etc). A Desigualdade global, sob a aná-
Símbolos sagrados relacionam uma ontologia e
Portanto, é possível admitir que não há um cias refletem o resultado da ação da economia global lise dos pós-céticos, inclui a participação de economias uma cosmologia com uma estética e uma morali-
movimento contra-hegemônico homogêneo e de ca- como um aspecto de desigualdade regional a nível in- emergentes (Ásia, América do Sul e África) como grupo dade: seu poder peculiar provém de sua suposta
ráter revolucionário, como descrevia Gramsci, neces- ternacional. Para as nações mais industrializadas o lobby intermediário para as determinações das estruturas glo- capacidade de identificar o fato com o valor no
sário para superação do Estado capitalista. No entan- comercial é o fator de desproporcionalidade econômica bais. Essa corrente também faz críticas em relação ao “hi- seu nível mais fundamental, de dar um sentido
normativo abrangente àquilo que, de outra for-
to, a pluralidade temática dos movimentos sociais de que determina grande parte do poder exercido global e perglobalismo” e suas previsões globais, quando conclui
ma, seria apenas real (GEERTZ, 1989, p. 28).
emancipação e igualdade também realiza uma forte culturalmente. Traços da cultura hegemônica de um país que o futuro da globalização continua incerto e aberto.
frente de refutação aos desequilíbrios originários da são exportados junto as mercadorias, causando impacto Por último e de grande relevância crítica, a abor- Justificando o poder que a cultura envolve o indiví-
supressão de direitos, além de trazerem consigo os direto nos costumes das naçãos subdesenvolvidas. Para dagem pós-estruturalista – apoiada pela análise do dis- duo, a afirmação acima revela a condição de predominân-
fragmentos de um todo que reconfiguram as condições estes grupos, o Socialismo do século XXI é a resposta mais curso como método de observação da globalização – de- cia e hegemonia dos grupos (ou subgrupos) que possuem
experimentais para abordagem do contexto global. direta contra as desigualdades regionais macropolíticas. monstra que o que se pensa sobre a globalização é mais certas posições favoráveis na sociedade. De imediato,
Se for observado o seguimento das escolhas elei- importante do que a globalização em si (CAMERON e torna-se necessário examinar a pujança estabelecida pela
Globalização e suas correntes torais na primeira década deste século, perceber-se que PALAN apud MARTELL, 2017). Formas de imaginações ideologia dominante em relação às “ideologias subalter-
houve uma aparente retomada do campo de esquerda globais levaram à globalização e a sua legitimidade sob nas”. Segundo Stuart Hall (2003), Gramsci vem contribuir
Por conseguinte, no intuito de orientar os estudos em algumas nações. Isto resultou num surto, ainda que os indivíduos. A experiência simbólica é um tratado que para este embate quando ele chama atenção para o ca-
sobre globalização com ênfase nos fatores de divergên- parcial, das camadas economicamente privilegiadas que determina as ações para os “tipos ideacionais” (BRUFF, ráter determinado desse terreno (da cultura) e a comple-
cia e convergência, Luke Martell (2017) busca explicar se viram encurraladas com o forte apelo popular das po- 2005) e sustentam a política e as formas econômicas glo- xidade dos processos de desconstrução e reconstrução,
as correntes teóricas que dão relevância ao processo líticas sociais desses governos. Na configuração brasileira bais. A globalização, na perspectiva do Construtivismo pelos quais os velhos alinhamentos são derrubados e no-
global e seus impactos nas sociedades contemporâne- não houve conciliação democrática, e os gupos conser- Social, é encarada como categoria de expressão de longo vos alinhamentos podem ser efetuados entre os elementos
as. Para o autor, existem quatro ondas (ou correntes) que vadores reuniram suas forças em clara objeção as inter- alcance, pois consegue atingir diferentes tecidos sociais. dos distintos discursos entre as ideias e as forças sociais.
separam as perspectivas sobre a globalização, tais são: pretações da esquerda no que confere essencialmente Martell (2017) esclarece que esta última corren- Ainda assim, é de interesse ressaltar que, pen-
Globalistas, Céticos, Pós-céticos (ou “transformacionistas”) aos planos globais de enfrentamento as desigualdades te desempenha um papel no processo do de- sando as ideologias orgânicas 2, Gramsci afirma que elas
e o Construtivismo Social. As quatro interpretações pro- estruturais. Desde o meio ambiente até as políticas de mi- bate discursivo, mostrando empiricamente tocam o senso prático comum e cotidiano e organizam as
curam estabelecer uma análise crítica das reações das gração, os direitistas negam qualquer tratado que tenha
transformações globais pós-industrialização; seus efeitos- sido acordado para tal propósito.Curiosamente, quando
1 Ásia Oriental, Europa e América do Norte. 2 Ou “ideologias populares”.
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massas e criam terreno sobre o qual os ho- vem de acordo com o desdobramento de uma única
Nenhuma identidade singular – por exemplo, de
O questionamento deste movimento entre o privado e
mens se movem, adquirem consciência de “causa” ou “lei” (HALL apud LACLAU, 1990, p. 187). o público (“o pessoal é político”) abriu para contestação
classe social – podia alinhar todas as diferentes
sua posição, luta, etc (HALL, 2003, p. 309). Contudo, em outro texto, Hall (2003) coloca a situa- identidades com uma “identidade mestra” única, política novos campos da vida social: família, sexualida-
Dessa maneira, como fim elucidativo, é impres- ção da proliferação subalterna da diferença, tratando o mo- abrangente, na qual se pudesse, de forma segu- de, trabalho doméstico, cuidado com as crianças, etc.
cindível atribuir o tratado conceitual elaborado por delo da ideologia econômica global como proposta única: ra, basear uma política. As pessoas não identificam (HALL, 2011). Semelhantemente questionada, a posição
mais seus interesses sociais exclusivamente em ter-
Stuart Hall (2003) no que confere a identidade cultural: mos de classe; a classe não pode servir como um
social das mulheres diante das tradicionais formatações
Trata-se de um paradoxo da globalização contem- de família se equalizou, incluindo a formação das iden-
A cultura é uma produção. Tem sua matéria prima, dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizado-
porânea o fato de que, culturalmente, as coisas
seus recursos, seu “trabalho produtivo”. Depen-
parecem mais ou menos semelhantes entre si (um ra através da qual todos os variados interesses e tidades sexuais e de gênero. Giddens (2000) destaca
de de um conhecimento da tradição enquanto todas as variadas identidades das pessoas possam que igualmente entre os sexos, tal como a liberdade das
tipo de americanização da cultura, por exemplo). [...]
“o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo ser reconciliadas e representadas. (HALL, 2011, p. 21) mulheres, são anátemas para grupos fundamentalistas.
Entretanto, [...] o eixo vertical do poder cultural, eco-
de genealogias. Mas o que esse “desvio através
nômico e tecnológico parece estar sempre marcado Observando o recente arranjo ideológico na
de seus passados” faz é nos capacitar, através
e compensado por conexões laterais, o que produz Com esta afirmação surge uma pergunta: como política institucional brasileira, ressaltam-se as falas do
da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo,
uma visão de mundo composta de muitas diferen- as culturas tradicionais resistem ao intenso e “multimodula-
como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma
ças “locais”, as quais o “global vertical” é obriga-
então Chanceler do Brasil, Ernesto Araújo, sobre temas
questão do que as tradições fazem de nós, mas do” sistema global de significação? A compreensão das que envolvem globalização e movimentos sociais de
tório a considerar (HALL apud HALL, 1997, p. 143).
daquilo que nós fazemos das nossas tradições. identidades partilhadas, dos fluxos e do hibridismo cultural emancipação e igualdade. Em desacordo com o que
Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em se tornou um desafio a teoria social contemporânea. En-
qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Implica entender que o sujeito moderno está em Luke Martell aponta como as principais correntes da glo-
quanto fenômeno decisivo, a globalização traz diferentes balização, o Chanceler se refere a uma “ordem global”
Estamos sempre em processo de formação cul- constante movimento num universo multifacetado, se des-
tural. A cultura não é uma questão de ontologia, reações as culturas e fronteiras nacionais, integrando e – a qual ele nomeia de “globalistas” – como uma “dou-
locando, quando for conveniente, em direções distintas conectando comunidades e organizações em novas com-
de ser, mas de se tornar (HALL, 2003, p. 308). trina marxista” que se dispõe do “ódio através de suas
para buscar uma estabilização no mundo social. Esse sujei- binações de espaço-tempo, tornando o mundo, em reali-
to assume identidades diferentes em diferentes momentos, ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários
A afirmação de Hall transmite que a iden- dade e em experiência, mais interconectado (HALL, 2011). a nação, à natureza humana e ao próprio nascimento
identidades que são unificadas ao redor do seu “eu” coe- Quando Giddens (2000) aborda os efeitos do processo
tidade cultural é o presente significado que os su- rente (HALL, 2011). A multiplicidade de fatos originários de humano”. Esse slogan político foi absorvido da campa-
jeitos dão a sua tradição, modificando ou não al- de interação global sob o comando desenfreado de no- nha de Donald Trump (EUA) e endereçado ao Brasil para
vários sistemas de significação e representação cultural vas tecnologias de informação, revela que este episódio
guns comportamentos; acordados em sociedade. leva o indivíduo à pluralidade cambiante e temporária. contrapor os avanços dos movimentos sociais – em espe-
Tomando como base o estudo sobre a possibilida- é capaz de ocasionar o reaparecimento das identidades cial o feminismo – contagiando setores conservadores da
É como se estivesse numa longa viagem com pontos de culturais locais, reforçando os laços de continuidade do
de contrastante entre realidades diferentes para exprimir paragem mutáveis em regiões pouco conhecidas, onde sociedade sob um grau vultuoso de aparência científica.
a identidade étnica, Roberto Cardoso de Oliveira (1976, p. sistema de representação. As “geografias imaginárias” Em contraposição a este mote reacionário, muitos
sempre há incógnitas sobre os aspectos da realidade lo- (SAID apud HALL, 2011), quando tencionadas ao tecido
22) destaca que isto implica na afirmação do nós diante dos cal. Isso coincide com o que Giddens (1990) chama de movimentos, como explica o Hall (2011) nas especificida-
outros. Este enunciado deriva da oposição e resistência, de representação global, resgatam o que Roberto Car- des sobre o conteúdo étnico, buscam o fortalecimento de
“desalojamento do sistema social”, algo de potência vari- doso de Oliveira (1796) denomina de “ficção étnica”; sis-
muito encontrada nos povos ditos tradicionais, que buscam ável e contínua, de escalas indefinidas de espaço-tempo. suas identidades apoiados na forte reação defensiva. Um
a contínua luta pela preservação de seus costumes e ritos. tema de referências ou de categorias construído como efeito que se pode verificar nestas condições é o de re-
Outra reflexão que colabora na investigação do uma ideologia de relações intertribais. Comparar e ques-
Comparar e questionar os signos e significados sujeito moderno é a de David Harvey (1989), quando tração momentânea. Logo após o início das campanhas
que permeiam a fronteira da sua cultura é uma reflexão tionar os signos e significados que permeiam a fronteira presidenciais de 2018 no Brasil, houve uma sinalização de
este caracteriza a modernidade como um processo sem- da sua cultura é uma reflexão comum, no que confere a
comum, no que confere a afirmação do indivíduo per- -fim de rupturas e fragmentações internas no seu pró- diferentes setores da sociedade contra a candidatura do
tencente a um grupo. Esta especificação tem um va- afirmação do indivíduo pertencente a um grupo (NOVAIS, Deputado Federal Jair Bolsonaro, pela sua trajetória fer-
prio interior. A sociedade é marcada por um conjunto 2013). Portanto, nestes aspectos, a identidade segue um
lor bastante regular, como refere Oliveira (1976, p. 34) de ideias em mutação que a coloca deslocada e des- vorosamente contrária as pautas dos movimentos sociais
quando uma pessoa ou um grupo se afirma como tal, ritmo baseado pelo contraste entre o “nós” e os “outros”. de emancipação e igualdade. Grupos de mulheres, sob
centrada de si (HALL, 2011). O que está disperso pode
o fazem como meio de diferenciação em relação a al- se reagrupar e formar novos conjuntos, desestabilizando tensão defensiva, promoveram um dos maiores atos con-
guma pessoa ou grupo com que se defrontam. É uma Conclusão tra uma candidatura presidenciável em registro (#EleNão).
aquilo que antes era dado como certo e concreto. Numa
identidade que surge por oposição. Ela não se afirma rápida observação das agendas dos movimentos am- E, mesmo consagrando-se vitorioso no pleito, Jair Bolso-
isoladamente. Anthony Giddens cita, em particular, o Rupturas de paradigmas de gênero, descober- naro continua a enfrentar forte oposição desses grupos.
bientalistas, é perceptível como o debate sobre o con- tas no campo científico e tecnológico, surgimento de no-
ritmo e o alcance da mudança – à medida que áreas sumo do plástico se tornou central pelos danos causados Em síntese, o que vem sendo observado nos
diferentes do globo são postas em interconexão uma com vos postos de trabalhos, reinterpretação de conteúdos meandros dos movimentos sociais sob o abrigo dos es-
aos ecossistemas marinhos, ao ponto desses movimentos teológicos e outras manifestações, estão reacendendo
as outras, ondas de transformação social atingem virtu- erguerem a voz contra o dispêndio de polímeros de tudos culturais – além da posição defensiva das pautas
almente toda a superfície da terra – e a natureza das conflitos de diferentes ordens (étnicos, políticos, econômi- originais – é a compreensão do fenômeno do hibridis-
forma desproporcional a sua reciclagem. Este tom dis- cos, religiosos, etc). Com a proliferação das escolhas de
instituições modernas (HALL apud GIDDENS, 1990, p.26). cursivo vem transformando a lógica do consumo global mo global. O ressurgimento do nacionalismo, antagônico
Aprofundando mais a questão da fragmentação do indi- identidades mais ampla pelo “centro” do sistema global ao hibridismo, fez reativar muitas questões étnicas que
a partir do hábito individual de uma nova consciência que nas suas periferias (HALL, 2011), os movimentos so-
víduo em relação a sua identidade, Hall trata do conceito ecológica. No tocante ao conjunto de diferentes elemen- estavam “adormecidas”. A dinâmica que envolve os su-
de “deslocamento” aplicado por Ernest Laclau (1990): ciais de emancipação e igualdade ganham destaque jeitos na teia cultural global está acirrada pelo deslo-
tos, estas identidades fracionadas são acesas na medi- ao se apropriarem de discursos e práticas que envolvem
da em que determinados grupos as julgam necessárias camento das identidades – ora contestando o “centro”,
Uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é temas recorrentes nas camadas mais desfavorecidas. En-
deslocado, não sendo substituído por outro, mas ao convívio social. Ainda assim, interessa relevar que ora acionando o “local”. Este cenário transitório e provo-
quanto exemplo mais marcante, Stuart Hall se refere ao cante produz uma variedade de possibilidades e novas
por uma pluralidade de poder. As sociedades mo-
dernas, [...] não tem nenhum centro, nenhum princípio feminismo como uma corrente da teoria social que causa posições de identificação (HALL, 2011). De certo, há um
impacto notável no descentramento do sujeito moderno.
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circuito complexo e provisório de significações que está O tal globalismo: Ernesto Araújo, novo ministro das Re-
muito longe de ser designado como uma simples pola- lações Exteriores, apresenta suas convicções sem recuos.
rização política. Ainda assim, na percepção conceitual Jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 04/01/2019. Disponí-
apontada por Stuart Hall, é possível evidenciar que as vel em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/01/o-
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