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CONTENCIOSO MARÍTIMO ENTRE A GUINÉ-BISSAU E O SENEGAL: A SUA REGULAMENTAÇÃO

Considerações introdutórias

O tema “A regulamentação do Contencioso Marítimo entre a Guiné-Bissau e o Senegal”, foi objecto de


tratamento na nossa Dissertação de Mestrado, recentemente discutida em Lisboa, sob o tema “A Pesca
na Guiné-Bissau: Retrato Fiel da Convenção de Montego Bay?”. É um assunto à volta do qual há muitas
especulações, na nossa praça, pelos juristas, políticos e cidadãos comuns. O interesse para o seu debate
levanta-se sobretudo quanto à regulamentação da partilha dos benefícios provenientes da exploração
em hidrocarboneto na “zona de exploração comum”, criada na base do Acordo de Gestão e Partilha
concluído pelas partes em 1993. Pois nos termos deste Acordo, a Guiné-Bissau terá que apenas
perceber 15 % dos benefícios provenientes da exploração dos hidrocarbonetos da “zona de exploração
comum” contra 85% que deve perceber o Senegal. É coisa que choca, à primeira vista, toda e qualquer
pessoa desconhecedora da razão desta partilha. Chegou-se a falar mesmo da revisão do Acordo a favor
da Guiné-Bissau, no sentido de a esta foi acrescentado mais 5%. Parece que tudo isto não passou de
uma propaganda de quem pretende, com ela, retirar alguma vantagem política. Procuramos e não
encontramos ninguém capaz de nos provar em termos documentais a tão falada revisão. Assim, com
este artigos pretendemos contribuir para esclarecer as dúvidas e/ou suscitar debates sobre algumas
questões ligadas à Regulamentação do Contencioso Marítimo entre a Guiné-Bissau e o Senegal.

Com efeito, importa desde já esclarecer que a exposição que se segue não esgota todas as matérias
objecto do contencioso em apreço. Nesta exposição apenas vamos tecer os principais aspectos da
regulamentação deste contencioso. Assim, tendo em conta estes aspectos, a nossa exposição dividir-se-
á em quatro partes, que são: a delimitação da fronteira marítima entre a Guiné-Bissau e o Senegal, a
delimitação da zona de exploração comum, a Agência de Gestão e de Coordenação e a partilha dos
recursos da zona de exploração comum.

A delimitação da fronteira marítima entre a Guiné-Bissau e o Senegal

A história da delimitação da fronteira marítima entre a Guiné-Bissau e o Senegal é tão próxima daquela
que opõe a Guiné-Conakry à Guiné-Bissau. Por base tem os mesmos intervenientes, antigas potências
coloniais, Portugal e França, e a assinatura da Convenção de 12 Maio de 1886, cuja interpretação foi
objecto de conflito.
Visto que a Convenção de 1886 se restringe apenas à delimitação da fronteira terrestre entre as antigas
potências colonizadores, entre 8 a 10 de Setembro de 1959, teve lugar em Lisboa, negociações, entre o
presidente do Conselho de Portugal e o embaixador da França para Lisboa, com vista à delimitação do
Mar Territorial e da Plataforma Continental entre a Guiné-portuguesa e o Senegal. Das negociações
resultou um Acordo por troca de notas, de 26 de Abril de 1960, que determinam que a fronteira do Mar
Territorial, da Zona Contígua e a Plataforma Continental seguiria o azimute de 240º a partir do ponto da
intersecção do prolongamento da fronteira terrestre da linha de baixa-mar representada por este efeito
pela linha de Cabo Roxo.

A delimitação assim feita marca indelevelmente o panorama africano e, em geral, o mundial na medida
em que vem figurar os espaços em causa no lugar cimeiro da primeira fronteira marítima estabelecida
em África além do Mar Territorial, e a sexta no mundo.

Com a chegada à independência do Senegal, em 20 de Agosto de 1960, e da Guiné-Bissau, em 24 de


Setembro de 1973, os dois países viram-se confrontados com a existência de uma fronteira marítima
imposta pelos seus antecessores.

A factura a pagar era enorme para a Guiné-Bissau. Pois ao observar o tracejado da linha delimitara da
fronteira, à primeira vista, este parece ser favorável à Guiné-Bissau na proximidade da costa, mas, à
mediada que ele se afasta da costa, a tendência se inverte um pouco a favor do Senegal. K. KAMGA
admite tratar-se, de acordo com o conteúdo das notas supracitadas, de uma linha de prolongamento da
fronteira terrestre.

Não sendo a delimitação favorável à Guiné-Bissau, pouco ou nada podia ela fazer para se desvincular do
Acordo. A doutrina de uti possedetis, acolhida posteriormente em 1964 por O.U.A, no Cairo, sob rótulo
do princípio da intangibilidade das fronteiras resultantes da descolonização, aponta para a manutenção
das fronteiras coloniais entre países nascidos de diferentes potências coloniais, sem qualquer ajuste. Na
realidade, o princípio da intangibilidade das fronteiras é uma excepção ao princípio que pretende fazer
tabula rasa, em relação ao Estado sucessor, de todos os tratados concluídos pelo seu predecessor.

Desta forma, apesar da lei n.º 1/73 fazer tabula rasa de todas as disposições das leis portuguesas,
contrárias aos princípios do recém-nascido Estado da Guiné-Bissau, que à data da independência
vigoravam no território, não lhe era possível, por esta via, desvincular-se do Acordo de 1960. Era preciso
recorrer a uma outra saída. Foi o que aconteceu.
Em 1977, por sua iniciativa, teve início o processo das negociações com vista à determinação da
fronteira marítima entre os dois Estados num espírito amigável. Enquanto a Guiné-Bissau servia do vício
de inexistência ou da nulidade do Acordo de 1960, como fundamento para a definição ex novo da
fronteira marítima entre os dois Estados, Senegal se mostrava firme no seu cumprimento integral.
Impasse! Era a expressão que caracterizava a situação.

Para sair desta situação, as partes, por um compromisso arbitral assinando em 12 de Março de 1985,
convencionaram submeter a resolução do diferendo à arbitragem. Assim, nos termos do art. 2.º do
compromisso arbitral, ao Tribunal foi solicitado pronunciar sobre a questão de saber se a Convenção
luso-francês de 26 de Abril de 1960 era aplicável às relações entre a Guiné-Bissau e o Senegal, e em caso
de uma resposta negativa, dizer qual seria o traçado da linha que delimita os territórios marítimos dos
dois Estados.

Por sentença de 31 de Julho de 1989, o Tribunal arbitral respondeu afirmativamente à primeira questão
e, por consequência, não respondeu à segunda questão, por se entender que nos termos do art. 2.º do
Compromisso arbitral, a resposta a esta questão é condicionada a uma resposta negativa à primeira.

A sentença suscitou a imediata contestação do Governo da Guiné-Bissau, que em 2 de Agosto de 1989,


fez saber que recusa o seu conhecimento, mostrando-se, no entanto, disposto a reabrir as negociações a
fim de chegar a uma solução completa e definitiva que proceda à delimitação equitativa desejada.
Perante a resposta do Governo Senegalês de cumprir integralmente a sentença, em 23 de Agosto de
1989, a Guiné-Bissau interpôs o recurso junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ)[1], pedindo a
declaração de inexistência ou da nulidade da sentença em causa.

Na sua sentença de 12 de Novembro de 1991, o TIJ julgou que a sentença de arbitral de 31 de Julho de
1989 é válida e obrigatória para as partes. No entanto, não deixou de sublinhar que nos termos do art.
2.º do compromisso arbitral a sentença de 2 de Agosto de 1989, foi infeliz ao não proceder à delimitação
completa dos espaços marítimos que relevam respectivamente para as partes. Isto é, visto que o Acordo
de 1960, não abrangia a delimitação da ZEE, que à data da conclusão do Acordo só timidamente existia
da prática de algumas Estados, era necessário que a sentença arbitral procedesse à sua delimitação.

Com efeito, tomando a consciência deste facto, Senegal manifestou o seu desejo de ver definitiva e
completamente regulado o diferendo, assim como a sua disponibilidade de envidar todo o esforço para
uma a solução que permita pôr fim ao diferendo, inclusive a abertura de novas negociações sobre a
delimitação da ZEE. Assim, o TIJ considerou eminentemente desejável que os elementos do diferendo
não regulados pela sentença arbitral de 1989 pudessem ser feitos dentro de um melhor prazo, de
acordo com a vontade das partes.

Em cumprimento deste desejo comum, as partes abriram em Janeiro de 1992, novas negociações a
respeito das suas fronteiras marítimas, como é próprio do processo de delimitação marítima na região
africana. Todavia, as discussões levadas a cabo no âmbito deste processo negocial, em vez de se
centraram sobre as questões relativas à delimitação da ZEE, ainda não efectuada, passaram a centrar
sobre a exploração em comum da zona em litígio. Destas negociações resultou, de uma forma
inovadora, em termos do contencioso internacional, a conclusão, extra-judicial, do Acordo de Gestão e
de Cooperação entre as partes, assinado em 14 Outubro de 1993, que põe fim ao conflito. Por via deste
Acordo, as partes criaram, assim, a zona de exploração comum cuja gestão e exploração é confia a uma
agência internacional criada no âmbito do Acordo.

Por falta da regulamentação sobre a organização e funcionamento da agência, uma terceira ronda das
negociações teve lugar, a qual terminou com a assinatura em 12 de Junho de 1995, em Bissau, do
Protocolo de Acordo sobre a organização e funcionamento da referida Agência de Gestão e de
Cooperação.

Concluído por um período de 20 anos, renovável por tácita recondução (art. 8.º de Acordo de 1993), o
Acordo versa essencialmente sobre três questões: delimitação da zona de exploração comum,
modalidades de exploração em comum dos recursos e partilha dos recursos haliêuticos.

É destas questões que ocuparemos a nos itens que se seguem.

A delimitação da zona de exploração comum

Nos termos do Acordo luso-francês de 1960, o tracejado da linha que delimita a fronteira do Mar
Territorial, da Zona Contígua e a Plataforma Continental entre o Senegal e a Guiné-Portuguesa, seguiria
o azimute de 240º a partir do ponto da intersecção do prolongamento da fronteira terrestre da linha de
baixa-mar representada, por este efeito, pela linha de Cabo Roxo.

Para a criação da zona de exploração comum, as partes eram obrigadas a cada uma fazer concessão de
uma parte do respectivo espaço marítimo a favor da zona comum de exploração. Assim, a Guiné-Bissau
teve que fazer uma concessão de 20º em direcção a Sul de azimute de 240º, e Senegal, uma concessão
de 28º do seu espaço em direcção ao norte do azimute de 240º.

Em consequência destas concessões a zona de exploração comum passa a situar-se entre os azimutes
268.º e 220.º, traçados a partir do Cabo Roxo, com exclusão de maior porção dos Mares Territoriais dos
respectivos Estados (art. 1.º, § 1º, 2º e 3º do AGC 1993).

A zona assim delimitada cobre mais a PC do que a ZEE. Esta última não vinha delimitada pelo Acordo
luso-francês de 1960, e nem pela sentença arbitral de 1989. A zona criada trata-se, assim, de um arranjo
provisório para a ZEE.

A determinação destes limites (da zona de exploração comum) foi o resultado de um processo de
negociação muito longo e difícil, que durou quase dois anos (de Janeiro de 1992 a Outubro de 1993). O
“endécape” estava em saber qual a proporção da PC e da ZEE com que cada Estado devia participar para
a criação da zona de exploração comum. A questão se colocava mais em relação à PC, visto que a ZEE
não vinha delimitada nem pelo Acordo de 1960, nem pela sentença arbitral de 1989 e muito menos pela
decisão do TIJ de 1991.

Por trás deste longo e doloroso duelo estava assim o potencial de hidrocarbonetos, que era já de
conhecimento das partes. Na zona, existem duas comandas importantes de hidrocarboneto, Dôme Flore
e Bloco 4, que foram já desde de 26 de Julho de 1995, objectos de concessão pela Agência de Gestão e
de Cooperação, por conta dos Estados Partes, às firmas americanas Pectin e Energy Development
Corporation, em associação com Pétrosen. O Dôme Flore, sitiado ao interior da linha de azimute de
240º, da parte do Senegal, conta com uma superfície de 5383 km2. Da sua prospecção por numerosos
furos realizados permitiu descobrir reservas de óleo ligeiro e bruto. O bloco 4, outrossim, situada na
zona comum, tem uma superfície de 3714 km2.

A consciência da existência destes recursos na zona, explica o tão agarrado duelo consentido pela
Guiné-Bissau e o Senegal alimentados, cada um deles, pela cobiça de reservar o exclusivo da sua
exploração aos respectivos nacionais, como, naturalmente, acontece na delimitação das costas
marítimas onde existem indícios destes recursos. Aliás, hoje em dia os recursos haliêuticos deixam de
ser, na prática dos Estados, o tema principal na delimitação das fronteiras marítimas para passaram a
dar lugar, aos recursos em hidrocarboneto.

Na verdade mesmo, estes recursos têm um lugar marcáveis na produção mundial. Só produção do
offshore do petróleo e do gás representam 25 a 30% do total da produção mundial.
Por isso mesmo, a existência de petróleo, ainda que de uma pequena área petrolífera se tratar, pode
fazer uma diferença notável na vida dos cidadãos do Estado costeiro sob a jurisdição do qual ele se situa.

É isto que explica a relutância do Senegal, durante a terceira fase das negociações, em abriar a mão do
Dôme Flore a favor da zona de exploração comum, sobretudo por ter despendido na sua prospecção,
entre 1960 a 1984, um investimento total calculável no valor de 22 bilhões de FCFA, dos quais 6 bilhões
foram suportados por Petrosen. A Guiné-Bissau, pelo contrário, persistia na posição contrária a favor da
integração do Dôme Flore na zona comum. Triunfou a sua posição da Guiné-Bissau. A delimitação da
zona, por azimute de 268º, tem por consequência a integração da parte sul do Dôme Flore e dos furos
que foram realizados por conta do Senegal. Mas a troca deste triunfo tinha que entregar os 20º em
relação ao sul do azimute de 240º como limite sul da zona, uma parte da sua PC mais importante da
qual não queria abrir a mão inicialmente.

Dado à interdependência entre a PC e a ZEE, foi admitida sem muita dificuldade que a zona de
exploração comum seria constituída por uma parte destes dois espaços, delimitada por uma linha única
traçada de uma parte e da outra do azimute de 240º a partir do Cabo Roxo.

No entanto, para salvaguardar das despesas realizadas pelas duas partes com os fundos de Estado para
as pesquisas petrolíferas na zona, mormente pelo Senegal, antes da assinatura do Acordo de 1993,
prevê-se no art. 3.º do AGC1993, o seu reembolso, o qual, nos termos do mesmo artigo, se realiza para
cada uma destas partes, conforme a sua participação, dentro das condições e modalidades a determinar
antes da entrada em vigor do presente Acordo.

A Agência de Gestão e de Coordenação: organização e gestão dos recursos

Como exemplo de cooperação na gestão de espécies transzonais pode ser apontado o Acordo de Gestão
e de Cooperação entre a Guiné-Bissau e o Senegal de 14 de Outubro de 1993, que para além de criar
uma zona de exploração comum prevê a criação de uma Agência internacional para a gestão e
exploração dos recursos da zona comum cuja regulamentação foi estabelecida mais tarde pelo
Protocolo de 1995.

À semelhança da Autoridade Internacional dos Fundos Marinho, órgão responsável pela gestão da Área,
um espaço marinho, sui generis, criado pela Convenção de Montego Bay, o Protocolo de 1995
institucionalizou a Agência de Gestão e de Cooperação, com a finalidade de gestão e explorações dos
recursos da zona de exploração comum criada no âmbito do Acordo de 1993.
Sob a designação da Agência de Gestão e de Cooperação, o Protocolo de 1995, cria, na realidade, duas
instituições distintas, ainda que uma é estreitamente dependente doutra: a organização internacional
propriamente dita (Agência) e o seu instrumento de acção (Empresa). Com a constituição da Agência a
Guiné-Bissau e o Senegal ficam substituídos nos direitos e obrigações que detinham relativa à
exploração dos recursos da zona comum e consequentemente deixam de poder intervir directamente
na exploração destes recursos (art. 5.º do AGC1993). Com efeito, a sua intervenção na actividade
desenvolvida na zona comum passa a ser conjunta e indirectamente através dos diferentes níveis da
estrutura da Agência e da Empresa, onde são assegurados a representação.

Em reconhecimento da justiça igualitária, em matéria e investigação, de exploração e de


aproveitamento dos recursos da zona, assim como em matéria de fiscalização e de investigação
científica, o direito aplicável é o direito senegalês no domínio mineiro e petroleiro, e o direito guineense
no domínio da pesca. No entanto, num e noutro domínio, a Alta Autoridade pode propor aos Estados
partes as modificações ou emendas necessárias à regulamentação em vigor (art. 24.º, n.os 1, 2 e 3 do
PAROFAGC).

Visto que os Mares Territoriais dos respectivos Estados partes no Acordo são excluídos da zona de
exploração comum, salvo uma pequena parcela, a gestão e exploração conjunta dos recursos haliêuticos
em apreço tem lugar predominante nas zonas limítrofes da ZEE dos dois Estado. Estas zonas, por
aplicação do Direito interno da Guiné-Bissau, ex vi do art. 4.º, n.º 2, são reservadas à pesca industrial.

Nas partes dos Mares Territoriais abrangidas pela zona de exploração comum, a pesca artesanal de
pirogas, mais desenvolvida no Senegal do que na Guiné-Bissau, é autorizada, aos nacionais de cada um
dos dois Estados (art. 1.º, § 3º do ACG1993), e deve ser feita, esclarece-se, de acordo com o Direito
interno guineense.

A partilha dos recursos da zona de exploração comum

No que diz respeito à partilha dos recursos haliêuticos, importa antes referir que em razão das
condições hidrológicas comparáveis e das características sedimentológicas muito próximas, as zonas
económicas Exclusivas hipotéticas da Guiné-Bissau e do Senegal contenham as mesmas espécies e os
dois espaços marítimos pertencem a um mesmo ecossistema rico em recursos haliêuticos, muito
embora, sublinha-se, as águas da Guiné-Bissau contêm as potencialidades mais importantes[2]. É tendo
em conta esta consideração que a partilha dos recursos haliêuticos provenientes da exploração se fará
sobre uma base de perfeita igualdade: 50% para o Senegal e 50% para a Guiné-Bissau (art. 2.º, § 1º, 1ª
parte do AGC1993). Ou seja, sob partilha do Secretário-Geral da Agência, a Guiné-Bissau e o Senegal têm
o direito de perceber a cada um 50% dos benefícios da exploração e aproveitamento dos recursos
haliêuticos da zona de exploração comum. Todavia, comparando a importância do ecossistema marinha
da Guiné-Bissau com a percentagem do benefício que lhe é assegurado na partilha, a bondade desta
partilha é a questão que logo salta à vista de um observador atento. Na verdade, o ecossistema
marítimo guineense é mais rico do que o senegalês. A costa marítima guineense representa para o
conjunto do ecossistema marinho dos Estados costeiros limítrofes um autêntico viveiro marinho e
contribui para a renovação dos recursos objectos de pesca industrial nas ZEE dos destes Estados.
Portanto, devia este factor ser tido em conta para a justiça material da partilha, à semelhança do critério
material que ditou a partilha dos recursos mineiros da zona a favor do Senegal.

Pois, ao contrário do estabelecido para os recursos haliêuticos, a partilha dos benefícios da exploração
dos recursos da Plataforma Continental da zona de exploração comum é extremamente desigual. O
Senegal perceberá 85% de recursos em hidrocarboneto que advêm da exploração da zona, enquanto a
Guiné-Bissau deveria contentar-se apenas com 15% (art. 2.º, § 1, 2ª parte do AGC1993).

A explicação para esta diferença se encontra no art. 6.º do AGC1993, segundo o qual a criação da zona
de exploração comum não põe em causa os “(...) títulos anteriormente adquiridos por cada uma das
partes e, os confirmados pelas decisões judiciais, assim como as pretensões anteriormente formuladas
pelas partes referentes aos espaços não delimitados”. Esclarece-se, a existência da zona de exploração
comum não a afecta a delimitação dos Mares Territoriais, das Zonas Contíguas e das Plataformas
Continentais entre a Guiné-Bissau e o Senegal nos termos estabelecidos pelo Acordo luso-francês de
1960 e confirmados pela sentença arbitral de 1989 e pela sentença do TIJ de 1991; e muito menos tem a
pretensão de definir o traçado da linha delimitadora das suas Zonas Económicas Exclusivas.

Portanto, para todos os efeitos, no presente e no futuro, a fronteira marítima entre os dois Estados é
aquela cujo tracejado de linha segue o azimute de 240º a partir do ponto da intersecção do
prolongamento da fronteira terrestre da linha de baixa-mar representada por este efeito pela linha de
Cabo Roxo. O que acontece é que, ex vi do Acordo de exploração comum, cada um dos Estados partes
ao mesmo tempo que conceda uma parcela do seu espaço marítimo a favor de criação da zona de
exploração comum, conserva para si o respectivo título legitimador. Desta forma, considerando que até
hoje, em termos do potencial em hidrocarboneto, em geral, só a PC do Senegal contém a camada
provada, da qual o Acordo de 1993, inclui uma parte na zona de exploração comum, Senegal teria que
levar a maior fatia na divisão do bolo, 85% contra 15% da Guiné-Bissau.

Trata-se, no entanto, de um critério de partilha provisório que atende a distribuição espacial,


actualmente confirmada, dos recursos em hidrocarboneto. No futuro, é possível, e é mesmo provável, a
alteração deste critério a favor da Guiné-Bissau. É possível começar já sonhar com a inversão da situação
actual? Os estudos demonstram que em relação aos outros Estados da sub-região (Mauritânia, Senegal,
Gâmbia, Guiné-Conakry), a Guiné-Bissau possui o mais forte potencial em hidrocarboneto e que terá a
maior probabilidade, no futuro, de descobrir o petróleo se consentir importância aos trabalhos de
investigação. Aliás, de acordo com os mesmos estudos, a camada do Dôme Flore, cuja parte sul está
incluída na zona de exploração comum, não passa de uma pequena parte do potencial em
hidrocarboneto da sub-região, cuja proporção maior se situa na Guiné-Bissau.

É tendo em vista à evolução provável da situação actual, promissora mormente para a Guiné-Bissau, que
encontramos no Acordo de 1993 uma norma, que preveja a revisão do critério de distribuição dos
benefícios em função de descoberta de novos recursos (art. 2.º, § 2º do AGC1993).

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Litígio Guiné-Bissau/Senegal sobre a Delimitação das suas Fronteiras Marítimas, Relatório de


Doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1993/94

[1] Em sentido técnico, não se trata propriamente do recurso na mediada em que não existe a
hierarquia entre os tribunais internacionais.

[2] Sobre as potencialidades das águas marítimas da Guiné-Bissau vide a nossa Dissertação de Mestrado
em Direito.

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