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Jean Remy e Liliane Voyé, La ville: vers une nouvelle definition?, L’Harmattan, Paris, 1992 Este livro é 0 resultado do pensamento constante e interessado que Jean Remy e Liliane Voyé tém dedicado a cidade ha trés décadas ' e é uma tentativa de entendimen- to do actual processo de mudanga das for- mas de organizagao espacial. Subjacente as suas anilises do urbano estio alguns pressupostos sobre a importancia do estu- do da cidade “per si” e sobre os processos de transformagio da cidade actual. Desde sempre que os autores defende- ram a importincia do estudo da cidade e a sua especificidade no contexto da sociolo- gia, bem como a ndo deductibilidade das formas espaciais das outras esferas do so- cial. Aqui assumem-se claramente as di- mensées de interacedo entre o espago ¢ as outras dimensdes, defendendo-se que “os modos de espacializagio da vida social devem ser estudados como um fenémeno social total mas entendido sob um angulo especifico” (p.169). Atravessa 0 livro a percepgao de que a cidade esta em franca mudanga, entendida como resultado da mobilidade que carac- teriza a sociedade dos nossos dias: "Nesta perspectiva, é particularmente importante entender a transformagdo dos modos de espacializagao resultantes do desenvolvi- mento da mobilidade sob todas as suas formas, quer se trate daquelas que aqui evocdmos quer daquelas que as novas tec- nologias comegam a induzir” (p. 169). Procurando, sob o Angulo "das formas de apropriagao do espago”, detectar as actuais transformagées da cidade, os autores arti- culam na andlise a forma das cidades a vida urbana a partir de uma matriz de trés entradas: o “sistema social", 0 "sistema cultural” e o “sistema da personalidade” *, Confrontando varias formas espaciais ‘com varios modos de apropriagio do espa- 90 — a aldeia, a cidade néo urbanizada (a cidade medieval), a cidade no proceso de industrializagdo ea cidade “em situagao de urbanizagéo” — os autores interessam-se pela “comprensio do estatuto do espago ¢ dos modos de agrupamento das populago- ¢s ...0 propésito é mostrar como a urbani- zagio, entendida como processo que integra a mobilidade espacial na vida quo- tidiana, conduz, a uma redefinigdo da inci- déncia dos modos de territorialidade sobre as formas sociais de trocas e de estratura- giao das relagées de forga” (p.7). A mobilidade espacial caracteristica da vida de hoje permite no apenas uma ex- tenséoindefinida da cidade masa alterago da sua logica funcional e residencial. As- siste-se a uma dissociagéo espacial das fungdes urbanas e a uma "especializagio” das logicas residenciais, marcadas quer pe- as condigdes econémicas de acesso a de- terminados bairros quer pelos ambientes culturaise simbélicos que eles transmitem, © que origina uma distribuigdo segregada dos grupos sociais pelos diferentes “bair- ros" Assim, na cidade actual a populagdotem obrigatoriamente que se deslocar. A mobi- lidade 6 uma condigao de adaptagao e de participagdo na vida urbana e a maior, ou menor, capacidade dos grupos sociais em se integrarem nesta mobilidade definira o seu direito, ou exclusao face a cidade. As l6gicas de apropriagao da cidade es- téo profundamente marcadas “pela possi- bilidade e capacidade de integrarem positivamente a mobilidade ca diluigao do controle ecolégico que era, também ele, um garante da seguranga de cada um”. Depois de analisar, de forma “ideal-tipi- ca” e segundo as “trés entradas” ja referi- das, as diferenciais formas de apropriagio do espago pelas familias (definidas através de perfis de projectos de vida) os autores debatem algumas das interrogagdes mais interessantes e mais actuais sobre a cidade. 234 Pretende-se que a urbanizagdo, tendo feito sntimentos de pertenga colectiva a favor da primazia do individualismo e do direitoa escolha, esté perante a emergéncia de uma sociedade de massas que questiona a sua relagdo com as elites e com a multi- dio nas suas definigdes tradicionais *. Defendem os autores que a "anomii no parece ser a resposta urbana mais fre- guente e que seria necessirio aprofundar a “Nensio dialéctica” entre a consciéncia in- dividual e consciéncia colectiva colocando a hipotese de "novas consciéncias" que as articulem. La ville: vers une nouvelle définition? & um livre muito bem estruturado que nos leva menos a um conhecimento de novos factos do que a uma nova reflexdo e inter- pretagio. sobte os factos que jé conhec mos. Ele, tal como o titulo sugere, é importante, menos pelas respostas que di do que pelas interrogagées que coloca que sdo, de facto, aquelas com que se debatem, hoje, os pensadores sobre a cidade seja qual for a especificidade da sua interven- gio. Recensdes Notas 1Qs dois autores publicam o seu livro Ville, phénoméne économique, em 1966, La ville et l'urbanisation, em 1974, Ville, ordre et violence em 1981 e os dois autores ¢ Emile Servais, Produire et reproduire: une socioto- gie de la vie quotidienne, em 1980. *Jean REMY, Liliane VOYE, Emile SERVAIS, Produire et Reproduire?: une sociologie de la vie quotidienne, 1980, 2 vol., Vie Ouvriére, Bruxelas. 3As actuais “violéncias urbanas’ no mundo ocidental eo permanente fazer e desfazer das clientelas partidarias € lobbies mostra a importancia desta reflexio para 0 entendimentos dos “actuais movimentos urbanos’. Isabel Guerra

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