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Pinto, Manuel. 1994. «Requisitos para a Viagem». Noesis (Margo), 16-18. Rubin, Joan Shelley. 1992. «TV Without Guilt», The New York Times Book Re- view, 12 Julho, 20. Jean Remy e Liliane Voyé, A cidade: rumo a uma nova defini- ¢ao? Porto, Edigdes Afrontamento, 1994. Tradugao de José Domin- gues de Almeida. Jean Remy e Liliane Voyé, co-autores de uma vasia obra no campo da sociologia rural ¢ urbana, publicaram em 1992, nas edigdes L’Harmattan, 0 livro agora editado om portugués polas Edigdes Afrontamento. «A cidade: rumo a uma nova defini- a0?», sendo a primeira das obras dos autores a ser traduzida em portugués, retoma as problematicas por eles discutidas em trabalhos anteriores. A compreensae do estatuto do espaco e a importancia do espaco na explicagao da vida social conti- nuam a ser 0 objecto central deste trabalho, como ja tinham sido em «La ville et urbani- sation», de 1974, e «Ville, ordre et vio~ lence», de 1981 Nesta obra a t6nica é colocada na pers- pectiva da logica de apropriacao do espacgo, visando os autores a compreensao dos modos de agrupamento das populagées das actividades. Retomando a discussao de «La ville et urbanisation», a légica social que preside as diferentes modalidades de apropriag¢ao do espaco € problematizada em trés situagdes opostas: a situagao nado urbanizada, a situagdo transitéria, corres- pondendo ao periods inicial da industrializa- Ao, e a situagao urbanizada A oposicao entre estas trés situagoes € exiremada através do recurso ao método do ideal-tipo, servindo esta construgao de situagées simplificadas ¢ contrastadas para fazer sobressair a urbanizaco como 0 pro Recensées cesso que determina diferentes légicas sociais de apropriagdo do espago. Nesta éptica, a urbanizagdo é definida como sendo 0 processo através do qual a mobil dade espacial vern estruturar a vida quotidi- ana, nao s6 porque essa mobilidade ¢ tec- nicamente possivel, mas também porque ¢ socialmente valorizada. «A cidade: rumo a uma nova defi ¢40?>, ao equacionar em que medida a apropriagao do espaco é um factor indutor € induzido da transformagao social, apre- senla-se como uma obra de alcance estru- tural que procura caracterizar a espacializa- (40 das dinamicas sécio-econémicas pro- sentes. E por isso que a articulagao entre as modalidades de apropriagzo do espago € as estruturas sociais ¢ a moldura de fundo desta obra. Esta abordagem da relagao entre mate tialidade do espago e efeitos sociais 6 cons- truida contra as interpretagdes funcionalis- tas, economicistas e culturalistas que tomam a cidade como objecto de estudo. Significa isto que a validade da confrontagao, corren- temente estabelecida, entre cidade @ campo é limitada, uma vez que as caracteristicas da materialidade de um dado espago nao impdem necessaria e automaticamente determinados modos de vida. Para reforga- rem este argumento, os autores sublinham que 0 mado como as relagdes sociais sao estruturadas é fortemente induzido pela morfologia do habitat em situagdes nao urbanizadas — independentemente de se tratar do campo ou da cidade — enquanto em situagdes urbanizadas as ligagdes entre a materialidade do espago e a vida social so muito mais flexiveis. De maneira a justificarem que a oposi- 0 urbanizado / nao urbanizado é mais pertinente que a oposigaio cidade / campo no estudo dos modos de relacionamento da sociedade com 0 espago, Jean Remy @ Lili- ane Voyé, retomando a discusséo promo- vida em «Produire ou Reproduire? Une sociologie de la vie quotidionne» (co-autoria, de Jean Remy, Liliane Voyé e Emile Ser- 209 210 Recensées vais, editado em dois volumes pela Vie Ouvriére, Bruxelas, em 1978 e 1980 res- pectivamente) procuram avaliar o impacte do espago a trés niveis distintos em que se fundam e moldam as relacdes sociais: i) 20 nivel do sistema social, onde sao conside- radas as interdependéncias que se estabe- lecem em fungao das actividades colectivas e que remetem para quesiées como a defi- nigdo de prioridades, o estabelecimento de relagdes de poder € a sujei¢ao ao controlo social; ii) 0 sistema cultural, que diz respeito & difusdo dos cédigos de conduta social- mente valorizados; ii) e, por fim, 0 sistema da porsonalidade, que se reporta ao espaco em que 0 individuo manifesta a sua subjec- tividade, elaborando os seus projectos com maior ou menor autonomia relativamente as condigdes objectivas impostas pelos dois sistemas anteriores. Cada um destes niveis supde légicas sociais que divergem em virtude das carac- teristicas dos espagos em que se desenro- lam. A mobilidade espacial, enquanto ele- mento mais significativo do processo de urbanizaco, assume uma posi¢ao de relevo nesta obra, jd que € por seu intermédio que as diferengas entre formas espaciais e os seus efeitos soviais se acentuam. E isto ocorre, ndo s6 porque ha condigées técni- cas que favorecem a mobilidade, mas sobre- tudo porque ela passa a ser progressiva- mente valorizada, ficando esta valorizacao a dever-se ao facto de a mobilidade ser um forte instrumento de individuagao. Neste contexto, na sua definigdo de ideal-tipo, so maiores as semelhangas entre campo e cidade nao urbanizados que entre campo nao urbanizado e campo urbanizado. Assim, © aigumento dos autores funda-se na con- vicgao de que a mobilidade — entendida na sua dupla vertente (técnica e social) — nao s6 poe em causa a oposicdo campo / cidade como dilui a associagao corrente- mente corroborada entre cidade e urbano e entre campo e nao urbano. © que esta concepedo de urbanizagao tem de novo é o facto de romper em abso- luto com as concepgdes que definem campo € cidade a partir das dimensdes descritivas € funcionais que tradicionalmento sao evo cadas por esses dois conceitos. As razdes pelas quais os autores rejeitam, desde logo, essas concepgoes, ficam a dever-se ao facto de, presentemente, a extensao das cidades ser incomensuravel, de assistirmos a uma disseminacao espacial das fungdes eminentemente citadinas de estarmos em presenga de formas de apropriagao dos espagos em que a fungao residencial é dominante e que revelam a imposicao de dindmicas socioculturais que desvalorizam as relag6es interpessoais, 20 mesmo tempo que evidenciam o caracter ambivalente da mobilidade espacial, que se apresenta como um recurso para determinados gru- pos sociais e como uma imposigdo para outros Aanalise, através do recurso ao método de ideal-tipo, das trés situagoes em que ocorrem as varias modalidades de apropria- 0 do espago, incidindo sobre as légicas sociais que se situam ao nivel de cada um dos trés sistemas focados, procura, assim, definir os contornos das relagdes que se estabelecem entre os diferentes sisternas e avaliar as incidéncias que a mobilidade espacial, fomentada pelo proceso de urba- nizagSo, teve nas influéncias que uns siste- mas exercem sobre os outros. Neste sen- tido, a nova definicao de cidade, que os autores anunciam de forma interrogativa, no aponta necessariamente para dinami- cas sociais anémicas, mas mais para o sur- gimento de um modo de territorialidade [isto €, a maneira como o contexto espacial se relaciona com a vida social) que pode ser a base de actuagao de um individuo critico que cultiva a sua subjectividade utilizando a mobilidade como recurso e reagindo contra determinadas imposiges objectivas defini- das pelos sistemas social e cultural. A nova definigdo de cidade faz da mobilidade espa- cial a condigéo que determina as possibili- dades de incluso e de exclusao na vida urbana, sendo que a apropriagao do espaco baseada na mobilidade (quando esta ¢ uma escolha), 20 permitir uma maior autonomia © subjectividade ao individuo, responde a uma légica social dominanto, baseada na procura de possibilidades de individuagao (que nao significa necessariamente indivi- dualismo), que define, a um tempo, as virtu- des ¢ 0s riscos das cidades actuais. Nestas diferentes possibilidades de apropriagdo do espago, o ponto de vista dos autores baseia-se na defesa do argu- mento de que a andlise da légica de apro- priagao no se confina a andlise do que o processo tem de reprodutor. A hipétese que: procura confirmar este argumento postula que a légica de apropriagdo dos espacos usuftui de uma autonomia substancial rela- tivamente a légica de produgao desses espagos (aspecto que foi objecto dos traba- thos anteriores dos autores, nomeadamente «La ville — phénomene économique», de Jean Remy, editado pela Vie Ouvriére em 1966). O que esta hipdtese pretende alcan- gar 6 a compreensdo do modo como as possibilidades objectivas de um grupo social sao convertidas em esperancas sub- jectivas, originando, assim, configuragées de sentido onde se fundam projectos sociais, Recensdes que encaram 0 espago ja estruturado como um recurso @ que as diferentes posigdes sociais reagem de maneira oposta. Neste sontido, a nova definigao de cidade, subli- nhando quanto o processo de urbanizacao multiplica as disparidades das sociedades capitalistas, prope, no entanto, uma acei- tagao do contlito no seio da vida urbana e combate as correntes que apostam em deter- minados modelos de mortologia do habitat com vista a eliminacao do conflto. Porem, a experiéncia do conflito que a cidade propor- ciona nao é a de um conflito entre posigses sociais antagonicas. E, sim, um conflito baseado em reivindicacées de participagao nas dinamicas socialmente valorizadas tra- zidas pela urbanizagéo e que se catacteri- zam por um certo grau de transversalidade rolativamente aos grupos sociais que emer- gem da vida econémica. Na sua nova defi- nigao, a cidade estende o conflito para la do sector mercantil e aproxima-se da experién- cia da diversidade ¢ da fragmentagao das identidades que sao apandigio da sociedade de massas. Paulo Peixoto 211

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