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Leitura e Compreensão
Discurso político
1
Leia o excerto do discurso político de Emílio Castelar pronunciado em 20 de junho de 1870 na sessão das
Cortes Constituintes. Discutia‑se a abolição da escravatura nas colónias espanholas do continente
americano (Porto Rico e Cuba).
Após leitura atenta, responda ao questionário apresentado.
Senhores Deputados,
Para compreender‑se a fundo o meu discurso, necessário é que se leia o texto da minha emenda.
Deduz‑se que todos os artigos da lei, de todo o sentido, que o governo quer a abolição, porém a abolição
gradual; e nós também pedimos a abolição mas a abolição imediata. Já em outra tarde expliquei que o
5 problema da abolição da escravatura se coloca num terreno muito diverso daquele em que se estava anti‑
gamente. Dantes havia inimigos da abolição; hoje, todos, absolutamente todos, queremos a abolição;
porém, uns querem‑na gradual, que vale tanto como manter a escravatura e seus horrores, enquanto outros
queremos a abolição imediata, que significa extirpar de raiz essa chaga.
Está aqui toda a questão: não dou mais tempo ao governo que o necessário, atendida a distância que
10 nos separa das Antilhas, para levar à execução o grande ato de chamar à vida civil, de chamar à vida do
Direito, quatrocentos mil homens. Tenho dito, em muitas ocasiões, a causa que nos levou a guardar, neste
triste assunto, um silêncio que, muitas vezes, nos há pesado. No dia de hoje, ao levantar‑me para pedir a
abolição imediata, declaro que alivio de um peso enorme meu coração e minha consciência. Sirva‑me de
desculpa por haver calado tanto tempo, sirva‑me de desculpa a frase do Sr. Figueras, magistral como todas
15 as suas frases: em frente de uma guerra, as inspirações do patriotismo.
Senhores, os que querem dar às nações grande influência e grande brilho, necessitam infundir‑lhes
uma grande ideia.
Dai a um povo uma grande ideia e nela lhe tereis dado o poderio e a riqueza.
Pois bem: o que venho pedir hoje é que a nação espanhola se levante à altura dos grandes princípios
20 sociais, na certeza de que servindo à civilização, servindo ao progresso, encontrará a força, encontrará a
riqueza, encontrará o bem‑estar, encontrará o influxo na humanidade a que por tantos títulos tem direito
sua gloriosa história.
Quando nós pedimos que se reconheça nos mais desgraçados de todos eles [os escravos] um direito
que a ninguém devem, que receberam da própria natureza, proclamais a nossa incompetência e pedis que
25 venham os brancos decidir da sorte dos negros, que venham os amos decidir a sorte dos escravos, ah! dos
escravos, livres sem eles e sem nós, livres apesar deles, apesar de nós, livres contra eles e contra nós, livres
como filhos de Deus, como soberanos na natureza, como membros da humanidade; e qualquer poder que
desconheça esses direitos primordiais, seja qual for a lei, ou o pretexto que invoque, comete o assassínio das
consciências, o assassínio das almas, crime que a cólera celeste castiga e que se expia com a infâmia eterna
30 no eterno inferno da história.
Aplausos
Porém, se nos dizem: «Esqueceis que esta lei deve ser uma lei de transações porque diz respeito
à propriedade». Propriedade! Propriedade de quem? Propriedade de quê? Propriedade como? Proprie‑
dade com que títulos? Pois que o homem, o ser inteligente e livre, ativo e moral, pode ser propriedade de
35 alguém?
Aplausos
(1) Emílio Castelar — ministro e presidente durante o período da Primeira República espanhola (1873‑1874), foi um
político de reconhecido valor que se destacou pelas suas qualidades oratórias. Tendo em conta que a tradução do
discurso deste político espanhol se encontra numa edição de 1870, procedeu‑se à atualização da ortografia e da
pontuação.
1. Para responder a cada um dos itens, de 1.1 a 1.10, selecione a opção correta. Escreva, na folha de
respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.
1.1. A fórmula de saudação «Senhores Deputados» (linha 1) mostra que o contexto em que o discurso
foi produzido
(A) é de natureza informal e familiar.
(B) é o espaço institucional do exercício da política.
(C) é um comício eleitoral.
(D) é uma reunião de políticos.
1.2. A utilização reiterada da primeira pessoa do plural — «nós» (linha 4), «queremos» (linha 6), «nos
separa» (linha 10), «nos levou» (linha 11) — durante o discurso tem a intenção de
(A) mostrar a visão dos políticos que se sentam próximo da bancada do orador.
(B) partilhar a responsabilidade dos argumentos que estão a ser apresentados.
(C) reduzir a distância entre o orador e a audiência e conferir uma noção de unidade.
(D) referir um grupo com um passado histórico relevante para a questão debatida.
1.3. A repetição do vocábulo «todos» na expressão «todos, absolutamente todos» (linha 6) acentua
(A) a noção de que os deputados da Assembleia, sem exceção, defendem a abolição da
escravatura.
(B) a ideia de que o passado histórico não deixou marcas no pensamento político vigente em
1870.
(C) a importância que as opiniões parciais têm no debate político.
(D) a noção de que toda a sociedade espanhola defende a abolição da escravatura.
1.4. A oração «que vale tanto como manter a escravatura e seus horrores» (linha 7) é um exemplo de
(A) desvalorização da perspetiva dos oponentes políticos.
(B) elogio à perspetiva dos oponentes políticos.
(C) crítica da perspetiva dos oponentes políticos.
(D) compreensão para com a perspetiva dos oponentes políticos.
1.6. Na expressão «ato de chamar à vida civil, de chamar à vida do Direito» (linhas 10‑11) estamos
perante uma
(A) construção comparativa.
(B) construção paralelística em termos sintáticos.
(C) construção copulativa.
(D) construção aditiva.
1.10. A repetição do vocábulo «propriedade» aliada às interrogações retóricas (linhas 33‑35) enfatiza
(A) o paradoxo presente no argumento que defendia que um escravo era um bem transacionável.
(B) a necessidade que os proprietários de escravos tinham de defender a sua posição.
(C) o processo de captação do favor da audiência.
(D) a construção de uma imagem de credibilidade por parte do orador.