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GRAEFF, Lucas. Memória Coletiva.

IN: BERND, Zilá;


MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. Dicionário de Expressões da
Memória Social, dos Bens Culturais e da Cibercultura. Canoas/RS:
Unilasalle, 2017, pp. 106-107.

MEMÓRIA COLETIVA
A noção de memória coletiva foi proposta originalmente por
Maurice Halbwachs no livro Les cadres sociaux de la mémoire,
publicado em 1925 pela editora Félix Aucan. A sociologia da
memória foi para Halbwachs um “cavalo de batalha político e
epistemológico” contra Bergson (NAMER, 1997, p. 239, tradução
nossa). Com efeito, um dos pontos de partida teóricos de
Halbwachs se encontra na utilização que ele faz contra Bergson do
livro de Samuel Butler Life and habit, traduzido para o francês em
1922. Halbwachs percebeu que a teoria da dupla memória
(memória-hábito e memória-lembrança) já era desenvolvida por
Butler nessa obra. Halbwachs escreverá contra essa teoria,
notadamente contra a ideia de lembranças se associando
espontaneamente por imagens, dizendo que as lembranças se
encadeiam não por associacionismo, mas por cruzamentos de
“correntes de memórias” que escapam ao espontaneísmo da
consciência. A tese central da obra póstuma de Halbwachs, A
memória coletiva, consiste em afirmar que a recordação só é
possível “quando nos colocamos no ponto de vista de um ou mais
grupos e de nos situar novamente em uma ou mais correntes do
pensamento coletivo.” (HALBWACHS, 2004, p. 36). Esse “ponto
de vista” deve ser compreendido à luz dos quadros sociais, que são
“instrumentos utilizados pela memória coletiva para reconstruir
uma imagem do passado, a qual está de acordo, em cada época,
com a mentalidade predominante da sociedade” (HALBWACHS,
1992, p. 40, tradução nossa.).
Nos dois livros clássicos de Halbwachs sobre memória, o conceito
de memória coletiva jamais é enunciado. Por vezes, o autor remete
a uma corrente de experiências que, do exterior, atravessam
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o pensamento dos indivíduos; por outras, ele se refere a quadros –
que são representações coletivas, no sentido durkheimiano – que
influenciariam a memória individual. No primeiro caso, não
haveria memórias individuais, cabendo ao grupo armazenar e
recordar; no segundo, as relações atuais, “enquadradas” pelas
representações coletivas, operariam como gatilho das lembranças
individuais. Logo, a memória coletiva seria o conjunto de
lembranças individuais compassadas pelas representações
coletivas.
Considerando as discussões contemporâneas sobre memória,
segunda proposição é uma hipótese mais plausível que a primeira.
Aceitando-se que a memória coletiva é composta de quadros
sociais e representações coletivas, atividade mnemônica individual
se desenvolveria em uma relação de dependência com a memória
coletiva. Psicologicamente, isso significaria dizer que o
armazenamento e a recordação individuais operam em
consonância os processos de socialização (experiências vividas em
comum, compartilhamento de uma língua natural, etc.).
Sociologicamente, a hipótese de que quadros sociais e
representações coletivas compassam a memória individual permite
localizar, por meio do depoimento de um indivíduo, elementos
fundantes de sua trajetória social e do contexto sociohistórico em
que ele vive. Afinal de contas, como escreveu Halbwachs, cada
memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva.
Autoria: Lucas Graeff

Referências
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do
corpo com o espírito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
BUTLER, Samuel. Life and habit. Londres, Kessinger Publishing,
2004.
HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire.
Paris: PUF, 1952.
______. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.
NAMER, Gérard. Postface. In: HALBWACHS, Maurice. La
mémoire collective. Édition critique établie par Gérard Namer.
Paris, Albin Michel, 1997, pp. 239-295.
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