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Perguntas e Respostas – Religiões Afro-brasileiras
geralmente podem ser transferidos de um lugar para o outro. No caso das religiões
africanas, assim como no caso das religiões dos índios das Américas, isso não é
possível. Isso significa que não é possível um Sioux ser um Sioux na Mongólia, ou
um xamã mongol ser um xamã mongol no Brasil; não é possível ele praticar a
religião dele, porque as principais qualidades divinas são representadas sempre por
certos animais nessas religiões, e estes animais são os animais presentes onde aquele
povo vivia. Não dá para “traduzir por um equivalente”: isto é pensar que a religião
foi uma invenção humana, uma mera elaboração, que você pode reelaborar também
por uma iniciativa humana. Portanto, primeiro por esse motivo fundamental, não há
como tirar as religiões autênticas da África, essas religiões de caráter tribal, do
ambiente africano.
Eu sei que ouvir isso dói nas pessoas que são adeptas dessas religiões. Elas
podem até não concordar comigo, mas vão lá na África e tentem retraçar, pegar
todos os elementos da sua religião, da sua linhagem do Candomblé ou da Umbanda,
peguem as práticas rituais, os nomes das divindades, as orientações morais, e tentem
achar uma tribo na África em que tenha essa religião! Não vão achar em lugar
nenhum! Vão achar o nome de uma divindade numa tribo, o nome de outra na outra,
a prática ritual numa terceira, e assim vai.
Para se ter uma ideia, a maior parte dos especialistas em linguagem acredita, e
é muito razoável crer, examinando os dialetos das principais tribos que foram
conquistadas e trazidas para cá, que o nome Oxalá seja uma corruptela do árabe
“inshaa Allah”, que significa “Se Deus o quer”. Porque existiram os escravos malês,
que eram muçulmanos. No entanto, o escravo malê tinha que casar com a escrava
não-malê, que era zulu ou uma outra coisa, por exemplo; e, no fim, só sobrou aquilo,
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Perguntas e Respostas – Religiões Afro-brasileiras
inshaa Allah, que é um voto que o muçulmano fala quando decide se vai fazer
alguma coisa: “Vamos fazer tal trabalho amanhã? Insha allah”. Ou seja: “Eu tenho a
disposição, mas se Deus assim o quiser, será” (“Se Deus quiser”). Então, esse
escravo malê deve ter passado isso para seu filho, que passou para seu filho, e uma
hora isso se tornou Oxalá, que é uma divindade. É possível que um nome Oxalá
tenha sido agregado a alguma divindade africana original, só que já não é possível
saber mais o que é o quê. Ali existem elementos de Cristianismo, de Islamismo, de
várias religiões tribais africanas, e existem provavelmente elementos de religiões
indígenas nativas do Brasil, e você fala que isso é uma religião só!
Não é que na África não há religiões tribais tão autênticas quanto as religiões
tribais dos índios aqui. É claro que há. Todo lugar tem religião; onde há gente há
religião. Só que lá é onde eles continuaram praticando, primeiro, continuamente; e
segundo, sem misturar com outra tribo – porque lá eles não misturam com outra
tribo de jeito nenhum justamente para não perder a identidade religiosa espiritual
cultural! Então, lá eles têm a natureza que dá os símbolos, e a linguagem que dá os
poemas, os cânticos e o elemento doutrinal fundamental, isto é, o modo de
interpretar os símbolos. Mas aqui não há mais nada disso.
Eu não estou falando isso para alguém sair da sua religião [afro-brasileira] e ir
praticar outra. Eu estou falando isso porque o que você está chamando “a sua
religião” são vários pedaços de várias religiões, e isso é um fato objetivo.