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Reinata Sadimba

por ALDA COSTA

Alda Costa.
Pemba, Moçambique (1953). Trabalhou como
museóloga no Departamento de Museus do
Ministério da Cultura, que chefiou entre 1986 e
2001, e com o qual mantém, até ao presente,
colaboração. Foi Presidente da Comissão
Instaladora do Instituto Superior de Artes e
Cultura (2007-09). É actualmente Directora de
Cultura da Universidade Eduardo Mondlane em
Maputo. A sua formação académica foi feita em
História (1976) e Museologia tendo concluído
(2005/2006) o Doutoramento em História da Arte
com uma tese sobre arte moderna e
contemporânea de Moçambique (c.1932-2004). A
sua experiência profissional inclui ainda, entre
outros domínios, o ensino e a planificação
curricular. Entre as suas publicações contam-se
Este livro sobre Reinata Sadimba, tal como o anterior dedicado a Matias Ntundo, prossegue
manuais didácticos sobre história e ensino de
importantes objectivos: documentar a vida e a obra de artistas que marcaram as últimas décadas da
história, artigos, capítulos e textos sobre museus,
nossa história recente, recolher depoimentos relacionados com diversas fases do seu percurso,
museologia e arte em livros, catálogos de
provocar e reunir reflexões e estudos que, gradualmente, vão escrevendo ou reescrevendo a história
exposições e publicações especializadas.
da arte moçambicana. Haverá melhor maneira de homenagear um artista? Os próprios artistas, ao
colaborarem tão estreitamente com o projecto de se darem a conhecer através de um livro, parecem
dizer-nos o quanto lhes agrada a ideia de serem mais e melhor conhecidos, de se exporem a outros
olhos e vozes, de corrigir mesmo o que, em seu entender, terá sido mal percebido sobre a sua obra. Artigos relacionados
Como ilustração de quão importante é este contributo para o estudo e investigação da produção Arte e Artistas em Moçambique: falam diferentes
artística local, começo por reproduzir as palavras que escrevi, há já alguns anos, quando iniciava o gerações e modernidades (Parte 2)
meu projecto de doutoramento e me propunha estudar a complexidade do contexto artístico
Arte e Artistas em Moçambique: falam diferentes
moçambicano. Os potes antropomórficos e as primeiras esculturas de Reinata haviam sido
gerações e modernidades (Parte 1)
seleccionados e integravam a exposição permanente do Museu Nacional de Arte, aberta ao público
em 1989. No meio artístico local manifestara-se alguma estranheza em relação à escolha de Reinata. O embarque do meu irmão para a guerra em
Visando clarificar os conceitos subjacentes à selecção feita e/ou à estranheza que causava essa Moçambique no ano de 1969
selecção, perguntava eu: Reinata faz cerâmica ou escultura? É uma artista popular ou, simplesmente, ARQUIVO BUALA: vários narradores de uma
uma artista? Volvidos alguns anos, melhor equaciona- das algumas das questões que então se história interminável - 26/8 a 13/9 Espelho d'Agua
colocavam, mais do que dar respostas, interessa-me aqui, tendo como referência o que Karin Barber
José Craveirinha e o Renascimento Negro de
escreveu sobre as artes populares em África, chamar a atenção para a importância de continuar a
Harlem
estudar o trabalho de Reinata Sadimba. Mais investigação se faz necessária. Artista do povo, artista
popular, artista tradicional, artista de elite, artista que se situa entre uma e outra categoria, artista
sincrética, onde cabe a individualidade, a novidade e a vitalidade de Reinata? São precisas estas
categorias para apreender as qualidades das formas expressivas do seu trabalho? Como interpretar a Artigos do autor
liberdade de que goza o trabalho de Reinata, a forma como combina diversos elementos culturais, do
mundo rural e da cidade, ou dá resposta às profundas transformações sociais? Bertina ou a arte de Bertina: mudar e permanecer
Ao encontro de Pancho
Um livro como este ajuda também a dar mais visibilidade à arte moçambicana uma vez que pouco se
Arte e Artistas em Moçambique: falam diferentes
tem escrito e/ou publicado sobre o assunto. O trabalho de Reinata, coleccionado e/ou mostrado fora
gerações e modernidades (Parte 1)
de Moçambique, não tem sido excepção. Oscilando entre diferentes categorias artísticas, nem
sempre tem sido divulgado através dos canais oficiais reconhecidos. Vale a pena referir o recente Arte e Artistas em Moçambique: falam diferentes
livro de Chris Spring, curador das galerias africanas do Museu Britânico, em Londres. Em Angaza gerações e modernidades (Parte 2)
Afrika: African Art Now destaca 63 artistas, de perfil diferenciado, activos na cena artística africana, Jorge Dias: olhar o passado de soslaio, abraçar
que caracteriza como diversa e plural, desafiando, assim, ideias feitas sobre África e o avidamente o presente
artista africano.
Pancho Guedes e todas as artes
Pancho Guedes e “a nova arte africana”

Reinata Sadimba está entre os artistas seleccionados. Mostra-se um conjunto de peças, de colecções
particulares, produzidas pela artista aquando da sua participação no Triangle Arts Pamoja Workshop,
havido em 1995, no âmbito da iniciativa Africa 95, visando celebrar as artes de África. Conhecedor do
trabalho recente de Reinata, o autor considera-o como uma história que continua a ser contada ou
como um conjunto de histórias, sendo cada uma delas parte dessa mesma história, a história do povo
Makonde. É Reinata quem também o afirma. Reivindicar as práticas sociais e rituais da sua cultura
faz de Reinata uma artista tradicional? Herdeira de uma tradição que considerava a cerâmica uma
actividade exclusivamente feminina, Reinata cedo se confrontou com outra tradição que vedava às
mulheres a produção de escultura figurativa e foi capaz de quebrar essas divisões históricas. Afirmou
o seu estilo pessoal e original. Mas foi capaz de ultrapassar outras fronteiras? Inspirar-se com a arte
de outras culturas e tempos? Conquistar públicos diferenciados?

A mãe famosa, 1997

Reinata Sadimba é também uma das poucas mulheres artistas cuja vida e criatividade este livro
procura dar a conhecer a outras mulheres artistas, a mulheres estudantes de arte, a públicos
interessados pelas histórias pessoais, experiências físicas, emoções, criação intuitiva, amor pela
beleza presentes no seu trabalho. Olhar a arte praticada por Reinata, adoptando uma perspectiva
simultaneamente regional e nacional, que considera a zona oriental de África e as suas complexas
histórias, migrações prolongadas e muitas culturas diferentes, troca de ideias e estilos, adaptações
culturais e transformações, mas também as especificidades mais recentes de cada história/país,
poderá trazer novos campos de estudo. Dar es Salaam, Nairóbi, Pemba e Maputo são cidades que
marcaram a vida de Reinata. A sua arte foi (é) marcada pela sua experiência nestes contextos, os
diferentes públicos e a influência da coexistência de mercados de arte diversificados. O seu trabalho
insere-se nas múltiplas formas e temas, fusão de fontes, influências, materiais e modos de expressão
que caracterizam a arte praticada nos nossos dias, na geografia que habitamos. Perceber isso talvez
implique revisitar os anos 60 do século passado, a cidade que era Dar es Salaam, os artistas de
diferentes origens que aí se encontravam, o conflito cultural entre tradição e modernidade, o
nascimento do ‘estilo Tingatinga’ que perdura para além da morte do seu iniciador, a ‘revolução’
operada na escultura produzida pelos Makonde e todas as adaptações e transformações ocorridas
desde então. Implica também revisitar a nossa própria história. Este livro e os artigos nele incluídos
vão certamente contribuir para aprofundar o conhecimento sobre a vida, a visão e as respostas que
esta artista vem dando ao seu mundo mais próximo e mais longínquo.

Prefácio do livro Reinata Sadimba, esculturas e cerâmicas, de Gianfranco Gandolfo, design e


paginação de livro de Ivone Ralha, Kapicua 2012.

Explicações da escultora Reinata sobre as peças

por Alda Costa


Cara a cara | 27 Fevereiro 2020 | escultura, moçambique, reinata sadimba

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