Respirei fundo, deitado no chão do meu quarto, após uma noite regada a pesadelos com serpentes bípedes e grilos cavernícolas colossais. Isso sem contar os palhaços. Mas tenho de admitir: o tal Hipnos realmente sabia como desequilibrar uma pessoa. Palhaços alienígenas que prendem pessoas em casulos de algodão doce… Não sei se isso é genial ou estúpido, mas é realmente assustador. De um jeito ou de outro isso tudo é mais do que meu pobre cérebro consegue suportar. Já faziam dois dias que aquilo estava acontecendo e se as coisas continuassem do jeito que estavam eu ia ter que sair do Instituto. Respirei fundo, tentando colocar minha cabeça no lugar. Fugir não era uma opção. Não ia me render ao Rosenscherwt, pois Sabia que nunca me perdoaria se o fizesse. Sorri. Achava que já tivesse esquecido aquilo, mas estava completamente enganado. Certas coisas não podem ser esquecidas, suponho. Troquei de roupas, comi rapidamente no refeitório e então segui para o “Quartel” da Divisão de Tecnologia de Mana Aplicada. Mesmo não gostando da idéia de estar numa divisão de combate começava achar que talvez tivesse sido melhor assim. Se não fosse por isso dificilmente ficaria sabendo sobre o Rosenscherwt e pessoas capazes de usar os outros da maneira como eles usavam eram o tipo de coisa cuja existência eu não conseguia perdoar. Subitamente senti um choque forte atingir minha cabeça. Tudo ao meu redor começou a escurecer e uma dor intensa se espalhou por todo o meu cérebro. Minhas pernas cambalearam quando tentei dar um passo e acabei caindo de joelhos. Conhecia muito bem aquela dor, pois fora ela que assinalara o início dos pesadelos. —Não vai me pegar outra vez! – Disse para mim mesmo. Mesmo dizendo aquilo não tinha forças para resistir à dor. A pressão se intensificava cada vez mais fazendo as veias do meu corpo saltarem e meu pulso acelerar insanamente. “Vamos, Johan, não se entregue!”, repetia mentalmente para mim mesmo. —Johan! — Uma voz conhecida gritou. O som parecia vir de uma enorme distância, porém sentia as mãos da pessoa que o fez me tocarem. —Qual o problema? — A voz parecia cada vez mais distante. Tentei falar, mas meus dentes se recusavam a parar de ranger. As mãos então forçaram minha boca a se abrir e jogaram algo lá dentro. —Engula isso! — o som chegou a mim como um sussurro. Obedeci ao comando e engoli o que quer que fosse aquilo. Em alguns instantes a dor começou a se dissipar e minha visão a se normalizar. Alguns minutos depois estava totalmente recuperado e reconheci minha salvadora: A mulher de cabelos castanhos claros que tratou de mim na minha primeira estadia na enfermaria. —Lisa…? – perguntei ainda tonto – O que era aquilo? —Analgésicos. — ela disse e então ela estendeu a mão para mim— Venha, eu te ajudo! Levantei-me com sua ajuda e encostei-me à parede. —O que aconteceu? – ela perguntou olhando-me preocupada – Estava voltando de um atendimento na Divisão de Biologia quando te encontrei caído no chão. —Não faço idéia de como te explicar. Por agora, pode me ajudar a chegar até a Chantel? – perguntei começando a caminhar. Ela concorda com a cabeça e passa meu braço em volta de seu pescoço. —Sinto muito pelo incômodo. – desculpei-me. —Não se preocupe com isso. Eu sou uma enfermeira, lembra-se? Sorri para ela. Foi um golpe de sorte ter encontrado-a lá, pois, se não fosse por isso, ele provavelmente teria me feito desmaiar e naquele momento estaria preso num pesadelo outra vez. Olhei para seu rosto fino emoldurado pelos longos cabelos. Talvez fosse pela situação, mas ela realmente me pareceu mais bonita do que nunca. Quando chegamos à sala me sentei numa cadeira enquanto os quatro, Chantel, Mary, Dave e Lisa, fitavam-me confusos. Chantel foi a primeira a romper o silêncio. —Então, agora pode explicar o que aconteceu? – ela perguntou séria. Respirei fundo para me recompor. Tudo que ocorrera no corredor ainda estava fresco na minha memória e fazia minha cabeça latejar. Quando finalmente me recuperei por completo comecei minha explicação. —Começou quando encontramos aquele corpo. — meu estômago já começava a reclamar — Quando desmaiei fui parar dentro de um pesadelo, mas tudo era extremamente real. Depois que acordei desse primeiro pesadelo estava num quarto e comigo estava um homem. —Cerrei os olhos para e a cena se repetiu na minha mente com grande clareza — Ele disse que eu deveria sair do IPDM o mais rápido possível e desde então tenho tido esses pesadelos e as dores de cabeça. Todos me olhavam pensativos. —Mas isso foi só um pesadelo, não foi? — perguntou Lisa. Chantel parecia especialmente introspectiva. Fechou os olhos e ficou parada por alguns instantes com os braços cruzados. —Por acaso ele te mostrou uma tatuagem? — ela falou após alguns segundos e então abriu os olhos. Confirmei com a cabeça. Ela não parecia surpresa, na verdade tenho certeza de que ela já sabia do que se tratava tudo aquilo. —Quando foi que ele te perguntou sobre o Rosenscherwt? – ela perguntou olhando para Mary. —Dois dias atrás. — ela fez uma curta pausa — no dia em que o corpo foi encontrado… – disse num quase sussurro. —Ele também me perguntou no mesmo dia! — Dave exclamou. Ela voltou a fechar os olhos. Àquela altura eu já tinha certeza de que ela sabia o que estava acontecendo. —Hipnos… — Chantel murmurou. Anuí. Talvez devesse ter falado isso de início, mas minha cabeça latejante impediu que o fizesse. Por vários minutos todos pareciam absortos em pensamentos e um silêncio pesado tomou toda a sala. Olhei nos olhos de Lisa e ela retribuiu com um sorriso cálido. Aquilo foi um grande alívio para toda a tensão da situação. Subitamente Chantel abriu os olhos e descruzou os braços. —Vamos atacá-lo! – ela exclamou inflamada. Todos a olharam, estupefatos. —Você está falando sério? — Pergunta Mary, atônita. Chantel confirma com a cabeça. —Na situação atual ele pode matar o Johan quando quiser, certo? — ela disse, olhando para Lisa. —Ele estava muito mal quando eu cheguei… — murmurou minha salvadora. A verdade é que se Lisa não tivesse chegado eu provavelmente não teria conseguido suportar a pressão. —Não só isso, mas também não podemos perder a oportunidade de enfraquecer o Rosenscherwt! – Chantel exclamou – Sabe tão bem quanto eu como isso é importante, Mary! —Eu sei disso melhor que qualquer um! — Mary disse irritada. Seu semblante ainda possuía o ódio que vi da primeira vez — Mas como vamos fazer isso? Ele não possui um corpo físico ao nosso alcance! Chantel sorriu como se já esperasse aquela pergunta. —Realidade Estendida! — ela disse sorrindo. Todos arregalaram os olhos, surpresos e assustados e aquilo me preocupou muito. O que quer que fosse “Realidade Estendida” eu sabia que era algo insano. —O que é Realidade Estendida? — Perguntei. Minha pergunta foi ignorada e uma discussão se iniciou no local. —Isso é loucura! — Exclamou Mary. —Mas pode funcionar! — Disse Dave levando a mão ao queixo. —Vai funcionar! — Disse Chantel, confiante. As faces de Mary estavam cada vez mais vermelhas, sinal de sua crescente irritação. —Não fazemos idéia do que vai ter lá dentro! – ela explodiu – E se tiver algum tipo de bloqueio ou proteção? O que pretende fazer, Chantel? —Vamos nos preocupar com isso caso aconteça. – Chantel disse sorrindo. — O que é Realidade Estendida? – Insisti. Todos se viraram para mim, surpresos —Você não sabe de nada? – Mary esbravejou. Aquilo realmente me irritou. Não é por ser um mago e ter me formado na Universidade Real que tenho de saber de tudo! —Digam logo o que é! – exclamei irritado. Lisa olhou para mim, compreensiva. —Realidade Estendida é o nome dado ao processo no qual, através de Magia, abre-se uma porta para o mundo interior de uma pessoa. É uma magia difícil de ser executada então não é muito comum entre os magos. É natural que você não conheça. – ela disse gentilmente. —Espera aí! – olhei para Chantel que estava parada em sua pose de sabe- tudo – Você não pretende… Ela sorriu —Exatamente, Johan! Vamos entrar na sua mente!