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O GLOBALISMO NA NOVA ENCÍCLICA1

Parece que a moda pegou!


Já ninguém quer nada com o nacionalismo, agora o único - ainda - sobrevivente é o
patriotismo.
De facto, temos que admitir que a Esquerda tem um poder imenso, pois leva a Direita a
defender ideias que não são as suas. É vê-los com orgulho a defender que são patriotas, mas
jamais nacionalistas! Sim, patriotas até aos cabelos, mas antagónicos ao nacionalismo. E a
pergunta que se coloca é se isso será possível, visto que estamos na presença de sinónimos!
Nacionalismo e patriotismo são sinónimos, por isso ninguém deveria poder dizer como
sendo de um sem ser de outro.
O dicionário da Porto Editora2 diz - até ver - o seguinte:
“Nacionalismo - preferência pelo que é próprio da nação a que se pertence; patriotismo.
(…)
Sinónimos: patriotismo.”
Significa isto que, num texto, se alguém usar a palavra patriotismo, poderá em sua
substituição usar a palavra nacionalismo, sem que se lhe altere o contexto ou o significado.
Isto é o significado de sinónimo!
Uma breve consulta a outro dicionário3 bem mais antigo, diz-nos o seguinte:
"Nacionalista: relativo a independência nacional. Relativo a interesses da pátria.
Patriótico."
Diz também que:
“Patriota: pessoa da mesma pátria. Pessoa que ama a pátria e deseja servi-la.”
Fará então algum sentido alguém vir dizer que é patriota, mas não é nacionalista?
Após a II Grande Guerra, muitas alterações foram feitas ao vocabulário, mormente a
percepção que as pessoas têm do significado das palavras. O nacionalismo foi colado aos
nacional-socialistas alemães dos anos 30 e 40 do século passado - vulgo nazis - e à extrema
direita, mas esse nunca foi o seu sentido original, alterando-se o seu significado
1 Carta Encíclica Fratelli Tutti, do Santo Padre Francisco sobre a fraternidade e a amizade social - 03 de outubro de 2020.
2 https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa.
3
Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza, feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete, 2ª edição actualisada, 1925.

1
propositadamente como uma forma de envergonhar o sentimento patriota das pessoas.
O globalismo odeia patriotismos! Ninguém deveria ter vergonha de se assumir como
nacionalista, antes pelo contrário.

E o facto de a extrema-direita também ser nacionalista não deveria mudar nada, pois se
um violador ou assassino for português, os restantes portugueses não vão deixar de querer
ser portugueses, mesmo perante tal evento. Uma coisa não implica a outra, como é
evidente.

Todas essas pseudodefinições de nacionalismo são na realidade chauvinismo. O mesmo


dicionário3 diz-nos que:
“Chauvinista: aquele que nutre ideias e sentimentos próprios de Chauvin.
Chauvin: aquele que nutre sentimentos exagerados de patriotismo, de guerra, de quase
desprezo pelos estrangeiros.”
O dicionário da Porto Editora2 diz o seguinte:
“Chauvinismo:
1. patriotismo exacerbado e agressivo
2. entusiasmo excessivo pelo que é nacional e menosprezo sistemático por aquilo que é
estrangeiro
3. apoio extremado a uma causa, a um grupo, etc.”

Enquanto as pessoas não perceberem que muita linguagem foi posta a circular pela
Esquerda, nunca sairão das teias que ela implantou. Acham que têm ideias próprias e
pensam com a sua cabeça, mas no fundo são reféns sem o saberem. E nem faço ideia de
quantos "dicionários" não existirão por aí subjugados.

E não se pense que isto vem de agora!

Com o aparecimento do humanismo renascentista e da revolução científica, os pensadores


dos séculos XVII e XVIII puderam estabelecer as bases para as revoluções liberais e
respectivas mudanças abruptas na sociedade. Iniciou-se aqui a completa ruptura com o
mundo espiritual.
Na senda de que todas as respostas para os nossos anseios se encontrariam aqui em baixo
na vida terrena, abandonou-se por completo a vida celeste e todos os seus ensinamentos.

2
Mais do que acreditar em Deus, pois cada um terá que lidar com essa questão
internamente, achou-se que a perfeição poderia ser atingida sozinha por nós, seres
imperfeitos.
Santo Agostinho, há quase dois mil anos, já dizia4 que um ser mutável e imperfeito nunca
poderá chegar à perfeição sozinho, pois ninguém poderá dar a si mesmo o que não possui!
Os humanistas da renascença acharam que isso não era verdade e, assim, o iluminismo
sucedeu-lhes, trazendo consigo o jacobinismo da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
A liberdade para fazer o que se apetece e não necessariamente o bem.
A igualdade, forçada naquilo que é diferente.
E a fraternidade entre a humanidade, subjugando os laços afectivos da família e da pátria.

Passado todos estes séculos até aos dias de hoje, o melhor que este determinismo nos
ensinou foi que nada tem para ensinar! Uma breve consulta a um artigo5 recente, permite-
nos concluir que tudo o que nós conhecemos no Universo e que pode, de alguma forma, ser
medido pelos nossos instrumentos, correspondem a uns insignificantes 6% da totalidade!
Quanto aos restantes 94%, não fazemos a mínima ideia do que seja nem como observar,
mas chamamos-lhe matéria e energia escura, para que nos sintamos sábios perante a
absoluta ignorância.
É isso! Tudo o que nós observamos e todas as descobertas que alguma vez foram feitas
pela humanidade estão nos tais 6%.
Trata-se talvez de uma espécie de Efeito Dunning-Kruger6.
Mais uma vez, Santo Agostinho dizia7 que “Não Sois encontrado pelos soberbos, ainda que
numerem com hábil perícia as estrelas e as areias, ainda que meçam as regiões siderais e
investiguem o curso dos astros. Procuram estes segredos com a razão e com o engenho que
lhes concedestes; descobriram muitas coisas e vaticinaram muitos anos antes os eclipses do
Sol e da Lua, o dia, a hora e o lugar em que haviam de suceder, sem se enganarem nos

4 Livre Arbítrio, Livro II, Capítulo 17.


5 Cosmological Constraints on Ωm and σ8 Cluster Abundances Using the GalWCat19 Optical-sprectoscopic SDSS Catalog – Mohamed H.
Abdullah et al 2020 ApJ 901 90.
6 Fenómeno que leva certos indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto a acreditar saber mais que outros mais bem

preparados; é a sua incompetência que restringe a sua capacidade de reconhecer os próprios erros.
7 Confissões, Livro V, Capítulo 3.

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cálculos. Os seus vaticínios realizaram-se. Escreveram normas que eles descobriram e que
ainda hoje se leem. (...) Os homens, que ignoram estes segredos, admiram tais maravilhas e
ficam estupefactos. Os eruditos exultam e ensoberbecem-se. Esses, que por ímpio orgulho
se afastam e eclipsam da Vossa luz, preveem o eclipse futuro do Sol e não veem o seu, no
tempo presente! (…) Conservara, porem, destes filósofos muitas opiniões verdadeiras, cuja
explicação se me oferecia por meio da matemática, da ordem dos tempos e testemunhos
palpáveis das estrelas. Conferia tudo com as declarações de Manes8, que, acerca destes
assuntos, delirando, escreveu muitas obras. Não me dava ele a razão dos solstícios e dos
equinócios, nem dos eclipses das estrelas nem de coisa alguma (...).”

E que tem isto a ver com a nova Encíclica1? Tudo! O Sumo Pontífice escreveu aquilo que
faria Santo Agostinho bradar aos céus de desespero! Não poderei aqui analisar tudo em
detalhe, pois precisaria de pelo menos umas trezentas páginas para as noventa e sete do
documento. Faremos, por isso, a coisa assim por alto.

A Sua Santidade enquadra9 os nacionalismos como sendo “fechados, exacerbados,


ressentidos e agressivos.” A “noção de unidade do povo e da nação (...) cria novas formas de
egoísmo (...)”. Mais à frente10 diz que “ainda há aqueles (...) a defender várias formas de
nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos àqueles
que são diferentes.”
Qualquer sentimento exacerbado deixa de ser positivo e o nacionalismo não foge à regra.
Mas a intenção aqui é clara - a destruição de qualquer sentimento patriótico!

O Papa alicerça11 os direitos humanos em si próprios e não em Cristo, quando afirma “(...)
Que diz isto a respeito da igualdade de direitos fundada na mesma dignidade humana?”.
E mais adiante12 diz que “Todo o ser humano tem direito de viver com dignidade (...) e
nenhum país lhe pode negar este direito fundamental. Todos o possuem, mesmo quem é
pouco eficiente (...). De facto, isto não diminui a sua dignidade imensa de pessoa humana,
que se baseia, não nas circunstâncias, mas no valor do seu ser.”
Trata-se de Humanismo puro! As pessoas nascendo iguais, não mantêm essa condição ao
longo da vida, pois a sua dignidade altera-se, ao contrário do que o Papa escreve.
Promove a expropriação13, sem, contudo, desenvolver em que situações concretas essa
expropriação poderia ter lugar. O caminho fica assim aberto à legitimação de ideologias
sanguinárias.
8 Fundador do Maniqueísmo. Também conhecido como Maniqueu.
9 Encíclica Fratelli Tutti, ponto 11.
10 Encíclica Fratelli Tutti, ponto 86.
11 Encíclica Fratelli Tutti, ponto 22.
12
Encíclica Fratelli Tutti, ponto 107.
13 Encíclica Fratelli Tutti, pontos 118, 119 e 120.

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Depois exalta a abolição de fronteiras14, com a justificação que tudo é de todos, apelando15
para “um ordenamento jurídico, político e económico mundial. (...) isto pressupõe que se
conceda também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns”.

Ou seja, um governo mundial onde a doutrina Católica nada tem a dizer! Tudo porque a
ideia geral é que estamos todos juntos no mesmo barco e não faz sentido uns caminharem
mais à frente sem ajudarem os que estão mais atrás.
Mas e o que é estar mais atrás? Será que a Somália quer ser como a Alemanha? Bem, até
poderá almejar os benefícios da civilização alemã, mas será que quer ter o trabalho de lá
chegar? É que esses chamados benefícios têm muito esforço por detrás! Tem que existir
uma disciplina imensa entre os cidadãos de determinado país para que, por vezes apenas ao
fim de séculos, se colham os frutos de tal empreitada!

Ignora-se o simples facto de existirem uns que trabalham mais que outros e as condições
socioeconómicas nada terem que ver com os recursos naturais de cada país, embora estes
sejam importantes, naturalmente. Ou não fosse o caso, por exemplo, da Venezuela ter um
território com acesso às maiores reservas de petróleo no mundo ou o continente Africano
ser abençoado com vastas reservas minerais muito requisitadas.

Concordo que deva existir partilha de conhecimento para dar oportunidade a outros países
de se desenvolverem, caso esse seja o caminho por eles escolhido, mas cada um tem que
pescar o seu peixe! Dar o peixe à boca não significa ajudar os mais fracos, mas antes pelo
contrário, é sobretudo uma massagem ao ego e à moral de quem pratica tal caridade e um
incentivo ao ócio de quem a recebe.
Ainda na senda do governo mundial, escreve16 que “O século XXI assiste a uma perda de
poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a dimensão económico-financeira, de
carácter transnacional, tende a prevalecer sobre a política. Neste contexto, torna-se
indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes (...). (...) deveria prever
pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para
assegurar o bem comum mundial (...). (...) é necessária uma reforma quer da Organização
das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional”.

14 Encíclica Fratelli Tutti, pontos 121 a 127.


15 Encíclica Fratelli Tutti, ponto 138.
16 Encíclica Fratelli Tutti, pontos 172 e 173.

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Então se os governos nacionais estão a perder cada vez mais a sua autonomia perante o
grande capital, a solução do Sumo Pontífice é aumentar o poder das instituições
supranacionais a caminho de um governo mundial? E porque carga de água seria este
governo mundial imparcial e bem ordenado?! Se, quem quer destruir os governos nacionais
nada de bom faz ao mundo, então esses tipos de mãos sujas que são os mesmos que
advogam um governo mundial, jamais serão dignos de lhes ser confiado tais poderes!

Escreve17 que “Como crentes, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos, não
podem haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade.”
Ao Pai de todos? Será que a Santíssima Trindade já se espalhou para fora do Cristianismo?
Estamos na presença de uma fraternidade que tenta conciliar o inconciliável.

Por fim, e para acabar, uma heresia18 de todo o tamanho, quando escreve que “A Igreja
valoriza a acção de Deus nas outras religiões e nada rejeita do que, nessas religiões, existe
de verdadeiro e santo.”
E esta, hein?! Estamos aqui na presença de um Papa que admite santidade noutras
religiões... Palavras para quê?

Sendo certo que a Encíclica também contém19 pontos magníficos, eles são escassos e
dispersos, infelizmente. No geral, Bergoglio assume aqui uma ausência do sobrenatural e
insiste na fraternidade universal, alcançável pelo simples facto de se pertencer à
humanidade. Talvez se tenha esquecido que para os Católicos a fraternidade só é possível
em Cristo.
A coisa não está nada famosa...

Miguel Morais
27/11/2020

17 Encíclica Fratelli Tutti, ponto 272.


18 Encíclica Fratelli Tutti, ponto 277.
19
Encíclica Fratelli Tutti, pontos 156, 163, 164, 165, 166, 167, 168 e 275.

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