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JULIAN BERTAZZO TOBAR

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PERIOOIZAÇAO

ENTENDER EAPROFUNDAR AMETODOLOGIA


QUE REVOLUCIONOU OTREINO DO FUTEBOL

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TÁCTICA®
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COLABDRAÇAO: TRADUÇAO:
JORGE MACIEL CÉSAR ROMEU PEDROSA COELHO

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Título
Periodização Tática

Autor
Julian Bertazzo Tobar

Colaboração
Jorge Maciel

Tradução
César Romeu Pedrosa Coelho

Design e paginação
Gonçalo Sousa

Impressão
Cafilesa

1• edição
Agosto 2018

ISBN
978-989-655-361-6
Depósito legal
445182/18
Todos os direitos reservados
© 2018 Julian Bertazzo Tobar e Prime Books

PRIME
B OO KS

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Sem custos de envio para Portugal
O mais sincero e profundo agradecimento às pessoas que dedicaram e compar-
tilharam, ao longo dos últimos seis anos, seu tempo, conhecimento e afeto sem querer
nada em troca, a não ser o desejo de contribuir com a construção do conhecimento
no futebol.
De maneira especial, gostaria de expressar minha imensa gratidão ao meu amigo
e colaborador Jorge Maciel, pela intervenção real e concreta, amizade, horas, dias e
anos dedicados à esta obra.
Este livro tem fundamental contribuição do especial e genial Vítor Frade -
professor dos professores, e portanto meu eterno agradecimento.
À Marisa Gomes, Xavier Tamarit, Abel Pimenta, José Guilherme Oliveira;
Romeu Coelho, Mauro Medvetkin, que de maneira direta e indireta me auxiliaram,
o meu muito obrigado.
Com a palavra, Vítor Frade

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Com a palavra, Jorge Maciel

"Os princípiosfandamentais não admitem piruetas."

C2liando o Julian chegou a Portugal não sabia no que essa aventura se iria tornar,
nem que o tal poderia representar para o seu futuro. Muito menos, e tal como eu e ele
expectávamos que nesta altura estivéssemos prestes a avançar para este passo. Um livro
sobre futebol, mais precisamente sobre Periodização Tática. Não é mais um livro sobre
Periodização Tática, é um livro que se irá assumir como referência credível desta meto-
dologia de treino de futebol. Sobre Periodização Tática muita gente fala, mas poucos
a conhecem. Julian tem esse grande mérito, para se expor, primeiro inteirou-se sobre o
que de facto este "teorema em ato" é efetivamente, e não o que dizem ser. Com justiça
intitula o seu livro de "Periodização Tática: Entender e Aprofundar a Metodologia que
Revolucionou o Treino do Futebol", não se trata de um ato de presunção, mas sim de
..
um sentimento visceral de realização e de dever cumprido.
C2liando o conheci pela primeira vez, desde logo lhe notei uma grande vontade
e sede de saber, o que tornou ainda mais proveitosa esta aventura em Portugal, onde
conheceu alguém que tal como a mim, lhe mudou a forma de ver e entender o futebol,
treinado e jogado, o grande professor Vítor Frade. Por não ser daqueles alunos que
lia o título e julgava saber tudo, tinha dúvidas e muita vontade de as esclarecer. Essa
é uma das suas maiores virtudes, não sucumbir perante o desafio da complexidade.
À medida que mergulhava na metodologia mais dúvidas se relacionavam e mais ele
tentava ir ainda mais a fundo. Diga-se que durante estes anos de aprimoramento
desta obra, várias foram as horas que passamos a corrigir, rever e esclarecer aspetos
de maior ou menor pormenor, mas sempre com o afinco de quem sabe que estava a
tratar de algo muito precioso e que nos merece enorme respeito, a Periodização Táti-
ca, a verdadeira, a do Professor Vítor Frade. Estas longas horas passadas agarrados
ao telefone quase me valiam o divorcio, minha esposa até hoje só teve ciúmes de um
homem, do Julian!
O processo foi longo, e teve momentos difíceis, eu e ele bem sabemos disso, mas
para além dessa resiliência necessária para não sucumbir perante a dimensão do assun-
to em mãos, ele manifestou outra enorme qualidade, honestidade intelectual. Foi o
primeiro a dizer, "cara, isso só sai quando estiver mesmo bom. E quando o professor
disser que está conforme":· Parabéns Julian, ficou mesmo muito bom, estou/estamos
orgulhosos!
Neste livro que retrata precisamente o que o seu título sugere, o Julian revela-se
um profissional interessado, empenhado, capaz, ousado e diferente! Mas revela também
pela forma como o foi construindo a sua outra dimensão, humana. Um profissional
com um futuro promissor, mas acima de tudo um homem de valores. Não há princí-
pios sem pessoas, e ambas são fundamentais para o jogar. Com pessoas de valor e com
valores como os do Julian e este seu contributo acredito que será possível um futebol
melhor. O futebol carece de pessoas assim, com paixão, causas e valores.
Por fim destacar que o Julian é uma daquelas pessoas que aos pouco foi entrando
no universo da Periodização Tática, e acredito que marcará com este livro uma posição
muito importante e relevante. É daquelas pessoas que se vão juntando a um grupo
restrito de excelentes pessoas que o professor Vítor Frade consegue agregar em torno
de si e das suas ideias, uma espécie de magia, uma ressonância empática que nos vai
ligando mas que não conseguimos explicar. O Professor tem este condão, tal como a
tática, a admiração por ele e pelas suas ideias, é tácita. Não se explica sente-se, porque o
essencial é invisível aos olhos ...
É uma honra poder ter acompanhado este percurso teu. Sou um privilegiado!
Obrigado e obrigado pelo brio com que tratas esta causa nossa, a Periodização Tática.
Com a palavra, Marisa Gomes da Silva

"Ter uma ideia é sempre melhor do que ideia nenhuma."

O treino de futebol tem tido um crescimento muito acentuado nas últimas déca-
das, promovido pela crescente procura de conhecimento do jogo e da sua organização
no treino. E neste sentido, vários sentidos se foram criando. De um modo comum
conseguimos reconhecer aqueles que se centram no desenvolvimento das capacidades
ditas condicionais dos jogadores (com ou sem bola), aqueles que se preocupam com o
desenvolvimento da técnica dos jogadores e aqueles que procuram nos jogos reduzidos
a "receità' para o treino do jogo. E todos estes sentidos são válidos. E, por isso, merecem
respeito porque quem opta por um caminho assume conceitos, premissas e paradigmas
(consciente ou inconscientemente). Sobretudo quando estas abordagens são a expres-
são pura do pensamento e sentimento do treinador. Sem dramas, sem modas, sem
filtros, sem receios e sem imposições comerciais. Somos o que pensamos e somos o que"
fazemos.
Recentemente, o treino do futebol tem sido inundado por múltiplos interesses
económicos, por um sem fim de protocolos e métodos que prometem a complementa-
ridade necessária ao rendimento. A quantidade de informação que vigora e se encontra
acessível aos mais curiosos revela a falta de conhecimento que o treino do futebol tem
perdido, pelo acrescento constante de "técnicas" que não ajudam à modelação de um
jogo. Face a este contexto global, a periodização tática criada pelo Vítor Frade é algo
que segue por um sentido único e, na maioria, de forma marginal.
A Periodização Tática de Vítor Frade foi marginalizada durante muitos anos, mas
no passado recente esta metodologia tem sido maltratada pela quantidade de pessoas
que falam desta metodologia sem a conhecer. Enganam e vendem mentiras. Alguns
justificam esta conduta pela "crescente procurà' dos apaixonados do futebol (apro-
veitando para fazer negócio) e outros simplesmente procuram ensinar o que nunca
aprenderam, chegando a criar "os complementos" que a Periodização Tática precisa
(no entendimento dos mesmos!). Face a tudo isto, nunca a Periodização Tática foi tão
precisa como agora! Simplesmente porque esta Periodização Tática se centra no desen-
volvimento do jogar através de um conjunto de princípios metodológicos.
Neste enquadramento, este livro meticuloso e dedicado acerca da Periodização
Tática é muito valioso. Porque esclarece aos interessados acerca desta metodologia num
discurso muito específico e singular. A dinâmica deste livro não dá receitas e isso tem
um valor fundamental pois são os princípios (o modo como se faz!) que nos permite
conhecer a periodização de uma ideia de jogo, na sua modelação constante e específica.
Permite desenvolver uma metodologia em vez de um conjunto de métodos ou uma
soma de técnicas ou protocolos. Porque o jogo precisa de paixão, precisa de ser treinado
com respeito pela sua natureza complexa.
A palavra que deixo ao Julian, meu companheiro no terreno em terras lusas, é de
profundo agradecimento. Pelo prazer que me deu em ler o seu trabalho, mas sobretudo
pelo que aprendi! A ligação deu uma lógica singular ao processo - que se fez fazendo!
- mas evidenciando os pilares e os valores da metodologia desta metodologia. A Perio-
dização Tática, que ele mostra (muito bem!) que é só uma...
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 15
1 A FILOSOFIA CARTESIANA 17
1.1 O impacto do paradigma cartesiano no futebol 19
1.1.1 A divisão (e a treinabilidade) do jogo em dimensões isoladas 19
1.1.2 A separação do Jogo em Fases 22
2 A VISÃO SISTÉMICA 25
2.1 A equipa de futebol entendida como um sistema dinâmico, adaptativo
e homeodinâmico. 25
2.2 O jogo de futebol constituído por momentos de jogo 36
2.2.l O "refutar" da dualidade cartesiana (defesa e ataque): O Jogo como
um continuum, uma inteireza inquebrantável 39
2.3 A lógica interna do jogo de futebol 48,.
2.3.1 O jogo como um fenómeno imprevisível, aberto, caótico (determinista)
com organização fractal 48
2.3.2 As dimensões do jogo entendidas à luz da complexidade. A necessidade
de reconhecer o futebol como um jogo regido pela (Supradimensão) Tática 56
3 A PERIODIZAÇÃO TÁTICA 69
3.1 Modelo de jogo, que entendimento(s)? A estrutura de jogo &ideia de jogo 74
3.2 O modelo de jogo 80
3.3 Supraprincípio da Especificidade 99
3.3.1 ATP e Especificidade 106
3.3.2 Musculação versus Especificidade 109
3.3.3 A manifestação da Especificidade através dos exercícios 118
3.3.3.1 Intensidade máxima relativa e concentração. 119
3.3.3.2 A importância da intervenção durante os contextos de propensão 122
3.4 Princípios metodológicos da Periodização Tática 132
3.4.1 Princípio metodológico das propensões 133
3.4.2 Princípio metodológico da progressão complexa 138
3.4.3 Princípio metodológico da alternância horizontal em especificidade 142
3.4.4 Morfociclo padrão 146
3.4.4.1 Jogo de futebol: implicações a nível metabólico.
O que é de facto relevante promover em treino? 153
3.4.4.1.1 O ciclo de auto renovação da matéria viva e a Lei
de Roux a reforçarem a necessidade da alternância
horizontal em especificidade promovida pelo
morfociclo padrão 162
3.4.4.2 Domingo (competição): dia de máxima exigência. 168
3.4.4.3 Segunda-feira (primeiro dia após a competição): Folga 174
3.4.4.4 Terça-feira (segundo dia após a competição): Recuperação 179
3.4.4.5 Qrarta-feira (terceiro dia após a competição - primeiro dia
"aquisitivo"): Dia "azul". 189
3.4.4.6 Quinta-feira (quarto dia após a competição - ~egundo dia
aquisitivo): Dia verde. 200
3.4.4.7 Sexta-feira (dois dias antes da próxima competição - terceiro
dia "aquisitivo"): Dia "amarelo" 204
3.4.4.8 Sábado (um dia antes da próxima competição): Recuperação
direcionada para a competição 210
3.5 Morfociclo com jogos separados por 6 dias (domingo a sábado) 213
3.6 Morfociclo com três jogos na semana. 215
3. 7 A gestão do desempenho-recuperação dos jogadores que não foram utilizados
e/ou relacionados 224
3.8 A Periodização Tática justificada pelas neurociências. 227
3.8.1 O derrubar do mito de que para se tomar boas decisões e realizar
bons julgamentos, necessitamos fazer um apelo única e exclusivamente
à razão, evitando as emoções. 227
3.8.1.1 As emoções (e os sentimentos) como protagonistas na
indução da razão, das melhores decisões e da aprendizagem
de um jogar 228
3.8.2 A importância da positividade durante o processo. 239
3.8.3 Mais do que marcadores somáticos, marcadores de um jogar somatizado! 244
3.8.4 A criação de hábitos como pressuposto para um bom jogar 250
3.8.4.1 O hábito e a economia neurobiológica 265
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 269
"Este livro não te fará ganhar jogos de futebol e campeonatos. Para ganhar jogos
de futebol, os livros não servem. Servem somente os jogadores... E às vezes nem eles, se
as circunstâncias não os ajudam''.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 15

INTRODUÇÃO
Creio não haver ninguém ligado ao futebol que não acredite que um treinador
deva possuir um profundo conhecimento do jogo, de "táticas", estratégia, liderança,
motivação, gestão com jogadores, imprensa e adeptos, etc. Contudo, para que o treina-
dor seja de excelência ele também deverá saber como aplicar as suas ideias na prática,
isto é, deverá também dominar uma metodologia de treino.
Tendo por base os treinadores que ganham regularmente, é possível identificar
um conjunto de características e qualidades que os fazem ganhar mais do que os outros.
Uma delas é acreditar que o estilo de jogo que se quer apresentar em competição, não
é algo que nasce pronto, senão idealizado e construído por eles próprios em conjunto
com os jogadores, ou seja, treinado todos os dias. Por este motivo, cada vez mais os
treinadores de elite investem seu tempo na área do treino.
Este livro pretende atender a todos aqueles profissionais ligados ao futebol que "
procuram aprimorar o seu conhecimento metodológico, para superar os desafios do
alto rendimento, criando circunstâncias favoráveis para que os jogadores e a equipa
possam ter êxito durante as partidas e competições. Nesse sentido, a Periodização Táti-
ca, metoqologia de treino criada pelo português Vítor Frade há mais de 40 anos, cada
vez ganha mais fama e notoriedade, em grande parte devido aos resultados obtidos por
José Mourinho, conhecido treinador ligado a esta metodologia.
Embora nos dias de hoje se tenha tornado comum falar de Periodização Tática,
seja por meio de livros, entrevistas, palestras, cursos, etc., são poucas as pessoas que a
retratam de maneira fidedigna, abordando-a não raras vezes de maneira superficial e
distante da realidade, daquela Periodização Tática que o professor Vítor Frade ideali-
zou. No Brasil, esta metodologia é praticamente desconhecida na sua essência.
De modo a preencher esta lacuna, decidi escrever um livro sobre a verdadeira
Periodização Tática, para esclarecer, retratar e divulgar esta forma singular de conceber
e operacionalizar o processo de treino.

1-
16 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

De modo a que esta obra atendesse aos objetivos referidos, para além de anos de
estudos e prática em diferentes equipas de futebol, tanto ao nível da formação como
profissional, no Brasil e no exterior, fui diretamente ao berço da Periodização Tática,
em Portugal, onde realizei um conjunto de entrevistas e observações com três gran-
des expoentes desta forma singular de treinar: Vítor Frade1, Marisa Gomes Silva2 e
Xavier Tamarit3.
Este livro foi revisto e tem a total anuência e consentimento de Vítor Frade; e
contou com a grande colaboração de Jorge Maciel4, um dos grandes experts no assunto,
uma referência tanto a nível conceptual, metodológico como na prática. Neste livro o
leitor fará uma viagem ao mundo da verdadeira Periodização Tática, a metodologia
criada por Vítor Frade!

1 Vítor Frade: Português, máxima autoridade no assunto, criador da metodologia, assistente de vários
treinadores renomados, campeão nacional várias vezes ao serviço do F.C. Porto. Atuou como coordenador
metodológico deste mesmo clube, tendo importância fundamental na estruturação conceptual e operacio-
nal do departamento de formação.
2 Marisa Gomes Silva: Portuguesa, autora de "O desenvolvimento do jogar, segundo a Periodização Tática",
ex F.C. Porto, atualmente exerce duas funções na Federação Portuguesa de Futebol feminino: treinadora
adjunta da seleção principal e selecionadora do escalão Sub-17.
3 XavierTamarit: Espanhol, autor dos livros 'J Qué es La Periodización Táctica?' e "Periodización Táctica vs
Periodización Táctica", treinador adjunto de Maurício Pellegrino, tanto no Valência C.F., Club Estudiantes
de La Plata (Argentina), C.A. lndependiente (Argentina), Deportivo Alavés (Espanha) e mais recente-
mente no Southampton (Inglaterra).

4 Jorge Maciel:· Português, Maciel foi treinador de diversas equipas de formação em clubes como F.C.
Porto e Gil Vicente. Trabalhou como treinador adjunto de Baltemar Brito na Líbia e Emirados Árabes
Unidos. Com o treinador Lito Vidigal foi adjunto no C.F. Os Belenenses e no F.C. Arouca. Com Miguel
Cardoso foi adjunto no Rio Ave F.C. e atualmente exerce a mesma função no F.C. Nantes (França). Autor
do livro "Não o deixes matar, o bom fotebol e quem ojoga".
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 17

Ofotebol é um jogo opinável onde só o resultado é indiscutível


(Valdano, 1999 citado por. Amieiro, 2007)

A complexidade do fenómeno no seu jogo espaço-temporal de inédito,


singular e repeti'ção mata a noção tradicional de facto mostrando que
quem se nega a ir mais além dos factos raramente chega até os próprios
factos.
(Huxley, citado por. Frade, 1985, p. 3)

As ciências humanas não têm consciência dos caracteresfísicos e biológicos


nos fenómenos humanos. As ciências naturais não têm consciência da
sua inscrição numa cultura, numa sociedade, numa história. As ciências
não têm consciência do seu papel na sociedade. As ciências não têm
consciência dos princípios ocultos que comandam as suas elucidações.
As ciências não têm consciência de que lhes falta uma consciência.
(Morin, citado por. Frade, 1985, p. 2)

1 AFILOSOFIA CARTESIANA
Assim como o jogo de futebol, que desde a sua criação e profissionalização, tem.
apresentado uma evolução permanente, o modo de se perspectivar o treino também tem
vindo a modificar-se ao longo dos anos. O futebol sempre foi e muito provavelmente
continuará a ser alvo de intermináveis discussões e debates. Seja na sala de conferências
de imprensa após mais um jogo de campeonato, seja nos jornais, programas televisivos,
na rua, na faculdade, etc. Qyando se fala de futebol, normalmente existem vários pontos
de vista e diferentes opiniões a respeito dos mais variados temas.
Entretanto, existe um ponto em que tanto treinadores, preparadores fisicos, auxi-
liares técnicos, jogadores, dirigentes, jornalistas e adeptos concordam: o treino tem um
papel capital para a melhoria do desempenho das equipas de futebol, tanto coletiva
como individualmente. Disso ninguém parece ter dúvidas. No entanto, nem todos
pensam o "treinar" da mesma forma, devido às diferentes experiências, estímulos e
contextos nos quais as pessoas se encontram inseridas.
Por mais de quatro séculos o mundo ocidental tem sido regido e educado sob a luz
do paradigma cartesiano. Este modelo de pensamento permeia a grande maioria dos
fenómenos que nos cercam, influenciando as pessoas a (inter)agir e pensar de determi-
nado modo, não estando o treino em futebol alheio a esta realidade.
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18 , jULIAN BERTAZZO TOBAR

Nosso sistema de ensino nos ensina a isolar os objetos (do seu contexto),
a separar as disciplinas, a dividir os problemas, ao invés de uni-los e
integrá-los. Induz-nos a reduzir o complexo ao simples, quer dizer, a
separar o que está unido, a decompor e não a recompor, a eliminar tudo
aquilo que traga desordem ou contradição ao nosso entendimento.
(Morin, 2002, p. 7)

A ciência ocidental orientou-se e edificou-se sobre os contributos do raciona-


lismo clássico, herdado de Aristóteles (o primeiro a dividir o reino animal em cate-
gorias) e desenvolvido por Descartes. Este filósofo, advogado, matemático e físi-
co francês, de nome latim Renatus Cartesius (daí ser filosefia cartesiana), nasceu em
1596, e contribuiu decisivamente para os rumos .da ciência moderna ao publicar
"O Discurso sobre o Método", onde propôs, com sucesso, quatro princípios de pensamen-
to/raciocínio:

O primeiro era o de jamais aceitar algo como verdadeiro sem saber


com evidência que sija tal,· isto é, evitar com cuidado a precipitação e a
prevenção, e nada mais incluir nos meus juízos além do que se apresente
tão clara e tão distintamente ao meu espírito que eu não tenha nenhuma
ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, o de dividir cada dificuldade examinada em tantas partes
quantas puder efor necessário para melhor resolvê-las.
O terceiro, conduzir pela ordem os meus pensamentos, começando pelos
objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer, para subir aos poucos,
como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos e supondo até
haver certa ordem entre os que não precedem naturalmente uns aos
outros.
E o último, fazer em toda a parte enumerações tão completas e revisões
tão gerais, que me assegure de nada omitir.
(Descartes, 2008, p. 25)

Por outras palavras, Capra (2006, p. 34), explica-nos que o método do pensamen-
to analítico, criado por Descartes, consiste em "quebrar fenómenos complexos em pedaços
a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades de suas partes"; ou
seja, para que os problemas sejam solucionados sob o ponto de vista cartesiano é neces-
sário dividir as partes tanto quanto for necessário, para que assim, ao estudá-las em
separado se possa chegar à compreensão do todo.
Este modelo de pensamento, para além de analisar e interpretar os objetos sepa-
rando-os de seu contexto específico, não entende as partes como unidades sujeitas a
interações com as outras partes e com o seu meio ambiente, pelo contrário, são perspec-
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 19

tivadas como partes independentes e com capacidade para serem analisadas sem levar
em conta o conjunto (a totalidade, o envolvimento - o contexto) a que pertencem.

1.1 O impacto do paradigma cartesiano no futebol


1.1.1 A divisão (e a treinabilidade) do jogo em dimensões isoladas

Imersos por séculos nesta realidade cartesiana, não é de estranhar, portanto, a


necessidade e obsessão de desmontar e estilhaçar o jogo de futebol (o "todo") em
"partes" (dimensão tática, técnica, fisica, psicológica, estratégica), treinando cada uma
destas "partes" separadamente, pois nesta perspectiva, acredita-se que a somatória destas
vertentes, após o processo de treino, aumentará o desempenho de uma equipa, uma vez
que para esta conceção o todo é constituído pela soma de suas partes constituintes.
A este respeito, Rui Faria (1999) diz que a maioria dos manuais de treino traz
de forma repartida a componente técnica da tática, assim como das ditas capacidades
físicas, existindo uma constante decomposição do esforço dos jogadores num conjunto
de parcelas, treinando cada uma delas em separado, de modo a melhorar o desempenho
em competição da equipa.

Neste contexto o aparecimento do treino físico, técnico, tático epsicológico


adquire a sua forma. Incide-se no conhecimento de aspetos isolados, na
ideia de que quanto melhor conhecermos cada parte, melhor conhecemos
º~~ ~
(Faria, 1999, p. 20)

Em 2010, era possível encontrar um artigo do jornal eletrónico globoesporte.com,


que evidencia este modo de pensar no futebol. Nesta reportagem, intitulada de "Depois
de deixar grupo com físico em dia, X5 sonha ver qualidade eflorar' podia ler-se:
Treinador destaca melhoria no condicionamento dos jogadores
alvinegros e agora aguarda a vez do auge técnico.
Mesmo antes do clássico contra o Fluminense, neste domingo,
"X" tem a certeza de que a semana chega ao fim com um grande
objetivo cumprido. Desde que assumiu o comando do Botafogo,
o treinador destacou a importância de que a equipa melhorasse a
condição física e, segundo ele, a semana de trabalho na Região dos
Lagos fechou a programação com sucesso.

5 X: Treinador da referida equipa em 2010.


20 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

- Desde a minha chegada, buscamos dar equiHbrio físico à equipa,


e aos poucos conseguimos. Buscamos o empate com o Corinthians
e enfrentamos o Cruzeiro com um jogador a menos, por exemplo.
Agora essa pressão não existe mais - observou.
Na avaliação de "X'', agora o Botafogo está na condição ideal de
mostrar o futebol que se espera dele no momento em que a vitória
é fundamental para a reação no Campeonato Brasileiro.
- Agora é jogar bem e deixar aflorar essa qualidade que existe no
grupo. Para que a gente vença, precisamos dessa força física - disse
o treinador.

Mais exemplos não faltam: "o sucesso de um jogador éftito em 50 porcento de prepa-
ração física, 25 por cento por técnica e 25 por cento por psicologia", diz um treinador citado
por Oliveira et al (2006).
Os mesmos autores no seu livro trazem uma reportagem do jornal português "O
Jogo", um artigo intitulado como ''As vertentes do treino de P'", que representa bem este
modo de pensar:

O preparador físico do FC Porto explicou então os métodos


de trabalho que estão a ser implementados na pré-temporada.
«Nesta altura, o treino tem várias vertentes, a física, a técnica e a
tática. Há um especialista que cuida de cada uma delas: o mister
da tática, o Francesco Conti da técnica e eu da física», explicou.

Acerca deste e de outros temas, o treinador espanhol Cervera (2010) sublinha e


adverte que esta especialização reducionista está a encher o mundo do futebol de "espe-
cialistas'', que cada vez mais fragmentam o treino e por conseguinte, o jogo.
No caminho cada vez mais claro da concretização do paradigma da redução e
fragmentação, Z 7, então preparador físico do Real Madrid (temporada 2006/2007),
numa entrevista concedida para o realmadrid.com em 2006, aponta-nos que é possí-
vel realizar em cada parte, inúmeras divisões, reduzindo-as em parcelas cada vez mais
elementares, ao afirmar:

Iniciamos agora a segunda parte da pré-temporada. Foi finalizado


o processo de melhoria da capacidade aeróbica, e agora entramos no

6 Y: Preparador Físico da referida equipa na altura da reportagem.


7 Z: Preparador Físico da referida equipa na altura da reportagem.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 21

aumento do aspeto anaeróbico e lático, em termos mais concretos, de


explosão e rapidez.
(Z, 2006 citado por. Moreno, 2010, p. 48)

Esta maneira de pensar retrata muitas metodologias convencionais, sobretudo


as originárias do leste europeu, onde sugerem que se deve começar primeiro pelo
aeróbio para depois ir para o anaeróbio; iniciar a temporada partindo do geral para o
específico; primeiro treinar sem bola dando ênfase na melhora das ditas capacidades
condicionais e depois com o decorrer dos trabalhos físicos inserir treinos técnicos e
táticos, etc.
Contudo, como é de conhecimento geral, as metodologias de treino convencio-
nais foram criadas para desportos individuais, como o atletismo e a natação, com gran-
de tempo de preparação e um período competitivo reduzido (periodização olímpica).
O futebol ao longo dos anos, com o advento da figura do preparador físico nas
equipas técnicas - talvez por falta de metodologias de treino específicas para o futebol
(desporto coletivo de características muito próprias, com curto período de preparação
entre competições e extenso período competitivo) e pela forte influência mecanicista
e cartesiana existentes nas faculdades - acabou por ser influenciado por tais conceções
metodológicas, o que levou muitos a adotarem-nas para uma realidade completamente
diferente da originalmente preconizada, tratando-a como se fosse uma metodologia
universal. Este modo de pensar ainda vigora atualmente em vários clubes.
É comum encontrarmos treinadores que pensam assim, que não só dissociam
o futebol em pedaços (decompondo-o, descontextualizando-o e o desconectando da
sua natureza complexa), como defendem que sua treinabilidade (neste caso para os
fundamentos técnicos) se faça de maneira integrada ou isolada: passe, domínio de bola,
condução de bola, remate, cabeceamento, drible, finta e fundamentos básicos de defesa;
que segundo os mesmos, são itens primordiais para a boa preparação de uma equipa,
principalmente nos aspetos táticos defensivos e ofensivos.
Vejamos o que um preparador físico de um grande clube brasileiro - em matéria
exibida pelo SporTV, no dia 27 de janeiro de 2015 - respondeu, quando pergunta-
do por um repórter sobre alguns dos objetivos do clube durante pré-época: "Desde o
primeiro dia, na nossa equipa técnica, no nosso jeito de trabalhar, nós introduzimos a bola, nos
primeiros dias os fandamentos, que são o passe, o cabeceamento, o controlo. Essas coisas mais
simples, mais e/ementares".
Tal facto apenas vem a corroborar com as convicções de Tani & Corrêa (2006
citado por. Campos, 2008, p. 26), quando afirmam que:
22 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

A noção de que um sistema pode ser separado em componen-


tes sem perder as suas características essenciais está ainda muito
presente no campo dos desportos coletivos, por exemplo, quando
se dá muita ênfase à prática de fundamentos técnicos na aprendi-
zagem ou no treino de certas modalidades desportivas coletivas.

Parece claro que está lógica permeia o futebol atual, bem como a sua treinabili-
dade.

1.1.2 A separação do Jogo em Fases

Seguindo a tendência da separação e divisão do paradigma vigente, constatamos


que ao longo dos tempos, tradicionalmente o jogo de futebol foi, e para muitos ainda é,
dividido em fase ofensiva e defensiva.
Teodorescu (2003) coloca que a "fase" ofensiva é caracterizada pelo facto de a
equipa ter a posse da bola e através de ações coletivas e individuais tentar marcar golo.
A "fase" defensiva, por sua vez, caracteriza-se por não ter a posse da bola e através de
ações coletivas e individuais tentar recuperá-la para entrar em fase ofensiva, evitando
assim o golo na sua baliza.
Caso fosse possível relembrarmos todas as declarações que alguma vez escuta-
mos ou lemos, entre entrevistas, artigos, conferências de imprensa, e ainda por cima,
de nossas próprias reflexões, comprovaríamos que cada vez mais que se faz referência
ao jogo de futebol, mais precisamente as fases que o compõe (ainda que, neste caso, o
mais correto seria afumar que o "decompõe"), sempre ficaríamos com a sensação de
que ataque e defesa têm uma existência independente, parecendo que ambos não fazem
parte da mesma realidade (Moreno, 2010).
Esta perspectiva parece obedecer a uma lógica linear ininterrupta que não equa-
ciona os instantes entre o perder e o recuperar a bola, ou seja, as "fases" a partir desta
ideia, são consideradas como independentes uma da outra.
Existem treinadores que idealizam uma maneira de defender que não correspon-
de, ou não se articula com o modo como pretendem atacar. Por exemplo, um treinador
que queira atacar o adversário com ataque posicional, circulando a bola pacientemente
por todo o campo, tendo como sustentação um jogo posicional forte, mas em organi-
zação defensiva procura marcar o adversário com marcações individuais e perseguições
ao homem.
O que muitas vezes pode acontecer é que quando recuperam a posse da bola,
possivelmente os jogadores estarão fora das suas posições (porque perseguiram seus
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 23

adversários diretos) para atacar da maneira com que o treinador pretende, o que leva
a que a equipa não consiga cumprir com a ideia de jogo do treinador (quando está
com a posse da bola), fruto desta separação conceptual e contextual do atacar com o
defender.
Igualmente, alguns treinadores idealizam e treinam uma maneira de atacar que
não fornece equihbrio para o instante da perda da posse da bola, não equaciona o equi-
lfürio entre o ter e o perder a bola, o que leva a equipa a ser frágil defensivamente.
Através do portal globoesporte.com, no dia 15 de maio de 2012, é possível ver uma
reportagem concedida ao programa "Globo Esporte', no que o referido portal intitulou
como: "Emocionado, A8 lamenta oprimeiro semestre do Flamengo":

Nós temos três grandes jogadores de ataque, que são bons joga-
dores, sem dúvidas, que é o Ronaldo, o Vágner e o Deivid. Lá na
frente estamos a marcar golos, mas lá atrás estamos a sofrer muitos
golos. Falta equilibrio.

Doze dias depois, também no portal desportivo globoesporte.com, era possível ler
uma matéria intitulada como ''Lf aponta setor defensivo como problema do Fia":

Treinador diz que tem que encontrar solução, mas ainda não sabe o
que fazer. Ele afirma, no entanto, que time está no caminho certo.
Disse que a queda do time em certos momentos talvez seja por
conta do aspeto psicológico e chamou a atenção quando apontou "
diretamente o setor defensivo como principal problema da equipa.
Mas o treinador confessa: ainda não sabe o que fazer.
- Acho que vamos acertar, mais um pouquinho de detalhe, de
sentimento. Essa equipa vai melhorar principalmente no setor
defensivo, onde está nosso problema. Estou a debater isso, e vamos
ter que melhorar. O que vamos fazer, eu não sei. Mas tenho que
encontrar uma solução - disse ''N._'.

Aqui podemos observar como o paradigma cartesiano pode se expressar.


O treinador, apesar de ressaltar à "falta de equilibrio'', se refere ao aspeto psicológico, às
diferenças individuais e nos diferentes setores, e ainda aos problemas quando estão a
defender, mas nunca realça a relação destes aspetos com os demais, pois cada elemento
é decomposto e analisado separadamente.

8 A: Treinador da referida equipa em 2012.


9 A:idem.
24 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

É comum no futebol brasileiro que treinadores culpem seu "sistema defensivo"


por sofrerem golos. Sabemos que muitas vezes podem existir aspetos a serem corrigidos
na maneira como os homens mais recuados da equipa interagem e se coordenam sem.
a bola, na articulação 1este setor com o resto da equipa. Porém muitas vezes o facto de
sofrerem golos constantemente pode não ser culpa exclusiva dos defensores, afinal para
a bola chegar até o guarda redes e a última linha, não deverá antes ter passado por mais
6 ou 7 jogadores, que também têm funções defensivas, embora sejam homens mais
avançados?
Noutros casos, será justo que treinadores culpem o "setor defensivo" por sofrerem
tantos golos, quando suas equipas atacam de forma desequilibrada, expondo constante-
mente a contra-ataques os seus jogadores mais recuados?
Em suma, parte dos profissionais do futebol enxerga o treino e o jogo com os
óculos do cartesianismo. Mark Twain certa vez disse que ''para aqueles que têm apenas
um martelo comoferramenta, todos os problemas parecem pregos".
Como vimos, alguns treinadores parecem perspectivar a "fase" ofensiva e a defen-
siva de maneira estanque, quase que separadas por fendas, ou seja, parece que o "atacar"
e o "defender" tem pouca relação contextual. Isso implica que tais "fases" do jogo sejam
treinadas e entendidas de maneira separada, e por vezes desconectadas uma da outra,
dando espaço para que as equipas sejam muito desequilibradas.
Na minha opinião, para fornecermos equilibrio à equipa devemos contemplar e
alimentar o jogar como um todo, dando-lhe sentido e articulação, tal como evidenciarei
durante o próximo capítulo.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 25

2 AVISÃO SISTÉMICA
Lls pessoas só veem o que estão preparadas para ver"
(Ralph Emerson)

Quando um ''geocentrista" e um "heliocentrista" contemplavam o sol,


a sua retina estava a ser bombardeada por fotões semelhantes, ... no
entanto eles não vêem a mesma coisa! Oprimeiro vê um objeto brilhante
que roda à volta da Terra, o segundo vê um objeto brilhantefixo, à volta
do qual roda a Terra ...
(Frade, 1985, p. 37)

A realidade pré-existe à nossa conceção das coisas. A questão está em


saber se a ideia que dela se tem se lhe ajusta.
(Frade, citado por. Amieiro & Maciel, 2011)

2.1 A equipa de futebol entendida como um sistema


dinâmico, adaptativo e homeodinâmico.

A ordem ou organização de um todo, ou sistema, transcende aquilo ,.


que pode ser oferecido pelo "conjunto" das suas partes quando estas são
consideradas isoladas umas das outras.
(Frade,1985,p.31)

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra


em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne
é que a piremria e útmlia lrteas ettjasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser
uma bçguana ttaol, que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea. Itso époqrue
nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.
(Autor sconhecido)

Embora o paradigma cartesiano ainda exerça influência na.nossa sociedade, será


este o melhor caminho para entendermos e agirmos sobre uma realidade complexa, no
nosso caso, o treino e o jogo de futebol?
Segundo Morin (2007) o pensamento simplificador é incapaz de conceber a
conjunção do uno e do múltiplo. Ou ele unifica abstratamente ao anular a diversidade,
26 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

ou pelo contrário, justapõe a diversidade sem conceber a unidade. O autor ainda afirma
que conceber as coisas desta maneira, irá conduzir-nos à "inteligência cega'':

A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os seus


objetos do seu meio ambiente. Ela não pode conceber o elo inseparável
ent~e o observador e a coisa observada. As realidades-chaves são
desintegradas. Elas passam porfendas que separam as disciplinas.
(Morin, 2002 p. 12)

Na perspectiva de Capra (2006), o contexto adquire uma importância fundamen-


tal na compreensão da realidade, sendo que os problemas que nos envolvem não podem
ser entendidos isoladamente, pois são problemas sistémicos, o que significa que estão
interligados e são interdependentes.
Este mesmo autor explica que "sistema'', deriva da palavra grega synhistanai, que
significa "colocar junto'', e diz que entender as coisas sistemicamente significa, literal-
mente, "colocá-las dentro de um contexto e estabelecer a natureza de suas relações".
Von Bertalanffy (2009, p. 84) define um sistema como "um complexo de elementos em
interação", algo que é corroborado por Morin (2007, p. 20), quando refere que um sistema
"não é uma unidade elementar discreta, mas uma unidade complexa, um «todo» que não se reduz
à soma de suas partes constitutivas', pelo contrário, é constituído por suas relações.

Olhemos para a composição do açúcar: quando os átomos de carbono, de


oxigénio e de hidrogénio se unem e formam o açúcar, o composto que
daí resulta (o açúcar) emerge como uma substância doce. Contudo,
separadamente, nenhum dos elementos que o compõe é doce.
(Lourenço, 2010, p. 45)

Imaginemos um bolo que se assume na totalidade constituída por vários


ingredientes como o açúcar, ovos, entre outros. Contudo, o bolo é algo
diferente dos seus ingredientes que deixam de ser partes isoladas para
se assumirem numa totalidade com os demais e adquirir uma nova
expressão.Assim, aspartes do bolo não são oaçúcar ou os ovos, mas asfatias
e as migalhas do próprio bolo epor isso, se queremos conhecer a totalidade
através das suas partes não podemos procurar nos ingredientes, porque
estes contextualizam-se nas relações que estabelecem com os demais para
ganhar umaforma própria. Assume-se por isso num objeto coletivo cujas
partes têm de ser perspectivadas à luz do mesmo.
(Gomes, 2008, p. 21)
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 27

É sabido que a água (H20) é um meio essencial para apagar ofago,


no entanto, se separarmos as suas componentes, hidrogénio e oxigénio,
qualquer uma destas ao invés de apagar ofago, incandesce-o ainda mais.
(Popper, citado por. Leitão, 2009, p. 57)

"Não podemos desmontar um piano para ver o som que ele produz",já diziam O'Con-
nor &McDermott, ambos citados por Moreno (2010).
É por isso que Von Bertallanfy (2009) faz questão de sublinhar que para compreen-
der as características de um sistema, dentre outras coisas,"devemos por conseguinte conhe-
cer não somente as partes mas também as relações". O referido autor ainda acrescenta que
qualquer mudança ou troca em uma das partes, influenciará o comportamento das
restantes.

Porfalta de um prego perdeu-se uma ferradura,


Porfalta de uma ferradura perdeu-se um cavalo,
Porfalta de um cavalo perdeu-se um cavaleiro,
Porfalta de um cavaleiro, perdeu-se uma batalha,
Porfalta da batalha, perdeu-se o reino!
(Provérbio Popular, citado por. Gaiteiro, 2006, p. 33-34)

Fazendo uma ponte com este provérbio, Frade no distante ano de 1985 menciona
que se um dos componentes de um sistema é incapaz de interagir corretamente com os
outros, não desempenhando sua função específica, como deve desempenhar, o sistema "
todo é afetado. "Todas as partes têm um papel a desempenhar. Mesmo alterar apenas um dos
elementos pode, às vezes, ter consequências completamente inesperadas".
O mesmo poderá acontecer em uma equipa de futebol, ao retirarmos um jogador
da sua posição natural (extremo esquerdo, por exemplo), onde o mesmo maximiza as
suas potencialidades - não só pelas suas qualidades intrínsecas, mas também pela sua
relação com os outros jogadores (lateral esquerdo, pivot, avançados, etc.) - e colocá-lo
numa outra posição (médio ofensivo, por exemplo), em que as exigências táticas são
diferentes, bem como as relações e interações que este referido jogador passará a ter
com os demais jogadores da equipa.
Ainda que esse deslocamento posicional seja mínimo, ele influenciará na mani-
festação do jogar1° da equipa, provocando consequências que podem prejudicá-la (ou

10 Jogar: O jogar é o tipo de futebol que uma equipa produz. São regularidades que identificam uma equi-
pa. Este é um conceito chave para a compreensão do que está por vir neste livro e estará sempre em itálico,
de modo a diferenciar um jogar de um "Jogo Geral".
28 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

beneficiá-la). Logicamente que as relações desconexas podem refletir-se de formas


diversas, que não necessariamente na troca ou deslocamento de jogadores.
Imaginemos que a ideia de jogo do treinador passa por organizar sua equipa para
defender com quase t~dos os jogadores atrás da linha da bola, com exceção do ponta de
lança. Nesta situação hipotética, um extremo que em organização defensiva permanece
à frente, ao invés de fechar determinados espaços com o restante dos companheiros,
a formar um bloco coeso e compacto, em virtude do seu desempenho, ainda que seja
apenas um elemento no meio de onze, poderá hipotecar a organização defensiva da
equipa, ao abrir espaços consideráveis nas suas zonas de (inter)ação.
Do mesmo modo que um treinador pode querer que seu extremo permaneça um
pouco à frente do bloco defensivo para potenciar as suas características em contra-a-
taques, e ele não permanecendo poderá fazer com que os contra-ataques não tenham
o efeito esperado. Por isso é fundamental que a funcionalidade de um jogador ou setor
seja coerente com o que se deseja, com o sentido que se pretende dar ao coletivo.

Romário só tinha uma tarejà defensiva: que o guarda-redes tivesse de


lançar a bola do lugar onde a tinha agarrado. Ele tinha de pressionar o
guarda-redes de forma a permitir que a defasa avançasse dez metros. Se
estivesse a dormir, a lamentar-se ou a queixar-se do árbitro e perdesse a
concentração, permitia que oguarda-redes subisse até o limite da grande
área e toda a equipa tinha de recuar. Se, por outro lado, ele estivesse
concentrado e pressionasse o guarda-redes, isso permitia que a equipa
ganhasse um espaço importantíssimo, na medida em que o espaço se
reduzia e as linhas se voltavam a juntar.
(Cruyff, 2002 citado por. Amieiro, 2007)

Do mesmo modo que um único elemento poderá influenciar radicalmente o


"todo", a recíproca é verdadeira. A este respeito, Mourinho (1999 citado por. Amieiro,
2007, p. 39) referindo-se à ideia de jogo de Van Gaal, salienta a importância do triângu-
lo do meio campo na organização coletiva da equipa, indicando alguns dos referenciais
relativos à organização ofensiva:

Pretendendo tornar o campo grande numa primeira fase de cons-'


trução, "queremos os laterais abertos e em profundidade, os dois
centrais mais ou menos na direção das paralelas da área e o mais
perto possível da nossa baliza, extremos abertos e o mais profundo
possível, ponta de lança em ponta realmente e tentando arrastar a
defensiva adversária, o mais longe possível para criar o maior espa-
ço possível para aqueles que são os nossos jogadores mais criativos,
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 29

o triângulo do meio campo". Numa segunda fase, explica, os extre-


mos "podem partir dessa posição de campo grande e dessa posição
exterior indo à procura de posições interiores que são as posições
que nós chamamos «entre as linhas»."

Mourinho (1999a) salienta ainda que, se a equipa não conseguisse


fazer esse «campo grande», a criação de espaços era completamente
impossível de fazer e estaria a limitar muitíssimo os espaços entre
linhas, espaços onde tanto o triângulo do meio campo como os dois
extremos eram realmente fortíssimos.

Caso a equipa como um todo (segundo José Mourinho), na sua dinâmica coletiva
não conseguisse fazer o "campo ficar grande"-através da abertura posicional de alguns
jogadores, em largura e profundidade (aliado à existência de apoios próximos da bola e de
uma velocidade adequada nos passes)- isso tendencialmente faria com que alguns talentos
individuais não se manifestassem na sua plenitude.
Portanto, não podemos desconsiderar o impacto que as interações, as inter-rela-
ções têm no seio de uma equipa e na expressão de um jogar, em todos os seus níveis
- macro, meso, micro.
Como vimos, o todo está na parte, que está no todo. Não há como dissociar, uma
vez que tudo está interligado e tudo é interdependente.

Sem equipa"
nenhum jogador cresce,
mas só boa equipafica
se ser bom jogador acontece.
(Vítor Frade, 2014a)

Bertrand &Guillemet (1994) para além de apontarem um sistema como um todo


dinâmico constituído por elementos que se relacionam e interagem entre si e com o
meio envolvente, são contundentes ao afirmarem que os sistemas revelam um conjunto
de pressupostos que os caracterizam, que são: abertura, complexidade, :finalidade, trata-
mento, totalidade, organização, fluxo e equihbrio.
De acordo com estes autores um sistema é considerado aberto quando promove
trocas permanentes com o seu meio envolvente, contrariamente ao sistema fechado,
que não permite trocas com o meio envolvente; A complexidade de um sistema pode
ser definida como um conjunto de interações que um sistema pode promover entre os
seus elementos e entre estes e o envolvimento.
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30 > JUUAN BERTAZZO TOBAR

O conceito de finalidade diz-nos que os diferentes elementos de um sistema inte-


ragem em função de um objetivo; por sua vez, o tratamento é a relação dinâmica que o
sistema tem com o seu meio, promovendo trocas entre ambos; já a totalidade significa
que um sistema é mais do que a soma das suas partes (sinergia), e isso também implica
que os sistemas tenham as suas próprias propriedades, que em virtude das interações,
são diferentes das dos seus componentes vistos de maneira isolada.
No que se refere à organização, pode-se dizer que um sistema é um todo orga-
nizado quando ele é mais do que a soma de suas partes. Por sua vez, o todo desorga-
nizado é menos do que a soma das suas partes, enquanto que o todo neutro é igual
à soma das suas partes; o fluxo de um sistema significa a quantidade de interações
entre os elementos do sistema e entre o sistema e o meio envolvente. Finalmente, o
equilíbrio ou homeostasia pode ser definido como a tentativa de manter as relações
e as interações estáveis.
Moriello (2003) acrescenta que os sistemas podem ser assinalados por serem
dinâmicos ou estáticos, conforme vão modificando ou não Ó seu estado interno ao
longo do tempo, e revela-nos que há um sistema em particular, que apesar de estar
imerso num contexto passível de mudanças, é capaz de manter o seu estado interno.
A este tipo de sistema o autor define de "homeostático" e sublinha que a homeostase
expressa a tendência de um sistema no que se refere à sua sobrevivência dinâmica,
seguindo as transformações do contexto através de ajustes estruturais internos. Dada
esta característica dinâmica, acreditamos que, tal como o professor Vítor Frade suge-
re, homeodinâmico, ao invés de homeostático, seria a palavra que melhor expressa essa
noção.
Moriello (2003) ainda acrescenta que sistemas que reagem e se adaptam ao seu
entorno, podem ser considerados como sistemas "adaptativos". Portanto, parece coeren-
te considerar que uma equipa de futebol deva ser entendida como um sistema dinâmi-
co, adaptativo e homeodinâmico 11 •
As equipas são formadas por subsistemas Qogadores), que interagem entre si com
objetivos e finalidades definidas e compartilhadas (umjogardeterminado, obtenção de

11 Homeodinâmico: A equipa deve ser entendida como um sistema homeodinâmico tendo em conta o
conceito apresentado anteriormente (tendência de um sistema no que se refere a sua sobrevivência dinâ-
mica e transcendência, seguindo as transformações do contexto através de ajustes estruturais internos). É
importante fazer esta ressalva pois, uma equipa embora passe por diferentes circunstâncias e contextos
tentando manter uma condição de estabilidade, mediante múltiplos ajustes de equihbrio dinâmico, contro-
lados por mecanismos de regulação que se inter relacionam, ela nunca volta ao ponto de partida, isto é, as
vivências fazem com que a equipa vá evoluindo, ainda que de maneira não-linear, ao longo do tempo.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 31

vitórias, etc.) - que acabam por influenciar e guiar as suas intencionalidades e intera-
ções, criando um meio aberto, complexo e dinâmico em que as características coletivas
que uma equipa evidencia são diferentes do somatório das características e capacidades
dos diferentes jogadores que a compõe.
Como atuam num contexto em que se estabelecem relações de dependência e
interdependência (macro-micro), como é o jogo de futebol, devemos considerar as
equipas como sistemas (des)hierarquizados 12 e especializados.
Ainda é importante acrescentar que dito sistema está envolto por um meio ambien-
te que lhe é característico e que pode moldar as suas interações e os seus comportamen-
tos, direcionando-as para um determinado caminho.
Moriello (2003) sublinha que o meio ambiente afetará tanto o funcionamento,
bem como o rendimento de um sistema (neste caso, uma equipa). A este respeito, Pive-
tti (2012), salienta que um sistema tem uma relação de reciprocidade com o envolvi-
mento, ou seja, tanto ele influencia o envolvimento, como também ocorre o inverso, e
acrescenta que apesar de tal propriedade, existem evidências de que um determinado
sistema complexo tem um relativo nível de autonomia em relação ao seu envolvimento,
já que pode exercer influência sobre ele.
A seleção holandesa de 1974, que apresentou um desempenho espetacular com a
sua maneira de jogar (o totaalvoetbal- "futebol total"), conseguiu modificar em parte o
modo como se joga futebol, tendo como base uma interpretação inovadora no que diz
respeito à gestão, ocupação e manipulação dos espaços e do tempo de jogo, tanto para"
atacar como para defender. Ideias como o pressing, em "organização defensiva", utiliza-
ção regular de bloco alto, linhas próximas e muita agressividade na pressão ao portador
da bola, utilização da regra do fora de jogo de maneira constante; trocas posicionais
exacerbadas, com estruturas muito móveis em "organização ofensivà'; rápida reação
após a perda da posse bola, encurtamento de espaços em profundidade, com forte pres-
são coletiva ao portador da bola, etc., coisas que naquela altura nenhuma equipa ainda
havia feito com regularidade. Trata-se de um sistema que influenciou as tendências
gerais do futebol, ou seja, um sistema "hierarquicamente" acima.
Outro exemplo temos na importância do AC Milan de Arrigo Sacchi, que intro-
duziu o que hoje conhecemos como "zona pressionante".

12 (Des)hierarquia: Falamos em deshierarquia pois dentro de uma lógica sistêmica a noção de hierarquia
e suas fronteiras bem demarcadas não faz sentido, o que existem são redes aninhadas em outras redes.
Não deve haver juízo de valor na natureza do "superior" e do "inferior", pois o que há é uma sinergia, uma
"deshierarquia, no sentido que não há, que não é uma anarquia, mas é uma deshierarquia" (Cunha e Silva,
2008, citado por. Maciel, 2011a).
~I
32 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

A equipa do F.C Barcelona, de Pep Guardiola (2008 - 2012), com a sua maneira
de jogar, conseguiu não apenas desmistificar, mas também influenciar outras equipas a
jogarem sem ponta de lança fixo, algo que há décadas não era utilizado com frequên-
cia e que, de acordo com o próprio interveniente, Lionel Messi (em entrevista para o
diário Marca, em 20!2), foi fruto do estilo de jogo da sua equipa, isto é, de um sistema
complexo e que invariavelmente conseguiu influenciar o sistema macro (futebol):
"Não é possível dizer que a posição de 'Jàlso 9''foi criada por minha causa, masfruto de
um estilo de jogo determinado. Eu tento desempenhar o melhor possível'.
Conforme palavras do próprio Guardiola, em uma conferência realizada na
Argentina em 2013, ele considerou que seria produtivo introduzir Messi na posição
de 9 (com grande liberdade de movimentos) porque isso geraria novas interações, e,
portanto, novos problemas aos adversários, problemas que os adversários não estavam
habituados, e, portanto, teriam muitas dificuldades em lidar com eles, em geri-los e
neutraliza-los. Para além disso, esta alteração posicional e funcional geraria condições
para que as qualidades do jogador fossem maximizadas.
Assim, dita introdução, potenciando novas interações emergentes, significou um
ganho de complexidade ao jogo e ao jogar, uma "complexificação" da complexidade.
Para mim, uma equipa de futebol (sistema) poderá sofrer influência e ter os seus
desempenhos maximizados quando evidenciar organização. Creio que uma equipa que
manifesta qualidade ao nível da organização, representa algo muito maior que a simples
soma de cada jogador que a compõe (não raras vezes observamos equipas que têm
excelentes plantéis, com jogadores de grande "nível técnico" em que o todo é menor que
a soma das partes, uma vez que acabam por não evidenciar grande organização e por
consequência seus desempenhos acabam por ser de nível inferior ao potencial que de
facto possuem).
Trata-se de algo novo, que emerge, como vimos, pela interação dos seus elementos
constituintes (os jogadores), que por sua vez, são (ou deveriam ser) guiados por referen-
ciais comuns - finalidade/intencionalidade (princípios de jogo), de modo a conferir à
equipa uma identidade e organização.
Convém lembrar que o grau e a riqueza da organização que uma equipa evidencia
passa dentre outras coisas, pela ideia e da operacionalização da mesma por parte do
treinador.
A este respeito, Sousa (2009, p. 20) brilhantemente coloca que qualquer equipa
''para se apresentar como um sistema, tem necessariamente que apresentar organização, caso
contrário estaremos na presença de um ''conjunto" de jogadores", com o atenuante de estarem
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 33

perdidos, sem um norte, um referencial comum, que os guia e os auxilia a agir e a inte-
ragir durante um jogo de futebol.
Esta perspectiva não é transportada somente aos elementos Qogadores) que
compõe uma equipa de futebol, mas é extensível a todos os níveis dessa equipa (siste-
ma), ou seja, a todos os seus subsistemas.
Imaginemos uma equipa técnica composta por um treinador principal e dois
treinadores adjuntos. Nesta equipa técnica, o treinador principal quase sempre toma
as decisões sozinho, sem perguntar a opinião dos seus treinadores adjuntos; também
planifica as sessões de treino de maneira separada dos adjuntos, apenas lhes transmitin-
do o que será feito, sem dar espaço para que haja uma maior parcela de contribuição de
seus colaboradores, como por exemplo sintonizar com as finalidades do processo e das
propostas de propensão ("exercitação"), dentre outras coisas.
Deste modo, a interação provocada pelos agentes (treinadores) deste subsistema
(equipa técnica) do sistema maior (equipa), com o treinador principal (que à partida, é
o líder de todo o processo) claramente deixando os adjuntos praticamente à margem
do processo -as capacidades dos mesmos estariam inibidas ou virtualizadas, ou seja, não
estariam a ser potencializacfas na sua plenitude. Assim, o todo poderá ser menor do que
a soma de suas partes.
Por sua vez, noutro modelo hipotético, estes dois treinadores adjuntos cita-
dos anteriormente, formam uma equipa técnica, onde, desta vez, um permanece de
adjunto e o outro torna-se treinador principal. Neste trabalho, os dois trabalham de F

maneira conjunta, expondo e discutindo as suas opiniões, chegando a maioria das


vezes a um consenso, no que se refere aos mais variados assuntos da equipa e a sua
envolvência.
Deste modo, o facto destes agentes estarem a interatuar de maneira intensa e
coordenada, à partida, conseguem exprimir e potencializar todas as suas capacidades,
fazendo assim o todo ser maior do que a simples soma das partes. Inclusivamente,
mesmo com apenas dois agentes, poderá ser maior que o exemplo dado anteriormente
com três, dado que a noção de sistema está intimamente relacionada com as potenciali-
dades emergentes das interações entre seus elementos e o meio envolvente. Neste caso,
trata-se da qualidade em vez da quantidade, algo que para Capra (2006) é "característi-
co do pensamento sistémico em geral".
No que diz respeito às potencialidades emergentes das interações entre os seus
elementos e o meio envolvente, Moreno (2010) comenta sobre as interações de Messi
envolvido em dois contextos completamente diferentes (FC Barcelona e seleção
argentina).
34 > JULlAN BERTAZZO TOBAR

Conta este autor, que em 2009 quando Maradona assumiu o comando da seleção
argentina, este informava que um dos seus maiores planos era o de aproveitar toda a
qualidade de Messi e sua capacidade para fazer a diferença, do mesmo modo com o que
o mesmo fazia no seu clube, o FC Barcelona. Maradona queria que o referido jogador
tivesse o mesmo renâimento, que o levou a ser o melhor jogador do mundo pelo seu
clube, na seleção do seu país. Inclusivamente cogitou mantê-lo na rriesma posição e
função que ocupava na equipa catalã.
Entretanto o padrão de organização evidenciado pela Argentina de Maradona,
condicionado pela sua ideia de jogo, pelo modo como a operacionalizava, como a trans-
mitia, e pelos jogadores que tinha à disposição (Mascherano, Gago, Agüero, etc.) em
nada se assemelhava aos padrões organizativos do FC Barcelona, que emergiam condi-
cionados por uma série de coisas, como pela ideia de jogo do treinador Pep Guardiola,
pela forma como a transmitia e a operacionalizava, pelos jogadores disponíveis (Xavi,
Iniesta, Piqué, Eto'o, Henry), etc.
Se, por um lado, estamos diante de·uma equipa (FC Barcelona) que através do
seu Modelo de Jogo 13 consegue exponenciar e potenciar as capacidades de Messi, pare-
ce evidente que tal rendimento será afetado (para o bem ou para o mal) quando este
mesmo jogador for inserido em outro contexto, em outro meio ambiente, a interagir
e a articular-se com outros agentes, mesmo sendo este um dos melhores jogadores de
todos os tempos.
Para Moreno (2010), preocupa o facto de que para muitos treinadores e "espe-
cialistas" de futebol, o contexto onde um jogador alguma vez expressou determi-
nadas capacidades não seja um critério tão relevante para definir e compreender o
seu rendimento, e acrescenta que as circunstâncias originadas pela organização geral
coletiva de um jogar - esta criada pelas características e interações dos diferentes
companheiros de equipa, é, muitas vezes, negligenciada dos processos de análise de
desempenho.
Parece haver um consenso que se um jogador possuiu um determinado rendimen-
to em uma determinada estrutura, poderá reproduzir o mesmo desempenho noutra,
ainda que se modifiquem as circunstâncias e os jogadores com os quais este futebo-
lista passará a interagir. Tal modo de conceber a realidade claramente distancia-se do
pensamento sistémico e complexo, uma vez que "o sistema sópode ser compreendido se nele
incluímos o meio ambiente, que lhe é ao mesmo tempo íntimo e estranho e o integra sendo ao
mesmo tempo exterior a ele" (Morin, 2007, p. 22).

13 Modelo de Jogo: Conceito que será abordado com maior profundidade posteriormente.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 35

Cervera (2010) fala sobre a trajetória de Gerard Piqué, e levanta uma questão:
porque um central que quase nunca jogou pelo Manchester United, de repente (após
acertar sua transferência para o FC Barcelona) torna-se num dos melhores centrais da
Europa?
Porque encontrou uma equipa na qual foi possível expressar todas as suas virtudes,
como capacidade para sair a jogar com qualidade desde trás, passando a bola para seus
companheiros quase sempre em ótimas condições, possibilidade de conduzir a bola
para atrair marcadores e abrir espaços para os seus companheiros, criando superiori-
dades e superando linhas, dentre outras inúmeras coisas. Tudo isso numa equipa com
elevadas médias de percentagens de posse de bola por jogo.
A respeito de Messi, Carles Rexach (2012), antigo jogador e treinador do Barça
confidenciou ao portal eletrónico A Bola que Messi teria sido um grande jogador em
qualquer lugar, mas teve a sorte de "cair" no Barça, que joga um futebol que lhe encaixa
perfeitamente. "Noutra equipa, em vei de tocar 60 vezes na bola tocava 15,faria uma ou
outra jogada genial, mas não seria tão decisivo como é aqui".

Para muitos, é estranho alguns jogadores ''darem-se" num determinado


clube e não se ''darem" num outro. Embora seja um pouco abusiva esta
extrapolação, porque os motivos podem ser variados, há alguns que me
parecem óbvios.
Imaginem umdeterminadodefesanumprocessodefensivobemconsolidado
pelo seu treinador: defesa alinhada com os apoios permanentemente e ..
corretamente orientados,jogadores em comportamento zonalpressionante
a guardar distâncias iguais entre si; todos a depender de todos; a saberem
quando fazer encurtamentos aos avançados e respectivas coberturas;
a saberem retirar profundidade e subir as linhas quando os sinais no jogo
assim o indicam; em posse fazem "campo grande': etc. Um defesa que
domine todos estes aspetos preconizados pelo treinador esconde alguns dos
seus potenciais defeitos efaz valorizar as suas virtudes, porque a equipa
funciona 'como um todo e com interdependência. No fundo, podemos
dizer quefica mais jogador.
Este mesmo defesa vai para outro clube e confronta-se com ideias diversas
de um outro treinador: mais preocupado com marcações aos avançados;
com perseguições individuais; sem grandes referências coletivas, etc. Este
jogador pode inclusivamente reforçar ali suas qualidades, mas, por certo,
exporá claramente seus defeitos. Vai parecer aos olhos das pessoas outro
jogador, certamente.
(Carvalhal, 2014, p. 96-97)
111111

36 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Desta maneira cubro de razão Marina (2004 citado por. Moreno, 2010) quando
este nos alerta para que "não esqueçamos de que cada um de nós somos o que somos dentro de
um conjunto de relações em que estamos incluídos". Nesta direção, Gomes (2013) expõe a
necessidade de reconhecermos que o futebol é um jogo coletivo constituído por indivi-
dualidades que se relacionam e fazem emergir uma dinâmica num todo funcional, onde
o treinador modela seres humanos em interação, seja entre eles, seja com o ambiente
que os envolve.
Nesta direção, acredito firmemente que a modelação sistémica é a melhor e mais
vantajosa maneira para encarar um fenómeno complexo como o jogo e o treino de
futebol.
Portanto, fica explícita a necessidade de respeitarmos a todo o momento a inte-
gração de cada parte com seu contexto específico, sendo que essa articulação deve ser
sobredeterminada pela finalidade ou intencionalidade do todo (o jogar da equipa, a
supra dimensão Tática).

2.2 O jogo de futebol constituído por momentos de jogo


Conforme evidenciei até agora, tradicionalmente o jogo de futebol é dividido em
duas fases bem definidas: defesa e ataque. Entretanto discordo desta perspectiva, uma
vez que, com a bola em movimento, o jogo permite a identificação de pelo menos
quatro "momentos" (organização ofensiva, transição ataque-defesa, organização defen-
siva e transição defesa-ataque) 14 •
Conforme disse no capítulo anterior, o conceito de "fases" apresenta uma carac-
terística sequencial e uma lógica linear e ininterrupta. Considerando que o jogo, com a
bola em movimento, evidencia quatro 15 momentos, e que a categorização destes deve
obedecer a uma lógica não linear, estes deixam de acontecer sequencialmente, a sua
ordem de acontecimento não é linear, portanto há um pouco mais de sentido em pers-
pectivar o jogo, visando a treinabilidade da ideia de jogo, a partir de momentos e não de
fases. Repito: sobretudo a nível didático.

14 Considerarei um momento como um conjunto de instantes, que se deseja darem sentido e padroniza-
rem as equipas quando têm a posse da bola, quando não a tem e entre o perder e o recuperar a posse da bola.
Esta divisão em quatro momentos surge sobretudo em função de uma necessidade didática para melhor
compreender e padronizar o jogo. Conforme evidenciarei adiante, a riqueza do jogo e dos jogares está na
sua fluidez, na sua inteireza inquebrantável.

15 Ainda que seja possível e razoável considerar as bolas paradas dentro da organização defensiva e ofen-
siva, acredito ser importante, devido a sua especificidade, tratá-las como um quinto momento. Entretanto,
a minha análise neste capítulo centrar-se-á somente nos aspetos com a bola em movimento.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 37

Os quatro momentos do jogo de futebol com a bola em movimento

Deste modo, os quatro momentos do jogo, com a bola em movimento, podem ser
caracterizados assim:

• Organização Ofensiva: instantes caracterizados pelas interações que a equipa


assume quando tem efetivamente a posse da bola, fazendo a gestão da mesma
de modo a preparar situações para marcar golo.
• Transição Ataque-Defesa: instantes em que se produz a perda da bola. Pode
ser caracterizado pelas interações assumidas durante os instantes em que ª•
perda da posse da bola acontece; e também durante os instantes que a ante-
cederam, isto é, a contemplação posicional e mental por parte da equipa para
uma eventual perda, equacionando-a e antecipando-a, ainda que se esteja
com a posse da bola.

• Organização Defensiva: instantes caracterizados pelas interações assumidas


pela equipa quando efetivamente não tem a posse da bola, com o objetivo de
se organizar de forma a recuperar a bola, impedindo que a equipa adversária
prepare situações para marcar golo;
• Transição Defesa-Ataque: instantes em que se produz a recuperação da bola.
Pode ser caracterizado pelas interações assumidas durante os instantes em
que a recuperação da bola acontece; e também durante os instantes que a
antecederam, isto é, a contemplação posicional e mental por parte da equipa
para uma eventual recuperação, equacionando-a e antecipando-a, ainda que
se esteja sem a posse da bola.
38 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Todos estes momentos estão ligados uns aos outros, fazendo parte de um todo, não
podendo ser perspectivados de maneira estanque. Embora sejam passíveis de padroni-
zação, os momentos do jogo são interdependentes e estão relacionados entre si, não
devendo o ataque ser s;parado da defesa, nem das transições, pois além de constituírem
um todo, condicionam-se reciprocamente.
Pelo facto da defesa e do ataque estarem intimamente relacionados é um erro pers-
pectivar a organização defensiva e ofensiva sem uma "articulação de sentido" (Amieiro,
2007). Nesse sentido, importa discutir a importância dos momentos de transição e,
nessa medida, do equilfbrio da equipa no jogo, tendo por base a tal "articulação de senti-
do" entre as várias dimensões do jogar desejado, bem como o modo como este se expres-
sa e como se articulam os diferentes instantes que dão corpo aos momentos de jogo.
Conforme disse, as transições podem ser consideradas como os instantes que
antecedem e dão corpo para que efetivamente a perda e recuperação da bola (transição
ataque-defesa e defesa-ataque, respectivamente) aconteça, e que embora sejam instan-
tes muito rápidos, afiguram-se como fundamentais para a sustentação de um equilfbrio
e fluidez no jogar de uma equipa.
Ao que parece, a terminologia "momentos de jogo" foi batizada pelo famoso trei-
nador holandês Rinus Michels, treinador da "laranja mecânicà', que não perspectivava
o jogo em função da equipa ter a bola ou não tê-la, mas sim da mesma estar organizada
ou não. Este treinador, a partir desta análise começou a perceber que havia momentos
do jogo em que a equipa estava mais organizada -nomeadamente nos momentos em
que a equipa tinha a bola em seu poder e quando não a tinha, e que em outros momen-
tos revelava um maior desequilibrio- nomeadamente na passagem do momento ofen-
sivo para o defensivo, e vice-versa.
Para facilitar o entendimento dos seus jogadores, uma melhor operacionalização
destes momentos do jogo em treino, e tentar organizar estes momentos que identifi-
cava como desorganizados, Michels criou a terminologia "transições" (ataque-defesa e
defesa-ataque).
De salientar que embora a nomenclatura "transições" possa ter surgido a partir
destas observações de Michels, é fundamental compreender que as transições não
devem ser vistas como algo anárquico e/ou desorganizado, pelo contrário, na minha
opinião, os instantes de transição deverão ser padronizáveis e revelar coerência, inten-
cional e de concretização com o que lhes antecede e sucede.
Mesmo que o reconhecimento da existência dos quatro momentos com a bola em
movimento seja importante, reduzirmos a análise e o entendimento do jogo à divisão
de momentos seria igualmente redutor e linear, tal como ocorre com as fases.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 39

O professor Frade inclusivamente, atualmente sugere outra designação para estes


conceitos, em função da necessidade de operacionalização. Segundo o professor parece
ser mais ajustado o conceito ou a noção de defender, recuperar, gerir e definir, ou seja,
se deve defender com o intuito de recuperar a bola. Uma vez que a recuperamos, deve-
mos saber como gerir esta posse de bola de maneira a criar condições para definir, para
marcar golo.

O jogo de futebol é fluído, interligado e inquebrantável

Tal como irei evidenciar no próximo ponto ao entendermos o jogo sob uma pers-
pectiva sistémica tudo está tão interligado que inclusive esta divisão é difícil de ser feita,
embora a nível didático possivelmente se faça necessário.

2.2.1 O "refutar" da dualidade cartesiana (defesa e ataque): O Jogo


como um continuum, uma inteireza inquebrantável

Só um entendimento do jogo pelo "Todo" aceita uma abordagem que não


retira ao jogar a sua natureza, ou seja, a sua "inteireza inquebrantável".
(Carvalhal, 2007)

Esteja ciente de que, durante o processo de ataque, estou gerando as


futuras condições defensivas e vice-versa.
(Ferhandéz,2012)
40 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Não consigo dizer se o mais importante é defender bem ou atacar bem,


porque não consigo dissociar esses dois momentos. Acho que a equipa é um
todo e o seu foncionamento éfeito num todo também.
(Mourinho, citado por. Amieiro, 2007)

Ataque e defesa
é uma coisa unida
separá-los é tristeza
leva a equipa a estar perdida
(Frade,2014a,p.53)

Como já adiantei, embora se reconheça que os momentos do jogo possam ser


claramente padronizados e "diferenciados" uns dos outros, deve-se entender o Jogo (e o
jogar) como um fluxo contínuo, um continuum, e não como algo faseado e, nessa medi-
da, compartimentado.
Moreno (2010), apoia-se no pensamento sistémico ao sugerir que os momen-
tos do jogo devem ser encarados como sub-sistemas que compõem o sistema supe-
rior, neste caso o jogo de futebol, e que portanto estão todos relacionados uns com os
outros, não podendo ser separados desta totalidade, pois a fragmentação das partes de
um sistema não implica somente a separação delas, mas também a anulação das suas
propriedades emergentes (Tamarit, 2007).
Nesse sentido o professor Frade é categórico ao considerar o jogo uma inteireza
inquebrantável1 6 , algo que é reforçado pelo treinador português Carlos Carvalhal,
quando o mesmo sublinha que só um entendimento do Jogo pelo todo aceita uma
abordagem que não retira ao jogar a sua natureza, ou seja, a sua inteireza inquebran-
tável.
Estas declarações fazem-nos lembrar o que Maciel (2011a), tendo em conta a
obra de Capra (2005), designou como ponto de mutação. Parece que já alguns treinado-
res começam a perspectivar o jogo de uma maneira diferente da lógica cartesiana.

16 Inteireza Inquebrantável: Tendo em conta a perspectiva sistêmica, a terminologia "inteireza inque-


brantável" direciona-se para a noção de "inteiro", isto é, algo (neste caso o jogo, um jogar, a equipa, os joga-
dores ...) que está conectado e relacionado, não devendo por isso ser partido e separado, pois como vimos,
o todo está na parte que está no todo, onde a natureza das relações e o contexto desempenham um papel
chave no emergir do mesmo. Ao partirmos o todo nós o mutilamos, uma vez que o segredo se encontra nas
conexões e nos padrões de organização do todo (Maciel, 2011a). Portanto, a fragmentação das partes de
um sistema não implica somente a separação delas, mas também a anulação das suas propriedades emer-
gentes (Tamarit, 2007).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 41

Vejamos o que um dos treinadores mais vencedores da história do futebol, José


Mourinho, respondeu quando perguntado sobre a importância de sustentar defensiva-
mente a forma tão ofensiva de jogar da sua equipa, naquela altura o FC Porto:

Claro. Mas é tão importante defensiva como ofensivamente! Não


consigo dissociar as coisas! Não consigo fazer essa dissociação. O jogo é
preparado de uma forma equilibrada e o tre1no é também feito nesse
sentido. Não consigo dizer se o mais importante é defender bem ou atacar
bem, porque não consigo dissociar esses dois momentos. Acho que a equipa
é um todo e o seu funcionamento éfeito num todo também. Penso que,
quando se possui a bola, também tem que se pensar defensivamente o
jogo, da mesmaforma que, quando se está sem ela e se está numa situação
defensiva, também tem que estar a pensar ojogo de umaforma ofensiva
e a preparar o momento em que se recupera a posse de bola. Portanto,
penso que tudo isto está demasiado interligado para eu conseguir fazer
essa separação.
(Mourinho, citado por. Amieiro, 2007, p. 131-132)

Rui <2.1iinta, bicampeão português, como treinador adjunto do FC Porto, parece


ser outro profissional que não encara os momentos do jogo de forma cartesiana, faseada
e estanque, conforme o mesmo dá a entender:

Para mim, é complicado estar a falar da fase de defasa e da fase de


ataque separadamente, porque eu acho que o jogo nunca nos permite
estarmos apenas numa ou noutra fase. Ou seja, as equipas que estão"
num processo e, depois deste, vão para outro processo, são equipas que, na
minha perspectiva, terão muita dificuldade em apresentar uma elevada
qualidade de jogo. Para mim, as equipas com mais qualidade são as que
conseguem estar permanentemente a visualizar os dois processos, porque
eles estão interligados. Eu defendo para poder atacar e ataco para marcar
golos, mas quando perco a bola devo estarpreparado para imediatamente
a tentar recuperar. Ou seja, existe uma relação permanente, não são dois
momentos estanques, são situações relacionadas. E se eu recuperar a bola
numa zona ataco de uma maneira, se a recuperar noutra, ataco de outra
forma.
(01iinta, citado por. Amieiro, 2007, p. 132)

Lillo (citado por. Cervera, 2010) concorda com os treinadores recém-citados,


quando explana que o jogo é uma unidade indivisível e que não há momento defensivo
sem o momento ofensivo, e vice-versa, uma vez que ambos constituem uma "unidade
funcional".
42 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Isso reforça com o que quero dizer com inteireza inquebrantável do Jogo, enquan-
to articulação dos diferentes instantes. Para além disso, temos a inteireza do jogar que
tem a ver com o Sentido que se dá ao modo como se vivenciam os diferentes instantes
do jogo. Trata-se de uma articulação de sentido necessária e subjacente à ideia de jogo.
. '
Existe também a necessidade de se atender à inteireza relativa às escalas da equipa,
ou seja, a relação ou articulação de sentido entre os diferentes jogadores e setores para a
lógica de funcionalidade e fluidez da equipa.

A análise que comumente sefaz sobre a capacidade do Barcelona conseguir


roubar a bola imediatamente após a perder: a clássica visão cartesiana
apenas fixaria seus olhares no momento, quase que numa fatogrefia,
e tenderia a enaltecer os grandes eifôrços de recuperação, ignorando o
fundamental· o jogo, o ''continuum". O Barça quase sempre consegue
roubar a bola após perdê-la, quando antes deu um grande número de
(bons) passes que possibilitaram que a equipa e jogadores fassem juntos
para o campo contrário, dominando o adversário.
(Caneda, 2012 citado por. Fernandéz, 2012)

Ou seja, a contemplação do jogo e do jogar enquanto uma inteireza inquebrantá-


vel é o que possibilita o seu entendimento inteiro.
Moreno (2010, p. 84) assevera que o ataque, a defesa e as transições evidenciam
uma interdependência tão grande, que é possível afirmar: "Diz-me como atacas e eu te
direi como defendes, ou vice-versa, diz-me como defendes e mostrarás tuas possibilidades para
atacar'; teoria esta, reforçada por Tadeia, quando perguntado se a forma como defende-
mos deve estar permanentemente relacionada com a forma como atacamos:

Aquilo que me parece é que tem que estar tudo integrado. Veja-se o
exemplo do Porto do ano passado: não me lembro de ver uma equipa
portuguesa a jogar tão bem quanto o Porto de Mourinho e precisamente
porque baseava o seu futebol num conceito integrado. A farma como
a equipa defendia estava diretamente relacionada com a farma como
a equipa atacava, porque existia uma série de princípios que eram
inalienáveis e que partiam uns dos outros. Por exemplo, a defasa alta e
opressing alto parecem-me estar relacionados com a farma como o Porto
gosta de atacar. O facto de a linha defensiva estar subida no terreno e
de a equipa estarpróxima está relacionado com uma maiorfacilidade de
circulação de bola.
(Tadeia, citado por. Amieiro, 2007, p.132 - 133)

Por isso, existe a necessidade de articular os momentos do jogo e conferir-lhes um


sentido, sob pena de a organização da equipa ser posta em cheque.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 43

Tentarei clarificar estas ideias através de um exemplo: imaginemos uma equipa


que em organização ofensiva (por assim dizer) aspire ter níveis elevados de posse de
bola, buscando circulá-la por todo o terreno, de modo a criar desequiHbrios no adversá-
rio, identificando-os e aproveitando-os para marcar golos.
Para o treinador desta equipa, um bom jogo posicional é condição sine qua non
para que se tenha a bola com regularidade, e para que isso seja possível os jogadores
devem estar muito bem posicionados já em organização defensiva (uma alternativa
pode ser a marcação zonal, que na opinião de Amieiro é a forma de defender que mais
se ajusta a alguns propósitos, dentre eles à intenção, de atacar o adversário dominante-
mente através da posse e do bom jogo posicional), para que quando se retome a posse
da bola, os futebolistas já estejam próximos dos lugares em que devem estar para circu-
lar a bola o mais rápido possível, ou mesmo realizarem um contra-ataque com eficácia.
Contudo, se o treinador desta referida equipa balizar sua organização defensiva
em marcações individuais, quando esta equipa recuperar a posse da bola, provavelmente
não estará preparada para atacar do modo pretendido, pois se o "atacar" com qualidade
(tendo como base esta ideia de jogo hipotética) depende, dentre outras coisas, de um
bom jogo posicional, este será colocado em cheque, pois como as referências de marca-
ção, neste caso, são individuais, os jogadores muito possivelmente serão arrastados para
longe de sua posição original, pois perseguiram seus adversários a lugares de interesse
dos mesmos, e, isso poderá comprometer severamente não só o sucesso durante os
instantes que sucedem a recuperação da bola, bem como na organização ofensiva, dad~
que vários jogadores estariam "fora de posição" para atacar, no momento da recuperação
da bola.
Ou seja, há aqui claramente um conflito de ideias. <2!iero com isto evidenciar que
a forma como se defende deve ser perspectivada em função do modo como se deseja
atacar. "Deve-se organizar defensivamente a equipa com opropósito de atacar melhor', refere
Amieiro (2007, p. 128).

Só a defender o recuperar
dá sentido ao gerir
p'ra definir ofinalizar
sem o critério deixarfugir.
(Frade, 2014a, p. 52)

Daí que a articulação de sentido seja um pressuposto fundamental para o sucesso


de uma equipa, visto que se perdermos de vista o "todo" (leia-se o jogar) que se pretende,
desarticulando uma "parte" das demais, certamente isso irá refletir no jogar da equipa.
44 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Portanto o treinador ao modelar o seu jogar deverá ter em conta justamente isso, a
interligação e a congruência de tudo para o "todo".
Nesse sentido acredito que um treinador quando treina a organização ofensiva
da sua equipa, não implica que a vivência de propósitos defensivos não se verifique, ou
vice-versa. Treinar implica dominantemente respeitar um dos aspetos caracterizadores
do jogo e do jogar- a sua inteireza inquebrantável, o atacar e o defender como um fluxo
contínuo.
Carvalhal é outro treinador que perspectiva as coisas desta maneira, e sublinha a
importância dos "equilibrios" no futebol atual:

No fundo, o jogo é feito de equilíbrios. Ninguém consegue atacar bem


se não tiver a equipa equilibrada para defender (se não contemplar um
equilíbrio defensivo no ataque) e ninguém consegue atacar bem se, a
defender, a equipa não estiver preparada para atacar (se não contemplar
um equilíbrio efensivo na defesa). Os equilíbrios são importantíssimos.
Estar com a equipa permanentemente equilibrada é meio caminho
andado para se poder ganhar.
(Carvalhal, citado por. Amieiro, 2007, p. 136)

''Ainda que ''atacar" e "ter cuidado" pareçam ideias contrárias, faz todo o sentido serem
equacionadasjuntas. Devemos ter determinados cuidados quando atacamos", coloca Valdano
(1997, citado por. Amieiro, 2007).
<2!iando uma equipa tem a posse da bola, ela estará basicamente sempre diante de
três possibilidades: esta posse resultará em golo, bola parada, ou resultará em perda da
posse da bola (não se sabe quando, como e onde esta perda poderá ocorrer).
Portanto, perder a posse de bola para o adversário é uma possibilidade real e
que, na minha opinião, deve ser equacionada e sentida por antecipação. Isto é, toda a
equipa que tem a posse da bola deverá estar preparada para o momento de a perder,
para reagir de maneira eficaz, tendo capacidade para roubá-la de imediato, ou na pior
das hipóteses conseguir organizar-se defensivamente evitando situações de golo do
adversário.
Por estes motivos é difícil separar e treinar estes momentos (que embora sejam
padronizáveis) separadamente, sem os conectar com os outros, e por consequência com
o todo. A possibilidade de perder a bola poderá ser equacionada antes mesmo de efeti-
vamente a perder! Como? Pela contemplação mental, isto é, pelo entendimento de jogo
e do jogar (especialmente), pela capacidade de antecipação e pela somatização desta
possibilidade.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 45

Hipoteticamente falando, imaginemos uma equipa que quando tem a bola,


frequentemente consegue dominar o adversário, gerindo a posse de bola com eficiência
e eficácia, controlando a partida. Tal equipa circula a bola por todo o terreno, com velo-
cidade e intenção de desorganizar o adversário e criar espaço para os explorar, ficando
muito tempo com ela, conseguindo muitas vezes criar condições de finalizar.
O treinador da equipa quer ter a bola constantemente para dominar o adversário
e quando tem a posse da bola, perspectiva uma sub-estruWra fixa e uma sub-estrutura
móvel, com maior liberdade de movimentação (não entendamos liberdade como "anar-
quia"), posicionando muitos dos seus jogadores "por dentro" e alguns jogadores "por
fora", garantindo a equilibrada ocupação do terreno de jogo, constantes superioridades
em torno da bola, múltiplas linhas de passe e por consequência condições para manter
a bola em seus domínios.
Isso faz com que - para além de conseguirem ter jogadores disponíveis para rece-
ber a bola e dar continuidade à manutenção da posse -no momento em que perdem a
bola, conseguem ter muitos jogadores próximos à zona da perda, facilitando uma rápida
pressão, o que possibilita, em caso de sucesso, uma recuperação quase que imediata da
bola. Ou seja, mesmo com a posse da bola a equipa já está a contemplar e a preparar-se
para reagir de maneira eficaz a uma eventual perda.

..

Na imagem acima, podemos ver claramente este exemplo, supondo que o 10 preto
tenta um passe ao 7 e é intercetado pelo 2 branco. Nesta circunstância, o 5, 7, 10 e 9
estarão mais próximos do local da perda, e, portanto, reúnem as condições mais favorá-
veis para: criar/ativar uma zona de pressão em torno do adversário com bola; restringi-
-lo e retirar-lhe tempo e espaço para pensar e executar.
46 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Não apenas os jogadores mais próximos da zona da perda contribuem efetiva-


mente para recuperar a posse da bola rapidamente, mas também os jogadores mais
afastados, pois ainda que não possam pressionar imediatamente o adversário com bola,
ao fecharem os espaços interiores e bloquearem eventuais linhas de passe, fazem com
que o adversário tenha dificuldade em encontrar e criar soluções para ficar com a bola.
Portanto, dentre outras coisas, é a ocupação racional do espaço promovida pela
equipa preta, com muitos jogadores por dentro e alguns por fora, que permite que
quando percam a posse da bola possam recupera-la muito rapidamente, pelo facto dos
jogadores estarem muito próximos para pressionar.
Desta maneira, ainda que se esteja com a posse de bola, já se está a equacionar
e a gerir uma eventual perda da posse da bola. Neste modelo hipotético ilustrado na
imagem, notamos a presença de uma sub-estrutura fixa por trás da linha da bola (3, 4,
6 com a incorporação ou não do 2 preto).
Nós sabemos que aliado ao jogo posicional, o facto de terem constantemente a
bola faz com que o adversário não a tenha, gerando desgaste significativo e por vezes
desordem posicional. Daí que a equipa que frequentemente tem bola consiga estar mais
disponível e capaz de concretizar, antecipar e reagir com êxito a eventual ou efetiva
perda da bola.
Ninguém consegue atacar com qualidade se não tiver a equipa equilibrada e
preparada para uma eventual perda, se não contemplar e gerir um equilibrio defensivo
com a posse da bola, o que naturalmente, neste caso, não se aplica somente aos equilí-
brios referentes à circulação da bola no último terço, mas sim em todos os momentos
da progressão da bola no terreno.
Por exemplo, o guarda redes que sai a jogar com o central: conforme ocorre a defi-
nição do lado em que a bola irá progredir, alguns jogadores do lado contrário e/ou que
estão por trás da bola, poderão fechar um pouco de modo a assegurar equilibrio perante
uma possível perda de bola, como demonstra a imagem abaixo.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 47

Também quando não temos a posse de bola devemos estar constantemente a


visualizar a recuperação da posse da bola e o que sucederá após recuperá-la, a pensar e
a preparar o jogo de uma forma ofensiva mesmo estando sem a bola. No fundo, estes
exemplos servem para ilustrar o que julgo no futebol ser fundamental: a noção de equi-
Hbrios dinâmicos.
Para finalizar, constitui-se como imperativo ressalvar que embora se tenha que
perspectivar o jogo como uma inteireza inquebrantável, ao nível do treino é imprescin-
dível "reduzir" esse todo, pois senão não faria muito sentido treinar e sim somente jogar,
dado que treinar-se-ia "tudo" e ao mesmo tempo nada. "
Se é certo que o <iogar>> é uma «inteireza inquebrantável», também o é
que ele é ifàbricado» (criado e recriado17), é «construído» (e reconstruído,
sobretudo no plano micro). Treinar é ifàbricar>> (criar) o <iogar>> que se
pretende. Assim sendo, no treino, a dominância das preocupações deve
incidir nas suas diferentes <partes» (macro princípios, meso princípios e
micro princípios dos quatro momentos do <9·ogar>>), na medida em que o
operacionalizar tem critérios.
(Amieiro, 2007, p.134)

Ou seja, considerando que a organização de jogo de uma equipa é um problema


de dinâmicas, ela é necessariamente complexa (Frade, 2000 citado por. Maciel, 2011a),
e sendo também o futebol - e tudo o que dele advém - algo complexo, toda a proble-
mática terá de necessariamente ser encarada sob esta perspectiva.

17 Recriado ao nível dos contornos e não ao nível da matriz.


48 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Portanto há a necessidade do treino atender uma lógica de redução sem empobre-


cimento, no sentido de articular essas várias dinâmicas, através do incidir nas diferentes
sessões de treino nas "partes" (macro princípios, meso princípios, micro princípios dos
quatro momentos do/ogar) sem que com isso percamos de vista o todo. Daí a articula-
ção de sentido ser fundamental no processo de treino, não somente no que diz respeito
à interação dinâmica e não linear entre os vários momentos de jogo, mas também face
aos macro, meso e micro princípios da ideia de jogo que se está construindo, tema este
que abordarei com maior profundidade posteriormente.

2.3 A lógica interna do jogo de futebol


2.3.1 O jogo como um fenómeno imprevisível, aberto, caótico
(determinista) com organização fractal

Valores são princípios


p'ro jogar ter identidade,
sajàndo-nos assim dos precipícios
vindos do excesso de aleatoriedade.
Frade (2014a, p. 131)

O futebol é jogado por mais de 265 milhões de pessoas pelo mundo, e para muitos
a impossibilidade de prever quem será o vencedor de um jogo é a maior graça deste
desporto.
Neste sentido, várias pesquisas e estudos recentes dão conta que entre todos os
desportos coletivos o futebol é aquele que mais imprevisibilidade possui no sentido de
predizer o vencedor de um jogo (Anderson & Sally, 2013).
Assim como outras modalidades desportivas, o futebol enquadra-se na catego-
ria de jogos desportivos coletivos (JDC). Uma das características fundamentais que
caracterizam os JDC, é a permanente relação de oposição entre os elementos das duas
equipas em confronto, e a relação de cooperação entre os jogadores da mesma equipa,
desenvolvidas num contexto imprevisível, sobretudo no plano micro (que tentaremos
sobredeterminar através dos referenciais globais da equipa, ou seja, através da mani-
festação regular da nossa ideia de jogo). Isso permite que qualifiquemos os JDC como
jogos de oposição e cooperação.
Nesse sentido, as relações de cooperação (característica dos jogadores da mesma
equipa) são fundamentais na sequência das ações do jogo e assumem uma importância
determinante na formação e na corporalização de uma forma de jogar, auxiliando os
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 49

jogadores e a equipa a criarem problemas para o adversário e a resolverem os problemas


criados pelo rival durante o jogo.
As relações de oposição entre os jogadores de diferentes equipas, por sua vez, são
capazes de aumentar o grau de complexidade do jogo, na medida em que são decisivas
na colocação de problemas e resoluções, ou seja, em termos qualitativos, quanto maio-
res forem os problemas que uma equipa coloca à outra, mais elaboradas têm que ser as
soluções encontradas para os ultrapassar (Guilherme Oliveira, 2004).
Portanto a matriz dos JDC está fundamentada num conjunto de referências que
contempla a maneira como jogam as equipas; o tipo e a relação de forças (conflitua-
lidade) entre as equipas que se enfrentam; a variabilidade, a imprevisibilidade e alea-
toriedade dos contextos em que as ações do jogo são tecidas e as características das
competências perceptivas, decisionais e motoras para agir e interagir nesses contextos
específicos (Garganta, 2006) 18 •
Como vemos, esta forma de pensar concebe o jogo como algo complexo. Contu-
do, a grande particularidade da Periodização Tática, como irei continuar a evidenciar,
passa por reconhecer que sendo o jogo algo imprevisível, sobretudo no plano micro,
consegue, ou tem a pretensão de conseguir sobredeterminar o jogo (aleatório) através
de uma forma de jogar (cultura tática, Especificidade -como mostrarei mais à frente)
sem retirar o jogo ao jogo.
Como coloca o professor Vítor Frade (2006, citado por. Maciel, 2011a): "o jogo de .,
qualidade tem demasiado jogo, para ser ciência, mas é demasiado cientifico para ser sójogo".
Outra característica inerente ao jogo de futebol, é o fator tempo-time-dependent.
Os desportos dependentes do fator tempo, segundo Garganta (1998) são interativos e
tendem a integrar cadeias de acontecimentos descontínuos, implicitamente relaciona-
dos, não apenas com os acontecimentos antecedentes, mas também com as probabili-
dades de ocorrência de acontecimentos subsequentes, considerada a sua aleatoriedade.
O mesmo autor, desta vez em 1997, afirma que na aparência simples de um jogo
de futebol, esconde-se um fenómeno que assenta numa lógica complexa, decorrente
não apenas do número de variáveis em jogo, mas também da imprevisibilidade e alea-
toriedade das situações que se colocam aos jogadores e às equipas.

18 Futebol e o treino vistos à luz da complexidade: Importante enfatizar que embora alguns autores de que
me servi para evidenciar algumas características inerentes ao jogo de futebol pensem de maneira diversa do
convencional, querendo transcender a perspectiva cartesiana, isso não significa que as mesmas estão plena-
mente -ou as vezes até minimamente- sintonizadas e identificadas com a Periodização Tática do professor
Vítor Frade.
l'''I

50 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Alguns pesquisadores também têm sustentado que a natureza e a diversidade dos


fatores que concorrem para o desempenho no futebol revelam uma estrutura de grande
complexidade devido:

1) à extensão das relações de envolvimento dos jogadores (Worthington,


1974); 2) aofacto das ações de jogo não corresponderem a uma sequência
previsível de cod!ficações (Garganta, 1994), revelando um elevado grau
de indeterminismo (Dzifàur, 1993); 3) à presença de sistemas sujeitos
a rápidas alterações (Schubert, 1990), com componentes numerosas e
variadas.
(Garganta & Gréhaigne, 1999, p. 42)

Mais uma vez, conforme evidenciam os últimos parágrafos, o futebol é caracte-


rizado como um fenómeno complexo e jogado, algo que corresponde à realidade, mas
não é o suficiente.
Nesse sentido, a Periodização Tática ultrapassa essa visão e vai além, pois através
da criação de um jogar -conseguida pela modelação- pretende criar uma ordem que dê
sentido ao caos inerente à modalidade futebol. C2!iero com isso dizer que a imprevisi-
bilidade é uma característica essencial do jogo de futebol, mas não pode ser a caracte-
rística que identifica umjogar.
C2!iando falamos do jogo de futebol, falamos de um fenómeno complexo, não
linear e diversas vezes imprevisível, onde o acaso 19 e o caos 20 se introduzem. Trata-se

19 Acaso: "Comportamento errático efruto da sorte. Sequência de acontecimentos em que nenhum deles ocupa a
mesma posição que já ocupara anteriormente. Alguns descrevem o comportamento caótico como inerentemente ao
acaso, visto que é imprevisível em termos espec(jicos. Outros ainda descrevem-no como aparentemente ao acaso,
porque é gerado por leis.fixas e tem a propriedade da auto-semelhança" (Stacey, 1995, p. 545).
20 Caos: O termo caos é utilizado em vários sentidos. Segundo Stacey (1995): num sentido específico
"como um modelo inerentemente ao acaso de comportamento gerado por "imputs''jixos em leis (relações) determi-
nistas (isto é, invariáveis). As leis tomam a forma de nós não-lineares de jeed-back. Apesar do caminho especifico
seguido pelo comportamento, este tem sempre um modelo de base, um modelo ''escondido'; um modelo global ou
ritmo. Este modelo é a auto-semelhança, isto é, um grau de variação constante, uma variabilidade consistente, uma
irregularidade regular ou, deforma mais precisa, uma dimensão fractal constante. Assim, o caos é a ordem (modelo)
dentro da desordem (comportamento ao acaso)". Num sentido geral "para descrever o corpo da teoria do caos, a
sequência completa de comportamentos gerados por regras de feedback, as propriedades dessas regras e esse compor-
tamento''. Por vezes, é também usado para descrever o estado longe-do-equilfürio instável, aberto e sensível,
no qual precede uma escolha abrupta e espontânea.
Importa referir que para Stacey (1995) os sistemas caóticos são sistemas complexos que se caracterizam
por um conjunto de agentes em interação, que cooperam, com objetivos e comportamentos comuns coor-
denados, fazendo emergir uma certa ordem e estabilidade num contexto caótico, de desordem e instabi-
lidade permanente. Estes sistemas apresentam padrões de ação que no tempo se repetem, denominados
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 51

de um sistema dinâmico complexo de causalidade21 não linear, sendo que o acaso e as


regras são elementos do jogo, onde um acontecimento causal pode mudar o curso do
mesmo, lançando-o para um novo rumo.
Ressalto que embora a aleatoriedade esteja presente no desenrolar do jogo, ele não
está condenado a decorrer de maneira aleatória/uma vez que através da criação de um
jogar, uma organização coletiva, torna-se possível sobredeterminar, em termos globais,
o caos inerente ao jogo.
Segundo alguns autores, entre outras coisas, a complexidade do jogo é o próprio
jogo, ou seja, para além da já referida interação entre as equipas e entre os jogadores da
mesma equipa, esta complexidade resulta do futebol ser o jogo das previsibilidades e
imprevisibilidades, que constantemente se confrontam.
A aleatoriedade e aciclicidade dos acontecimentos, a capacidade de criação das
equipas e dos diferentes jogadores, a qualidade do jogo e dos jogadores, e consequente-
mente, os problemas levantados, proporcionam um meio complexo e caótico que para
ser perceptível tem de ser gerado e analisado nesse envolvimento, uma vez que o jogo
é um acontecimento caótico e particularmente sensível às condições iniciais, sendo um
dos exemplos mais eloquentes do caos determinista na medida em que se joga na fron-
teira do caos (Cunha & Silva, 1999; Gaiteiro, 2006; Guilherme Oliveira, 2004, Pivetti,
2012).

invariantes ou de regularidades. Esta propriedade manifesta um modelo ou padrão "oculto" que Stacey
(1995) denomina de auto-semelhança, isto é, um grau de variação constante, uma variabilidade consistente,
uma irregularidade regular.

21 Causalidade: De acordo com Tamarit (2013b, p.116), a causalidade pode ser descrita como: "É a relação
entre um evento designado geralmente de causa e um segundo evento designado de efeito, sendo que numa conceção
linear o segundo evento é uma consequência do primeiro. Podemos distinguir dois tipos de causalidade: a linear e
a não-linear. Gleick (2005, p. 49-50) esclarece que 'as relações lineares podem ser representadas por uma linha
. reta num gr4fico. As equações lineares são solucionáveis, o que as torna próprias para os livros de texto. Os sistemas
lineares possuem uma virtude modular importante: pode-se separá-los e voltar a reuni-los - as peças encaixam. "
Pelo contrário conforme adverte: 'os sistemas não-lineares não são solucionáveis nem obedecem a princípios de
sobreposição de soluções... Não-linearidade significa que a maneira como se joga altera as regras do jogo .. . Esta
mutabilidade recíproca torna a não-linearidade difícil de calcular, mas origina também uma variedade de compor-
tamentos possíveis que não existe nos sistemas lineares."
Pode dizer-se que a causalidade ou determinação de um fenómeno é a maneira especifica na qual os eventos se rela-
cionam e surgem, motivo pelo qual apreender ou tentar decifrar os contornos gerais da causalidade de umfenómeno
passa porperceber as relações que se estabelecem e a amplificação que dessas relações podem resultar. É isto quepermi-
te apreender a inteligibilidade global de um sistema, ainda que no caso da causalidade não-linear, como sucede no
caso do fatebol, tal inteligibilidade deva fagir da "vertigem"pela catalogação, visto que em termos de pormenor ela
é indecifrável. Daí que o Prefessor Vítor Frade efirme que "para o detalhe não existe equaçãd'.
52 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Em suma, o jogo de futebol revela algumas propriedades, como a aleatoriedade,


que se faz presente porque a ocorrência das situações não apresenta uma lógica sequen-
cial, isto é, apresenta-se de forma não-linear. A imprevisibilidade revela-se porque
os acontecimentos s~o de difícil previsão em termos de pormenor (especialmente na
esfera micro), inventando e reinventando-se a cada instante, sendo que os problemas
derivados do jogo podem ser resolvidos de diferentes maneiras, dependem -dentre
outras coisas- da intuição, do instinto do jogador, dos conhecimentos específicos que
se tem, da interpretação que o jogador faz sobre a situação que está a decorrer, da sua
auto-consciência relativa às suas capacidades para a resolução desse problema, isto é,
das suas competências e dos modelos de referência coletivo e individual que construiu
(Guilherme Oliveira, 2004; Pivetti, 2012), e também a execução da ação que o jogador
decidiu realizar no "aqui e no agora''.
A sensibilidade às condições iniciais22 , logo, acontecimentais, mas apriorísticas,
relaciona-se justamente com isso, ou seja, com as ocorrências que emergem durante o
jogo e com as ações realizadas pelos jogadores. Qpalquer ação realizada trará implica-
ções às ações que se seguem, sendo que esta é proveniente de uma implicação de uma
ação que já ocorreu anteriormente, isto é, uma ação no "aqui e agora", condicionará
a sequência, o desenvolvimento, a lógica e o resultado do processo, em suma, o jogo
revela uma grande dependência do que acontece em cada instante -ambiguidade
circunstancial (Oliveira et ai., 2006; Pivetti, 2012)- daí que uma das pretensões da
Periodização Tática seja dar sentido ao modo como os jogadores e a equipa viven-
ciam e experienciam o "aqui e agora'', com o intuito de sobredeterminar e padronizar
o que acontece. Ainda, o futebol pode ser considerado aberto, e como tal, sensível às
ocorrências do instante.
Por fim, o jogo de futebol revela um conjunto de regularidades, ou seja, caracte-
rísticas funcionais e estruturais invariáveis que permitem reconhecer o jogo de fute-
bol como futebol e não outro desporto qualquer, podendo por isso revelar um caráter
fractal23 •

22 Sensibilidade às condições iniciais: "Propriedade amplificadora dos mecanismos de fiedback não-lineares,


o que significa que minúsculas alterações podem sefrer uma escalada até à mudança completa de comportamento a
longo prazo" (Stacey, 1995, p. 548).
23 Fractal: "Propriedade deJracturar e representar um modelo caótico em sub modelos, existentes em várias esca-
las, que sqam representativos desse modelo" (Mandelbrot, 1991 citado por. Amieiro, Frade & Guilherme
Oliveira, 2008), ou seja, é uma parte invariável ou regular de um sistema caótico que, pela sua estrutura
e funcionalidade, consegue representar o todo, independentemente da escala considerada (Oliveira et al,
2006, p. 217).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 53

Para além disso, também as equipas, embora joguem num meio imprevisível por
natureza (num plano micro), revelam padrões de funcionamento e um conjunto de
regularidades, que nos permitem identifica-las como equipas de maneira regular. "O que
nos leva a poder dizer que nem com o Barcelona (do Guardiola) há dois jogos iguais e isso não
tem nada a ver com o macro!' (Frade, 2013a).
'l

Será através da manifestação da nossa ideia de jogo (previsível no plano macro)


que estaremos em condições de ajudar a equipa e os jogadores a lidarem com as circuns-
tâncias e muitas vezes as sobredeterminarem.
Portanto, uma das nossas maiores preocupações é a de que através do processo
de treino (ensino-aprendizagem) e sem retirar do jogo o jogo, o treinador e a equipa
consigam lidar e interagir com a imprevisibilidade do jogo de futebol, reduzindo-a (no
nível macro), através da criação de previsibilidades que sejam reconhecidas, adquiridas
a partir da vivência hierarquizada de uma ideia de jogo e manifestadas pelo jogar da
equipa.
Mourinho (2012) compartilha desta opinião. Em entrevista ao jornal português
"A Bola", o mesmo, quando ainda treinava o Real Madrid, declarou:

Vamos lutar e a dar o máximo em cada jogo, com todas as forças que
tivermos. Mas infelizmente ninguém pode controlar certos fatores:
o futebol será sempre um jogo. E sendo um jogo existe sempre
incerteza, é imprevisível. O meu trabalho é reduzir essa imprevisi-
..
bilidade ao mínimo. C2!iero que o Real volte a ganhar muito mais
vezes do que as que já o fez. C2!ieremos voltar a conquistar títulos e
regressar à Cibeles24, que é o melhor final de época que se pode ter.

Rinus Michels (2001) é outro que refere que apenas a organização de jogo das
equipas poderá reduzir a imprevisibilidade inerente ao jogo de futebol evidenciada no
plano micro, possibilitando o sobredeterminar das circunstâncias. Tal organização, para
este treinador, assenta em "linhas mestras", ou seja, num conjunto de princípios de jogo
que fornecem organização e coesão, guiando e auxiliando os jogadores a agirem e inte-
ragirem durante o jogo de determinadas maneiras e não de outras.
Segundo Michels, pode-se comparar a ideia de jogo com as regras de trânsito,
onde os condutores e peões agem e interagem de maneira organizada (na maioria das
vezes), condicionados por "linhas mestras" -regras de trânsito, evitando que o mesmo
seja completamente caótico, isto é, busca-se que o caos seja determinístico.

24 Cibeles: A Praça de Cibeles (Plaza de Cibeles), situada no centro de Madrid, é o tradicional ponto de
encontro dos adeptos do Real Madrid para comemorações de títulos do clube merengue.
54 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Um exemplo bem evidente disso é trazido pela treinadora adjunta da seleção


feminina de Portugal, Marisa Gomes:

Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no
, extremo ou vai jogar no central porque isso é que é variabilidade, é o
aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está sobre-condicionada àquilo
que destjamos, portanto, nós queremos ter a posse de bola e opivot está a
ser marcado, ele não vai arriscar um passe para opivot e então vaijogar
para o central E está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em
segurança para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas interações
pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)

A partir da modelação, vivência e treinabilidade dos princípios que estruturam a


sua ideia de jogo (dimensão macro), Marisa induz os jogadores implicitamente a inte-
ratuarem de acordo com os seus códigos, isto é, num nível macro procura-se reduzir
essa imprevisibilidade (existente a nível micro) inerente ao jogo, sobredeterminando as
ações e interações dos jogadores para um determinado sentido, neste caso o de gerir a
posse de bola de modo a passá-la preferencialmente a quem tem melhores condições
de recebê-la. Faz o caos ser determinístico.
Entretanto, no nível da concretização, ou seja, no "aqui e agora'', sempre impre-
visível, são os jogadores que tomam as decisões, neste caso eles são livres para agir e
intervir mas sem agirem livremente, uma vez que estão sujeitos a essa ideia coletiva.
Desta maneira não há mecanização. O treinador não pode cair no erro de querer
controlar o incontrolável. Como diz o professor Vítor Frade: "para o detalhe não há
-"
equaçao.
Tamarit (2013b) ressalta que a criatividade -algo fundamental não apenas no jogo
de futebol, mas na espécie humana- deverá ser potenciada em qualquer jogar, entretan-
to a imprevisibilidade promovida pela criatividade deverá sempre ser sobredeterminada
pela previsibilidade do jogar.
No fundo deve-se promover e fomentar a desordem criada dentro da ordem.
Trata-se de maximizar a redundância concomitantemente com a variabilidade (Frade,
2013a), o que poderá permitir, de certa forma, que o caos seja determinístico.
Por isso, quando nos referimos ao futebol de qualidade devemos falar de sistemas
caóticos determinísticos, pois apresentam padrões de ações e interações que se repetem
no tempo, denominados invariantes ou regularidades. A estes padrões "ocultos", Stacey
(1995, p. 546) denomina de auto-semelhança, isto é, "um grau de variação constante,
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 55

uma variabilidade consistente, uma irregularidade regular, ou de forma mais precisa, uma
dimensão fractal constante".
Por outras palavras, a aleatoriedade e a variabilidade destes sistemas apresentam
um modelo de ação consistente (Oliveira et al, 2006).

Objeto Fractal. Retirado de Zambiasi, 2012

"

30x , __

Evidência da auto similaridade evidenciada pelos fractais. Independentemente da escala


onde é observado, o todo pode ser representado. Adaptado de Wikipédia

Os sistemas caóticos (equipa de futebol) são caracterizados por um conjunto


de agentes em interação (jogadores, treinadores, etc.), que cooperam, com objetivos e
comportamentos (interações intencionalizadas) comuns coordenados, fazendo emergir
li''

56 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

uma certa ordem (organização funcional - padrões de interação individuais e coletivos) e


estabilidade num contexto caótico, de desordem e instabilidade permanente (Stacey,
1995 citado por. Amieiro, Frade & Guilherme Oliveira, 2008).
Por outras palavras, pode-se dizer que as equipas de futebol podem ser sistemas
organizados em interação, onde as condições de funcionamento destes sistemas podem
fazer com que procurem gerar desordem preservando uma certa ordem que permite
tomar decisões congruentes aos referenciais coletivos num contexto não completamen-
te previsível à priori, sobreteterminando-o na maioria das vezes.
Em virtude dos motivos aqui expostos, entendo que o jogo de futebol pode ser
considerado como um confronto entre dois sistemas caóticos determinísticos com organização
fractal.
Em síntese, conforme já coloquei, apesar de toda a ação do jogo conter incerteza,
o jogo de futebol não está condenado a decorrer de forma aleatória. O acaso não deve
orientar a atividade dos jogadores, mas para que isso aconteça torna-se necessária a
vivência e a somatização de uma ideia de jogo de maneira estruturada e coerente.
Nesse sentido o treino é extremamente importante e deve possuir a represen-
tação da realidade, fornecendo através dos exercícios um conjunto de estímulos que
permitam agir e interagir em condições aleatórias e adversas, guiando e organizando
os jogadores e a equipa para um determinado sentido (o da ideia de jogo do treina-
dor), permitindo desta maneira sobredeterminar os instantes do jogo, em função da
ideia coletiva preconizada.
De facto, a organização é um elemento indispensável para que as equipas de fute-
bol consigam dar cumprimento a um jogar de qualidade, e para Frade (2013a), a orga-
nização de jogo das equipas emerge na concretização como Supradimensão Tática.

2.3.2 As dimensões do jogo entendidas à luz da complexidade.


A necessidade de reconhecer o futebol como um jogo regido pela
(Supradimensão) Tática

Dimensão tática
É cultural é postura...
Habituação adquirida na prática,
É a identidade que se procura.
(Frade, 2014a, p. 150)

A Tática é o que nos identifica.


(Frade,2013a,p.415)
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 57

Há muito tempo que treinadores, pesquisadores e profissionais envolvidos no


futebol vêm tentando entender a rede e a interação das diversas dimensões que influen-
ciam o desempenho desportivo. Conforme já mencionei, é comumente aceite que a
qualidade das manifestações das interações do jogo de futebol está relacionada com
cinco dimensões: tática, técnica, fisiológica, psicológica e estratégica.
Se para a maioria dos treinadores, preparadores físicos, jornalistas, comentadores,
etc., toda a lógica processual do "treinar" de~e ser balizada pela dimensão física (Olivei-
ra et al, 2006), neste momento, conforme reflete Maciel (2011a), o futebol pode estar
a passar pelo ponto de mutação, onde diferentes treinadores têm vindo a propor outro
modo de olhar e operacionalizar - nomeadamente à luz do pensamento complexo - o
treino em futebol, sugerindo uma mudança de paradigma que transgride o tradicional-
mente institucionalizado.
Segundo estes treinadores todo tipo de ação e interação que o(s) jogador(es)
executa(m) no jogo deve estar subordinada à dimensão tática. Esta é a dimensão que dá
sentido, que unifica e consequentemente emerge sob a forma do jogar.
Para este tipo de treinadores, o jogo de futebol é um fenómeno essencialmente
"tático", uma vez que as interações que ocorrem durante um jogo são consubstanciadas
através desta dimensão.
Para Frade (2013a), a dimensão tática emerge da relação da dita dimensão física,
da dita dimensão psicológica, da dita dimensão técnica e da dita dimensão estraté-
gica. "Portanto, ela não é nenhuma delas, mas sem estas ela não existe, porque ela dimana F

destas", afirma.
Imaginemos uma situação de jogo em que um jogador está por receber a bola e
realizará um passe a outro companheiro: ao receber a bola, o jogador terá de optar por
uma solução dentre as que julgar possível para aquele instante (tomada de decisão:
passa a um companheiro? Conduz a bola para frente? Dribla o adversário?) e decide
fazer o passe a um colega, que está bem colocado e receberá a bola com liberdade, e
assim poderá dar progressão ao jogo.
Ora, dentro deste passe está presente a dita dimensão técnica (gesto motor), mas
também o desgaste fisiológico implicado para controlar, comandar e executar tal gesto
(e na sua ação subsequente - um sprint, por exemplo, para receber a bola novamente),
bem como a dita dimensão psicológica, dado que o referido jogador decidiu pelo passe
em segurança tendo como pano de fundo um sentimento (desejo de garantir a eficácia
e a eficiência).
Todas estas ações quando estão inter-relacionadas, de maneira intencionalizada
(intenção esta possibilitada pela vivência hierarquizada de um jogar através da modela-
11111.1 "!'
1

11'11
,1

58 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

ção), fazem emergir o que chamamos de supra-dimensão tática. Neste caso, o todo está
na parte, que está no todo.
Portanto todas estas dimensões que tradicionalmente foram separadas são defini-
tivamente insepará,veis, sendo das conexões que estabelecem que resulta a identidade do
todo, ou seja, da suprainteireza, que é o jogar da equipa, ou seja, a tática (Maciel, 201 la).
É por isso que ao abordar a questão do treino (exclusivo) da dita dimensão técnica,
Frade (1985) sublinha que somente o "jogo" sobre todos os seus aspetos proporciona
o conveniente treino "técnico", porque a "técnica'' por si só não existe no vazio, visto
que, como ressalta Amieiro (2007), qualquer gesto técnico tem subjacente uma inten-
ção tática (que é coordenadora). Partindo deste pressuposto quando em situação de
jogo ou treino, não há sentido em utilizar o termo "técnico-tático", mas apenas "tático"
(embora seja possível padronizar a dimensão técnica), porque trata-se, ou deverá tratar-
-se, segundo a nossa perspectiva, de uma execução com uma intencionalidade coletiva
subjacente.
Para além da dimensão técnica, há também a questão do treino físico, o que para
mim se trata de uma falsa questão, uma vez que mesmo tomando como modelo os
principais movimentos de deslocamento dos jogadores nas suas diferentes expressões
(marcha, trote, corrida rápida, sprint), constata-se que tais ações e interações têm a sua
génese assente numa situação criada pelo jogo (onde se pretende que tal situação seja
sobredeterminada pelo jogar), isto é, uma situação contextual que determinou a mani-
festação de determinada gestualidade, suportada e sobredeterminada muitas vezes pela
intencionalidade coletiva referente ao jogar.
García (2006 citado por. Cervera, 2010) avaliou o comportamento da frequência
cardíaca durante um jogo de futebol, e pôde verificar que esta apresenta uma clara
assimetria, sendo que os seus picos se manifestam predominantemente em situações
em que o jogador está a participar diretamente nas jogadas, seja com ou sem a posse da
bola. Isso faz com que o autor sugira que a oscilação dos níveis de frequência cardíaca
está diretamente relacionada ao sistema nervoso central e logicamente aos constrangi-
mentos decorrentes da partida.
Nesse sentido, Oliveira et al (2006) lançam uma pergunta: Qyal será o intervalo
de frequência cardíaca ideal para o balanço do bloco defensivo à direita, para pressionar
o lateral esquerdo adversário em posse de bola? Qyal será o intervalo de frequência
cardíaca ideal para que, em transição defesa-ataque o pivot passe a bola, com regulari-
dade, para jogadores mais afastados da zona da recuperação da bola?
"Será que a relação frequência cardíaca/potência é a mesma sobre o terreno de jogo e no
«tapete rolante»?'' questiona Frade, já no distante ano de 1985 (p. 26).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 59

Deste modo, o mesmo Vítor Frade (1985, p. 30) sugere: "Não será uma determi-
nada "conceção de jogo" que determina o equacionar de determinadas ''qualidadesfísicas" como
necessidade?". E poetisa:

Que preparadores físicos tens, e pedes, ó fatebol? Será que o simples


vestir duma farda de astronauta permite o assumir-se como tal? Será
que qualquer epidemia (pulmonar, por exemplo) num qualquer país
seria szificientemente debelada, só por "enfermeiros"? Só por clínicos
gerais? Ou tanto melhor por ''especialistas pulmonares"? O peso da
institucionalização da ignorância. O atrevimento seu principal sintoma.
(Frade, 1985, p. 34)

• .. . ! •. . ... •
53% POSSESSION 60%
119 KMS/MATCH 111
240 SPRINTS/MATCH 198
697 COURSES INTENSIVES/MATCH 587
Qyadro comparativo entre o Borussia Dortmund liderado por Thomas Tuchel
e Jürgen Klopp.

Durante uma transmissão do campeonato alemão, por uma televisão francesa, este
diagrama foi exibido. A equipa do Borussia Dortmund, que sob o comando de Jürgen
Klopp, predominantemente tinha como ponto forte a organização defensiva agressi-. F

va, as saídas rápidas em contra-ataque e, principalmente o gegenpressing (determinadas


interações coletivas em situações que envolviam a perda da posse da bola, visando recu-
perá-la o mais rápido possível), tinha em média menos posse de bola, mais quilómetros
percorridos (por jogo), mais sprints (por jogo) e mais corridas "intensas" (por jogo)
do que o Borussia Dortmund do seu sucessor, Tomas Tuchel, que baseava o seu jogo
ofensivo em ataque posicional, procurando causar desequilibrio no adversário através
da circulação exacerbada da bola, na busca paciente pelo melhor espaço para agredir.
Ou seja, a manifestação regular de uma determinada ideia de jogo e de um padrão de
interações, leva a um determinado e correspondente tipo de solicitação, adaptação e
expressão fisica/fisiológica/bioenergética.
Por isso, não consigo compreender as razões pelas quais as periodizações e plani-
ficações de treino são predominantemente físicas, quando no futebol todas as dimen-
sões que concorrem para o desempenho (dita física incluída) estão sempre integradas
e subjugadas pela dimensão tática, à organização de jogo. Trata-se, portanto de um
fenómeno cuja supra-dimensão é tática.
60 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

A manifestação regular da organização de jogo da equipa é o grande


indicador da forma desportiva. Para quê, então, a realização dos
tradicionais testes físicos? Será que a organização de jogo se afere por
indicadores como os "quilos" de lactato, as séries de ioiô, a frequência
'cardíaca registada nos cardiifrequencímetros ou o V02 máximo?
(Oliveira et al., 2006, p. 98)

Para Frade (citado por. Martins, 2003) todas estas conceções derivam "de um
mesmo mal conceptual, que é a separação das coisas e a lógica ascensional das etapas, dasfases".
Já dizia Benedict (citado por Mlodinow, 2012), que "o olho que vê não é um mero
órgão físico, mas uma forma de percepção condicionada pela tradição na qual o seu possuidor
foi criado".
Por esta razão Frade alerta que ver não é a mesma coisa que entender, não basta
estar de boa saúde oftálmica. Para este autor, onde a "esferà' (neste caso ofutebol e o treino)
é complexa, não pode reinar senão o pensamento complexo (1985, p. 37). "Para sistemas
complexos, uma abordagem em complexidade: Futebol e Homem são como as cebolas, se os
picarmos em pedacinhos, fazem-nos chorar!' (Maciel, 2011a, p. 168).
No mundo do futebol existem treinadores que além de verem, entendem:

Não sei onde acaba ofísico e começa opsicológico ou o tático. Para mim,
ofotebol é globalidade, tal como o homem. Não consigo separar as coisas.
Do mesmo modo, custa-me entender a evolução de um jogador à margem
da evolução da equipa.
(Mourinho citado por. Oliveira et al, 2006, p. 153)

Qyando questionado pela revista Ideias e Negócios (2003 citado por. Oliveira et
al, 2006 p. 40) sobre a percentagem que atribuía a cada dimensão do jogo, Mourinho
respondeu:

Eu digo que para haver sucesso numa equipa de futebol a equipa


tem de estar 100 por cento preparada. E quando eu digo 100 por
cento não consigo dissociar aquilo que é físico daquilo que é tático,
daquilo que é psicológico. Para mim, um jogador é um todo, tem
características físicas, técnicas e psicológicas que tenho de desen-
volver como um todo. Não consigo separar.

Portanto, se no jogo de futebol ocorrem interações complexas, não se pode dizer


que uma situação é somente física, ou somente técnica ou psicológica, é "simplesmente"
uma situação tática.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 61

Entretanto a definição de tática comumente é distorcida e confundida, principal-


mente com a dimensão estratégica. Isso faz com que não haja o mesmo comprimento
de onda na literatura e muito menos no entendimento, discurso e prática dos profissio-
nais envolvidos com o futebol.
De modo a esclarecer e definir um único comprimento de onda -no que se refe-
re à Periodização Tática- Frade (2013a) sustenta que a dimensão tática é aquilo que
nos identifica enquanto equipa, é a emergência proveniente da interação das outras
dimensões (física, técnica, psicológica, estratégica), mas é acima de tudo uma emergên-
cia intencionalizada, ou seja, é deliberada, há uma intenção prévia de agir em confor-
midade com essa intenção, unindo, portanto, a pretensão (intenção prévia) com aquilo
que acontece no aqui e agora (intenção em ato). "Eu pretendo que a minha equipa venha
a jogar assim, portanto a dimensão tática pra mim é isso" (Frade, 2013a, p. 415).
Maciel (2011b, p. 2) adiciona que "a tática é uma realidade -um jogar-dinâmica e
complexa que se manifesta como interindependência organizacional intencionalizada". Para
além disso, a tática é muito mais diacrónica do que sincrónica, isto é, "tem que ser (deve
transformar-se em) uma cultura tática, é identitária" (Frade, 2013a, p. 414).
Por outras palavras quando esta intencionalidade coletiva partilhada e intenciona-
lizada (tática), a qual, ao manifestar-se de tal forma e com regularidade, se revela como
uma emergência assumida, como que um aspeto cultural por parte daqueles Qogadores)
que a partilham (Maciel, 2011b).
Por isso, de acordo com Jorge Maciel, a tática tem a ver com o partilhar de uma
intencionalidade e não somente a necessidade de tomar decisões - "contexto tático" "
para a norma. Penso que é tomar decisões (fazer escolhas dentre as diferentes hipóteses
possíveis a que mais se ajusta à intencionalidade e funcionalidade coletiva da equipa),
jogando de acordo com valores partilhados que ao acontecerem com regularidade se
manifestam como cultura, fazendo assim emergir uma determinada dimensão tática,
um jogar.
Na mesma linha de raciocínio está Mourinho. Oliveira et ai. (2006) esclarecem
que para este treinador a tática não é algo de abstrato, mas algo muito concreto, isto
é, o conjunto de interações intencionalizadas que se pretende para a equipa, e que
se deseja que esta manifeste com regularidade em competição. É uma cultura de
interações específicas, que requer aprendizagem, sendo, portanto, uma propriedade
emergente, o que implica a necessidade de periodizar o processo de emergência do
tático: Periodização Tática.
Pode-se dizer que a dimensão tática enquanto cultura é o que permite identificar
as equipas, ou seja, a organização (preconizada) que as equipas revelam enquanto regu-
laridade é o que as faz evidenciar uma identidade.
62 > JUUAN BERTAZZO TO BAR

"É aquilo que existe quando você vê o Barcelona (do Guardiola) ajogar, mesmo jogan-
do mal, ou atéperdendo. Você diz: "Não, estes gajos até poderiam jogar de camisolas amarelas
que eu sei que é o Barcelona". Isto é a dimensão cultural!' (Frade, 2013a, p. 415).
A dimensão t~tica é isso, e é uma organização intencionalizada, porque há uma
intenção prévia a isso, que é a ideia de jogo, o modo como queremos que a equipa venha
a jogar.
Assim como Frade, Mourinho também entende que a dimensão tática não é nem
técnica, nem física, nem psicológica e nem estratégica, mas que necessita destas para se
manifestar, e defende que:

Ao privilegiar a vertente tática, portanto, a organização que eu pretendo,


estou a privilegiar todas as outras componentes do rendimento, pois é por
necessidade do «tático» que surgem todas as outras. É a partir do trabalho
tático, da operacionalização do meu modelo dejogo, que vou conseguir uma
adaptação especifica nas outras componentes. Se o nosso «tático» é singular,
tudo o que deriva dele é singular também. Por isso é que eu digo que não
acredito em equipas bem ou mal preparadas fisicamente, mas em equipas
identificadas ou não com uma determinada matriz de jogo, adaptadas ou
não a uma determinada forma de jogar. Porque a adaptação fisiológica é
sempre especifica, singular, de acordo com essaforma de jogar.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.111)

É por isso que, quando questionado por um repórter do jornal português A Bola,
sobre o que havia achado da estreia do médio-centro Tiago ao serviço do Chelsea FC,
Mourinho foi taxativo:

Esteve bem, mas cansado.jogamos deforma muito especifica e demonstrou


ainda uma inadaptação fisiológica ao nosso ritmo. Esteve um mês e
meio a treinar com outra equipa, mas isso não significa que tenha vindo
malpreparado fisicamente. Apenas chegou inadaptado.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 41)

Isso vai perfeitamente ao encontro do que referiu Frade ainda em 1985, quando
já questionava se não seria uma determinada ideia/conceção de jogo que determinaria
o equacionar e o levar a cabo de determinadas "qualidades físicas" como necessidade.
Segundo José Mourinho, se a base de rendimento é a organização de jogo, a forma
desportiva de modo algum pode ser circunscrita apenas à dita dimensão física. A forma
não é somente física, ela é muito mais do que isso. "Sem organização e talento na expio-
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 63

ração de um modelo de jogo, as deficiências são explícitas, mas pouco têm a ver com a farma
física'', diz o treinador português.

Eu não consigofalar em farma desportiva sem falar na equipa e naquilo


que eu quero para ela. Para mim, estar em farma éjogar bem, é a equipa
jogar como eu pretendo. A interpretação de um modelo de jogo, não de
uma farma individual, mas sim coletiva, é a base de sustentação da
farma da equipa e das oscilações individuais da farma de cada jogador.
Por isso é que eu digo que a base de sustentação da boa ou máfarma de
um jogador é a organização da equipa. Por exemplo, a «má farma» de
um jogador pode ser disfarçada pela organização da equipa.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 98)

A referida organização de jogo, para Mourinho, vai ao encontro dos efeitos causa-
dos pela manifestação de uma cultura tática no seio da equipa, pois:

A equipa que eu desejo é aquela em que, num determinado momento


perante uma determinada situação, todos osjogadores pensam emfunção
da mesma coisa ao mesmo tempo. Isso é que é jogar como equipa. Isso é
que é ter organização de jogo.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.121)

Daí que seja fácil compreender o porquê de não ser possível quantificar e atribuir
percentagens a dimensões que não existem no vazio. No processo de treino a dimensão ,.
tática deve sobrecondicionar a dimensão física, técnica e psicológica, desenvolvendo-as
de arrasto, pela operacionalização da dimensão tática, de um jogar, conferindo-lhes um
determinado sentido na sua vivência.
Por outro lado, enquanto que a tática como dimensão e cultura pode ser definida
nestes termos, segundo Frade (2013a), a estratégia pode ser entendida sob dois prismas,
a estratégia no sentido lato e a estratégia no sentido restrito.
O professor refere que a dimensão da estratégia no sentido restrito pode ser defi-
nida como "um corljunto de manigâncias ou de estratagemas, de apostas/estratégias circuns-
tanciais". Apostas e estratagemas que são criados em função de um adversário, que tem
as suas particularidades (debilidades, virtudes, padrões, etc.) e tendo como base a matriz
de jogo da própria equipa (esta, circunscrita no sentido lato da estratégia).
Para Oliveira et al (2006) é fundamental que se entenda que, apesar de o treina-
dor José Mourinho dissecar os padrões de interação do adversário que irá defrontar no
próximo jogo, ele nunca deixa de ter como preocupação principal aquilo que é o seu
modelo de jogo, a sua forma de jogar.
1

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64 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Antes do lado estratégico (no sentido restrito - dos estratagemas circunstanciais)


estará sempre salvaguardada a presença do padrão de jogo. E é na presença da sua
matriz de jogo que se realizam pequenas nuances estratégicas de circunstância, ou seja,
o lado estratégico restrito do jogo.

Imagine que apartir da nossa análise ver!ficamos que o adversário é muito


bom nas desmarcações em prqfondidade, procurando as costas da nossa
última linha, além disso possui bons passadores e conseguem aproveitar
estes espaços. Pode ser que nós decidamos deftnder quinze ou vinte metros
atrás do que estamos habituados a deftnder. Trataremos de evitar que eles
tirem proveito deste potencial que têm. Isso vai mudar a nossa forma de
deftnder? Não. Podemos deftnder igual oÚ muito parecido quinze metros
mais atrás. Não vamos passar de deftnder zona/mente a individualmente
isso sim, seria uma mudança sign!ficativa na nossa organização deftnsiva,
na nossa identidade como equipa. A nossa organização deftnsiva
continuará a ser, orientar o adversário ajogarpelos lados efichar os espaços
interiores, pressionar a bola nas zonas que nos interessam, realizar um
tipo determinado de coberturas, reduzir os espaços e adiantar as linhas
quando a bola estfja pressionada. A questão estratégica pode mod!ficar
nosso jogar a um nível contorna!, não ao nível da matriz.
(Tamarit, 2016a)

Em suma, podemos dizer que o planeamento estratégico de cada jogo (no sentido
restrito, conforme explicamos), assenta e é um acrescento qualitativo (logo, sem perda
de identidade) ao jogar da equipa.

Mourinho sabe que tem sempre de conhecer os pontos fartes e fracos


das equipas que vai defrontar, os seus comportamentos coletivos e
individuais padrão, o modo como o treinador adversário reage ao longo
do jogo em função do marcador. Mas não é por isso que vai alterar a
sua forma de jogar. Não é por isso que vai interferir na tática, no
modelo de jogo, no compromisso comum. Para Mourinho, as nuances
estratégicas são sempre um acrescento, um complemento. E uma aposta.
Não mais do que isso.
(Oliveira et a!, 2006, p. 163)

José Mourinho dá um exemplo de como aborda a parte estratégica na sua equipa,


naquela altura o Chelsea FC:

Eufaço o estudo detalhado do adversário,fundamentalmente para ajudar


os meus jogadores. Para mim, é imprescindível saber como o treinador
adversário reage, o tipo de substituições que faz, os comportamentos-
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 65

padrão da equipa adversária. Por exemplo, tenho o Makelele que mede


1,60; o Lampard 1,85; o Tiago 1,85. Se eu souber antecipadamente
que a equipa adversária promove a construção com passe largo para a
zona do Makelele, jogo com o Lampard ou o Tiago nessa zona e com o
Makelele noutra posição e· depois a trocar. Isto é conhecer o adversário.
É como quando vamos para a guerra: temos de saber como é que o nosso
adversário ataca e defende, para que possamos atacá-lo melhor. Por
exemplo, eu sei que o nosso próximo adversário joga em fora de jogo, sei
que joga com os extremos trocados e que, consequentemente, não saem
cruzamentos e que o que querem é rematar por dentro e, portanto, vou
preparar a minha equipa para isso.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.164)

Estes autores sublinham que se a equipa que vai defrontar tem pontos fracos e
pontos fortes, a simples substituição do defesa "lt' pelo defesa "B" ou do avançado ''N._'
pelo avançado "B" pode ser significativa.
Carlos Carvalhal (citado por. Tamarit, 2013b) coloca que algumas sub-dinâmicas
para determinado jogo poderão alterar-se em função daquilo que se pretende para o
jogo (em termos estratégicos), mas jamais se perde de vista a identidade da equipa, nem
os princípios. Entretanto existem coisas que se podem adaptar tendo em conta aquilo
que com alguma previsibilidade o adversário poderá apresentar na competição.
A dimensão estratégica deve sempre ser complementar à dimensão tática, mas
nunca deve estar em dominância em relação a esta, pois como veremos adiante neste "
livro, a tática enquanto cultura, consubstancia-se em interações intencionalizadas, hábi-
tos, que requerem tempo de aprendizagem e os quais não se adquirem da noite para o
dia, é necessário algum tempo para esta aquisição; por isso, estar a sobrepor a dimen-
são estratégica à tática poderá colocar em cheque a qualidade do jogar da equipa na
competição, a sua fluidez funcional, sobretudo se a equipa ainda não tem solidificada a
aquisição e incorporação das ideias de jogo.
Saliento que tendo em conta as características do adversário, poderão surgir alte-
rações de contorno para o jogo, ao nível do jogar, mas não ao nível da sua matriz.
Primeiro se deve buscar uma identidade, através da aquisição dos macro princípios e
meso princípios de jogo, para depois - em caso de ser preciso e aconselhável - passar a
ter em conta a dimensão estratégica, ou seja, "alterar certas coisas do nosso jogar, em termos
de contorno, para nos beneficiarmos das debilidades e nos proteger das virtudes do adversário"
(Tamarit, 2013b).

Você só é um bom músico se primeiro dominar o tema para depois poder


improvisar, não se improvisa sem primeiro dominar o tema. Portanto
66 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

enquanto você não solidifica essa organização intencionalizada que


stja do domínio de todos os jogadores (a tática) e que tenha uma certa
espontaneidade ao acontecer, nãofaz sentido absolutamente nenhum você
estar erifàtizando este ou aquele aspeto de detalhe e muito menos qualquer
aspeto que tenha a ver com os adversários. É por isso que é um contra-senso
as pessoas estarem a falar de firmação e a dizer que é jogo a jogo tendo
em conta o adversário, isso é uma estupidez. E em relação às equipas de
top, só quando elas de facto têm uma identidade é que podem pensar no
sentido de estarem preocupados em minorar o que é farte no adversário
ou de acentuar as suas fragilidades sem perda de identidade, sem perda
de espontaneidade, sem perda de organização e sem perda de uma
implantação de uma dinâmica que lhe éprópria e na qual ela se sente bem.
(Frade, 2010, p. 106-107)

(O camaleão) pode em fonção do contexto, ao qual é sensível, nuanciar


o seu fenótipo com o intuito de melhor preservar a sua integridade, no
entanto, jamais subverte a sua identidade. E ojogar de qualidade deve
manifestar-se deste modo, deve ser sensível ao contexto, e nuanciar-
se para melhor dar respostas aos diferentes padrões de problemas
que enfrenta, mas sem perder a sua identidade, isto é, mantendo a
concretização das suas regularidades (macro) e que caracterizam os seus
desempenhos. Esta nuanciação sem implicações na dominância, isto é, de
modo a que a dominância esttja nas regularidades e não na novidade
que o si'.stema comporta, pois como fai referido, estas interferências são de
extrema sensibilidade. Quando as equipas sobrevalorizam a dimensão
estratégica sobre a dimensão tática, que por ser identitária se deve
assumir como supra, o que sucede é que a equipa se metamorfoseia não
como um camaleão, mas sim como um palhaço! Os palhaços mascaram-
se mas a sua identidade é escondida ou subvertida. Os jogares "palhaços"
acredito podem muito bem ser motivo de riso, mas dos adversários!
(Maciel, 2013, p. 17)

Um jogar à camaleão ou um jogar estilo palhaço? Escolho o camaleão, isto é,


a dimensão tática convivendo de maneira saudável e harmoniosa com a estratégica,
depois de solidificada, é claro! E se ainda houver alguma dúvida a respeito das diferen-
ças de tática e estratégia, Frade dissipa-as:

Muitas vezes, na rádio e nosjornais, as pessoas estão a referir-se, quando


muito, a nuances estratégicas, masfalam em «tática». Quando eufalo em
tática,falo em cultura dejogo,falo de um entendimento dejogo. E cultura
tem a ver com a postura, com aquilo que fazemos espontaneamente. Ou
stja, um grupo de indivíduos vai fazer algo espontaneamente, mas
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 67

«obrigados» pela mesma cultura. Portanto, o tático é a aquisição desse


algo, isto é, de umaforma de jogar, como uma cultura de jogo.
(Frade, citado por. Amieiro &Maciel, 2011)

Se a tática é a dimensão que rege o jogo de futebol, também deverá ser ela a
coordenar e balizar toda a lógica processual do treinar. Por isso necessitamos de um
pensamento que trate de ser coerente com o nível que esta realidade exige. E é justa-
mente debruçado nesta lógica, nesta conceção transgressora e neste desafio, que nasce
a Periodização Tática.
[!li''
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 69

3 APERIODIZAÇÃO TÁTICA
A designação Periodização Tática é um bocado agressiva, provocatória,
precisamente para se saber que existe uma periodização, e quando se
fala neste termo, deve-se saber o que eu estou a querer dizer com ele. Ou
seja, é usar um determinado período de tempo para levar a efeito uma
determinada ordem, mas se é Periodização Tática esse tempo é gasto para
se conseguir dar ênfase ao lado tático, mas mesmo aqui éprovocatório no
sentido de que a conceção evidencie um tático que não é condizente com o
que normalmente se refere. Ou seja é um aspeto meramente organizativo
do jogar e intencionalizado, tem a ver com a aculturação de princípios na
dinâmica do jogar de uma equipa e se defacto esse jogar tiver qualidade
demora o seu tempo a construir. Isto fage a toda lógica da periodização
convencional
(Frade,2010,p.106)

Até a designação que eu coloco inicialmente que é precisamente essa,


Periodização Tática, é provocatória, porque eu já sabia, logo, logo
que se ia dizer «mas periodização é outra coisa, e tática não é. .. !» É
precisamente essa a intenção, aparecer uma coisa de um modo diverso,
porque regra geral todo o outro tempo que se utiliza, toda a outra
periodização que se utiliza é em fanção do físico, é em fanção, digamos,
das capacidades ditas condicionais, ou das fantes energéticas, ou das.
capacidades ditas motoras, ou das qualidades motoras, é tudo em fanção
disso, era portanto na realidade uma lógica transgressora com uma
linguagem e não só, «Periodização Tática». Eram dois termos que tinham
uma qfinidade com as pessoas e que as pessoas viam de outra maneira! E
portanto, «O que é que este gajo quer dizer com isto?!» Complementando
terminologicamente muitas vezes para os elucidar melhor, designar ou
referenciar isso de outro modo, mas que não necessariamente, porque eu
acho que mesmo num ano de treino os períodos são diversos, são diversos
em função da singularidade das circunstâncias e que eu tenho que tomar
em conta isto antecipadamente, e tenho que arranjar uma lógica que me
dê sustentabilidade a essa necessidade. E a noção de "tática" é uma noção
centralpara mim no jogo defatebol É a organização, uma organização
intencionalizada, um «dinamismo de dinâmicas», e portanto tem um
plano que é mais macro que é, digamos assim, a saliência dos referenciais
coletivos, englobando a totalidade dos sectores e as relações entre os
sectores, e neste caso um intersetorial, um que é intra, e depois um plano
mais micro, que do meu ponto de vista é tanto mais diverso, diversificado
ou irifindável, quanto mais qualitativo far este primeiro plano, que é o
70 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

plano macro! Mas isso é uma organização, é uma dinâmica construída,


de várias subdinâmicas que eu tenho que alimentar ininterruptamente,
respeitando uma causalidade que tem, que é tão importante na sua lógica
ascendente como na sua lógica descendente. Portanto, o micro interfere
no macro e o macro interfere no micro e é a capacidade de sustentar isto
no sentido do equilíbrio que tem que ser uma constante.
(Frade, 2013b, p. 81)

Não podemos, como treinadores, estar nisto como se ofuturo a alcançar, no


que se refere ao jogar, não tivesse um presente. Ofuturo só se ''PRÉ-VÊ':
não se PREVÊ, isto é, prepara-se periodizando-se metodologicamente.
(Frade, 2012)

Periodizar. ..
É codificar a temporalidade,
periodização é praticar
a ideia de jogo na treinabilidade.
(Frade,2014a,p.22)

A Periodização Tática é uma metodologia de treino de futebol criada e sistema-


tizada pelo professor Vítor Frade, que a partir das suas experiências e ideias, começou
a criar esta conceção, pois acreditava que as metodologias de treino de futebol que até
então existiam não atendiam às necessidades que o futebol apresentava.
Tal conceção de treino apresenta princípios metodológicos próprios e concebe o
treino como um processo de ensino-aprendizagem. Trata-se de uma metodologia cujo
propósito fundamental passa pela aquisição de uma forma de jogar específica (em todos
os níveis), servindo-se para tal de uma lógica diferente da que convencionalmente se
adota para o futebol e por isso apresenta princípios metodológicos únicos, transgresso-
res, que saem dos moldes convencionais.
Logicamente, a criação e a consequente aquisição de um jogar por parte dos
jogadores, não se faz da noite para o dia e, portanto há a necessidade de distribuir
temporalmente tal aquisição, ainda que de maneira não linear -em termos gerais
a época, em termos estruturais e operacionais o Morfociclo25 , daí o sentido de se
falar em "Periodização", e "Táticà' por ser esta a dimensão que irá coordenar todo o
processo de treino, assumindo-se, portanto como uma supradimensão. É a periodi-
zação de um ''jogar".

25 Morfociclo: Conceito que será abordado com maior profundidade posteriormente.


PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 71

Embora seja possível fazer uma equipa pensar e jogar como equipa, ou seja,
estabelecer a fusão entre a pretensão (intenção prévia), e aquilo que de facto acontece
(intenção em ato) entre todos os indivíduos de um determinado grupo, não é tarefa fácil
e muito menos simples.

Daí que a Periodização Tática tendo tais pretensões, diferentes das


comummente referidas pelas metodologias do treino, tenha igualmente
pressupostos transgressores, que passam desde logo pela necessidade
de conceber o processo como uma realidade dinâmica e complexa, pela
necessidade de conhecer o ser quejoga - com a particularidade de se tratar
de uma realidade em que o Homem mais do que agir se vê obrigado a
interagir, o que implica por sua vez dar importância não somente às
estruturas efetoras do movimento mas também às que o comandam e
controlam. Implica portanto conceber-se o Corpa26 como uma realidade
inteligente.
(Maciel, 2011b, p. 2)

Sendo a nossa preocupação máxima o "jogar" que se pretende manifestar em


competição, na minha opinião, a Periodização Tática apresenta-se como um caminho
metodológico extremamente viável, porque esta se distingue das outras metodologias
ao entender o homem à luz da complexidade, isto é, ao conceber o homem como um
ser inteligente que interage com os outros, e também entender o homem como um ser
que também é circunstâncias.

Desenvolver o ~ogar>>, esta ideia de jogo, contempla a necessidade"


de reconhecermos que o futebol é um jogo coletivo constituído por
individualidades que se relacionam e fazem emergir uma dinâmica
como um todo funcional. Ou stja, passa também pelo reconhecimento
de que o treinador modela seres humanos em interação. A Periodização
Tática exige que se respeite o homem como ser humano, ou stja, um ser
inteligente, sensível, adaptável e capaz de ofazer com os outros.
(Gomes, 2013, p. 318)

Outro pressuposto fundamental passa por reconhecer os traços que fazem o


futebol ser futebol, "nomeadamente a sua natureza complexa e competitiva, o que implica
que o treino respeite a matriz da competição, e mais precisamente do que se destja em compe-
tição em termos gerais" (Maciel, 2011b, p. 2).

26 Corpo: ''A palavra Corpo será escrita com a primeira letra em maiúscula, para evidenciar a noção de um
Corpo íntegro, ou sefa, como um todo, composto pelo corpo-propriamente-dito, cérebro e mente, e as relações entre
estas partes' (Maciel, 201 la, p. 148). "Quando tifirmo que o corpo e o cérebroformam um organismo indissociável,
não estou exagerando. Defacto, estou simplificando demais" (Damásio, 1996, citado por. Zambiasi, 2012).
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72 > JULlAN BERTAZZO TOBAR

Deste modo, a Periodização Tática será dirigida por uma matriz conceptual e
metodológica, falo de uma ideia de jogo (requisito fundamental) e de sua operacio-
nalização, tendo por base os seus princípios metodológicos (Propensões, Progressão
Complexa e Alternâ?cia Horizontal em especificidade), tendo como objetivo alcançar
uma organização coletiva de qualidade, tendo também em conta a maximização do
individual, de maneira que a evolução de cada jogador dentro do coletivo interfira na
melhoria do mesmo.
É importante evidenciar que na Periodização Tática as preocupações não são
apenas com o lado coletivo, mas também com o individual (não há coletivo sem indi-
víduos, e estes necessitam que as suas capacidades e qualidades sejam desenvolvidas,
potenciadas e maximizadas), e por isso, durante o processo o treinador deverá contem-
plar não apenas o plano macro do jogar, mas também o plano meso e o plano micro, de
modo a que tal interação contribua com a melhoria do todo.
Portanto, o primado está no coletivo (enquanto intencionalidade) e ao mesmo
tempo no indivíduo (na concretização e aquisição).

Podemos dizer que a dinâmica evolutiva resultante do treinar, segundo


este modelo é (co)auto-hetero. Auto porque se vão registando alterações
no indivíduo. Hetero porque os princípios de jogo contemplam,
fondamentalmente, relações entre vários indivíduos. Ou seja, o
indivíduo progride, mas submetido a uma lógica que tem a ver também
com a coexistência e crescimento dos outros, num registo comum no que se
refere à conceção de jogo (e de treino). Daí o (co).
(Oliveira et al, 2006, p.154)

A realidade competitiva do futebol, precisamente no rendimento superior, carac-


teriza-se por um período preparatório muito reduzido e por uma elevada densidade
competitiva, onde os jogos são constantes e muito próximos temporalmente.
Tendo em conta esta realidade, a operacionalização da Periodização Tática tem
como prioridade manifestar de maneira consistente uma regularidade competitiva,
baseada numa ideia de jogo, oferecendo condições para que tanto a equipa, bem como
as individualidades que a constituem, tenham as máximas condições e disponibilidade
para competir em alto nível continuamente.
Desta forma, pretende-se uma estabilização do rendimento em patamares eleva-
dos, que poderá ser alcançada através da respeitabilidade de um padrão semanal, o
Morfociclo Padrão, como veremos mais adiante.
Ainda, com relação às características e à natureza do jogo de futebol, um outro
aspeto que importa entender, uma vez que justifica a sua possível eleição enquanto
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 73

conceção metodológica, é que no jogar podem ser descortinadas algumas regularidades


identificando-se um padrão (sobretudo ao nível macro) podendo por isso ser modela-
do, ainda que o jogo seja um fenómeno complexo, aleatório em termos de pormenor e
sensível às condições iniciais.
Desta forma o futebol pode assumir várias manifestações, isto é, trata-se de um
fenómeno plural, passível de ser jogado de diferentes maneiras e que, portanto -e
perante aos motivos que já aqui evidenciei, constitui-se como imperativo (ao menos
deveria, tanto ao nível da formação como do alto rendimento)- optarmos por uma
determinada maneira de jogar, isto é, selecionar das muitas ideias possíveis a nossa (dos
vários "futebóis" que existem).
A operacionalização destas ideias deverá ser feita preferencialmente em contextos
de prazer e paixão, já que está mais do que provado que o desprazer é contraproducente
aos processos de ensino-aprendizagem (Maciel, 2011b), levando os jogadores a agirem
e a interagirem de maneira intencional, levando-os a vivenciar a ideia de jogo tanto
subconsciente como conscientemente.
Para Maciel, a Periodização Tática é uma metodologia ajustada para o futebol
porque tem uma validação e um suporte teórico único e cada vez mais robusto, cuja
aplicabilidade se argumenta e fomenta na prática. Tem portanto validade prática como
comprova o êxito de alguns treinadores e um suporte científico muito consistente. Não
é uma ciência do abstrato, mas sim uma ciência in vivo.
Esta conceção de treino poderá definir um novo rumo para o futebol e para o trei.!
no, pois identifica-se com conceitos complexos e sistémicos que permitem compreen-
der o jogar que se pretende criar sem ter de mutilá-lo, desenvolvendo as capacidades
coletivas ao mesmo passo em que as individualidades são maximizadas.
Amieiro (2012) salienta que face ao modo como olhamos, vivemos e sentimos
o futebol - ao reconhecermos a sua essência, sua lógica interna, sua complexidade, a
dominância da dimensão tática enquanto balizadora de tudo o que acontece no jogo
e a necessidade de tornar singular o que a partida é plural, etc. - somos levados natu-
ralmente a ver a Periodização Tática como uma metodologia extremamente viável e
ajustada ao fenómeno, como "uma conceção metodológica que é uma consequência trivial do
jogo defutebol' (Resende, 2002), tanto ao nível do futebol profissional como da formação
de jovens jogadores. Nós só sentimos necessidade daquilo que conhecemos!
Embora para a maioria das pessoas a Periodização Tática seja uma novidade,
levando-as a designarem-na como uma metodologia vanguardista, na verdade não o
é, pois os seus pilares fundamentais começam a ser edificados em 1970, com base em
fontes dessa época e ainda anteriores (Maciel, 2011b).
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74 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Também importa referir que embora esta metodologia esteja balizada numa
matriz conceptual (ideia de jogo do treinador) e metodológica (princípios metodológi-
cos), diferentemente de outras, ela não concebe o processo de treino como um "manual'',
ou seja, não há receit~s. Há uma grande necessidade de adequação ao contexto envol-
vente, que sempre é único e singular para cada processo, onde o treinador -principal
responsável pela condução do processo- deve intervir e guiar as suas ações de acordo
com esta lógica, tendo muita sensibilidade.
Em suma, a Periodização Tática é um fato feito à medida, pois é singular em todos
os sentidos, para cada processo, cada contexto e cada jogar. "Encontra-se na esteira do
pensamento sistémico e como tal coloca a ênfase nas relações, na qualidade e nos padrões, sem
refutar na sua evolução a intuição, mostrando assim que tal como treino, também a ciência de
qualidade requer arti' (Maciel, 2011b, p. 3).
Nesse sentido a modelação de um jogar, ou seja, a criação de um Modelo de Jogo
e o seu desenvolvimento, mais do que ganhar um sentido é uma necessidade. Inclusive,
tal como refere Faria (1999) não há lógica, é irracional pensar-se em Periodização Táti-
ca sem pensar no modelo de jogo que está a ser construído. Definitivamente o modelo
de jogo é uma questão absolutamente central na Periodização Tática.

3.1 Modelo de jogo, que entendimento(s)? A estrutura de


jogo & ideia de jogo

Ao procurarmos pela palavra "modelo" no dicionário de língua portuguesa Pribe-


ram deparamos-nos com uma grande quantidade de conceitos. Segundo este glossário
a palavra "modelo" poderá estar associada a alguma imagem, desenho ou objeto que
serve para ser imitado; a uma pessoa que mereça ser imitada; a profissionais do mundo
da moda (modelos ou manequins), etc.
Esta variedade de definições também se faz presente quando falamos de futebol.
É precisamente neste contexto que surge o "modelo de jogo", um conceito que tem
vindo a ganhar destaque na literatura e inclusivamente televisão e jornais. Entretanto, o
entendimento deste conceito praticamente varia de pessoa para pessoa.
É muito comum escutarmos expressões do tipo: "Meu modelo de jogo é o 1-4-3-
3"; "o clube tem um modelo de jogo definido, todas as equipas jogam em 1-4-4-2"; "a
equipa mudou o modelo de jogo no intervalo da partida'', etc.
Contudo, para a Periodização Tática, a noção de modelo de jogo necessita do
devido entendimento de seu significado. Nesse sentido, parece-me importante estabe-
lecer uma linguagem comum. Começarei por esclarescer dois conceitos que por vezes
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 75

são confundidos com a noção de modelo de jogo. Refiro-me à estrutura de jogo e à


ideia de jogo.
A estrutura de jogo (vulgarmente conhecida como "sistema de jogo27") pode ser
entendida como a estruturação/disposição dos jogadores no terreno de jogo, ou seja, a
forma de colocação dos jogadores no campo de jogo.A princípio, trata-se de uma orga-
nização rígida e sem funcionalidade, não possuindo vida própria, mas que, entretanto
assume-se como um aspeto muito importante no emergir e concretizar das dinâmicas e
intencionalidades coletivas desejadas, daí que a sua eleição não pode ser feita de manei-
ra leviana (Maciel, 2011 b).
"Normalmente as pessoas pensam que falar em estruturas é uma coisa que não tem
importância, o que tem importância são as dinâmicas. Ora bem, mete uma estrutura contra
uma estrutura e vês que as dinâmicas de compensação são completamente diferentes.", diz o
treinador André Villas-Boas (2009).
Portanto, conforme sugeri, a escolha da estrutura de jogo deverá ser feita com
muito cuidado e coerência, porque na distribuição geométrica dos jogadores geramos
diferentes relações, diferentes possibilidades de interações no jogo, diferentes formas
de operacionalizar conceitos. Ou seja, podemos facilitar ou dificultar a propensão do
aparecimento de determinadas interações utilizando a estrutura A ou B (Esteves,
2012).
Van Gaal (2006) acrescenta que a escolha da estrutura de jogo deverá ter em
conta, obrigatoriamente, a qualidade e as características dos jogadores que se tem"
à disposição, de maneira a maximizar as qualidades dos mesmos. Por exemplo, se
estivermos a treinar no Brasil, e na nossa equipa houver um jogador diferenciado em
termos de qualidade como Paulo Henrique Ganso, típico número 10 (médio ofen-
sivo): seria conveniente optarmos por uma estrutura de jogo que não contemplasse
esta posição, como um 1-4-4-2 com duas linhas de quatro? Será que estaríamos -à
partida- a explorar e potencializar as melhores qualidades deste jogador em prol da
equipa? Penso que não.
Carlo Ancelotti pensa de maneira semelhante. Ele relata que no início de sua
carreira preferia a estrutura 1-4-4-2, "mas depois das realidades que vivi, o tempo e a expe-
riência levaram-me a conceber o sistema de jogo como uma espécie de fato, possível de serfeito
à medida, com o que o treinador veste o grupo de jogadores que tem à sua disposição, para que

27 Sistema de jogo: Na linguagem futebolística este termo é comum ente associado à configuração geomé-
trica posicional dos jogadores no terreno de jogo, uma organização rígida e sem funcionalidade. Tendo por
base o que já vimos ao longo deste livro o termo "estrutura de jogo" será o que talvez melhor se ajusta ao
que na realidade se pretende definir (e que por norma se define) como "sistema de jogo".
76 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

estes possam manifestar plenamente as suas qualidades num jogo otimizado que represente a
realidade cultural e histórica do clube" (Ancelotti, 2013).
Deste modo, convém salientar que apesar de a estrutura de jogo ser algo extrema-
mente importante, não podemos simplesmente comparar e pensar sobre as _estruturas
de jogo sem ter em conta (para além dos jogadores disponíveis) a ideia de jogo, isto é,
o modo como queremos que a equipa venha a jogar. A estrutura de jogo é fundamental
em função de uma ideia de jogo e dos jogadores disponíveis.
"Dizer que uma ou outra estrutura é melhor do que outra na manifestação de determi-
nadas interações é uma abstração se não olharmos para uma ideia de jogo epara as caracterís-
ticas dosjogadores2 8 em concreto", diz Sousa (2009), analista de desempenho e treinador
adjunto de André Villas-Boas.

Exemplo de Estrutura de Jogo, neste caso o 1-4-2-3-1

Por sua vez, a ideia de jogo (ou conceção de jogo), como já disse, são as ideias de
futebol que um treinador possui, ou melhor, trata-se da maneira que ele pretende que
a equipa venha a jogar. Por outras palavras, a maneira como quer que a equipa defenda,

28 As características do grupo de jogadores (atendendo às singularidades de cada um) que o treinador


tem à disposição, na minha opinião, será um dos aspetos que influenciará diretamente na formulação e
na manifestação da ideia de jogo do treinador. Não é o mesmo ter Toni Kroos e Luka Modrié para a
posição de médio-centro do que ter Luiz Gustavo e Paulinho. Devido as suas características e interações
com o restante da equipa, Kroos e Modrié podem proporcionar determinadas circunstancias e dinâmicas
enquanto Luiz Gustavo e Paulinho outras. Nesse sentido, a supradimensão tática é condicionadora e ao
mesmo tempo condicionada, ao nível das escalas menores, pelas outras dimensões e deve ser coerente com
o conjunto de características que o plantel oferece, no sentido de fazer com que a manifestação da ideia de
jogo do treinador por parte dos jogadores seja viável.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 77

ataque e realize as transições. Tal ideia é baseada em princípios de jogo29 que procurarão
dar um padrão30 de jogo à equipa, o tal jogar.
Em termos concretos e objetiváveis,XavierTamarit (treinador adjunto de Maurí-
cio Pellegrino em diversos clubes de alto nível), explica a sua ideia de jogo, grosso modo,
para a equipa que naquela época estava a treinar, a equipa feminina do Valencia Club
de Fútbol, de Espanha.
Para este treinador, a sua equipa em organização ofensiva deveria dominar a
equipa rival controlando a partida por meio da manutenção da posse de bola, uma
posse mais circulada, conseguida através de um bom posicionamento no jogo; cria-
ção de triângulos permanentemente; muita largura e profundidade (fazer o "campo
grande"), muita mobilidade das jogadoras, especialmente das que não possuem a bola.
Xavier também pretendia que a sua equipa estivesse preparada e atenta à possibili-
dade de perder a bola, aliando uma boa capacidade de antecipação a determinados
equiHbrios posicionais.

29 Princípios de Jogo: "São padrões de intencionalidade relativos ao jogar que sustentam os critérios expressos
pelas várias escalas da equipa (individual, setorial, intersetorial, coletivo), e que ao se manifestarem com regula-
ridade lhe coriferem identidade efancionalidade nos vários momentos do jogo. São, portanto, ideais de interação
(cooperante e coriflitante) que acontecem em termos probabilístico!' (Maciel, 2011b, p. 11). Deste modo, os
princípios de jogo são padrões com variabilidade intrínseca, que devem assumir plasticidade e potenciar a
diversidade, sendo por isso simultaneamente includentes e excludentes, são abertos tendo necessariamente
que ser fechados, seletivamente abertos e fechados (Maciel, 2014). Por isso é que falamos de princípios e "
não de fins, isto, é, dão espaço para que a criatividade dos jogadores se manifeste constantemente, permi-
tindo que os mesmos interpretem as circunstâncias e ajam "livremente". Coloco livremente entre aspas
porque embora os jogadores sejam livres para agir e utilizar sua criatividade e qualidade para dar respostas
eficazes perante aos acontecimentos no "aqui e agorà', eles fazem-no sobrecondicionados pela matriz, que
é a ideia de jogo.
Os macro princípios referem-se aos contornos gerais da identidade da equipa; São os balizadores da mode-
lação, "são os referenciais coletivos que implicam a equipa toda. Daí que depois os outros estefam todos ''sub". Mais
''sub" ao nível da dimensão meso, e mais ''sub-sub" ao nível da dimensão micro" (Frade, 2013a, p. 413).
Desta forma, os meso princípios (ou subprincípios) são as partes intermédias que suportam e corporizam
a identidade macro da equipa (Maciel, 2011b).
Os micro princípios (ou subprincípios dos subprincípios), por sua vez, são os aspetos mais micro, aspetos
de pormenor que à priori são desconhecidos, uma vez que surgem pela dinâmica do processo e emergem
sobredeterminados pelos níveis de maior complexidade, ainda que sem perda de identidade ou singulari-
dade. Por outras palavras, conferem imprevisibilidade à previsibilidade e surgem em função das dinâmicas
dos macro princípios e meso princípios.

30 Padrão: De acordo com Gomes (2013), o padrão significa algo que existe sempre, mas comporta uma
variabilidade que não compromete a finalidade e permite a possibilidade de ajustamento, o que vai ao
encontro da nossa perspectiva sobre o que deve ser o jogar de uma equipa. Esta, deve evidenciar padrões de
funcionamento, entendidos desde este ponto de vista.
78 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Outro aspeto fundamental que o treinador destaca é a equipa possuir uma boa
qualidade de passe, onde todas as jogadoras devem saber ter a bola -guarda redes
incluída- destacando que esta é um elemento fundamental na dinâmica ofensiva da
sua equipa. "Pretend~ que durante a manutenção da posse de bola, nós tenhamos a capacidade
de decifrar quando o nosso adversário segue estando organizado e quando conseguimos desor-
ganizá-los, para poder entrar em profundidade ou não" (Tamarit, 2013a, p. 378). Xavier
afirma que a paciência é algo muito importante para atingir os seus objetivos, entretan-
to não devemos confundir paciência com lentidão, conforme o mesmo salienta: "Não
devemos ter pressa, devemos imprimir velocidade no jogo - quando assim as circunstâncias
exigirem - mas sem pressa".
Este treinador espanhol prossegue explicando que os pressupostos preconizados
em organização ofensiva permitem que a sua equipa atue dentro de uma determinada
lógica nos outros momentos do jogo (a já referida articulação de sentido), algo que é
facilmente verificável quando o mesmo conta que pretende recuperar a bola o mais
rápido possível após perdê-la (transição ataque-defesa), realizando uma forte pressão
à portadora da bola e às possíveis linhas de passe adversárias, sendo esta garantida pela
provável elevada densidade de jogadoras perto da bola e do espaço circundante:

No final das contas tudo está conectado, uma coisa com a outra, tudo
tem conexão. Se tu estás a conseguir ter posse de bola, eu já te disse que
temos um jogo posicional muito forte e é este jogo posicional que nos
permite ter muitos jogadores em campo contrário. Então, quando nós
perdemos a bola -que costuma ser em campo contrário- no nosso caso,
quase sempre temos muita gente perto para poder realizar uma pressão
com o objetivo principal de roubarmos a bola para estarmos com a posse
de bola novamente.
(Tamarit, 2013a, p. 378)

Xavier Tamarit também coloca que por vezes durante o jogo existem momentos
em que a sua equipa não consegue desenvolver o jogo posicional desejado, porque não
conseguiram ter a posse de bola da maneira de que gostariam sobretudo pelos condi-
cionalismos que o adversário pode impor-lhe. Isso muitas vezes faz com que não seja
desejável pressionar a portadora da bola com o intuito de recuperá-la imediatamente,
antes, talvez seja preferível resguardar e proteger a profundidade, retardando a progres-
são do adversário através da pressão de algumas jogadoras, dando tempo para que a
equipa se organize defensivamente.
Esta variabilidade funcional revela-se importante, especialmente quando se
enfrentam equipas que são extremamente competentes e eficazes em contra-atacar, que
jogam a bola nas costas da defesa.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 79

i ·. i·sso
nos instantes subsequentes à perda da posse da bola, as jogadoras devem
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.tar as circunstâncias do instante para melhor decidir, se há possibilidade ou
t - ressionar imediatamente de forma coletiva para roubar a bola o mais rápido
- -~se retardam a progressão do adversário com o intuito de se organizar defen-
.'
_ri.te. Consoante as interpretações que as jogadoras fazem nas circunstâncias, ou
.r~ferencial coletivo existe, mas a decisão depende da interpretação que se faz no
.~!

Depois, se o adversário conseguiu manter a posse da bola, ou seja, a nossa


transição não teve o êxito esperado -se a intenção era roubar a bola
imediatamente- ou teve o êxito evitando a prifundidade e ganhando
tempo para nos reorganizarmos, somos uma equipa que quando estamos
organizados defensivamente, tentamos condicionar, ou seja, minha ideia
de jogo em momento defensivo é a de uma equipa que tenta condicionar
o adversário.
(Tamarit, 2013a, p. 379)
;;:
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0
Xavier Tamarit em organização defensiva deseja condicionar o rival através de
{ ·a marcação à zona pressionante. Entretanto a altura em que o bloco defensivo se
~'0sicionará dependerá de diferentes circunstâncias. Inicialmente agrada-lhe iniciar o
jpgo em bloco médio, para depois passar a bloco alto ou baixo, dependendo das situa-
1
ções.
E porque depende das circunstâncias? Porque se a minha equipa não ~
está a conseguir ter a posse de bola durante um jogo, ela não conseguirá
realizar pressão em bloco alto como eu gostaria, porque é um tipo de
pressão que desgasta muito e necessitamos ter a bola, para recuperar
com a posse e para estarmos frescos quando não a temos, por exemplo...
E tudo isso a minha equipa já sabe, sabe quando podemos e quando não
podemos, conforme ojogo está a decorrer.
(Tamarit, 2013a, p. 379)

Embora a altura do bloco defensivo seja variável, os seus princípios de jogo em


organização defensiva não o são. Xavier pretende que sua equipa provoque o erro do
rival, recuperando a bola através de uma grande pressão coletiva, conseguida por um
excelente jogo posicional, ou seja, um bloco coeso e compacto (reduzido em largura e
profundidade - "campo pequeno" com muitas linhas em largura e profundidade), com
coberturas permanentes, etc.
Procura-se conduzir o rival até determinadas zonas de interesse e pressioná-lo
com muita agressividade para recuperar a bola.
80 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Realizamos uma defasa muito pressionante, que nos permite conduzir .o


adversário para onde nós queremos, pelo menos é isso que nós tentamos,
promover momentos de pressão eganhar a posse da bola em determinadas
zonas que nos permitem ter um bom posicionamento para quando
estivermos novamente com a posse da bola.
(Tamarit, 20Í3a, p. 379-380)

Aqui mais uma vez a articulação de sentido -implicada na coerência e respeito


pela inteireza inquebrantável da ideia de jogo- aparece, ou seja, pretende-se recuperar a
bola de determinada maneira, para atacar como se pretende.
Por fim, após a recuperação da bola acontecer, Tamarit pretende que a sua equipa
fique com a bola em segurança e faça uma gestão das circunstâncias, ou seja, as joga-
doras consoante a situação devem decidir o que fazer, se o melhor é tentar um passe
imediato na profundidade para tentar levar perigo ao adversário imediatamente, ou
manter a posse de bola com o propósito de buscar novamente o jogo posicional preco-
nizado, dando tempo para a equipa abrir tanto em largura como em profundidade.
As jogadoras devem estar sintonizadas com a ideia, que é de manter a posse da bola
para que quando vivenciem diferentes situações no jogo saibam como lidar com elas.
Algo que não ocorreria se tivéssemos um jogar de cartilha, onde é "primeiro isso, depois
aquilo". Periodiza-se a ideia, para que os indivíduos sintonizados e contagiados com a
mesma possam agir e interagir de acordo com os referenciais coletivos.
Esta é, grosso modo, a ideia de jogo de Tamarit tendo em conta este contexto.
É importante percebermos, ainda que em contornos gerais, o que é uma ideia de jogo,
de modo a diferenciá-la de uma noção mais complexa, aberta e dinâmica, que é o
modelo de jogo.

3.2 O modelo de jogo

Conforme referi anteriormente, o treinador deverá optar por uma maneira de


jogar, sempre atendendo ao contexto e às circunstâncias em que se encontra envolvido.
Qyando um treinador é contratado para dirigir uma equipa, ele leva consigo
ideias próprias sobre a forma de jogar que pretende (ao menos deveria), o que não
deveria ser indiferente aos clubes que o contrata -que deveriam estar atentos a que
tipo de ideias estão trazendo ao clube - o que na verdade infelizmente nem sempre
acontece.
Portanto, na chegada de um treinador, este trará consigo uma ideia, um esboço
inicial de como quer que a equipa venha a jogar (em termos coletivos, - num nível
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 81

macro, matricial), ou seja, como a equipa vai defender, como vai atacar e como vai pers-
pectivar as transições.
Esta ideia de jogo será condicionada e influenciada pelo entorno, o contexto
envolvente, ou seja, o país em que se vai treinar, a cultura do clube, as características dos
jogadores, e várias outras coisas.
Portanto, após o treinador tentar entender a realidade que inicialmente o envolve
e sistematizar31 a sua ideia tendo em conta essas circunstâncias, dá-se a modelação do
modelo de jogo enquanto intenção prévia, uma vez que tais ideias ainda estão apenas
na cabeça do treinador e não foram levadas à prática.
A treinadora adjunta da seleção portuguesa, Marisa Gomes, deixa claro em
entrevista a Xavier Tamarit (2013b, p. 21), que a criação do modelo de jogo (como
consequência: da intenção prévia) está influenciada pelo contexto em que nos encon-
tramos:

Primeiro tens que chegar ao contexto e ver o que é que tens, tentar
conhecer a realidade e para isso tens que conhecer o passado.
Conhecer o que tens no momento e o que aconteceu anteriormen-
te. O que motivou a tua chegada e o que se espera com ela. Depois
vês as condições do clube, dos jogadores, o campeonato e o contex-
to macro em que o processo será desenvolvido. Tens que entender
um conjunto de coisas contextuais relacionadas com a cabeça dos
jogadores, que é o que eles têm, que é o que fizeram até agora, •
que foi o que lhes permitiu estar ali e a dimensão do contexto.
Assim, podes ir dirigindo o projeto e as expectativas das pessoas
envolvidas e fazer que o jogo seja sempre (o mais próximo) (d)aquele
que tu queres. Outro lado importante é o facto de que por mais
que nós desejamos estar alheios às questões da direção, às ques-
tões do contexto exterior, é muito complicado porque estás inserido
numa realidade, fazes parte de um contexto. Podes querer jogar
de determinada maneira, mas essa determinada maneira é condi-
cionada conscientemente ou inconscientemente pelo que acontece
no contexto. Inclusive podes não conseguir entender os motivos,
mas eles estão ali. Numa equipa profissional ainda é pior porque os
jogadores são mais velhos, portanto as crenças são maiores, estão
mais enraizadas e os contextos são diferentes, tens que ter a cons-

31 Sistematização da Ideia de Jogo: Tal como nos recorda Xavier Tamarit, é fundamental que o treinador
reflita sobre o jogar que pretende criar e o estruture de forma lógica e coerente, sem, contudo, desmontá-lo
(desarticulando), devido ao caráter complexo e não-linear do processo.
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82 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

ciência que tens que dar primazia às circunstâncias, àquilo que tens
para depois adequar aquilo que pensas. O lado conceptual só existe
para ajudar a que a realidade seja melhor.

Marisa e Xavier Tamarit fazem especial menção a respeito do futebol que os joga-
dores têm dos pés à cabeça, ou seja, no Corpo todo. A nossa intenção será que todos
os jogadores possam entender o jogo que pretendemos, que tenham essa ideia de jogo
coletiva no corpo inteiro e para isso será fundamental que essa ideia prévia, essa ideia
global, seja vivenciada do início ao fim do processo, o que lhes permitirá a identificação
com esse jogar, a sua aquisição, primeiro a nível subconsciente e depois conscientemen-
te, como veremos de modo mais detalhado na última parte deste livro.
Tal como ressalta Xavier, os jogadores também têm crenças a respeito da maneira
de treinar, algo que devemos ter em conta como também veremos adiante.
Com relação ao peso que o contexto exerce sobre a criação do modelo de jogo
(enquanto intenção prévia) e também sobre sua modelação durante o processo, pegue-
mos como exemplo a realidade do Athletic Bilbao, um clube com uma identidade muito
singular, símbolo emblemático da identidade basca, por não permitir que jogadores não
nascidos ou não desenvolvidos no país Basco, Navarra ou Iparralde possam vestir a sua
camisola. Para se ter uma ideia, este clube somente em 2011 teve seu primeiro jogador
negro a atuar numa competição oficial.
Isso exige do treinador habilidade e perspicácia uma vez que a cultura do clube
invariavelmente fará com que a modelação do processo se dê de uma determinada
maneira, desde a formulação da ideia de jogo, política de contratações, aproveitamento
dos jogadores formados no clube, uma maneira diferente da que encontraria em qual-
quer outro clube.
José Tavares, treinador adjunto do FC Porto, em entrevista à Xavier Tamarit
(2013b) coloca que "um treinador que venha para o FC Porto, antes de chegar deve ser um
treinadorfarte, que ponha a equipa para jogar de uma maneira qfensivamente farte, que nas
transições sda muitofarte e que a equipa sda dominadora porque isso é o que os sócios querem.
O treinador do FC Porto deve cumprir com isso, se não cumpre não conseguirá estar bem aqui.
Então quando ele chega, deve compreender qual é a realidade do clube, o que é que as pessoas
do clube querem. E como disse há pouco, não no sentido de se condicionar, mas no sentido de
adaptar a sua ideia".
Ainda sobre a importância do respeito à cultura do clube e o modo como ela
influência na criação e modelação do jogar, Guilherme Oliveira (2011) comenta sobre a
passagem do treinador multicampeão Tomislav lvié, que orientou o Ajax de Amsterdão
(Holanda) durante as épocas 1976/1978.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 83

Este clube é reconhecido mundialmente por possuir uma cultura muito própria,
de um futebol de ataque, de "jogo bonito", apoiado, com muita circulação de bola, etc
(influenciado em grande parte pelas ideias de Rinus Michels e Johan Cruyff). Entre-
tanto, Tomislav Ivié era um treinador que possuía uma conceção de jogo comple-
tamente diferente da do Ajax. As suas preferências passavam por um jogar assente
numa organização defensiva fortíssima e em saídas rápidas em contra-ataques, com
bola preferencialmente a aproveitar a profundidade dos alas/extremos, com muitos
cruzamentos, etc.
O que aconteceu foi que o Ajax lhe comunicou que para treinar o clube de
Amsterdão, ele deveria adaptar-se às ideias do clube, operacionalizando, portanto, um
jogar diferente do que preferia, caso contrário teriam de procurar outro treinador. Ivié,
aceitou a tarefa, ganhando inclusivamente um campeonato nacional, mas ao completar
2 anos no cargo, o treinador iugoslavo comunicou ao clube que se retirava do Ajax,
porque se sentia mal, pois "este não era o seu futebol".
Tem-se aí um exemplo claro do peso que tem a cultura de um clube, na mode-
lação de um jogar. É impensável, por exemplo, alguém hoje assumir o FC Barcelona
e desejar jogar dominantemente em contra-ataques, tamanha identificação cultural
com uma forma de jogar específica que este clube desenvolveu ao longo dos anos.
Daqui sobressai a importância dos clubes contratarem treinadores em função das
suas ideias.
A este respeito, Guilherme Oliveira (2008) sublinha: ..
Qgando um clube contrata um treinador, contrata ideias de jogo
porque sabe que vai jogar dentro de determinadas ideias (ideal-
mente falando). Mas também o treinador quando chega a um
clube tem de compreender que vai para um clube com um deter-
minado tipo de história, com determinado tipo de cultura, com
um determinado historial num país com determinadas caracterís-
ticas. E o treinador tem de compreender tudo isso e o modelo de
jogo tem de envolver tudo isso. E se não se envolve com tudo isso,
o que vai acontecer é que, por mais qualidade que possa ter, pode
não ter o mesmo sucesso do que se tudo isso estiver relacionado.

Conforme refere Guilherme Oliveira, também os treinadores devem levar em


conta o contexto em que se encontram. Particularidades como a história do clube,
a sua cultura, as suas conquistas, a mentalidade dos adeptos, o país, o campeonato
são alguns aspetos fundamentais que se deve ter em conta durante a modelação do
processo.
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84 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Nesse sentido Marisa Gomes (2013) cita José Mourinho, um treinador que
demonstrou capacidade de adequação aos mais diferentes contextos, ao treinar e ser
campeão em campeonatos completamente diferentes (Espanha, Inglaterra, Itália e
Portugal). Para ela, ,trabalhar em diferentes contextos geram necessidades diferentes,
logo as vivências são diferentes e as orientações, as modelações têm que ser necessaria-
mente diferentes, ainda que obedecendo a determinada lógica metodológica. E tendo
em conta tudo isto é que faz com que alguns treinadores tenham capacidade para trab.a-
lhar fora de determinado padrão e outros não.

Conquistei a Liga espanhola com 100 pontos e a minha equipa não


jogava como o Barcelona. Se tentas imitar o que os outrosfazem, nunca
atingirás o nível deles. Tens de respeitar o estilo dos teus jogadores. É
muito simples. Se tentas jogar como os outros e não tens jogadores para
isso, és muito estupido.
(Mourinho, 2013)

Cada treinador tem a suaforma de trabalhar e é igualmente respeitável


Eu, particularmente, sempre tenho em conta a idiossincrasia de um
país, fotebolisticamente falando, e de um clube. É muito diferente a
cultura fotebolística da Inglaterra, Itália e Espanha. Para ganhar em
campeonatos diferentes, tens que te adaptar às características culturais
do campeonato em que participas. Por pensar assim ganhei em Portugal,
Inglaterra e Itália na primeira época que cheguei. Tens que reconhecer
bem os teus oponentes e suas características. Como não vou ter em conta
uma tradição tão importante como a do Real Madrid, o clube que mais
conquistou a Liga dos Campeões da Europa!?
(Mourinho, 2010, citado por. Tamarit, 2013b, p. 28)

Portanto, como disse anteriormente, desta tentativa do treinador tentar entender a


realidade que o envolve e sistematizar a sua ideia tendo em conta essas circunstâncias, o
treinador cria o modelo de jogo através da intenção prévia, uma vez que tais ideias ainda
estão apenas na cabeça do treinador e não foram levadas à prática.
Tal sistematização deve ser feita com coerência e articulação, onde o treinador à
priori definirá os macro princípios e também parte dos meso princípios que orientarão
a condução do processo, objetivando obter eficiência e eficácia nas competições.
Feita esta quantificação à priori virá o que sucede na prática, no dia-a-dia, ou seja,
nos treinos, nos jogos, enfim, durante o processo. Este tempo vai permitindo que o
treinador conheça mais sobre a realidade inicialmente perspectivada, em todos os seus
níveis.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 85

Tal como coloca o professor Vítor Frade (2013a, p. 412), "quandofalamos do mode-
lo, temos de fogir do plano das palavras para oplano da somatização, para oplano da opera-
cionalização. Porque quando um processo acontece, tem repercussões nos indivíduos a todos os
níveis", modelando.

A morfagénese duma ideia


é a ''marcação somática"
da coisa nossa e não da alheia
do modelado na prática.
(Vítor Frade)

Desta maneira, o modelo não se resume apenas ao plano conceptual, isto é, à nossa
intenção de faz,er qualquer coisa. Por outras palavras, concomitantemente ao plano dos
valores (axiológico), ou seja, do treinador sistematizar uma ideia de jogo tendo em conta
as suas preferências internas e o envolvimento em que o seu clube está inserido, logo
virá o que sucede na prática, o praxiológico32 :

O que sucede durante os treinos, o que a interação entre determinados


jogadores te dá; coisas que vão surgindo. Durante o próprio processo, e
que tu no início não esperavas, e que vai modelando o modelo de jogo
de uma forma ou de outra. A matriz da ideia de jogo segue sendo a
mesma, mas os contornos desta ideia de jogo coletiva, ou deste modelo
de jogo como intenção prévia, vão-se modificando. Eu chamo a isso
modelo de jogo como intenção na ação, epertence ao plano praxiológico, é •
o que vai sucedendo no "aqui e agora". Aqui a intervenção do treinador
é fondamenta!, para impedir que o processo tome uma direção que
não desljamos, ou para potenciar certas interações que nos interessam.
Também a reflexão do treinador à posteriori, sobre o que está a acontecer
se torna essencial.
(Tamarit, 2013a, p. 377)

Conforme coloca Tamarit, ao operacionalizar o modelo de jogo no terreno e


passar a ser uma intenção na ação (ação esta que se dá no "aqui e agorà'), irão produ-
zir-se interações de pormenor, muitas das quais o treinador não esperava à priori, que
poderão fazer com que parte da intenção prévia se modifique, ou seja, algumas destas
interações que emergem durante a operacionalização do modelo poderão parecer-nos
importantes para o jogar e sendo assim poderemos incorpora-las (e inclusivamente
maximiza-las) na ideia de jogo, mas também poderão ocorrer interações que não nos
interessam, tais interações nós devemos suprimir.

32 Praxiológica: A práxis (ação e, sobretudo, ação ordenada - no caso do futebol diríamos coordenada -
86 > ]ULlAN BERTAZZO TOBAR

Conforme vimos, a reflexão do que acontece e também a intervenção do treinador


são fundamentais para impedir que o processo tome uma direção indesejada e para
potenciar certas interações que nos interessam.
Lembrando que esta eliminação de aspetos que não nos interessam, e a incorpo-
ração de aspetos que nos interessam deverá ser feita apenas nos contornos da ideia de
jogo e não ao nível da sua matriz.

A gestão deste processo, feita no fio da navalha, torna fandamental a


dinâmica extremamente complexa que se estabelece entre quantificação
à priori e quantificação à posteriori. A primeira refere-se ao retrato
prqjectivo, geral, que se faz para o processo, isto é, faz-se uma análise
aos três tempos, passado, presente e futuro. A segunda, quantificação
à posteriori refere-se à necessidade de a cada instante se ir gerindo e
aferindo o sentido que o processo vai tomando, de modo a torná-lo
congruente e o mais aproximado possível com o retrato inicial E neste
ponto uma vez mais me vqo obrigado a salientar a importância da
sensibilidade do treinador para gerir estes aspetos, efundamentalmente
para hierarquizar.
(Maciel, 2011b, p. 6-7)

A este respeito, vejamos um exemplo bastante concreto e elucidativo:

Suponhamos, que determinada ideia de jogo tem como ideia para o


momento de organização ofensiva, atacar fazendo uso de uma posse
e circulação de bola dominantemente no meio campo adversário. Em
termos ideais, esta intenção num subnível, passava pela participação dos
defesas na circulação da bola até afazer chegar ao meio campo adversário
e na sua continuidade. Mas quando confrontados com oplantel, verifica-
se que a eficiência de tal intenção hipoteca, por falta de qualidade
individual no setor, a sua eficácia. Face à impossibilidade de adquirir
novos jogadores, o treinador tem de solucionar a situação, e entretanto
pelo maior conhecimento do plantel, verifica que tem pontas de lança
muito eficazes quando solicitados em bolas diretas, capazes de as segurar
e esperar pelo apoio dos colegas. Face a esta corifiguração o treinador
decide aproveitar tal potencialidade desses jogadores, por exemplo, e
passa a construir após saídas diretas de trás, dando continuidade à posse
a partir daí e fazendo-o no meio campo adversário. A intenção mais
global (macro) não se altera, o modo como tendencialmente se concretiza
é, no entanto, diferente do inicialmente conjecturado, mas a equipa não se

para um certo fim) que se quer levar a efeito tem uma lógica, que é deliberada, é condizente com o condi-
cionalismo da ideia que queremos colocar, com a ideia de jogo.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 87

descaracteriza da sua intenção mais geralpara aquele momento, confere-


lhe é em termos de pormenor outras nuances em determinados instantes
que permitem uma gestão mais harmoniosa e melhor conseguida do
trinómio estética/eficácia/eficiência.
(Maciel, 2012a, p. 4)

Conforme coloca Jorge Maciel, a gestão de todo o processo de modelação do jogar


(o "modelo" concreto) exige do treinador muita habilidade e sensibilidade para perceber
e captar o essencial com o intuito de que as bifurcações emergentes do processo possam
ir ao encontro do essencial e nos conduzam, mesmo que por muitas curvas, ao futuro
aspirado.
Daqui sobressai a importância da reflexão por parte do treinador sobre o que
ocorre durante'o processo da modelação do jogar. Deve-se ter sensibilidade na condu-
ção da mesma, sendo que as modificações que poderão ocorrer em meio a esta deverão
fazer com que sempre haja uma aproximação ao retrato inicial, em suma deve-se fazer
com que a intenção na ação tenha congruência com a intenção prévia.
Portanto, conforme costuma dizer Jorge Maciel, o modelo de jogo é tudo, mas
não pode ser tudo e qualquer coisa: é essa ideia de jogo tendo em conta o contexto que
a rodeia, sendo que desse encontro resulta a criação de um referencial coletivo, é o que
sucede durante a sua operacionalização que vai moldando essa ideia de jogo coletiva
ao nível dos contornos, e é também a reflexão (e a operacionalização em conformidade
com esta) por parte do treinador.
É o que existe em termos estruturais e funcionais, que proporciona que regular-
mente uma equipa se identifique como tal. Por isso costuma dizer-se que o modelo de
jogo é algo que se constrói, mas que nunca está acabado, está sempre a ser modelado.
Forma-se portanto uma espiral do modelo de jogo, ou seja, o modelo de jogo não
perdendo a sua matriz reconstrói-se permanentemente, formando uma espiral entre
essa intenção prévia do jogar, a sua intenção na ação e a sua reflexão que nos levará a
uma recriação (não matricial) da intenção prévia, etc., e mais as novas circunstâncias
que ao longo do processo vão emergindo (Tamarit, 2013b).
Forma-se uma espiral porque se trata de uma progressão complexa que se desen-
volve em torno de um eixo (intenção prévia-ideia de jogo). Trata-se, portanto, de um
processo muito dinâmico que se desenvolve e se caracteriza por constantes avanços mas
também retrocessos sem perda de relação com o referencial que o sobredetermina, que
é a ideia de jogo, o ponto de partida à volta do qual o jogar emerge.

A relação organizada e coordenada entre osjogadores de uma equipa,faz


emergir alguma coisa que está para além da soma das partes e portanto
88 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

isso também evolui, ojogar, a identidade. Isto resulta da exponenciação


dos grandes princípios mas tem a ver com a cada vez melhor articulação
entre os sub-princípios e os sub sub e isso faz-se no dia-a-dia. Muita
das vezes a potenciação disto resulta de se ter enfrentado adversários e
' os ter superado e de se ter ganho com isso. Isto permite até trazer à tona
capacidades que eles próprios e os próprios treinadores desconheciam e isto
tudo é que é o modelo. Isto tudo que depois vai surgindo de uma forma
mais complementar, no sentido do crescimento de uma equipa e dos
jogadores, ter esta consideração ou outra consideração em fanção do sobre
condicionamento dos grandes princípios e é alicerçado nisso que o modelo
cresce, por isso é que eu digo que o modelo é qualquer coisa que não existe
em lado nenhum todavia procuro encontrá-lo, parece até um paradoxo!
Não existe em lado nenhum tal qualporque ele também seJaz, agora não
se modifica na sua matriz. Anteriormente falei em causalidade linear
e causalidade não linear e isto está relacionado porque esta forma de
pensar tem a ver com a modelação sistémica, a modelação matemática é
outra coisa, a modelação sistémica é diferente, ou seja, eu estou a modelar
uma operacionalização em fanção de determinados valores ou princípios
mas o sistema acontencimental também permite emergência, se não, nós
não dizíamos que o todo é maior que a soma das partes, mas também é
nelas diferente porque elas deixam de ser partes como quando são partes
tal qualpara serem partesfruto da sua relação com o todo, por isso é que
costumo dizer que oprimado está no indivíduo, mas ele tem que evoluir
relacionado com outros por isso é que chamo de auto-eco-hetero.
Frade(2010,p.107-108)

A modelação do jogar tendo como base o referencial coletivo, a matriz, possibilita


uma relação organizada e coordenada entre os jogadores da equipa, fazendo emergir
algo que está para além da soma das partes, o que faz com que o jogar também evolua.
Isso, como disse, resulta da exponenciação dos macro princípios, que por sua
vez evolui cada vez mais alicerçado pelo ajustamento e melhor articulação destes (dos
macro) com os mesa e os micro princípios. Tudo isso em decorrência da vivência e da
experienciação do processo ao longo do tempo, que sempre permite emergência.
Mais uma vez, não à toa o professor Frade refere sobre a importância do indiví-
duo, onde esta evolução e maximização do lado individual se faz tendo por base o rela-
cionamento com os outros jogadores, sobrecondicionado por um referencial coletivo.
Deste modo o processo assume um caráter auto-eco-hetero.
Esta vivência coletiva mexe com o subconsciente dos jogadores, como veremos
mais adiante, fazendo com que esse jogar vá se incorporando nos mesmos, dos pés à
cabeça, na carne e nos ossos, mapeando-os e somatizando-os, portanto.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 89

Aparente paradoxo então


a auto-eco-hetero q/irmação
no crescer colectivo
exalta o da individualidade
mas sem equipa consigo
nenhum jogador é bom,
e o inverso pode também
ser verdade
e assim qualidade tem.
(Frade, 2014a, p. 32)

Como coloca Tavares, em entrevista a Xavier Tamarit, quanto melhor for a sua
equipa, que é constituída por jogadores, mais facilmente as individualidades aparecerão.
Desta maneira os jogadores crescem dentro do contexto da equipa. Basta lembrarmos
da exponenciação evidente dos talentos de Messi comparando os seus desempenhos no
Barcelona e na seleção Argentina treinada por Maradona.

É por isso que eu falo em qualidade de jogo, da minha ideia, e que essa
evolui conseguindo eu maximizar a redundância concomitantemente
com a variabilidade, a redundância é dofaro mais do macro, das grandes
referências coletivas, depois temos o ''meso" e o ''micro"! O que nos leva a
poder dizer que nem com o Barcelona há dois jogos iguais e isso não tem
nada a ver com o macro!
A redundância não é como o pessoal costuma dizer, os chamados 'os ~
grandes princípios': não! São os macro princípios! O que é balizador
da modelação são os macro princípios! São os referenciais coletivos que
implicam a equipa toda. Daí que depois os outros estejam todos "sub".
Mais "sub" ao nível da dimensão meso, e mais "sub-sub" ao nível da
dimensão micro.
E como tanto equipa como jogadores, devemos pensá-los na possibilidade
de infindavelmente estarem a evoluir, então ele é aberto.
(Frade,2013a,p.413)

Portanto deve-se entender o modelo de jogo como um todo, não sendo apenas
o jogar que queremos evidenciar e que se vai modificando, alterando-se, modelando-
-se e transcendendo-se, evoluindo de forma não linear (devido, sobretudo, à evolu-
ção que ocorre durante o emergir do processo, do inesperado, assim como à constante
reflexão -e operacionalização em conformidade com esta- no plano dos contornos da
ideia, levando à sua recriação -não matricial- permanente), mas tudo o que ocorre ao
longo o processo, que acaba por influenciar o que efetivamente acontece em campo
90 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

(nas competições) regularmente, o que existe em termos estruturais e funcionais, que


permite identificar a equipa como tal.

Qualquer treinador tem uma ideia de jogo. Em função da forma como


,vê ojogo toma partido por uma ideia, e essa ideia, a tal Especificidade, é
o esboço inicial, a partir do qual ele vai construindo aos poucos oprocesso
de crescimento da equipa, e de acordo com a Periodização Tática,fá-lo-á
segundo princípios metodológicos que estão peifeitamente sistematizados.
E tendo em conta também o contexto, portanto a realidade, o ''aqui e
o agora': o instante, aquilo que é a realidade naquele clube, desde os
jogadores que tem, o país onde está, a cultura dos adeptos, o estado da
relva, tudo influi, tudo! O contexto é infindável, e é indecifrável na sua
totalidade. Tudo isso em conjunto com o tal esboço inicial, em conjunto
com a lógica processual vai levar a tal emergência e aí sim vamos ter
o aparecimento de uma fancionalidade. Uma fancionalidade que nos
permite distinguir o jogar do Barcelona, do jogar do Real Madrid; o
jogar do Porto, do jogar do Benfica, do jogar do Sporting. Portanto se nós
conseguirmos identificar difêrenças nas equipas, é porque algo que elas
expressam é difêrente e esse algo é o Modelo de Jogo.
(Amieiro &Maciel, 2011)

A interação de diferentes aspeto tais como a própria ideia de jogo do treinador; a


cultura do país em que se está a trabalhar; cultura do clube; objetivos traçados pela dire-
ção; características dos dirigentes; características dos jogadores (características e nível
de jogo, crenças, historial, personalidades, etc.); condições de trabalho; a metodologia
de treino; gestão do grupo; liderança; sensibilidade do treinador; adeptos; imprensa;
resultados obtidos ao longo do processo, etc. fazem com que a modelação se dê de uma
maneira muito particular, de modo a que o mesmo treinador num clube modele de uma
forma e em outro clube modele de outra (ainda que devendo, em nosso entendimento,
manter as mesmas premissas no que se refere aos princípios metodológicos), assim
como em um mesmo clube a modelação de um treinador será diferente da modelação
que outro treinador faria se estivesse no seu lugar.
Jorge Maciel conta que a sua experiência no mundo árabe enquanto treinador
adjunto colocou-lhe grandes desafios na modelação do jogar da sua equipa, como por
exemplo treinar durante o mês do Ramadão, um período religioso no qual os muçul-
manos devem jejuar.
Para além de ser desafiante planificar um treino para jogadores que não se alimen-
tam, gerir a dinâmica entre o esforço e a recuperação, ter de se adaptar a interrupção de
treinos para horários de rezas, existia a incapacidade de se comunicar em árabe, o que
trouxe para Maciel, desafios adicionais para o desenvolvimento do processo.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 91

Também é muito diferente ser um treinador que já ganhou muita coisa na carreira
e ser treinador que nunca ganhou nada, que está recém iniciando, ou que nunca jogou
futebol num nível profissional. A aceitação das ideias do treinador multicampeão, por
parte dos jogadores, tendencialmente é facilitada quando comparado ao treinador que
nunca ganhou títulos, ou um desconhecido.
Um exemplo disso foi quando Mourinho chegou ao Chelsea:

Quando o Mourinho chegou ao Chelsea os gajos também perguntavam e


o caraças, «então mas a gente não vaifazer isto ou aquilo?!» E ele dizia,
«aqui quem ganhou fui eu, não foram vocês». É diferente se eu chegar lá
e não tiver ganho nada, passamos à teoria do cefé com leite33 • Isso é uma
questão de inteligência, é um pensamento estratégico, digamos assim.
Costuma-se dizer que se eu vou enfrentar um boi para lhe dar de comer
não vou puxar o boi para baixo pelo pescoço para o levar à manjedoura,
tenho que trazer a manjedoura ao boi.
(Frade,2013b,p.93)

Também não é a mesma coisa treinar uma equipa que ganhou tudo na última
época e treinar outra que não ganhou nada, porque para um treinador que chega numa
equipa que ganhou tudo jogando de determinada forma, porque é que os jogadores irão
querer seguir por um caminho diferente com outro treinador?

Porque é que o Dei Neri se foi embora quando veio para o FC Porto?!
Tinha estado cá o Mourinho, tinham ganho tudo, campeões europeus e •
não sei quê, e eram os mesmos jogadores e então eles próprios... cá está, o
modelo de jogo é tudo ... eles estavam contrariados e «rrjeitavam» e por
isso nem começou o campeonato. Eles até tiravam os paralelepípedos das
rampas com a quantidade de repetições que faziam! E os jogadores entre
eles diziam assim, «então, nós ganhamos tudo e não precisamos de andar a
fazer isto, nunca fomos para ginásios era só bola, que é aquilo que a gente
gosta e éramos melhores que os outros e ganhamos, e agora vamos ter que
fazer estas merdas?!» É evidente que estava tudo com cara de azedo até
que a coisa partiu e opresidente teve que mandar o homem embora. E ele
não tem prestígio?! Não tem curriculum?! Não tem feito coisas?!
(Frade,2013b,p.102)

33 Café com leite: O professor Vítor Frade engendra esta metáfora para "salientar que sendo a nossa preten-
são colocar osjogadores a beberem leite (representa a Periodização Tática), sem que a motivação deles vá nesse senti-
do, porque querem e estão habituados a café (metodologia convencional), a passagem do café definitivamente para o
leite deveJazer-se de forma gradual Isto é, sabendo que o leite tem pouca aceitação, fruto da habituação e da crença
92 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Em 2009, o site do jornal Diário de Notícias trouxe a informação de que Luiz


Felipe Scolari, treinador que foi campeão por quase todos os lugares que passou, revelou
que alguns jogadores do Chelsea, sobretudo os ingleses, não estavam muito de acordo
com sua metodologia de treino e que isso acabou por gerar certo desgaste.
Agora sem ~star a falar em metodologia de treino mas sim em ideias de jogo,
tivemos a oportunidade de presenciar .o que Pep Guardiola fez no Bayern de Munique,
que ganhou o triplete na época anterior à sua chegada jogando de uma forma diferente
da que o treinador espanhol implantou desde o primeiro treino. Vários jogadores do
clube bávaro já falaram para reporteres que inicialmente havia uma certa desconfiança
no balneário, mas que terminaram todos contagiados e convencidos pela maneira como
Guardiola transmitiu suas ideias (e claro, pelo peso do seu historial enquanto treinador,
conseguido devido, dentre outras coisas, pela sua :filosofia de jogo).
Daí mais uma vez a necessidade do treinador ter habilidade na gestão do Processo
(divina proporção) e ter bem presente o jogar que se deseja.
Qyando me refiro à necessidade de se ter capacidade de adequação ao contexto,
obviamente que não estou a falar apenas a diferentes países, culturas e passado recente.
Mara Vieira, treinadora portuguesa, exerceu um trabalho na formação do FC
Porto, com idades de sub 8 à sub 11 e explica que devido à pouca capacidade de
abstração para os termos e nomenclaturas que as crianças pequenas têm, quando
comparadas às maiores e aos adultos, teve de encontrar soluções para que a ideia
de jogo do clube fosse transmitida (e consequentemente somatizada) da maneira
mais eficaz para as idades em questão. Tendo em conta a espantosa capacidade de
aprendizagem de crianças mais novas, e seus incríveis poderes de imaginação e criati-
vidade, Mara passou a criar histórias de fantasia que transportassem as crianças para
uma realidade palpável e entendível para elas, tendo como pano de fundo o jogar
que o clube pretendia desenvolver. Trata-se de uma adequação face às circunstâncias
impostas pelo contexto.

generalizada relativamente ao caft, o treinador sente necessidade de atender a isso sem deixar de ter a pretensão de
os habituar ao leite, mas ao mesmo tempo tendo a sensibilidade para que a passagem não sefaça deforma coriflituosa
pela não habituação. No entanto, importa realçar que esse desmame, essa passagem do cefepara o leite, devefazer-
-se já tendo em consideração a lógica metodológica que pretendo implementar, ainda que por vezes com conteúdos
marcadamente mais ligados com o cef'é do que com o leite. Ou seja, a lógica metodológica deve obedecer aos pilares
do leite, o modo como a levo a efeito, disfarçadamente, é que pode contemplar conteúdos mais analíticos. Conteúdos
que devo saber misturar com o leite, mas lá está, sem misturar a lógica metodológica, e que devem ser irrelevantes
ao nível da adaptabilidade que poderão induzir nos jogadores, para que não se constitua como estorvo àquilo que
considero essencial É uma gestão difícil defacto, mas necessária" (Maciel, 2011b, p. 50-51).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 93

Sabemos que a história assume-se como veículo precursor da imagética


da criança, a qual se constrói com símbolos extraídos da realidade. Para
além disso, a necessidade de refletir as pessoas do mundo real, de fácil
associação para a criança, conduz à interpretação das personagens como
parte do real e parte do imaginário. A história criada permite desde
muito cedo representar em traços gerais a nossa dinâmica funcional
(Vieira, 2011, p. 3-4)

O jogar que o FC Porto pretende desenvolver desde as idades mais precoces até o
mais alto escalão, passa fundamentalmente por sobredeterminar e subjugar o adversá-
rio, com um futebol de ataque, tendo sempre que possível a posse da bola para desorga-
nizar o adversário e marcar golo.
Procuram-se equipas equilibradas, que também defendam com qualidade (sem
a posse da bola), para além de fazer uma boa gestão nos momentos de transição. Em
transição ataque-defesa, procura-se uma pressão imediata ao portador da bola e ao
espaço circundante. Primeiro para tentar roubar a bola imediatamente, e se não for
possível, dar tempo para a equipa se organizar defensivamente.
Assim sendo, as histórias contadas pela treinadora dão exatamente a noção do que
será desenvolvido, em traços gerais, com as crianças:

Era uma vez "um reino mágico" onde viviam guardas, guarda-costas,
dragões, um polícia e um rei. Nesse reino há uma bola mágica, um castelo
e uma casa! A equipa do FC Porto é a mais forte porque guarda a bola •
mágica que tem poderes especiais. Traniforma as casas em grandes
castelos. Castelos que tem um lindo jardim, muitos quartos, salas e
grandes torres. Na torre mais alta está presa uma princesa que precisa
da nossa ajuda. Só se pode salvar se conseguirmos levar a bola mágica
até lá. E quando ficamos sem a bola? O que acontece? O grande castelo
traniforma-se numa casa pequena. Onde queremos viver?
(Vieira, 2011, p. 3)

''A história criada permite desde muito cedo representar em traços gerais a nossa dinâ-
mica funcional· com bola, fazer castelo grande; sem bola fazer casa pequena", diz Mara.
Sabemos que para que se tenha sucesso no jogo, dominando o adversário através
de um jogar pautado, sobretudo na conservação da posse da bola, alguns aspetos chave
passam por ter paciência para encontrar os espaços, criando uma relação de coope-
ração entre todos os jogadores, passando a bola para quem tem melhores condições
de recebê-la, conseguindo faze-la chegar a zonas adiantadas em condições de êxito
para finalizar.
94 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Logicamente que se falássemos nestes termos criaríamos grandes dificuldades de


entendimento para as crianças e, portanto Mara transmite o que pretende através de
histórias:

, Quando temos a bola mágica onde queremos chegar?


Como é que a bola consegue chegar até à torre da princesa?
Vamos procurar caminhos com muita ou pouca gente?
Nos caminhos onde tem muita gente éfácil ou difícil a bola correr?
Imaginem que vão para a escola e levam uma bolaparajogar no intervalo.
Mas no caminho estão meninos mais velhos, de outra escola, que vos
querem roubar a bola para também eles poderem jogar. O que fazemos?
Arriscámos e passámos no meio deles ou procurámos outro caminho?
(Vieira, 2011, p. 6)

É importante referir que não basta criar histórias de fantasia se tais histórias não
são levadas a cabo através da criação e vivência de contextos em treino, para que possam
sair do campo do imaginário e promoverem aquisição, hábito e por consequência
funcionalidade.
Já diria Bella Gutman, treinador húngaro, citado por Campos (2008): "Escreve-
ram-se tratados sobre estratégias e táticas, mas o jogador não é um estudante universitário,
é sobretudo um prático e só passa a acreditar nesta estratégia ou naquela tática se ela se lhe
demonstra em campo".
É por estas razões que a modelação do Modelo de Jogo requer arte.
Falamos de arte porque na arte temos o exemplo espetacular disto,
que é: existem artistas que Jazem obras de arte originais e existem os
artistas que sóJazem as cópias. Com os treinadores passa-se o mesmo:
há treinadores que só servem para orientar para determinada coisa e
num contexto diferente em que as solicitações são diferentes eles já não
conseguem fazer a modelação com sucesso. Apesar dos artistas pintarem
extremamente bem não chega para produzirem uma arte completamente
diferente de outros que também pintam bem, mas que conseguem fazer
outras coisas.
(Gomes, 2013, p. 314)

Um dos aspetos determinantes para que a Modelação se processe da maneira que


desejamos é a intervenção e a liderança do treinador, o modo como conduz o grupo de
jogadores.

Naquilo que é o nosso processo, um treinador deve saber que em


determinada altura tem que dar um berro a um jogador; deve saber que
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 95

em determinada altura não deve pôr um jogador ajogar; deve saber como
lidar com um jogador que chega atrasado a um treino. Fazê-lo naquele
momento, naquele timing! E isso é que é difícil porque tem de ofazer
sentir determinadas coisas e perceber que repercussões é que isso gera no
contexto. Se tem quefazer dele exemplo para a equipa ou não. Portanto,
isto é ser treinador porque é modelar. E quem diz que ser treinador é só
perceber de jogo e treino é mentira, não sabe o que é modelar.
(Gomes, 2013, p. 308)

Modelar é reconhecer a importância de dar um determinado ftedback a


um jogador, de ter uma intenção numa determinada situação de treino,
de sefazer ''aquela" substituição concreta, entre outras coisas.
(Gomes, 2013, p. 305)

Por isso é que o treinador tem de perceber, se um jogador precisa de ser


motivado de uma determinada farma ou ser motivado de outra porque
isto também é modelar.
(Gomes, 2013, p. 308)

Xavier Tamarit bem coloca que alguns treinadores veem nas coletivas de
imprensa oportunidades para criar climas e atmosferas que lhes tragam benefícios e/
ou prejuízos aos rivais. Parece-nos que Mourinho é um exemplo bastante claro disso,
com seus mind-games.
Outro aspeto importante que se revela fundamental são as intervenções que o •
treinador vai dando durante os exercícios no treino, para direcionar a equipa ao jogar
que se pretende, pois as interpretações que pretendemos que os jogadores adquiram são
feitas ao longo do tempo e especialmente fruto dos contextos específicos vivenciados
em treino.
O treinador deve levar toda a envolvência a interpretar as circunstâncias de deter-
minada forma e não de outra. Os jogadores deverão somatizar as ideias, os referenciais
coletivos. Desta maneira, para Gomes (2013), um treinador também tem de "estar" e
"ser" contexto, e refere que se durante um treino, um exercício está a acontecer e não
se intervém em nada, poderia ser um momento de ganho e que deste modo se perde.
Conclui que perceber de jogo e de treino não é o suficiente para ser bom treinador, pois
o lado da modelação está muito para além da interpretação do que acontece. Referimo-
-nos à somatização da modelação, isto é, do que emerge como modelo de jogo.

Por exemplo: existem muitos bons analistas de jogo que não podem
ser treinadores porque o lado da modelação é muito mais do que a
interpretação do que acontece. É fazer com que os outros interpretem, é
PI'!
l'l'I :!
' '

96 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

levá-los a estar de determinada forma, éfazê-los viver as circunstâncias


de acordo com as crenças que se vão instalando no corpo todo através do
contexto que o modela.
(Gomes, 2013, p. 307)

A dinâmica de relações que o modelo de jogo estabelece com o que o envolve


refiecte-se na operacionalização do processo, tanto em campo como fora deste.

O modelo é qualquer coisa que não existe em lado nenhum, todavia eu


procuro encontrá-lo. Parece um paradoxo! Ora, ele não existe em lado
nenhum porque ele não se esgota. Porque o modelo tem também muito
a ver com as circunstâncias, com a realidáde. Coisa que eu não domino
completamente e nem ninguém! E é sobre esta realidade que eu nunca
domino completamente, que vou exercer a modelação. Portanto há, por
exemplo, algumas coisas que eu penso que não existiam, e ao estarem
a acontecer podem estar a fazer com que a modelação não se dê. A que
aspiro!
(Frade,2013a,p.412)

Imaginemos um treinador que dirige um clube de quarta linha na Europa, como


o Montpellier, da França. Este clube recentemente venceu o campeonato nacional pela
primeira vez na sua história (2011/2012), superando todas as expectativas possíveis.
Em teoria, isso faz com que muitos jogadores sejam valorizados e cobiçados por clubes
maiores, e muito mais poderosos, tanto em contexto nacional como internacional,
como, por exemplo, o Paris Saint Germain (PSG), Lyon, Olympique de Marseille,
Manchester United, Real Madrid. Imaginemos agora que, próximo ao encerramento
da janela de transferências, o Montpellier recebe inúmeras propostas - extremamente
vantajosas para os jogadores - para que venda os seus destaques.
Entretanto, o clube deseja manter os seus jogadores e não permite a saída deles,
a não ser que algum clube pague uma multa rescisória completamente irreal e fora dos
padrões do mercado.
Ora, imaginem a reação e desilusão de alguns dos principais jogadores do clube,
que chegam à sala do presidente e lhe dizem" ok, presidente, vencemos um título que o clube
nunca havia vencido, alcançamos resultados para além do que o clube previa e agora gosta-
ríamos de sair para outro clube, um clube maior, de maior visibilidade, onde iremos receber
quatro vezes mais do que recebemos aqui e disputaremos todos os campeonatos para ganhat', e
o presidente lhes nega o pedido, sendo irredutível.
Como é que um jogador vai trabalhar nas semanas seguintes após uma situação
como esta? Como poderá isso afetar o jogar da equipa?
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 97

O treinador por mais que tenha uma ideia de jogo bastante evoluída, que saiba
operacionalizar as suas ideias adequadamente, etc. poderá vir a ter dificuldades na mani-
festação do seu jogar, porque supondo que mais da metade da equipa titular provavel-
it mente estará com a "cabeça noutro lugar", irritados e desapontados com o clube, possi-
ií velmente a qualidade de treino e jogo da equipa cairá, talvez o empenho e a dedicação
11 ,

! não seja a mesma de outrora. Ou seja, a ideia preconizada é a mesma, os jogadores são
!''
1

os mesmos, a metodologia de treino é a mesma, entretanto por questões circunstanciais


a modelação poderá não acontecer do modo a que se aspirava.
Portanto, conforme coloca Jorge Maciel (2012a) sendo o modelo de jogo
uma realidade aberta, simultaneamente redundante e imprevisível, coloca o treina-
dor perante o aparente paradoxo de ter de gerir uma realidade que na sua essência
também é imprevisível e em parte invisível aos seus olhos e aos intervenientes do
processo, mas' que estando ali presente poderá interferir na modelação conjeturada
pelo treinador.

À superfície, isto é, a face visível, parece ser uma realidade circunscrita


a uma dimensão e complexidade, mas na verdade é bem mais complexa
e edificada sobre muitos aspetos que não são visíveis à superfície, mas
que se assumem comofundamentais para a dimensão visível do Modelo.
(Maciel, 2011b, p. 7)

Assim, o Modelo de Jogo é um "impossível necessário" que o treinador em termos


ideais concebe, mas que depois na sua concretização não consegue reproduzir tal e qual, ~
pois ao nível do pormenor ele vai assumir contornos únicos resultantes da interação
com o que o envolve. No entanto não deixa, ou não deve deixar de ter a configuração
geral, os traços gerais daquilo que foi projetado inicialmente.
"Muitas vezes quando se fala em Periodização Tática refere-se a seguinte citação: 'o
caminho faz-se caminhando" e o modelo é isso, faz-se modelando" (Maciel, 2011b, p. 8).
Por isso, paradoxalmente, mesmo tendo em conta que nunca existirá uma repro-
dução fiel das nossas ideias, da nossa conceção de jogo e das coisas "tal e qual" aspira-
mos, o modelo de jogo idealizado deve estar sempre a ser visualizado. Em suma, deve-se
constituir como o ideal a ser alcançado, havendo portanto a necessidade de modelar o
presente em função daquilo que se projeta, tendo a certeza de que o processo nunca
estará concluído.
Portanto, o modelo de jogo vai sendo permanentemente modelado e remodelado
(nos seus contornos) em virtude do que vai ocorrendo no transcurso do processo. Ele é
o que existe em termos estruturais e funcionais, que proporciona que regularmente uma
equipa se identifique como equipa.
98 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

O modelo é este lado, esta evidência empírica, é efetivamente aquilo que


uma equipa revela como regularidade quando acontece. E isso é fruto
dum conjunto de coordenadas. Mas porque é uma emergência, é qualquer
coisa que precisa de tempo para aparecer, precisa de uma ideia que a
, sustenta e precisa dum processo que orienta esta aquisição. _
(Frade,2013a,p.412-413)

Conforme diz Jorge Maciel, trata-se de uma resultante da interação dinâmica


entre os aspetos visíveis e dizíveis com os aspetos invisíveis e indizíveis que o compõe
daí se dizer que ele é tudo, mas não é tudo e qualquer coisa, dada a nossa intenção
prévia, a nossa matriz que estará sempre presente guiando e sobredeterminando o
processo.
Por isso, o Modelo de Jogo embora seja permeável à realidade que o envolve,
é tanto mais seletivo nesta permeabilidade quanto mais consistente e coerente for a
complexa e dinâmica operacionalização do processo (Maciel, 2012a).
Nesse sentido o modo como se leva a efeito o processo, isto é, como sairemos das
ideias para chegar à funcionalidade regular, a matriz metodológica é um aspeto chave
na modelação, uma vez que ela possibilita a somatização dos referenciais coletivos por
parte dos jogadores.

Portanto, quando falo que quero que a minha equipa jogue de


determinada forma é a mesma coisa que um cozinheiro dizer que quer
fazer uma massa à bolonhesa. Mas depois tem que a fazer, não é? E o
processo de afazer é para quem sabe. Uns sabem fazer uma massa genial
e outrosfazem uma massa normal
(Gomes, 2013, p. 315)

Portanto, para jogarmos um determinado tipo de futebol é necessário treinar-


mos esse tipo de futebol que queremos jogar e para a Periodização Tática o modo
como se tenta chegar ao jogar pretendido terá necessariamente de obedecer a três
princípios metodológicos, nomeadamente o princípio da alternância horizontal em
especificidade, o princípio da progressão complexa e o princípio das propensões,
sempre em interação.
O cumprimento desta matriz metodológica é o que permite distinguir claramente
quem treina segundo a Periodização Tática e quem não treina. Contudo, antes de abor-
dar estes princípios metodológicos importa referir a noção de Especificidade, que mais
do que um conceito afirma-se como um imperativo categórico, supraprincípio.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 99

3.3 Supraprincípio da Especificidade

A especificidade não é um princípio metodológico, é muito mais um


imperativo categórico. É uma necessidade que eu tenho que procurar
para balizar as coisas, para direcionar oprocesso, para orientar a direção
do processo.
(Frade,2013a,p.412)

Se as adaptações humanas são especificas, ou sfja, levamos a efeito o que


nos é colocado em causa, que é o mesmo que dizer: se corrermos à volta do
piano, ficamos melhores corredores à volta do piano; se tocarmos piano,
ficamos melhores pianistas (ainda que tenha de resistir para tocar uma
grande obra).
(Gaiteiro, 2006, p.149)

Conforme já explicitei, é de suma importância que um treinador tenha uma ideia


de jogo e balize o treino em função desta. Sabemos que a ideia de jogo surge em função
do modo como um treinador vê e entende o futebol e o contexto em que está inserido,
valorizando alguns conceitos em detrimento de outros, tratando-se, portanto, de uma
ideia Específica34, que a nível macro é singular e caracterizável.
A ideia de jogo, em conjunto com a matriz dos princípios metodológicos, permite
que haja uma coerência e uma lógica na orientação de todo o processo de treino. Esta

ideia Específica (que inicialmente é abstrata - necessita de ser operacionalizada, viven-
ciada e somatizada), através dos princípios de jogo que lhe dão corpo, é o que poderá
permitir a identificação de padrões que definem e distinguem as equipas.
O supraprincípio da Especificidade implica respeitar isso em todos os momentos
do processo, isto é, criar contextos de propensão35 ("exercitação") durante as sessões de

34 Ideia de Jogo/ Jogar Específica( o): Usarei o termo Específica, com "E" maiúsculo, de modo a diferen-
ciar a Especificidade relativa a um jogar (ou a uma ideia) de determinada equipa da especificidade relativa
à modalidade.
35 Contexto de Propensão versus Contexto de Exercitação: Ainda que habitualmente no futebol falemos
a respeito de "contextos de exercitação'', "exercícios de treino", a nomenclatura que mais se aproxima do
que quero dizer é contexto de propensão ou propensionalidade, uma vez que o contexto de treino criado se
remete a uma(s) determinada(s) propensão(ões), relacionadas à ideia de jogo e à lógica do dia do Morfo-
ciclo em que se está e do que se pretende treinar. Qyero com isso evidenciar a Especificidade relativa ao
processo, diferentemente de uma "exercitação" genérica, em termos de ideia de jogo e de uma lógica meto-
dológica. Por isso abordaremos o tema utilizando propensãolpropensionalidade, ou, quando muito, "exercita-
ção", entre aspas.
IJ!f
I' ,

100 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

treino que se reportem à matriz da ideia de jogo, do jogar que se pretende desenvolver
com os futebolistas, mas sem descurar do modo como isto é feito. Ou seja, quero com
isto alertar sobre a necessidade do respeito pelos princípios metodológicos da Periodi-
zação Tática durante o processo que se está a levar a efeito.
Nesse sentido, a Especificidade é o que baliza toda a lógica de direcionamento do
processo, afigurando-se não como um princípio metodológico, mas, antes, como um
imperativo categórico36, uma obrigatoriedade, uma necessidade. Ela permite tornar as
circunstâncias num contexto, ou seja, dar um sentido, um significado e coerência àquilo
que se tem, que se pratica e que emerge.
É um conceito chave, pois encerra um verdadeiro sentido que transporta para
todos os treinos (Resende, 2002). Em suma, a Especificidade contextualiza tudo o que
é feito.
Maciel (2011b, p. 3) reforça e sustenta que o Supraprincípio da Especificidade
"resulta da concretização interativa dos princípios de jogo, dos princípios metodológicos e de
tudo o que envolve tal operacionalização".

36 Imperativo Categórico: Termo criado pelo filósofo alemão lmmanuel Kant (1724-1804). O profes-
sor Savater (2010) conta que para além da sua teoria do conhecimento, Kant centrou os seus estudos na
doutrina da moral humana, dedicando-se a estudar a moral humana e em procurar qual seria o cerne da
mesma. Savater coloca que a moral está relacionada com a ação, com a atividade, e explica que nós não
somos donos de todas as consequências provenientes de nossas ações, ou seja, não podemos prever com
exatidão o que nossa ação irá gerar. "Constantemente fazemos coisas cujos resultados são opostos, ou pelo menos
diferentes do que havíamos buscado. Então isso poderia de certa forma inibir-nos enquanto seres humanos, ou sefa,
"Porque vou tentar realizar tal coisa, se os resultados de tal ação poderão ser diferentes dos que idealizei?''. Para Kant,
o que é verdadeiramente moral em cada um de nós é a boa vontade. A única coisa que um ser humano não pode renun-
ciar é a de ter boa vontade. Se eu agir com boa vontade, sefam quais forem as consequências dos meus atos, ninguém
poderá me reprovar moralmente. Entretanto, no que se baseia a boa vontade moral? Toda a moral estáformada por
imperativos, ou sefa, por ordens, mandamentos. "Devesfazer isso, devesfazer aquilo, deves evitar isso, não podesfazer
aquilo, etc." Estes imperativos estão presentes diariamente nas nossas vidas. Constantemente nós damos ordens a nós
mesmos, tendo em conta algum prqieto, algum objetivo que possuímos. Por exemplo: "Se eu quero apanhar um avião
que descola muito cedo do aeroporto, terei de me levantar cedo". Então este imperativo é "tenho que acordar cedo, se
eu quiser embarcar no avião'; porque se eu não quiser não há necessidade de acordar cedo. O verdadeiramente moral,
portanto, seriam imperativos que não estivessem condicionados por nada, mas que porque somos seres humanos, que
a nossa condição humana condicionasse, obrigasse a determinados imperativos. E então, este imperativo que todos
deveríamos assumir, por sermos humanos, quer dizer, por sermos racionais, Kant expressa-o de várias formas, mas o
conjunto, o cerne da questão, é que cada um de nós aja de acordo com uma máxima que desefamos que se converta em
lei universal para todos, isto é, que se eu vou agir de um determinado modo "tomara que todo mundo, submetidos a
estas mesmas condições, ajam da mesma maneira que eu irei agir'"' (Savater,2010). É por isso que a Especificidade
é um imperativo categórico, isto é, um supraprincípio, pois baliza e orienta a direção de todo o processo.
Deverá ser uma lei universal (concretização interativa da ideia de jogo - criando um sentir comum a todos os
jogadores, uma intencionalidade/moralidade partilhada -e dos princípios metodológicos), que condiciona e obri-
ga o seu cumprimento por parte dos envolvidos em todos os momentos do dito processo. Afigura-se como
algo absolutamente imprescindível e necessário.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 101

Fica claro aqui, que para a Periodização Tática treinar em Especificidade não é
apenas treinar em função da ideia de jogo, mas sim, treiná-la de maneira sustentada e
balizada por princípios metodológicos únicos - princípio das propensões, da progres-
são complexa e da alternância horizontal em especificidade, sempre em interação - em
todos os momentos do processo, tendo como objetivo o emergir de um determinado
jogar.
Este supraprincípio baseia-se num raciocínio e numa premissa lógica: "Se nós
queremos jogar de uma determinada maneira, segundo uma determinada ideia de jogo, o que
devemos treinar?''.

Aquilo que acontece é que o objetivo final éjogar. E, se é esse o objetivo,


treinar só pode ter um significado: fazê-lo a jogar. Se o objetivo é a
melhoria da qualidade de jogo e de organização, esses parâmetros só se
conseguem concretizar através de situações de treino ou de exercícios onde
se consiga trabalhar essa organização.
(Faria, 2003 citado por. Oliveira et al, 2006, p. 46)

Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemática
em Especificidade dos princípios de jogo porque éfundamental perceber
que a organização é o sucesso e quanto mais organizada far a equipa
mais probabilidade de sucesso haverá.
(Faria, 2008, p. 186)

Tal como refere Rui Faria devemos treinar justamente o nosso jogar! Mas de
maneira alguma isso deve ser entendido como fazer sempre jogos de 11x11. Deve-
mos é treinar os macro princípios, meso princípios e micro princípios de jogo e a sua
respectiva interação e articulação nos diferentes momentos do jogo, aos níveis coletivo,
intersetorial, setorial, grupal e individual, revelando uma organização fractal no seu
desenvolvimento. Isto é, todos os contextos criados e vivenciados, em quaisquer escalas,
deverão ser representativos da totalidade, leia-se ideia de jogo, levando à manifestação
da "autosimilaridade" preconizada pela teoria dos fractais.
''A Especificidade assenta no conceito de globalidade que compreende a relação todo-par-
tes, contextualizada numa organização" (Gomes, 2008, p. 31).
Destaco e uma vez mais reforço que desde o início do processo (inclusive na
"pré-época") há a necessidade de criar um contexto macro que nos irá direcionar
sempre para o mesmo sentido, onde as especificidades da Especificidade estarão
presentes em qualquer escala (servindo como base de todo o processo), seja num
exercício mais micro, seja num exercício mais macro, salvaguardando permanente-
~····

102 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

mente a relação desempenho-recuperação, tal como procurarei evidenciar durante


este livro.
"Não consigo conceber nenhum exercício que não tenha a ver com aquilo que quero da
minha equipa em termos de interações intencionalizadas. Até o aquecimento tem que estar
diretamente relacionado com aquilo que vou fazer depois", coloca Vítor Pereira, ex-treina-
dor do FC Porto, em entrevista para Xavier Tamarit (2013b).
Portanto podemos dizer que a Periodização Tática, enquanto conceção metodoló-
gica, em momento algum perde de vista a ideia do todo, isto é, do jogar que se pretende
desenvolver nos seus múltiplos níveis de organização. Não tem como centro de preocu-
pação o desenvolvimento das ditas "capacidades condicionàis" como força, resistência,
velocidade e as suas inúmeras divisões e subdivisões (resistência aeróbia, resistência
anaeróbia, força resistente, força explosiva), mas, antes, ao almejar o desenvolvimen-
to do jogar que se pretende, parte do pressuposto de que as adaptações fisiológicas
e bioquímicas decorrentes deste procedimento serão uma consequência do acontecer
do mesmo, e portanto, serão Específicas para aquele processo, permitindo assim que a
equipa como um todo e os jogadores individualmente mobilizem a dita dimensão física
na singularidade que o jogar requisita.
As pessoas que acreditam que na Periodização Tática não existem preocupações
com a dimensão física estão mal informadas. Existem tanto ou até mais do que nas
outras metodologias de treino, inclusivamente as convencionais, tal como continuarei a
evidenciar durante a abordagem dos princípios metodológicos.
A diferença da Periodização Tática para as outras conceções é que a bússola
processual de todo o treinar assenta nos referenciais coletivos, e, portanto, em tudo o
que dá vida aos mesmos, estando a dimensão física circunscrita neste processo, sendo
desenvolvida na grande maioria das vezes através de formas jogadas, em situações de
jogo, mas não de um jogo qualquer, mas sim do jogar que se pretende levar a efeito, daí
que por consequência emerja uma adaptabilidade biológica, a todos os níveis, em cada
jogador implicado neste mesmo processo.
Portanto a Periodização Tática está assente num conceito de modelação sistémi-
ca, uma vez que surge como uma forma de entender, perceber e tratar um fenómeno
complexo (o jogar), sem haver a necessidade de o decompor analiticamente.

Quer isto dizer que se entendermos o conceito de modelização sistémica


como um conceito de periodização tática, este aparece como forma de
interpretação, conhecimento e modelização do jogo, sem que para isso
seja necessário a sua redução em aspetos de ordem tátic~, técnica, física
ou psicológica.
(Faria, 1999, p. 36)

I'
.A
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 103

Com ofixo do treino na repetição sistemática do conectar dos diferentes


princípios fundamentais de um jogar, o treino organizacional
compreende uma determinada expressão física, técnica e psicológica
que define o conceito de organização intencionalizada de uma equipa.
Nesse contexto, o modelo de jogo perspectivado é adquirido tendo
em vista a dimensão tática, a qual subentende o desenvolvimento
dos princípios de jogo da equipa que induzem como emergências as
adaptações especificas em nível físico, técnico e psicológico no jogar
criado para cada condição particular das ações inerentes ao padrão
de jogo pretendido para cada situação. Tendo em vista os contextos
propensos criados para o treino tático dos diferentes princípios de
jogo e de suas referidas articulações, uma determinada equipa deve
ter um conjunto de princípios que forneçam organização coletiva,
e, por isso, as preocupações físicas, técnicas e psicológicas surgem por
arraste e na respectiva singularidade. Isso quer dizer que, ao criarmos
jogares contextualizados especificamente à aquisição de determinados
princípios de jogo tornados habituação, tendo como referência os
momentos ou um contexto em particular de partida, a exigência
física, a técnica contextual e o estado cognitivo-emocional do jogador
necessário ao desempenho ótimo requerido para essa situação particular
são incorporados da maneira mais especifica possível Nos exercícios
propostos, as dinâmicas de contexto viabilizam que as adaptações
bioquímicas e neuromusculares stjam especificas ao cumprimento
coletivo de cada um dos princípios de jogo. Além disso, as técnicas
individuais exigidas são condizentes com aquelas utilizadas em ordem "
da unidade coletiva da equipa em um determinado contexto. Vale
mencionar também que o equilíbrio emocional e cognitivo necessário
para as exigências psicológicas comuns às situações de corifronto, com
pressão espacial e temporal, é condizente com os princípios de jogo
objetivados.
(Pivetti, 2012, p. 124-125)

Pode-se dizer, portanto, que a Especificidade que emerge da vivência e da expe-


rienciação da supradimensão tática durante o processo de treino, desde que vivenciada e
experenciada de acordo com a lógica do Morfociclo Padrão (tema que irei abordar mais
adiante) permitirá atingir, uma Especificidade Total e concreta, a todos os níveis, isto é,
técnicos, físicos, psicológicos, etc.
A respeito desta temática, Marisa Gomes (2008) evidencia que na Periodização
Tática as repercussões do treino são concretas e específicas em cada jogador, pelo papel
que desempenha no seio do jogar e pelas relações e inter-relações que estabelece com
os demais jogadores.
,,,~""'

104 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Se as adaptações acontecem em função dos estímulos vivenciados, as adaptações


promovidas pela equipa A serão necessariamente diferentes das adaptações promo-
vidas na equipa B, a todos os níveis, uma vez que se tratam de processos diferentes,
ainda que desenvolvidos com a mesma metodologia de treino (Periodização Tática,
por exemplo). '
Assim sendo, sigamos a seguinte linha de raciocínio: a dita dimensão física requi-
sitada para a manifestação do jogar do Barcelona de Guardiola (época 2009/2010), uma
equipa que dentre outras inúmeras coisas, defendia fundamentalmente em bloco alto,
com muita pressão ao portador da bola e ao espaço circundante, roubando a bola quase
que de maneira instantânea, e que, com a posse da mesma subjugava (quase) todos os
seus adversários, através de um bom jogo posicional, aliado a uma gestão paciente da
posse de bola (alicerçado neste bom jogo posicional), com elevados índices de posse de
bola (normalmente acima de 70%) é a mesma do que a dita dimensão física requisitada
para manifestar o jogar do Manchester United de Alex Ferguson (época 2009/2010)?
Uma equipa que dentre outras muitas coisas, sentia-se extremamente confortável em
defender-se em bloco baixo, alternando saídas em velocidade no contra-ataque através
de jogo mais direto, com a manutenção da posse da bola para encontrar espaços na
defesa adversária, mantendo-a e circulando-a pelo terreno de uma maneira mais direta,
mas não por isso menos criteriosa.
Será mesmo que a dita dimensão física requisitada para a manifestação destes
"jogares", enquanto regularidade, são iguais?
Resgatemos o que em 1985 o professor Frade já questionava: "Não será uma deter-
minada ''conceção de jogo" que determina o equacionar de determinadas ''qualidades físicas"
como necessidade?''

O jogar é uma dinâmica coletiva sendo que se repercute a um nível


individual em alterações bioquímicas, musculares, físicas, mas em
consequência de um propósito mais vasto, o de jogar de uma dada
farma. É portanto, um físico supracondicionado ao tático que se
pretende ver instituído. Significa isto, que o crescimento tático,
devidamente consubstanciado à proposta de jogo a que se aspira, quando
concretizado, implicará alterações a nívelfísico positivas. São função do
desenvolvimento dos princípios e subprincípios inerentes a cada um dos
momentos. Não pressupõe um conhecimento alargado sobre um físico
genérico, mas importa o domínio sobre os aspetos inerentes ao físico em
que a sua farma de jogar se sustenta.
(Frade, 2005 citado por. Gaiteiro, 2006, p. 135)
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 105

É por este motivo que Mourinho (citado por. Oliveira etal,2006),enfatiza que ao
privilegiar a vertente tática, portanto, a organização de jogo preconizada, está a privile-
giar e a incidir em todas as outras componentes do rendimento, pois é por necessidade
do tático que surgem todas as outras. É a partir da incidência sistemática nos princí-
pios de jogo que dão vida à ideia de jogo preconizada (tendo em conta as dimensões e
níveis emergentes) -processo este suportado pela lógica do morfociclo- que se alcança
a verdadeira Especificidade.
Se mergulharmos mais a fundo nesta questão, em organização defensiva, as adap-
tações fisiológicas, mentais, técnicas, etc., de um mesmo grupo de jogadores que defen-
dem à zona pressionante seriam as mesmas do que se fossem defender de maneira indi-
vidual por zona, ou homem-a-homem? A sentimentalidade inerente para a consecução
do macro princípio de organização defensiva seria a mesma? É a mesma coisa para um
grupo de jogadores em termos de concentração defender zonalmente ou homem-a-ho-
mem? E "fisicamente", também?

Se o nosso «tático» é singular, tudo o que deriva dele é singular também.


Por isso é que eu digo que não acredito em equipas bem ou malpreparadas
fisicamente, mas em equipas identificadas ou não com uma determinada
matriz de jogo, adaptadas ou não a uma determinada forma de jogar.
Porque a adaptação fisiológica é sempre especifica, singular, de acordo
com essa forma de Jogar.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 111)
~

Por este motivo, volto à declaração de Mourinho sobre o rendimento do médio-


-centro Tiago, recém chegado à sua equipa:

Esteve bem, mas cansado.jogamos deforma muito especifica e demonstrou


ainda uma inadaptação fisiológica ao nosso ritmo. Esteve um mês e
meio a treinar com outra equipa, mas isso não significa que tenha vindo
malpreparadofisicamente. Apenas chegou inadaptado.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 41)

Imaginemos agora a equipa do Real Madrid (época 2011/2012): a dita dimen-


são física requisitada para levar a cabo tal jogar, solicitada pelo Cristiano Ronaldo,
um jogador que era permanentemente capaz de estar junto com a equipa em bloco
baixo defendendo, e no momento em que recuperam a bola, ser o principal alvo para
o contra-ataque, a sprintar constantemente 40, 50 metros até a baliza adversária para
finalizar (fazendo isso durante o jogo diversas vezes), é a mesma do que a dita dimen-
são fisica requisitada pelo Varane, que não precisa acelerar tantos metros, e tantas vezes
106 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

como Ronaldo e que quando tem a bola limita-se a passar a bola para um companheiro
próximo, ao contrário do português, que tem uma variabilidade contextual muito maior
de movimentos e habilidades técnicas?
Acredito que r,i.ão possuem as mesmas exigências ditas "físicas" para jogarem
dentro da mesma equipa! Então, se assim for, porque devem treinar da mesma forma?
Tal como sugere Frade, o futebol está impregnado com a lógica do "Caldo Knorr", já
vem tudo pronto, como se todos fossem iguais e necessitassem das mesmas coisas (em
todos os níveis).
Como já disse, para a Periodização Tática deve-se treinar o jogar que se pretende,
articulando seus diversos níveis de organização. Por isso, pelo facto de os jogadores
estarem a vivenciar constantemente suas funções e posições, que são específicas, ainda
que complementares, as repercussões provenientes da adaptabilidade promovida pelo
treino e pela evolução da equipa, são registadas de maneira singular por cada jogador,
a todos os níveis.
Adaptabilidade esta, que na minha opinião, não se alcança treinando de maneira
genérica.
Os efeitos da adaptação têm uma relação estreita com os estímulos que a provo-
cam, ou seja, treinos genéricos (inespecificos) geram adaptações genéricas, e conforme já
vimos, perante ao caráter que o futebol evidência, de maneira alguma podemos aspirar
ser uma equipa sem identidade, sem uma adaptabilidade padrão.
Por isso o processo de treino é extremamente importante, uma vez que as adap-
tações geradas por ele acontecem desde a um nível mais macro a um nível mais ínfimo,
tanto da equipa como dos jogadores, como verificamos na produção e gestão do ATP,
por exemplo.

3.3.1 ATP e Especificidade

Hoje sabe-se que o ATP (adenosina tri-fosfato) tem uma função dupla. Se comu-
mente o ATP era considerada "apenas" como uma molécula responsável pelo forneci-
mento de energia para as células, uma avalanche de descobertas nos últimos 15 anos
demonstraram como ela também desempenha uma outra função, mas não menos
essencial, do lado de fora das células.
Trata-se da transmissão e transporte de informação entre as células, afiguran-
do-se, portanto, como uma "importante molécula sinalizadora que permite a comunicação
entre as células e os tecidos pelo corpo. Na prática, o combustível universal serve também como
uma linguagem universal' (Khakh & Burnstock, 2011, p. 36).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 107

Estes dois autores sustentam que a atividade de transmissão de sinais pelo ATP
foi detectada pela primeira vez entre células nervosas e tecido muscular, mas hoje
sabe-se que ele opera em uma grande variedade de células pelo corpo. Está presente
no cérebro, modulando a comunicação entre neurónios 37 , e entre eles e as células de
suporte chamadas glia38 ; também está presente nos órgãos sensoriais, coração, ossos,
pele, sistema imunológico e muitos outros órgãos, sendo, portanto, um "supremo
mensageiro. ".
"Os sinais transmitidos pelo ATP e seu subproduto, a adenosina, estão envolvidos no
sono, na memória, no aprendizado, no movimento e em outras atividades cerebrais" (Khakh
& Burnstock, 2011, p. 42).
Maciel (2011c, p. 2) esclarece que o ATP desempenha um papel muito relevan-
te como transmissor de informação, atuando como informador acerca dos múltiplos
estados que o Corpo vivencia em diferentes instantes, "sendo por isso uma molécula deter-
minante para a proprioceptividade e como tal para assegurar a funcionalidade conforme e
criteriosa dos milhões de cérebros que nos compõe".
Nesse sentido e falando especificamente sobre futebol, Marisa Gomes (2013)
entende que esta transmissão e descodificação de informação devem ser feitas em
função de um contexto, orientada por um determinado sentido, isto é, pelos referenciais
coletivos da equipa. Qy.estiona: que valor terá o ATP ao portar a informação e ela não
ser descodificada no timing certo?
Por isso não há sentido algum vivenciar em treino contextos desconexos e•
desprovidos de sentido, no que se refere a umjogarespecífico, uma vez que conforme
coloca Marisa, a vivência de uma situação desprovida de sentido provoca um desgaste

37 Neurónio: Unidade básica do sistema nervoso, o neurónio é uma das células formadoras deste sistema,
sendo fundamental na condução e armazenamento de informações do sistema nervoso. Também possui
função de captação de estímulos do meio ambiente (sensoriais ou aferentes), função de envio de estímulos
para a periferia (motor ou eferente) e de comunicação com outro neurónio (interneurónio) (Vaz, 2010).
O ser humano possui aproximadamente 100 bilhões de neurónios - células nervosas cerebrais. "Cada um
desses neurónios podefazer entre mil e várias centenas de milhares de sinapses. Uma sinapse é a junção entre dois
neurónios. Logo, o nosso cérebro é capaz de produzir cerca de 1.000 triliões de conexões. Todas essas conexões são
significativas e cada uma delas tem a sua própria história e o seu próprio objetivo" (McCrone, 2002, p. 6). É
possível classificar os neurónios em quatro tipos: (1) unipolar, apresentando apenas um axónio; (2) pseu-
do-unipolar, com um axónio único e corpo celular adjacente ao axónio; (3) bipolar, com dois axónios; e (4)
multipolar, que possui diversos dendritos e terminações nervosas periféricas (Vaz, 2010).

38 Células da Glia: "É um dos maiores tipos de células nervosas. O outro é o neurónio. As células da glia ultra-
passam em número os neurónios numa escala de 1Opara 1 e são também conhecidas como interneurónios. Trans-
portam nutrientes, permitem a recuperação rápida das outras células nervosas e podem formar a sua própria rede
de comunicações. Glia é a abreviatura de ''neuroglia" (Jensen, 2002 citado por. Tamarit, 2013b, p. 127).
"!'!

108 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

bioquímico diferente do pretendido pelo jogar (com sentido), face à função infor-
mativa do ATP, bem como a sua retenção e utilização. Pelo contrário, ao vivenciar-
mos contextos providos de lógica (com sentido) sistematicamente, assentados dentro
da lógica do morfociclo, possibilitaremos a adaptabilidade da funcionalidade desta
molécula. '

Hoje em dia não há dúvidas absolutamente nenhumas que o ATP tem


uma fanção dupla. Não tem só aquela que se pensava, de proporcionar
energia. E, mesmo essa, pode ser veiculada por metabolismos diversos
ou por um namoro relativo entre eles. Essa função é inquestionável e
toda a gente o sabe. Mas tem um papel "muito mais importante': que é a
transmissão de iriformação,face ao modo como está afuncionar. Isto levado
às últimas consequências está relacionado com a <proprioceptividade».
Lá está, voltamos outra vez, quando fancionando desta maneira dá-se
uma modelação em fanção do que se transmite.
(Frade,2011,p.13-14)

O ATP é a molécula mais importante para tudo aquilo que se realiza,


não é? Mas também sabemos que o ATP também tem iriformação que é
utilizada em fanção de um contexto. Assim vamos ter ao supraprincípio
da Especificidade, que nos diz que o sentido, ou sefa, o contexto tem de
estar sempre presente. Portanto, aqui o lado da informação é muito mais
complexo. Quem deve controlar a energia é a informação. E esta quem a
deve controlar é o sentido!
(Gomes, 2013, p. 342/364)

Trata-se de acedermos aos níveis mais ínfimos da Especificidade, da adaptabili-


dade em função de um jogar e, portanto de tudo o que lhe dá vida. Não se trata de uma
coisa abstrata, desprovida de sentido, mas sim de algo concreto e objetivável.
Portanto, concordo com Fernandes (2003) quando defende que o processo de
adaptabilidade não deverá alhear-se do conceito de Especificidade, e concretamente
para a Periodização Tática trata-se de uma adaptabilidade para e na Especificidade/
especificidades, estando inclusivamente, pelo modo como é conduzido o processo de
treino, a gestão e o fornecimento do ATP circunscrito neste processo.
Em suma, esta conceção metodológica, tendo em consideração a realidade
completa e concreta da modalidade, promove a verdadeira adaptabilidade, a todos os
níveis, tendo em vista o desempenho a que se aspira manifestar em competição.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 109

3.3.2 Musculação versus Especificidade

''Neymar tem jogado muito bem, Jaz o que quer dentro do campo. Mas
peço que não coloquem peso (halteres} nele. Não tem que ser culturista,
mas sim jogador de futebol':
(Maradona, 2013)

Para a Periodização Tática a <perfeição do automatismo não consiste


no ter-se defi,nitivamente fixado um certo encadeamento de ações
musculares, é pelo contrário, uma liberdade crescente na escolha das ações
musculares a encadear».
(Gomes, 2013, p. 350)

São pelos motivos expostos não apenas na seção anterior, mas em vários outros
trechos deste livro, que na Periodização Tática o treino com máquinas de musculação
e também com pesos livres não é contemplado, já que estes levantam uma série de
questões.

Por vezes, as pessoas estão tão obcecadas com a vertente física que só
veem o músculo como um órgão gerador de trabalho e não como um órgão
sensível Esquecem-se que ele é um órgão sensível com uma capacidade
absolutamente fantástica de adaptação ao envolvimento regular.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 115)

Para Maciel (2011 b ), o treino de musculação e, em especial, a vertigem por aumen-
tar os índices de massa muscular de vários jogadores parte do pressuposto, errado, que
o músculo é exclusivamente um órgão efetor de movimento, mas não, o músculo (e
tudo o que lhe dá vida) tem inteligência, sensibilidade e como tal ao sofrer alterações
no sentido de haver mais músculo, haverá ali uma parte nova que é estranha que como
tal necessita de ser educada. Há perda de proprioceptividade sobretudo no que se refere
à manifestação de uma atividade específica (o futebol) principalmente porque essas
mudanças se fizeram tendo por base uma estimulação que em nada se assemelha ao
que depois será exigido.
Por tudo isto, pelo desfasamento na forma de adquirir, pelo desfasamento entre
o corpo e o cérebro (corpo não tomou consciência das alterações) a propensão para
lesões e descoordenação é muito maior. É comum jogadores que em poucos meses
verificaram incrementas significativos, manifestarem perda de fluidez de movimen-
tos, maior descoordenação com a bola, e nalguns casos um acentuar significativo do
número de lesões.
~,,
110 > JULIANBERTAZZOTOBAR

A este respeito, Casarin & Greboggy (2012a) sustentam que durante as ativi-
dades de musculação priorizam-se contrações diferentes, velocidade de movimento
e tensões diferentes do que realmente um jogo de futebol exige, quanto mais de um
jogar Específico.
Para além disso, segundo estes autores, a despolarização, repolarização e hiper-
polarização acontecem de forma diferente quando comparado com a especificidade
promovida pela repetição sistemática e hierarquizada dos princípios de jogo, bem como
a ativação de canais de cálcio, potássio, sódio. Assim como a quantidade de unidades
motoras envolvidas nos movimentos; a proprioceptividade39 , a maneira como a infor-
mação é transmitida entre as células, e a coordenação intermuscular e intramuscular,
que por consequência lógica também será diferente, podendo resultar, portanto, numa
inadaptabilidade para o jogar que se pretende.

Basta saber o que são os mecanorecetores40, o que é a proprioceptividade e


saber que o músculo pelofuso neuromuscular e não só éfundamentalmente
um órgão que tem que estar receptivo às nuances do envolvimento que a
gente não pode prever ou prevê, mas muito disso em termos de pormenor
é inopinado e tem que se registar para responder. Isto é, há um timing

39 Propriocepção: Capacidade de perceber, discriminar a posição das partes do corpo no espaço e nas
mudanças de posição (Vaz, 2010). "Também denominada como cinestesia, é o termo utilizado para nomear a
capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, a sua posição e orientação, a fôrça exercida pelos múscu-
los e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão. Este tipo espec(fico de percepção
permite a manutenção do equilíbrio postural e a realização de diversas atividades práticas. Resulta da interação
das fibras musculares que trabalham para manter o corpo na sua base de sustentação, de informações táteis e do
sistema vestibular, localizado no ouvido interno" (Wikipédia). "É a qferência dada ao sistema nervoso central
(SNC) pelos diversos tipos de recetores sensoriais presentes em várias estruturas. Trata-se do input sensorial dos
recetores dos fosos musculares, tendões e articulações para discriminar a posição e o movimento articular, inclusive
a direção, a amplitude e a velocidade, bem como a tensão relativa aos tendões" (Martimbianco et al, 2008, p. 1).
Alguns achados na literatura sugerem que os recetores musculares (fusos musculares e o órgão tendinoso
de Golgi) e os recetores presentes na cápsula, ligamentos e meniscos são os principais responsáveis pela
propriocepção (Aquino et al, 2004).

40 Mecanorecetores: "Recetores especializados que se encontram nas mais diversas estruturas do corpo (pele,
músculos, tendões, ligamentos, cápsulas articulares, e muito possivelmente também nos ossos) e têm afinalidade de
enviar permanentemente para o sistema nervoso biformações acerca dos estados do corpo a cada instante. Ofaso
neuromuscular e os órgãos tendinosos de golgi (OTG) são recetores musculares, havendo ainda recetores articulares
como os corpúsculos de Pacini, os corpúsculos de Meissner (ambos de adaptação rápida), os corpúsculos de Rujfini e
os recetores de Merckel (ambos de adaptação lenta). Importa também salientar a existência de recetores cutâneos ao
nível das diferentes camadas da pele, nomeadamente os corpúsculos de Meissner e os corpúsculos de Paccini" (Tama-
rit, 2013a, p. 123). Fornecem ao SNC as informações sobre o estado mecânico muscular (Vaz, 2010).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 111

de ajustabilidade na co-contractibilidade41 muscular e há outro timing


que ajusta aquele às circunstâncias, no esforço de as erifrentar! Este 2°
timing é chamado de antecipatório, daí a relevância da história das
contracções de cada um! As máquinas tiram precisamente isso, por mais
sefisticadas que stjam, e são! E mais, máquina é para o individual, não
para a relação com os outros, portanto isso é um contra-senso.
(Frade,2013b,p. 103)

Eu pessoalmente não defendo (a utilização da musculação), eu julgo


que a melhor adaptação é aquela que se consegue a partir daquilo que
vai perspectivar uma determinada competição. Se tu pretendes competir
de uma determinada forma e semanalmente trabalhas num contexto
direcionado para aquilo que é a competição, julgo que toda a estrutura
fisiológica se adapta concretamente e de forma direcionada no final de
contas para aquilo que são os objetivos da competição. Do trabalho com
máquinas, podemos levantar uma série de questões, uma delas poderá
ser até que ponto o desenvolvimento que se consegue com a máquina
identifica-se com as sinergias musculares que a própria modalidade
necessita. julgo que é a adaptação concreta a partir das situações de
jogo que permite direcionar melhor a preparação do atleta, tendo em
vista a competição. Agora não digo que não haja pessoas que sigam
esses caminhos, há pessoas que seguem esses caminhos e que conseguem

41 Co-contratividade: "Mecanismo de contração muscular em que mais que um músculo recebe mensagem de
inervação no sentido de se contrair, mas no qual a excitação é mais intensa para os agonistas que para os antago-
nistas. Uma coordenação contrátil que implica de firma determinante opapel dos mecanorecetores, e não menos, a
sua devida aculturação" (Tamarit, 2013b, p, 124). De acordo com Johansson et al (1991, citados por. Aquino
et al, 2004) o mecanismo de co-contração (em conjunto com a contribuição dos mecanorrecetores perifé-
ricos, para o ajuste contínuo e dinâmico da mesma) contribui decisivamente para a estabilidade articular,
uma vez que este mecanismo aumenta a robustez muscular e consequentemente leva a um ganho de esta-
bilidade (Cholewicki, Panjabi & Khachatryan, 1997, citados por. Aquino et al, 2004).
Ainda, Aquino (2004) coloca que algumas descobertas na literatura trazem para discussão o conceito de
robustez (Duan, Allen & Sun, 1997; He et al., 1988; Kovanen, Suominen & Heikkinen, 1984; Markolf,
Graff-Radford &Amstutz, 1978), que hoje, parece ser o que mais se aproxima do conceito de estabilida-
de articular (Richardson, 1999). O mecanismo de co-contração, através do sistema fuso-muscular-gama
pode ser usado pelo indivíduo para ajustar a robustez articular (Johansson, Sjêilander & Sojka, 1990).
Nesse contexto, o organismo estaria sempre preparado para lidar com perturbações externas, uma vez que
a robustez pode ser ajustada continuamente. Além disso, esse mecanismo apresenta flexibilidade suficiente
para lidar com a grande variabilidade de demanda de estabilidade articular existente nos diferentes tipos
de tarefa. Essa variabilidade tem considerável valor adaptativo, já que permite aos indivíduos experimentar
situações diferentes de instabilidade e agir apropriadamente de acordo com o contexto ambiental (Reed,
1982, citado por. Aquino, 2004).
"
i'l
112 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

também resultados. Agora cada um opta pelos caminhos que estão mais
direcionados para aquilo que é o objetivofinal.
(Faria, 2002)

O mesmo Rui Faria, quando questionado se considerava como potencialmente


importantes para a operacionalização da ideia de jogo outras coisas (musculação, etc.)
que não a repetição sistemática em especificidade dos princípios de jogo, alicerçado pela
operacionalização do morfociclo padrão, foi taxativo:

Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemá-
tica em especificidade dos princípios de jogo porque é fundamental
perceber que a organização é o sucesso e quanto mais organizada
for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá.

"Numa época extremamente competitiva, onde por vezes a falta de tempo para treinar
nos obriga afazê-lo numa supraespecificidade relativamente ao modelo, a única preocupação
que temos é treinar as interações intencionalizadas do jogar, é treinar princípios, é atender ao
lado estratégico emfunção do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no
próximo jogo, corrigir aspetos do jogo anterior. Temos que rentabilizar ao máximo o tempo
que temos para treinar, para potenciar ao máximo opadrão de interações (intencionalizadas)
que queremos e não pensamos em mais nada!', coloca Rui Faria (2008).
Assim como Rui Faria, Mourinho (citado por Oliveira et al, 2006) defende que
o treino promovido pela Periodização Tática é o que verdadeiramente adapta os joga-
dores maximamente para o esforço em competição. "Isso é linear, épragmático e é básico",
mas cada um é livre para escolher o seu caminho, segundo o que julgar mais corre-
to, e como referiu Rui Faria anteriormente, muitos optam por diferentes caminhos e
também atingem resultados.
O que devemos perceber é que um músculo "fortalecido" pelas máquinas de
musculação não significa que necessariamente estará adaptado para reagir eficazmen-
te nas trocas de direções, sprints com ou sem bola, travagens, fintas rápidas, dribles,
ultrapassagens, saltos, finalizações, passes, enfim, para as ações que o jogo de futebol
exige, e mais precisamente para a concretização que um determinado jogar implica.
As máquinas de musculação promovem exercícios fechados que predispõem o
músculo a uma realidade desprovida de sentido para o jogo de futebol. Trata-se de
,. que "cegam""
exerc1c10s e enganam" o musc
, ulo, ad aptan d o-o para algo descontextua-
lizado.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 113

Seria como aprender a conduzir um comboio que percorre um trajeto


sobre trilhos, de maneira ''automática': sendo que depois o que acontece
é que temos que dirigir um autocarro, "num contexto de muito trânsito,
onde as regras existem, mas os contornos da condução e dos trechos
percorridos são muito variáveis" (Maciel, 2010}.
(Tamarit, 2013b, p. 47)

Xavier Tamarit coloca que num exercício para o desenvolvimento do quadríceps


numa máquina de musculação, de por exemplo, três séries de doze repetições, duas vezes
por semana, desenvolve-se o mesmo tipo de contração repetidamente (praticamente
sempre as mesmas fibras implicadas, as mesmas conexões neurais atuando), levando o
músculo a habituar-se a uma realidade que não irá encontrar nos relvados, uma reali-
dade que exige do quadríceps uma diversidade nas contrações, ou seja, diferentes fibras
agora, diferentes fibras depois, mas no caso da musculação revividas diversas vezes e
de maneira idêntica, o que possibilita robustecer a formação de certas conexões que
inclusivamente podem levar o músculo a equivocar-se perante determinadas situações
que exigem outras conexões, permitindo, portanto a possibilidade aumentada de lesões.
Por isso não há melhor prevenção de lesões do que levar o músculo à habitua-
ção da imprevisibilidade e da espontaneidade características do jogo de futebol, e mais
especificamente de um jogar (a nível micro).

Cada vez mais, dentro da lógica convencional, são feitos exercícios de


potenciação ("rejôrço'') dos adutores, abdutores, antes, durante ou depois ~
do treino. Ou seja, um músculo que é muito solicitado no jogo, e que
portanto necessita de descanso, e o que fazemos é dar "trabalho extra"
para potenciá-lo? Mais? Se éjustamente esse o seu problema!
(Tamarit, 2013b, p. 41)

A respeito desta (por vezes, indiscriminada) prática de "reforço" muscular, com


máquinas de musculação, o professor Vítor Frade refere:

O refôrço,
o rejôrçar. ..
põem-no torto
p'lo treinar
ao músculo quando,
no jogo estájogando...
Meio caminho andado
p'rá lesão...
premissas p'ra lesionado
terás assim bem à mão!
114 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

Neuronal
ou muscular,
a plasticidade é genial
antagónica do reforçar
Plasticidade na expressão do gene
é anti-flexibilidade...
p'rá síntese das proteínas é leme,
p'ra lá da genética
a epigenética!
O reforço
isoladamente proposto,
o corpo põe-se ciflito
Atormentado na continuidade
entra em ciflição...
agindo o corpo p'lo grito
de desejo de liberdade,
p'ra que a identidade
vete a potencialidade de lesão
Não tem rosto
o reforço...
não é gente é multidão
p'ró indiviso
no indivíduo,
mutilação...
sem po-de-jogo" é alienação!
(Frade, 2016)

A mecanobiologia tem vindo a mostrar a importância do processo para


gerar uma adaptabilidade. Segundo o investigador Stefano Piccolo
(2015), existe uma tendência da biologia focar no papel dos genes no
controlo dos mecanismos celulares, mas refere que são asforças mecânicas
que as células sofrem no organismo que regulam a sua atividade e a sua
fanção. De acordo com a sua investigação, as forças físicas e mecânicas
exercidas pelo envolvimento originam os processos fandamentais na
conexão efunção das células. De acordo com este autor, o modo como as
células se dispõem e o espaço existente entre elas é muito importante para
desencadear ou não a divisão celular. Sendo assim, a hipertrefia celular
que muitos jogadores procuram na sala de musculação tem influência
neste processo de espaço das células e das suas necessidades. Assim, o
aumento das massas musculares criado nas salas de musculação - tido
como reforço complementar - não só não ajuda como prejudica esta
fancionalidade celular porque interfere com as dimensões das células,
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 115

com as suas funcionalidades. Por isso, o reforço muscular tem um papel


concreto e real nofuncionamento das células, dinamizando um conjunto
de informações que não é a mesma que a do jogar.

(Gomes, 2016, p. 15)

A musculação procura retratar uma realidade irreal, é um contexto


postiço, desde logo porque não permite estar em relação com a bola e o
contexto de jogo, por isso terá necessariamente perdas. A propriocepção
é algo concreto, contextual e os estímulos que emanam do contexto de
jogo não são passíveis de serem reproduzidos numa sala de musculação.
A propriocepção tem a ver com a configuração acontecimental das
circunstâncias, com o modo como eu as identifico e interajo com estas,
com o modo como me ajusto e nalguns casos reajusto para poder agir
ou antecipar em conformidade com o que aquela solicitação exige. Eu
entendo o Corpo como uma realidade inteligente, que como tal carece de
ser aculturada. Trata-se inegavelmente de uma realidade plástica, sobre
a qual o treino pode atuar. Mas que treino?! Para mim a plasticidade42
tem de rimar com seletividade e consequentemente com Especificidade.
Nós tornamo-nos seletivospelo quefazemos, assim como a adaptabilidade
que emana do que fazemos tem a ver com essa seletividade. Se o meu
processo de adaptabilidade atua sobre a plasticidade num determinado
sentido, ou de uma determinada forma, é essa a modelação que eu vou
coriferir ao Corpo. Portanto se é em fonção de um jogar, que eu aspiro •
que a adaptabilidade se instale nos Corpos que compõem a minha
equipa, a seletividade do processo tem que ir nesse sentido, e só assim se é
norteado pela Especificidade, pela vivenciação continuada de um jogar
respeitando os princípios metodológicos.
(Maciel, 2011b, p. 30-31)

42 Plasticidade: Propriedade do sistema nervoso em se adaptar em função da experiência, envolvimento e


estímulos repetidos (Gomes, 2016). Para um maior aprofundamento sobre o tema, recomenda-se a leitura
das obras de Catherine Malabou, autora que defende a existência de uma quarta plasticidade neuronal, uma
vez que o sujeito é "programado" geneticamente para se "desprogramar", para se reconfigurar e se adaptar,
em função do envolvimento, dos hábitos e da educação (Gomes, 2016). Segundo Billat (2016) o desem-
penho é 90% fruto do aquisitivo, desvalorizando a genética, em detrimento daquilo que se pratica. Assim,
Gomes (2016) refere que neste mesmo entendimento, percebemos que o processo de treino e competição
tem um papel fundamental para se concretizar a ideia de jogo, na criação de uma adaptabilidade a todos os
níveis. Desta maneira, treinar o jogar (operacionalizar a ideia de jogo) de maneira coerente e sistematizada,
nos leva a uma adaptabilidade concreta e específica, a uma quarta plasticidade neuronal.
116 > JULlAN BERTAZZO TO BAR 1
1
1

No futebol, devido à sua dinâmica, um músculo jamais trabalha sozinho, fá-lo


sempre interagindo com uma determinada cadeia muscular, de maneira que quando o
músculo trabalha e evolui, fá-lo equilibradamente com toda a cadeia muscular envolvi-
da nestas ações; algo que não ocorre quando se trabalha numa máquina de musculação,
uma vez que se exercitam músculos isolados das cadeias musculares que os acompa-
nham nas várias ações de um jogo de futebol, o que vai contra a própria propriocepti-
vidade, que deixa de solicitar informação do exterior, uma vez que o contexto é sempre
idêntico (Tamarit, 2013b).

A musculação altera a relação do corpo com o corpo. Há dois tipos


de timing. O timing coordenativo dos músculos entre si, que é a
co-contractividade, portanto, vão existir cadeias quepassam a degladiar-
se, que se passam a estorvar umas às outras. Porque é uma coordenação
que se coloca contrária à fluidez que sugere e solicita a espontaneidade
do jogo de futebol Para além disso, há outro tipo de timing, que tem
a ver com o ajustamento muscular à alteração sistemática regular que
o envolvimento coloca. Ao fazer musculação vai estar a bulir com isso,
vai estar a enganar o sistema nervoso. Portanto, vai obstruir o leque
de possibilidades de manifestação que o corpo tinha a jogar futebol E
se o fizer quando em desenvolvimento vai inclusivamente bloquear o
crescimento, por exemplo, dos ossos e de outras estruturas. Vili hipertrefiar
uma zona que é muscular quando nós sabemos que os tendões não se
desenvolvem da mesmafarma ... Porque não é natural!
Quem souber um bocadinho sobre aprendizagem motora, sobre
coordenação motora, sobre timing de manifestação muscular e de
coordenação muscular, etc, acaba por se afastar dessa farma de pensar,
que é mutiladora. Mas até aqui na faculdade há professores que dizem
que o músculo é cego. Cego são eles, porque o músculo é, manifestamente,
muito mais, um órgão sensitivo do que um órgão gerador de potência.
E, se calhar, ao mesmo tempo que dizem que o músculo é cego, defendem
que é importante a proprioceptividade. Ou seja, não sabem o que
estão a dizer. Porque a proprioceptividade é precisamente o que faz do
músculo fandamentalmente um órgão sensitivo. Portanto, uma série de
mecanorecetores que se alteram para captarem, digamos assim, a evolução
do corpo no tempo e no espaço.
(Frade, 2009)

Digamos que a farça tem que se contextualizar no que é a ação do


jogador no jogo. Nesse contexto é para nós fundamental o trabalho
realizado de acordo com a especificidade do nosso jogo, se nós queremos
uma predominância que a componentefarça esteja evidente procuramos
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 117

um conjunto de situações e posso dizer situações de jogo onde a maioria


desse trabalho é realizado em situações de jogo (do jogar aspirado), por
um condicionamento do número de jogadores, quer pelo espaço de jogo,
querpela duração do exercício em si procuramos que exista a dominância
das ações que nós denominamos como força. Agora, não temos a
preocupação de quantificar se o jogador, faz dez mudanças de direção a
nossa preocupação é que a própria situação em si traga, arraste consigo,
uma dominância dessas ações que no final de contas vão constituir
como força. Não temos a preocupação do treino da velocidade do ponto
de vista fisiológico concretamente, eu julgo que as situações de jogo que
trabalham a especificidade vão trazer consigo uma dominância dessa
necessidadefisiológica mas como uma necessidade para uma organização
de jogo, da mesma forma em relação à resistência, pois resistir no final
de contas é adaptar a um conceito de jogo, é tu teres a capacidade de
identificares com esse modelo, seres capaz de realizar essas necessidades
de jogo. A nossa preocupação e a nossa perspectiva inserem-se novamente
numa preocupação de encontrar num contexto das situações de jogo uma
adaptação espec'(fica para aquilo que pretendemos em termos do nosso
jogar. Isto éfundamental
(Faria, 2002, p. iii-iv)

Portanto, as máquinas de musculação e/ou pesos livres poderão ser incapazes


de promover o suporte muscular e bioenergético (sem falar em outras coisas como a
concentração, sentimentalidade) inerente à manifestação fluida de um jogar. •

Costumava dizer que ninguém fazia no mundo mais musculação que


eu com os jogadores, porque a fazia todas as semanas, mas não era com
máquinas. Era sensibilidade muscular, ou sda, sensitivo na aquisição
e concretização do jogar, em fanção da evolução individual do jogador
para o crescimento da minha equipa tendo em conta as fanções de cada
um. Agora, isso não é uma coisa fácil
(Frade,2013b,p.102)

Por isso, a Periodização Tática, ao ter como epicentro processual o jogar, viven-
ciado e experenciado através do respeito pela lógica do morfociclo padrão permite a
promoção da verdadeira adaptabilidade. Esta adaptabilidade não é conseguida apenas
na dimensão física, mas em todas as dimensões do desempenho.
Trata-se de um outro modo de ver e sentir as coisas, uma lógica diferente, não
significando ser certo ou errado, apenas constitui-se como um caminho diferente, mas
com o mesmo objetivo final de todas as outras metodologias de treino: estar apto para
competir, mas neste caso aspirando a competir jogando de uma determinada forma.
118 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

3.3.3 A manifestação da Especificidade através dos exercícios

Um exercício, mais do que um exercício, deve ser um contexto. Um exercício


tem informação potencial, mas para ela se constituir em capacitativa,
tem que se utilizar várias vezes e o exercício tem que concretizar uma
determinada dinâmica. A responsabilidade do desenvolvimento dessa
dinâmica é dos intervenientes diretos, os quais têm de se constituir num
sistema ou mecanismo determinado, para que a qualidade capacitativa
cresça, para que sefam um mecanismo não-mecânico.
(Frade, 2011, p.14)

A aquisição e somatização da ideia de jogo do treinador por parte da equipa pode-


rá ser promovida de diferentes maneiras, seja através de palestras, conversas, imagens,
vídeos, dentre outros recursos, mas na minha opinião, sem dúvidas encontra-se maxi-
mamente potenciada através do processo de treino, da operacionalização da ideia de
jogo através dos exercícios (contextos), processo em que o treinador assume um papel
fundamental.
Deste modo, podemos dizer que o exercício é protagonista na manifestação da
especificidade, pelo sentido que lhe atribuímos e, fundamentalmente, pela vivência
deste sentido por parte dos jogadores, uma vez que o jogar é matéria de ação e princi-
palmente interação.
Mourinho costumava dizer que treinar só é bom quando se consegue operaciona-
lizar o que é a sua ideia de jogo, ou seja, o treinador deve criar exercícios que induzam
sua equipa a fazer aquilo que pretende apresentar em competição, seja com contextos
mais ou menos complexos. A verdade é que a estrutura de acontecimentos do treinar
tem de refletir a natureza de estrutura de acontecimentos do jogar.
Se pretendemos jogar de uma determinada maneira e durante os treinos anda-
mos a fazer outras coisas que não estão relacionadas à nossa ideia de jogo, na minha
opinião estes treinos não terão grande utilidade. Desligar a realidade do treino com
a competição, e precisamente ao que treinamos e o que pretendemos apresentar
em competição, seria como uma companhia de teatro querer exibir ao público uma
comédia, mas ensaia todos os dias, ou quase todos os dias uma tragédia. Provavel-
mente no dia do espetáculo o resultado disto não será nem uma coisa nem outra. Isso
simplesmente não faz sentido.
Contudo, devemos ter bastante atenção e entender que apesar de os exercícios
serem os principais indutores da especificidade pretendida, eles são potencialmente
específicos. Isso porque o cumprimento da(s) especificidade(s) nos exercícios depen-
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 119

de(m) de muitas coisas, como os jogadores entenderem os objetivos e as finalidades dos


exercícios (percebendo como os exercícios podem melhorar o jogar da equipa e o seu
próprio futebol, algo que tendencialmente os faria treinar de maneira intencional· face
ao que se pretende); os jogadores manterem um elevado nível de concentração durante
o exercício e o treinador intervir de maneira adequada e atempadamente perante os
acontecimentos que ocorrem durante a "exercitação" (Amieiro, Frade & Guilherme
Oliveira, 2008).
Nesse sentido, é muito importante que os jogadores desenvolvam e mantenham
uma intensidade máxima relativa permanente para que os propósitos do treino sejam
realizados com a eficácia que pretendemos. Importa contudo, destacar a noção de
intensidade máxima relativa, pois para a Periodização Tática este conceito rompe com
o que é comumente aceite.

3.3.3.1 Intensidade máxima relativa e concentração.

Em terminologia convencional, a intensidade é tradicionalmente associada à


dimensão física, ao desgaste energético proveniente da atividade que se está a desenvol-
ver, mas para a Periodização Tática quando se fala em intensidade deve-se considerar
que a mesma tem a ver com a necessidade de um ajustamento eficaz face aos condicio-
nalismos circunstanciais que o contexto vai colocando, trata-se portanto de um proble-
ma de escolha e critério, tendo em conta a intenção prévia.
Conforme exemplifica Maciel (2011b) um jogador pode ter uma velocidade de
deslocamento muito alta, mas não fazer dela o melhor uso, isto é, não a aproveitar
em conformidade com o que as circunstâncias requisitam. Messi não é mais rápido
que Theo Walcott e Aaron Lenon, mas tem muito mais critério no uso que faz da
velocidade, tem timings mais ajustados, acelerações, travagens e mudanças de dire-
ção em conformidade com o que lhe "pede" o contexto, por isso joga regularmente
em intensidades máximas relativas, porque face ao contexto ele vai ajustando para
responder com o desempenho mais eficaz e eficiente. Para isso é imprescindível estar
concentrado.
E estar concentrado não se trata "apenas" de ter capacidade para pensar e tomar
decisões eficazes, mas de conseguir estabelecer uma fusão entre a intenção prévia, o
contexto e a concretização (ou seja, na intenção em ato). A capacidade de ter e desen-
volver esta concentração está diretamente relacionada ao jogador estar implicado (indi-
vidualmente, ainda que em co-implicância) e envolvido na vivência dos ideais coletivos
e nas interações da equipa.
120 >JULIAN BERTAZZO TO BAR 1
1
i
Ora, conseguir estar concentrado o máximo de tempo possível no jogo
implica treino e aprendizagem, isto é, exige um determinado volume de
intensidades de concentração. E é preciso perceber que há exercícios pouco
«intensos» sob um ponto de vista mais <físico» que, pela concentração que
exigem, são extremamente intensos.
(Oliveira et al, 2006, p. 104)

Por exemplo, correr por correr tem um desgaste energético natural, mas a comple-
xidade desse exercício é nula. Como tal, o desgaste em termos emocionais tende a ser
nulo também, ao contrário das situações complexas, onde a supradimensão tática está
presente, que exigem permanentemente a necessidade de ajustamentos face às circuns-
tâncias e aos condicionalismos impostos pelo contexto.
Como diz Carvalhal (2002), nós podemos correr uma determinada distância
na nossa máxima velocidade de deslocamento, entretanto, se quisermos realizar essa
mesma distância com uma bandeja cheia de copos, e se fizermos esse percurso na máxi-
ma velocidade possível sem que os copos caiam, possivelmente vamos fazê-lo com
menos velocidade, mas mais intensamente do que no primeiro exemplo. Isso porque
a necessidade de ser eficaz no ajustamento face ao contexto exige uma concentração
muito maior, levando a que a intensidade também seja maior.
Portanto ser intenso muitas vezes implica parar, abrandar e não correr em grande
velocidade, procurando sempre ser eficaz tendo em conta o contexto.
Em suma a concentração decisional implicada na ação e na interação pela exigên-
cia do desempenho no contexto, pela exigência em termos de desgaste "mental-emo-
cional" que esse desempenho representa, faz com que uma situação, tanto em jogo como
em treino, seja mais ou menos intensa.

Portanto, quando falamos em intensidade, não nos referimos a uma


intensidade abstrata, mais ou menos cronometrável, mas a uma
intensidade decisional associada à concentração, calibrada pelo instante
singular de cada exercício a vivenciar - porque os jogadores têm,
permanentemente, que equacionar a gestão do aqui e agora. E devemos
falar numa concentração tática, porque ela é necessária para que ojogar
desejado se manifeste.
(Oliveira et al, 2006, p.105)

Conforme coloca Jorge Maciel (2011b), o que se pretende na Periodização Tática


é que a intensidade na vivência de um jogar seja sempre máxima (entendendo-se a
intensidade associada à concentração e também à qualidade do desempenho), porém
trata-se de uma intensidade máxima relativa, uma vez que o maior ou o menor grau de
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 121

intensidade estará relacionado com o maior ou menor grau de complexidade emergen-


te, e em conformidade com a intencionalidade coletiva que a sobredetermina.
No que diz respeito às unidades de treino do padrão semanal, como a configu-
ração padronizada de cada dia é diferente, também a intensidade implicada nas várias
unidades de treino difere. Ela segue sendo máxima, porém relativa. Por isso é impor-
tante relativizarmos a noção de intensidade máxima.

O treino de quarta-feira (assumindo uma semana de jogo domingo


a domingo) tem nos exercícios menos elementos em interação que o de
quinta-feira, o que faz com que a intensidade de quinta sefa "mais
intensa': pela maior complexidade que comporta, que a de quarta-feira
que no entanto, para aquele padrão de desempenho tem de ser máxima. O
mesmo sucede com os restantes dias do morfociclo padrão, as intensidades
têm de ser relativizadas em função do padrão de "exercitação" e de
aquisição implicados na respectiva sessão, sendo que a intensidade
máxima em cada dia emerge da qualidade dos desempenhos manifestos,
ou sefa, do modo como os jogadores se ajustam e reajustam aos estímulos
que sobredeterminam as suas ações nos contextos de "exercitação".
Maciel (2011b, p. 43)

Agora vamos aprofundar um pouco mais esta ideia através de um exemplo, uma
situação hipotética: de acordo com a ideia do treinador X, um jogador (pivot) deve ter
uma intensidade de concentração máxima para que, num exercício de 4x1 (onde o obje-
tivo seja a simples manutenção da posse da bola, dentro de um quadrado de 15 metros •
quadrados) quando receber a bola, consiga fazer um passe a um companheiro melhor
colocado para dar continuidade na manutenção da posse da bola, isto é, aja com eficácia,
obtendo êxito através do ajuste perante este determinado contexto.
Isso exige uma concentração máxima para esta ação, que é diferente (embora seja
em função da mesma ideia em termos macro), por exemplo, da concentração exigida
para que, num exercício de 10x8 (com o mesmo objetivo de manter a posse da bola,
tendo que marcar golos), este mesmo pivot consiga posicionar-se permanentemente em
linhas de passe seguras, para que quando receba a bola possa dar progressão à mesma e
ajudar sua equipa a mantê-la por mais tempo e com qualidade, passando-a para compa-
nheiros que permitam que isso aconteça, através do seu (bom) posicionamento.
Ora, a intensidade exigida para obter o sucesso nas duas situações acima descritas,
não foi a máxima (uma vez que implicou em constantes ajustamentos e reajustamentos
objetivando a eficácia, exigindo muita concentração)? Mas manter a posse da bola e
visualizar companheiros melhores colocados numa situação de 4x1 não é a mesma coisa
que numa situação 10x8, onde quase sempre há pressão em cima do pivot, onde há uma
, 122 > JULlAN BERTAZZO TO BAR

complexidade relacional e espacial muito maior que num exercício de 4x1, e por isso,
falo de intensidade máxima relativa.
Assim, temos necessariamente de contextualizar a intensidade, pois como disse
anteriormente, em d,eterminadas situações o jogador para ter êxito deve estar parado,
outras vezes correr muito, outras vezes correr pouco ou mesmo fazer um chapéu, um
elástico, uma cueca no adversário, pisar em cima da bola, isso está dependente dos
instantes, das circunstâncias e do ajustamento necessário para as sobredeterminar.
Então, a intensidade reside na parte qualitativa do jogo e do jogar e não tem a
ver apenas com a execução, mas também com a intencionalidade que sobredetermina
a execução, ou seja, na relação entre o que se faz e aqueles que são os referenciais cole-
tivos, que permite ao jogador ter êxito na situação em que se encontra, sendo lento ou
rápido, mas fundamentalmente criterioso, ajustando e reajustando para obter eficácia
na concretização/manifestação do jogar.
Por isso é de suma importância que os jogadores estejam permanentemente
concentrados e que mantenham uma intensidade máxima relativa durante os exercícios
e os jogos, pois isso além de permitir potencializar a aquisição e a especificidade do
processo, possibilita o desenvolvimento e o crescimento constante desta capacidade de
concentração por parte dos jogadores ao longo do tempo.
Embora a concentração possa ser incrementada, não se trata de uma concentração
qualquer, é uma concentração que o jogar requisita para se manifestar de maneira fluida
e constante.
Conforme coloca o professor Frade (2011), o Dalai Lama consegue estar a medi-
tar por duas horas, concentra-se, mas não é a concentração de jogo, e muito menos a
necessária para levar a efeito um jogar.
Por isso devemos estar atentos ao processo de treino, em criarmos exercícios
(contextos) que façam o jogador estar permanentemente em modo de alerta, envolvidos
completamente para que de facto estejam concentrados subconscientemente. Como
costuma referir Jorge Maciel, lembremo-nos das crianças que jogam futebol na rua, lá
ninguém lhes exige concentração, porém mais concentrados que eles não deve haver.
Aí está um dos desafios e uma das missões dos treinadores.

3.3.3.2 A importância da intervenção durante os contextos de


propensão

Como já referi é muito importante que os jogadores percebam os benefícios que


o exercício trará para o jogar da equipa e para o futebol de cada um individualmente
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 123

("saber sobre o saber fazer"), isso porque tal entendimento tendencialmente os faria
treinar de maneira intencional e talvez mais implicada e sintonizada face ao que se
pretende.
Schmidt e Wrisberg (2010), conhecidos autores no campo da aprendizagem
motora, referem que a motivação e a pré-disposição intencional para aprender são
fundamentais para a aquisição dos conteúdos a serem vivenciados pelo indivíduo. Difi-
cilmente alguém faz algo bem feito quando não acredita que isto lhe trará beneficias.
Como já dizia Frade em 1985, só o movimento intencional é educativo.
Porém, e ainda que o que referi acima seja verdade, inicialmente, o foco do treino
deverá centrar-se sobretudo no "saber fazer", isto é, primeiro o jogador deverá fazer
e depois, com o tempo e os estímulos vivenciados nos treinos e também nos jogos ir
tomando consciência do que se faz. Tal processo, aquisição e somatização ocorre em
concomitância, isto é, faz-se fazendo, neste caso jogando, treinando e refletindo sobre
o que se faz.
Como já disse, o jogar e a sua aquisição, para além de ser não linear é uma matéria
de ação e sobretudo de interação, daí que o papel do treino e da equipa técnica afigu-
ra-se como algo fundamental para que a aquisição e somatização da ideia de jogo por
parte dos jogadores seja facilitada, seja na criação de contextos propícios para determi-
nado "acontecer", seja nas suas intervenções durante os exercícios, guiando-os até as
interações pretendidas.
Conforme pretendo evidenciar mais à frente, as emoções têm papel fundamental •
na transmissão e aquisição das ideias de jogo, e, portanto quanto mais empatia emocio-
nal o treinador (e as ideias que carrega consigo - bem como a forma como as transmite/
operacionaliza) conseguir criar com os jogadores, seja durante os exercícios, seja no
dia-a-dia, melhor será.
Portanto, a qualidade do treino está também claramente dependente da inter-
venção do treinador, uma vez que o exercício por si só não tem tanto valor como tem
quando o treinador intervém e o direciona para os propósitos congruentes com a inten-
ção prévia. Por isso, concordo com Carvalhal (2003) quando diz que um exercício não
vale só por ele, não chega fazê-lo, deixar que ele aconteça e não intervir. É por isso que
o mesmo exercício, com os mesmos objetivos e os mesmos jogadores, pode ter uma
eficácia diferente com diferentes treinadores.
Acredito que a intervenção do treinador na condução dos contextos (exercícios)
vivenciados pelos futebolistas se faz fundamental, onde os feedbacks transmitidos aos
jogadores podem tornar o exercício mais rico e mais eficaz. Também contribuem os
feedbacks transmitidos ao treinador pelos jogadores.
124 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Castelo (2000 citado por. Fernandes, 2003) sugere ser possível comparar as ativi-
dades profissionais de um médico com as de um treinador de futebol, onde o exercício
no processo de treino e o medicamento para tratamento de doenças apareceriam como
coisas semelhantes.
Entretanto, no meu entendimento, assim como para Fernandes, esta comparação
é redutora na medida em que a relação que a aplicação do exercício permite estabe-
lecer entre treinador e jogadores é mais complexa do que a relação estabelecida entre
o médico e o paciente no momento da prescrição do medicamento. <2!ieremos dizer
que o médico realiza um diagnóstico e prescreve um remédio ao seu doente, mas um
exercício não se "tomà' e pronto.
Entendo que o treinador não se deve limitar a "prescrever" um exercício e esperar
o efeito no jogador, pelo contrário, deverá ser partícipe na aquisição de suas ideias,
apostando muito mais na "prevenção do que na cura43", através da presença constante
de uma ideia de jogo coerente e o treino da mesma, onde o treinador deverá escolher e
alimentar de maneira ajustada e qualificada os exercícios.
Durante a realização do exercício, o treinador deverá adotar, quando necessário,
uma atitude interventiva e imbuída de emoção, no sentido de reforçar as ações e intera-
ções que se reportam à intenção prévia do jogar e inibir as ações e interações que não se
coadunam com o pretendido. Daí que no futebol o mesmo exercício funcione de forma
diferente com diferentes treinadores (e também jogadores).

43 Podemos relacionar a medicina preventiva com o princípio metodológico das propensões, que de
antemão -através da sua configuração contextual- tenta antecipar e potencializar a manifestação de deter-
minadas circunstâncias muito mais vezes do que outras quaisqueres, sendo uma espécie de vacina, em
que o "agressor" (padronizado) é dado a conhecer para que o organismo reaja para o superar. Imagine que
durante uma semana de treinos, o treinador enfatize alguns aspetos da sua organização defensiva (criando
contextos que permitam o aparecimento dominante destes), onde pretende que os jogadores realizem uma
marcação zonal e pressionante, com movimentos sincronizados.
Dentro da ideia do treinador, quando um médio sai para pressionar o portador da bola, os jogadores de trás
devem fazer o mesmo movimento, atacando o espaço que foi deixado pelo médio que saiu, encurtando e
realizando coberturas. Durante o jogo, os jogadores conseguiram desempenhar com qualidade até deter-
minado período, depois, com o cansaço e a fadiga, e ainda por não terem essas ações e interações incorpo-
radas/habituadas acabaram por não conseguir trabalhar como uma unidade, deixando espaços entre-linhas
que o adversário conseguiu aproveitar. Portanto, sempre tendo em conta que a competição é algo aberto e
não controlável pelos treinadores em vários aspetos, muitas vezes os exercícios também são concebidos e
criados a partir de uma necessidade de momento, isto é, durante a próxima semana de treinos o treinador
poderá incidir novamente sobre estes aspetos, o que neste caso poderíamos também interpretar - além da
medicina preventiva- como curativa (as duas devem andar juntas), uma vez que os meso e micro princípios
(aspetos de pormenor) devem estar sempre a ser considerados, diagnosticados e potencializados de manei-
ra qualitativa, de modo que não hipotequem a saúde geral do sistema, os macro princípios.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 125

É por isso que Mourinho (2002 citado por. Fernandes, 2003) afirma não se
importar com o facto de vinte treinadores assistirem aos seus treinos, "porque o mesmo
exercício de treino liderado por uma pessoa e liderado por outra não tem nada a ver'. Rui
Faria (2003) também acredita que um exercício liderado por pessoas diferentes não é
a mesma coisa. Para ele o aspeto da intervenção é fundamental, sobretudo no aspeto
emotivo da intervenção.

Há váriasformas de intervir. Háformas pouco emotivas, mais passivas,


dizer qual o objetivo do exercício e ir intervindo. Mas julgo que se for
feito com uma maior emotividade e uma maior expressividade, de
alguma forma incute um espírito diferente ao exercício. Posso dizer a
mesma coisa de uma forma tranquila, passiva e posso dizer de uma
forma ativa, bastante expressiva e isso tem claramente influência no
rendimento dos jogadores na realização dos exercícios. Mais uma vez o
exercício pode ser diferente de acordo com a pessoa que o orienta.
(Faria, 2003, p. LXXX)

Imaginemos um exercício em 3/4 de campo, em que o objetivo é treinar funda-


mentalmente os instantes que sucedem à perda da posse da bola da equipa branca
(tentar mudar rapidamente de atitude e pressionar imediatamente a bola e o espaço
circundante, para tentar roubá-la no menor tempo possível, necessitando, portanto,
de um fecho de espaços, tanto em largura como em profundidade) e a organização
defensiva e transição defesa-ataque dos pretos.
Neste contexto, os 11 jogadores da equipa de branco (numa estrutura de 1-4-3-
3) saem sempre a jogar e tentam marcar golos na equipa preta, que se defende com
apenas oito jogadores (guarda redes +linha defensiva+ triângulo do meio-campo),
porque os seus três avançados não participam da organização defensiva, ficam em
stand-by.
Neste exercício, quando os brancos perderem a bola terão apenas cinco segun-
dos para recuperá-la e continuar o ataque, pois, caso a recuperação não aconteça no
tempo estipulado, a equipa de branco perderá os seus três avançados para se defender,
e os três avançados de preto que estavam em espera, passam a jogar, realizando uma
situação de 11 pretos vs 8 brancos.
126 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Primeiro momento do exercício acima referido. Na figura acima, a bola está em posse dos
brancos, que com 11 jogadores atacam apenas 8 pretos, pois os seus três avançados (na figu-
ra acima virtualizados) não podem participar da organização defensiva

1

Segundo momento do exercício citado. Neste momento, a partir de um erro de passe dos
brancos, há o desarme por parte da equipa preta. Caso os brancos não consigam recuperá-la
em até cinco segundos, os seus três avançados não poderão participar da organização defen-
siva, e os três avançados pretos que estão em modo de espera, passarão a jogar
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 127

Como os brancos não conseguiram retomar a posse da bola em cinco segundos, os seus três
avançados ~cam em modo de espera, não participando na organização defensiva (na figura
virtualizados), enquanto que os três avançados de preto, que antes estavam em modo de
espera, passam a jogar, promovendo uma situação de 11 pretos vs 8 brancos

A partir desta configuração desenvolve-se o exercício, mas uma coisa é o treina-


dor apenas presenciar o treino e não intervir perante determinados acontecimentos
que ocorrem durante a "exercitação" (propensão). Muito diferente do que se o trei-
nador diante as situações que decorrem, positivas e negativas, intervenha guiando
os jogadores até os objetivos pretendidos, exigindo uma rápida e agressiva reação
perante a perda da bola.
Sejamos mais concretos: imaginemos que os brancos estão a conseguir criar ~
situações de golo e manter a posse de bola com relativa qualidade, mas no momento
em que perdem a bola (transição ataque-defesa), não evidenciam uma mudança de
atitude no sentido de serem agressivos e pressionantes para tentar recuperar imedia-
tamente a bola.
Embora estejam a efetuar um fecho posicional com qualidade, isto não está a ser
suficiente para que recuperem a bola rapidamente, isto é, desta maneira face ao que
foi proposto, o exercício não está a atingir seu objetivo. Se isto ocorrer com frequên-
cia, e se o treinador permitir que isso aconteça sem emitir qualquer tipo de feedback de
correção, este exercício não estará a promover a especificidade, pois permite a adoção
de atitudes que são contraditórias à ideia de jogo, e portanto, ao serem repetidas
sistematicamente poderão criar-se hábitos prejudiciais à funcionalidade desejada em
competição.
Desta forma, a intervenção do treinador poderá ter um efeito impactante na
consecução dos objetivos propostos no exercício e por consequência na aquisição da
ideia de jogo. Imaginemos que cada vez que a equipa branca perca a bola, o treinador
1

! '
128 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
l
1

seja incisivo e através de intervenções verbais e gestuais (antes, durante e/ou no final da
"exercitação") incentive e auxilie os jogadores a recuperarem a bola em até cinco segun-
dos, reforçando os aspetos positivos e corrigindo os negativos.
Acredito que assim os jogadores reagirão muito mais rapidamente às situações,
direcionando a sua atenção para as interações preconizadas, dando um sentido Especí-
fico para os acontecimentos do exercício, facilitando a aprendizagem e· a aquisição dos
conteúdos, interiorizando-os e incorporando-os mais facilmente do que se não houves-
se nenhum feedback do treinador.
Portanto, podemos dizer que a atuação e a modelação do treinador perante as
circunstâncias é fundamental, pois "o modo como a interpretação que se vai adquirindo ao
longo do tempo é fruto da nossa interação nas circunstâncias porque um treinador que está
numa situação a decorrer também tem de estar e ser contexto" (Gomes, 2013, p. 308). Deste
modo, quando um exercício está a acontecer e o treinador não realiza nenhum tipo de
intervenção, perde-se um momento que poderia ser de ganho.
Por isso, as especificidades poderão ser evidenciadas se o treinador apresentar um
tipo de intervenção que consiga transformar a informação potencial de cada exercí-
cio em informação efetiva, no fundo falo novamente da importância de tentar sempre
aproximar a intenção na ação, ou seja, o que sucede no "aqui e agora," com o que é a
nossa intenção prévia.
Caso isso não aconteça, se o treinador não conseguir intervir adequadamente
ou simplesmente não intervir durante um exercício quando alguma coisa desajustada
acontece, ele tornar-se-á vazio de qualquer especificidade, por mais que inicialmente
esteja de acordo com a ideia de jogo.
Em suma, mesmo que o exercício face à sua configuração inicial (espaço de jogo,
número de jogadores, regras) já esteja propenso para determinado "acontecer", isso não
é garantia de que as coisas decorrerão da maneira que o treinador pretende, o que lhe
confere um papel de primazia no sentido de guiar e potencializar ao máximo as intera-
ções dos jogadores em função da ideia de jogo pretendida.
Se no jogo o agente principal é o jogador, durante o processo de ensino-aprendi-
zagem (treino) o treinador tem uma maior dominância, um papel de extrema impor-
tância, porque ele é o principal responsável pela criação do processo, é o direcionador
do sentido, é o promotor do sentimento da equipa, é o catalisador ou o inibidor de
interações, é o gestor da articulação interativa da criação dos novos conhecimentos com
os conhecimentos já existentes dos jogadores (Guilherme Oliveira, 2004). Ele tem a
capacidade de dar significado aos acontecimentos, através da manipulação dos contex-
tos e da sua intervenção.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 129

A manipulação dos contextos de propensão, bem como a sua modelação em meio


ao exercício é outro aspeto fundamental que possibilita a aquisição e a somatização do
que está a ser treinado, como veremos de modo mais aprofundado durante a abordagem
do princípio metodológico das propensões.
Saliento que a intervenção do treinador não se limita a apenas dar feedbacks aos
jogadores e também a ouvi-los, mas estar atento a tudo o que acontece, como por exem-
plo ao espaço de propensionalidade.
Muitas vezes o treinador no seu gabinete, no planeamento do exercício crê que o
espaço de propensionalidade pré-concebido permitirá potenciar as interações preten-
didas, porém o que se verifica quando o exercício efetivamente se realiza é que o espaço
necessita de ser ajustado. Algumas vezes deve ser alargado ou encurtado, com o intuito
de promover e1 potencializar a manifestação das interações desejadas.
Outras vezes, durante a operacionalização de um determinado exercício, o treina-
dor deverá estar atento à manipulação dos constrangimentos deste, por vezes retirando
algum(ns), acrescentando outro(s), de modo a otimizá-lo, de acordo com a necessidade
emergente.
Portanto, é fundamental que o treinador esteja alerta e consiga modelar com eficá-
cia o contexto (não me refiro apenas ao espaço de propensionalidade, regras, mas de
tudo o que lhe é inerente), no intuito de orientar os seus jogadores às funcionalidades
e interações pretendidas.
O professor Vítor Frade refere que a dinâmica do processo é uma "fenómeno- ~
técnica'' de natureza não linear. Isto porque, como já disse, o treinador tem um papel
determinante como criador e gestor de um processo que é não linear.
Nesse sentido, a intervenção do treinador e a modelação que exerce sobre o
contexto de propensão nas suas diferentes possibilidades, no sentido de guiar os joga-
dores à funcionalidade pretendida é algo destacável.

Para Frade (2004) a grande condição da Periodização Tática é ser uma


'Jenómenotécnica" na operacionalização do treino. Isto quer dizer que
não é siificiente dizer-se que a natureza desta realidade é caracterizada
pela extrema sensibilidade às condições iniciais e depois deixar correr
o processo sem qualquer intervenção. A causalidade não linear consiste
precisamente no facto da intervenção ter opoder de alterar muita coisa,
o que, aplicado ao treino no Futebol faz todo o sentido e tem enorme
pertinência dando a clara indicação que a intervenção do treinador
durante os exercícios será um fator fundamental para o seu correto
direcionamento em função do modelo de jogo.
(Campos, 2008, p. 70)
130 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Gladwell (2007 citado por Campos, 2008) sustenta que as nossas primeiras
impressões são geradas por experiências anteriores e pelo ambiente, o que quer dizer
que podemos mudar as primeiras impressões mudando as experiências que formam as
primeiras impressões.
Assim, o treino deve proporcionar um conjunto de experiências que pela sua
configuração direcionem o padrão de ações e interações da equipa para aquilo que é a
ideia de jogo do treinador e quanto mais rica for essa ideia e a sua operacionalização,
melhor será.
Devo ressalvar que a intervenção do treinador para guiar os jogadores até às inte-
rações pretendidas não significa comandá-los, no sentido de lhes castrar a criatividade
e lhes dar soluções estereotipadas e robotizadas, criando um mecanismo mecânico, pelo
contrário, os jogadores devem ser autónomos no desenvolvimento do treino, uma vez
que é assim que se deseja que aconteça na competição, mas devem ser "autónomos" com
aspas, isto é, livres para agir sem agirem livremente.
Embora pareça paradoxal, não o é, porque o jogador deve ser livre de agir porque
para o aqui e o agora não existe equação, mas não age livremente porque as suas inten-
ções devem ter como pano de fundo o jogar que se pretende (Oliveira et al, 2006).
Assim, o exercício deverá conter numa dimensão micro, o plano do aleatório, do contin-
gente, do imprevisível.
O treinador, através das suas intervenções deverá dar o tema para que os joga-
dores façam uma redação, e não um ditado, isto é, a sujeição constante, da equipa
aos princípios de jogo vai gerar uma dinâmica específica no seu jogar, criando um
mecanismo, mas um mecanismo não mecânico (Oliveira et al, 2006), desta maneira
os jogadores são orientados para os princípios de relacionamento que geram um jogar
concreto, com uma lógica e não com jogadas mecanizadas que não consideram as
circunstâncias.

Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no
extremo ou vai jogar no central porque isso é que é variabilidade, é o
aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está sobre-condicionada àquilo
que desejamos, portanto, nós queremos ter a posse de bola e opivot está a
ser marcado, ele não vai arriscar um passe para opivot e então vaijogar
para o central E está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em
segurança para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas interações
pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 131

Em suma, como diz Marisa Gomes (2008), devemos ter em conta que o treino
concede um espaço de manobra ao treinador, que lhe permite gerir as situações como
pretende, mas isso não sucede na competição, onde o treinador pouco pode interferir.
Isso confere ao treino uma importância brutal.
Conforme abordei inicialmente neste capítulo, importa ter em consideração
durante o processo o modo como o contexto é configurado. A Periodização Tática
é uma metodologia muito complexa de ser levada a cabo, isto porque a criação dos
contextos de treino, a sua modefação e a condução do processo envolvem diversas variá-
veis que interagem constantemente. Em suma, o treinar e o jogar são caracterizados por
conterem dimensões múltiplas.
Para além da falta de intervenção adequada e no tempo certo, outro aspeto que
poderá conduzir a uma "inespecificidade" para o processo é o modo como o contexto
é fabricado. Imaginemos a seguinte situação: um treinador configura uma sessão de
treino dedicada para a recuperação ativa dos jogadores (veremos mais adiante com
profundidade este tema) com um dos exercícios incidindo na organização coletiva da
equipa, uma situação mais complexa, onde os jogadores têm um desgaste, sobretudo
a nível mental, bastante grande e se exercitam por um período relativamente longo.
Imaginemos também que durante este determinado exercício o treinador, tal como
sugeri anteriormente, corrige e direciona as interações dos jogadores através de suas
intervenções.
Ora, mesmo que este exercício vá ao encontro da ideia de jogo pretendida, e o trei- •
nador intervenha guiando os jogadores até os objetivos pretendidos, como este exercí-
cio assenta num caráter mais complexo, isso põe em risco a Especificidade do processo,
porque em primeiro lugar possivelmente gerará uma inadaptabilidade para o que se
pretende. Os jogadores "mentalmente" e também "fisicamente" não serão capazes de
corresponder com eficácia ao que o treinador propôs.
Em segundo lugar, promover desempenhos como este, neste dia, tendo em conta
que houve um desgaste importante resultante de um jogo dois dias antes e a extrema
necessidade de recuperação, poderia prejudicar a capacidade de aquisição da equipa nos
treinos subsequentes durante a semana, bem como (e por consequência) o desempenho
individual e coletivo na próxima competição.
É por estas razões que o supraprincípio da Especificidade resulta da concretização
interativa dos princípios de jogo e dos princípios metodológicos - que dão vida aos
primeiros - e de tudo o que envolve tal operacionalização (Maciel, 2011b).
Portanto, fica evidente que o conceito de Especificidade vai muito para além do
simples entendimento entre ideia de jogo e treinar em função da ideia de jogo. "Não que
132 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

isto não contemple tudo o que possamos referir de seguida, mas porque entendemos que o para-
digma da simplificação poderá levar a um empobrecimento precoce deste princípio de condição
superior, supraprincípio" (Sousa, 2007, p. 113).
Portanto, trein:,ir em Especificidade não implica "apenas" contemplar o que se faz
(treinar) com o que se pretende (ideia de jogo), mas, igualmente, contemplar os pressu-
postos metodológicos e operacionais da Periodização Tática.

3.4 Princípios metodológicos da Periodização Tática

A Periodização Tática está assente em Princípios Metodológicos que são


fondamentais e que a diferenciam claramente das demais metodologias.
Sem a sua correta compreensão e seu correto domínio durante a
operacionalização do processo não existe Periodização Tática.
(Tamarit, 2013a, p. 381)

Portanto os Princípios Metodológicos são... e repare que durante


muito tempo, 90% da gente quefalava sobre Periodização Tática, nem
sequer falava dos Princípios Metodológicos e é onde eu mais martelo
com os alunos, porque uma ideia de jogo toda a gente tem, para jogar
de uma determinada maneira, depois sistematizando mais ou menos,
mas como é que se fabrica isso?! Eu digo que a especialização todos os
cozinheiros têm, e então porque é que uns são melhores que outros?!
Então, é porque a feitura tem qualquer coisa de concreto, de diferente,
de original e isso tem a ver com as doses, ah pois temi Basta você
exagerar na dose de uma merda qualquer que a coisa já não dá. Isso é
a causalidade não linear.
(Frade, 2013b, p. 93)

Em determinadas ocasiões, à primeira vista, até pode parecer, com a


observação de algumas unidades de treino, que estão a treinar segundo
esta metodologia de treino,já que a "exercitação" realiza-se normalmente
em uma única unidade de treino por dia, quase sempre com a bola
presente, inclusive com situações especificas do modelo de jogo, alguns
dias com aspetos mais ou menos individuais ou setoriais, outro dia mais
coletivos. Mas a Periodização Tática é muito mais, ou menos, que tudo
isso. Trata-se de umaforma de entendimento diferente da convencional·
entendimento do ser humano e seu foncionamento, entendimento do
organismo e sua adaptabilidade, entendimento do jogo e sua inteireza
inquebrantável, entendimento do fotebol e sua aprendizagem,
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 133

entendimento do jogar e sua modelação. E não somente difarente no


seu modo de entender, mas também na maneira de operacionalizar e
proceder! E para isso é necessário o respeito pelos princípios metodológicos
(princípio das propensões, princípio da progressão complexa e princípio
da alternância horizontal em especificidade) que, sendo corretamente
entendidos e levados ao campo, permitem dita lógica.
(Tamarit, 2016b)

Muitos treinadores sabem aquilo que querem. No entanto, criar oprocesso


para construir o jogar e que este se evidencie durante a competição não
é algo fácil. E a riqueza da Periodização Tática é exatamente haver
encontrado um conjunto de princípios metodológicos que ao serem
contemplados vão permitir que tal equipa manifaste essas ideias do
treinador. Agora, se joga bem ou mal isso é outra coisa, porque as ideias
do treinador podem ser umas ideias de merda e por isso jogam mal, e
podem ser ideias excelentes e por isso jogam bem.
(Guilherme Oliveira, citado por. Tamarit, 2013b)

Como o jogar é algo que emerge e não o que apenas se propõe, devemos estar
muito atentos, não somente à qualidade da ideia de jogo, mas também ao modo como
ela é operacionalizada. Por isso, "nem sempre é a ideia de jogo coletiva o motivo de nossos
maus resultados, mas muitas vezes é a operacionalização que não está acertada" (Tavares
citado por. Tamarit, 2013b).

3.4.1 Princípio metodológico das propensões

O jogarfutebol bem
não se ensina, nem
se compra-feito...
Mas aprende-se com "condições-a-jeito':
aqui entra o bom treinador
se este é ojuízo de valor.
(Frade,2014a, p. 41)

Assim como referi, a Periodização Tática está assente em determinados princípios


metodológicos, que interagem fazendo emergir uma lógica e um sentido ao processo.
É através do respeito desta matriz metodológica que o jogar poderá ser desenvolvido,
em todas as dimensões do rendimento, com qualidade e coerência.
Vítor Frade (2013a) afirma que o que se pretende é concretizar a Especificidade,
e que para dar vida a esta pretensão serve-se de princípios metodológicos, que na i:eali-
134 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

dade, como já disse, poderiam ser chamados de "praxiológicos'', porque a práxis (ação e,
sobretudo, nofutebol, ação coordenada para um certofim) que se quer levar a efeito tem uma
lógica, que é deliberada, é condizente com o condicionalismo da ideia que queremos
colocar, com a ideia d,e jogo.
O princípio metodológico das propensões refere-se à modelação dos contextos
de propensão/"exercitação", com o objetivo de criar contextos relativos ao jogar que
se pretende, que possibilitem o aparecimento do que se quer treinar com elevada
frequência.
Ele permite que de facto o caos seja determinístico, isto é, os exercícios (contex-
tos de propensão) criados pelo treinador não perdem a sua natureza aberta, onde os
jogadores são chamados a decidir e a interagir constantemente, conferindo-lhes um
papel determinante. O que ocorre é que mesmo com esta natureza aberta, contendo
o plano do aleatório e do imprevisível em termos de pormenor, é um contexto que,
pela sua configuração inicial e pelo que esta promove em termos de acontecimentos,
permite sobredeterminar determinados propósitos e intencionalidades (facilitando e
catalisando o seu aparecimento) relativas ao jogar que se pretende desenvolver.
A ideia de propensão tem a ver com o facto de proporcionar que o contexto de
"exercitação" seja mais propício ou provável à ocorrência de determinado acontecimen-
to, no caso do treino de futebol, determinada interação e mais especificamente, no
nosso caso, deverá promover o aparecimento de interações condizentes com nossa ideia
de jogo. Daí a ideia de modelar o contexto no sentido de tornar mais provável aquilo
que se deseja que aconteça, fazendo com que o caos seja determinístico, sobredetermi-
nando-o.
O princípio das propensões tem a ver com a contextualização dos propósitos que
se querem alvo de repetição sistemática, sendo que o que se pretende é que as preocu-
pações de momento do treinador apareçam regularmente em treino, em vez de outras
quaisquer, a todos os níveis.
Não se trata de quantificar ações, mas de criar contextos de propensão ricos, que
conduzam a uma determinada dominância de interações relativas ao nosso jogar, de
modo a que isso se repercuta em termos de assimilação, aquisição e somatização de
interações intencionalizadas condizentes com a intenção prévia, sem deixar de ter em
conta o padrão de desempenho e desgaste que caracterizam cada dia do morfociclo
(Oliveira et al., 2006; Maciel, 2010).
Como recorda Tamarit (2013b), para garantir que em cada dia do morfociclo
aconteça efetivamente o que queremos que aconteça - a todos os níveis, é fundamental
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 135

que se produza uma redução sem empobrecimento, ou seja, uma redução sem perda do
padrão identificador.

É graças à Redução Sem Empobrecimento que se asseguram as


dominâncias desefadas para cada uma das unidades de treino. Uma
redução que sendo qualitativa, uma vez que se reporta à complexidade de
um jogar, também é quantitativa. Trata-se igualmente de uma redução
quantitativa, visto que a configuração dos exercícios de treino e o modo
como o jogar é vivenciado (sem perda de Especificidade), requer que o
treinador manipule e articule com parcimónia as seguintes variáveis:
espaço, número e tempo. As quais ainda que quantificáveis, não deverão
ser encaradas como universais nem para difi;rentes equipas, nem para
difi;rentes jogares. Além disso, também elas deverão atender ao princípio
da progressão complexa.
Maciel (2010, p. 11)

O princípio das propensões, aliás é um termo do Popper que eu uso,


significa que o contexto está mais propenso a X do que a Y, porque
normalmente as pessoas dizem, "eu quero que faça isto ou faça aquilo".
Não! Eu quero que ele faça em função de um contexto determinado.
Portanto eu tenho que parir é o contexto, não os comportamentos e isso
é uma confusão do caraças das pessoas. Tenho que articular em função
de como eu jogo, defendo de determinada maneira para poder atacar
de determinada maneira, portanto eu estou preocupado com a transição •
defensiva, com a qfensiva. Portanto eu tenho que criar condições para
que isso se organize de modo mais preferencial, para que haja uma
familiaridade com uma determinada lógica. Portanto o Princípio das
Propensões é isso, é o contexto acontecimental
(Frade,2013b,p.88-89)

Se um treinador quer dominantemente treinar a organização defensiva, concre-


tamente a interação dos jogadores da primeira linha defensiva em bloco baixo, sua
coordenação, posicionamento e timings de pressão, deverá promover um contexto que
esteja configurado para que este tipo de acontecimentos ocorra muitas e muitas vezes,
consoante a configuração da unidade de treino preconizada pelo Morfociclo Padrão e
os propósitos pretendidos.
136 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Exercício hipotético com o objetivo de treinar fundamentalmente alguns aspetos defensivos


da primeira linha defensiva.Jogam o setor de meio campo e o avançado (6 jogadores) contra
os 4 defesas e o guarda redes (brancos). A bola inicia sempre em posse dos vermelhos, que
devem realizar a manutenção da posse da bola, tentando desequilibrar e encontrar espaços
na estrutura defensiva dos brancos, para marcar golos; e quando perderem bola, devem
evitar sofrer golo nas mini-balizas que estão posicionadas no meio-campo

Neste exercício, como o objetivo dominante para os brancos é treinar alguns aspe-
tos da organização defensiva dos jogadores da primeira linha defensiva, por uma razão
lógica, deve-se promover situações em que estes jogadores estejam a maioria do tempo
a defender44 •
Isso é conseguido através da manipulação do contexto, onde as regras impostas,
o espaço de jogo, a duração do exercício, o número de jogadores, o período de recupe-
ração e "exercitação", as intervenções do treinador (como já ressaltei), são algumas das
variáveis que permitem que o treinador modele um contexto, direcionando-o para o
que lhe interessa.
Neste contexto de propensão, pelo facto do treinador colocar sempre a bola em
jogo com os avançados, pelo espaço de jogo ser alargado, e por estarem com uma
desvantagem numérica considerável, a própria configuração inicial do exercício promo-
verá naturalmente que os brancos passem muito menos tempo com bola do que os
vermelhos, e, portanto, estejam predominantemente a defender e a treinar dominante-
mente o que se deseja. Por outro lado, os vermelhos treinam dominantemente propó-
sitos ofensivos do jogar.
Ainda com relação a este contexto que coloquei aqui, reparem que a equipa de
branco após roubar a bola tenta marcar golo numa das mini-balizas, que hipotetica-

44 Não esqueçamos, contudo, os opositores (vermelhos) que deverão igualmente jogar em função do
que se pretende.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 137

mente podem ser colocadas em função de alguns referenciais de saída em profundidade


da equipa, ou de zonas a explorar estrategicamente.
Deste modo, o exercício não se resume apenas e unicamente a defender - ainda
que seja este o objetivo dominante/prioritário para os brancos - pois tal como já apre-
sentei aqui, o jogo é uma inteireza inquebrantável, e, portanto - na medida do possí-
vel (e se for desejável) - deve-se promover a conexão e a articulação de sentido dos
momentos, numa escala macro, meso ou micro. O mesmo vale para os vermelhos, que
neste contexto desenvolvem dominantemente a articulação da organização ofensiva
com a transição ataque-defesa.
Para Mourinho, o princípio metodológico das propensões permite a consecução
da "descoberta guiada45", face à configuração que o treinador promoveu para o exercício:

O trabalho tático que promovo não é um trabalho em que de um lado


está o emissor e do outro o recetor. Eu chamo-lhe a «descoberta guiada»,
ou seja, eles descobrem segundo as minhas pistas. Construo situações
de treino para os levar por um determinado caminho. Eles começam a
sentir isso, falamos, discutimos e chegamos a conclusões.
(Mourinho, citado por. Lourenço, 2004, p. 26)

Em suma, e como coloca Rui Faria (2008), fundamentalmente temos que perceber
que o exercício quando surge já tem que estar configurado de modo a que as interações
intencionalizadas que pretendemos em termos de princípio, de objetivo, se evidenciem,
t
ou seja, quando o estruturamos já criamos condições para que o que pretendemos surja
com elevada frequência.
Isto é o mais importante, é a especificidade do exercício e nós como treinadores,
em função das nossas necessidades é que vamos elaborar e alimentar o exercício de
acordo com determinado objetivo.
Devo destacar, contudo, que o princípio metodológico das propensões não tem
como finalidade propiciar a vivência exacerbada somente da ideia de jogo do treinador
nas suas diferentes escalas (macro princípios, meso princípios e micro princípios), mas
também promover com elevada frequência o aparecimento de um determinado tipo

45 Descoberta Guiada: Método que pretende levar o jogador a descobrir por ele próprio o caminho
concreto em cada exercício e em cada situação, sob a orientação e as pistas do líder. No entanto, o caminho
já está previamente traçado, face à configuração inicial que o treinador cria no exercício (propensões). O que
se pretende é, então, que sejam os jogadores, por eles, a descobrir que caminho é esse, a senti-lo, e assim
com ideias e sugestões, a empenharem-se na realização desse trajeto. É desta forma que todos participam,
todos são responsáveis e todos são responsabilizados. O jogador aprende por ele mesmo, aprende o que
descobriu, o que sentiu, aquilo por que passou (Lourenço, 2006).
138 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

de contração muscular (predominante), da matriz metabólica implicada, determinadas


dinâmicas de desempenho e recuperação, da intensidade máxima relativa a vivenciar e
experenciar, e um conjunto de outras coisas, segundo o dia do morfociclo.
Portanto, o prinçípio das propensões, devidamente articulado com todos os
outros permitirá que a aquisição do jogar se dê em todos os seus níveis. Entretanto,
esta aquisição não ocorre de maneira linear, pelo contrário, é uma aquisição complexa
e espiralar.
Esta realidade conduz-nos para o Princípio Metodológico da Progressão
Complexa.

3.4.2 Princípio metodológico da progressão complexa

Pr'á intenção a irifbrmação


Prévia porque é ideia,
inter!Ndependentes na acção
numa liberdade de mão-cheia...
O que éprincípio
regula e é regulado
sem que saia do ''seu sítio"
quando ao sentir-se acrescentado,
mudando sem ter mudado
o que dele emerge ao emergir
ofaz emergir do que ele tinha provocado,
E sem deste sentir sair
é não linear esta dança
e só assim será bailada,
na complexidade acrescentada
doutra forma nada cresce nada avança.
(Frade, 2014a, p.132)

O princípio metodológico da progressão complexa, tal como o seu nome dá a


entender, trata o fenómeno e o processo como algo necessariamente complexo e não
linear. Manifesta-se em pelo menos dois planos distintos que interagem de maneira
conjunta e em simultaneidade.
A progressão complexa, num nível mais a longo prazo evidencia que a aquisição e
a evolução qualitativa de um jogar dá-se de maneira complexa e não de modo linear, o
que implica que durante o processo de treino se deve ir de menos a mais complexidade,
mas sempre em complexidade, uma vez que estamos lidando com o jogar, que é neces-
sariamente complexo.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 139

Como já disse, esta progressão complexa é espiralar, pois se desenvolve em torno


de um eixo (intenção prévia - ideia de jogo). Trata-se, portanto, de um processo muito
dinâmico que se desenvolve e caracteriza-se por constantes avanços, mas também
retrocessos (devido à não-linearidade do processo) - sem perda de relação com o refe-
rencial que o sobredetermina, que é a ideia de jogo. Devemos construir e alimentar a
complexidade inicial, de modo a que o jogar possa evoluir qualitativamente e aceder a
níveis cada vez maiores de complexidade.
O treinador ao definir quais serão os referenciais coletivos, deverá hierarquizar
prioridades para facilitar a aquisição e somatização da ideia de jogo ao longo do tempo,
ou seja, por mais que sistematize coerentemente a sua ideia de jogo, não poderá passá-
-la, treiná-la, transmiti-la "toda" ao mesmo tempo. É impossível e contraproducente
para o aprendizado. Deste modo, tendo em conta sua ideia de jogo, o treinador deve
saber por onde começar e que caminho deve tomar.
Para isso é imprescindível hierarquizar prioridades (tendo em conta a realidade
em concreto), enfatizar a dominância dos aspetos a abordar, em termos de macro
princípios e meso princípios de jogo~ de modo a que no início do processo comece-
mos com o que é mais fundamental e de uma maneira menos complexa para que os
jogadores possam interiorizar, tendo desde o início e de maneira regular ao longo de
todo o processo, a presença assegurada dos referenciais macro dos quais o jogar se
complexificará.
Isso nos permitirá depois progredir para uma complexidade maior, evitando assim t

a estagnação e possibilitando que o jogar continue a evoluir permanentemente.


Não se trata, portanto, de começar pelo micro, ir para o meso e depois para o
macro. Este é um pensamento completamente desprovido de lógica e sentido, perten-
cente a outra "lógica". A Periodização Tática se afasta por completo deste modo muti-
lador de pensamento.
A Periodização Tática é um fato feito à medida, nela não há receitas em que
tudo vem pré-determinado linearmente sobre como fazer, desde o início ao fim da
época, como acontece com a generalidade das metodologias de treino. Ela promove
uma evolução complexa e de acordo com as necessidades que o processo vai impondo,
porque se refere a algo concreto e objetivável que é o jogar, nos seus variados níveis de
organização (Frade, 2013a).

O princípio da progressão complexa liga com os outros todos.


A progressão assenta em reconhecermos que quando começamos numa
equipa e num processo novo existem determinadas características que
se vão desenvolvendo ao longo do tempo de forma não linear. Ou seja,
140 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

sabemos para onde queremos ir, mas não sabemos à priori como é que
serão as coisas de farma precisa. Não sabemos se a equipa vai dar uma
resposta determinada para os problemas que vamos encontrar e, daí que
a progressão srja complexa! Eu sei para onde quero ir mas como vai
acentecer este caminho é complicado, não podemos prever à priori. É um Jl
caminho que se faz fazendo (tendo sempre em conta o referencial que o 1
sobredetermina, que é a ideia de jogo).
l
(Gomes, 2013, p. 349) l
l
j
Durante o processo existirão momentos em que haverá a necessidade de treinar e
enfatizar certos aspetos da nossa ideia de jogo em detrimento de outros, fazendo evoluir
1
determinadas coisas, voltar e relembrar algumas que se deixaram de fazer (Tamarit, l
;i
2013b). 1
;

Marisa Gomes exemplifica que com o passar do tempo e com a evolução quali-
tativa do seu jogar em certos aspetos, alguns exercícios que em uma fase inicial eram
feitos de uma maneira, num momento posterior, tendo em conta a evolução qualitativa
que a equipa apresentou, estes propósitos devem ser vivenciados em contextos de maior
complexidade e com graus de exigências diversos, de modo a evitar a cristalização e
continuar a alimentar a complexidade do jogar no sentido de promover a sua evolução
ao longo do tempo.

A progressão complexa exprime-se nofacto de começar oprocessofazendo


com que a equipa passe muito tempo sem bola, em inferioridade numérica
- e ainda faço isso. No entanto, hoje já faço isso com componentes
completamente diferentes, para que o grau de exigência srja diferente,
para caminhar para aquilo que realmente quero conseguir.
(Gomes, 2013, p. 351)

No que diz respeito à necessidade de por vezes ter de voltar atrás, Tavares em
entrevista a Xavier Tamarit (2013b) coloca que se a equipa deixa de treinar algumas
coisas importantes durante algum tempo -e isso podem ser três ou quatro dias, ou
uma ou duas semanas-, se o treinador não voltar a incidir naquilo, os jogadores podem
perder aquelas interações intencionalizadas, podem deixar de manifestar os padrões de
interação que caracterizam o jogar, nos diferentes níveis de complexidade.

A jilosefia dejogo e de treino será sempre um processo ímpar de identidade


própria. Munida de conhecimento, cresce e desenvolve-se de acordo com
as necessidades que aprópria imprevisibilidade do processo exige. Torna-
se complexa e cada vez mais à imagem dos seus mentores. A necessidade
obriga a pensar, refletir e divagar incansavelmente sobre uma egera de
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 141

novas ideias, problemas e possíveis soluções. Rapidamente oprocesso fica


mais rico, mais exigente e mais complexo, mas sempre inacabado.
(Faria, 2006)

No fundo, devemos sempre ter em conta as circunstâncias e agir sobre a realida-


de, de modo a tentar atingir níveis de complexidade crescentes sobre a qualidade do
nosso jogar, e por mais que saibamos que existem momentos de retrocesso na evolução
qualitativa de certos aspetos do jogar, devemos ter em conta também, que a Periodiza-
ção Tática possibilita que esta realidade (o jogar) evolua muito mais rápido do que em
qualquer outra metodologia, porque não perde tempo com aspetos acessórios, mas sim
em desenvolvê-lo desde o primeiro dia até o último.
A outro .nível, num plano mais a curto prazo, a progressão complexa se manifesta
na eleição do· que devemos treinar durante a semana e também gere e regula o nível
de complexidade de cada treino nos diferentes dias do morfociclo, promovendo uma
dinâmica de esforço e recuperação coerentes com a nossa lógica.
Treinar significa fundamentalmente estabelecer prioridades ao longo da sema-
na de treinos e também ao longo de uma única unidade. Conforme reflete Marisa, a
natureza do processo fornece indicadores do que o treinador deve valorizar em cada
momento do mesmo. Vamos a um exemplo hipotético: imaginem que no jogo anterior
a equipa não conseguiu expressar a ideia de jogo do treinador ao nível da organização
defensiva, que de um modo muito geral tem como premissa defender à zona pressio-
t
nante, a encurtar os espaços, formando um bloco coeso e compacto numa zona inter-
média, procurando sobredeterminar os instantes em que está sem bola, controlando o
adversário.
No jogo anterior, nomeadamente os dois centrais (habituados a marcarem indi-
vidualmente), ao invés de permanecerem com o bloco defensivo, fornecendo equilí-
brio à equipa, moldaram-se aos movimentos dos avançados rivais, sendo permanen-
temente arrastados para fora do bloco, o que causou muitos desequilíbrios à orga-
nização da equipa, com o desposicionamento e aumento da distância entre linhas.
Portanto, face ao que se pretende (intenção prévia) e ao que decorreu (intenção em
ato), e também o que se perspectiva para o próximo jogo se estabelecem prioridades
semanais.
Neste caso, entendo que o treinador, sem perder de vista o que está para trás
no processo, ou seja, o que se tem vindo a treinar, bem como a relação dessa parte
do jogar com as demais (inteireza inquebrantável, articulação de sentido), deveria
dar ênfase a estes aspetos, que são parte da sua ideia de jogo. Isto é, na organização
defensiva, concretamente na melhora do jogo posicional, na consciencialização da
142 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

gestão da cobertura dos espaços e na manutenção do equilíbrio do bloco defensivo,


tendo como principal referência de posicionamento a bola e não prioritariamente os
movimentos dos rivais.
Portanto, a progressão complexa também se relaciona com isso, na eleição do que
é prioritário naquele período do processo, no que deverá ser treinado durante a semana,
consoante a evolução e os problemas apresentados pela equipa, tendo sempre em consi-
deração o nosso referencial coletivo.
Os exercícios nascem precisamente por esta eleição de prioridades, pelas necessi-
dades da equipa, tendo em vista o que se deseja que ela manifeste como regularidade.
Contudo, não basta estabelecermos as prioridades a serem vivenciadas, há a necessidade
imperativa de saber como fazê-lo.
Nesse sentido, a progressão complexa liga-se umbilicalmei:ite às propensões e à
alternância horizontal em especificidade, porque também tem a ver com a gestão do
grau de complexidade dos exercícios a serem vivenciados durante o morfociclo padrão,
bem como a gestão do foro emocional dos jogadores, de modo a garantir que os joga-
dores sempre estejam em condições de adquirir o que se pretende.

3.4.3 Princípio metodológico da alternância horizontal em


especificidade

O princípio metodológico da alternância horizontal em especificidade


salvaguarda a permanente relação esforçar-recuperar distribuindo
semanalmente diferentes escalas do <jogar>> que pretende para a
equipa. Aborda ao longo da semana diferentes níveis de organização.
Tão importante como o esforçar na aquisição dos princípios de ação
pretendidos é o recuperar para assegurar condições de realização que
permitam a operacionalização aquisitiva dos mesmos.
(Gomes, 2008, p. 141)

A lógica da Periodização Tática é uma lógica que também é diversa da


convencional no que diz respeito aos aspetos (ditos) físicos. Entende que a
contração do músculo caracteriza-se pelo grau de tensão, de duração e de
velocidade da mesma. Embora saibamos que durante qualquer exercício
a contração muscular expressa estas três características de maneira
conjunta (isto é: em toda contração acontece tensão, duração e velocidade),
nós podemos, através da manipulação dos exercícios, evidenciar mais l
uma, ou outra, ou seja, dar dominância de uma em relação às outras,
permitindo incidir mais sobre a tensão, sobre a duração ou sobre a
l

1
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 143

velocidade da contração muscular, um dia e, portanto, maximizá-la,


recuperando assim as estruturas utilizadas nos outros dias.
(Tamarit, 2013b, p. 93)

Então, este princípio da alternância horizontal em especificidade


resulta do reconhecimento de que ojogar (cultura da equipa) emerge do
entranhar das pessoas umas nas outras. Só que as pessoas são biologia,
são emoções, são sentimentos e têm determinadas limitações. Portanto
fazer o entranhar de jogadores sempre da mesma maneira faz com que
exista um cansaço e uma fadiga que limita toda evolução do processo.
Todos conhecemos a condição biológica fundamental que nos indica que
quando nos desgastamos precisamos de recuperar. Por isso, se queremos
aprender (adquirir) algo todos os dias do processo, temos um desgaste
porque ninguém aprende sem se desgastar. E se ninguém aprende a
jogar sem praticar, logo este praticar provoca o desgaste e a fadiga que
temos que gerir. Assim, com o princípio da alternância horizontal em
especificidade balizamos os dias que medeiam as duas competições de
acordo com um padrão de incidências diferentes em cada dia. Falamos do
morfaciclo, logo, é um padrão de incidências (finalidades) do nosso jogar
- Especificidade. E, portanto o princípio da alternância horizontal em
especificidade orienta-nos na questão: ''quero desenvolver o meu «jogar>> e
por isso, o que possofazer em cada dia para que os meusjogadores estejam
sempre nas melhores condições para poderem competir no domingo?".
(Gomes, 2013, p. 322) •

Concomitantemente e justamente por pretender uma aquisição sistémica do jogar,


a Periodização Tática tem a preocupação de manter uma regularidade semanal relativa-
mente à alternância dos diferentes padrões de desempenho-recuperação, uma vez que
não é possível em termos biológicos manter ininterruptamente o Corpo a esforçar-se
dentro do mesmo registo, solicitando todos os dias as mesmas dimensões do jogar.
Para se conseguir esforçar é necessário que se esteja em condições, isto é, descansar
e recuperar (o que também não significa não treinar).
Sabemos que o treino é condição fundamental para que a incorporação do jogar
e o desenvolvimento da sua dinâmica aconteçam, fazendo com que a equipa venha
a jogar melhor. Entretanto, para que se possa jogar melhor, existe a necessidade de
se ter condições para fazê-lo da melhor maneira possível, tanto em treino como em
competição.
Por isso, ao fazer os jogadores vivenciarem e experenciarem sempre a mesma esca-
la de solicitações, o treinador estará a promover, na continuidade deste padrão, uma
144 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

sobrecarga, uma massificação das mesmas estruturas morfológicas, funcionais, psicoló-


gicas, hipotecando, portanto a possibilidade de haver aquisição e somatização de aspe-
tos relevantes ao jogar - devido à Fadiga46 e ao Desgaste47 gerados por tal sobrecarga;
bem como de se estar nas máximas condições de disponibilidade (funcional, bioener-
gética, etc., etc.) para ~ompetir. Estas afirmações são asseguradas pelo ciclo. de auto
renovação da matéria viva48 •
O professor Vítor Frade, há mais de 30 anos, reconhecendo que para além da
competição, o treino de futebol também promove um Desgaste significativo no Corpo,
e tendo em conta o desafio de ao longo da semana ter de treinar o jogar sem provocar
um Desgaste limitador à evolução deste processo, e sem perder de vista a necessidade
de ter a equipa recuperada e disponível para competir em alto nível, refere o princípio
metodológico da alternância horizontal em especificidade.
Um princípio metodológico que promove uma dinâmica de incidências que
permite que a equipa esteja em condições de adquirir treinando e também de competir
em alto nível nas máximas condições do rendimento. É possível alcançar isso alternan-
do, em cada sessão de treino, entre um jogo e outro, o padrão de solicitações no que se
refere à: complexidade dos contextos de propensão subjacente à porção do jogar que é
vivenciada (macro princípios, meso princípios e micro princípios); padrão de contração
muscular dominante; dimensão estratégica.
Importante referir que as contrações musculares são caracterizáveis por três tipos
de indicadores fundamentais: a velocidade da contração das fibras musculares impli-
cadas, a duração deste tipo de contração e o nível de tensão levado a efeito durante a
contração muscular49 •

46 Fadiga: Utilizarei a palavra Fadiga com a primeira letra em maiúsculo, para evidenciar a noção de que
a Fadiga não pode ser separada em central (mental) e fisiológica. Trata-se de uma noção íntegra que não
pode ser separada, pois ambas caminham juntas e se inter-relacionam. De salientar também que o adqui-
rir e o Fadigar estão intimamente relacionados, "só há treino se há fadiga" (Frade, 2013a). Para que haja
aquisição há a necessidade imperativa de haver Desgaste, daí que a sua gestão deva ser feita com muita
coerência e sensibilidade. Gomes (2013) dá-nos uma definição bastante clara sobre a noção de cansaço
(Fadiga, Desgaste) quando refere que quando um jogador está cansado não está cansado só "biologicamen-
te". Um jogador pode estar cansado quando as circunstâncias estão a acontecer e ele não tem capacidade
para intervir sobre elas como normalmente o faz. Portanto, o cansaço muitas das vezes pode manifestar-se
no jogador que normalmente antecipa e que passa a não antecipar.

47 Desgaste: idem ao anterior, entretanto refiro-me à noção de Desgaste.

48 Ciclo de auto renovação da matéria viva: Esta postulação será abordada com maior profundidade
posteriormente.

49 Contrações Musculares: Ao longo do livro e a título de ilustração e didática caracterizarei os tipos de


contrações musculares por bolinhas coloridas, que correspondem à dominância das mesmas: velocidade
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 145

De imediato sinto a necessidade de deixar claro que tensão da contração muscu-


lar não é igual a força, que duração da contração muscular não é igual a resistência e
que velocidade da contração muscular não é igual a "velocidade". Aquele que procurar
compreender a Periodização Tática com "olhos convencionais" estará muito longe de
entender a sua lógica, e não nos referimos somente aos aspetos ditos físicos (Tamarit,
2013b).
A alternância horizontal em especificidade refere que há uma invariância de
preocupação (a operacionalização da ideia de jogo - Especificidade), mas a escala
em que isso acontece é que vai sendo diversa (especificidade, com "e" minúsculo,
portanto).
Isso permite que os jogadores cheguem ao dia do jogo devidamente recuperados
(ainda que durante a semana treinem também de maneira aquisitiva), porque durante
a semana ao promover uma alternância de dominância ao nível do tipo de contração
muscular predominante, da complexidade dos exercícios e a intensidade máxima relati-
va implicada para a realização destes (para além do respeito dos tempos de "exercitação"
e recuperação, tal como veremos no próximo ponto), não se massacram as mesmas
estruturas implicadas no jogar, isto é, há uma alternância, mas é uma alternância hori-
zontal, porque é feita ao longo da semana, de dia para dia, e não durante a mesma
unidade de treino.
Sendo assim, a alternância dá-se em diferentes níveis, e como já vimos, o "físico"
não é um "físico" qualquer, é um "físico" Específico do jogar e que se caracteriza pelas
variáveis da contração muscular e pelo emaranhado bioenergética requerido para a
manifestação regular de dito jogar, distanciando-se desta maneira do "físico" entendido
convencionalmente.
A conjugação deste princípio metodológico com os demais, não só evita que haja
uma massificação das mesmas estruturas do jogar (nas suas múltiplas dimensões), como
inclusivamente permite maximizá-las. Para além disso tal conjugação permite-nos
resolver a seguinte questão:

Como o nosso objeto de estudo -ou de preocupação- é o todo, a tendência


da contemplação da complexidade é o privilégio da incidência sobre o
todo. Mas o todo é feito de partes e até que ponto a impossibilidade

), tensão (e) e duração (e). O amarelo (velocidade) e o azul (tensão), são cores primárias que
juntas dão o verde (duração), isto é, a duração não existe por si só, ela emerge da relação deste azul e
deste amarelo, e quanto melhor for esta mistura, esta relação, melhor o verde irá emergir. Este "verde"
reporta-se à densidade e maior frequência de ocorrência do padrão de contração implicado na concre-
tização do jogar.
146 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

empírica de ter em mãos, sempre, ograu defadiga de todos os indivíduos


e, portanto, o grau de possibilidades evolutivas pode permitir a efetiva
maximização do todo como todo? A partir de certa altura alguns dos
elementos possam estar a definhar e não estarem a evoluir então, eu
tenho que contemplar isso e é através do levar à prática do princípio
da alternância horizontal em especificidade, e horizontal porque é ao
longo da semana. Mas eles não podem ser vistos isoladamente, têm de
ser vistos conjuntamente.
(Frade, 2013a p. 418-419)

Assim como Frade coloca, os princípios metodológicos apesar de poderem ser


conceitualizados individualmente, não podem ser corretamente entendidos, vistos
e muito menos operacionalizados de maneira separada. Pelo contrário, vistos desta
maneira deixam de fazer sentido, porque a lógica da operacionalização do jogar emerge
de um padrão de conexões dos princípios metodológicos, uma articulação de sentido
com um sentido.
A interação promovida pelos três princípios gera um padrão de conexões, uma
matriz processual que fornece uma lógica que se personifica na repetição sistemática
do morfociclo (pela sua manifestação e vivência continuada), isto é, do morfociclo
padrão.

3.4.4 Morfociclo padrão

Para mim o grande problema e eu costumo brincar e digo que a


Periodização Tática só precisa de uma coisa: É de gajos inteligentes e
apaixonadospor ela. Ela o que necessita é do entendimento aprofundado
da frente para trás, de trás pra frente, da direita para a esquerda, da
esquerda para a direita, de cima para baixo, de baixo pra cima do
morfociclo. Porque o morfociclo é a representação desta complexidade
toda ali contida, e isto depois é extravasável inclusivamente para a
formação.
(Frade, 2013a, p. 427)

Morfociclo
aforma da forma
o macro princípio
a norma...
Mecanismo não-mecânico
flexível e titânico
de dinâmica espec(fica,
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 147

colectivamente contextualizada
alicerce da diversidade espontânea,
individualizada ...
E com outras simultânea
fortalecida e não raquítica.
(Frade,2014a,p.156)

Para além de estabelecermos um comprimento de onda único, no que se refere


à conceituação dos princípios metodológicos, importa perceber como estes princípios
são devidamente operacionalizados, pois é a partir da operacionalização que um jogar
ganha vida, se torna mais complexo e se desenvolve.
Para a Periodização Tática, o desenvolvimento do jogar deve-se fazer a partir
do respeito ininterrupto do morfociclo padrão, durante toda a época, inclusivamente
durante o período dito "preparatório"50 (em que não há competição formal), assumin-
do-se, portanto, como o núcleo duro do processo de treino.

Morfociclo Padrão
(Jogo Domingo a Domingo)
Operacionalização Aquisitiva Recuperação
JOGO Folga Recuperação r-- da Organização de Jogo ---i Direcionada JOGO

Domingo 2ª Feira Sª Feira Sábado Domingo

D=D+ [] + +O+D
Morfociclo Padrão.

O morfociclo padrão é aquele período, ou aquele ciclo que se identifica pela


presença de dois jogos separados, no espaço de uma semana, tendo, por exemplo, jogos
de domingo a domingo, que ao ter sua lógica e matriz respeitada ininterruptamente,
todas as semanas, afigura-se como um padrão.

50 "Período Preparatório": Refiro período "preparatório" entre aspas porque "na Periodização Tática operío-
do preparatório não é preparatório de nada, esse período que antecede o quadro competitivo oficial, não é prepa-
ratório de nada porque o período competitivo é também preparatório, porque está sempre com essa preocupação de
preparar' (Frade, 2010, p. 103). Nunca é demais reforçar que esta permanente preocupação de preparar se
faz através do respeito pelo Morfociclo desde a primeira semana de treinos.
148 >JULIANBERTAZZOTOBAR

A palavra morfo, de acordo com o dicionário Priberam, exprime a noção de forma;


ciclo encerra o significado de um fenómeno periódico que se efetua durante certo espa-
ço de tempo, enquanto que padrão significa algo que existe sempre, mas comporta uma
variabilidade que não cpmpromete a :finalidade e permite a possibilidade de ajustamen-
to (Gomes, 2013).
Nesse sentido o morfociclo significa a morfologia e a morfogénese da adapta-
bilidade do jogar ao longo de um ciclo (entre dois jogos). Caracteriza um padrão que
apresenta uma dada farma representativa do todo, o jogar e a somatização condizente.
Forma essa, que ainda que diferente a diferentes escalas, mantém-se relativamente está-
vel nos princípios maiores. "Permite com base numa periodização jogo a jogo fazer emergir
e dar vida ao jogar a que se aspira" (Maciel, 2011b, p. 13).
Daqui fica muito fácil perceber que a noção de morfociclo padrão se distancia
da lógica convencional, de micro, meso e macrociclo(s). O microciclo é um pequeno
ciclo, enquanto que o meso e o macrociclo referem-se a escalas temporais mais alarga-
das. Estas nomenclaturas diferem porque nada têm a ver com a forma (a que aqui nos
referimos, um desempenho concreto), elas variam justamente porque os seus objetivos
e preocupações alteram-se de semana para semana, meses, semestres (desenvolvimento
das ditas capacidades condicionais), enquanto que para a Periodização Tática, o objetivo
central é sempre o mesmo, do início ao fim, desenvolver o jogar que se pretende (uma
forma complexa e dinâmica); promovendo uma dinâmica de incidências que permite
que a equipa e os jogadores estejam em condições de adquirir treinando, respeitando
uma lógica de desempenho e recuperação, assegurando, portanto, que todos estejam nas
melhores condições possíveis para competirem ao alto nível, durante todas as semanas
da época, por isso não varia na sua morfologia.
Nessa direção, a Periodização Tática difere da maioria das metodologias de treino
porque outras conceções colocam a dimensão física no topo das necessidades, operacio-
nalizando-a através de um planeamento, tal como referi, a curto, médio e longo prazo
(micro, meso e macrociclos).
Este tipo de trabalho preconiza a oscilação de desempenhos, através do efeito
retardado das cargas, onde se procura atingir picos de forma ("física'') para que em deter-
minados períodos da época a equipa atinja o seu pico de forma ("física''), objetivando
a obtenção de vantagem significativa sobre os seus adversários. Durante este processo,
planea-se a aquisição, manutenção e perda da "forma física'' ao longo de uma época
(Matveiév, 1986 citado por. Gaiteiro, 2006), estando a operacionalização de um jogar
relegada a um segundo (ou terceiro) plano.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 149

Usualmente estes ápices "físicos", "picos de forma" são planeados para que ocor-
ram nas meias-finais, final de determinada competição, jogos importantes, playeffi, etc.
Contudo, os picos de forma estão associados a periodizações de treino para despor-
tos individuais, com grande tempo de preparação e um período competitivo reduzido
("periodização olímpica''), não traduzindo, portanto, a realidade do futebol, um despor-
to coletivo com um longo período competitivo e um curto período de preparação sem
competições.
Parece estranho planear chegar "bem'' a uma final, orientando todo o processo
em função disso (do início ao fim), admitindo quebras e decréscimos de rendimento
durante o processo, até porque para chegarmos às fases finais de uma competição temos
de vencer os jogos anteriores! Não seria necessário jogar bem e nas máximas condições
de disponibilidade para o desempenho, para vencê-los?

Eu não quero que a minha equipa tenha picos de farma ... Não posso
querer que a minha equipa oscile de desempenho! Quero sim que esta se
mantenha sempre em patamares de rendibilidade elevados. Porque não
há jogos ou períodos mais importantes do que outros. Todos os jogos são
para ganhar.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.100)

Parece incoerente assumir que em determinados momentos da época a equipa


estará mal, e não renderá o esperado, considerando más exibições como uma coisa a ser
plenamente (e "cientificamente") normal e esperada.
Definitivamente, numa realidade como o futebol em que se compete excessi-
vamente, sempre almejando vitórias, a conceção defendida pelas periodizações mais
convencionais tanto teoricamente como na prática não se justifica, até porque a maioria
dos campeonatos hoje em dia são de pontos corridos, isto é, o primeiro jogo tem exata-
mente o mesmo valor do último jogo do ano: três pontos.
Assim como já referi, a Periodização Tática refuta a lógica convencional, ao colocar
a ênfase na operacionalização do jogar, nos seus níveis de organização, tendo como base
operacional e conceptual outra lógica de orientação, que se pode dizer transgressora.
Preconiza-se estar sempre no topo das prestações para se competir em alto nível,
através da otimização estabilizada do rendimento. Desta maneira, a Periodização Tática
apresenta-se como alternativa viável para aqueles que aspiram a estar e a não sucumbi-
rem às exigências do rendimento superior (Maciel, 2010).

A Periodização Tática rompe metodologicamente com o que sefaz, ofaco


centra-se desde oprimeiro dia na intensidade (de qualidade, ou sefa, no
150 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
,
desempenho manifesto na vivenciação e aquisição de um jogar) e não
no volume (enquanto capacidade condicional). Na Periodização Tática
o volume só faz sentido se for um volume de qualidade, um volume
de intensidades, ou melhor ainda, um volume de intencionalidades
(diferentes níveis de determinada intencionalidade), que deve contudo
desde o início do processo assumir uma pesagem relativa, semanalmente
ou nos ciclos entre jogos, e próxima daquela que deverá estar presente ao
longo de toda a época. Este facto torna a existência e o cumprimento do
morfociclo padrão uma premissa fundamental Nesta forma de entender
o treino procura-se não os ditos "picos de forma': mas antes níveis de
desempenho elevados, ou seja, patamares de rentabilidade que permitam
que a equipa mantenha um nível de funcionalidade, de adaptabilidade
e de interação eficaz e ifiâente, isto é, sem que hipoteque a manifestação
da matriz que a identifica como equipa. Deseja-se deste modo, que uma
determinada Intencionalidade que se quer regular, estabilize, e não que
oscile ao longo da época.
(Maciel, 2010, p.1-2)

Através do correto entendimento e operacionalização do morfociclo padrão


(e do treinador ter qualidade ao nível das suas ideias), promove-se uma regularida-
de de desempenho que possibilita à equipa e aos jogadores estarem permanentemen-
te a evoluir, uma "estabilização sem cristalização", como refere Maciel (2010), onde
o cumprimento desta estabilização otimizada só se pode fazer, como já disse, tendo
por base o respeito e a repetição sistemática do morfociclo padrão ao longo de todo o
processo, da primeira à última semana de treinos.
É ele, que através da sua lógica, permite sempre que haja uma evolução qualitati-
va na equipa e nos jogadores, que salvaguardando a relação desempenho-recuperação
maximiza os níveis de desempenho da equipa, coletiva e individualmente.

Podemos assim dizer que a estabilização de um patamar de rendibilidade


ótimo se consegue a partir da institucionalização de um padrão semanal
de treino - relativo aos conteúdos, à recuperação, aos regimes, ao número
e duração das unidades de treino - e a sua estabilização. No fundo,
trata-se de construir uma dinâmica semanal e de a manter ao longo da
época, desde operíodo dito preparatório.
(Oliveira et al, 2006, p.101)

Como coloca Frade (2013), o Morfociclo é um ciclo que tem parecenças com o
ciclo seguinte e com o anterior, em função da forma e, portanto, ao assumir-se como
regularidade metodológica (núcleo duro do processo de treino), deve ser entendido à
luz de uma organização fractal.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 151

Padrão Anual
Padrão Mensal
Janeiro
Janeiro Fevereiro ... Dezembro

Padrão Semanal

Fractalidade do morfociclo padrão.

Nos morfociclos
contidos,
uns dos outros são discíp'los
se uns nos outros imbuídos,
e só quando é este o modo
de a eles ter acesso, •
jogando...
a periodização sefaz no processo
como prática,
duma cultura tática
aculturando...
p'ro futebol um jogar,
e nele se emancipando
ao jogá-lo p'ra ganhar.
Vítor Frade

O reconhecimento do facto de ser o ciclo entre jogos (a sua qualidade) a


direcionar oprocesso, reforça ainda mais a íntima relação existente entre
treino e competição. Desde logo, os momentos formais de competição são
os testes cruciais que melhor permitem ao treinador eferir a congruência
ou não daquilo que a equipa manifesta efetivamente e aqueles que são
os seus intentos. É em função dessa avaliação qualitativa do processo,
que o treinador vai configurar semana a semana a operacionalização
152 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

do seu jogar, nuanciando-o consoante as necessidades circunstanciais, as


quais se detectam tendo por base aquilo que se verificou no jogo anterior
e aquelas que se perspectivam vir a ser as exigências do jogo seguinte.
E claro está, tendo sempre como suporte não somente o nosso jogar, mas
também o padrão semanal adotado para ofazer emergir. Depreende-se
daqui, que é a competição que determina a configuração.dos morfociclos.
Uma configuração que mantendo a sua matriz, varia a nível da sua
''essência': isto é, a nível do conteúdo experienciado nas difêrentes sessões
de treino, ainda que tal se verifique apenas num plano micro e sem perda
de referência relativamente ao plano macro do jogar. Trata-se de uma
redução sem empobrecimento, em que as nuances ao longo dos vários dias
vão conferir à operacionalização do processo uma maior incidência sobre
níveis de organização difêrentes do nosso jogar. Importa ressalvar, que
mesmo no dia em que estão mais presentesfrações maiores do nosso jogar
(macro princípios}, se verifica a necessidade de reduzir sem empobrecer
em função das prioridades estabelecidas para aquele morfociclo e de modo
particular para aquela sessão de treino. Na Periodização Tática não há
lugar às tradicionais "peladas". Por isso, mesmo a vivência dos macro
princípios assume, pela configuração do exercício e pela intervenção do
treinador, uma determinada dominância a qualpermite que a vivência
dojogar nesse dia se centrepredominantemente nos aspetos que otreinador
entende mais relevantes naquele ciclo entre jogos, moldando deste modo
aquela unidade de treino com o intuito de registar maior propensão de
ocorrência de interações relativas a determinadas dimensões do nosso
jogar, sem que contudo se perca as ligações ao todo. Uma fractalidade que
sendo maior, também não leva àfatalidade.
(Maciel, 2010, p. 8)

Tal como colocou o professor Vítor Frade na introdução deste capítulo, o morfo-
ciclo padrão é a pedra filosofal da operacionalização do jogar, e o seu total entendimen-
to é fundamental para que se perceba o que de facto a Periodização Tática significa.
Para melhor compreensão do morfociclo necessitamos de desvendar os. fatores
que justificaram o nascimento desta forma de organização do processo de treino, isto é,
importa que entendámos o que de facto caracteriza a competição e as suas implicações
para o processo de treino.
Primeiramente, tentaremos entender o jogo de um ponto de vista mais fisiológico
e depois vamos ao que é de facto o maior balizador para a estruturação do morfociclo
padrão, tal como ele é.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 153

3.4.4.1 Jogo de futebol: implicações a nível metabólico. O que é de


facto relevante promover em treino?

É importantíssimo esclarecer que durante a abordagem a este capítulo irei apre-


sentar algumas características do jogo de futebol do ponto de vista fisiológico que julgo
pertinente para a conveniente operacionalização do treino.
Como já disse, a Periodização Tática é um fato feito à medida, onde cada processo
e cada jogar é singular, e, portanto, Específico (a todos os níveis, fisiológico incluído).
Nesse sentido, cada treinador é livre para escolher o tipo de "combustível" de que
a sua equipa dominantemente se servirá para competir, portanto, torna-se pertinente
salientar que as minhas interpretações e sugestões estarão pautadas em aspetos que por
norma entendo ,serem caracterizadores de um jogar de qualidade. Não devemos esque-
cer que o mais relevante é atender à matriz metabólica que o jogar requisita (afinal, a
Periodização Tática é uma forma de treinar e não uma forma de jogar).
Importa também referir que independentemente da escolha da matriz metabólica
que emergirá no desenvolvimento e na manifestação do jogar, a Periodização Tática
tem o poder de potenciá-la, seja ela qual for.
Recentemente, algumas pesquisas revelaram que apesar de o jogador de futebol se
deslocar mais de 9 km por jogo, a fase "ativa" da partida, onde de facto o jogador atua
e decide o jogo de futebol (tanto defensiva como ofensivamente) é disputada em uma
metragem inferior a 1,5 km, sob "alta intensidade"51 (Di Salvo et a!, 2007).
O futebolista permanece a andar, a caminhar, ou a trotar a baixa intensidade52
cerca de 80% a 85% do jogo (Bangsbo, Mohr & Krustrup 2006). Nesta fase ("passivà'),
é o momento em que os jogadores apesar de estarem a jogar, não estão envolvidos
em ações decisivas. Neste momento os futebolistas recuperam dos estímulos fortes,
intensos, dinâmicos e especialmente ultracurtos que compõe a fase "ativa" do futebol
(Sargentim, 2012), que de acordo com Di Salvo et a!. (2007) corresponde a somente
9% do tempo do jogo.
A respeito desta realidade, Maciel (2011c) refere que apesar de dominantemente
as análises quantitativas ao tipo de esforço registado no futebol (estudos Time Motion),
salientarem a dominância (temporal - quantitativa) das vias aeróbias, tendo por base

51 Alta intensidade: Neste caso, assim como aponta Maciel (201 lb ), o termo "alta intensidade" em termi-
nologia convencional está conotado com as capacidades anaeróbias, o que não significa necessariamente o
mesmo com a Periodização Tática.

52 Baixa intensidade: Este termo, em terminologia convencional está conotado às capacidades aeróbias
(Maciel, 2011b), o que não significa necessariamente o mesmo com a Periodização Tática.
154 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

uma análise qualitativa do padrão de esforço subjacente à prática do futebol, conclui-se


que as ações (na verdade interações) mais relevantes e preponderantes são levadas a
efeito tendo como base a via anaeróbia alática.
Penso que esta ~onstatação é de extrema relevância para o treino, dado que mesmo
tendo em conta que o futebol é um desporto intermitente que contempla a solicitação
das várias vias metabólicas 53 em simultâneo, se são as de mais alta intensidade a nível
fisiológico (metabolismo anaeróbio alático) que se assumem como determinantes na
generalidade das ações relevantes, deverá ser sobre estas que dominantemente o treino,
seja com caráter de recuperação ou aquisitivo, deverá incidir, uma vez que a sua finali-
dade será induzir nos organismos uma adaptabilidade tal que lhes permita dar resposta
e possibilidade de lidar eficazmente com uma elevada, isto é, muito frequente estimu-
lação destas vias metabólicas, sem socorrer-se dominantemente de outras vias, que têm
menor potência, como a oxidativa e a anaeróbia lática, embora isso dependa de como o
treinador queira que a sua equipa jogue.

53 Vias metabólicas: De acordo com Santos (citado por. Tamarit, 2013b, p.120), "devemos ter em conside-
ração que os sistemas metabólicos são geralmente classificados em três tipos: a) Sistema anaeróbico alático ou sistema
dosfasfagênios (ATP efasfacreatina - CP) recorre àsfantes imediatas defarnecimento de energia, sendo também as
mais potentes (maior aporte energético por unidade de tempo) encontrando-se associada dominantemente a desem-
penhos de elevada intensidade metabólica e de curta duração. b) Sistema anaeróbico lático ou sistema glicolitíco ou
glicólise, recorre aos hidratos de carbono como substrato energético, sendo a produção de energia resultante do desdo-
bramento do glicogênio (forma de armazenamento dos hidratos de carbono nas células) em ácido lático (daí lático},
num processo designado de glicólise que ocorre ao nível do citosol ''sem" intervenção direta do oxigênio (neste processo
em especifico}, daí ''anaeróbico''. Importante referir que embora "não haja'' intervenção direta neste processo
específico, por parte do oxigênio, ele é fundamental para a boa funcionalidade deste mecanismo, tanto à
priori, como à posteriori (reestabelecimento das reservas energéticas, remoção de metabólitos, etc.)- para
um entendimento mais aprofundado, recomenda-se a leitura integral de Billat (2013). Em termos energéti-
cos é mais eficiente que os fosfagênios, pois farnece maior quantidade de energia em termos absolutos, mas é menos
potente, pois requer mais tempo para ofazer. Encontra-se dominantemente implicado em desempenho de elevada
intensidade, mas não máxima, e com uma duração relativamente considerável (ainda que curta). Apesar de ser
capaz de grande produção de energia tem como grande consequência a acentuação da acidose metabólica devido à
acumulação de ácido lático o qual é contraproducente quando se desefa alcançar desempenhos de qualidade. c) Siste-
ma oxidativo ou aeróbio, processo metabólico que decorre a nível mitocondrial (nas mitocôndrias} responsável pela
produção de energia celular tendo como interveniente o oxigênio (daí aeróbio) através da oxidação mitocondrial
da glicose (derivado armazenado resultante dos hidratos de carbono}, dos lipídeos (ácidos gordos} e inclusive dos
aminoácidos (proteínas). Trata-se do sistema metabólico menos potente, mas simultaneamente o de maior capaci-
dade absoluta, encontrando-se por isso bastante associado a desempenhos de duração mais prolongada''.
Importa realçar que embora seja importante caracterizar "cada um" dos diferentes tipos de vias metabólicas
separadamente, nenhum destes sistemas funciona de forma isolada e em linearidade. Todos estão implica-
dos e inter-relacionados, funcionando e interatuando conjuntamente, em não-linearidade, independente-
mente do tipo de desempenho requisitar preponderantemente mais um do que outro ou outros, verifica-se
sempre a sua implicação concomitante ainda que em graus de implicação diversos.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 155

Como já disse, na minha opinião, por norma um jogar de qualidade deve ter
dominantemente esta característica e é dentro desta lógica que abordarei este capítulo.
Contudo, o mais relevante é atender à matriz metabólica que o jogar requisita e
essa assenta numa interação determinada das vias metabólicas no momento da concre-
tização do jogar. Repito, a Periodização Tática é uma metodologia de treino e não uma
ideia de jogo!

Trata-se portanto, de em termos biológicos coriferir ao organismo uma


maior efi,cácia a qual lhe permite após ser submetido a um estímulo
intenso reestabelecer os seus índices basais rapidamente, o que por
conseguinte possibilita que o organismo consiga suportar esforços às
expensas das vias metabólicas anaeróbias aláticas com muito maior
densidade e sem que tal seja acoplado, ou exclusivamente sustentado
noutras vias metabólicas (ainda que paradoxalmente elas não
funcionem em separado} devido à fadiga induzida e não respeito pelos
devidos tempos de repouso.
(Maciel, 2011c, p. 4)

Assim como refere Maciel no excerto anterior, tal feito é passível de ser alcançado
através de uma gestão acertada e coerente do binómio desempenho/recuperação duran-
te o processo de treino. Importantíssimo referir que apesar da ênfase colocada nas vias
anaeróbicas e de modo mais destacado nos fosfagênios, não quero com isso transmitir
a ideia de que a via aeróbia é irrelevante no futebol.
Devemos através da operacionalização continuada do morfociclo padrão otimizar
a gestão do desempenho e da recuperação de modo a que os jogadores estejam plena-
mente em condições de disputarem a competição nas suas melhores condições possí-
veis. Nesta direção, o respeito pelo ciclo de auto renovação da matéria viva (também
chamada Lei de Roux, Arndt Schultz) afigura-se fundamental.
O ciclo de auto renovação, desde que visto com os óculos da complexidade permi-
te que o organismo aceda a níveis de desempenho e complexidade cada vez maiores, tal
como tentarei evidenciar nas linhas que se seguem.
Segundo Maciel (2011c), a ideia de auto renovação vai ao encontro da essên-
cia da evolução dos sistemas complexos (jogadores, equipa), os quais somente quando
se encontram a funcionar na fronteira do caos podem fazer emergir novas ordens de
complexidade (progressão complexa).
A este respeito, e estando a Periodização Tática vocacionada para o rendimento
superior, importa reconhecer, conforme explica Vítor Frade, que a fenomenologia do
rendimento superior é complexa. Trata-se de uma problemática complexa, logo, a lógica
156 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

de evolução do "processo" dentro de tal problemática, terá de assentar numa estratégia


de progressão complexa (princípio metodológico da progressão complexa).
O ciclo de auto renovação da matéria viva refere que o organismo, quando subme-
tido ao esforço fadiga as suas estruturas: ''A célula glandular, assim como a fibra muscular
e a fibra nervosa, se desgastam quando trabalham e ocorre um esgotamento, 'fadigam". O
trabalho exige um gasto de substâncias altamente energéticas, tais como o glicogênio, a creati-
nafosfato e a adenosina tri-jàsfato (ATP)" (Langlade & Langlade, 1977).
Daqui podemos depreender que não são apenas os músculos e as células glandula-
res que dependem do ATP para funcionar, mas também o cérebro afigura-se como um
órgão gluco dependente, sendo um dos principais consumidores de energia do organis-
mo humano (Maciel, 201 lc). Neste livro já falei a respeito da importância do ATP não
só como gerador de energia, mas também como transmissor de informação.
Assim como refere Santos (s/d), a eficácia continuada da via metabólica anaeróbia
alática (quando geralmente se decidem os jogos) está claramente dependente da dispo-
nibilidade frequente de ATP no organismo.

Se este elemento estiver minimizado depreende-se que a funcionalidade


do sistema fica condicionada, pois a informação por ele veiculada não
será a mais condizente com a des(:jada, e por conseguinte vai induzir
uma estimulação dominante das vias metabólicas que não se ajustam
ao jogar destjado. Este elemento em menor quantidade no interior das
células, vai estimular as vias metabólicas ditas de menor potência, pois
são aquelas que requisitam menor quantidade de aporte de ATP por
unidade de tempo, logo se hápouco, gasta menos, economiza recorrendo a
metabolismos de mais baixo consumo por unidade de tempo.
(Maciel, 201lc, p. 2)

O ciclo de auto renovação da matéria viva refere que quando se executa um dado
exercício algumas vezes seguidas, após um determinado tempo, o indivíduo sente a
fadiga. Desta maneira estes indivíduos necessitam de descansar.
No entanto, o repouso depois de um exercício e da fadiga, não é um mero esta-
do de repouso, não é um momento de paralisação metabólica ou orgânica. É durante
este momento que, segundo investigações, o órgão ou o organismo fadigado absorve
avidamente oxigênio, que alimenta as estruturas fadigadas e as ajuda, substituindo as
substâncias usadas por novas.
Trata-se de um "efeito detonador" por parte do oxigênio, que sujeita o glicogênio
a uma combustão biológica, libertando a energia química necessária para a re-síntese e
reconstituição da creatinafosfato (CP) e do ATP (Langlade &Langlade, 1977).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 157

Penso que estes aspetos são de grande importância para uma conveniente e
coerente operacionalização do treino, seja ele de dominância aquisitiva ou recuperativa.
Desde logo se refuta a ideia de que para recuperar se deve atuar fundamentalmente
sobre a via oxidativa, mostrando que independentemente da via metabólica dominan-
temente utilizada e responsável pela fadiga todas requisitam a oxigenação das células
para funções de realimentação, de remoção de metabólitos e de restabelecimento dos
valores basais do organismo (Maciel, 2011c).
É precisamente este momento (processo de recuperação - durante e entre exercí-
cios e sessões de treino) -quando devidamente respeitado- que permite que a matéria
se renove, podendo aceder, inclusivamente, a níveis de funcionalidade superiores ao que
se encontrava antes de haver realizado o dado desempenho (fase de supercompensação
ou exaltação).

No caso desses exerczczos extremamente breves, o V02máx não


desempenha qualquer papel no gesto propriamente dito, mas vai
condicionar a recuperação após o eiforço. Num gesto explosivo desse
tipo, a contração muscular é possível graças à disponibilização muscular
imediata do substrato energético do músculo, as moléculas de adenosina
trifosfato (ATP).
No caso dos eiforços superiores a dois segundos, o ATP deve ser renovado
para permitir a continuidade do eiforço. Para fazer isso, três vias
metabólicas entram em ação de farma sincronizada nos músculos.
A primeira é a oxidação dos açúcares. A segunda é a fermentação dos •
açúcares (produz ácido lático, cuja acumulação é pnjudicial}. A terceira
é a degradação da faifocreatina. Este composto de foiforo do músculo,
muito energético, é utilizado em eiforços repentinos e intensos. Uma das
importantes descobertas dos últimos anos é que a síntese de faifocreatina
necessita de oxigênio. Podemos assim, comparar o nosso corpo a um motor
híbrido. As faifocreatinas são as nossas "baterias elétricas": esgotámo-
las nas fases de farte aceleração {acima dos 0,05m/s2 em média para os
humanos) e recarregámo-las na fase de desaceleração, durante os quais o
ATP éfornecido pela oxidação dos glúcidos.
(Billat, 2016)

O ciclo de auto renovação da matéria viva refere que:

É precisamente este ciclo de processos do metabolismo, que começa com


a carga .funcional, durante a qual gastam-se substâncias, conduzindo
a um esgotamento e a uma fadiga, provocando a suspensão do trabalho
e a passagem para um estado de repouso de reestabelecimento. Este ciclo
que continua pelos processos de reestabelecimento, caracterizados pelos
158 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

fenómenos de oxidação (combustão) biológica nos tecidos, a também


denominada cadeia respiratória, associada à fasforilação "oxidativa':
isto é, aos processos da biossíntese, acumulando durante afase de exaltação
novos potenciais energéticos e novas albuminas estruturais; éjustamente
este ciclo que representa o ciclo de auto renovação.
(Langlade & Langlade, 1977)

Quando treinamos, melhoramos graças a algumas adaptações que se


produzem no nosso organismo. Estas, respondem a razões fisiológicas,
a qual denominamos supercompensação. O esforço do nosso corpo em
responder perante a situações superiores às que normalmente estamos
habituados (rompe-se a estabilidade do sistema) origina a ativação de
processos internos cuja finalidade é a de melhorar o estado inicial e se
preparar para dar respostas faturas mais eficientes. Estes processos se
produzem graças ao descanso e a correta aplicação das cargas de treino.
A aplicação de uma carga (estímulo) suficientemente potente cria uma
alteração do meio interno e consequentemente uma diminuição do
rendimento, devido ao dito estímulo. Após os processos de recuperação
oportunos, o corpo experimenta uma compensação das suas capacidades
com a finalidade de aumentar o seu rendimento e poder atender com
melhores condições estímulos semelhantes, ou inclusivamente, superiores.
A base desta resposta não é outra, senão a sobrevivência.
Pastor (2016)

Supercompensação
l
---.....,... ------r--------- 1
1 1
1 1
1 1
Fadiga--t+ +--Compensação
1 1
1 1
1 1

li Ili

Ciclo de supercompensação ou exaltação (Bompa, 2004). Adaptado de Junior (2011)

Assim como mostra a figura, para haver supercompensação, é necessário dar o


conveniente tempo de recuperação para que as estruturas solicitadas possam auto reno-
var-se e acederem a níveis de organização e funcionalidade cada vez maiores.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 159

Entretanto, quando não se respeitam os períodos de intervalo (recuperação) entre


os de "exercitação" convenientemente, de modo a permitir sempre reestabelecer os
valores basais (ou muitíssimo próximos) de ATP, o jogador quando submetido a um
novo estímulo conseguirá jogar, entretanto fá-lo-á predominantemente à custa de vias
metabólicas não desejadas, como a anaeróbia lática (com ácido lático na circulação) e a
oxidativa, o que, na minha opinião, é claramente contraproducente para a funcionalida-
de de um jogar de qualidade.
Para Maciel (2011c), este é um dos maiores problemas que parece verificar-se na
maioria dos processos de treino: submeter jogadores a treinarem cansados, por não se
respeitar convenientemente os tempos de repouso, uma vez que é tal não contemplação
que origina adaptabilidades metabólicas contraproducentes relativamente à que se deseja.
Qµando este desrespeito se afigura um padrão, estabelece-se como adaptação "e
o que se verifica é uma adaptabilidade contraproducente que se reflete por querer, mas não
poder, fica um jogar sem a variabilidade e disponibilidade de andamentos ou ritmos desejados"
(Maciel, 201 lc, p. 4 ).
A não contemplação pelos corretos períodos de recuperação entre exercícios e a
"exercitação" continuada sob estágios de fadiga acentuada poderá ter implicações nefas-
tas para o indivíduo e consequentemente para o jogar da equipa, porque induz e adapta
o corpo a uma gestualidade diferente da requisitada para um jogar de qualidade. Isto é,
a gestualidade requisitada pelo corpo quando tem de dar resposta a solicitações domi-
nantemente aeróbias ou anaeróbias láticas difere substancialmente (nas amplitudes de 11
movimento dos segmentos, nas velocidades, durações e tensões musculares requeridas
no momento da contração muscular e ainda no modo como é levado a efeito o enca-
deamento de ações) das que se verificam quando o organismo é obrigado, por vezes
como no caso do futebol, a funcionar em alta rotação (Maciel, 2011c).
A gestualidade implicada num jogar de qualidade, por sua vez, implica uma gran-
de versatilidade, fluidez e disponibilidade corpórea, o que geralmente não acontece
quando se trabalha em predominância de outras vias metabólicas que não a anaeróbia
alática.
Para além destas implicações gestuais e musculares (para além disso a maior
suscetibilidade a lesões, sobretudo as do tronco inferior), não devemos esquecer-nos
de que em estágios acentuados de fadiga (baixo aporte de ATP) há também uma
indisposição mental relativa ao jogar que se pretende, que não se ajusta à preconizada.
O Corpo além de não estar devidamente implicado na vivência de um jogar (desres-
peito pelo padrão metabólico e gestual) também não estará totalmente implicado
nesta vivência.
160 > ]ULlAN BERTAZZO TO BAR

Nesse sentido Jorge Maciel sugere que organismos neste estado de fadiga conti-
nuada funcionariam à semelhança de carros que têm muitos cavalos de potência, mas
que devido às adaptações contraproducentes funcionam em baixa rotação, com o travão
de mão puxado.
Este "querer, ~as não poder' é um processo semelhante ao que se observa nos
automóveis quando por norma funcionam com baixas rotações independentemente
das velocidades que estejam engrenadas, quando estimulados no sentido de funciona-
rem com uma rotatividade maior revelam muitas dificuldades, porque o motor criou
uma adaptabilidade, pelo fazer, que não vai de encontro àquela solicitação (Maciel,
2011c).
Como resultado final temos um veículo para provas de endurance com "vontade"
de ficar na garagem, quando aquilo que deveríamos ter era um Fórmula 1 afinado para
os circuitos mais sinuosos (variabilidade de trajetórias, ritmos e velocidades).

A sobrestimulação das vias aeróbias em detrimento das anaeróbias, e


mais precisamente no caso do futebol das anaeróbias aláticas, poderá
pela adaptabilidade biológica criada, hipotecar a possibilidade dos
mecanismos associados à solicitação dos faifagênios se manifestarem
eficazmente.
(Maciel, 2011c, p. 5)

Associado a esta lógica, Frade (2013a) coloca que ao incidirmos dominantemente


em outras vias metabólicas, que não a anaeróbia alática, é como possuirmos um carro de
Fórmula 154 mas sem o combustível adequado, aquele de maior octanagem.

54 Carro de Fórmula 1: Ao comparar um jogador e uma equipa a um carro de Fórmula 1, o profes-


sor Frade evidencia a necessidade de se perspectivar uma equipa e jogadores com um alto potencial de
"combustão'', capazes de terem alta intensidade nas ações (não está associado necessariamente a fazer as
coisas rápido e muito menos com pressa, mas sim levar a efeito a ação desejada e ajustada às circunstâncias,
que pode ser concretizada de forma muito variável: com aceleração; de forma lenta; em desaceleração; em
elevada velocidade; no ar; no chão; parado; mudando de velocidade); um carro preparado para realizar com
grande potência os circuitos mais sinuosos, na sua imensa variabilidade de trajetórias, ritmos e velocidade.
Isso só se toma possível se tivermos a capacidade de fornecer ao Fórmula 1 o tipo de combustível adequado
(o com maior octanagem).
No nosso entender este "combustível" é o sistema dos fosfagênios e, embora saibamos que as vias ener-
géticas funcionam em concomitância, ao reabastecer o "tanque" deve-se evitar misturar os combustíveis
(Frade, 2013b).

j
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 161

E não adianta colocar "gasolina contrafeita'', muito menos gasóleo, porque o resul-
tado não pode ser o mesmo; o carro sempre andará aquém do que poderia andar, abaixo
do seu potencial.
Pelo contrário, ao possuirmos um tanque cheio de gasolina com maior octanagem
(leia-se grande aporte de ATP), que se "auto reconverte" facilmente (leia-se grande e
continuado aporte de ATP), isso sim permitiria andar na máxima velocidade (enten-
da-se qualidade).
Este combustível, na minha opinião, está relacionado a uma gestão continuada
e eficaz predominantemente da via anaeróbia alática, o que é conseguido a partir do
conveniente respeito entre o tempo de repouso e o de "exercitação".
A relação otimizada e devidamente contemplada em treino (devido e através do
seu correto fácionamento), do binómio-dilema desempenho/recuperação, possibilita a
potenciação do V02 máximo, que contrariamente ao que se julgava, se assume como
determinante para a performance numa modalidade como o futebol, uma vez que com
um índice elevado de V02máx o jogador terá maior possibilidade de utilizar o oxigênio
de maneira otimizada para poder reconstituir/ressintetizar as reservas de fosfocreatina,
que o permitirá realizar novas interações de "alta intensidade" (Billat, 2016).
A dominância e as circunstâncias condicionais devem proporcionar a dominância
do aparecimento da teia metabólica que suporta ojogar(segundo a minha ideia de jogo,

Potência Capacidade Factor limitativo


(kcal/min) (kcal disponíveis)
Fosfagénios 36 11 Rápido esgotamento reservas
Glicólisc 16 15 Acidose induzida pelo ácido láctico
Oxidação 10 167280 Capacidade de transporte e utilização 02

Qyadro comparativo entre a potência, capacidade e fator limitativo das diferentes vias energéticas. Fica fácil visualizar que a
via dos fosfagênios (anaeróbia alática) é a mais potente, mas também a que se esgota mais rapidamente, daí a necessidade de
incidir nesta via, de modo a otimizá-la, para que o jogador seja capaz de utilizá-la mais eficazmente e de maneira continuada,
promovendo a sua auto conversão permanente, sem perda de desempenho e esgotamento rápido das suas reservas. Ainda,
com a contemplação e correta manipulação do binómio-dilema desempenho/recuperação durante os treinos, propiciaremos
uma melhora no V02 máximo, um indicador que contribui decisivamente para o desempenho otimizado do jogador, dada
a sua implicação direta ou mais indireta, mas determinante nos diferentes sistemas metabólicos.

Entretanto tal como o professor ressalta (2013a), não basta ter um carro de fórmula 1 com o depósito de
combustível cheio da melhor gasolina, "afinado" e preparado para qualquer tipo de circuito, se não houver
um piloto que saiba conduzi-lo. Se assim o for, o carro fica na garagem, não tem utilidade. Portanto, há que
se contemplar nos treinos a imperativa necessidade do propósito a ser levado a efeito (macro princípios,
meso princípios e micro princípios de jogo), que também é da esfera do muscular, com participação bem
presente do cérebro.
162 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

uma teia capaz de maximizar a manifestação do metabolismo anaeróbico alático em


dominância na concretização do jogar) . E é isto a acontecer durante a semana, como
dominante, que mantém na Especificidade a especificidade (Frade, 2013a).

Na minha opinião, a dominância das estimulações deverá incidir no metabolismo anaeróbi-


co alático. Deste modo estaremos a abastecer o Fórmula 1 sempre com a gasolina de maior
octanagem. Com o combustível certo "até voa", desde que conduzido por piloto preparado!

Para que isso seja possível é fundamental que exista recuperação completa (entre
treinos, exercícios, durante o mesmo exercício), para poder reiniciar a "exercitação" com
as condições ideais, isto é, muito próximas das iniciais.
O repouso, a recuperação, o intervalo é uma condição sine qua non, porque o inter-
valo fornece condições iniciais de implicação desejável de esforço (Frade, 2013b).
Para finalizar, considero importante termos em conta não somente a questão da
gestão do esforço e da recuperação entre exercícios (de modo a garantir que o aporte
de ATP esteja próximo, ou esteja dentro dos índices basais), como também um maior
aprofundamento desta gestão entre as sessões de treino que compõe o morfociclo.

3.4.4.1.1 O ciclo de auto renovação da matéria viva e a Lei de Roux a


reforçarem a necessidade da alternância horizontal em especificidade
promovida pelo morfociclo padrão

Assim como ilustrei recentemente, é necessário dar o conveniente tempo de recu-


peração para que as estruturas solicitadas possam regenerar-se e aceder a níveis de orga-
nização e funcionalidade cada vez maiores.
Nesse sentido, justifica-se a conveniente contemplação dos princípios metodo-
lógicos, porque promovem de dia para dia uma alternância ~as solicitações a serem
vivenciadas evitando a massificação das mesmas estruturas implicadas nestas vivências,
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 163

promovendo assim, condições para que o Corpo possa estar em permanente evolução
e não em retrocesso, o que acontece ao promoverem-se estimulações antes do devido
tempo de recuperação.
Kesting (2003) refere que quando o treino for sistematicamente muito severo ou o
período necessário para recuperar entre sessões de treino não for respeitado e se incidir
sistematicamente nas mesmas estruturas; ao invés das mesmas evoluírem e acederem a
novos níveis de organização e funcionalidade, haverá involução, retrocesso, até mesmo
sobretreino.

As sessões de trabalho, com suas "cargas funcionais" a repetir- se tão


próximas umas das outras, Jaz com que os novos esjàrços aconteçam
antes que os processos de restauração tenham permitido a obtenção do
nível inicial A consequência final é a extenuação orgânica e a piora da
performance.
(Langlade & Langlade, 1977)

Tempo

1 Capacidade
1 Reduzida
1
o 1
~ .
i•
::>

Redução e perda dos índices de funcionalidade decorrente do desrespeito pelo período de


recuperação. Adaptado de Kesting (2003)

Ao encontro desta lógica, Gomes (2013) refere que para que sua equipa jogue
bem, é preciso "gerir e digerir" o que treinam durante a semana, isto é, não se pode fazer
sempre o mesmo.
Ela afirma que se quisesse submeter os jogadores a realizarem desempenhos seme-
lhantes nos vários dias que compõe a semana, os jogadores iriam realizá-los, entretanto
a qualidade com que o fariam não poderia ser a melhor. Normalmente os jogadores
acabam por se lesionar porque o organismo ultrapassa limites ou então, cria mecanis-
mos de defesa para evidenciar a necessidade de descansar.
Sabemos que o organismo é sensível mesmo que o seja de forma inconscien-
te, impõe limites que obriga os jogadores a descansar. E isso não se refere apenas a
164 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

descansar e esforçar logo após o jogo, mas também durante a semana. Gomes ressalta
que muitos treinadores promovem situações muito semelhantes na quinta-feira e na
sexta-feira (quando o jogo é no domingo) e os efeitos disso notam-se na competição.

Este princípio da alternância horizontal em especifi.cidade resulta


do reconhecimento de que o jogar (cultura da equipa) emerge do
entranhar das pessoas umas nas outras. Só que as pessoas são biologia,
são emoções, são sentimentos e têm determinadas limitações. Portanto
fazer o entranhar de jogadores sempre da mesma maneira faz com que
exista um cansaço e uma fadiga que limita toda evolução do processo.
Todos conhecemos a condição biológicafundamental que nos indica que
quando nos desgastamos precisamos de recuperar. Por isso, se queremos
aprender (adquirir) algo todos os dias do processo, temos um desgaste
porque ninguém aprende sem se desgastar. E se ninguém aprende a
jogar sem praticar, logo este praticar provoca o desgaste e a fadiga que
temos que gerir. Assim, com o princípio da alternância horizontal
em especificidade balizamos os dias que medeiam as duas competições
de acordo com um padrão de incidências diferentes em cada dia.
Falamos do morfociclo, logo, é um padrão de incidências (finalidades)
do nosso jogar. E, portanto o princípio da alternância horizontal em
especificidade orienta-nos na questão: ''quero desenvolver o meu ~ogan>
e por isso, o que posso fazer em cada dia para que os meus jogadores
estejam sempre nas melhores condições para poderem competir no
domingo?".
(Gomes, 2013, p. 322)

O ciclo de auto renovação da matéria viva, também refere que se faltar continui-
dade durante os treinos, isto é, dar-se muito tempo de intervalo entre uma sessão de
treino e outra, as adaptações promovidas anteriormente tendem a desaparecer.

J
PERlODIZAÇÃO TÁTICA < 165

Tempo

Duraçao do
Esforço/Desempenho

Ao faltar continuidade nas atividades o novo desempenho evidencia-se quando já desa-


pareceram os efeitos benéficos da adaptação anterior. Portanto, não existe possibilidade de
mudanças positivas a nível funcional. Adaptado de Zatsiorsky & Kraemer (2006)

Em consonância com a perspectiva que apresentei nestas linhas está a Lei de


Roux, Arndt-Schultz que postula que uma estimulação extrema destrói 55 as funções
celulares (intensidade do estímulo, tempo insuficiente de recuperação); grandes esti-
mulações (no sentido ótimo) as fazem melhorar e aceder a níveis de funcionalidade
cada vez maiores; estimulações normais mantêm-nas no mesmo estágio; estimulações
pobres diminuem a funcionalidade das células e a ausência de estimulação conduz à
atrofia das estruturas (o que justifica que de facto só existe treino havendo fadiga). t

Tendo isso em conta, devemos ter muita habilidade na gestão e no doseamento


dos contextos, de modo a salvaguardar sempre a relação entre desempenho e recupe-
ração, para que as aquisições se processem a todos os níveis.
Para isso, Maciel (2011c) reforça a necessidade de explorar a "resiliência meta-
bólica56" de forma continuada (sempre a salvaguardar o repouso), o que uma vez mais

55 É importante esclarecer que morte e/ou destruição de funções celulares poderá ocorrer em diferentes
níveis de estimulação e não necessariamente significa sempre algo negativo. Por exemplo, todos os dias,
bilhões de células em nosso corpo desgastam-se e precisam de ser substituídas. Algumas vezes a morte
de algumas células implica em regeneração e superação do organismo no sentido de estar preparado para
responder de maneira otimizada a novas estimulações (como vimos, se trata de um dos grandes objetivos
do treino). O que Langlade &Langlade (1977) querem dizer é que com estimulações extremas as funções
celulares têm os seus níveis de funcionalidade completamente comprometidos num sentido negativo, afas-
tando do organismo a possibilidade de regeneração e superação num curto prazo.

56 Resiliência Metabólica: A resiliência é um conceito adaptado da física dos materiais e da psicologia,


que se reporta à capacidade de recuperar de eventos traumáticos; capacidade revelada pelos sujeitos, de se
restabelecerem após situações adversas, superando o seu estado inícial, sem que tal implique a perda de um
166 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

evidencia a necessidade da perpetuação do morfociclo, de estabelecê-lo como unida-


de basilar, garantindo assim uma constante aquisição e progressão qualitativa do jogar
que se pretende, tendo as melhores condições para o adquirir e para competir.

A continuidade da realização dos desempenhos, salvaguardando uma relação ótima entre


esforço e recuperação promove evolução nos sistemas implicados nas vivências, ainda que
não tão linearmente como mostrado na figura. Adaptado de Maciel (201lc)

Deste modo, os períodos de recuperação afiguram-se como fundamentais, não só


para permitir a auto renovação e evolução das estruturas implicadas nos movimentos,
bem como para a estabilização das aprendizagens efetuadas, pois são esses períodos
que permitem que a reorganização neuronal e dos circuitos neurais se verifiquem e
deste modo se processe a uma verdadeira aquisição, incorporação do jogar vivenciado e
experenciado.
Pelos motivos apresentados, o professor Vítor Frade (2013a) diz que a recupe-
ração e a aquisição não são duas faces da mesma moeda, mas sim, duas dimensões da
mesma face da moeda.
Tamarit (2013a) também não dissocia e destaca que a Periodização Tática pode
ser entendida como um treinar recuperando e um recuperar treinando.
Antes de terminar este assunto, gostaria de fazer um alerta e reforçar o que já
referi inúmeras vezes e extensamente neste livro, que na Periodização Tática procura-se
desenvolver um jogar, nos seus variados níveis de organização. Portanto treina-se o jogar

funcionamento normativo (Maciel, 20llc). Em ecologia, resiliência é a capacidade de um sistema restabe-


lecer seu equilibrio após este ter sido rompido por um distúrbio, ou seja, a sua capacidade de recuperação
(Wikipédia). Desta maneira transporto este conceito para os fenómenos descritos no ciclo de auto reno-
vação da matéria viva.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 167

nas suas diferentes escalas (frações do jogar), sendo este jogar suportado pelas diferentes
vias bioenergéticas em interação.
Ressalto a importância que o metabolismo anaeróbio alático tem nas ações decisi-
vas do jogo, mas de forma alguma podemos reduzir a análise do morfociclo àquilo que
é a dominância do sistema bioenergético, porque isso pode induzir a uma interpretação
completamente diferente daquela que a Periodização Tática possui.

Isto porque o sistema aeróbio funciona de uma .forma relevante após


termos intensidade máxima relativa, existe a necessidade de recorrer a
este metabolismo sobretudo, tendo em conta aquilo que é o padrão de
acontecimentos. Deste modo chegamos àquilo que oprofessor Vítor Frade
define como fundamental· o sistema anaeróbico aláctico é predominante
na intensidade máxima e consegue-se a frescura de concretização no
«aqui e agora», emfunção do «alargamento» do intervalo entre repetições
e da grande mobilização dos mecanismos aeróbios entretanto.
Reduzir à dominância do sistema bio-energético a análise Intencional
efuncional de cada dia do mmfociclo é muito redutor, ou melhor, é uma
perspectiva convencional Para além de induzirfacilmente a erro.
(Gomes, 2013, p. 338)

Gomes ainda agrega que não podemos cair no erro da categorização abstrata de
nos vários dias abordarmos somente os mecanismos (bioenergéticos) que concretizam
aquilo que intencionamos. Devemos ter sempre em vista o jogar, na fração que preten- •
demos desenvolvê-lo, claro está, suportado por uma matriz bioenergética Especifica,
que inclusivamente poderá variar de processo para processo (afinal se algum treinador
quiser desenvolver um jogar com "outra gasolina" é opção de cada um).

É levar as unidades musculares, ou os grupos musculares fundamentais


a funcionarem dentro de determinadas condições, mas com o objetivo de
fazer qualquer coisa ou em termos mais individuais ou em termos mais
coletivos, que tem a ver com o modo como eu pretendo que se jogue.
(Frade, 2013b, p. 129)

Evidencia-se assim, o entrelaçamento entre os "binómios-dilemas"


problematizados por esta metodologia, com a necessidade de recuperar
da fadiga relativa aos desempenhos para voltar a ''desempenhar'; e
assim sucessivamente, ininterruptamente, ao mesmo tempo em que se
vai cuidando do coletivo e do individual Falamos de ''efeito retardado
dos desempenhos'; e não de ''efeito retardado das cargas'; precisamente
porque tal como se fiz referência, esta metodologia tem como pressuposto
168 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

fondamental que ''quem controla a energia é a informação': e quem


controla a informação é a articulação de sentido levada a cabo em fonção
de uma dada ideia de jogo (enquanto intenção-prévia), que garantirá que
a sobrecompensação que se dá, é em relação a determinado aspeto do "jogar"
levado a efeito, e que como tal, resultará numa melhora qualitativa de um
"jogar" concreto, dentro da lógica inerente aos princípios metodológicos.
Reis (2016)

Devidamente esclarecidos estes conceitos, veremos o que é de facto balizador para


a estruturação do morfociclo padrão. Tudo está estruturado em função do que irei apre-
sentar no próximo ponto. Deste modo poderemos compreender exatamente de que
modo se processa a operacionalização do jogar durante os dias que compõe o padrão
semanal.
O Morfociclo Padrão que irei apresentar a seguir, é balizado por jogos de domin-
go a domingo.

3.4.4.2 Domingo (competição): dia de máxima exigência.

O que baliza a configuração do morfociclo padrão é a competição, operacionalizar


a ideia de jogo nos seus múltiplos níveis de organização e estar preparado para competir
nas máximas condições do desempenho (a todos os níveis do jogar).
A morfologia e distribuição das frações do jogar durante o ciclo semanal estão
intimamente ligadas às implicações e exigências decorrentes da competição, que aqui
considerarei que ocorrerá geralmente aos domingos.

L,
1íl

!I

! i
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 169

Morfodclo Padrão
(Jogo Domingo a Domingo)
Operacionalização Aquisitiva Recuperação
JOGO Folga Recuperação r-- da Organização de Jogo --i Direcionada JOGO

1:

i'

Domingo 2ª Feira 3• Feira 4• Feira s• Feira 6ª Feira Sábado Domingo

D=D+O+
Morfociclo padrão

O dia da competição simboliza o ápice, mas também o início da preparação semanal.


A competição (neste caso, o jogo anterior) é um aferidor e um parâmetro impor-
tantíssimo, pois proporciona uma avaliação qualitativa no sentido de observarmos se o
jogar pretendido e treinado se manifestou efetivamente no último jogo, e é em função
desta avaliação qualitativa que o treinador configurará a operacionalização do jogar
t
durante a semana, tendo em conta o que se passou nesta última partida (o que fizemos
bem? O que fizemos mal?) e aquelas que se perspectivam vir a ser as exigências do jogo
seguinte, em todas as suas nuances.
Nesse sentido, Marisa Gomes (2008) coloca que a competição é um indicador
extremamente importante, porque é um referencial para a utilização acertada daquilo
que tem que estar antes e daquilo que tem que estar depois, ou seja, permite analisar o
que tem sido feito e desenvolver o processo face ao jogar que se pretende alcançar.
Lembrando que o desenvolvimento do jogar, compreendido neste ciclo entre dois
jogos, será feito sempre através da operacionalização e do respeito da lógica do padrão
semanal, tendo também em conta o contexto e as circunstâncias emergentes durante
este processo.
170 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Preparação semanal do jogar. A hierarquização dos objetivos semanais deverá levar em conta
os aspetos referidos, conforme ilustra a imagem.

O professor Vítor Frade (2003 citado por. Gomes, 2008) entende que a compe-
tição é também uma parte do treino, porque é um momento muito importante para
criar o jogar que se pretende, sendo o que sustenta o que é desenvolvido pelo processo
de treino. Em virtude disso, o treino jamais se dissocia da competição uma vez que "tão
relevante quanto a dinâmica do treinar, é a própria dinâmica do competir'.
É no domingo que a equipa tentará resolver e superar os constrangimentos que o
jogo lhe irá impor, em todas as suas dimensões. Isso inclui tudo o que lhe está inerente,
como o adversário (e todos os condicionalismos e adversidades que ele impõe), terreno
de jogo, adeptos, competição disputada (e a posição na tabela classificativa), desgaste
por viagens e estágios, pressão por resultados.
A competição geralmente é o evento semanal de máxima exigência a todos os
níveis do desempenho, pois assim como reforça Marisa Gomes (2008), é necessá-
rio abordar com cuidado os conceitos de máxima exigência e grande exigência, isto
porque se uma equipa habituada a jogar de uma determinada maneira, fazendo-o
regularmente com eficácia, face a um adversário inferior não terá (teoricamente) os
mesmos constrangimentos ao nível de Desgaste do que quando enfrentar um adver-
sário mais qualificado e/ou do seu nível, que lhe impõe maiores dificuldades pelo seu
modo de jogar.
Desta maneira o Desgaste que a equipa encontrará nestas partidas será tenden-
cialmente maior do que em outros casos, podendo ser classificado como máximo. Por

,J

l
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 171

exemplo, jogar uma partida contra o líder do campeonato, fora de casa, tendencialmen-
te não tem nada a ver do que jogar contra uma equipa que está abaixo na tabela classifi-
cativa onde se derrota este adversário por uma grande margem de golos, marcando 2 ou
3 golos ainda na primeira parte e ainda por cima com capacidade para manifestar sem
grandes restrições a sua forma habitual de jogar.
Portanto há que se ter em conta que nem todos os jogos são iguais e que em
alguns deles conseguiremos manifestar claramente o nosso jogar e em outros nem
tanto. O facto é que na grandíssima maioria das vezes a competição é o evento de
máxima exigência semanal.
Na competição, trabalha-se ao nível do coletivo, do entrosamento de toda a equipa
com grande complexidade relacional, num grande espaço e com forte oposição adver-
sária, o que gera um Desgaste pronunciado nos jogadores.

Competição: evento semanal de maior exigência a todos os níveis. Fotografia cedida por
Luiz Felipe Varella

Em virtude desta configuração, as exigências são ao nível da dimensão mais


complexa e total do jogar. Este dia assume a cor verde. Esta tonalidade resulta da junção
das cores desenvolvidas ao longo do morfociclo padrão, que expressam o fracionamento
do jogar5 7 (em níveis de organização), tendo em conta as implicações decorrentes do

57 Fracionamento do jogar no morfociclo padrão: A tonalidade verde da competição resulta da junção


das cores desenvolvidas ao longo da semana para expressar o fracionamento do jogar. Este jogar é um
todo fracionado em partes (sem empobrecimento e perda de articulação) que se desenvolvem ao longo
da semana, com nuances diferentes em cada dia para salvaguardar a qualidade evolutiva do processo (pela
relação desempenho-recuperação), e então, a cor deste jogar resulta dessas nuances. Deste modo, este verde
resulta do branco (primeiro dia após a competição) com o verde-claro (segundo dia após a competição),
172 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Desgaste gerado pela competição anterior e o facto de se procurar estar nas máximas
condições possíveis para a próxima competição.

Periodização Tática
Morfociclos Padrão,
o entrelaçamento na prática
tem um padrão de conexão.
A simbologia das cores
signiffra analogicamente,
o entrelaçamento dos amores
no corpo e na mente
continuadamente presente
na cod!ficação da temporalidade,
e nunca daí ausente...
p 'ra não perda de especificidade,
e eficacidade...
Frade (2016, p. 880)

Vítor Frade (2013a) explica que o Desgaste promovido pela competição é tão
grande que após um jogo de máxima exigência, para que a equipa, como um todo,
consiga realizar um outro desempenho de máxima exigência, na sua máxima disponibi-
lidade a todos os níveis, só o consegue fazer apenas quatro dias depois.

E se, sefizer uma pergunta a uma centena de indivíduos que estiveram


a top e que estão a top, como treinadores, todos dirão ou noventa e tal
por cento dirá que após um esforço de máxima exigência, um jogo de
máxima exigência essa equipa, a equipa que o levou a efeito só consegue
estar em condições de realizar um outro esforço de máxima exigência,
sem bulir, sem estorvar aquilo que é a fluidez funcional da equipa,
quatro dias depois.
(Frade,2013b,p. 117)

com o "azul" (terceiro dia após a competição), com o verde mais escuro (quarto dia após a competição),
com o "amarelo" (dois dias antes da próxima competição), com o amarelo-claro (um dia antes da próxi-
ma competição). Assim, fraciona-se o jogar (todo=verde) em níveis de organização que se constituem nas
partes representadas por: branco + verde-claro + "azul"+ verde-escuro + "amarelo"+ amarelo-claro = verde.
A figura abaixo demonstra esta "equação".

D=LJ+ [] +
Fracionamento do jogar (sem empobrecimento e perda de articulação) em diferentes níveis de organi-
zação, durante o Morfociclo Padrão, de modo a salvaguardar a qualidade evolutiva do processo
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 173

Esta constatação é extremamente importante, como balizador e é em função disto


que nós devemos contemplar o preenchimento dos diferentes dias do Morfociclo, pela
chamada regra dos quatro dias.

Portanto se eu jogo no domingo, eu só vou poder estar em condições


idênticas às de domingo, como equipa, como equipa na totalidade, quatro
dias depois. Você tem um carro aí, um Fórmula 1, mas tem uma porca
ou um parcifuso desapertado você estará em maus lençóis! Basta um!
Portanto, a garantia da totalidade é que leva ao enquadramento porque
se calhar há um gajo ou dois que estariam já em condições, mas aquilo
não é ping-pong ou tênis, isto é futebol E, portanto isto no futebol,
onde existem tempos muito dilatados de solicitação, muitos meses, eu só
garanto a ininterrupta resposta se salvaguardar esta lógica.
(Frade, 2013a, p. 420)

Portanto por mais que alguns jogadores possam estar totalmente recuperados já
no terceiro dia após a competição anterior, é a garantia da totalidade que leva ao enqua-
dramento, porque sendo o futebol um desporto coletivo com uma grande complexi-
dade relacional, a contemplação do todo deverá ser constante, onde importa respeitar a
regra dos quatro dias.
Tendo em conta que a equipa como um todo é capaz de realizar desempenhos
semelhantes às da competição anterior somente quatro dias depois, só há a possibili-
dade de realização de apenas um treino com características e esforços semelhantes aos •
do jogo.
Este treino é - e só será - realizado precisamente quatro dias após a competição
e distante três dias da próxima competição (uma vez que necessitamos salvaguardar a
recuperação plena da equipa para o próximo jogo), portanto na quinta-feira.
Poderá parecer uma incoerência realizar um treino com esforços semelhantes aos
do jogo, se a próxima competição dista três dias deste treino. Entretanto, isto acontece
porque um treino de máxima exigência não tem o mesmo desgaste como tem o jogo,
onde inclusivamente nós podemos "controlá-lo".
Embora esta constatação empírica seja uma realidade, nos dias que antecedem
este treino de máxima exigência, e nos que o sucedem, as equipas não poderiam treinar?
Deveriam apenas fazer recuperação? Dentro da lógica da Periodização Tática, podem
e devem treinar, mas com muito cuidado, sabendo o que se faz e as implicações do que
se faz. Devem fazê-lo de modo a que a equipa possa adquirir as dimensões mais mesa
e micro do jogar, sem que isso hipoteque e atrapalhe a recuperação e a disponibilidade
da equipa e de cada um dos jogadores para a próxima competição.
174 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

Em suma a aquisição no desempenho deverá promover fadiga sobre o todo, o


quase todo, o pouco mais que o individual e o individual, consoante os diferentes dias,
bem como constantemente deve contemplar a recuperação de maneira a ter a equipa
fresca para competir ,nas suas máximas condições (Frade, 2014b).

MORFOCICLO - PADRÃO MATRICIAL - ESPECIFICIDADE

--
~
2!FE1RA
li ........
__...
1
61 FEIRA

•-çlo/
SÁBADO

-
-=-1a
Recupe111çlo

1
Aqulsiçlo
lndtvkluel 1 Dlrecionad.

-=
1

"JOGO"

l-=--11-..-11-· li~ 1--·


1

- =j"JOGO" M~-1
de Contnçlo
lndMduallzante Fundamental :

~ ·=::!°~-
FOLGA

11 °"'"=*ª 11 C-4'u•=• • 11 °"'"=*'ar 1

- 1
8
- : MáxlrM Vltloddad•
"JOGO" de Contnçlo
1
[~Jl-..- IB6:J-~·
e 8 e
Morfociclo Padrão e sua operacionalização, tendo em conta a "regra dos 4 dias".

Tentaremos entender de que forma isso se concretiza, bem como de que maneira
se operacionaliza o jogar durante os dias que compõe o morfociclo padrão.

3.4.4.3 Segunda-feira (primeiro dia após a competição): Folga

Como p'ro músculo após esforço


o cérebro do mesmo modo
p'ra não foncionar a contra-gosto,
deve esforçar-se e descansar num todo.
Do cérebro e do muscular
p'ra muito deles se exigir
éfondamental recuperar
p'ra qualquer deles não "partir"
(Vítor Frade, 2014a, p. 200/201)
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 175

Na segunda-feira, tal como referi anteriormente, a recuperação dos jogadores


ainda não ocorreu, pelo contrário, está apenas a iniciar. Parece haver um consenso, por
parte de várias conceções de treino, que treinar logo no primeiro dia após a competição
é algo que favorece os jogadores.
Boa parte dos preparadores físicos e fisiologistas defendem que do ponto de
vista fisiológico é benéfico realizar mobilizações musculares, alongamentos e trei-
nos "leves", sobretudo incidindo na via oxidativa, no menor período possível após a
competição. De modo a acelerar a remoção de detritos e subprodutos do metabolis-
mo da musculatura ativa, bem como aumentar a oxigenação das células e promover
um aumento do aporte sanguíneo, de maneira a remover os metabolitos gerados pelos
estímulos da competição.
Tendo em conta esta realidade (ainda que não "diretamente" através da via oxida-
tiva), mas sem esquecer que o jogador de futebol é, acima de tudo, um ser humano, isto
é, um ser que é biologia, interação, emoção, sentimentos, um ser social, uma unidade, e
sendo a competição um evento de máxima exigência, que provoca um desgaste pronun-
ciado em todas as dimensões, sobretudo a nível mental-emocional, o primeiro dia após
a competição geralmente58 é reservado à folga total dos jogadores, para que os mesmos
"desliguem" do futebol e façam o que lhes der vontade, logicamente que sem muitos
"excessos ".
Outro aspeto muito importante é proporcionar que o sistema imunológico de
cada jogador proceda com seu respectivo processo de recuperação. Por isso, no morfo- •
ciclo padrão, a segunda-feira assume a cor branca, que representa a ausência de treino,
o dia de descanso.

Eu não me vtjo bem para treinar no dia seguinte, não me vtjo podendo
ir ao treino e ter 100% de concentração, porque me desgasto muito nos
jogos, e acredito que minhas jogadoras também se desgastam muito nos
jogos. Num processo em que estamos a exigir concentração devemos ter
isso muito em conta.
(Tamarit, 2013a, p. 383)

Mourinho coloca que quando a semana só tem uma partida ele costuma dar folga
no dia a seguir ao jogo. Para ele, trata-se de uma escolha acertada principalmente sob o
ponto de vista mental:

58 Folga no 1° dia após competição: Importa aqui referir que na Periodização Tática não há receitas, há
sim um guia, um padrão e a sensibilidade do treinador perante as diferentes circunstâncias que vão emer-
gindo durante o processo. Na grande maioria das vezes, o primeiro dia após a competição é destinado à
folga total dos jogadores, no Morfociclo Padrão.
176 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

Para mim próprio também é o melhor, porque não gosto de trabalhar


no dia a seguir ao jogo. Custa-me dormir a seguir ao jogo, custa-me
levantar, custa-me concentrar, custa-me planificar, custa-me pensar,
custa-me treinar e, nesses treinos, passo mais tempo a passear de um lado
para o outro a ver o treino do que a treinar. Com os jogadores sucede o
mesmo. Engana-se quem pensa o contrário.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.131-132)

Marisa Gomes compartilha desta ideia e refere que atrelado ao facto de a recupe-
ração ainda não ter ocorrido, o processo de somatização do que se vivenciou na compe-
tição está em plena ebulição.

Para alguns pode ser importante em algum momento trabalhar


na segunda, tendo em conta que em termos biológicos -em termos
fisiológicos de recuperação- não é a mesma coisa treinar 24 horas ou 48
horas a seguir ao jogo. Isto porque o processo de recuperação acontece ao
longo do tempo. O processo aquisitivo (desempenho-recuperação) tem
algo muito particular que normalmente não se fala. O jogador joga no
domingo à tarde quando está a relaxar à noite é assaltado por imagens
do jogo na cabeça. Isto é a somatização que ojogador está a ter daquilo
que vivenciou. Portanto ele está a adquirir ainda, não se esgota no
jogo. E quem jogoufutebol sabe o que é sentir isto. Imagina um jogador
que esteve muito mal, falhou um golo num jogo importante, sabemos
que ele ao estar mais tarde com afilha em casa vai estar a pensar nisso.
Naturalmente que faz um esforço consciente para não se lembrar mas
o inconsciente traz-lhe imagens do que aconteceu. Isto é a expressão
da somatização. E não se esgota nesse momento pois quando estiver
a dormir, quando estiver a relaxar, as imagens acabam por lhe vir
à cabeça. E temos treinadores que também passam por isso, tenho a
certeza absoluta!
(Gomes, 2013, p. 325)

O!iem nunca acordou de madrugada a pensar em lances do jogo disputado horas


antes? São vários os treinadores que afirmam que lhes custa trabalhar no dia seguinte ao
jogo. Isto porque o Corpo está desgastado e necessita de descanso, em todos os sentidos.
Com os jogadores isso também acontece.
Em 1992, então no PSV Eindhoven, Romário em entrevista ao programa Impact,
de uma rede de televisão holandesa (disponível no YouTube), disse o seguinte:

Já expliquei mil vezes que depois do jogo, um dia depois do jogo


para mim é melhor não treinar, não me sinto bem. Porque eu saio

j
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 177

daqui... vamos dizer que nós jogamos de noite, como sempre joga-
mos pela Copa Europa... vou dormir uma ou duas horas da manhã,
acordo às nove e vou lá para correr seis minutos? Qye que é isso!?
Isso aí não ajuda em nada!

Romário fala o que pensa, sem meias palavras, e é apenas um exemplo, mas pode-
ríamos aqui dar outros muitos de jogadores que referem odiar treinar no dia seguinte
ao jogo.
São vários os que não se sentem bem, sobretudo porque, segundo os mesmos,
na noite do jogo mal conseguiam dormir, ficavam praticamente a noite toda acorda-
dos pensando em lances da partida, no que haviam feito de bom, no que poderiam
melhorar.

Portanto, as imagens ao emergirem ao consciente é aprova mais evidente


de que a somatização acontece e está a acontecer muito para além do
tempo ''real" do jogo. E este lado tem que ser contemplado! Treinar na
segundajeira de manhã, logo após ojogo, este processo tem menos tempo
para se processar com normalidade pois a modelação já se processa num
sentido não linear. Ou seja, não termina a somatização do jogo mas não
acontece da mesma maneira. Imagina, nessa Segundajeira, o referido
jogador vai tomar um cqfe da manhã com afamília, vai para um lugar
diferente, faz uma coisa que gosta, isto é, recuperação passiva, isto é,
"desliga" conscientemente do momento pois envolve-se noutro contexto.
(Gomes, 2013, p. 325)

Para a maioria dos jogadores, treinar no dia seguinte é algo stressante, porque
querem estar envolvidos noutras atividades para relaxarem, querem treinar de "cabeça
fresca" e não fadigados e stressados. Para muitos, mais vale estar cansado ":fisicamente"
e de "alto astral" do que o contrário.

Num morfaciclo de Sábado a Sábado, aquilo que era a nossa experiência


e ainda no Futebol Clube do Porto acontecia com regularidade, dávamos
descanso no dia a seguir aojogo e, por vezes, dávamos dois dias. Portanto,
por vezes, sentíamos que a melhor forma de recuperar, sob o ponto de
vista mental e isto já não tem a ver com questões teóricas, tem a ver com
aquilo que é a tua sensibilidade para perceberes o que é a equipa e para
perceberes o que é a necessidade da equipa e a necessidade dos jogadores.
Por vezes atribuíamos dois dias porque sentíamos que os dois dias
permitiam aos jogadores recuperar mais facilmente sob o ponto de vista
mental e se recuperassem mais facilmente sob o ponto de vista mental,
recuperariam mais facilmente sob o ponto de vista fisiológico. O estado
178 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

de espírito é uma coisa importante porque o tu sentires-te bem também


permite estares mais... permite uma melhor recuperação, digamos assim.
O teu estado emocionalpermite uma maior recuperação global
(Faria, 2007, p. XXV)

Como podemos ver, temos de contemplar o jogador como um ser humano e não
somente do ponto de vista fisiológico (ainda que, face ao exposto, sequer parece haver
coerência, mesmo do ponto de vistafisiológico, em treinar no dia a seguir ao jogo).
A respeito desta temática, Bompa (2002 citado por. Esteves, 2010) cita que a
recuperação fisiológica/muscular normalmente se concretiza de um a três dias, enquan-
to que a recuperação mental/emocional se produz de três a sete dias após eventos de
máxima exigência, ou seja, as manifestações de carga mental são as últimas a recuperar, se as
exigências do jogo forem grandes (Platonov, 1998 citado por. Ribeiro, 2005).
O sistema nervoso periférico (vulgo sistema muscular) atinge muitas vezes o limite
durante ojogo, enquanto que o sistema nervoso central começa a "trabalhar" muito antes destes
jogos, atinge o limite durante o mesmo e ainda "trabalha" depois (Carvalhal, 2014, p. 66).
Assim, a competição gera um desgaste significativo nos jogadores, especialmen-
te a nível mental-emocional. No futebol de competição, começa-se a "jogar" antes do
próprio jogo. Ainda, joga-se o jogo e continua-se a "jogá-lo" passado uns dias.
Talvez seja por isso que Iker Casillas, ex guarda redes do Real Madrid, referiu em
entrevista (2012), que "o desgaste de jogar na elite é muito mais mental'.
Portanto, parece estar claro que na segunda-feira, na grande maioria das vezes,
deverá ser concedida folga a toda gente envolvida no processo. Contudo, alguns profis-
sionais acreditam que treinar apenas à tarde, dando folga no turno da manhã já é o
suficiente para amenizar esta problemática. A este respeito, Gomes (2013, p. 332-333)
lança um alerta:

Para terminar, acho que os jogadores a top devem ter um dia


para a família. Digo isso porque trabalhar sete dias por semana
é muito complexo. Não é muito complexo no início do processo
mas depois com a rotina torna-se pesado saber todos os dias que
vais fazer qualquer coisa. E mesmo que seja um treino às 17h, já
sentimos a partir do almoço que está condicionado para ir treinar
mais tarde. O que não acontece se tiver um dia para não fazer
nada que lhe é imposto. Num processo de um ano isto pode ser
decisivo para gerir o modo como os jogadores se envolvem no
processo.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 179

Os jogadores têm o seu lado social, o lado familiar e, portanto isso deve ser
contemplado. Mesmo tendo em conta que em termos fisiológicos se contraria o
"consenso geral", do ponto de vista mental é mais fácil afastar os jogadores do proces-
so do que "levá-los" para treinar logo no dia seguinte após a competição. Isso acelera
a recuperação.

Sob o ponto de vista mental-emocional, se a este nível a recuperação


ocorrer mais rápido ocorre mais rápido ao nível do resto. A minha
preocupação é aquilo que nós chamamos defadiga tática, digamos assim,
é a fadiga mental Esta é a que nos preocupa mais. A fisiológica também
nos preocupa mas, efetivamente, menos complexa vem por arrasto à
mental-emocional ou tática.
(Faria, 2007, p. XXVI)

Depois existem outras coisas que também devemos levar em conta, não?
Por exemplo: Se nós jogamos em Bilbao domingo à noite. Uma equipa
de primeira divisão que joga às oito da noite, com o jogo terminando
às dez ... enquanto tomam banho, talvez jantam, vão ao aeroporto e
tudo isso, chegam em casa pelas duas ou três da manhã, e me parece uma
barbaridade colocar um treino para o dia seguinte, pela manhã. Penso
que o que os jogadores devem fazer é chegar, descansar, disfrutar suas
famílias, esquecer um pouco o que é ofutebol e no dia seguinte (dois dias
a seguir à competição) começar outra vez.
(Tamarit, 2013a, p. 383) ~

Ainda que as periodizações convencionais defendam que "fisiologicamente"


é melhor treinar no dia a seguir, a Periodização Tática não pensa desta forma. Num
processo que atende a uma lógica complexa, onde o aspeto mental e emocional é tão
importante, onde se exige concentração permanente, a recuperação é fundamental.
Como disse, parece que sequer do ponto de vista dito fisiológico é recomendável treinar
no dia seguinte ao jogo. Isso tem pouco sentido, salvo exceções, mais ligadas às circuns-
tâncias de cada processo. Portanto, dominantemente a segunda-feira deverá ser um dia
sem treino.

3.4.4.4 Terça-feira (segundo dia após a competição): Recuperação

A Periodização Tática não concorda com a forma convencional de


recuperação.
(Frade, 2013a)
180 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Segundo a lógica da Periodização Tática, recuperar é incidir na matriz


do esforçar.
(Amieiro &Maciel,2011)

Na continuidade da abordagem do fracionamento do jogar durante o inorfociclo


padrão, chegamos ao segundo dia pós-competição, o primeiro treino propriamente dito.
Neste dia a recuperação :fisiológica ainda não ocorreu e a fadiga central ainda
está presente de maneira acentuada, por isso, tal como no dia anterior, os jogadores são
novamente submetidos a um regime de recuperação. Entretanto, desta vez recuperam
de forma ativa, ou seja, treinando.
Assim, devido à lógica e ao caráter dominantemente recuperativo, a terça-feira
assume a cor verde-claro, resultante da junção do verde do jogo com o branco da folga.
Embora este treino esteja assente num regime de recuperação, isso não significa
que o conceito de especificidade seja posto de lado, muito pelo contrário, na Periodiza-
ção Tática o modo como se treina tem sempre em conta aspetos inerentes ao jogar, quer
quando a dominância é aquisitiva, quer quando é recuperativa.

É tão importante recuperar como treinar e éfundamental entender que,


do modo como trabalhamos, tudo o que diz respeito ao treinar, ao recuperar
e ao jogar é perspectivado e preparado em conjunto -o processo para ser
especifico tem de ser indiviso-. Normalmente, aquilo a que os jogadores
estão habituados é recuperar a correr, com corrida contínua. Nós não
aceitamos esta ideia. Fazemos um trabalho especifico, condicionado ao
nosso modelo de jogo, que incida sobre as estruturas afetadas pela fadiga
do jogo, acompanhado de exercícios que ajudem à recuperação mental,
pois é nesse aspeto que afadiga ataca mais depressa.
(Faria, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 135)

Neste dia, para quem jogou, deve existir recuperação a todos os níveis, onde a ideia
de jogo apareça de maneira implícita e sem nenhuma pretensão aquisitiva de forma
deliberada.
Esta unidade de treino faz-se fundamental porque para além da necessidade de se
ter de recuperar de um evento de exigência máxima (o jogo anterior), possibilita que os
jogadores adquiram determinados macro, meso e micro princípios relevantes ao jogar
ao longo da semana de treinos do morfociclo padrão.
Além disso, o respeito e a correta operacionalização desta unidade de treino -e das
outras- é o que garantirá que a equipa chegue ao próximo jogo com a possibilidade de
competir nas suas máximas condições.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 181

No que se refere à operacionalização deste dia, o professor Vítor Frade sugere


algo que contraria a generalidade das conceções de treino, as quais referem que se deve
incidir fundamentalmente na via oxidativa para acelerar a recuperação dos jogadores.
Trotes, corridas contínuas, utilização de bicicletas ergométricas em ginásios, sessões
de hidroginástica, são alguns dos exercícios preconizados por estas metodologias.
Frade (2013b) refere que há incongruência por parte destas orientações. Isto
porque se a equipa cansa em função de um todo complexo, como é que ao atuar
"apenas" (predominantemente) na via aeróbia os jogadores se recuperam?
Na perspectiva de Frade, ou seja, da Periodização Tática, a recuperação, quando
feita de maneira ativa, assim como a aquisição, deverá ser feita incidindo sobre o novelo
metabólico representativo da Especificidade da equipa.

Contrariamente ao que se diz, que a recuperação deve ser feita em


trabalho ativo, eu não acho que se deva fazer, o que se deve fazer
é descansar, e se deve ser feita com trabalho ativo deve fazer-se sobre
aquilo que está cansado.
(Frade, 2013a, p. 425)

O núcleo duro da adaptabilidade, em termos energéticos é aquilo que se deve


recuperar, isto é, o novelo metabólico que é representador ou representativo da Espe-
cificidade.
Este novelo, ou emaranhado, é constituído por um "namoro" determinado das ~
vias anaeróbias com a aeróbia, que a equipa frequentemente solicita em competição
e em treino. Deste modo, ao ativar este novelo e salvaguardar um tempo largo de
recuperação, dando tempo para a oxigenação das células ocorrer, é que a recuperação
irá acontecer.

Se o jogador se cansa solicitando uma teia bioenergética, portanto,


todos os mecanismos (aeróbio, anaeróbio lático e anaeróbio alático) ...
se tudo isso está em uma determinada teia e está num determinado
padrão de conexões a ser solicitado e a cansar-se, parece-nos pouco
razoável acreditar que depois, à posteriori, quando se quer recuperar,
atuando só sobre uma parcela (via aeróbia), e atuando só sobre uma
parcela descontextualizada, que se consiga fazer recuperar a teia, o todo.
Portanto, segundo a lógica da Periodização Tática, recuperar é incidir
sobre a matriz do esforçar.
(Amieiro &Maciel, 2011)

Por isso, parece ser evidente que é atuando sob a mesma matriz de esforço regis-
tada em competição que a recuperação se faz de maneira mais eficaz e melhor respei-
182 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

tando a Especificidade do jogar. Logicamente que a natureza do esforço é a mesma, a


duração é que é pequena, resumindo-se a pequenos instantes, visando ativar o orga-
nismo tal como no jogo ele é ativado, mas durante pouquíssimo tempo.
Portanto nesta ,unidade de treino, os estímulos devem ser curtos e de "elevadà'
"intensidade", solicitando fundamentalmente a mesma matriz metabólica implicada
na concretização do jogar, e proporcionando períodos de recuperação largos para que o
metabolismo aeróbio possa proceder à recuperação, reorganização e realimentação do
organismo.
O padrão de contrações musculares deste dia, para o grupo de jogadores que joga-
ram caracterizar-se-á por elevada tensão e velocidade, entretanto com baixíssima dura-
ção - isto é, uma reduzida densidade do padrão de contração que permite a concretiza-
ção do jogar - , resumindo-se a alguns instantes.
É, portanto, uma sessão extremamente descontínua, onde o tempo de recupera-
ção é muitíssimo alto, com baixa continuidade nos exercícios, portanto a densidade59 é
bastante baixa.
Geralmente o tempo total da sessão de treino não ultrapassa uma hora, por vezes
podendo até durar mais em virtude da necessidade de assegurar o alargamento dos
tempos de recuperação. No que se refere à escala de organização em que se treina, esta
é dominantemente individual e grupal.

Nos dias da recuperação, como jáfalamos anteriormente, desenvolvemos


a intensidade máxima relativa através de situações de execução máxima
em períodos muito curtos com tempos largos de intervalo entre cada
repetição. Deste modo, temos entre os intervalos largos de repouso também
a predominância do metabolismo da foifbcreatina. Mas não podemos
ter só essa PREocupação pois também temos a absoluta necessidade de
ficarmos ágeis e frescos. Assim, sabemos que para recuperar temos que
criar situações em que isso aconteça. Então, sabemos que no jogar e
descansar, o descansar é no mínimo cinco vezes mais o tempo que o do
jogar. Uma matriz do recuperar de pelo menos cinco tempos de repouso
1
para um de ação.
I· (Gomes, 2013, p. 337)
Í,
1

! "Então é uma espécie de fustigação do metabolismo: ele vem, mas parou! Ora, isto
constitui uma benesse, não o deixa adormecer e apressa sua recuperação. Portanto, aquilo
:'1·
1,1
líi
!

jl 59 Densidade: Tal como sugere Maciel (201 lc) utilizarei o termo densidade para referir a relação propor-
cional entre o tempo de "exercitação" e o respectivo repouso, tendo em vista o tempo de intervenção do
,',,'I jogador no exercício (e não os tempos absolutos).
'I

'I
J
IJ
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 183

que está cansado é também através dele que se recupera. Esta é a minha lógica na Perio-
dização Tática" (Frade, 2013a, p. 426).
De tal forma esta metodologia de treino é coerente com a essência biológica
do ser que joga, que o professor Frade sugere com o uma espécie de "imunoterapia",
possibilitando sempre que possível que seja o organismo por via do sistema imuno-
lógico a reestruturar-se, regenerar-se e recuperar-se, sem o auxílio de "muletas" como
a prescrição e ingestão de medicamentos, anti-inflamatórios, banhos de imersão no
gelo, em suma, trata-se de uma adaptabilidade especifica individual.

DIA DE RECUPERAÇÃO

211 Dla
pós-competição

Fundamental: Fractal do Jogar em escala grupal A 60mlnutos


~--------'
Tenslo+ t
1 Recuperadoresdo Fundamental/Complementar A:
Recuperadores em escala grupal

o
Recuperadores dos Fundamentais/Complementar B:
"Porcas e Parafusos• Velocidade +

Esquema explicativo do treino de terça-feira (segundo dia após a competição),


no morfociclo padrão.

E então como eu quero que todos recuperem, eu tenho que ser muito
cuidadoso em relação à situação jogada. A situação tem que ser jogada,
mas ela tem que ser uma redução sem empobrecimento e naquilo em que
o não empobrecimento é o contemplar a totalidade dos indivíduos que
estão implicados e, portanto, a situação guarda redes + 3x3 + guarda
redes é a melhor! Muito curto o tempo, todos eles têm a possibilidade de
travar, cair, rematar e o caraças! Porque são três, se são quatro já uns
vão intervir mais do que outros e com três se calhar não! E o G + 3x3
184 > ]ULlAN BERTAZZO TO BAR

+ G é um padrão universal do jogar, qualquer que ele seja. Vtí ler sobre
"O Problema dos Três Corpos60 " do Poincaré.
(Frade,2013a,p.425)

60 Problema dos Três Corpos: Malone & Tanner (2008) referem que através da matemática newtoniana
acreditava-se ser possível determinar a posição de qualquer corpo. Nesta conceção o comportamento de
dois corpos era possível ser previsto através de equações matemáticas com grande precisão. Demonstrou-se
matematicamente que quando dois objetos começavam a movimentar-se com órbitas quase idênticas, a
diferença entre elas nunca mudaria, então era possível determinar a órbita de um corpo, sabendo a órbita
do outro. Malone & Tanner (2008) contam que, em 1889, o matemático francês, Henri Poincaré, desco-
briu que ao se adicionar um terceiro corpo à relação, (naquela época) não havia como prever órbitas, pois
o conjunto de ligações ou de articulações promovido pelo terceiro corpo tenderia para o infindável, sendo
impossível de determinar o seu comportamento através da matemática (naquela época). "Em alguns casos,
não importa o quanto os caminhos sqam similares no início, se houver qualquer diferença, um deles pode seguir um
caminho diferente e totalmente inesperado e imprevisível Poincaré lamentou que a previsão se tomara imprevisí-
vel Ele viu algo a comportar-se de uma maneira que ele não esperava, epercebeu que tinha a ver com as condições
iniciais e com o que hoje chamamos de suscetibilidade às condições iniciais e é isso que é inesperado, se houver uma
modificação, por mais ínfima que sqa, poderá ter uma enorme diferença no resultado final' (Malone & Tanner,
2008).
Capra (2006, citado por. Maciel, 2011a) ao referir-se sobre Poincaré afirma que este, com o intuito de
analisar as características qualitativas dos complexos problemas dinâmicos, socorreu-se dos fundamentos
da matemática da complexidade. ''Aplicando o seu método topológico a um problema dos três corpos ligeiramente
simplificado, Poincaréfoi capaz de determinar aforma geral das suas trajetórias e verificou que era de uma comple-
xidade assustadora" (Capra, 1996, p. 110, citado por. Maciel, 2011a, p. 221-222).
Nas palavras do próprio Poincaré: "Tendo concluído, que quando se procura ''representar a figura formada por
essas duas curvas e a sua irifinidade de intercepções, essas interaçõesformam uma espécie de rede, de teia ou de malha
infinitamente apertada; nenhuma das suas curvas pode jamais cruzar consigo mesma, mas deve dobrar de volta
sobre si mesma de uma maneira bastante complexa afim de cruzar infinitas vezes os elos da teia. Fica-se perplexo
diante da complexidade dessa figura, que nem mesmo eu tento desenhar'.
"Sempre que há mais do que três variáveis a capacidade que elas têm de se implicar e condicionar a evolução das
outras é muito grande. Quando aparece o terceiro elemento, esse terceiro introduz o caos no sistema" (Cunha e Silva,
citado por. Maciel, 2011a, p. 222).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 185

Guarda redes + 3vs3 + Guarda redes

Frade (2013a) refere que nos contextos de propensão de guarda redes + 3x3 +
guarda redes (importante salientar que estes jogos podem e devem ter diferentes condi-
cionalismos e configurações, não são jogos feitos de qualquer maneira, simplesmente
"por fazer") os jogadores jogam por um minuto, um minuto e meio e descansam; saem
da situação e voltam a jogar após aproximadamente cinco tempos. Enquanto estão
fora do exercício, nos intervalos entre as repetições, os jogadores alongam, fazem abdo-
minais, etc., isto é, a natureza do jogar é a mesma (ainda que em escala micro), mas a t

duração em que isto acontece é que é curta.


Por ser o que permite, que de facto, o impacto do que se faz em treino se verifique
em cada um individualmente, sem com isso descurar o todo, as situações de 3x3 tendem
a serem as ideais, ainda que se realizem outras situações na terça-feira, mas sem dúvidas,
o 3x3 num período muito curto, com muito tempo para recuperar, parece ser o melhor
para cumprir a ativação do novelo metabólico implicado na manifestação de cada jogar
e consequentemente a recuperação dos jogadores, a todos os níveis, pois para além da
dita dimensão fisiológica, a complexidade relacional de 3x3 é baixa, e o modo como se
estruturam os contextos, sem exigências de aquisição promove recuperação, a todos os
níveis.
Deste modo, o 3x3 deve ser dominante (ainda que possa apresentar diferentes
variantes e propósitos implícitos) nesta unidade de treino.

Para os jogadores que jogaram, é um treino de recuperação no qual eu


busco ativar ou despertar especificamente este emaranhado bioenergético
que eles requisitam no jogo, no nosso jogar durante o jogo, trata-se de
186 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

despertá-lo durante um minuto -através de um fractal do nosso jogar-


para depois haver uma larga recuperação entre exercícios, porque acredito
que esta é a melhor maneira de recuperar. Por exemplo, faço um 3x3
durante um minuto ou um minuto e meio, que me permite este ''ativar"
e paro. Paro, isto é, dou um intervalo seis ou sete vezes maior em relação
ao tempo em que estivemos jogando. Faço abdominais, alongamentos,
bebemos água, ou trotamos um pouco, e voltamos a fazer, um minuto
ou um minuto e meio, e voltamos a parar. .. Não acredito que através
do treino aeróbio referido pela lógica convencional se possa recuperar a
interação produzida por três fantes energéticas diferentes. Resumindo, o
que eu faço é o que diz a Periodização Tática.
(Tamarit, 2013a, p. 384)

Para Marisa Gomes (2013) a recuperação também se processa nestes moldes,


onde busca recuperar seus jogadores quase sempre com jogos intermitentes, compe-
titivos, de pouca duração, em que os jogadores estão orientados para determinado
propósito (sem pretensões aquisitivas de maneira deliberada), seja com igualdade
numérica ou com superioridade.
Frade sublinha que dentro desta unidade de treino, existem os objetivos funda-
mentais -a recuperação do desempenho coletivo decorrente do último jogo- e os
objetivos complementares, que se constituem como "recuperadores" dos fundamentais.
Como vimos, os objetivos fundamentais são levados a cabo através de contex-
tos que solicitam dominantemente a "gasolina" do jogar, e serão atingidos através da
operacionalização da lógica apresentada anteriormente.
No que diz respeito aos "recuperadores" e "complementares" dos fundamentais
(que na verdade, quando bem operacionalizados e geridos, tornam-se fundamentais
como complementares para a necessária variabilidade e agilização das estruturas), a sua
operacionalização poderá ser feita através dos exercícios complementares A, ou seja,
exercícios como o ténis-fut, futevólei, "meínhos", e outros que possam ser criados em
função do contexto da equipa e a criatividade do treinador para este dia, respeitando
dita lógica.
Nesse sentido, Marisa Gomes (2013) diz que no seu processo de treino as redes
do ténis-fut ou futevólei são posicionadas em diferentes alturas de modo a promover
a agilização das estruturas menos solicitadas em competição.
Por exemplo, se a sua equipa joga fundamentalmente com a bola no chão -ou
foi obrigada pelo padrão de jogo do adversário a jogar pelo chão sem muitas disputas
de jogo aéreo, com deslocamentos curtos- realiza o exercício com a rede mais alta,
para que os jogadores solicitem diferentes amplitudes de movimento, para não haver

J
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 187

perda de agilização, uma vez que toda a "especialização" acaba por fechar, travar. Os
graus de liberdade, de manifestação do corpo, por força da circulação da bola pelo
chão estão diminuídos em relação a máxima possibilidade do indivíduo. Portanto nas
trajetórias diferentes atenuaria a perda de agilidade.
Durante os períodos que intermeiam os tempos de "exercitação", no que diz
respeito ao cumprimento dos objetivos fundamentais -situações ditas "jogadas" (suges-
tão do 3x3) e dos exercícios complementares A-, podemos aproveitar para realizar o
que ao longo da semana será frequente, que é a afinação do organismo através de alon-
gamentos, alguns tipos específicos e apropriados de abdominais61 , dorso-lombares, que
o professor Frade chama de "afinar porcas e parafusos", os chamados exercícios comple-
mentares B.
Naturalmente que o treino nas condições que apresentei aqui se enquadra para
jogadores que jogaram 45 minutos, ou mais, do jogo (ou menos, depende do contexto e
das circunstâncias). Os jogadores que não jogaram, ou que jogaram pouco obviamente
que necessitam de outro tipo de treino e solicitações.
Para os jogadores que não jogaram, ou que participaram pouco do jogo, devem-
-se criar contextos que solicitem esforços muito similares aos da competição, ainda
que saibamos que não serão iguais (não só a nível emocional e de tudo o que envolve
uma partida oficial), mas sempre tentando aproximar o máximo possível - a todos
os níveis: concentração, desempenhos, complexidade, recuperação, espaço de jogo,
número de jogadores, etc., onde a dimensão aquisitiva seja dominante.
A operacionalização do treino para este grupo de jogadores deverá ser feita com
sensibilidade, afinal uma sessão nestes moldes promove um desgaste significativo, pelo
que devemos geri-la com cuidado, afinal este grupo irá treinar juntamente com o grupo

61 Exercícios abdominais: Recomenda-se a realização de exercícios específicos e apropriados para o


fortalecimento da musculatura abdominal, pois conforme explica Vítor Frade "habitualmente a hiper-
lordose lombar, defeito postural que se caracteriza pela curvatura lombar excessiva, é o resultado do desenvol-
vimento exagerado do psoas e do ilíaco, associado ao facto de serem anormalmente encurtados (Rasch & Burke,
1977). Estes músculos são muito solicitados,já no dia-a-dia (inclusive no jogo de futebol), quando andamos,
corremos, subimos escadas, o que faz com que sejam muito potentes. Com o intuito de evitar a hiperextensão da
coluna lombar através da ação do psoas é necessário que haja a contração da musculatura abdominal Por este
motivo, e devido ao facto de, na maior parte dos casos, a força do iliopsoas ser maior do que a dos abdominais,
aconselha-se que o desenvolvimento do iliopsoas seja evitado e de que se promova ofortalecimento da musculatu-
ra abdominal, com o objetivo de alcançar um melhor equilíbrio entre os dois grupos musculares (Rasch & Burke,
1977; Kendall & McCreary, 1986). Por isto, nos exercícios abdominais, devemos minimizar ao máximo a ação
dosjlexores do quadril (Rasch & Burke, 1977; Kendall & McCreary, 1986; Donovan, McNamara & Gianoli,
1988}".
188 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

dos que jogaram o jogo anterior (e que neste dia recuperou) durante todas as unidades
de treino que se avizinham (caso esta seja uma "semana cheia").
Sinto a necessidade de referir, que os contextos de propensão que apresentei nesta
seção serviram apenas para dar sustentação às ideias apresentadas. São contextos que
surgem a partir de n~cessidades, que cada processo e cada semana exige.
Na Periodização Tática, não existem "receitas prontas" no que diz respeito à confi-
guração dos exercícios, mas existem pilares que direcionam o processo e sua morfodi-
nâmica semanal. Como refere o professor Vítor Frade, só se "controla" o processo se não
o deixarmos descontrolar.
Portanto, o treinador deverá ter em conta tudo isso, e criar exercícios que atendam
às suas necessidades. Por isso a Periodização Tática é uma metodologia e um fato feito
à medida, embora algumas pessoas continuem a querer comprar camisas tamanho "M"
quando o corpo pede tamanho "S", ou até, em alguns casos, a roupa serve, mas a gola
fica apertada, e, portanto, desajustada.

Periodização Tática, um fato feito à medida.

Para finalizar, com relação à parcela da dimensão estratégica durante o morfociclo


padrão, Frade (2011) coloca que a preocupação estratégica deve ser assimilada progres-
sivamente durante o morfociclo, assim como já explicitei, nunca em dominância, mas
sempre em complementaridade à tática.
No dia da subdinâmica recuperação ativa, já se pode alertar os jogadores para os
aspetos estratégicos do próximo adversário, ou se pode falar-se de algumas coisas que se
passaram no jogo anterior (Frade, 2011).

Se eu acho que a equipa que vou defrontar tem um ponto fraco que eu
quero também explorar, se calhar, e tendo em conta o modo como eu
entendo o morfociclo, a partir de terça-feira, que é o primeiro dia de
treino - mas de recuperação-, mesmo aí, eu posso já estar a acentuar,
nem que seja a alertar: "olha, eles jogam assim, a gente, provavelmente
não deve descurar esse aspeto" ou ''eles costumam sair de trás, mas saem
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 189

normalmente pelo central ou pelo lateral". Vamos ter isso em consideração.


Mas isso só entra no que já está, no que é solido, no que é a organização.
Pode constituir, diariamente, dez por cento e nunca mais do que isso.
E todos os dias! Não é como sefaz habitualmente, reservar para sábado
ou para sexta-feira, e aí é dominante. E às vezes acontece, o que é que
acontece quando a gente está afalar com alguém ao telefone? "Não, vou
dizer-lhe desta maneira ou daquela." Entretanto, ele diz outra coisa e
nós já não sabemos o que é que íamos a dizer. Portanto, a memória é
uma coisa muito complicada e complexa e é por isso que, a longo termo, é
a maior responsávelpela habituação, pela adaptabilidade. É por isso que
o hábito adquirido na ação é o hábito que tem a ver com a tática, com
a cultura tática, com a organização intencionalizada, com a presença
dos princípios, que são critérios, são referenciais coletivos, são os macro
princípios. A estratégia é uma aposta e, normalmente, quando a gente
aposta demasiado na estratégiafica "lixado" com a tática.
(Frade, 2011)

3.4.4.5 Quarta-feira (terceiro dia após a competição - primeiro dia


"aquisitivo 62 "): Dia "azul".

Por estarmos no terceiro dia após a competição, a recuperação da equipa, como


um todo, ainda não ocorreu. Embora alguns jogadores já possam estar recuperados do
esforço da competição, a equipa na totalidade dos indivíduos ainda não tem a plena
capacidade de realizar um esforço em condições semelhantes aos do jogo nas suas fl

melhores condições de funcionalidade e fluidez.


Por isso, este é o último treino da semana que contempla a recuperação dos joga-
dores do esforço do último jogo, embora seja designado como período aquisitivo63
(individualizante) no Morfociclo Padrão.

62 Estamos a falar de um aquisitivo com "à' minúsculo, uma vez que nos referimos a um aquisitivo indi-
vidualizante.
63 Dita aquisição será centrada essencialmente no indivíduo, através de estímulos e contextos que promo-
vam o efeito retardado tensional do desempenho individualizante.
190 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

"Morfociclo"
Sexta Sábado

3/4 + 1/4
(R) + (Aq .)

1 UI 1 .
Biofísica? Exemplos:
Bioeléctrica~ O que é a fenda. sináptica?
Biomecânica? Ecc,etc.etc ... O que é a "fenda'" na passagem das "imagens" neuronais às imagens menc:aisr

Na quarta-feira a parabiose do desempenho coletivo está quase no seu final. Por isso, neste
treino, na parte "fundamental" (1/4) da sessão, a aquisição deverá centrar-se em aspetos
micro, dominantemente sobre o indivíduo, promovendo uma parabiose a nível individual ao
nível do grau de tensão da contração muscular. (Frade, 2015).

Importa ter em consideração que apesar de mais recuperados (no que se refere ao
desempenho coletivo implicado na competição), comparativamente com o dia anterior,
a verdade é que a equipa, como equipa, ainda não se encontra nas condições ideais.
Nesse sentido, e tendo como parâmetro a realidade competitiva a top, Bangsbo
(2002) explica que as reservas de glicogênio muscular -substrato energético funda-
mental para jogar em "intensidades elevadas" - , deplecionadas durante a competi-
ção, no terceiro dia pós-competição ainda não estão totalmente reestabelecidas. Será
apenas no quarto dia após o último jogo que a recuperação completa se verificará.
Contudo, embora na quarta-feira a equipa como um todo ainda não esteja em
condições de realizar um esforço semelhante ao da competição, durante um quarto
desta sessão de treino, já poderá treinar e "adquirir" aspetos relevantes ao jogar (em
menor escala de complexidade), promovendo uma parabiose a nível individual no que
se refere ao grau de tensão da contração muscular, levando à extensibilidade dinâmica
máxima individualizante.
Esta unidade de treino será feita de modo a que não atrapalhem a recuperação do
jogo anterior -não hipotecando a parabiose coletiva- e que, por sua vez, possibilitem
adquirir conteúdos mais complexos no dia seguinte.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 191

Nesta unidade de treino o treinador leva em consideração um aspeto


considerado fundamental· a possibilidade dos jogadores ainda não
terem recuperado na totalidade, mental e fisicamente, do jogo anterior.
Como consequência direta desta incerteza, pois as individualidades
determinam ritmos diferentes de recuperação, o treino de quarta-jêira
é o mais descontínuo do morfacic!o, ou sija, é aquele que compreende
intervalos de recuperação maisfrequentes, e portanto maisfracionado.
(Gaiteiro, 2006, p. 165)

De modo a não hipotecar a recuperação dos jogadores e ao mesmo tempo possi-


bilitar "aquisição" de conteúdos relevantes ao jogar, neste dia as incidências do treino
não podem recair sobre a grande dimensão coletiva do jogo uma vez que em termos
de concentração é muito mais exigente porque existem mais jogadores, uma maior
1

necessidade de articulação entre eles, mais espaço e, portanto, aproximam-se muito das
exigências do jogo.
Desta forma, se neste dia o treinador incidir nos macro princípios do jogar, acaba-
rá por impedir a recuperação completa dos jogadores, algo decisivo para o rendimento
do jogador e da equipa. Em consequência, os jogadores ficam mais cansados para o
treino do dia seguinte e impossibilita a aquisição desejada tanto para quinta-feira como
para este dia.
Em suma, a equipa e os jogadores não teriam condições de treinar com a intensi-
dade máxima relativa preconizada para cada sessão, dificultando e/ou impedindo que a
lt
aquisição pretendida ocorresse. Ainda, não permitiria que a devida recuperação relativa
ao desempenho coletivo (parabiose coletiva) se verificasse, além de impedir a maximi-
zação da tensão da contração muscular individualizante (parabiose individual), algo
fundamental nesta sessão.
De modo a que isso não aconteça, fraciona-se o jogar numa dimensão mais redu-
zida, e a "aquisição" (individualizante) será objeto de preocupação durante um quarto
da sessão, sendo os outros três quartos preenchidos com exercícios complementares
"recuperativos".
Conforme salienta Reis (2016), como a equipa não solicita durante os jogos, todos
os jogadores da mesma maneira (uns desgastam-se mais, outros menos, outros nem
sequer entram em campo), dentre as preocupações semanais da Periodização Tática não
está somente a recuperação relativa ao jogo anterior, mas igualmente a necessidade de
potencializar o plano individual de forma ajustada, sobre a parte final da recuperação
da parabiose coletiva do último jogo. Dito por outras palavras, nesta metodologia de
treino existe a necessidade de recuperar da fadiga relativa aos desempenhos, para voltar
192 > JULlAN BERTAZZO TO BAR

a "desempenhar" ininterruptamente, ao mesmo tempo em que se vai cuidando e poten-


ciando a esfera coletiva e individual.
Desta maneira, a parte fundamental e aquisitiva do treino de quarta-feira inci-
dirá sobre as partes, onde se pretende fundamentalmente um crescimento individual
. '
de cada jogador, através da promoção de contextos que incidam dominantemente
na escala micro do jogar, propósitos de menor complexidade, mas "sempre" na sua
articulação com o todo, estabelecendo permanentemente uma ponte para os macro
e meso princípios do jogar, criando, potenciando e incorporando subdinâmicas no
1ogar.
Portanto, durante este um quarto, o fundamental será garantir, ter a certeza de
provocar consequências aquisitivas (estruturais e funcionais) individuais, principalmen-
te sobre uma das faces das fibras rápidas e a sua bioenergética, fundamentalmente atra-
vés do treino de micro princípios de forma dominantemente individual, num regime
de dominância da tensão máxima da contração muscular, isto é, levar o indivíduo à
extensibilidade dinâmica máxima individualizante. Em virtude desta configuração, a
parte fundamental desta unidade de treino assume a cor azul, representada pelas peque-
nas listras.
Assim, de modo a promover um aumento considerável no nível da tensão da
contração muscular no indivíduo, e garantir a aquisição pretendida, no que se refere à
extensibilidade dinâmica máxima individualizante, devemos realizar exercícios "não joga-
dos"64, que propiciem o aparecimento do ciclo alongamento-encurtamento65 , fazendo
com que a extensibilidade máxima da perna, seguido de um encurtamento máximo e
uma nova extensão máxima aconteça, por exemplo.

64 Exercícios não jogados: Por situações "não jogadas" queremos dizer os contextos em que a competição
existe, mas não como em jogo, aproximando-se mais de algo "analítico", "fechado". Situações de confron-
to direto (ou não) e sem necessariamente estarem presentes os diferentes momentos do jogo de maneira
contínua.

65 Ciclo Alongamento-Encurtamento (CAE): O CAE pode ser definido como a acumulação de energia
potencial elástica durante as ações musculares excêntricas, a qual é libertada na fase concêntrica subse-
quente na forma de energia cinética (Farley, 1997). Trata-se de um mecanismo fisiológico cuja função é
aumentar a eficiência mecânica e, em consequência, o desempenho motor de um gesto atlético. O CAE
ocorre quando as ações musculares excêntricas são seguidas imediatamente por uma explosiva ação anta-
gónica. Há um rápido alongamento da musculatura seguido de uma rápida ação concêntrica. Um exemplo
1
de manifestação do CAE é uma aceleração, seguida de uma travagem e uma mudança de direção imediata.
1
'1 De acordo com Pinto (2011), o CAE tem três fases: (1) excêntrica: há uma pré-ativação dos músculos
agonistas do movimento. (2) amortecimento: fase de transição entre as fases excêntrica e concêntrica, em
que os fusos musculares e todas as células são vigorosamente alongados. (3) concêntrica: há um incremento
significativo no fluxo neural decorrente do CAE, com maior produção de força.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 193

Este padrão de stress mecamco deve estar presente nos exercícios fondamen-
tais, levando o músculo ao "limite". O modo como esta lógica será operacionalizada
dependerá da criatividade de cada treinador (podendo utilizar elementos como salto,
agachamento, aceleração/sprint, dividida, travagem, queda, remate, mudança de dire-
ção), porém a forma como o músculo age e interatua deve assegurar o respeito por
esse padrão de maximização da tensão muscular, para que posteriormente toda a rees-
truturação dos tecidos e espaços intercelulares e intracelulares se faça contemplando a
maximização do grau de tensão muscular.
A realização dos exercícios fondamentais deve ser em espaço reduzido, com um
número de jogadores e com tempos de "exercitação" igualmente reduzidos, possibili-
tando a operacionalização desta lógica. Isto, nesta sessão, é o fundamental, e chamare-
mos este tipo1 de exercícios de "exercícios aquisitivos individualizantes" ou "exercícios
fundamentais".
Esta aquisição individualizante produzir-se-á através de algumas (não muitas)
repetições que levem a uma manifestação de extensibilidade dinâmica máxima. Por
isso, mais do que "simplesmente" gerar aumento da tensão muscular, durante algumas
vezes, o fundamental é assegurar que, o que se faz e quando se faz, leve verdadeiramente
ao máximo.

Na quarta-feira, aquilo que é fondamental, são aquelas repetições


onde o aquisitivo individual vai acontecer Jazendo algo que para ser
levado a efeito implique num dado momento a extensibilidade máxima 1t

na contração, uma vez que tais constrangimentos físicos, ao serem


traduzidos pelas células em instruções que modulam a sua atividade,
pela ação dos "interruptores Yap/Taz 66 " descritos pelas investigações na
área da mecanobiologia67 (Piccolo, 2015), terão papel determinante
naquilo que será a forma das células (e as faturas gerações celulares) e a
forma como estas se associam entre si e com a matriz extra-celular, o que
definirá a constituição e configuração complexa dos órgãos.
(Reis, 2016)

Portanto, o alongamento, a extensibilidade máxima na contração e os constrangi-


mentos mecânicos nas células -que neste dia são levados a cabo durante a parte funda-

66 Proteínas YAP!fAZ: Para maior entendimento da atuação e da funcionalidade destas proteínas nas
células, recomenda-se a leitura dos estudos de Piccolo (2014) e (2015).

67 Mecanobiologia: Mecano (deriva de mecânica) bios (significa vida) elogia (significa estudo).A mecano-
biologia é uma ciência multidisciplinar que estuda a maneira que as células interpretam e reagem perante
às forças mecânicas (Piccolo, 2014).
194 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

mental da sessão de treino- na sua continuidade, além de regular a sua atividade e


função, fomentarão nos jogadores uma especificidade concreta, através da adaptabili-
dade, da modelação, da plasticidade e da correspondência dinâmica, relativa à ideia de
jogo e ao processo de ~reino.
Nesse sentido, o professor Vítor Frade afirma que conseguindo realizar uma, duas,
três máximas situações com estas, ou com algumas destas características (respeitando
o tempo de recuperação entre uma repetição e outra) já seria suficiente para provocar
evolução e aquisição estrutural/funcional nas células, isto é, a concretização do "efeito
retardado do desempenho individualizante".

Efeitos retardados dos desempenhos, "


os individualizantes mais apressados
e menos amplos nos desenhos,
da corifi,guração do colectivo
mas, entranhando parabiose
pela articulação do sentido
no respeito p'las doses,
da Especificidade
nas especificidades,
aquisição da eficaz qualidade
do a modelar em todas as idades,
a ideia de jogo
a somatizar. ..
o emergir do todo
que mais que a soma das partes
tem que estar,
e sem que disso te fartes ...
aquando do treinar
e do jogar.
(Vítor Frade)

Portanto a incidência fundamental é no individual, devem-se criar exercícios


em que fundamentalmente o individual seja maximizado (Frade, 2014b), preferen-
cialmente, como já disse, através de situações dominantemente "não jogadas", "asse-
gurando" que o esforço dos jogadores será mais "linear", portanto mais "controlável"
do que quando comparados a situações "jogadas", facilitando portanto a aquisição
individual pretendida, no que diz respeito à extensibilidade dinâmica máxima indivi-
dualizante.
Outro aspeto que vale a pena reforçar é que embora este dia preconize exercícios
que impliquem significativa velocidade de contração, curta duração e tensão elevada
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 195

como padrão de contração muscular, os principais objetivos de cada exercício e da


unidade de treino estão relacionados com a forma de jogar, a um nível mais micro.
Essas contrações excêntricas aparecem como "um meio para'', um meio para fazer
o jogador, enquanto indivíduo, transcender e evoluir; um meio para superar dificuldades
relativas ao jogar, um meio para enraizar determinados princípios de jogo. Não sendo
de maneira alguma o "dia da força".

Mas é por isso que eu me revolto quando dizem o treino de tensão, não é
nada disso. Não é nada o dia da tensão, ele não é o dia da tensão! Porque
isso leva as pessoas a estarem preocupadas com a tensão, e então fazem
uma merda qualquer com tensão ejá está. Não! É o dia dos detalhes, dos
<pequenos» princípios, das coisas pequenas, dos planos mais micro. Sendo
do ataque ou sendo da defesa, mas com a garantia que há uma densidade
significativa de contrações excêntricas, portanto, há um aumento
da tensão, mas em pormenores, pormaiores do jogar! Tenho que estar
preocupado, para dar variabilidade ao treino em inventar e discorrer
essas situações de jogo, que são para o jogar que me interessa. Portanto
tenho duas coisas, tenho que inventar isso e tenho que saber que a tensão
está acrescida. Não é o dia da tensão, senão punha uma merda qualquer
ou faço uns skippings, não é nada disso, é precisamente o contrário!
(Frade,2013b,p.90)

3tDfa
pós-competição

90mlnutol

Recuperativo/Complementar A; Tenslo +++


"Meso" e "Micro Princípios" em escala 1rupal, setorial, Intersetorial

Recuperativo/Complementar B:
"Porcas e Parafusos• Q Velocidade + +

Esquema explicativo do treino de quarta-feira (terceiro dia após a competição),


no morfociclo padrão
196 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

{Durante um quartofondamental) as situações que criamos são de curta


duração com longos períodos de recuperação. O sistema mais envolvido
é o da faifocreatina mas tudo isto sujeito a uma intenção (num nível
mais micro) de ~ogo», logo, estão todos os mecanismos envolvidos mas
de, uma determinada forma, ou seja, resultante da Especificidade que
praticamos.
(Gomes, 2013, p. 338)

Como Marisa Gomes referiu, os exercícios fundamentais deste dia são exercí-
cios com muita intermitência, muitos intervalos, fazendo com que a recuperação seja
absoluta.
Assim, pretende-se que quando os jogadores voltarem a realizar o exercício estejam
o mais recuperados possível, para que o mecanismo metabólico implicado, bem como
o tipo de fibras implicadas voltem a manifestar-se com a disponibilidade e da mesma
forma que estavam inicialmente. Ainda, importa garantir que o nível de concentração
permaneça elevado durante as repetições.
Conforme esclarece Jorge Maciel, este deverá ser o mais fracionado de todos
os treinos que compõem o morfociclo. Maciel expõe que de maneira a assegurar a
concretização de um jogar de qualidade, devemos reconhecer que uma das escalas que
o sustenta é o algoritmo bioenergética, conforme coloca o professor Vítor Frade -algo
que lhe dá o ritmo- e que este depende também do devido fracionar da sessão.
Em virtude da configuração que esta unidade de treino pressupõe, a densidade
é baixa para média, com o tempo da sessão girando em torno de 90 minutos. No
fundo, tratamos de assegurar que o exercício seja desenvolvido em intensidade máxi-
ma relativa.

Isto é, tratamos que o mecanismo metabólico dominante seja o anaeróbico


alático (e o mesmo tipo defibras) sempre, todos os dias. O que não ocorre
quando não damos o tempo s11ficiente de recuperação. Porque se tu não
recuperas o s11ficiente, não se produz completamente a re-síntese de ATP
e isso implica que quando começas o exercício será outro mecanismo
metabólico, neste caso o anaeróbio lático, que terá predominância -
sabendo que todos interatuam em conjunto - contudo, nós queremos que
a dominância seja do metabolismo anaeróbio alático.
(Tamarit, 2013a, p. 389)

Maciel (2011c) reforça este pensamento e coloca que -se quisermos adquirir e
evidenciar um jogar de qualidade- os estímulos devem ser curtos, solicitando predo-
minantemente o metabolismo anaeróbio alático, podendo entrar, pela duração dos
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 197

estímulos, nas franjas abrangidas pelo metabolismo anaeróbio lático, mas sem que
haja prolongamento dos desempenhos à custa desta via metabólica. Importa que a
acidose metabólica não se instale, trata-se, portanto de uma estimulação que pddendo
socorrer-se do metabolismo lático, não deixa de ser um lático residual.
Tal como coloca Reis (2016), se para haver aquisição é necessário que o indivíduo
se canse, importa que entre este tipo de repetições individualizantes, feitas durante a
parte fundamental, o jogador recupere. Uma recuperação levada a efeito não só pelas
pausas, mas também pela estimulação dessa escala do "novelo bioenergético", caracte-
rística deste dia, de maneira jogada.
Por isso, os outros três quartos da sessão de treino, serão preenchidos com exer-
cícios que visem a recuperação do desempenho coletivo (fadigado em virtude do jogo
anterior) e das estimulações tensionais máximas promovidas durante o um quarto aqui-
sitivo, os chamados complementares A e B.
Por estarmos a contemplar e atuar dentro de uma esfera dominantemente recupe-
rativa, esta parte da unidade de treino assume a cor verde-claro 68 •

Efeitos retardados
p'lafadiga atravessados,
a ideia de jogo no parto
p'ra garantir bons resultados,
e do que é inteiro
nunca mefarto ~
ao ter na recuperação,
o melhor parceiro
no transcender da interação.
(Vítor Frade)

Os exercícios complementares B, seguem a lógica do treino anterior. Trata-se da


afinação do organismo através de alongamentos, alguns tipos específicos e apropriados
de abdominais, dorso-lombares, que o professor Frade chama de "afinar porcas e para-
fusos". Lembrando que este tipo de complemento será realizado em todas as sessões de
treino que compõe o morfociclo.

68 Em função da contemplação e da operacionalização de uma lógica recuperativa, os três quartos recu-


perativos desta unidade de treino assumem a coloração verde claro, tal como no dia anterior. É importante
ressaltar que esta cor nos remete à lógica e dominância recuperativa e não propriamente na maneira com
que isso é concretizado. Por exemplo, no dia anterior a recuperação se concretiza de uma maneira diferente
do que nesta unidade de treino, ainda que a lógica e o propósito seja o mesmo.
\
198 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

Já os exercícios complementares A, que igualmente têm como propósito recuperar


os jogadores das estimulações tensionais máximas promovidas durante a parte funda-
mental da sessão, serão operacionalizados através de "situações jogadas'', em configu-
rações que impeçam a manifestação dominante do que foi estimulado na parte funda-
mental.
Assim, treinaremos em configurações e com tempos de "exercitação" que acelerem
a recuperação do que foi feito anteriormente, assegurando que, neste caso, a tensão
máxima e a extensibilidade dinâmica máxima individualizante da contração muscular
não seja dominante nem maximizada significativamente nos exercícios.
Devido ao facto da nossa preocupação nestes exercícios "jogados" estar centrada
na recuperação, levaremos os jogadores a vivenciarem contextos com propensão ao que
queremos treinar em termos de micro e meso princípios de maneira implícita, isto é,
"sem fazer apelo" à esfera "consciente", podendo ser feito -sempre garantindo a recu-
peração- de forma grupal, setorial e até mesmo intersetorial, em regime "aquisitivo" em
interação assistida69 •

Efeitos retardados
temporalizadamente manifestos,
p'la recuperação salvaguardados
nos morfociclos sem protestos
e aí, a morfogénese duma ideia
é a ''marcação somática"
da coisa nossa e não da alheia
do modelado na prática.
Efeitos retardados
dos desempenhos
à recuperação associados
independentemente,
sempre...
do tamanho dos desenhos,
como espécie de assinatura
que neurobiologicamente
perdura,
e umbilicalmente...
marcando o corpo e a mente.
i
(Vítor Frade)
1

jll
'1

69 Aquisitivo em "interação assistida'': Trata-se da consolidação dos processos aquisitivos do jogar por via
da atuação (interdependente e assistida) dos exercícios complementares (recuperadores).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 199

O facto dos exercícios serem jogados, confere-lhes um caráter mais "aberto",


roais "imprevisível", onde os jogadores intervém significativamente menos do que
quando comparados a situações "não jogadas", o que nos permite (em conjunto com
a configuração adequada dos contextos) assegurar a não-incidência dominante sobre
o padrão solicitado durante a parte fundamental, e portanto recuperar o que nos
interessa.
Complementarmente
importantes
e necessariamente
presentes,
por isso relevantes
se não ausentes,
como aquisitivo
em interação assistida,
jogo como recuperação mas vivo
experenciado como se vive a vida
tacitamente assimilado
como se na rua...
com ofutebol descomprometido
jogando com um mínimo cuidado,
a máxima inteligência não recua.
Recuperação a que obrigas
p'ra que recuperar consigas, ~
éna dose...
que o sentido da divina proporção,
separa o natural da pose
p'ro necessário desempenho,
e sem rasgar o desenho
assumir a maximização
no morfociclo padrão,
nos dias que não dos "macro"...
isto sempre terás em consideração
p'ra não entrares p'lo buraco.
(Frade, 2016, p. 879)

Importa também que os exercícios não sejam muito alargados em tempo e espaço,
uma vez que o grande propósito passa por recuperar ao que é fundamental.
200 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

3.4.4.6 Quinta-feira (quarto dia após a competição - segundo dia


aquisitivo): Dia verde.

Na quinta-feira, por já haver passado quatro dias do jogo anterior e por haver-
mos treinado respeitando a lógica operacional e conceptual nos treinos anteriores no
morfociclo padrão, a equipa, como um todo, está completamente recuperada e em
condições de realizar um esforço semelhante ao da competição.
Temporalmente este treino ocorre no dia que se encontra mais afastado da
competição anterior e da que se aproxima. Por estes motivos é o treino que máxima
exigência pressupõe. Neste dia treinaremos sobretudo os propósitos macro e meso do
jogar, aspetos de maior complexidade, portanto uma maior dimensão aquisitiva.
Sabendo que nunca é demais reforçar, o leitor poderá estar a perguntar-se: "trei- .
no de máxima exigência70 , se faltam apenas três dias para a próxima competição? Mas
a equipa na totalidade não estará recuperada somente quatro dias depois?".
A este respeito, é importante esclarecer que um jogo de máxima exigência não
tem a mesma implicação que um treino de máxima exigência. Porque, primeira-
mente não há o mesmo envolvimento em termos psicológicos, emocionais (a todos
os níveis), que tem o jogo, como inclusivamente, o treino nós podemos "controlar"
(parar, dar instruções, gerir o que fazer, quanto fazer-fracionando-o), daí que o verde
da competição seja diferente do verde deste treino. Então o facto de serem três dias
não trará nenhum problema, desde que o treino seja bem gerido.
Por isso, na quinta-feira desenvolvemos fundamentalmente a grande fração do
jogar, as relações globais da equipa e/ou de alguns setores. Treinam-se dominante-
mente os macro princípios e também as escalas intermédias do jogar, ou seja, os meso
princípios, estes consoante a necessidade de acertos 71 • Como salienta Frade (2014b),
o treino de quinta-feira promove o ajustamento e a afinação da equipa em termos
coletivos através da promoção e monitorização dos referenciais coletivos a um nível
mais macro. É portanto um "diapasão".

70 Embora saibamos que todos os treinos aquisitivos (Aquisitivo, com A maiúsculo - "verde" e aquisitivos
com a minúsculo - "azul" e "amarelo") são feitos em intensidade máxima relativa, na quinta-feira, em virtu-
de da configuração e do padrão de incidências recair dominantemente sobre a dimensão macro do jogar,
promovendo adaptações e solicitações (tanto ao nível da aquisição como do desempenho) mais profundas
que em qualquer outro dia da semana. Este é considerado o treino de máxima, ou maior exigência em rela-
ção aos outros treinos aquisitivos do morfociclo.

71 Na quinta-feira haverá a tendência em incidirmos principalmente nos macro princípios (daí que esta
sessão possa ser subdivida em duas unidades diárias), porém se o momento exigir um refinamento e uma
incidência maior nos meso princípios (em detrimento dos macro), de modo a criar aquisição e gerar reper-
cussões mais a nível setorial e intersetorial não há problema algum.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 201

Ao contemplarmos predominantemente os macro princípios do jogar - os pila-


res dos quatro momentos do jogar e a sua articulação, podendo ter em conta algumas
nuances estratégicas (segundo as características do próximo adversário 72 ), portanto, a
dinâmica coletiva, treina-se numa configuração muito semelhante à da competição,
com espaços de "exercitação"/propensão substancialmente maiores e mais alargados
comparativamente aos outros dias do morfociclo (ainda que não necessariamente o
campo inteiro), com um grande número de jogadores a interagir (gerando um aumento
substancial da complexidade relacional das equipas).
Nesta unidade de treino treinaremos sob um regime de dominância da duração
da contração muscular (em densidade de intermitências do "desempenho regular" 73 ) do
padrão algorítmico do jogar, havendo um alargamento do tempo de "exercitação" (sem
deixar de respeitar as pausas, alarga-se também o fracionamento destes tempos). Mais
uma vez: não se trata de modo algum do "dia da resistência''.
Pelo conjunto de características citadas acima, o professor Vítor Frade costuma
referir que esta unidade de treino deverá ser feita tendo como dominância o padrão
algorítmico do jogar, que no fundo, e usando um jogo de palavras, se quer dizer algo
que lhe dá o ritmo. E porque é importante salientar isso? Porque fazer um treino com
espaços maiores, com mais interações, mais jogadores, por si só não nos garante nada.
Terá de necessariamente se reportar às necessidades aquisitivas circunstanciais que o
processo e o jogar exigem, tendo sensibilidade para não apenas saber em que relações
e interações macro ou meso incidir, mas ter sensibilidade e inteligência para saber •
fracionar corretamente as dinâmicas de desempenho-recuperação deste dia, de modo
a que a dita vivência não conduza a um acúmulo de fadiga para a própria unidade de
treino, para o resto da semana, e por consequência para o próximo jogo.
Portanto, assim como a quinta-feira não se trata do "dia da resistência", ela também
não se trata do "dia do coletivo 11vs11", do "dia dos macro princípios" (genericamente
falando), mas sim do que dá o ritmo para que o jogar pretendido se manifeste em todas
as suas dimensões.

72 Já vimos o quão fundamental é primeiro termos uma identidade consolidada, para então depois inci-
dirmos em aspetos estratégicos. E sempre corno um aspeto acessório, nunca como dominante.

73 O que se entende por "duração" não é o prolongamento da contração, mas sim o aumento da densi-
dade do padrão das contrações musculares que suportam o nosso jogar, daí que Vítor Frade coloque que é
uma duração de intermitências do "desempenho regular" da equipa, isto é, a manifestação da ideia de jogo
e de tudo o que dá vida a dito jogar. Como vemos, este pensamento distancia-se completamente de uma
unidade de treino que leve a um aumento temporal da contração, da ativação dominante das fibras lentas e
da "resistência''.
202 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Trata-se da mais contínua de todas as sessões de treino, ainda que dentro da


continuidade deve ser o mais descontínuo possível, onde o correto fracionamento das
dinâmicas de desempenho-recuperação motivará que o treino se faça com intensidades
máximas relativas permanentemente e que a "exercitação" aconteça alicerçada no supor-
te bioenergético Especifico que dá vida ao jogar.
Desta maneira permitiremos que a emergência e manifestação do verde seja a
melhor possível, isto é, daquele que desejamos que seja o nosso verde.
Nesse sentido, uma coisa é fazer um exercício por trinta minutos seguidos, e outra
coisa é fazer o mesmo exercício em três vezes de dez minutos, com intervalos crite-
riosos. Para a qualidade do desempenho, é fundamental que a vivência dos propósitos
aconteça na ausência de fadiga acumulada, ainda mais na quinta-feira, dia que mais
desgaste provoca nos jogadores.
Tal como o professor Vítor Frade coloca, entre as repetições devemos aproveitar
para "afinar porcas e parafusos".

O dia dos macro princípios e dos subprincípios é um dia com menos


intermitência, menos intervalos, mas eles continuam existindo, continua
havendo intervalos. Talvez neste dia faço um exercício que são duas
partes de 1 O minutos, duas repetições de 1 O minutos, e no meio, podemos
ter 4 ou 3 minutos de recuperação, são 4 minutos em que osjogadores vão
beber água, ou fazem alguns abdominais...
(Tamarit, 2013a, p. 400)

Nesta sessão de treino os estímulos em termos metabólicos são muito


semelhantes aos que se verificam em competição, devido aos mais largos
tempos de "exercitação" o organismo recorre em fonção das circunstâncias
às diferentes vias aeróbias implicadas na manifestação de um jogar,
devendo no entanto não se ignorar o quefai dito anteriormente acerca da
análise qualitativa dos desempenhos dos jogadores de fotebol Tendo em
consideração o que fai referido anteriormente acerca da importância do
repouso para a aquisição de um jogar e para o proporcionar de condições
favoráveis para essa aquisição, sendo este treino o mais contínuo dos
treinos deverá, contudo, ser o mais descontinuo possível, para que se
observem momentos de estabilização das aprendizagens, de reflexão
e momentos de repouso aproveitados também para qfinar porcas e
parafusos.
(Maciel, 201 lc, p. 8)

Desta maneira, a densidade desta sessão é elevada (Maciel, 2011c).


PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 203

~~~~~~~~--~~~~~~~~~-~~~~~~~~~~~-
' .

41 Dia
pós-competição

Recuperativo/Complementar 8:
"Porcas e Parafusos"

Velocidade +

Esquema explicativo do treino de quinta-feira (quarto dia após a competição),


no morfociclo padrão.

Em virtude da configuração apresentada, a quinta-feira assume a cor verde, que


resulta do azul (do dia anterior) com o amarelo (dos dias posteriores) e dos aquisi-
tivos no processo, de forma a evidenciar que este nível de organização engloba o do •
dia anterior e o do dia seguinte, uma vez que se refere à dimensão completa do jogar
(Gomes, 2008), onde a manifestação qualitativa deste verde também está dependente
do que se fez no dia anterior (azul) e no que faremos nos dias a seguir (amarelo e
amarelo-claro).
Como salientado anteriormente, este verde (mais escuro) é um verde diferente
e acontece sobre um verde diferente do da competição (que é fluorescente), porque
um treino não é igual a um jogo, ou seja, no treino nós temos uma densidade maior e
mais controlada do que pretendemos que seja o nosso jogar (em virtude da modela-
ção, do "controlo", da criação de contextos), levando a que ele se manifeste de forma
verdadeiramente efetiva, por isso é mais escuro que o da competição (uma vez que
é mais "concentrado"), que emerge como combinação, por conflito, com o verde do
adversário, daí que em competição, o nosso verde possa não se manifestar com a
vivacidade aspirada.
O tempo da sessão de treino gira em torno de 90 minutos.
204 > JULlAN BERTAZZO TO BAR

É importante perceber que este é o regime que mais desgaste pressupõe e,


portanto, aquele que mais cansaço transporta para os dias seguintes. Por
um lado, pela complexidade decisional das ações subjacentes ao vivenciar
dos grandes princípios. Por outro, pela duração dessas ações, na medida
em que quanto maior é a duração da contração, nesse registo, mais
cansativa ela é, mesmo que efetuada relativamente aquém da velocidade
e/ou tensão máximas.
(Oliveira etal, 2006, p.117)

Tendo 'em conta que a configuração atribuída a esta sessão de treino se apro:Xi.ma
muito das exigências verificadas em competição, ela provoca um desgaste substancial
nos jogadores e na equipa como um todo, e como também não sabemos o que o jogo
seguinte irá exigir não devemos transportar este regime para os dois dias que antece-
dem o próximo jogo.
O que devemos fazer é cumprir a já referida necessidade de alternância horizontal
em especificidade, começando a preparar a recuperação da equipa para que ela chegue
ao jogo nas máximas condições possíveis para competir.

3.4.4.7 Sexta-feira (dois dias antes da próxima competição - terceiro dia


"aquisitivo74 "): Dia "amarelo"

Após os jogadores treinarem sob um regime de grande complexidade e desgaste


no treino anterior, chegamos à sexta-feira, isto é, estamos a somente dois dias do próxi-
mo jogo.Nesse sentido, este treino é crítico pelo desgaste implicado na vivência do jogar
ao longo das sessões de treino anteriores (especialmente a do dia anterior, que é a mais
desgastante) e pela proximidade relativamente ao jogo que se segue.
Portanto, estamos diante de um aparente paradoxo, porque este é o último treino
dito aquisitivo do morfociclo padrão e ao mesmo tempo, é o primeiro treino de recupe-
ração em função do jogo que se avizinha.
De modo a resolver este dilema aparente (e seguir potenciando o lado indivi-
dual), à semelhança de quarta-feira, durante 14. da sessão, a aquisição tem de inci-
dir dominantemente sobre o individual, tendo a certeza de provocar consequências
aquisitivas (estruturais e funcionais) individuais, mas, desta vez, através da promoção
de contextos que privilegiem um regime de dominância da velocidade máxima da
contração muscular.

74 Assim como na quarta-feira, trata-se de um aquisitivo com "à' minúsculo, uma vez que nos referimos
a um aquisitivo individualizante.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 205

Por isso, no que diz respeito ao objetivo fundamental desta sessão,' isto é, garan-
tir a aquisição pretendida no que se refere à máxima velocidade da contração muscular
individualizante, treina-se fundamentalmente sob um regime de elevada velocidade da
contração muscular, com tensão significativa no início da ação -ainda que não depois-
com pouca duraç~o. Ao nível do metabolismo, neste um quarto, o mecanismo anaeró-
bio alático será o dominante.
Desta maneira, a parte aquisitiva-individualizante do treino de sexta-feira inci-
dirá na pequena fração do joga.r, com as atenções voltaqas para o desenvolvimento de
micro princípios75 do jogar, em ações e interações dominantemente a nível individual.
Os espaços de "exercitação" devem ser adequados, ou seja, suficientemente grandes/
longos (em média 15 a 20 metros) para permitir e promover a maximização da veloci-
dade máxima da contração muscular, de deslocamento.

As estimulações máximas propiciam a expressão de genes que


normalmente temos ''adormecidos': na atualidade em fanção do rumo
que tomou a evolução da nossa espécie em direção ao sedentarismo
e urbanização, como é exemplo o gene relativo à proteína chamada
"velocifina': e assim levar à transcendência dasfibras ditas rápidas.
(Reis, 2016)

Para além de garantirmos a maximização da velocidade da contração muscular,


especialmente durante o um quarto aquisitivo, isto é, durante a partefandamental, deve-
mos promover contextos em que os jogadores sejam obrigados a decidir e a agir/intervir •
rapidamente, ainda que nesta parte específica da sessão isso seja feito dominantemente
"sem jogo" -através de situações "não jogadas"-. Em virtude da configuração apresen-
tada, a parte fundamental do treino de sexta-feira assume a cor amarela, representada
pelas pequenas listras.

Depois, na sexta-feira, tendo em conta que se aborda uma escala do


<jogar>> mais desgastante na quinta-feira, incidimos numa escala micro,
mais individualizada (no que se refere ao fandamenta!, isto é, ao um
quarto aquisitivo). Há uma alternância relativamente ao que foi o dia
anteriorpara que passados dois dias a equipa possa competir nas melhores
condições possíveis. Deste modo, realizamos situações em que não há

75 Importa reforçar que durante a parte fundamental, como na quarta-feira, treinam-se os propósitos de
menor complexidade, mas "sempre" na sua articulação com o todo, estabelecendo permanentemente uma
ponte para os macro e meso princípios do jogar, criando, potenciando e incorporando subdinâmicas no
jogar. Estes, tal como na quarta-feira serão igualmente beneficiados indiretamente pelos exercícios comple-
. mentares, que acabam por ser "aquisitivos em interação assistida''.
rr
206 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

muito estorvo. Assim, desenvolvemos intensidades máximas relativas (à


máxima velocidade da contração muscular) com muitas paragens.
(Gomes, 2013, p. 334)

Portanto, é necessário haver uma descontinuidade considerável, para que haja


recuperação, aquisição e para que os jogadores possam fazer os exercícios em intensida-
de máxima relativa. Igualmente, importa assegurar que a incidência constante na face
"amarela'' da estruturada rede metabólica que sustenta o jogar se verifique, bem como ,,
que a maximização da velocidade na contração muscular aconteça.
Ainda que a descontinuidade esteja muito presente nesta unidade, ela deverá ser
menor do que no treino de quarta-feira, porque na quarta os jogadores estavam a recu-
perar do último jogo, enquanto que na sexta a recuperação reporta-se à exigência dos
treinos anteriores, ao tipo de exigência do aquisitivo e ao próximo jogo, evitando desta
maneira o acentuar da fadiga.
Por isso esta unidade de treino é manifestamente descontínua. Os contextos
aquisitivos-individualizantes pressupõem ações muito "intensas'', "curtas" e "limpas"
no que diz respeito à locomoção, à execução motora, que requerem tempo de descan-
so significativo, mas pela proximidade do jogo seguinte, a densidade destas ações é
reduzida.
Como não sabemos como será o jogo seguinte há a necessidade de se salvaguardar,
e, portanto o número de repetições, a densidade deste padrão do esforçar tem de ser
menor que na unidade de quarta-feira. O tempo total fica em torno de 90 minutos.
Reitero que embora a parte fundamental desta sessão de treino preconize exercícios
que tenham como base elevada velocidade de contração como padrão da contração
muscular, os principais objetivos de cada exercício e da unidade de treino não podem
deixar de estar relacionados com a forma de jogar.
Esse padrão de contração aparece como "um meio para'', um meio para fazer o
jogador, enquanto indivíduo, transcender e evoluir; um meio para superar dificuldades
relativas ao jogar, um meio para concretizar e habituar a determinados princípios de
jogo. Não é de maneira alguma o "dia da velocidade".
Com vistas à necessidade da alternância horizontal em especificidade acontecer,
e o padrão de contração muscular dominante durante a parte fundamental da sessão
ser o de elevada velocidade da contração, é essencial que os exercícios fundamentais
permitam que as contrações musculares sejam manifestadas de forma "limpa'', ou seja,
devemos eliminar tudo o que se possa constituir como ruído e estorvo, fazendo com
que o jogador -após percorrer em máxima velocidade uma distância de pelo menos 15
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 207

a 20 metros- intervenha num curto espaço de tempo, sem ter a necessidade de parar,
reajustar e reaferir o movimento, "pensando" demais para somente então executar.
Em suma, durante a parte aquisitiva (individualizante) da sessão de treino, deve-
mos evitar o aparecimento de manifestações significativas do ciclo alongamento-en-
curtamento, mais especificamente situações que possam conter grande densidade de
saltos, quedas, mudanças de direção, travagens, enfim, o "estorvo" do jogar.
Retirando estas características desta parte da unidade de treino, promovem-se
condições de facilitação para o desenvolvimento da velocidade das velocidades (de deci-
são, execução, do mecanismo contrátil) no indivíduo.
Portanto na sexta-feira a incidência fundamental recai novamente sobre o indi-
víduo, devem-se criar exercícios em que fundamentalmente a nível individual se maxi-
mize a velocidade da contração muscular, preferencialmente, como já disse, através de
situações dominantemente "não jogadas'', "assegurando" que o esforço dos jogadores
será mais "linear", portanto mais "controlável" do que quando comparados às situações
"jogadas'', facilitando portanto a aquisição individual pretendida, no que diz respeito à
máxima velocidade da contração muscular individualizante.
Para além de facilitar o aparecimento constante da velocidade de decisão, execu-
ção e do mecanismo contrátil, a remoção de significativas manifestações do ciclo alon-
gamento-encurtamento, durante a parte fundamental do treino, também tem a ver com
o facto da grande solicitação de acontecimentos promovida na quarta-feira. Se estes
fossem transportados para o treino de sexta, gerariam efeitos perniciosos, pois haveria~
pouco tempo para recuperar, fazendo com que a equipa chegasse para o próximo jogo
com fadiga acumulada.

Se você passar o de quarta para sexta e o de sexta para quarta é mais


"intenso" o treino que solicita contrações excêntricas do que um que
solicita velocidade de contração no deslocamento, daí ainda a lógica do
morfaciclo.
(Frade, 2013a, p. 424)

Ainda, durante a parte fundamental da sessão, isto é, o um quarto aquisitivo indi-


vidualizante, é importante que a maioria dos exercícios criados façam apelo dominan-
temente ao córtex motor, àquilo que fazemos com espontaneidade, àquilo que é hábito.
O professor Vítor Frade costuma dizer que "devemos chutar para sexta todas as
ações que tenham pouco estorvo". Conforme salienta Maciel (2011b), esta alusão ao
"chutar" é intencional e sugere que a densidade de exercícios que envolvam finaliza-
208 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

ções 76 deverá ser, nesta parte fundamental da sessão (1/4), maior do que no outros dias
que compõe o morfociclo.

A neurobiologia considera em termos temporais que uma ação de jogo


feqmda-se em um terço de tempo de realização (onde os exercícios
aquisitivos deverão sobretudo apelar) e dois terços do tempo total são
despendidos a elaborar a resposta, ou stja, dedicados a perceber e a decidir.
Ser mais veloz, implica reduzir estes tempos parcelares.
(Gaiteiro, 2006, p. 169)

Importante que não façamos confusões com a velocidade que esta unidade de
treino pressupõe com a "velocidade" entendida sob um ponto de vista convencional.
Embora algumas situações apelem a uma grande velocidade da contração muscular
e também do deslocamento, como disse, o objetivo também passa por aperfeiçoar o
tempo e qualidade das escolhas (que deverão conter pouca ambiguidade), para que o
gesto motor contextual seja ao mesmo tempo eficiente e eficaz, de acordo com os prin-
cípios de jogo da equipa.
Conforme já referi, se para haver aquisição importa que o indivíduo se canse,
importa que entre este tipo de repetições individualizantes, durante a parte funda-
mental, o jogador recupere. Uma recuperação levada a efeito não só pelas pausas, mas
também pela estimulação dessa escala do "novelo bioenergético" característica deste dia
através de forma jogada (Reis, 2016).
Por isso, os outros três quartos da sessão de treino serão preenchidos com exer-
cícios que visem a recuperação das estimulações de velocidade máximas promovidas
durante o um quarto aquisitivo e a recuperação/pré-disposição do desempenho cole-
tivo para o próximo jogo 77 • Trata-se dos exercícios complementares A, e complemen-
tares B.
Como já explicado, por estarmos a contemplar e a atuar dentro de uma esfera
dominantemente recuperativa, esta parte da unidade de treino assume a cor verde
claro. Os exercícios complementares A, serão operacionalizados através de "situações
jogadas", em contextos que impeçam a manifestação dominante do que foi estimula-

76 Lembrando que as ditas situações de finalização deverão ser precedidas de deslocamentos que capaci-
tam a maximização da velocidade da contração muscular, onde o enfoque aquisitivo é dado ao jogador sem
a bola, com significativa descontinuidade, proporcionando que os desempenhos se manifestem de forma
breve.

77 Relembrando que por estarmos a contemplar e a atuar dentro de uma esfera dominantemente recupe-
rativa, esta parte da unidade de treino, tal como na quarta feira, também assume a coloração verde claro.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 209

do na parte fundamental, não sendo muito alargados em tempo e espaço, uma vez que
o grande propósito passa por recuperar o que é fundamental. Assim, treinaremos em
configurações e com tempos de "exercitação" que acelerem a recuperação do que foi
feito anteriormente, assegurando que, neste caso, a velocidade da contração muscular
não seja dominante nem maximizada significativamente nos exercícios.
Assim como na parte complementar da quarta-feira, devido ao facto da nossa
preocupação nestes exercícios complementares ("jogados") estar centrada na recupera-
ção, levaremos os jogadores a vivenciarem contextos com propensão ao que queremos
treinar em termos de micro e meso princípios de maneira implícita, isto é, "sem fazer
apelo" à esfera "consciente", podendo ser feito -sempre garantindo a recuperação- de
forma grupal, setorial e até mesmo intersetorial, em regime "aquisitivo" em interação
assistida.
Importa também referir que durante os vários momentos de pausa que a sessão
de sexta-feira pressupõe, devemos aproveital: para além de dar intervenções e hidratar,
seguir "afinando porcas e parafusos", isto é, promover a realização dos exercícios recu-
perativos complementares B, que como já referi, tratam-se da afinação do organismo
através de alongamentos, alguns tipos específicos e apropriados de abdominais, dorso-
-lombares.
Reforço que esta dinâmica deve ocorrer todos os dias, podendo aparecer entre um
exercício e outro, e algumas vezes dentro do próprio exercício.

Então é um dia com muitas intermitências, com muitas paragens.


Todos os dias, ou quase todos os dias, fazemos abdominais e
alongamentos, dorso-lombares. Nestas recuperações, numa pausa
fazem abdominais, noutra pausa vão tomar água, noutra alongam,
e depois voltamos a fazer abdominais, etc. Costumamos fazer assim,
atéporque não nos interessa trabalhar todos os abdominais de maneira
seguida, não é o que buscamos. Então estas paragens são fabulosas
porque as aproveitamos para fazer estas coisas, não? Porque são muito
importantes na Periodização Tática, mesmo que alguns não acreditem
nisso, é absolutamente fundamental.
(Tamarit, 2013a, p. 395)
210 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

3° Dia "aquisitivo": DIA "AMARELO"

2dlas
p/ competição

aquisitivo/Fundamental: Micro Princlpios em escala Individual, grupal


~
~--------'
90minutos

n~
... ,LJ . . '. · .. t, .•
~..,/.,_,,l-t ·~,
1!!ecupem!vo/Complementar A: 1
•Meso• e •Micro Principias" em escala srupal, setorial, intersetorial

1 Recuperativo/Complementar B: 1
•Porcas e Parafusos• Velocidade+++

Esquema explicativo do treino de sexta-feira (dois dias antes da próxima competição), no


morfociclo padrão.

3.4.4.8 Sábado (um dia antes da próxima competição): Recuperação


direcionada para a competição

No sábado, como estamos a apenas um dia da próxima competição temos de


necessariamente contemplar a recuperação da equipa (de modo a que tenhamos condi-
ções de competir no nosso máximo nível no dia seguinte) e ao mesmo tempo pré-ativar
os jogadores para o que será chamado a se manifestar no domingo. Por isso, neste dia
desenvolvemos a recuperação direcionada para a competição.
Isso será feito através de contextos com baixa complexidade, por períodos muito
curtos, com larga recuperação e com "elevadá'velocidade de antecipação 78• Incide-se em
escalas do jogar consideradas relevantes, mas sem dar ênfase ao lado aquisitivo, porque
o intuito é evitar grandes solicitações em termos de concentração e esforços, uma vez
que haverá jogo no dia seguinte.

78 Velocidade de "antecipação": De acordo com Vítor Frade, está relacionada à densidade da comple-
xidade do jogo, da antecipação e "previsão" do cenário futuro, "sem'' desgaste significativo, implicado na
vivência das "exercitações". Trata-se, portanto, de uma configuração que leva a uma sobre estimulação
conjunta dos neurónios espelho, hipocampo, córtex parietal, córtex pré-frontal, sem desgaste significati-
vo na variabilidade de solicitação do córtex motor.
PERlODIZAÇÃOTÁTICA < 211

Portanto, assim como verificamos, na terça-feira a dominância está claramente


no lado da recuperação e não no da aquisição. Em virtude desta configuração, a cor
que representa este dia é o amarelo-claro, resultante do amarelo do dia anterior com
o branco da folga, uma vez que existem grandes preocupações com a recuperação dos
jogadores (das sessões de treino realizadas ao longo da semana) e o despertar/colocar o
organismo em estado de alerta para a competição que se segue.

RECUPERAÇÃO DIRECIONADA

Véspera da
competição
~.•_ _so_m_ln_ut_os_ __.
Q
Fundamental: Recuperacão em •estado de alerta•
em escala Coletiva, Intersetorial, Setorial, im.

Recuperadores do Fundamental/Complementar 8:
"Porcas e Parafusos"

Q Velocidade-/+

Esquema explicativo do treino de sábado (um dia antes da próxima competição),


no morfociclo padrão.

Para Jorge Maciel (citado por. Tamarit, 2013b) os exercícios devem ter duração
reduzida e podem variar no número de jogadores implicados e nas dimensões dos espa-
ços de "exercitação", consoante a escala de organização da equipa (individual, setorial,
intersetorial, coletiva) sobre a qual o treinador deseja incidir em determinado exercício.
Portanto, os exercícios caracterizam-se pela não exigência aquisitiva, pela neces-
sidade de recuperar e pré-dispor os jogadores para a competição sem que isso acarrete
fadiga. Os contextos de propensão no sábado devem apresentar situações que tenham
um pouco de tudo o que o jogo tem, ainda que seja numa escala menor e com o míni-
mo de fadiga implicada, portanto devem ser realizados por períodos muito curtos, sem
grande esforço e muitas vezes sem oposição.
São exercícios onde se recria o jogo, tendo como pano de fundo o jogar e a possi-
bilidade de que o dito jogar se manifeste no dia seguinte, sendo que o objetivo central
!'
l
212 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

deste dia, além da recuperação, passa por atuar sobre os jogadores no sentido de ativar e
deixar latentes alguns dos automatismos relativos à dinâmica da equipa.
José Mourinho refere que neste treino realiza uma introdução ("sem") à compe-
tição; eliminando tudo o que representa um desgaste prejudicial para o jogo do dia
seguinte, reduzindo a complexidade dos exercícios, os espaços de "exercitação" e aumen-
tando os tempos de recuperação. Coloca em evidência -sem pretensão aquisitiva- os
princípios do seu jogar que considera relevante em regime de contexto tático-estratégico,
mas. sem grande complexidade e estorvo, tal como o mesmo salienta: "No sábado, se o
produto final estiver acabado, trabalho mais o lado estratégico, mas mais ''teórico': quase sem
competitividade. É um treino em regime de recuperação, mas de introdução à competição"
(Mourinho, citado por. Gaiteiro, 2006, p. 170).
Deste modo o grande propósito passa por vivenciar estas situações de modo a
apenas revivê-las sem que isso gere desgaste e fadiga, uma vez que haverá jogo no dia
seguinte. Na véspera do jogo o que está treinado está e o que não está, não será nesta
sessão que iremos pretender adquirir qualquer coisa. Qyando muito, vivenciaremos ·
uma situação ou outra de modo breve, sem fadiga implicada, recuperando e direcionan-
do a equipa para o próximo confronto.

No sábado, desenvolvemos a "pré-disposição para ojogo': Do mesmo modo


que há uma recuperação e que a recuperação tem. o objetivo de facilitar
a .capacidade de somatização do que pretendemos, na pré-disposição
procuramos fazer com que os jogadores estf'jam nas máximas condições
para jogar. Por isso, não se pode fazer o que sefará no dia a seguir como
alguns treinadores gostam de fazer -que eu acho que é um mecanismo
de defesa para eles se sentirem mais seguros- "Eu quero que a equipa
remate então eu vou fazer remates para ver se a equipa está a rematar
bem". Quando apenas está a dificultar a capacidade de realização para o
dia seguinte, a competição!
(Gomes, 2013, p. 335)

Por isso, as bolas paradas (que devem ser treinadas e distribuídas ao longo dos
vários dias do morfociclo) também poderão ser contempladas neste dia, desde que
atenda às particularidades desta unidade. Um treinador ao negligenciar as caracte~ísti­
cas recuperativas que esta unidade de treino exige, exagerando nas bolas paradas, poderá
colocar em risco a capacidade da equipa e jogadores competirem no máximo nível no
dia seguinte.

Há uma tendência muito grande para nos dias que antecedem a


competição, nomeadamente sextaf'eira e sábado, se dar grande êrifase
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 213

a aspetos de complexidade acrescida e em contextos excessivamente


jogados, com muito estorvo. Isto é para mim um erro, porque pelo tipo
de desempenho que tal exige, não permite estar fresco no momento de
competição. Penso que isto apenas não é mais evidente, por se constituir
como uma tendência geral e como tal, motivar que a generalidade das
equipas compita em igualdade ao nível da não frescura. Tudo por não
devido cumprimento da alternância sugerida pelo moifõciclo padrão.
(Maciel, 2011b, p. 16)

Portanto, neste dia deve-se ter muita sensibilidade naquilo que se faz durante a
sessão de treino, de modo a estar permanentemente a garantir a recuperação, e a correta
pré-ativação, para que a equipa como um todo possa estar nas suas máximas condições
para o jogo dq dia seguinte, o que motiva a que esta sessão de treino seja bastante
descontínua, com muitos intervalos e com densidade muito baixa.
Em suma, esta unidade de treino visa ativar sem cansar, para descansar. "Procura-se
dar uma corifi,guração ao treino que permita criar nos jogadores a ilusão que treinaram, mas
na verdade nada de significativofizeram em termos de desgaste" (Maciel, 2011c, p. 8-9).

3.5 Morfociclo com jogos separados por 6 dias (domingo a


sábado)

No quadro competitivo
de qualquerfenomenologia
assim assumida...
A do futebol não é excluída,
a concepção dos outros pode
não ter nada a ver contigo,
e ter mais ou menos um dia
entre jogos, se calhar melhorfade ...
o que a recuperação devia ser
E assim, é só uma questão de tempo
p'ro processo sefoder. ..
e não se ter sequer refletido
ser no ter "mais-dias':
o não recuperar a contento
e depois de tudo terfodido
crescem p'ra cegueira as miopias,
A empiria éfundamental
ir
1
i

1
214 >JULIAN BERTAZZOTOBAR

mas, se a miopia conceptual 1


for superada...
e com percursos
procurando recursos,
até noutra não habitual estrada.
(Frade, 2016 p. 851)

Assim como vimos, o morfociclo padrão reporta-se a uma lógica de operacionali-


zação baseada em jogos de domingo a domingo. Entretanto, não raras vezes durante as
competições as equipas poderão jogar duas partidas num espaço temporal de seis dias,
como por exemplo, domingo a sábado, isto é, há um dia a menos para treinar.
Já sabemos que após um esforço, um jogo de máxima exigência, para que a equipa,
como um todo, consiga realizar outro esforço de máxima exigência, na sua máxima
disponibilidade a todos os níveis, sem atrapalhar aquilo que é sua fluidez funcional, só
o consegue fazer apenas quatro dias depois. Ou seja, se jogou no domingo, apenas na
quinta-feira estará em condições de fazê-lo novamente.
Já evidenciei também que é na quinta-feira que se desenvolve a grande fração do
jogar, treinando-se dominantemente os macro princípios do jogar, em configurações
que se aproximam muito das da competição formal. Esta é a unidade de treino, dentre
todas as outras, que mais desgaste e aquisição pressupõe. Cabe lembrar que isto aconte-
ce porque esta sessão de treino está temporalmente mais afastada da competição ante-
rior (quatro dias) e da que se aproxima, onde ainda existem dois treinos (na sexta-feira
e no sábado) e mais algumas horas no domingo, o que garante tempo suficiente para
recuperar do esforço do treino de quinta-feira, permitindo que a equipa esteja nas suas
máximas condições para competir.
Entretanto, quando existem jogos de domingo a sábado não existem dois treinos
para recuperar do esforço de quinta-feira (grande fração do jogar), mas apenas um! Por
isso, sendo o treino da grande fração do jogar o mais desgastante, e se o nosso objetivo
é ter a equipa em plenas condições de funcionalidade e fluidez para competir, tendo um
dia a menos para treinar e não sabendo o que o próximo jogo nos reserva, nós temos
necessariamente de nos salvaguardar, então o que se deve fazer nestas circunstâncias é
i':,
retirar o treino mais complexo, ou seja, o da grande fração do jogar.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 215

Morfociclo
{Jogo Domingo a Sábado)

Operacionalização
JOGO Folga Recuperação Í Aquisitiva l
da Organização de Jogo
Recuperação
Direcionada JOGO

.... · -
Domingo 2ª Feira 3ª Feira 4ª Feira 5ª Feira 6ª Feira Sábado

Morfociclo com jogos separados por seis dias (domingo a sábado)

É tudo uma questão de prioridades! Porque aquilo que eu vou querer é a


equipa fresca! E se eu quero a equipa fresca, a tal ideia de que eu preciso.
Se eu treino com exigência máxima, se é importante treinar porque é
importante haverfadiga, mas é importante haverfadiga para que depois
haja recuperação e reestruturação para um nível superior, eu tenho que
atender à questão da relação desempenho-recuperação. Se eu tenho menos
um dia para treinar eu tenho necessariamente que ponderar ainda mais •
o que é que eu vou fazer em cada um dos dias, porque ojogo seguinte está
mais próximo, e ainda que eu reconheça que o treino de quinta-feira, o
dia em que nós treinamos os grandes princípios, onde nós treinamos a
matriz global, seja de facto um treino importante, ele é também o mais
cansativo. E se é o mais cansativo, nós ao termos um dia a menos para
treinar, temos de necessariamente que o tirar.
(Amieiro &Maciel,2011)

3.6 Morfociclo com três jogos na semana.

É fundamental perceber-se que quando a densidade competitiva é


grande, o mais relevante é recuperar e entender que em tais circunstâncias
menos é mais. Vocês no Brasil dizem que «muita água mata a planta», e
excesso de treino mata os jogadores e consequentemente a equipa.
(Maciel, 2011b, p. 16)
216 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Portanto o que nós temos que fazer nos dias em que intermeiam as
competições é recuperar! Porque se eles estão cansados nós temos é que os
recuperar!
(Gomes, 2013, p. 346)

Eu costumo dizer, embora possa parecer um paradoxo, que a este nível


de top, é mais· importante a recuperação do que o treino. Costuma-se
dizer que é tão importante o treino como a recuperação, mas é muito
mais importante a recuperação do que o treino, porque no jogar a top,
tem que sejogar com um certo dinamismo e corrt uma certa capacidade de
concentração e em várias frentes, costumo dizer que é preciso estarfresco
e eu só estou fresco se estou recuperado.
(Frade, 2010, p. 114)

Passarei agora a abordar uma realidade (que mais parece um dilema) em que todas
as equipas de top estão sujeitas e necessitam de geri-la da melhor maneira possível: ter
de competir nas máximas condições possíveis, sempre, jogando três jogos por semana.
No Brasil, por exemplo, durante as competições nacionais (primeira, segunda,
terceira, quarta divisão) e estaduais as equipas passam boa parte do ano competindo
três vezes por semana, com o agravante de terem que realizar grandes deslocações para
jogar, despendendo muito tempo em viagens, hotéis e aeroportos. Os jogos podem
ocorrer em dias como: domingo-quarta-domingo; domingo-quarta-sábado; sábado-
-terça-domingo; domingo-quinta-domingo.
O que fazer nestas circunstâncias? Como e o que treinar, sabendo que muito
possivelmente o próximo jogo ocorrerá sem que a devida recuperação da equipa, como
um todo, tenha ocorrido? Penso só haver uma resposta: o que se deve fazer é recuperar.
Maciel (2011b) expõe que é absolutamente imprescindível compreender que
quando a densidade competitiva é grande, o mais importante é recuperar e enten-
der que nestas circunstâncias quanto menos treinar em termos aquisitivos (e aqui
considerando o aquisitivo coletivo), melhor. Para este treinador, treinar em excesso,
ainda mais durante uma elevada quantidade de jogos poderá "matar" a equipa e os
jogadores.
Deste modo, o que se deve fazer é recuperar e preparar os jogadores para as
competições que se avizinham, para que estejam nas melhores condições possíveis para
competirem, sem fadiga acentuada; o que possivelmente ocorrerá, caso não se respeite
o processo de recuperação Qá aqui apresentado) e se incida no aspeto aquisitivo domi-
nantemente.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 217

Jorge Maciel explica que os momentos de competição são altamente desgastantes,


não só pelas implicações bioenergéticas diversas que produzem, mas também por serem
altamente aquisitivos:

Quando o tempo entre jogos encurta, não há que ter receio de ''não
treinar': Uma condição necessária para adquirirpassa por criar condições
para adquirir, e isto torna-se possível se os jogadores estiverem frescos.
Deste modo, a grande preocupação passa por acelerar a recuperação
estimulando-os sem induzirfadiga, de modo que com a maior brevidade
possível eles estefam disponíveis. Se acelero a recuperação para depois os
voltar afatigar em treino, o que eu quero que aconteça, nos momentos em
que quero que aconteça, nos momentos de competição, não vai aparecer.
A equipa vai querer e não poder, será uma equipa zombie, com boas
intenções mas sem disponibilidade mental e motora para concretizar a
gestualidade que o jogar ·implica, ou pelo menos nos timings que o fogo
requisita.
(Maciel, 2011b, p. 16)

Daqui podemos compreender a extrema importância que o período dito prepa-


ratório ou "pré-época'', assume para as equipas, principalmente as de topo, no senti-
do da necessidade de -desde o primeiro dia- rentabilizar ao máximo o tempo para
tentar desenvolver e aprimorar a dinâmica do jogar o mais rápido possível, e não menos
importante: habituar a uma dinâmica de esforço e recuperação que permita contemplar
a realidade competitiva que será vivenciada ao longo da época. Simplesmente não há ~
tempo a perder.
A respeito da gestão da recuperação em períodos de grande densidade competiti-
va, Maciel (2011b) aborda uma das suas experiências quando estava a treinar na Líbia:

A nossa experiência na Líbia foi muito rica também por esta


problemática da recuperação. Para nós era um imperativo porque
quando chegamos, a equipa estava com bastantes jogos em atra-
so relativamente às restantes, porque tinha estado a disputar até
às meias-finais eliminatórias da CAF Cup. O que motivou que a
densidade de jogos da nossa equipa fosse bastante grande, tendo
geralmente entre quatro a cinco dias entre jogos. Face a este cená-
rio, a nossa grande preocupação era decidir o que fazer para dar a
entender que treinávamos, mas que na verdade pouco fazíamos.
A prioridade passava por manter os jogadores motivados e satis-
feitos por virem ao treino, por acelerar a recuperação dando-lhes
estímulos que tinham a ver com o que queríamos, em termos de
218 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

pormenor, sem que lhes estivéssemos a induzir acresc1mos de


fadiga. A verdade é que a nossa equipa, apesar de ser a que maior
densidade competitiva apresentava era também a mais fresca e
isso valeu-nos bastante. Penso que foi determinante esse tipo de
preocupação e as evidências eram claras. Por exemplo marcáva-
mos muitos golos a partir dos 70 minutos. As equipas adversárias
conseguiam aguentar uma intensidade boa durante algum tempo,
e aqui refiro-me, ao facto de serem capazes de concretizar o que
pretendiam, mas depois notava-se falta de frescura para manter tal
intensidade e acabavam por deixar de colocar os problemas que
nos colocavam enquanto frescas. Nós pelo contrário, conseguíamos
manter uma intensidade de jogo muito estável durante a totalidade
do jogo e como tal quando os outros baixavam por falta de frescu-
ra nós superiorizávamo-nos, o que era evidente por conseguirmos
mais golos nos períodos finais e no facto de conseguirmos jogar
dominantemente no meio campo contrário. Foi uma experiência
muito rica também por isso. Claro, que aqui também se deve consi-
derar outros aspetos, como a conceção de jogo e a rotatividade, mas
fundamentalmente o aspeto mais decisivo decorria da forma de
treinar, "não treinando".

Assim sendo, torna-se absolutamente imprescindível haver recuperação, seja


com folga ou com treino (de recuperação e recuperação direcionada à competição)
durante os dias que intermeiam as competições, onde devemos seguir a lógica do
morfociclo padrão, apenas adaptando-a as circunstâncias temporais de cada situação
e contexto.
Marisa Gomes (2013) clarifica que existem diferenças muito substanciais no
processo e no treino de recuperação, quando a equipa joga apenas duas vezes por sema-
na (domingo a domingo, por exemplo) do que quando joga três vezes.
A treinadora portuguesa explica que se tratam de recuperações diferentes, não
apenas pelo lado fisiológico, mas também pelo lado da projeção cerebral e da somati-
zação dos jogadores, que se afiguram completamente diferentes de quando se sabe que
o próximo jogo será em três dias (quarta-feira, por exemplo) do que quando será em
apenas uma semana (no outro domingo, por exemplo).

Este lado tem preocupações diferentes porque vamos encontrar padrões


de exigência completamente distintos num espaço de tempo muito curto.
Então, é frequente que as equipas percam os jogos no fim-de-semana
1 !
antes dos jogos da Liga dos Campeões. Os treinadores queixam-se
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 219

dizendo: 'Já estão a pensar no jogo seguinte!': E isto resulta de quê? Do


facto dos jogadores estarem a processar as vivências da competição de
Domingo e já estão a ser referenciados alguns aspetos para o jogo da
Liga dos Campeões. A projeção não é para agora, é para daqui a quatro
dias! O que é que issoJaz? Leva a que não haja uma espontaneidade nas
interações dos jogadores para sobredeterminar as circunstâncias do jogo..
Sabemos hoje que a área de estimulação ou de funcionalidade cerebral
para prqjetar uma coisa que vamosfazer logo ou amanhã epara daqui a
um mês são completamente diferentes.
Quando estamos a pensar numa coisa que vamos Jazer sentimos essa
diferença. Imagine: uma viagem que vamos fazer daqui a um mês.
O dia de hqje é "digerido" de maneira diferente do dia de amanhã. E daí
haver este lado da prqjeção, do enquadramento que tem que ser gerido
com muito cuidado. Por exemplo, não faria sentido -tendo em conta
aquilo quefai ojogo de domingo e que seria na quarta-feira- um padrão
de exigência diferente porque isso vaiJazer com que os jogadores tenham
que ''digerir" coisas que não são habituais. É por isso que a «repetição
sistemática» na Periodização Tática é a presentificação semanal do
mor:facic!o, isto é, como a invariância matricial fondamental, ou srja,
essencial
(Gomes, 2013, p. 348)

Desta maneira e tendo em conta esta realidade, a preocupação no "recuperar"


num morfociclo de três jogos, terá, necessariamente de ser "diferente" do morfociclo
padrão. A lógica é a mesma, mas as circunstâncias mudam, e, portanto, requerem
outro tipo de planeamento e intervenção, sem, contudo alhear-se do padrão que é
recuperar.

A nossa preocupação de domingo é uma preocupação temporal


completamente diferente pois sei que tenho jogo quarta-feira. Nesta
situação tenho segunda-feira e terça-feira antes do próximo jogo. Mesmo
em termos de prqjeção daquilo que poderá ser ojogo na quarta-feira não é
a mesma coisa porque os jogadores ainda estão ocupados, digamos assim,
com aquilo que aconteceu no domingo, porque o processo de somatização
prolonga-se por vários dias. Deste modo, a recuperação é dominante no
quefaço na segunda-feira, é mais tendo em conta o desgaste de domingo
já com nuances do que vou fazer na quarta-feira. O que é diferente
porque a minha gestão espaço-temporal é diferente.
(Gomes, 2013, p. 347)

Isto porque, são "efeitos retardados do(s) desempenho(s)" diferentes. Portanto,


para a Periodização Tática, existe uma lógica que importa perceber e respeitar nos
~!
220 >JULIAN BERTAZZO TOBAR
liil
:!1
1 ili momentos em que a densidade competitiva é grande, onde a recuperação é uma
i'.·11.1
1 necessidade.
Dentro desta realidade, a maneira como a equipa irá recuperar é o que poderá
variar, em termos qe operacionalização -ainda que obedecendo a mesma lógica-, ou
:;eja, não há receitas, tudo dependerá do momento que a equipa vive, da sensibilidade
do treinador para perceber quando se deve dar folga ou não; se deve marcar treino pela
manhã ou pela tarde; se deve dar dois dias de folga ou se não deve dar nenhum.
Em suma, a recuperação não é feita por receita, mas sim pelas circunstâncias e
o contexto que a equipa vive. Em termos ideais, a lógica seria a de descansar no dia
seguinte à competição, tendo os outros dias preenchidos com recuperação ou recupera-
ção direcionada à competição. Entretanto, mesmo sendo o "ideal", numa determinada
altura e contexto poderá não o ser, e o treinador deverá identificar isso.

Neste ''moifàciclo" com três jogos na semana, a recuperação é diferente


porque temos segunda e terça-feira para recuperar e a quarta-feira é
dominada/controlada por mim (no moifàciclo padrão)! E, portanto,
nestes dois dias entre os jogos tem que ser mesmo recuperação porque
eles têm que estar capazes de competir dois dias a seguir. É muito pouco
tempo! Daí termos falado anteriormente da sensibilidade do treinador
para gerir isso. Para além disso, é fondamental recuperar com sentido
para decidir se os jogadores vão ficar em casa, ou vão treinar, ouJazem
meínhos ouJazem futevólei, se treinam uma vez ou duas... é que tem que
ser mesmo muita sensibilidade do treinador!
1
'I (Gomes, 2013, p. 347)
l!'
Muita sensibilidade! Como dizer, por exemplo, no final de um jogo,
dizer: "Olha, tu, tu e tu, amanhã não vão treinar''. Há jogadores que
ficam desgastados e "só"precisam de não ir treinar! No entanto, isto pode
ter um efeito precisamente contrário pois um jogador está em coriflito com
alguma coisa e não vai ao treino. Pode entender como prêmio quando
pretendemos que stja o inverso. Agora, se ele quer ir treinar e nós não
deixamos, isso tem que ver com os efeitos que pretendemos para ele epara
a equipa.
(Gomes, 2013, p. 332)

Um aspeto que talvez stja pertinente referir em relação à questão


colocada passa pelo conceder ou não folga no dia após o jogo. Deve ser
um aspeto ponderado e que depende também das circunstâncias em que
nos encontramos. Por norma, não concederia folgas no dia após o jogo
com o intuito de que o que vouJazer em treino permita que eles esttjam

1
! ,1

~I, 1
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 221

recuperados o mais rapidamente possível No entanto, há alturas em


que devo ponderar a possibilidade de haverfolga. E sempre que possível
devo-oJazer. Se até a equipa técnica sentefadiga nestas alturas, imagine-
se os jogadores. O estado de saturação dos jogadores e equipa técnica
poder ser altamente pernicioso e corrosivo, leva ao mau treinar, ao mau
concretizar {jogadores e treinadores) e por conseguinte ao mau estar.
Quando a equipa entra num período de elevada densidade competitiva,
com várias semanas consecutivas a realizar mais que um jogo, quando o
padrão passa a ser esse e a rotina: treino, viagem, estágio, jogo, viagem,
treino, devemos ter o bom senso de se possível conceder folga. Muitas
vezes as pessoas dizem «OS jogadores ganham muito dinheiro, por isso
têm é que trabalhar e não terfolgas». Mas as pessoas que dizem isso não
sabem o quanto é saturante para um jogadorfazer a rotina que referi,
com a agravante da pressão, das deslocações, esperas e estadias em hotéis
e aeroportos ser altamente saturante. Nestes contextos é muito "saudável"
para eles e mesmo para nós, equipa técnica, desligar de tal realidade.
(Maciel,2011b,p.17)

Num morfociclo de Sábado a Sábado, aquilo que era a nossa experiência


e ainda no Futebol Clube do Porto acontecia com regularidade, dávamos
descanso no dia a seguir aojogo e, por vezes, dávamos dois dias. Portanto,
por vezes, sentíamos que a melhor forma de recuperar, sob o ponto de
vista mental e isto já não tem a ver com questões teóricas, tem a ver com
aquilo que é a tua sensibilidade para perceberes o que é a equipa e para
perceberes o que é a necessidade da equipa e a necessidade dos jogadores.
Por vezes atribuíamos dois dias porque sentíamos que os dois dias
permitiam aos jogadores recuperar mais facilmente sob o ponto de vista
mental e se recuperassem mais facilmente sob o ponto de vista mental,
recuperariam mais facilmente sob o ponto de vista fisiológico. O estado
de espírito é uma coisa importante porque o tu sentires-te bem, teu estado
emocionalpermite uma maior recuperação global
(Faria, 2007, p. XXV)

Tendo em conta o quão desgastante pode ser para um jogador disputar muitos
jogos em sequência, o jogador inglês Frank Lampard conta que perante a grande densi-
dade de jogos que vinha enfrentando, o treinador do Chelsea (José Mourinho, na sua
primeira passagem pelo clube) algumas vezes lhe perguntava, se queria jogar no domin-
go ou preferia descansar.

Por exemplo, quando um treinador vê um determinado jogador cansado.


Uns dizem: ':Ah, está cansado? Então, tens de treinar cansado para
jogar assim porque depois quando estiveres fresco vais jogar ainda
m >]ULlANBER:rAZZOIDBAR 1
melhor!': Outros são sensíveis e dizem: ''estás cansado. Vais descansar. ". l
São manifestações de pensamento diferentes e opostas. Assim se apura a j
sensibilidade dos treinadores. Portanto, a Periodização Tática necessita j
desta sensibilidade e desta modelação. Daí dizer que esta conceção j
, metodológica é sobretudo uma prática. E não é só para quem ojoga ma~ j
l
sobretudo para quem o modela. Í
(Gom.,,, 2013, p. 316-317) 1
Como vimos, a Periodização Tática exige grande e apurada sensibilidade do trei- .l.

nador (que por sua vez será maior na medida em que este melhor compreender a Perio- l

~~~~::~~:i:~~ ~::~~!:: i~:~~~: ~~a:::n~~:~º!:~o~~:0e :Pe!u:~s::~:e:c:~ 1


peração, já que este está claramente dependente do que as circunstâncias e o contexto J
exigem, logicamente que suportado pela lógica do morfociclo padrão. j ·J

Qyando Tamarit (2013a) foi questionado se, numa semana em que a sua equipa J
1 ~
jogasse num domingo-quarta-domingo, introduziria a dimensão estratégica com algu- j
.~
ma relevância no treino de segunda-feira (após haver jogado no domingo e o próximo ;j
jogo ser na quarta), o treinador espanhol ressaltou a importância do ajustamento às
~
!
circunstâncias: ;

Depende das circunstâncias. Depende do comofoi ojogo e de como tu vês j


a tua equipa, tuas sensações e muitas coisas. Nó fim das contas, isso é a !
sensibilidade do treinador. )
(Tamarit, 2013a, p. 397) j
1
Portanto, como podemos verificar, não existem regras fixas, mas sim uma lógica J
que se adapta às circunstâncias, já que a modelação é algo que requer a "divina propor-
ção".
Cada circunstância, como já referi, exige um determinado tipo de intervenção,
planeamento e bom senso, tal como Xavier exemplifica quando refere que não é a
mesma coisa jogar no domingo de manhã, do que domingo à tarde ou à noite; se foi
um jogo fácil ou se foi um jogo difícil; se a equipa teve de viajar ou não; se o jogo foi
num terreno perfeito, ou se choveu e o campo não estava em boas condições.
"Ou sefa, devemos sempre ter tudo em conta. Aí está outra vez opadrão da complexida-
de" (Tamarit, 2013a).
"Se eu fosse treinadora de top não faria o treino de recuperação à mesma hora e poderia
1 '!' decidir após ojogo, emfunção da emergência do que pretendo. Depende da hora do jogo, daqui-
i 1 lo que acontece" (Gomes, 2013, p. 327).
1'
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 223

Pelos depoimentos apresentados nesta seção, podemos comprovar que, de facto, o


modelo é tudo, mas não é um "tudo" qualquer. Qyando nos deparamos com uma sema-
na de três jogos, os treinos que intermeiam as competições devem conter dominante-
mente o que se preconiza nos treinos de recuperação e recuperação direcionada para a
competição, no morfociclo padrão, onde a esfera aquisitiva não deverá ser a dominante.
Deve-se primar pela recuperação para que o grupo de jogadores e a equipa como
um todo possa competir permanentemente nas suas máximas condições de desempe-
nho, manifestando o seu jogar com regularidade e qualidade.
A gestão da aquisição em meio a treinos de recuperação deverá ser feita com
extrema sensatez e muita sensibilidade, de modo a não hipotecar a recuperação e as
condições de funcionalidade e fluidez da equipa para a próxima competição.
Deverá ser uma gestão muito cuidadosa, e poderá ser feita, na minha opinião,
dominantemente através de conversas, vídeos, que possam corrigir erros inerentes ao
jogo anterior, que valorizem os acertos, que projetem informações relevantes ao próxi-
mo adversário (dimensão "estratégicá').
Os exercícios de campo para adquirir ocasionalmente poderão ocorrer, mas deve-
rão ser feitos em contextos de baixa complexidade, sem colocar em cheque a recupera-
ção dos jogadores e da equipa na sua totalidade e, claro, sem ser dominante.
Pelos motivos que apresentei neste capítulo, fica claro que a gestão destes dias
deve ser feita com parcimónia, sensibilidade ao contexto e tendo como dominância a
recuperação como preocupação principal. Para fins didáticos, coloco aqui dois exemplos •
de possíveis morfociclos para uma semana que contenha três jogos:

Morfociclo
(Jogo Domingo-Quarta-Domingo)
Folga
ou Recuperação Recuperação
JOGO JOGO Folga Recuperação JOGO
Recuperação Direcionada Direcionada

D '

D
1

; 1

Domingo 2• Feira 3• Feira 4• Feira s• Feira 6• Feira Sábado Domingo

Exemplo de como poderia ficar um morfociclo com jogos domingo-quarta-domingo.


224 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

Morfociclo
(Jogo Domingo-Quarta-Sábado)

Recuperação Recuperação
JOGO RecuperaÇão JOGO Recuperação Direcionada JOGO Folga
Direcionada

Domingo 2• Feira 3• Feira 4• Feira s• Feira 6• Feira Sábado Domingo

Exemplo de como poderia ficar um morfociclo com jogos domingo-quarta-sábado.

3.7 A gestão do desempenho-recuperação dos jogadores


que não foram utilizados e/ou relacionados

Para finalizar a abordagem do morfociclo, um aspeto a reter é a condição dos


jogadores que no último jogo pouco atuaram, ou não atuaram, ou ainda, que frequen-
temente não jogam.
Trata-se de uma gestão complexa e que deve ser feita com coerência e sensibili-
dade, uma vez que se a relação desempenho-recuperação para os jogadores que jogam
com menor frequência no plantel não for contemplada, os mesmos tenderão a ter
decréscimos significativos na sua performance. Por isso, devemos ter em mente algumas
"estratégias" para que estes jogadores não manifestem involução nos seus desempenhos
e na sua motivação. Maciel (2012b) refere algumas possibilidades para atenuar esta
problemática:

Entendo, por exemplo, que o recurso a jogos combinados para o dia de


folga (para a generalidade do plantel), implicando os jogadores não
convocados e ou não utilizados, se devidamente enquadrado (nível
de exigência considerável, enquadramento na lógica de alternância
semanal, formalidade nos procedimentos - pormenores como a existência
de árbitros e detalhes do género), se constitui como um grande ganho. Na
Líbia encontramos um planteljáformado, pois começamos a treinar com
a época já decorrer, e estes jogos foram muito importantes.
Ainda que tivéssemos um plantel de qualidade, chegamos a ter mais de
30jogadores em treino, e por motivos diversos (fadiga, castigos, selecções,
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 225

lesões, casos disciplinares.. .) nos 1 Ojogos que realizamos nunca repetimos


um onze titular. Vencemos 8 jogos e empatamos 21 Por norma a jogar
como desdávamos. Claro que para levar a efeito esta estratégia, por
vezes os jogadores (normalmente os convocados não utilizados) terão
de abdicar da folga, mas se lhes for colocada essa hipótese à priori e eles
se sentirem na continuidade que se trata de um estímulo relevante,
certamente não se importarão, serão inclusivamente eles próprios a
solicitar que tais jogos se realizem, por sentirem se constituir como um
estímulo aquisitivo relevante e por sentirem que o treinador entende
aquele momento como importante.
(Maciel, 2012b, p. 4)

Existem alguns campeonatos, como o argentino em que paralelo à competição


principal existe o campeonato de reservas. Qµem não é aproveitado pela equipa princi-
pal para o jogo do campeonato, tem a oportunidade de jogar e ter esforços similares aos
do grupo principal e no mesmo dia, ainda que jogando pela equipa B.
Entretanto, não são todos os campeonatos que têm esta ferramenta, sendo o
Brasileirão um exemplo. Portanto devemos sempre estar na busca de soluções, sendo
uma possibilidade, conforme já propus durante a abordagem da recuperação ativa no
morfociclo padrão, dividir os jogadores em dois grupos durante o treino de recupe-
ração, um grupo dos que jogaram e outro dos que não jogaram, ou pouco jogaram.
Idealmente falando, seria interessante que o treinador principal desse o treino para
o grupo dos que não atuaram, uma vez que constitui fator de motivação e valorização •
destes jogadores. Deste modo, o treino dos "não convocados" possibilitaria aos jogado-
res ter um nível de desgaste significativo, o que, por conseguinte lhes permitiria atenuar
um pouco os efeitos de não haverem competido no jogo anterior.
Agora imaginem que no mesmo dia do jogo, o treino para não convocados
aconteceu, e três dos sete suplentes que estavam no banco, jogaram um tempo relati-
vamente considerável, de modo a que não necessitassem de treinar de maneira aqui-
sitiva, mas de recuperar. E o que fazer com os quatro jogadores que ficaram no banco
apenas assistindo ao jogo? Submetê-los a uma estimulação logo após o jogo? Treiná-
-los em separado no treino em que a totalidade do grupo recupera? Trata-se de uma
situação que deve ser considerada e gerida com sensibilidade e inteligência.
Para Tamarit (2013a), quando a densidade competitiva se acentua, onde se
compete num espaço de tempo muito curto, devem-se ter ainda mais cuidados
nesta gestão. Este treinador refere um exemplo da sua realidade, onde naquela altura
(Valência C.F. feminino), não tinha condições de treinar as jogadoras que não eram
convocadas.
226 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

O que acontecia nestas condições, é que durante os treinos de recuperação o trei-


nador tinha que pensar muito bem no que fazer com estas jogadoras que não tive-
ram o estímulo da competição formal. Uma possível estratégia no morfociclo padrão
para estas jogadoras ~ra a de treiná-las num grupo separado das jogadoras que estavam
a recuperar (tal como já evidenciei), promovendo estímulos que se aproximassem ao
máximo possível dos da competição, a todos os níveis. Esta "estratégià', como disse,
para Tamarit era frequente quando se competia de sete em sete dias, mas e quando há
uma nova competição em apenas dois ou três dias? O que fazer?

Claro que para as jogadoras que não jogaram no domingo não poderia ser
como seria numa terça-feira "normal': porque épossível que você necessite
delas em dois dias, epor isso não pode ser iguaL· complexidade dos exercícios
muito baixa, a parte estratégica vista de uma maneira mais teórica,
tentar recuperá-las e talvez até podes treinar algo tático, mas com pouca
complexidade. Como dissemos, procurar ativar esse padrão bioenergética
da nossaforma de jogar. Para mim estes dias são assim.
(Tamarit, 2013a, p. 398)

Qyando questionado se admitiria treinar todos os dias durante uma semana em


que houvesse três jogos, Tamarit referiu as circunstâncias que o seu contexto naque-
la época impunha: dá-se folga é para todas as jogadoras, por não haver possibilidade
de treinar um grupo reduzido (no caso, o das jogadoras que não jogaram, ou pouco
jogaram na última partida). Facto este que o leva a equacionar esta gestão com muita
sensibilidade e senso de divina proporção.

Por exemplo: existem equipas que jogam sistematicamente domingo,


quarta-feira e domingo, e é lógico que tais equipas devem ter folgas,
é fundamental Agora, nós uma semana que, talvez, só essa semana
possamos ter estes três jogos, lá está, depende das circunstâncias, mas
poderia ser importante treinar todos os dias. Sobretudo porque, olha só,
agora mesmo na realidade em que estou trabalhando, se eu dou folga é
folga para todas as jogadoras.
Pense comigo.jogadoras que não jogaram no domingo e que na segunda-
feira têm dia de descanso. Ainda por cima, no sábado não treinaram,
terça-feira fazem recuperação com ativação, quarta-feira não jogam,
ou jogam 15 minutos, quinta feira recuperação com ativação, sábado
descansam porque nós não temos campo, domingo não jogam ... segunda-
feira voltamos a descansar. Para as jogadoras que não jogaram é uma
semana praticamente perdida.
(Tamarit, 2013a, p. 399)
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 227

Em virtude das diferentes realidades, desafios e distintas possibilidades para solu-


cionar os problemas apresentados neste capítulo, percebemos uma vez mais, que o trei-
nador e sua equipa técnica deverão ser inteligentes e terão de ter muita sensibilidade, de
modo a que possam tomar as melhores decisões para a equipa.

Esta gestão micromacro num processo de treino implica a


operacionalização adequada dos princípios metodológicos, a articulação
de sentido entre estes e a matriz conceptual do jogar e a coerência
necessária relativamente a esta. Mas, não menos importante implica
muito sentido da divina proporção, que conforme refere o professor
Vítor Frade, uns têm e outros não, daí que a gestão de um plantelpossa
ser um problema, mas também uma solução. Não esqueçamos que 'a
morte do organismo implica a do órgão, mas o mais vulgar é a morte
do órgão implicar a morte do organismo - (Laborit, 1971)".
(Maciel, 2012b, p. 5)

3.8 A Periodização Tática justificada pelas neurociências.


3.8.1 O derrubar do mito de que para se tomar boas decisões e realizar
bons julgamentos, necessitamos fazer um apelo única e exclusivamente
à razão, evitando as emoções.

Fui advertido, desde muito cedo, de que decisões sensatas provêm de


uma cabeça fria e de que emoções e razão se misturam tanto quanto a
água e o azeite. Cresci habituado a aceitar que os mecanismos da razão
existiam numa região separada da mente onde as emoções não estavam
autorizadas a penetrar e, quando pensava no cérebro subjacente a essa
mente, assumia a existência de sistemas neurológicos diferentes para
a razão e para a emoção. Essa era então uma perspectiva largamente
difundida acerca da relação entre razão e emoção, tanto em termos
mentais como em termos neurológicos.
(Damásio, 1996, p. 11)

Nós já ouvimos inúmeras vezes de diferentes pessoas que para se tomar decisões
ajustadas devemos ter "cabeça frià' e apelarmos à razão, evitando o uso das emoções.
Contudo, segundo os contributos da neurociência esta crença não tem fundamen-
tação científica. Segundo Damásio (1996), a qualidade das tomadas de decisões não
depende exclusivamente dos processos ditos "racionais'', afastando a razão da emoção
228 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

tal como comumente se imaginava, pelo contrário, a ausência de emoção pode destruir
a racionalidade 79 •

3.8.1.1 As emoçõ~s (e os sentimentos) como protagonistas


na indução da razão, das melhores decisões e da
aprendizagem de umjogar

Uma boa aprendizagem não evita as emoções, abraça-as.


(Jensen, 2002 citado por. Fernandes, 2003)

A emoção é qualquer coisa que está antes, digamos assim, que às vezes
é até descabida e descontrolada. E a sentimentalidade é, digamos, a
roupagem que eu consigo -o casaco que eu consigo pôr na emoção- que
são os princípios de jogo, os critérios, depois de vivenciados como posturas
(verso imposturas), identitários, mecanismos não-mecânicos como hábitos
adquiridos na ação (treinabilidade), espontâneos,.ftuídos, robustos, como
ordem subjacente à... , isto é, uma organização intencionalizada, ou sefa,
a dimensão tática!
(Frade, 2013a, p. 438)

As emoções não são um luxo, muito pelo contrário. O nosso corpo utiliza frequen-
temente reações corporais provenientes do nosso estado emotivo para nos auxiliar a
tomar determinadas decisões que nos sejam favoráveis num dado instante. Gaiteiro
(2006) ressalta que as emoções não só nos ajudam a tomar decisões, como também nos
colocam em movimento, referindo que etimologicamente a palavra "emoção" provém
do verbo emovere que significa "movimento para fora''.
Podemos começar a definir a emoção como sendo:

Programas de ações complexos e em grande medida automatizados,


engendradospela evolução.As ações são complementadaspor um programa
cognitivo que inclui certas ideias e modos de cognição, mas o mundo
das emoções é sobretudo flito de ações executadas no nosso corpo, desde
expressõesfaciais eposturas até mudanças nas vísceras e meio interno.
Damásio (2011,p.142)

Nesse sentido, podemos dizer que a função biológica das emoções é dupla. Uma é
a produção de uma reação específica à situação indutora, que pode ser, para um animal,

79 Para maior e melhor compreensão dos mecanismos decisionais, recomenda-se a leitura integral das
obras do neurocientista António Damásio.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 229

correr ou lutar ferozmente contra o inimigo ou iniciar um comportamento prazeroso.


A outra função biológica das emoções é a regulação do estado interno do organismo
para que possa estar preparado para uma reação, o que neste caso pode ser aumentar o
fluxo sanguíneo dos membros inferiores para condicionar um maior aporte de glicose e
oxigênio no caso de uma fuga do feroz inimigo (Zambiasi, 2012).
Em suma, para certos tipos de estímulo claramente perigosos ou valiosos, seja
no meio interno ou externo, a evolução reservou uma reação condizente na forma de
emoção.
António Damásio adiciona (1996) que as emoções são um conjunto de alterações
no estado do corpo associadas a certas imagens mentais 80 que ativaram um sistema
cerebral específico. Deste modo, percebemos a influência que as emoções exercem sobre
as tomadas de d~cisão do organismo.
Sabemos que praticamente todas as partes do corpo -cada músculo, articulação
ou órgão interno- podem enviar sinais para o cérebro através dos nervos periféricos.
A libertação de substâncias químicas provenientes da atividade corporal, que alcançam
o sistema nervoso por meio da corrente sanguínea determinando o seu funcionamento
é um exemplo disso. Outro exemplo reside no facto de também o sistema nervoso
central ter o poder de condicionar o funcionamento do corpo-propriamente-dito por
meio de libertação e envios de substâncias, impulsos e sinais elétricos.
Para além da viagem neural do seu estado emocional até ao cérebro, o organismo
também faz uma viagem química paralela. As hormonas e os peptídeos libertados no
corpo durante a emoção alcançam o cérebro por via sanguínea e penetram nele ativa-
mente. Não só pode o cérebro construir, nalguns dos seus sistemas, uma imagem neural
múltipla da paisagem do corpo, como a construção dessa imagem pode ser também
influenciada diretamente pelo corpo. Não é apenas um conjunto de sinais neurais que
confere ao organismo o seu caráter num dado momento, mas também um conjunto
de sinais químicos que alteram o modo como os sinais neurais são processados (Nava,
2003, citado por. Maciel, 2011a).

80 Imagens Mentais: De acordo com Damásio (1996) em larga medida o pensamento é feito por imagens.
Este autor (2000, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 210) explica que ''pelo termo imagens quero significar
padrões mentais com uma estrutura construída com a moeda corrente de cada uma das modalidades sensoriais:
visual, auditiva, o!fàtiva, e somatossensorial A palavra imagem não se refere apenas às imagens «visuais», e não se
refere apenas a objetos estáticos. Imagens de todas as modalidades «ilustram» processos e entidades de todos os géne-
ros, tanto concretos como abstratos. As imagens também «ilustram» as propriedades físicas de diversas entidades e
as relações espaciais e temporais entre essas entidades, algumas vezes de firma esboçada, outras não, assim como as
suas ações. Resumindo, o processo a que chamamos mente, quando as imagens mentais se tornam nossas devido à
consciência, é um fluxo contínuo de imagens, muitas das quais se revelam logicamente interligada!'.
230 >JULIAN BERTAZZO TOBAR 1
'

Quando qftrmo que o corpo e o cérebro formam um organismo


indissociável, não estou exagerando. Defacto, estou simplificando demais.
Considere que o cérebro recebe sinais não apenas do corpo mas, em alguns
de seus setores, de partes de sua própria estrutura, as quais recebem sinais
do ,corpo! O organismo constituído pela parceria cérebro-corpo interage
com o ambiente como um conjunto, não sendo a interação só do corpo ou
só do cérebro. Porém, organismos complexos como os nossos Jazem mais
do que interagir, fazem mais do que gerar respostas externas espontâneas
ou reativas, que no seu conjunto são conhecidas como comportamento.
Eles geram também respostas internas, algumas das quais constituem
imagens (visuais, auditivas, somatossensoriais) que postulei como sendo
a base para a mente.
(Damásio, 1996, p.114)

Importa ressalvar que existem vários tipos de emoções, sendo classificadas em


primárias e secundárias.Tal classificação é de fundamental importância, uma vez que as
emoções primárias, ou inatas, suportam determinadas lesões cerebrais que as emoções
secundárias não suportam.

A menção da palavra emoção em geral traz à mente uma das assim


chamadas emoções primárias ou universais: alegria, tristeza, medo,
raiva, surpresa ou repugnância. As emoções primárias facilitam a
discussão do problema, mas é importante notar que existem muitos
outros comportamentos aos quais se pôs o rótulo "emoção': Eles incluem
as chamadas emoções secundárias ou sociais, como embaraço, ciúme, culpa
ou orgulho, e também o que denomino emoções de fando, como bem-estar
ou mal-estar, calma ou tensão. O rótulo ''emoção" também fai aplicado a
impulsos e motivações e a estados de dor ou prazer.
(Damásio, 2000, p. 74)

As emoções primárias (ou iniciais, inatas, pré-organizadas) dependem da rede de


circuitos do sistema límbico, sendo a amígdala e o cíngulo anterior as personagens prin-
cipais. Essas emoções, que são: dor, fome, frio, sono, raiva, medo, alegria, tristeza, surpresa
ou repugnância não necessitam de uma experiência prévia para se manifestarem.
Se, por um lado, as emoções primárias não necessitam de experiências prévias para
se manifestarem, as emoções secundárias necessitam e essa é a diferença fundamental
da classificação dessas emoções. As emoções secundárias são aquelas desenvolvidas ao
longo da vida, resultante de imagens mentais criadas a partir de experiências prévias,
como por exemplo, as emoções sentidas na perda de um familiar; no reencontro de um
grande amigo, após longo período sem se verem.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 231

Damásio (1996) aponta que num nível não consciente, redes do córtex pré-fron-
tal81, reagem automática e involuntariamente aos sinais resultantes do processo de
imagens, ou seja, até mesmo sem ter consciência o indivíduo utiliza imagens criadas em
experiências anteriores.
Os achados deste neurocientista mostram que as emoções secundárias não só
auxiliam os organismos a tomarem decisões, como estão diretamente relacionadas aos
processos de aprendizagem, tal como evidenciarei em breve. Zambiasi (2012) explica
que o que faz as emoções serem determinantes para o nosso organismo são as reações
que elas trazem para os nossos corpos e a percepção consciente que temos sobre todas
essas informações corporais obtidas desse estado somático. Da mesma maneira que
as em:oções manipulam o nosso estado orgânico, as emoções também induzem uma
série de reações que o nosso plano consciente percebe na forma de sentimentos.

Se uma emoção é um conjunto das alterações no estado do corpo associadas


a certas imagens mentais que ativaram um sistema cerebral especffico, a
essência do sentir de uma emoção é a experiência dessas alterações em
justaposição com as imagens mentais que iniciaram o ciclo.
(Damásio, 1996, p. 175)

Podemos referir-nos aos sentimentos como as percepções compostas daquilo que


ocorre no nosso corpo e na nossa mente quando uma emoção está em curso. No que
diz respeito ao corpo, os sentimentos são imagens de ações, e não ações propriamente
ditas; o mundo dos sentimentos é feito de percepções executadas em mapas cerebrais
(Damásio, 2011, p.142).
Ou seja, os sentimentos são representações cerebrais resultantes de emoções, sendo
um produto de emoções em justaposição com imagens obtidas de vivências anteriores.

81 Córtex pré-frontal: O córtex pré-frontal está relacionado com o planeamento de comportamentos e


pensamentos complexos, a expressão da personalidade, tomadas de decisões, modulação de comportamen-
to social (DeYoung et ai., 2010; Yang & Raine, 2009) e é responsável pela atenção (Pantano, 2009). Miller,
Freedman & Wallys (2002) colocam que a capacidade para orientar o comportamento através de conceitos
e princípios de orientação adquiridos através de experiências vivenciadas é um fator determinante para
lidar eficazmente com o mundo complexo que vivemos e para nos adaptarmos fácil e eficazmente a novas
situações. Nesse sentido, o córtex pré-fontal desempenha um papel central na aquisição e representação
desta informação, estando por trás das nossas representações internas das "regras do jogo", isto é, padrões
sociais de comportamento e julgamento social. Traumas nesta região cerebral normalmente fazem com que
uma pessoa fique presa obstinadamente a estratégias que não funcionam, ou que não consigam desenvolver
uma sequência de ações correta. A função psicológica mais importante do córtex pré-frontal, é a executiva,
que segundo Chan et ai. (2008) e Monsell, (2003) se relaciona a habilidades para diferenciar pensamen-
tos conflitantes, determinar o que é bom e mau, melhor e pior, igual e diferente, consequências futuras de
atividades correntes, trabalho em relação a uma meta definida, previsão de factos, expectativas baseadas em
ações, e controlo social.
232 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

O nosso organismo torna-o consciente somente quando tem clara a situação de que
tudo está a acontecer com o nosso corpo.
Por outras palavras, os sentimentos são a roupagem, o casaco que colocamos nas
emoções, resultantes çla interpretação daquilo que acontece. A emotividade é a biolo-
gia daquilo que vamos fazendo, é a biologia da nossa informação e os sentimentos são
a história que damos ao que acontece (Gomes, 2013).
As emoções permitem-nos criar um sistema de navegação automática que
nos ajuda nas tomadas de decisão. Somos constantemente confrontados,
na nossa vida, com situações em que, perante um problema, tomamos
uma decisão que tem consequências. Ora, tanto a situação que leva à
decisão como as suas consequências são vividas com um acompanhamento
emocional Se escolhermos algo que tenha más consequências, vamos
sentir-nos mal, vamos sofrer, vamos ficar zangados, vamos ter emoções
negativas. Se as consequências são boas, vamos sentir a alegria e oprazer
que advêm dessa decisão. Ou seja, há sempre uma relação emocional
Quando somos confrontados com uma situação semelhante àquelas já
vividas, a maquinaria cerebral dá-nos, muito rapidamente, o sinal das
emoções ligadas àquele tipo de situação.
(Oliveira et al, 2006, p. 205)

Exemplificando para a nossa área de interesse, o futebol e o treino, imaginem


que a ideia de jogo do treinador, concretamente no momento ofensivo passa, dentre
outras coisas, por ter permanentemente a bola em seu poder, circulando-a com
paciência e por todas as zonas do terreno, de modo a encontrar espaços na defesa
adversária para criar situações de finalização e marcar golos, e para isso quer que a
sua equipa realize uma abertura posicional, tanto em largura como em profundida-
de, para criar mais espaços para jogarem, promovendo, portanto, uma facilitação na
circulação da bola.
Neste contexto, o treinador deseja desenvolver a sua ideia de jogo, em termos de
meso princípios e micro princípios, objetivando treinar principalmente a manutenção
da posse da bola, dando aos jogadores a noção da necessidade de uma ocupação racio-
nal dos espaços, abrindo o campo tanto em largura como em profundidade, para que
i 1

consigam manter a bola consigo.


PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 233

Exercício 82 de 6x3 configurado para o desenvolvimento de meso princípios


e micro princípios da referida ideia de jogo

Para isso, dentro do espaço de jogo existe uma equipa de seis jogadores (pretos)
que estão permanentemente com a posse de bola, contra três que não a têm (brancos).
Se a equipa preta conseguir trocar dez passes em sequência marca um ponto.Já a equipa
de branco pontuará a cada recuperação de bola.
Nesta situação, tal como está ilustrada, os jogadores de preto vão criando condi-
ções de facilitação para circularem a bola, através do seu jogo posicional. Nota-se que t

há uma abertura posicional, com apoios perto e longe da bola, o que facilita que a bola
fique com os pretos.
Nestas circunstâncias, se o treinador intervier positivamente, em relação a esta
intenção, possivelmente criará uma sentimentalidade e uma emotividade positiva,
inerente a esta intenção.
Possivelmente os jogadores sentirão que ao "abrirem o campo" dum determina-
do modo e, portanto, ao jogarem de acordo com a ideia de jogo o sucesso estará mais
perto, porque em experiências prévias, este mesmo desempenho, o condizente com a

82 Exemplos de exercícios: Durante este capítulo utilizarei alguns exercícios apenas para ilustrar determi-
nadas ideias, são, portanto, apresentados somente a nível exemplificativo. Devemos ter em conta, conforme
já referi, o enquadramento com a lógica da alternância preconizada pelo morfociclo, isto é, na nossa opera-
cionalização diária devemos respeitar o padrão de desempenho e recuperação do dia em questão. Ainda
que todos os exercícios criados pelo treinador possam ser, todos, potencialmente bons, a verdade é que nesta
lógica de treino, serão potencialmente bons os que sejam realizados de maneira a respeitar o enquadra-
mento da lógica do morfociclo padrão nos diferentes dias da semana, garantindo que o que a equipa possa
manifestar regularmente nos momentos de competição elevados desempenhos.
234 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

ideia de jogo, lhes levou a atingir o sucesso (lembremos da importância do princípio


metodológico das propensões). Isto é reforçado pela intervenção do treinador, daí a
importância da dimensão fractal e da articulação de sentido em todos os contextos
de "exercitação'', porqve as intenções prévias devem ser treinadas em várias escalas
de organização do jogar, para que se assemelhem ao máximo possível das situações
encontradas em competição, e para que, como já vimos, haja e permita que a aquisi-
ção emerja de um determinado jogar capaz de dar respostas ao padrão de problemas
colocados pela competição.
O sistema de produção do prazer permite avaliar desempenhos. "É como se o cére-
bro dissesse: -Isto foi bom; vamos recordá-lo e repeti-lo" (Fernandes, 2003, p. 13).

Exercício de 6x:3 configurado para o desenvolvimento de meso princípios


e micro princípios da referida ideia de jogo

Tomando como exemplo o mesmo exercício, entretanto nesta situação os jogado-


res não realizam uma abertura posicional. Note-se que neste caso os pretos têm muito
menos possibilidade de manter a posse da bola por mais tempo, porque ao não ocupa-
rem racionalmente o espaço de jogo tendencialmente terão menos tempo e espaço
para jogar e menos linhas de passe seguras, logo, estarão submetidos constantemente
à pressão adversária, aumentando consideravelmente as possibilidades de perderem a
bola, e, portanto de não atingirem os objetivos do exercício.
Neste contexto, os jogadores sentirão no Corpo as consequências negativas deste
desempenho, sendo que esta emotividade e sentimentalidade negativa poderá ser
acentuada pela intervenção do treinador, no sentido de questionar, criticar, corrigir e
guiar-lhes à direção pretendida (ideia de jogo), para que, baseado nesta experiência
t

j
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 235

prévia, em situações futuras, os jogadores possam decidir da maneira mais eficaz. Neste
caso fazendo o campo ficar grande, através da abertura posicional de alguns jogadores,
em largura e profundidade, sem contudo negligenciar a necessidade de possuir apoios
próximos em torno da bola.
Deste modo, como já disse em capítulos anteriores, entendo que um dos papéis do
treinador é guiar os seus jogadores, emocionando-os tanto de maneira positiva como
negativa, e não me refiro somente ao momento em que o exercício está a decorrer,
mas fundamentalmente antes, através da contemplação do princípio metodológico das
propensões.
Imaginemos o seguinte exercício:

Exercício de (três apoios)+ 3 x 3 +(três apoios) configurado para o desenvolvimento de


meso princípios e micro princípios da referida ideia de jogo

Aqui jogam duas equipas compostas por seis jogadores, mas que estão subdi-
vididas em três jogadores que :ficam somente no apoio (área exterior ao quadrado)
e três que jogam dentro do quadrado. Joga-se três minutos (exemplo) e após este
período trocam-se as funções das equipas (os que estavam no apoio vão jogar dentro,
e vice-versa).
Supondo que o treinador pretende incidir nas escalas meso e micro da organiza-
ção defensiva e ofensiva, bem como a sua articulação: a intenção do treinador durante
esta "exercitação" será transmitir aos jogadores, não apenas por palavras, mas pela confi-
guração do contexto os benefícios de fazer campo pequeno e pressionar como uma
unidade coletiva (quando estiverem sem a bola), e conservar a posse da bola quando
estiverem com ela, através de um jogo de passes que saiba "dar tempo ao tempo" e ao
236 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

espaço, ou seja, que saiba lidar e gerir as diferentes velocidades do jogo de modo a obter
a eficácia constantemente.
Desta maneira, o exercício assenta no seguinte pressuposto: imaginando que a
bola inicia no quadrado superior, como demonstra a imagem, o objetivo dos brancos
é conservar a posse de bola pelo maior período de tempo possível. A cada 10 passes
completos a equipa que tem posse de bola marca um ponto.
Os pretos, nesta situação, devem pressionar os brancos de modo a roubar-lhes a
posse da bola. O!iando conseguirem, deverão fazer um passe ao outro quadrado, onde
estão os seus apoios.

Instante em que se produz a recuperação de bola e os pretos conseguem enviá-la


ao seu quadrado

No momento em que o fazem, os pretos e brancos que estavam a jogar dentro do


quadrado, vão rapidamente ao outro quadrado jogar (os apoios do branco permane-
cem). Desta vez, serão os pretos que terão superioridade com os seus apoios, realizando
uma situação de 6 pretos contra 3 brancos.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 237

Após se produzir a transição, os jogadores passam a jogar no outro quadrado

Vamos supor que na situação exemplificada, os pretos tiveram relativa dificuldade


para roubar a bola aos brancos, porque pressionavam os brancos de maneira desconjun-
ta e descoordenada. Isto é, enquanto que um ou dois jogadores pressionavam o portador
da bola e o espaço circundante, o outro não atuava em conjunto, ocasionando muitas
vezes incapacidade para conseguir roubar a bola.
Para além de os brancos estarem em vantagem, porque hipoteticamente troca-
ram muitos passes, os pretos tiveram um desgaste superior, correram atrás da bola com
empenho, mas como não atuaram como uma unidade, estes esforços foram muitas
vezes infrutíferos. Portanto, correram à toa na maior parte do tempo, até que finalmen-
te conseguiram roubar a bola e a lançaram para o seu quadrado, passando a jogar com
superioridade numérica.
Durante este período (o de estar em superioridade), os brancos terão a oportu-
nidade de se recuperarem do elevado desgaste promovido pelo esforço de pressionar,
sendo este "recuperar" conseguido através do levar a efeito a ideia de jogo do treinador,
de, dentre outras coisas, circular a bola pacientemente sem arriscar passes desnecessa-
riamente, mantendo-a em seus domínios (manutenção da posse). E de modo a facili-
tar-lhes as interações e intencionalidades pretendidas, o contexto oferece-lhes superio-
ridade numérica.
Entretanto, se os brancos logo após terem retirado a bola do quadrado adversário,
lançando-a e indo para o quadrado em que estão os seus apoios, em alta velocidade, e
em seguida não conseguirem levar a efeito as interações pretendidas, possivelmente
terminarão por perder a bola, tendo que não apenas correr até o outro quadrado rapi-
238 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

damente, como terão de mais uma vez tentar roubar a posse da bola. Imagine se isso
acontecer com frequência. Estes jogadores estarão completamente estafados ao término
da(s) "exercitação(ões)".
Qyero ilustrar çom este exemplo que o treinador poderá acentuar ou inibir
desempenhos conforme configura o exercício e também conforme intervém no mesmo.
Conforme já aludi, o treinador tem o poder potencial de modelar e guiar os jogadores
até as interações pretendidas. Nos momentos em que as interações estão a ocorrer, ou
nos momentos de pausa entre uma repetição e outra, o treinador poderá através do
discurso fazer com que os jogadores entendam -de maneira consciente- que as intera-
ções que estão a ter (intenções em ato) não se coadunam com as pretendidas (intenções
prévias), e mais do que isso, ao se repetirem várias vezes os levarão ao insucesso com
frequência.
Deste modo o treinador poderá imbuir os jogadores de emoções e sentimentos
negativos, associando as suas (más) interações (as que vão contra as intenções prévias
pretendidas) a este tipo de emotividade e sentimentalidade, não apenas com as suas
palavras, mas também pela vivência continuada dos jogadores aos contextos de propen-
são. Pelo contrário, quando as interações pretendidas ocorrem, o treinador, no nosso
entendimento, deverá intervir, e em boa parte das vezes, intervir de maneira positiva,
para que estas interações sejam reforçadas e incorporadas pelos jogadores.
É a consciência que permite que os sentimentos sejam conhecidos, promovendo
o impacto interno da emoção, deixando que ela permeie o processo de pensamento
através do sentimento (Fernandes, 2003). Aí mais uma vez sentimos a importância da
modelação.
Vale a pena salientar que as intervenções dadas durante os exercícios não devem
ser no sentido de "faz isso, faz aquilo", porque isso é mecanizar o que na sua essência é
imprevisível e dependente das circunstâncias.

Imagina: o defesa não acertou na bola quando queria que ele saísse a
jogar, isto é, recebesse a bola, a dominasse e a pusesse ajogar, mas bateu-a!
Nesta situação ganho mais em dizer: ''tentarficar com a bola mas vamos
lá! Temos de conseguirficar com a bolai': do que lhe dizer: ''Domina a
bola epassa". Porque isso vai condicionar a decisão seguinte, e na decisão
seguinte, ele pode precisar de tirar e vai tentarfazer o que eu lhe disse. Ou
sfja, está preso ao que lhe disse e não joga em função das circunstâncias.
(Gomes, 2013, p. 368-369)

Deste modo o que se pretende não é mecanizar, restringindo e ordenando os


jogadores a tomarem soluções fechadas e estereotipadas sem levar em conta a realidade,

.l
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 239

mas sim, guiar-lhes e "abrir-lhes a consciência" para que, sempre que possível, ajustem
as suas ações e interações à ideia de jogo da equipa e às circunstâncias.
Nesse sentido o treino assume fundamental relevância neste desenvolvimen-
to, uma vez que é muito mais "controlável" por parte do treinador do que um jogo.
A promoção de emotividade e sentimentalidade não deverá ocorrer somente com meio
a exercícios, mas durante todo o processo e deverão ser dominantemente positivas.

Eu acredito que a liderança é muito importante e isto está intimamente


relacionado com as emoções e os sentimentos, porque as emoções e os
sentimentos durante o treino são importantíssimas, mas também o são
fara do treino, em diferentes áreas, no balneário, na sala de conferências
para a imprensa.
(Tamarit, 2013a, p. 408)

Esta gestão e criação das emotividades coletivas são absolutamente fundamentais


para a condução e o sucesso do processo.

3.8.2 A importância da positividade durante o processo.

Tal como referi, o treinador deve gerir e promover emoções e sentimentos durante
todo o processo, de acordo com os seus interesses. Esta gestão e criação são aspetos
fundamentais, onde penso que o treinador deverá dominantemente criar uma atmosfe-
ra de positividade em torno da equipa e da ideia de jogo.
Creio ser importante, na maioria das vezes, promover um ambiente saudável com
predomínio das emoções e sentimentos positivos, que gerem prazer e satisfação aos
intervenientes do processo, não apenas para motivar crença na ideia (o que se alcança
também, e principalmente, ganhando jogos), mas também para que o ambiente promo-
va a aprendizagem. Ambientes imbuídos de desprazer e emoções negativas prejudicam
os processos de aprendizagem, e sendo o treino um processo de ensino-aprendizagem
de umjogar, o desprazer deverá ser dominantemente evitado. Devemos na medida do
possível fazer com que cada jogador tenha orgulho e paixão pela construção do jogar,
que sinta que realmente faz parte do processo e que aquela ideia coletiva também é a
sua ideia. Isso faz com que todos se impliquem de corpo e alma no que pretendemos.
Sabemos que jogadores desmotivados rendem menos.

Sabemos que tudo o que sqa positivo leva-nos a ganhar uma


sentimentalidade coletiva que estimula o querer estar sempre juntos e
um entranhar mais farte. E por quê? Porque a emotividade é positiva!
Então, tudo o que sqa competitivo promove um maior prazer em
240 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

ganhar que os leva a crescer sempre nestas situações. O prazer reforça o


que queremos por isso é que o modelo éfondamental para sabermos para
onde queremos ir. Assim, vamos ter que gerir nosso processo e intervir
dizendo: '51.conteceu isto mas deveria ter acontecido isto!". Devemos crescer
a tentarfazer o que queremos! Orientarporque senão caímos num estado
de insatisfação permanente porque devia ter rematado de primeira,
mas não rematou, tentou cortar a bola. . . o que é difícil porque existe
sempre outras possibilidades. Mas no reforço positivo do que queremos é
importante dar segurança e valorizar o que vamos conquistando.
(Gomes, 2013, p. 369)

Esta treinadora conta um exemplo de um treinador (na época Marisa era coorde-
nadora técnica) que era muito sincero com aquilo que via, o que na opinião de Gomes
era prejudicial para ele e para o processo:

No Foz tenho um treinador que é demasiado sincero com aquilo que


vê e, portanto, ganha muito pouco com isso pois acontece um bom golo
e ele diz: "Bom golo". No entanto, quando sofremos um golo valoriza
mais e diz: ''Não devíamos ter feito isso, devíamos ter metido o pé à
bola". Ou seja, isto é uma sentimentalidade que não é positiva. E nunca
há um sentimento pleno de quem vivenciou o processo. Nunca há uma
satisfação na mesma proporção da insatisfação! No entanto, há situações
em que com um treinador que às vezes tem uma ideia mais limitada
masfica satisfeito com o que acontece. Esta emotividade positiva é muito
importante para nós gostarmos de alguma coisa.
Na envolvência das pessoas, só o conseguimos com coisas muito boas
porque normalmente só temos sucesso estando envolvidos, por isso é que
se fala que a produtividade das pessoas que não gostam do que fazem é
muito menor. Claro! Por exemplo, ir a um sítio onde sabemos que há um
desprazer, nestes lugares não se aprende nada!
(Gomes, 2013, p. 369)

Estudos recentes da neurociência dizem que quanto mais as pessoas sorriem, a


tendência é serem cada vez mais felizes, melhorando todo o estado corporal, uma vez
que as emoções são contagiosas. Por exemplo, se existe muita felicidade numa casa e
alguém se incorpora nesta residência, possivelmente acabará por sentir-se mais feliz,
porque existe esta transmissão de emoções de uma pessoa para a outra (Iacoboni,2010).
Marisa reforça este lado da projeção positiva, quando coloca que não é a mesma
coisa dizer a um jogador: "Não falhes o golo!" do que dizer "Marca um golo!': ':A. projeção é
sempre positiva na segunda expressão e daí que saber gerir isto se torna fundamental'.

i
11
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 241

Conforme referi há pouco, a crença dos jogadores na ideia e no processo é


fundamental para o seu bom desenvolvimento. Nesse sentido, as emoções e os senti-
mentos que o treinador pode promover no seio da equipa, poderá conduzi-la à dire-
ção pretendida.

O treinador que ganhou quando precisava de ganhar, mesmo não


jogando bem, quando che$a perto dos jogadores e diz: "Ok, ganhamos
mas não jogamos bem': E diferente de dizer assim: "Ganhamos e isso
é que era importante!". Esta mensagem reforça muito mais a crença e
o espírito de envolvência da equipa. O modo como se faz isso dá uma
tonalidade diferente às circunstâncias. E isso os treinadores têm ou não
têm. Não há um livro ou manual em que se encontram estas coisas porque
temos quefazê-lo no «aqui e agora».
(Gomes, 2013, p. 370)

O que a neurociência chama de "neurónios-espelho" é capaz de explicar esses


fenómenos com clareza. Os neurónios-espelho, quando ativados, permitem que uma
pessoa, que esteja parada - e a observar outra pessoa que esteja a falar, a cantar, a execu-
tar qualquer outra ação, permite-a ter as mesmas sensações, emoções que o executante,
isto é, permite haver uma empatia nas emoções.

É por isso que os chamamos de neurónios espelho, porque é como se


o macaco que vê o outro macaco a fazer alguma coisa, estivesse a
contemplar sua própria ação refletida num espelho. Portanto, realmente •
tornámos-nos espelho dos demais mediante este mecanismo espetacular
tão simples. E porque é importante? Porque por detrás de cada ação
que realizamos, quando eu seguro um livro, ou você a caneta, existe
uma intenção subjacente, um estado mental por trás da ação. Portanto,
mediante este espelho das ações dos demais, podemos acessar à sua mente,
ao estado mental que os conduziu a atuar.
(Iacoboni, 2010, p. 39)

Q:yando uma pessoa fala, mesmo que a outra esteja quieta, as mesmas áreas do
cérebro desta pessoa que apenas assiste à outra falar, também são ativadas (as áreas da
fala). São várias as regiões do cérebro que contém os neurónios-espelho, sendo que
estas se conectam e se comunicam com os centros cerebrais das emoções, o sistema
límbico.

E, em segundo lugar, a atividade neste sistema está correlacionada com a


quantidade de empatia. Existem estudos que demonstram que as crianças
que imitam ou observam as expressões faciais apresentam atividade
242 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
1
nestas áreas, logicamente, e quanto mais ativas são estas ditas regiões,
mais empatia têm as crianças. Portanto, existe um vínculo muito estreito
entre a atividade nestas regiões cerebrais e a tendência a ter empatia.
Basicamente, funciona da seguinte maneira: eu te vejo sorrir e os meus
neurónios espelho simulam, criam uma espécie de imitação interna no
meu cérebro do sorriso do teu rosto, e rapidamente enviam estes sinais ao
sistema límbico e posso sentir o que tu sentes.
(Iacoboni, 2010, p. 42)

Nesse sentido, a empatia do treinador com o grupo de jogadores é um importante


aspeto para a aquisição do jogar e para o sucesso do processo. Atualmente as neurociên-
cias dizem-nos claramente que tudo o que seja positivo, sejam projeções, interpretações,
gestão daquilo que se vai fazer é sempre muito melhor.
Em decorrência dos neurónios-espelho, a noção de livre arbítrio "tal e qual" tende-
ria a ficar comprometida, uma vez que o que nós vemos e vivenciamos pode determinar
a maneira como nos comportamos:

De certo modo, esta e outras descobertas da neurociência sugerem que


nossa noção de livre arbítrio é em certos casos demasiado otimista. Não
temos tanto livre arbítrio como pensávamos! Não obstante, sigo a pensar
que pelo menos um pouco nós temos, porque me parece que possuímos
mecanismos de controlo no cérebro. Por exemplo, porque é que eu não te
imito a todo instante? Posso evitar isso, posso controlar isso. Então, ainda
que eu acredite que haja influências sobre a conduta humana e ainda
que saibamos, por exemplo, que a violência nos meios de comunicação
realmente está a provocar uma conduta imitativa, e ainda que me
pareça que os neurónios espelho participam nisso, nofinal das contas nós
podemos controlar, portanto ainda existe esperança para o livre arbítrio:
não somos robots quefazemos só o que observamos! Existe certo grau de
controlo. Apesar de tudo, em última instância, tudo isso significa que o
livre arbítrio não é completo. O que vemos, experimentamos determina
a maneira como nós comportamos-nos.
(Iacoboni, 2010, p. 40-42)

O mesmo sucede com a vivência sistemática de um jogar promovida pela Perio-


dização Tática, uma vez que influencia os jogadores a terem determinadas intencio-
nalidades. Isso é garantido através da repetição sistemática do morfociclo padrão, não
só pelos contextos de propensão vivenciados, mas também porque se criam condições
para adquirir, através da gestão do esforço e da recuperação ao longo das unidades de
treino.

1:
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 243

Os neurónios-espelho são fundamentais na aprendizagem, uma vez que levam as


pessoas a imitarem umas às outras, mas não imitam apenas gestos motores "tal e qual'',
senão, na medida do possível, intencionalidades, desempenhos! Daí a importância de
que em todos os treinos, a dimensão fractal do jogar esteja presente, em maior ou menor
escala, mas deverá reportar-se sempre ao jogar, às intenções prévias pretendidas.
A ativação dos neurónios-espelhos permite criar uma empatia através das emoções,
o que garante que a aquisição da ideia de jogo aconteça mais facilmente, desde que bem
operacionalizada. Ainda, os jogadores devem estar implicados no processo de Corpo e
alma, uma vez que, tal como costuma referir o professor Vítor Frade: "Não há princípios
(de jogo) sem pessoas".
Para mim, não restam dúvidas de que a gestão das emoções e sentimentos durante
todo o processo de construção e aprendizagem de um jogar, bem como a gestão da
equipa, se faz fundamental.
Sobre o peso das emoções na aprendizagem, Jensen (2002 citado por. Fernan-
des, 2003) coloca que o cérebro é hiperestimulado quando estão presentes emoções
fortes, sendo que estas recebem um tratamento preferencial no sistema de memória
do nosso cérebro. Lembramos-nos, portanto, do que está mais carregado emocional-
mente, porque todos os acontecimentos emocionais estão sujeitos a um processamen-
to preferencial.
Este autor esclarece (2002, citado por. Maciel, 2011a) que "embora durante muito
tempo entendida como parasitária em relação à aprendizagem, opapel das emoções nos proces- ~
sos de ensino aprendizagem é determinante". Logo, para Jensen, uma boa aprendizagem
não evita as emoções, abraça-as.
Ainda, as emoções conduzem o trio formado por atenção, significado e memória,
aspetos fundamentais para a apreensão de uma mensagem e de um jogar.

O treinador não pode ignorar nem desperdiçar este aspeto emocional


na implementação das suas ideias de jogo, no sentido de potenciar a
interiorização e a empatia do jogador com a mensagem que pretende
transmitir, já que, na memória dos homens, os sentimentos sempre
tiveram maisforça que as ideias.
(Lobo, 2002, citado por. Fernandes, 2003, p. 14)

De facto, as emoções desempenham um papel vital no que se refere às nossas


ideias de recompensa e punição, dor e prazer, conquista e derrota. São as emoções que
temos que nortearão as nossas decisões, uma vez que o nosso organismo necessita de
uma regulação que permita a sobrevivência e um estado de busca constante de situações
prazerosas e a fuga de situações que gerem o desprazer e o insucesso.
244 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Segundo Damásio, a ausência de estímulos emocionais não retira a possibilidade


1
.

de um indivíduo raciocinar, já que este é capaz de considerar inúmeras opções para a


resolução de um problema. Na hora de decidir, não toma, contudo, partido por nenhu-
ma, tornando esse esforço infrutífero, sendo que "a finalidade do raciocínio é a decisão".
Logo, "a tomada de decÍsões com base nas emoções não é a exceção, é a regra" (Jensen,
2002, p. 121 citado por. Fernandes, 2003, p. 21).
Através dos estudos de Damásio (1996), foi possível compreender como as
emoções e os sentimentos agem nos processos de aprendizado e tomadas de decisão,
conferindo-lhes, portanto, não um papel de figurantes, mas de protagonistas.
As pesquisas realizadas neste âmbito levaram Damásio a formular a hipótese do
marcador-somático, um mecanismo engendrado pela natureza humana, que a partir
das emoções secundárias e dos sentimentos auxiliam nos processos de aprendizagem e
promoção de eficazes tomadas de decisão.

3.8.3 Mais do que marcadores somáticos, marcadores de um jogar


somatizado!

Se tudo começa no teatro do corpo, no calor da ação, a grande preocupação


do treinar só pode ser uma: dar, tanto quanto possível, oportunidades ao
corpo de...
(Oliveira et al, 2006, p. 209)

Tal como reforcei no ponto anterior, as emoções têm um papel chave no auxílio da
tomada de decisão, pois em situações desfavoráveis e/ou perigosas para nós, as emoções
podem atuar como um sinal de alarme, sugerindo cuidados nas nossas escolhas. O que
não ocorre em situações que possivelmente sejam benéficas para os organismos, quando
as emoções atuam como um sinal de incentivo à tomada de decisão.
No que se refere à sua hipótese, Damásio esclarece que como as emoções agem
no plano do corpo-propriamente-dito, "marcando-lhe" uma imagem, batizou-a como a
hipótese do "marcador-somático":

Como a sensação é corporal, atribuí ao fenómeno o termo técnico de


estado somático (em grego, soma quer dizer corpo); e, porque o estado
''marca" uma imagem, chamo-lhe marcador. Repare mais uma vez que
uso somático na acepção mais genérica (aquilo que pertence ao corpo) e
incluo tanto as sensações viscerais como as não viscerais quando me refi,ro
aos marcadores somáticos.
(Damásio, 1996, p. 205)
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 245

Assim como já referi, as emoções utilizadas nas tomadas de decisão auxiliadas


pelos marcadores somáticos são as emoções secundárias, visto que nestes casos a decisão
a ser tomada resulta da justaposição das imagens geradas em cenários anteriores seme-
lhantes às vivenciadas no momento em que o jogador está por decidir, provavelmente
criados pelo cérebro durante o processo de educação e socialização, isto quer dizer que
as emoções e sentimentos gerados no momento auxiliarão no processo de escolhas que
o jogador terá.

Em suma, os marcadores somáticos são um caso especial do uso de


sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e
sentimentos foram ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros
previstos de determinados cenários. Quando um marcador-somático
negativo éjustaposto a um determinado resultadofuturo, a combinação
funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é
justaposto um marcador somático positivo, o resultado é um incentivo.
(Damásio, 1996, p. 205)

Esta é a essência da hipótese do marcador-somático. Contudo, para obtermos


uma visão integral desta hipótese, devemos ter em conta de que, por vezes, os marcado-
res somáticos funcionam de forma velada, ou seja, sem surgir na consciência, e podem
utilizar o circuito emocional que Damásio chama de "como se83".

Os marcadores somáticos são, portanto, adquiridos por meio da


experiência, sob o controlo de um sistema interno de preferências e sob a •
itifluência de um conjunto externo de circunstâncias que incluem não só
entidades e ftnómenos com os quais o organismo tem de interagir, mas
também convenções sociais e regras éticas.
(Damásio, 1996, p. 211)

Portanto, é evidente que o processo de treino assume um papel capital, no senti-


do de possibilitar que os jogadores e a equipa como um todo possam decidir em
função da ideia de jogo, durante praticamente todos os noventa minutos. Sabemos
que quando modelamos uma equipa de futebol, em treino e competição, desenvol-
vendo uma maneira de jogar específica, estamos a modelar 25 (ou mais) jogado-
res, que passaram por diversas experiências nas suas carreiras, ganhando e perdendo
campeonatos com as mais diferentes ideias de jogo, e que, com certeza cada uma

83 Mecanismo "como se": "Em inúmeros momentos o cérebro aprende a fadar uma imagem simulada de um
estado "emocional" do corpo sem ter de a reconstituir no corpo propriamente dito" (Damásio, 1996, p. 186). Nestas
situações, é "como se" estivéssemos a ter emoção no corpo-propriamente-dito, embora se trate de "um
sentimento apenas dentro do cérebro".
246 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
1
destas individualidades têm suas preferências internas no que diz respeito a como
se deve jogar futebol. Algo que na minha opinião, reforça o papel do treino que a
Periodização Tática os faz vivenciar, uma vez que tem em conta que nem todos os
jogadores são iguais, e pc_>r isso, através da sujeição dos mesmos à repetição sistemática
do morfociclo padrão, tenta colocá-los no mesmo comprimento de onda, fazendo-
-lhes partilhar da mesma cultura, da mesma ideia, do mesmo código de significância
- Especificidade (as convenções sociais e regras éticas referidas por Damásio), para que
perante uma determinada situação, terminem por pensar em função da mesma coisa
ao mesmo tempo.

A equipa que eu desefo é aquela em que, num determinado momento


perante uma determinada situação, todos osjogadores pensam em função
da mesma coisa ao mesmo tempo. Isso é que é jogar como equipa. Isso é
que é ter organização de jogo.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 121)

O treino, assim como a intervenção do treinador, não devem ser


emocionalmente neutros, procurando despertar deste modo nos jogadores
sentimentos que vivenciados num contexto de Especificidade, permitam
marcar esse jogar, isto é, Somatizar ou ''mapear" esse jogar.
(Maciel, 20lla, p. 460)

Atenção para o que diz Damásio a respeito dos marcadores somáticos:

Os marcadores somáticos não tomam decisões por nós. Ajudam o


processo de decisão dando destaque a algumas opções, tanto adversas
como favoráveis, e eliminando-as rapidamente da análise subsequente.
Você pode imaginá-los como um sistema de qualificação automática
de previsões, que atua, quer queira ou não, para avaliar os cenários
extremamente diversos do futuro que estão diante de si.
(Damásio, 1996, p. 206)

Detalhando esta questão, imaginem que um central renomado está habitua-


do a jogar permanentemente em jogo direto, tendo atingindo o sucesso e um status
profissional a jogar desta maneira, jogando a bola diretamente para algum avançado
a disputar ou lançando-a na profundidade da defesa adversária. O jogo direto é a sua
preferência interna e referência do seu "jogar bem" ou, pelo menos, a sua referência
de como vencer.
Ora bem, se este jogador conquistou vários campeonatos jogando desta forma, a
procurar o jogo direto em primeira fase de construção, em detrimento de uma circu-
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 247

lação da bola mais paciente e predominantemente "pelo chão'', ao ser modelado numa
nova equipa, com outra ideia de jogo (a recém-citada, por exemplo), terá que necessa-
riamente se adaptar a esta realidade. Esta adaptação terá de necessariamente ocorrer,
como já disse, através da modelação do jogar, do processo de treino e tudo o que envol-
o
ve, modelo de jogo.
Face a isto, a aquisição de determinadas interações intencionalizadas por parte
dos jogadores passa sobretudo pela "exercitação", para haver a qualificação emotiva das
escolhas, o que vai potenciar determinadas decisões e eliminar outras. Mas isso exige a
concretização das interações intencionalizadas, ou seja, dos princípios de jogo, que por
sua vez será potencializada pela forma que o treinador configura o exercício.
No calor da ação, onde os jogadores são obrigados a decidir rapidamente
e muitas vezes de maneira subconsciente, as escolhas geralmente são feitas sob o
controlo de um sistema interno de preferências e sob a influência de um conjunto
externo de circunstâncias.
Portanto, o treinador deverá, mais do que fazer os jogadores vivenciarem e apreen-
derem a sua ideia de jogo -através do treino- como deverá fazer com que os jogadores
tenham essa ideia como a sua ideia, convencê-los de que essa maneira de jogar é a que
mais lhes trará benefícios, alterando, portanto, as suas preferências internas, convergin-
do-as com o jogar que se pretende apresentar em competição.
Para que isso se transforme em realidade e crença, o treinador tem uma ferramen-
ta extremamente valiosa: o princípio metodológico das propensões, uma vez que ele t

permite, através da configuração dada ao exercício, modelar determinadas circunstân-


cias externas, que melhor potenciem o nosso jogar. "O objetivo é que os jogadores percebam
e acreditem na ideia de jogo, éJazerem algo por crença própria. Por sentirem que é a melhor
farma de ofazerem e não porque alguém lhes disse «vamosfazer assim»", refere José Mouri-
nho (citado por. Oliveira et al, 2006).
248 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
,

O!rando chegamos a uma equipa cada jogador tem a sua própria ideia de jogo. O que a
Periodização Tática trata de fazer, desde o início do processo, através da vivência sistemá-
tica do morfociclo padrão, é modelar e aproximar tais ideias a um referencial comum, uma
matriz, isto é, às ideias de jogo pretendidas pelo treinador, transformando-as numa só.
Imagem adaptada de Tamarit (2013c)

Nesse sentido, a ideia de jogo deverá adaptar-se às capacidades dos jogadores,


pois se isso não acontecer o insucesso terá grandes possibilidades de ocorrer, e nós
sabemos bem que o insucesso e a falta de resultados no futebol (tanto em treino e
como em competição), na maioria das vezes resulta em descrença generalizada na
capacidade do treinador. Lembrando o que refere Damásio (1996, p. 211) a este
respeito: "O sistema interno de preferências encontra-se inerentemente predisposto a evitar
a uor
J e procurar o prazer" .
No caso dos marcadores somáticos as escolhas que os jogadores realizam são auxi-
liadas por um conjunto interno de preferências, sendo estas provenientes das experiên-
cias anteriores que o indivíduo vivenciou durante sua vida, ou seja, perante um cenário
em que se deve optar por uma alternativa dentre as várias possíveis, os jogadores recor-
rem às imagens e emoções para que possam fazer um "comparativo" com o que estão a
viver no "aqui e agora" e assim realizar uma escolha que será benéfica para o organismo,
já que em situação semelhante, no passado, o jogador vivenciou algo que gerou imagens
e emoções que estão a ser utilizadas agora.
Os marcadores somáticos são, então, segundo Damásio, um caso especial do uso
de sentimentos criados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimen-
tos, que originam marcadores somáticos, são associados, por via da aprendizagem, da
1

ti
i
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 249

vivência de experiências, aos resultados, às consequências, de determinadas ações ou


situações e condicionarão as tomadas de decisão futuras em cenários semelhantes.
É através dos marcadores somáticos que existe o registo emocional das decisões,
ou seja, os efeitos da decisão provocam determinadas emoções que podem ser positivas
ou negativas e que serão associadas à decisão que a originou.
Desta forma, quando nos confrontamos com uma situação semelhante, a memó-
ria vai ajudar o cérebro associando a decisão ao respectivo estado emocional, que pode
ser positivo ou negativo. Face a isto somos direcionados a repetir decisões e experiências
que motivaram os estados positivos e a evitar o que se associa aos estados negativos.
Procura-se otimizar as decisões futuras em função do passado, regulando as escolhas
para o que nos levou ao sucesso.
Deste modo, fazendo a ponte com a Periodização Tática, facilmente se percebe
que com a vivência sistemática e hierarquizada dos princípios de jogo -através da mani-
festação continuada do morfociclo padrão- esta metodologia de treino não só procura
criar imagens mentais -"gravar" no corpo experiências relativas ao jogar que se preten-
de- como também associar-lhes emoções e sentimentos que facilitem as tomadas de
decisão durante a competição e treino. Ou seja, utilizar essa ferramenta do cérebro que
são os marcadores somáticos.

A criação de marcadores somáticos, através da vivenciação de um


determinado jogar, ou stja, dos princípios de jogo que o sustentam,
imbuída de carga emociona! e respectiva sentimentalidadepossibilita que
aquando do surgimento de situações e contextos semelhantes, a tomada de
decisão stja mais célere por diminuição da quantidade de informação a
descodificar, permitindo-nos deste modo antecipar, ou pelo menos viver o
jogo deforma antecipada relativamente aos adversários.
(Maciel, 2011a, p. 460)

Aqui parece-nos possível dizer que talvez o sentimento possa ser


uma «ideia» do corpo quando o organismo, como um todo, reage
emocionalmente durante a vivenciação hierarquizada de uma certa
forma de jogar. Provavelmente, podemos falar de uma espécie de
especificidade de sentimentos, entendidos como «mapas cerebrais» que
representam as reações ao processo e os seus resultados. Se assim for,
estes serão tanto mais significativos quanto mais o processo promover
o seu aparecimento, o mesmo é dizer, quanto mais se treinar em
especificidade.
(Oliveira et al, 2006, p. 208-209)
250 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
,
A Periodização Tática, quando bem operacionalizada proporciona não apenas o
surgimento de mecanismos que auxiliam nas escolhas durante a competição e treino,
bem como reduzem o tempo das mesmas, através do processo de habituação.

3.8.4 A criação de há'bitos como pressuposto para um bom jogar

Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto não é um


feito, mas um hábito.
Aristóteles

O essencial é saber ver,


Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Fernando Pessoa (1974, citado por. Sousa, 2009, p. 5)

Há quem p'rajogar
não deva pensar, sempre...
O corpo fá-lo por si, sem falhar
ligado ao cérebro não-consciente.
Frade(2014a,p.76)

Para Rui Faria (2006) o objetivo do processo será sempre o mesmo: tornar cere-
bral (e também corporal!) a dinâmica de interações intencionalizadas que é organização,
que é filosofia, que é emoção. Criar intenções e hábitos nos jogadores. Devemos tornar
subconsciente e consciente um conjunto de princípios de forma a manifestar natural-
mente uma forma de jogar.
Diz McCrone (2002) que a finalidade do cérebro é otimizar comportamentos -
manipular com destreza as necessidades do corpo contra as ameaças e as possibilidades
do momento. Embora muitas pessoas acreditem que o cérebro e o sistema nervoso
trabalham à velocidade da luz não é isso o que verificamos. O neurocientista francês
Changeux (2002 citado por. Campos, 2008) coloca que o sistema nervoso de todos os
organismos vivos, incluindo o homem, propaga os sinais elétricos a uma velocidade
bem menor do que a da luz.
Isso significa que os sinais neuronais não exploram as ondas eletromagnéticas que
provêm das forças fundamentais do mundo físico, sendo que esta limitação física é uma
herança que nos foi legada através da evolução das espécies. Para que um indivíduo
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 251

elabore uma resposta mental, em plena consciência, demora cerca de meio segundo até
que toda a hierarquia de processamento cerebral tenha feito o seu trabalho.
No jogo de futebol, onde os jogadores devem tomar decisões (acertadas) no calor
do momento, e onde praticamente quase não há tempo para pensar, de facto, para uma
deliberação consciente, apenas 500 milésimos de segundo é muito pouco tempo.

Experiências laboratoriais mostram quanto tempo o cérebro leva para


integrar novas informações. Quando se pede às pessoas que apertem um
botão assim que uma luz pisca, elas levam 200 milésimos de segundo,
115 de segundo. Cerca de 120 milésimos de segundo são necessários
para registar ofacto de que a luz piscou e outros 80 para fazer o dedo
mover-se. Esse tempo é necessário para uma simples tarefa que não
exige pensamento. Para qualquer outra que requer atenção, comofazer
malabarismo, o atraso da resposta fica próximo do meio segundo.
(McCrone, 2002, p. 42-43)

Se para fazer malabarismo o atraso da resposta fica próximo do meio segundo,


imagine para o futebol, onde, na maioria dos casos, não há qualquer hipótese de parar
para comparar todas as opções disponíveis pois há que decidir e atuar com rapidez e
eficácia quase instantâneas.
Sabemos que para se ter sucesso nesta modalidade a precisão decisória e de
execução é absolutamente necessária, e apesar de ser uma tarefa muito complicada,
muitos jogadores de futebol demonstram uma impressionante capacidade de fazer
escolhas e executá-las com grande precisão e num curtíssimo espaço de tempo. Nas
várias circunstâncias que o jogo lhes vai apresentando, conseguem arranjar soluções
eficazes, ainda que estando submetidos a uma grande pressão circunstancial (por
parte dos adversários, timings dos colegas, espaço onde a ação decorre, resultado e
tempo de jogo).
Qyando assistimos a um jogo e deparamo-nos com grandes jogadas, executadas
numa fração de segundo, muitas vezes perguntamo-nos: como é que ele fez isso? Tão
rapidamente? Esta pergunta não só foi feita como foi levada a cabo por alguns neuro-
cientistas em experimentos. Eles queriam saber se desportistas em geral eram seres
humanos diferentes dos outros no que se refere à velocidade com que os seus Corpos
respondem aos estímulos.
McCrone (2002) refere que ao submeter tenistas profissionais a testes de tempo
de reação, que não incluem as suas atividades, foram considerados lentos. Qyer isto
dizer que os seus cérebros não funcionam mais rápido, não conseguem ver o que está
a acontecer nem um pouco mais rápido do que a generalidade das pessoas, e isso
252 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
,
inclui eu e você. E mais: creio que se ao invés de tenistas, fossem jogadores de futebol
o resultado seria o mesmo.
Então como isso é possível? Como é que muitos jogadores apresentam capaci-
dade de reação muito rpais rápida do que outros, quando realizam as suas atividades
específicas?
Sabemos que durante um jogo de futebol quase sempre os jogadores têm de tomar
e executar decisões num curtíssimo espaço de tempo de maneira eficaz. O problema
é que as mensagens nervosas não parecem deslocar-se com rapidez suficiente para tal.
Como é possível? A resposta para essa pergunta está no hábito84 e na antecipação. Eles
podem ajudar o cérebro a derrotar o tempo.
Em suma, o cérebro pode ser lento, mas não é bobo. Cérebros simplificam o
problema da sua lentidão através de atalhos de processamento, criando pontes entre as
lacunas, gastando assim, o menor tempo possível:

Criar pontes entre centenas de áreas corticais exige trabalho. Mas


o cérebro pode criar atalhos nessa resposta e reagir fora dos padrões,
cortando o tempo de processamento de 500 milésimos de segundo para
''apenas" 200. Existem estruturas cerebrais inferiores especializadas
nesse trabalho. Um agrupamento de centros nervosos, os gânglios basais,
abriga-se dentro dos hemisférios cerebrais, observando silenciosamente os
padrões de atenção e a tomada de decisões que seforma na lâmina cortical
acima. Em vigilância, os gânglios basais começam a ver quais padrões
sensoriais produzem mais tarde determinada resposta. Eles poderão
fazer, literalmente, um curto-circuito para a produção daquele estado de
saída. Assim que o tipo certo de sensação começar a chegar, os gânglios
basais poderão disparar a mesma resposta de maneira imediata, sem
pensar. A tarefa será feita como se o cérebro superior tivesse ponderado
cuidadosamente a sua resposta.
(McCrone, 2002, p. 43-44)

Esse é um truque inteligente para poupar tempo, que funciona quando o cére-
bro experimenta a mesma situação em ocasiões suficientes para conseguir uma cone-
xão na forma de hábito, explica o autor. Por exemplo, pensemos na aprendizagem

84 Hábito: Para McCrone (2002, p. 67) "o hábito é uma ação mental aprendida que pode ser realizada sem
pensamento nem supervisão consciente. Também chamado de padrão de ação fixa ou automatismo". Damásio
(2000, citado por. Oliveira et al, 2006) acrescenta que o hábito ou automatismo resulta de conhecimen-
tos, isto é, imagens mentais, que foram criadas através de experiências, algumas conscientes e outras não
conscientes, que ficaram gravadas nas memórias, e que serão utilizados para decidir e reagir rapidamente
perante determinada situação.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 253

de um condutor de automóvel: inicialmente durante as aulas práticas da escola de


condução, e até mesmo durante as primeiras voltas já com a primeira carta de condu-
ção em mãos, o recém-condutor perde muito tempo e despende muita energia para
se concentrar em vários detalhes, que numa fase inicial são extremamente relevantes,
tal como olhar para a alavanca para trocar de velocidade, controlar cuidadosamente a
relação do pedal de aceleração com a embraiagem, concentrar-se para não se esquecer
de ligar os piscas, etc.
Para Baars (1998, citado por. McCrone, 2002) quase todas as nossas ações são
mais bem-feitas quando as fazemos de forma inconsciente. Na primeira vez estamos
inseguros, atrapalhados e atentos a demasiados detalhes. Com o passar do tempo e
especialmente com muitas e muitas horas de prática, o condutor de tanto repetir os
movimentos Tconduzindo-, cria atalhos cerebrais que lhe permitem executar estas
ações não mais necessitando da plena consciência, economizando energia e permitin-
do-lhe direcionar a atenção para aspetos mais complexos como, por exemplo, a relação
do seu carro com o trânsito.
A automatização realizada através da prática e de processos subconscientes é
mesmo tão incrível que é possível conduzir o carro ao mesmo tempo em que se conver-
sa longamente com o passageiro ao lado sobre o que irão fazer no fim de semana,
enquanto o subconsciente desempenha todas as manobras complexas que permitem
que o condutor dirija pela cidade.
A "mente consciente" fica tão ocupada com a conversa que somente depois de ~
uns cinco minutos o condutor percebe que nem prestou atenção ao que estava a fazer.
Sabe que está do lado certo da via e que está a seguir o tráfego normalmente. Se olhar
pelo retrovisor, verá que não atropelou peões nem destruiu os postes no caminho. A
sua "mente subconsciente" fê-lo sair-se tão bem neste trajeto, embora ele não tenha
prestado atenção ao seu comportamento ao longo de todo aquele percurso. A sua
mente subconsciente aparentemente desempenhou bem a tarefa de dirigir, exatamente
como foi ensinada na escola de condução (Lipton, 2007), e isso é fruto da habitu(ação),
onde o hábito se adquire na ação, através de uma determinada relação mente-hábito.
O robustecimento dos hábitos se efetua quanto mais vezes uma experiência é repetida,
ou seja, é a repetição que torna mais densa a conectividade neural.
Saindo do campo da aprendizagem da condução de veículos e indo para a nossa
área de interesse, o futebol e a aprendizagem de um jogar, quando vivenciamos uma
mesma, ou parecida situação repetidas vezes, os gânglios basais conseguem identificar
os padrões sensoriais que produziram uma determinada resposta para as situações que
o indivíduo experimentou. Desta maneira, ao vivenciar situação semelhante, o cérebro
254 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

poderá literalmente fazer um curto-circuito para a produção daquele estado de saída,


permitindo ao indivíduo que responda com maior velocidade e não necessite da plena
consciência para fazê-lo.
É como uma pessoa que ganha um computador novo e que de tanto utilizá-lo
passa a digitar sem necessitar de ver o teclado (mas no começo necessitava de vê-lo, e
se estava habituado a outro computador, com outro teclado, muito provavelmente levou
tempo e errou várias vezes a digitação).

Assim que o tipo certo de sensação começar a chegar, os gânglios basais


poderão disparar a mesma resposta de maneira imediata, sem pensar.
A tarejà será feita como se o cérebro superior tivesse ponderado
cuidadosamente a sua resposta.
(McCrone, 2002, p. 43-44)

Deste modo, os jogadores que treinam segundo a Periodização Tática vivenciam


contextos e situações relativas ao jogar pretendido repetidas vezes, em diferentes escalas
de organização, dando-lhes possibilidade para que o Corpo possa executar a resposta
necessária para a consecução da finalidade de maneira quase imediata, "sem pensar"
como refere McCrone.
Entretanto embora seja uma resposta mais rápida e "sem pensar", tal resposta
será feita como se o cérebro superior tivesse ponderado cuidadosamente a sua resposta.
A vivência e experienciação em situações similares, que desenvolvem as ações e intera-
ções intencionais do jogar, repetidas vezes, é promovida pelo princípio metodológico
das propensões, devidamente articulado com os demais, e possibilita que os jogadores
em competição reajam de maneira mais rápida e nem por isso ineficaz (pelo contrário).
Esta repetição sistemática dos princípios de jogo, devidamente suportada pela
lógica do morfociclo padrão é fundamental:

As primeiras conexõesfeitas num circuito neural são reforçadas cada vez


que a mesma sequência é seguida, até que os caminhos se tornam tão
fartes que passam a ser o percurso automático - e um novo circuito é
instalado-.
(Goleman, 2006, p. 231, citado por. Maciel, 2011a, p. 449-450)

Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no
extremo ou vai jogar no central porque isso é que é variabilidade, é o
aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está sobre-condicionada àquilo
que desejamos, portanto, nós queremos ter a posse de bola e opivot está a
ser marcado, ele não vai arriscar um passe para opivot e então vai jogar
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 255

para o central E está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em


segurança para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas interações
pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)

Neste caso, a construção do processo de treino de Marisa Gomes faz os jogado-


res vivenciarem diversas vezes situações semelhantes ao que se pretende em termos
de ações e interações intencionalizadas, e, portanto, sobrecondicionados pela ideia de
jogo, optam na maioria das vezes por aproximarem as suas ações e decisões ao jogar
pretendido. No caso da autora a manter a posse da bola, em detrimento de arriscar
perdê-la, sobretudo no primeiro terço do campo através de passes de risco; desta
maneira os jogadores são orientados para os princípios de relacionamento que geram
um jogar concreto, com uma lógica e não com jogadas mecanizadas que não conside-
ram as circunstâncias.
O hábito permite que o jogador deixe de despender a sua atenção para aspetos
mais elementares e direcione o seu foco a aspetos mais dinâmicos, como a gestão do
aqui e agora, o como levar a efeito a ideia num determinado momento do jogo, perante
determinadas circunstâncias, tal como o exemplo referido por Marisa Gomes.
Rui Faria, ex-adjunto de Mourinho (citado por. Maciel, 2011a), refere a impor-
tância da habituação e afirma que esta só é adquirida através da ação, através de uma
(sobre)determinada relação mente-hábito: "nos treinos insistimos muito na habituação. ~
O treino cria o hábito e depois, no jogo, em vez de o ato ser pensado, este surge de forma
subconsciente e natural'.
Para Malson (1988, citado por. Maciel, 2011a) parece consensual considerar que
a aquisição de hábitos, tanto a nível motor como mental, requisita a repetição para que
a estrutura ou o esquema se instale definitivamente. A maioria das ações e decisões
que tomamos, embora pareçam conscientes e instantâneas, são resultado de processos
subconscientes que ocorrem no cérebro, uma vez que este se prepara para executar os
movimentos muito antes de sentir conscientemente vontade de o fazer. "Para que se
consiga direcionar esses movimentos é necessário experenciá-los antecipadamente, tranifbr-
mando-os em hábitos" (Guilherme Oliveira, 2004, p.163).
Um pianista profissional, por exemplo, quando dá um concerto, as suas ações são
essencialmente automáticas, não sendo nem precedidas nem acompanhadas de inten-
ções e deliberações conscientes específicas. Sendo assim podemos pensar que o pianista
não age livremente? É aí que negligenciamos todo o seu trabalho meticuloso de prepa-
ração, as horas infindáveis que ele passou para ter estes automatismos. Por aqui, tanto
256 > JULlAN BERTAZZO TOBAR

no piano como no futebol, vemos que o treino é fundamental, mesmo daquilo que
fazemos de maneira automática e aparentemente inconsciente (Campos, 2008).

A
PM

Córtex
pré-frontal

Experiência de Passingham. Adaptado de Lent (2010)

A figura acima ilustra o ensaio de Passingham (1994 citado por. Lent, 2010), onde
o indivíduo deveria, em primeiro lugar descobrir uma sequência correta de movimentos
no piano e depois de descobertos, deveria repeti-los.
Durante a monitoração cerebral evidenciada pela figura acima, pode-se perce-
ber claramente que quando estamos a aprender um movimento, é exigida uma grande
atividade mental. Na medida em que aprendemos este movimento, ele se torna menos
cognitivo e mais associativo, exigindo uma menor atividade mental, como fica claro
pela redução das áreas em atividade mostradas na figura.

Esta aprendizagem motora resulta na geração dos chamados engramas


motores, que são verdadeiros padrões de movimento armazenados no
córtex cerebral e que podem ser recrutados quando o sujeito se vê na
iminência de realizar um movimentojá aprendido. Isso explica porque
conseguimos realizar alguns movimentos com bastante automatismo
depois de os aprendermos, em contraste com a grande concentração que
estes movimentos nos exigiam enquanto os estávamos a aprender.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 257

É importante notar também que, durante a fase de aprendizagem do


movimento, ou sefa, enquanto o indivíduo estava a tentar descobrir
a sequência correta de movimentos, pode-se notar uma atividade
importante do cerebelo. Tendo em vista que esta importante área
do encéfalo está relacionada com a coordenação de movimentos
mais complexos, fica claro que durante esta fase de aprendizagem o
movimento torna-se um descifio a ser superado e, devido a ser encarado
com d!ftculdade, resulta no acionamento desta importante região
encefálica, o que não ocorre após a correta aprendizagem da sequência
de movimentos, em que o cerebelo não apresenta mais atividade na
monitoração por ressonância magnética funcional.
(Vaz,2010)

Diferentemente de decisões triviais, decisões complexas envolvem um conjunto


maior de dimensões interdependentes. Qyando estas não estão habituadas (automa-
tizadas), dispende-se muito esforço, o que acaba por conduzir a um estado de fadiga.

Quando falamos de habituação, diversos estudos concluíram que em


tarefas demasiado complexas, quando na tentativa de automatizá-
/as, maior é a ''ativação cerebral': espec!ftcamente nas áreas do
córtex parietal, córtex pré-motor e o cerebelo. Quando acontece a
automatização, a atividade cortical diminui. As conexões subcorticais
com os gânglios da base (e o tálamo) são as que controlam a execução,
de maneira que esta já não necessita de um controlo consciente
(Correa, 2007).
(Casarin & Greboggy, 2012b)

Portanto, pode-se dizer que o hábito só é possível de ser adquirido na ação (no
caso do futebol na interação), através de uma (sobre)determinada relação mente-hábito,
onde o cérebro consegue economizar energia, atenuando a fadiga, criando mecanismos
que permitem dar a resposta num tempo consideravelmente menor do que quando o
processamento é feito de maneira consciente.
Conforme disse anteriormente, os jogadores de futebol que fazem escolhas preci-
sas em frações de segundo, quando submetidos a testes de reação em outro contexto
(fora do futebol), muito provavelmente serão como qualquer outro sujeito: os seus cére-
bros possivelmente não funcionam mais rápido e tendencialmente não conseguem ver
o que está a acontecer nem um pouco mais rápido que o restante de nós.
Esta constatação científica é extremamente relevante (ainda que feita com joga-
dores de ténis), porque valida uma vez mais os beneficios da Especificidade promovida
pela vivência de processos de treino segundo a lógica da Periodização Tática. Recorde-
258 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

mos uma vez mais que os efeitos da adaptação têm uma relação direta com os estímulos
que a provocam.
Portanto, é imprescindível que o processo de treino seja Específico, não só
para criar marcadores so,máticos relativos a um jogar, mas para tornar as intenções 85
prévias 86 (ideia de jogo), que são conscientes, em intenções em ato 87, que na gran-
de maioria das vezes manifestam-se no domínio dominantemente subconsciente, de
maneira a otimizar e qualificar os processos decisionais, convergindo-os para o jogar
da equipa.
O objetivo do processo será sempre o mesmo: tornar cerebral e corporal a dinâmi-
ca de interações intencionalizadas que é organização, filosofia, emoção; criar intenções e
hábitos; desenvolver concomitantemente um saber fazer com um saber sobre esse saber
fazer, de forma a manifestar naturalmente uma forma de jogar.
Baseando-se nos conhecimentos de Changeux (2002), Campos (2008) recorda
que o treino cria pré-representações que possibilitam aumentar a velocidade dos acon-
tecimentos, fazendo-os depender de algo já previamente definido (a ideia de jogo) e não
somente da solução que o cérebro teria que encontrar e realizar para cada momento
do jogo. Ou seja, possibilita criar pontes entre as lacunas de processamento cerebral,
diminuindo, portanto, a sua latência, através da ativação de processos subconscientes
que poderão ser adquiridos (interiorizados/somatizados) através do treino (específico),
possibilitando assim que os jogadores e a equipa consigam orientar as suas decisões
baseando-se pelos padrões do jogar, economizando tempo e esforço.
Assim como aludi exaustivamente neste livro, para interiorizar intenções/padrões
de interação, colocando-os no plano do subconsciente (e posteriormente no plano
consciente), a comunicação não substitui de forma alguma as (inter)ações, pois é através
dela(s) que se criam os hábitos que desejamos implementar.

85 Intenções: Para Jacob & Lafargue (2005, citado por. Gaiteiro, 2006) uma intenção é uma representação
muito especial pois representa apenas o que é possível; implica obrigatoriamente o agente na preparação
da ação; pode ser, muitas vezes, não consciente.

86 Intenções Prévias: A intenção prévia é caracterizada quando o sujeito forma conscientemente o projeto
antes de efetuar uma ação, isto é, existe uma deliberação consciente previamente à ação (Gaiteiro, 2006).
"As intenções prévias têm a ver com o critério, com o que deve sobredeterminar a interação, portanto têm a ver
precisamente com oplano intencional, têm, portanto a ver com a representatividade daquilo que eufaço, é a dimen-
são simbólica que me leva a agir de determinado modo" (Maciel, 2011b, p. 47).
87 Intenções em Ato: Também conhecidas como intenções em ação, as intenções em ato nascem no calor
da ação sem que sejam necessariamente premeditadas, sendo inclusive, na maioria das vezes não-conscien-
tes (Oliveira et al, 2006). Maciel (2011b) reforça precisamente isso ao explanar que as intenções em ato
têm a ver com o plano da concretização, é o que se manifesta no fazer.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 259

Portanto, apenas a identificação verbal com os princípios de jogo, não é suficiente.


Recordemos o que diz o professor Frade (2013a, p. 410/414): "o jogar não é da eifera das
palavras, do discurso. Não é matéria de pregação, é matéria de ação".
_A este respeito, muitos treinadores querem transmitir a ideia de jogo (a intenção
prévia) através do discurso e não raras vezes costumam dizer: ''Ah, os jogadores sabem
exatamente o quefazer! Eu já lhes disse muitas vezes".
No jogo, em qualquer ação, o primeiro problema que se coloca ao jogador é sempre
de natureza tática: "o que faço aqui e agora?", mas o problema está exatamente aqui: esta
pergunta "o quefaço aqui e agora?" em jogo é uma pergunta não consciente, cuja resposta
ela é também dominantemente não consciente.
Enquanto algumas intenções resultam de uma deliberação consciente anterior
à ação, outras nascem no calor da ação sem que sejam sempre premeditadas. Ou seja,
devem distinguir-se dois tipos de intenções: as intenções prévias, conscientes, e as inten-
ções em ato, na maioria das vezes não consciente.
Com relação a este tema, Amieiro & Maciel (2011) convidam-nos a imaginar a
seguinte situação: imagine que você, leitor, vai se deslocar de carro, de um ponto a outro
da cidade, por uma via rápida e a grande velocidade. Antes de você sair, nós damos-lhe
a ordem de que, se por acaso, algum cão aparecer no meio da rua, ao invés de usares
o travão pisando no pedal, utilizarás o travão de mão. Você, leitor, consente com esta
intenção prévia e afirma que quando avistar o cão a cruzar a avenida irá travar puxando
o travão de mão.
Entretanto, ao conduzir a grande velocidade e ao deparar-se com o cão, repentina-
mente, será que no calor da ação, neste contexto carregado de emoção, onde é obrigado
a decidir de maneira muito rápida, utilizará o travão de mão para travar? Muitíssimo
provavelmente recorrerá ao pedal para parar o carro.
Isto porque no calor da ação, quando somos forçados a tomar decisões rapida-
mente, quando a emoção se apodera de nós, nós não temos acesso consciente, nem às
perguntas, nem às respostas, simplesmente fazemos em função de hábitos adquiridos,
neste caso, a utilização do travão por pedal foi infinitamente maior do que o travão de
mão ao longo da vida do condutor.
Assim ocorre também no jogo de futebol! Em contextos não lineares, no calor
da ação, quando a emoção se apodera de nós, nós não temos acesso consciente, nem
às perguntas nem às respostas, simplesmente fazemos e fazemos em função de hábitos
adquiridos.
260 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

A acção
num contexto de incerteza,
não vai lá com pregação
disso tenho eu a certeza!
(Frade,2014a,p. 104)

Por isso, desde o início do processo, devemos treinar sempre em especificidade,


levando os jogadores a vivenciarem constantemente os padrões de interações pretendi-
das, para que os mesmos possam deixar seus hábitos antigos para trás e adquirir novos
hábitos.
Esta aquisição de novos hábitos, como já referi não acontece da noite para o dia,
necessita de tempo e muito treino. Isto porque o que queremos não é apenas que os
jogadores incorporem a nossa ideia conscientemente, mas também, e principalmente,
de maneira subconsciente.
Penso que o treinador deverá ter muita paciência e discernimento na condução do
processo. É muito comum que os jogadores, por mais que já possuam um conhecimen-
to consciente dos padrões de resposta que pretendemos, não consigam ter a consistên-
cia e a regularidade desejada durante a competição e acabem por manifestar padrões
de resposta antigos (assim como no exemplo do cão), sobretudo quando começam a
perder a concentração e/ou em situações de stress, pressão e fadiga.
Mara Vieira (citada por. Tamarit, 2013b) explica que já nos primeiros dias de convi-
vência com a sua equipa, fez algumas apresentações para as suas jogadoras mostrando a
ideia de jogo pretendida, ou parte dela, seja por imagens, vídeos, e foi possível perceber
que as jogadoras conscientemente compreendiam o que deveriam fazer em campo, mas
quando treinavam ou jogavam tinham uma grande tendência a regressar aos hábitos
antigos, ou seja, padrões de respostas diferentes das que a treinadora idealizava.
Numa fase inicial a tendência de voltar aos hábitos antigos é enorme. Isso é facil-
mente verificável quando no início do trabalho, em treinos e também em jogos (oficiais
ou não), a partir do momento em que os jogadores ficam cansados ("fisica" e "mental-
mente"), há uma tendência natural a voltar ao que é habitual, o que muitas vezes signifi-
ca padrões de resposta diferentes dos que pretendemos. O treinador deve entender este
processo, intervindo quando necessário.
Isso pode motivar com que nos primeiros amigáveis e/ou "jogos-treino", o trei-
nador leve a campo a equipa por um período mais curto que o habitual, trocando os
jogadores; bem como durante os treinos, parando o exercício quando padrões que não
queremos treinar estejam a acontecer. Um treinador sem sensibilidade para detectar
isso e/ou que não intervém, na sua continuidade passará a "treinar erros", ao invés de
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 261

treinar a sua ideia de jogo. De facto o maior "problema'' está no subconsciente, nos
padrões de resposta adquiridos pela experiência.
Por exemplo, um central que está acostumado a dar pontapés para frente para "não
se complicar" (ainda que tenha alguma opção de passe viável) perante a mínima pressão
que recebe do adversário. Por mais que conscientemente o jogador entenda, quando ele
começa a perder a concentração, e/ou nos momentos de maior pressão, stress compe-
titivo, que é quando o nosso subconsciente nos conduz dominantemente, existirá uma
forte tendência no jogador passar a responder como sempre fez, neste caso hipotético
a livrar-se da bola.

É por isso, que cansado


Com o bom padrão enraizado,
É muito menor opecado
Ao quererjogarfatigado/
(Vítor Frade, s/d)

Não é um modelo no papel


é p'los corpos um modelo,
nada tem com falhas de excel
é bem diferente o apelo.
É modelo porque somatizado
habituação adquirida na acção,
se assim não far contemplado ~
modelo de jogo mais queficção,
é alienação,
por mais apologia
à ''malhação" no dia-a-dia.
(Frade, 2014a, p. 41-42)

"Se eu quero que o avançado X jogue bem aberto, sendo que por toda a sua carreira
jogava maisfechado, nos primeiros 15 minutos do jogo eleficará colado na linha, mas depois
irájogar maisfechado porquefai o que sempre fez". Com estas palavras Tamarit (2013d)
alerta para a necessidade de criar hábitos durante todos os treinos, uma vez que 90%
das escolhas que tomamos são feitas através do subconsciente, ou seja, estão adqui-
ridas.
Por isso, se não treinamos os padrões desejados de maneira a habituar os joga-
dores, por mais que possamos dizer, ou até mesmo gritar, não irá adiantar, eles não
terão capacidade para desempenhar o que se pretende com consistência e regularidade
durante o jogo.
262 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Costa (2012) explica que numa situação de medo ou de "stress" crónico, há uma
hipertrofia das zonas cerebrais ligadas aos hábitos e uma hipotrofia das zonas ligadas à
ação por objetivos (intenção prévia). Ou seja, há uma tendência em tomar decisões de
rotina (o que estamos ha~ituados a fazer).
Este é mais um dos motivos que justifica que o treino seja feito em especifici-
dade e em função da Especificidade (nosso referencial macro padronizável), levando
jogadores e equipa a criarem hábitos e automatismos relativos à ideia de jogo, nas suas
diferentes escalas, de modo a que possam dar uma resposta otimizada, conseguindo
sobredeterminar os acontecimentos que vão emergindo nos diferentes lances do jogo,
isto é, no "aqui e agora".
Assim, trataremos de vivenciar a "mesma coisa" todos os treinos, ainda que não
da mesma maneira, isto é, os exercícios do treino reportar-se-ão à ideia de jogo, porém
serão concretizados com variabilidade, e ao mesmo tempo com pouca ambiguidade,
de diferentes maneiras, em diferentes escalas, tal como já aludido ao longo do livro.
Como costuma dizer Vítor Frade, devemos estabelecer uma rotina, sem cair na rotina.

Eu utilizo normalmente dois conceitos: o entendimento de jogo e até


mais apropriadamente o entendimento do jogar, porque é aquele que eu
pretendo, mas o entendimento de jogo genérico também é cultura e já
é importante. E muitas vezes o conhecimento genérico que eles têm do
jogo pode ser um empecilho para o entendimento de jogo ou do jogar que
pretendo. Agora isso, ofacto de entenderem não os leva a fazer melhor
mas que ajuda, ajuda, porque defacto muitos dos nossos comportamentos,
contrariamente ao que a gente pensa são da esfera do não consciente. Mas
fruto de quê?! Duma habituação! Ora se eles estão habituados a outra
lógica é_fundamental que ela se desmonte. Mas em função de quê?! Da
assimilação da lógica que a gente quer, e quando passa para hábito então
é que ela é espontânea. O hábito é uma intenção adquirida na ação,
digamos assim. É agindo que se leva a isso. Até neurocientificamente ou
neurobiologicamente não é a mesma coisa, eu até costumo dizer que só o
ato intencional é educativo.
(Frade, 2013b, p. 97/98)

Portanto, se os indivíduos vêm de fora e o jogo que têm na cabeça,


na cabeça e nas unhas dos pés, no consciente e no subconsciente. . . se
os jogadores não forem burros não é muito difícil o «novo» jogo estar
no consciente, mas isto só não chega, é o corpo todo que joga, com uma
dimensão afetiva e emocional incorporada e essas têm a ver com os
hábitos adquiridos, têm a ver com aquilo que ainda não foi alterado!
Isto requer tempo. Mesmo a nível de top tendo vinte e pouco anos, salvo
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 263

raríssimas exceções, eles devem terjogadofotebol toda a vida e devem ter


quilómetros e quilómetros de fotebol nas pernas.
(Frade,2013b,p.112)

·Tal como Cruyff (1986, citado por. Sousa, 2009) sublinhava: no futebol não deves
estar somente disponível para aprender, deves estar disponível também para desapren-
der.

É importante que se perceba que neste tipo de contextos, aquilo que vai
acontecer a seguir é imprevisível, nós não dominamos completamente,
é aleatório, é imprevisível Nestas circunstâncias, acrescidas da
emotividade e do stress relativo à competição, que acresce a este problema,
existem estes conflitos: ''aquilo que eu querofazer e aquilo que na situação
eu voufazer': bem como ''aquilo quefaço e que é contrário ao que deveria
quererfazer".
(Amieiro &Maciel,2011)

Nestes casos a escolha vai tender muito mais para o que o jogador está habituado
a fazer. E o que nós queremos em treino é aproximar as intenções em ato das intenções
prévias, e isso só há um modo de fazer: é sempre treinar aspetos inerentes à nossa ideia
de jogo88 , tendo como suporte o respeito sistemático pelo morfociclo padrão.

No primeiro contacto
com a ideia de jogo ~
dá-se uma apreensão de facto
mas não no corpo todo,
só a identifica a cabeça
dos jogadores
aí, como juízos de valor

88 Já disse, mas não custa ressalvar que as unidades de treino centradas dominantemente na aquisição da
ideia de jogo, não serão conduzidas por tele ponto, isto é, por "legenda'', por cartilha lfaz isso, faz aquilo),
mecanizando e restringindo as escolhas do jogador ao nível do pormenor, do detalhe. Alguns treinadores
querem controlar tudo, inclusive o aspeto mais micro, mais ínfimo em cada situação do jogo.
Isso, com alguma frequência, faz com que os jogadores fiquem demasiadamente e excessivamente presos
ao que o treinador diz, vivendo numa esfera muito mais "consciente'', "perdendo" o lado intuitivo, a criati-
vidade e com isso a possibilidade de resolução dos problemas. Em resumo, acabam por mecanizarem-se,
tornando-se robots, perdendo a sua identidade e real potencialidade.
Conforme ressalta o professor Frade, a criatividade não tem hora marcada, assim, num cenário ideal, a
decisão do jogador no "caos" de cada instante do "aqui e agora'', deverá emergir de maneira criativa e
autónoma, mas tendo como pano de fundo e sendo balizada pelas macro referências do jogar, conferidas e
adquiridas pela vivência sistemática do morfociclo padrão, emergindo de maneira sobre condicionada a um
"comando exterior ao sistema regulado'', fazendo com que o caos seja de facto determinístico.
264 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

mais ou menos esclarecedores,


intenção prévia qual motor. ..
portanto,
p'ra que na somatização se teça
é necessário, entretanto,
experenciá-la na temporalidade
p'ra que marcada somaticamente
pela superaprendizagem
fique em cada um
a equipa como especificidade
e sem equívoco nenhum
ao longo da viagem ...
como hábito adquirido na interacção,
habituação padronizada
e na temporalidade modelada
manifêstável não-conscientemente
é da equipa a identidade,
da qualidade a identificação,
do que é a intenção prévia antecedente,
a redundância...
que pela diacronicidade
o estar pronta mas não acabada
é na estética a elegância
que colhe da variabilidade
o emergir do não querer-se terminada,
cujo algoritmo...
como algo que lhe dá o ritmo,
está nos mor:fociclos padrão
dinamizados
e experenciados,
sem qualquer contradição.
(Frade,2016,p.881)

Este processo de transformação de hábitos também contempla a metodologia de


treino utilizada durante o processo. Por isso, vale uma vez mais ressaltar que o "café-
-com-leite" é extremamente importante, uma vez que não apenas conscientemente,
mas principalmente no nível subconsciente os jogadores têm quilómetros de futebol
no Corpo todo.
Para além de o subconsciente ter um papel decisivo nas nossas escolhas, ele
também exerce forte influência na nossa maneira de sentir e também de ver a vida. Se
o leitor tiver boa memória, talvez agora poderá compreender de maneira mais clara a
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 265

nossa preocupação, no início deste livro com a gestão da dimensão estratégica durante
a competição.
Recordem que não se deve incidir na estratégia se a equipa ainda não adquiriu
uma identidade, hábitos, padrões de resposta pretendidos tanto na esfera consciente
como subconsciente. Corre-se o risco de criar uma grande confusão nos jogadores,
abrindo a possibilidade de que não consigam identificar claramente o nosso jogar, atra-
palhando sua funcionalidade, o tal jogar palhaço ao invés do camaleão.

3.8.4.1 O hábito e a economia neurobiológica

Sendo o hábito um saberfazer que se adquire na (inter)ação, treinar em especifici-


dade e em fun~ão da Especificidade, tendo na repetição sistemática o suporte da viabi-
lidade da aquisição dos princípios de jogo é o que permite promover o aparecimento
de intenções em ato em conformidade com as intenções prévias, o que inevitavelmente
resulta em aumento de qualidade decisional e em economia neurobiológica (Oliveira
et al, 2006).
Estes últimos autores explicam que o joga-13 9, como qualquer outra ideia de jogo
que se paute por uma organização coletiva elaborada, e a sua operacionalização pela
concentração que exigem, pressupõe grande desgaste "mental-emocional" e, nesta
medida, elevada fadiga. Todavia, o treinar em especificidade leva a que as exigências de
concentração implícitas de uma determinada forma de jogar passem a ser menores.
E porquê? Porque o hábito resulta em economia neurobiológica.
Como a esfera fundamental do saberJazer é do domínio não consciente e o hábito
é um saberfazer que se adquire na (inter)ação, o treinar -a aprendizagem pela repeti-
ção- é um processo de construção do jogador em que o saber adquirido é dominante-
mente património do não consciente. Se assim for, o hábito leva a que a solicitação mais
complexa da tríade córtex-corpo-ação seja mais salvaguardada, diminuindo significativa-
mente o esforço neurobiológico.
A automatização assume deste modo, grandes vantagens para as ações dos joga-
dores, visto que além de lhes permitir gerir problemas de grandeza e complexidade
superiores, permite-lhes também aceder a níveis de criatividade mais elevados, por se
tornarem capazes de criar soluções de ordem de complexidade mais elevada, para os
problemas que o jogo vai colocando.

89 Importa recordar que o jogar contempla duas dimensões. Uma, inserida e idealizada dentro de um plano
conceptual, no plano das ideias e das conjeturas, ou seja, a ideia de jogo em si. A outra dimensão, relaciona-se
fundamentalmente com a modelação e concretização da mesma, é, como coloca Vítor Frade: Mais do que
''modelo de jogo" somatizado na equipa! É concreto aquando do acontecer em "competição'; isto é, em jogo.
266 >JULIAN BERTAZZO TO BAR

Além disso, o facto de o hábito permitir uma libertação ao nível da atenção neces-
sária, é de especial relevância, para a gestão da fadiga dos jogadores. Como consequên-
cia da aquisição de hábitos relativos a um jogar, observa-se a economia do sistema
nervoso central (Carvalha)., 2002).
A este respeito António Damásio é bastante claro:

O facto de podermos dispensar um exame consciente nalgumas tarefas


automatiza uma parte considerável do nosso comportamento e liberta-
nos em termos de atenção e de tempo para planear e executar outras
tarefas mais complexas e para criar soluções para problemas novos.
(Damásio, 2000 citado por. Oliveira et al, p. 214)

A automatização também tem grande valor nos desempenhos motores


tecnicamente complexos. Uma parte da técnica de um virtuoso músico
pode permanecer inconsciente, permitindo que este se concentre nos
aspetos mais elevados da conceção de uma determinada peça e possa
assim orientar a atuação de forma a exprimir certas ideias. O mesmo se
aplica a um atleta.
(Damásio, 2000 citado por. Oliveira et al, p. 214 - 215)

Atenção para as palavras de Mourinho, nos dois excertos que se seguem:


"Gosto que a minha equipa siefa uma equipa com posse de bola, que a faça circular, que
tenha muito bom jogo posicional e que os jogadores saibam claramente como se posicionam"
(citado por. Oliveira et aL, 2006, p. 194).

Quero uma alta circulação de bola e, para que isso aconteça, tem que
existir um bom jogo posicional, isto é, todos os jogadores têm de saber
que em determinada posição há um jogador, que sob o ponto de vista
geométrico há algo construído no terreno de jogo que lhes permite
antecipar a ação.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.193-194)

A este respeito, depois de haver repetição suficiente e necessária para que as


intenções e interações sejam marcadas como hábitos, criam-se condições para se
começar a antecipar. Isto porque tais intenções e interações passam a ser cada vez
mais normais para os jogadores, tornando-se automáticas, o que permite haver mais
atenção para o detalhe, como a posição do adversário, para os aspetos micro como a
forma como vão fintar o rival ou receber, passar determinada bola; e para a escolha
de um dos futuros possíveis contidos potencialmente na ambiguidade de cada "aqui
e agora".
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 267

No fundo, com a vivência sistemática do processo, equipa e jogadores adquirem a


capacidade de reconhecer, dentro das diferentes situações do aqui e agora, um determi-
nado padrão configuracional que subjaz a possível exatidão da precisão.
Portanto, fica evidente a importância da aquisição de hábitos referentes a um
jogar, não só para que esse padrão de jogo se manifeste com regularidade em compe-
tição, mas também para que a atenção dos jogadores passe apenas a ser necessária
relativamente às nuances particulares de cada situação, o mesmo é dizer, à gestão do
instante do aqui e agora. Isso resultará em economia de esforço e na maior disponi-
bilidade dos jogadores para encontrarem e criarem soluções de modo a sobredeter-
minar as circunstâncias.
Também se faz necessário referir que em termos neurobiológicos, na execução
de qualquer ação de jogo, apenas um terço do tempo de realização é despendido na
execução propriamente dita. Os outros dois terços do tempo total têm a ver com a
discriminação contextual e com a identificação do que fazer.

Daqui sobressai a importância dafamiliarização com os ''acontecimentos':


isto é, com o jogo e, mais do que isso, com a nossa forma de jogar.
Porque, quanto maior for a identificação com o que se quer, mais fácil
é a discriminação, melhor se identifica aquilo que vai acontecer, mais
facilmente um número significativo de jogadores pensa em função da
mesma Intenção ao mesmo tempo.
(Oliveira et al, 2006, p. 121)

Talvez por isso o ex-treinador do Barcelona, Tito Vilanova, após as lesões de


Puyol, Piqué e Abidal, decidiu improvisar Adriano, um lateral-esquerdo como central
(naquela altura levava três épocas com o clube catalão), em detrimento do suplente
natural para esta posição, naquela época o recém chegado Alex Song para enfrentar o
Real Madrid.
Atente-se para as palavras do treinador, reproduzidas pelo portal eletrónico
globoesporte.com no dia 8 de outubro de 2012, ao justificar a "surpreendente" escolha:
"Song conhece os conceitos, mas ainda leva tempo para executá-lo!'.
Outro exemplo é o do treinador campeão do mundo pelo Corinthians e atual
treinador da seleção brasileira, Tite. Ele recebeu a seguinte pergunta de um jornalista
do Lance!Net, em julho de 2013: "Você nunca escondeu que gosta de táticas. Ela ganha jogos
decisivos como o de terça?''
- Com o entrosamento ao longo do tempo, contribui para ganhar. Não a tática espec(jica,
mas como ela funciona. Não é mágica: 'Olha, vou colocar o 1-3-5-2 para ganhar na quar-
ta-feira'. Eu não acredito nisso. Você tem a organização tática pronta, faz ajustes. Se mudar
268 >JULIAN BERTAZZO TOBAR

a mecânica (não-mecânica) da equipa, perde o jogo sem pensar. A velocidade do jogo não
permite você olhar, pensar, trocar. .. Tem de ser um processo todo automático.
Portanto, o objetivo de tornar cerebral e corporal a dinâmica de interações
intencionalizadas que é ,organização, filosofia, emoção; criar intenções e hábitos;
desenvolver concomitantemente um saber fazer com um saber sobre esse saber fazer,
de forma a manifestar naturalmente uma forma de jogar, como vimos se faz funda-
mental, onde a Periodização Tática afigura-se claramente como uma facilitadora para
que isso aconteça.
Em suma, para aqueles treinadores que desejam que sua equipa manifeste regular-
mente em competição elevados desempenhos (em qualquer idade e realidade compe-
titiva), a Periodização Tática é claramente uma metodologia viável e desejável de ser
operacionalizada.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 269

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