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COLABDRAÇAO: TRADUÇAO:
JORGE MACIEL CÉSAR ROMEU PEDROSA COELHO
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Título
Periodização Tática
Autor
Julian Bertazzo Tobar
Colaboração
Jorge Maciel
Tradução
César Romeu Pedrosa Coelho
Design e paginação
Gonçalo Sousa
Impressão
Cafilesa
1• edição
Agosto 2018
ISBN
978-989-655-361-6
Depósito legal
445182/18
Todos os direitos reservados
© 2018 Julian Bertazzo Tobar e Prime Books
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~11 B/JTCJTA- p-.
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C2liando o Julian chegou a Portugal não sabia no que essa aventura se iria tornar,
nem que o tal poderia representar para o seu futuro. Muito menos, e tal como eu e ele
expectávamos que nesta altura estivéssemos prestes a avançar para este passo. Um livro
sobre futebol, mais precisamente sobre Periodização Tática. Não é mais um livro sobre
Periodização Tática, é um livro que se irá assumir como referência credível desta meto-
dologia de treino de futebol. Sobre Periodização Tática muita gente fala, mas poucos
a conhecem. Julian tem esse grande mérito, para se expor, primeiro inteirou-se sobre o
que de facto este "teorema em ato" é efetivamente, e não o que dizem ser. Com justiça
intitula o seu livro de "Periodização Tática: Entender e Aprofundar a Metodologia que
Revolucionou o Treino do Futebol", não se trata de um ato de presunção, mas sim de
..
um sentimento visceral de realização e de dever cumprido.
C2liando o conheci pela primeira vez, desde logo lhe notei uma grande vontade
e sede de saber, o que tornou ainda mais proveitosa esta aventura em Portugal, onde
conheceu alguém que tal como a mim, lhe mudou a forma de ver e entender o futebol,
treinado e jogado, o grande professor Vítor Frade. Por não ser daqueles alunos que
lia o título e julgava saber tudo, tinha dúvidas e muita vontade de as esclarecer. Essa
é uma das suas maiores virtudes, não sucumbir perante o desafio da complexidade.
À medida que mergulhava na metodologia mais dúvidas se relacionavam e mais ele
tentava ir ainda mais a fundo. Diga-se que durante estes anos de aprimoramento
desta obra, várias foram as horas que passamos a corrigir, rever e esclarecer aspetos
de maior ou menor pormenor, mas sempre com o afinco de quem sabe que estava a
tratar de algo muito precioso e que nos merece enorme respeito, a Periodização Táti-
ca, a verdadeira, a do Professor Vítor Frade. Estas longas horas passadas agarrados
ao telefone quase me valiam o divorcio, minha esposa até hoje só teve ciúmes de um
homem, do Julian!
O processo foi longo, e teve momentos difíceis, eu e ele bem sabemos disso, mas
para além dessa resiliência necessária para não sucumbir perante a dimensão do assun-
to em mãos, ele manifestou outra enorme qualidade, honestidade intelectual. Foi o
primeiro a dizer, "cara, isso só sai quando estiver mesmo bom. E quando o professor
disser que está conforme":· Parabéns Julian, ficou mesmo muito bom, estou/estamos
orgulhosos!
Neste livro que retrata precisamente o que o seu título sugere, o Julian revela-se
um profissional interessado, empenhado, capaz, ousado e diferente! Mas revela também
pela forma como o foi construindo a sua outra dimensão, humana. Um profissional
com um futuro promissor, mas acima de tudo um homem de valores. Não há princí-
pios sem pessoas, e ambas são fundamentais para o jogar. Com pessoas de valor e com
valores como os do Julian e este seu contributo acredito que será possível um futebol
melhor. O futebol carece de pessoas assim, com paixão, causas e valores.
Por fim destacar que o Julian é uma daquelas pessoas que aos pouco foi entrando
no universo da Periodização Tática, e acredito que marcará com este livro uma posição
muito importante e relevante. É daquelas pessoas que se vão juntando a um grupo
restrito de excelentes pessoas que o professor Vítor Frade consegue agregar em torno
de si e das suas ideias, uma espécie de magia, uma ressonância empática que nos vai
ligando mas que não conseguimos explicar. O Professor tem este condão, tal como a
tática, a admiração por ele e pelas suas ideias, é tácita. Não se explica sente-se, porque o
essencial é invisível aos olhos ...
É uma honra poder ter acompanhado este percurso teu. Sou um privilegiado!
Obrigado e obrigado pelo brio com que tratas esta causa nossa, a Periodização Tática.
Com a palavra, Marisa Gomes da Silva
O treino de futebol tem tido um crescimento muito acentuado nas últimas déca-
das, promovido pela crescente procura de conhecimento do jogo e da sua organização
no treino. E neste sentido, vários sentidos se foram criando. De um modo comum
conseguimos reconhecer aqueles que se centram no desenvolvimento das capacidades
ditas condicionais dos jogadores (com ou sem bola), aqueles que se preocupam com o
desenvolvimento da técnica dos jogadores e aqueles que procuram nos jogos reduzidos
a "receità' para o treino do jogo. E todos estes sentidos são válidos. E, por isso, merecem
respeito porque quem opta por um caminho assume conceitos, premissas e paradigmas
(consciente ou inconscientemente). Sobretudo quando estas abordagens são a expres-
são pura do pensamento e sentimento do treinador. Sem dramas, sem modas, sem
filtros, sem receios e sem imposições comerciais. Somos o que pensamos e somos o que"
fazemos.
Recentemente, o treino do futebol tem sido inundado por múltiplos interesses
económicos, por um sem fim de protocolos e métodos que prometem a complementa-
ridade necessária ao rendimento. A quantidade de informação que vigora e se encontra
acessível aos mais curiosos revela a falta de conhecimento que o treino do futebol tem
perdido, pelo acrescento constante de "técnicas" que não ajudam à modelação de um
jogo. Face a este contexto global, a periodização tática criada pelo Vítor Frade é algo
que segue por um sentido único e, na maioria, de forma marginal.
A Periodização Tática de Vítor Frade foi marginalizada durante muitos anos, mas
no passado recente esta metodologia tem sido maltratada pela quantidade de pessoas
que falam desta metodologia sem a conhecer. Enganam e vendem mentiras. Alguns
justificam esta conduta pela "crescente procurà' dos apaixonados do futebol (apro-
veitando para fazer negócio) e outros simplesmente procuram ensinar o que nunca
aprenderam, chegando a criar "os complementos" que a Periodização Tática precisa
(no entendimento dos mesmos!). Face a tudo isto, nunca a Periodização Tática foi tão
precisa como agora! Simplesmente porque esta Periodização Tática se centra no desen-
volvimento do jogar através de um conjunto de princípios metodológicos.
Neste enquadramento, este livro meticuloso e dedicado acerca da Periodização
Tática é muito valioso. Porque esclarece aos interessados acerca desta metodologia num
discurso muito específico e singular. A dinâmica deste livro não dá receitas e isso tem
um valor fundamental pois são os princípios (o modo como se faz!) que nos permite
conhecer a periodização de uma ideia de jogo, na sua modelação constante e específica.
Permite desenvolver uma metodologia em vez de um conjunto de métodos ou uma
soma de técnicas ou protocolos. Porque o jogo precisa de paixão, precisa de ser treinado
com respeito pela sua natureza complexa.
A palavra que deixo ao Julian, meu companheiro no terreno em terras lusas, é de
profundo agradecimento. Pelo prazer que me deu em ler o seu trabalho, mas sobretudo
pelo que aprendi! A ligação deu uma lógica singular ao processo - que se fez fazendo!
- mas evidenciando os pilares e os valores da metodologia desta metodologia. A Perio-
dização Tática, que ele mostra (muito bem!) que é só uma...
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 15
1 A FILOSOFIA CARTESIANA 17
1.1 O impacto do paradigma cartesiano no futebol 19
1.1.1 A divisão (e a treinabilidade) do jogo em dimensões isoladas 19
1.1.2 A separação do Jogo em Fases 22
2 A VISÃO SISTÉMICA 25
2.1 A equipa de futebol entendida como um sistema dinâmico, adaptativo
e homeodinâmico. 25
2.2 O jogo de futebol constituído por momentos de jogo 36
2.2.l O "refutar" da dualidade cartesiana (defesa e ataque): O Jogo como
um continuum, uma inteireza inquebrantável 39
2.3 A lógica interna do jogo de futebol 48,.
2.3.1 O jogo como um fenómeno imprevisível, aberto, caótico (determinista)
com organização fractal 48
2.3.2 As dimensões do jogo entendidas à luz da complexidade. A necessidade
de reconhecer o futebol como um jogo regido pela (Supradimensão) Tática 56
3 A PERIODIZAÇÃO TÁTICA 69
3.1 Modelo de jogo, que entendimento(s)? A estrutura de jogo &ideia de jogo 74
3.2 O modelo de jogo 80
3.3 Supraprincípio da Especificidade 99
3.3.1 ATP e Especificidade 106
3.3.2 Musculação versus Especificidade 109
3.3.3 A manifestação da Especificidade através dos exercícios 118
3.3.3.1 Intensidade máxima relativa e concentração. 119
3.3.3.2 A importância da intervenção durante os contextos de propensão 122
3.4 Princípios metodológicos da Periodização Tática 132
3.4.1 Princípio metodológico das propensões 133
3.4.2 Princípio metodológico da progressão complexa 138
3.4.3 Princípio metodológico da alternância horizontal em especificidade 142
3.4.4 Morfociclo padrão 146
3.4.4.1 Jogo de futebol: implicações a nível metabólico.
O que é de facto relevante promover em treino? 153
3.4.4.1.1 O ciclo de auto renovação da matéria viva e a Lei
de Roux a reforçarem a necessidade da alternância
horizontal em especificidade promovida pelo
morfociclo padrão 162
3.4.4.2 Domingo (competição): dia de máxima exigência. 168
3.4.4.3 Segunda-feira (primeiro dia após a competição): Folga 174
3.4.4.4 Terça-feira (segundo dia após a competição): Recuperação 179
3.4.4.5 Qrarta-feira (terceiro dia após a competição - primeiro dia
"aquisitivo"): Dia "azul". 189
3.4.4.6 Quinta-feira (quarto dia após a competição - ~egundo dia
aquisitivo): Dia verde. 200
3.4.4.7 Sexta-feira (dois dias antes da próxima competição - terceiro
dia "aquisitivo"): Dia "amarelo" 204
3.4.4.8 Sábado (um dia antes da próxima competição): Recuperação
direcionada para a competição 210
3.5 Morfociclo com jogos separados por 6 dias (domingo a sábado) 213
3.6 Morfociclo com três jogos na semana. 215
3. 7 A gestão do desempenho-recuperação dos jogadores que não foram utilizados
e/ou relacionados 224
3.8 A Periodização Tática justificada pelas neurociências. 227
3.8.1 O derrubar do mito de que para se tomar boas decisões e realizar
bons julgamentos, necessitamos fazer um apelo única e exclusivamente
à razão, evitando as emoções. 227
3.8.1.1 As emoções (e os sentimentos) como protagonistas na
indução da razão, das melhores decisões e da aprendizagem
de um jogar 228
3.8.2 A importância da positividade durante o processo. 239
3.8.3 Mais do que marcadores somáticos, marcadores de um jogar somatizado! 244
3.8.4 A criação de hábitos como pressuposto para um bom jogar 250
3.8.4.1 O hábito e a economia neurobiológica 265
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 269
"Este livro não te fará ganhar jogos de futebol e campeonatos. Para ganhar jogos
de futebol, os livros não servem. Servem somente os jogadores... E às vezes nem eles, se
as circunstâncias não os ajudam''.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 15
INTRODUÇÃO
Creio não haver ninguém ligado ao futebol que não acredite que um treinador
deva possuir um profundo conhecimento do jogo, de "táticas", estratégia, liderança,
motivação, gestão com jogadores, imprensa e adeptos, etc. Contudo, para que o treina-
dor seja de excelência ele também deverá saber como aplicar as suas ideias na prática,
isto é, deverá também dominar uma metodologia de treino.
Tendo por base os treinadores que ganham regularmente, é possível identificar
um conjunto de características e qualidades que os fazem ganhar mais do que os outros.
Uma delas é acreditar que o estilo de jogo que se quer apresentar em competição, não
é algo que nasce pronto, senão idealizado e construído por eles próprios em conjunto
com os jogadores, ou seja, treinado todos os dias. Por este motivo, cada vez mais os
treinadores de elite investem seu tempo na área do treino.
Este livro pretende atender a todos aqueles profissionais ligados ao futebol que "
procuram aprimorar o seu conhecimento metodológico, para superar os desafios do
alto rendimento, criando circunstâncias favoráveis para que os jogadores e a equipa
possam ter êxito durante as partidas e competições. Nesse sentido, a Periodização Táti-
ca, metoqologia de treino criada pelo português Vítor Frade há mais de 40 anos, cada
vez ganha mais fama e notoriedade, em grande parte devido aos resultados obtidos por
José Mourinho, conhecido treinador ligado a esta metodologia.
Embora nos dias de hoje se tenha tornado comum falar de Periodização Tática,
seja por meio de livros, entrevistas, palestras, cursos, etc., são poucas as pessoas que a
retratam de maneira fidedigna, abordando-a não raras vezes de maneira superficial e
distante da realidade, daquela Periodização Tática que o professor Vítor Frade ideali-
zou. No Brasil, esta metodologia é praticamente desconhecida na sua essência.
De modo a preencher esta lacuna, decidi escrever um livro sobre a verdadeira
Periodização Tática, para esclarecer, retratar e divulgar esta forma singular de conceber
e operacionalizar o processo de treino.
1-
16 >JULIAN BERTAZZO TOBAR
De modo a que esta obra atendesse aos objetivos referidos, para além de anos de
estudos e prática em diferentes equipas de futebol, tanto ao nível da formação como
profissional, no Brasil e no exterior, fui diretamente ao berço da Periodização Tática,
em Portugal, onde realizei um conjunto de entrevistas e observações com três gran-
des expoentes desta forma singular de treinar: Vítor Frade1, Marisa Gomes Silva2 e
Xavier Tamarit3.
Este livro foi revisto e tem a total anuência e consentimento de Vítor Frade; e
contou com a grande colaboração de Jorge Maciel4, um dos grandes experts no assunto,
uma referência tanto a nível conceptual, metodológico como na prática. Neste livro o
leitor fará uma viagem ao mundo da verdadeira Periodização Tática, a metodologia
criada por Vítor Frade!
1 Vítor Frade: Português, máxima autoridade no assunto, criador da metodologia, assistente de vários
treinadores renomados, campeão nacional várias vezes ao serviço do F.C. Porto. Atuou como coordenador
metodológico deste mesmo clube, tendo importância fundamental na estruturação conceptual e operacio-
nal do departamento de formação.
2 Marisa Gomes Silva: Portuguesa, autora de "O desenvolvimento do jogar, segundo a Periodização Tática",
ex F.C. Porto, atualmente exerce duas funções na Federação Portuguesa de Futebol feminino: treinadora
adjunta da seleção principal e selecionadora do escalão Sub-17.
3 XavierTamarit: Espanhol, autor dos livros 'J Qué es La Periodización Táctica?' e "Periodización Táctica vs
Periodización Táctica", treinador adjunto de Maurício Pellegrino, tanto no Valência C.F., Club Estudiantes
de La Plata (Argentina), C.A. lndependiente (Argentina), Deportivo Alavés (Espanha) e mais recente-
mente no Southampton (Inglaterra).
4 Jorge Maciel:· Português, Maciel foi treinador de diversas equipas de formação em clubes como F.C.
Porto e Gil Vicente. Trabalhou como treinador adjunto de Baltemar Brito na Líbia e Emirados Árabes
Unidos. Com o treinador Lito Vidigal foi adjunto no C.F. Os Belenenses e no F.C. Arouca. Com Miguel
Cardoso foi adjunto no Rio Ave F.C. e atualmente exerce a mesma função no F.C. Nantes (França). Autor
do livro "Não o deixes matar, o bom fotebol e quem ojoga".
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 17
1 AFILOSOFIA CARTESIANA
Assim como o jogo de futebol, que desde a sua criação e profissionalização, tem.
apresentado uma evolução permanente, o modo de se perspectivar o treino também tem
vindo a modificar-se ao longo dos anos. O futebol sempre foi e muito provavelmente
continuará a ser alvo de intermináveis discussões e debates. Seja na sala de conferências
de imprensa após mais um jogo de campeonato, seja nos jornais, programas televisivos,
na rua, na faculdade, etc. Qyando se fala de futebol, normalmente existem vários pontos
de vista e diferentes opiniões a respeito dos mais variados temas.
Entretanto, existe um ponto em que tanto treinadores, preparadores fisicos, auxi-
liares técnicos, jogadores, dirigentes, jornalistas e adeptos concordam: o treino tem um
papel capital para a melhoria do desempenho das equipas de futebol, tanto coletiva
como individualmente. Disso ninguém parece ter dúvidas. No entanto, nem todos
pensam o "treinar" da mesma forma, devido às diferentes experiências, estímulos e
contextos nos quais as pessoas se encontram inseridas.
Por mais de quatro séculos o mundo ocidental tem sido regido e educado sob a luz
do paradigma cartesiano. Este modelo de pensamento permeia a grande maioria dos
fenómenos que nos cercam, influenciando as pessoas a (inter)agir e pensar de determi-
nado modo, não estando o treino em futebol alheio a esta realidade.
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>li
18 , jULIAN BERTAZZO TOBAR
Nosso sistema de ensino nos ensina a isolar os objetos (do seu contexto),
a separar as disciplinas, a dividir os problemas, ao invés de uni-los e
integrá-los. Induz-nos a reduzir o complexo ao simples, quer dizer, a
separar o que está unido, a decompor e não a recompor, a eliminar tudo
aquilo que traga desordem ou contradição ao nosso entendimento.
(Morin, 2002, p. 7)
Por outras palavras, Capra (2006, p. 34), explica-nos que o método do pensamen-
to analítico, criado por Descartes, consiste em "quebrar fenómenos complexos em pedaços
a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades de suas partes"; ou
seja, para que os problemas sejam solucionados sob o ponto de vista cartesiano é neces-
sário dividir as partes tanto quanto for necessário, para que assim, ao estudá-las em
separado se possa chegar à compreensão do todo.
Este modelo de pensamento, para além de analisar e interpretar os objetos sepa-
rando-os de seu contexto específico, não entende as partes como unidades sujeitas a
interações com as outras partes e com o seu meio ambiente, pelo contrário, são perspec-
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 19
tivadas como partes independentes e com capacidade para serem analisadas sem levar
em conta o conjunto (a totalidade, o envolvimento - o contexto) a que pertencem.
Mais exemplos não faltam: "o sucesso de um jogador éftito em 50 porcento de prepa-
ração física, 25 por cento por técnica e 25 por cento por psicologia", diz um treinador citado
por Oliveira et al (2006).
Os mesmos autores no seu livro trazem uma reportagem do jornal português "O
Jogo", um artigo intitulado como ''As vertentes do treino de P'", que representa bem este
modo de pensar:
Parece claro que está lógica permeia o futebol atual, bem como a sua treinabili-
dade.
adversários diretos) para atacar da maneira com que o treinador pretende, o que leva
a que a equipa não consiga cumprir com a ideia de jogo do treinador (quando está
com a posse da bola), fruto desta separação conceptual e contextual do atacar com o
defender.
Igualmente, alguns treinadores idealizam e treinam uma maneira de atacar que
não fornece equihbrio para o instante da perda da posse da bola, não equaciona o equi-
lfürio entre o ter e o perder a bola, o que leva a equipa a ser frágil defensivamente.
Através do portal globoesporte.com, no dia 15 de maio de 2012, é possível ver uma
reportagem concedida ao programa "Globo Esporte', no que o referido portal intitulou
como: "Emocionado, A8 lamenta oprimeiro semestre do Flamengo":
Nós temos três grandes jogadores de ataque, que são bons joga-
dores, sem dúvidas, que é o Ronaldo, o Vágner e o Deivid. Lá na
frente estamos a marcar golos, mas lá atrás estamos a sofrer muitos
golos. Falta equilibrio.
Doze dias depois, também no portal desportivo globoesporte.com, era possível ler
uma matéria intitulada como ''Lf aponta setor defensivo como problema do Fia":
Treinador diz que tem que encontrar solução, mas ainda não sabe o
que fazer. Ele afirma, no entanto, que time está no caminho certo.
Disse que a queda do time em certos momentos talvez seja por
conta do aspeto psicológico e chamou a atenção quando apontou "
diretamente o setor defensivo como principal problema da equipa.
Mas o treinador confessa: ainda não sabe o que fazer.
- Acho que vamos acertar, mais um pouquinho de detalhe, de
sentimento. Essa equipa vai melhorar principalmente no setor
defensivo, onde está nosso problema. Estou a debater isso, e vamos
ter que melhorar. O que vamos fazer, eu não sei. Mas tenho que
encontrar uma solução - disse ''N._'.
2 AVISÃO SISTÉMICA
Lls pessoas só veem o que estão preparadas para ver"
(Ralph Emerson)
ou pelo contrário, justapõe a diversidade sem conceber a unidade. O autor ainda afirma
que conceber as coisas desta maneira, irá conduzir-nos à "inteligência cega'':
"Não podemos desmontar um piano para ver o som que ele produz",já diziam O'Con-
nor &McDermott, ambos citados por Moreno (2010).
É por isso que Von Bertallanfy (2009) faz questão de sublinhar que para compreen-
der as características de um sistema, dentre outras coisas,"devemos por conseguinte conhe-
cer não somente as partes mas também as relações". O referido autor ainda acrescenta que
qualquer mudança ou troca em uma das partes, influenciará o comportamento das
restantes.
Fazendo uma ponte com este provérbio, Frade no distante ano de 1985 menciona
que se um dos componentes de um sistema é incapaz de interagir corretamente com os
outros, não desempenhando sua função específica, como deve desempenhar, o sistema "
todo é afetado. "Todas as partes têm um papel a desempenhar. Mesmo alterar apenas um dos
elementos pode, às vezes, ter consequências completamente inesperadas".
O mesmo poderá acontecer em uma equipa de futebol, ao retirarmos um jogador
da sua posição natural (extremo esquerdo, por exemplo), onde o mesmo maximiza as
suas potencialidades - não só pelas suas qualidades intrínsecas, mas também pela sua
relação com os outros jogadores (lateral esquerdo, pivot, avançados, etc.) - e colocá-lo
numa outra posição (médio ofensivo, por exemplo), em que as exigências táticas são
diferentes, bem como as relações e interações que este referido jogador passará a ter
com os demais jogadores da equipa.
Ainda que esse deslocamento posicional seja mínimo, ele influenciará na mani-
festação do jogar1° da equipa, provocando consequências que podem prejudicá-la (ou
10 Jogar: O jogar é o tipo de futebol que uma equipa produz. São regularidades que identificam uma equi-
pa. Este é um conceito chave para a compreensão do que está por vir neste livro e estará sempre em itálico,
de modo a diferenciar um jogar de um "Jogo Geral".
28 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Caso a equipa como um todo (segundo José Mourinho), na sua dinâmica coletiva
não conseguisse fazer o "campo ficar grande"-através da abertura posicional de alguns
jogadores, em largura e profundidade (aliado à existência de apoios próximos da bola e de
uma velocidade adequada nos passes)- isso tendencialmente faria com que alguns talentos
individuais não se manifestassem na sua plenitude.
Portanto, não podemos desconsiderar o impacto que as interações, as inter-rela-
ções têm no seio de uma equipa e na expressão de um jogar, em todos os seus níveis
- macro, meso, micro.
Como vimos, o todo está na parte, que está no todo. Não há como dissociar, uma
vez que tudo está interligado e tudo é interdependente.
Sem equipa"
nenhum jogador cresce,
mas só boa equipafica
se ser bom jogador acontece.
(Vítor Frade, 2014a)
11 Homeodinâmico: A equipa deve ser entendida como um sistema homeodinâmico tendo em conta o
conceito apresentado anteriormente (tendência de um sistema no que se refere a sua sobrevivência dinâ-
mica e transcendência, seguindo as transformações do contexto através de ajustes estruturais internos). É
importante fazer esta ressalva pois, uma equipa embora passe por diferentes circunstâncias e contextos
tentando manter uma condição de estabilidade, mediante múltiplos ajustes de equihbrio dinâmico, contro-
lados por mecanismos de regulação que se inter relacionam, ela nunca volta ao ponto de partida, isto é, as
vivências fazem com que a equipa vá evoluindo, ainda que de maneira não-linear, ao longo do tempo.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 31
vitórias, etc.) - que acabam por influenciar e guiar as suas intencionalidades e intera-
ções, criando um meio aberto, complexo e dinâmico em que as características coletivas
que uma equipa evidencia são diferentes do somatório das características e capacidades
dos diferentes jogadores que a compõe.
Como atuam num contexto em que se estabelecem relações de dependência e
interdependência (macro-micro), como é o jogo de futebol, devemos considerar as
equipas como sistemas (des)hierarquizados 12 e especializados.
Ainda é importante acrescentar que dito sistema está envolto por um meio ambien-
te que lhe é característico e que pode moldar as suas interações e os seus comportamen-
tos, direcionando-as para um determinado caminho.
Moriello (2003) sublinha que o meio ambiente afetará tanto o funcionamento,
bem como o rendimento de um sistema (neste caso, uma equipa). A este respeito, Pive-
tti (2012), salienta que um sistema tem uma relação de reciprocidade com o envolvi-
mento, ou seja, tanto ele influencia o envolvimento, como também ocorre o inverso, e
acrescenta que apesar de tal propriedade, existem evidências de que um determinado
sistema complexo tem um relativo nível de autonomia em relação ao seu envolvimento,
já que pode exercer influência sobre ele.
A seleção holandesa de 1974, que apresentou um desempenho espetacular com a
sua maneira de jogar (o totaalvoetbal- "futebol total"), conseguiu modificar em parte o
modo como se joga futebol, tendo como base uma interpretação inovadora no que diz
respeito à gestão, ocupação e manipulação dos espaços e do tempo de jogo, tanto para"
atacar como para defender. Ideias como o pressing, em "organização defensiva", utiliza-
ção regular de bloco alto, linhas próximas e muita agressividade na pressão ao portador
da bola, utilização da regra do fora de jogo de maneira constante; trocas posicionais
exacerbadas, com estruturas muito móveis em "organização ofensivà'; rápida reação
após a perda da posse bola, encurtamento de espaços em profundidade, com forte pres-
são coletiva ao portador da bola, etc., coisas que naquela altura nenhuma equipa ainda
havia feito com regularidade. Trata-se de um sistema que influenciou as tendências
gerais do futebol, ou seja, um sistema "hierarquicamente" acima.
Outro exemplo temos na importância do AC Milan de Arrigo Sacchi, que intro-
duziu o que hoje conhecemos como "zona pressionante".
12 (Des)hierarquia: Falamos em deshierarquia pois dentro de uma lógica sistêmica a noção de hierarquia
e suas fronteiras bem demarcadas não faz sentido, o que existem são redes aninhadas em outras redes.
Não deve haver juízo de valor na natureza do "superior" e do "inferior", pois o que há é uma sinergia, uma
"deshierarquia, no sentido que não há, que não é uma anarquia, mas é uma deshierarquia" (Cunha e Silva,
2008, citado por. Maciel, 2011a).
~I
32 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
A equipa do F.C Barcelona, de Pep Guardiola (2008 - 2012), com a sua maneira
de jogar, conseguiu não apenas desmistificar, mas também influenciar outras equipas a
jogarem sem ponta de lança fixo, algo que há décadas não era utilizado com frequên-
cia e que, de acordo com o próprio interveniente, Lionel Messi (em entrevista para o
diário Marca, em 20!2), foi fruto do estilo de jogo da sua equipa, isto é, de um sistema
complexo e que invariavelmente conseguiu influenciar o sistema macro (futebol):
"Não é possível dizer que a posição de 'Jàlso 9''foi criada por minha causa, masfruto de
um estilo de jogo determinado. Eu tento desempenhar o melhor possível'.
Conforme palavras do próprio Guardiola, em uma conferência realizada na
Argentina em 2013, ele considerou que seria produtivo introduzir Messi na posição
de 9 (com grande liberdade de movimentos) porque isso geraria novas interações, e,
portanto, novos problemas aos adversários, problemas que os adversários não estavam
habituados, e, portanto, teriam muitas dificuldades em lidar com eles, em geri-los e
neutraliza-los. Para além disso, esta alteração posicional e funcional geraria condições
para que as qualidades do jogador fossem maximizadas.
Assim, dita introdução, potenciando novas interações emergentes, significou um
ganho de complexidade ao jogo e ao jogar, uma "complexificação" da complexidade.
Para mim, uma equipa de futebol (sistema) poderá sofrer influência e ter os seus
desempenhos maximizados quando evidenciar organização. Creio que uma equipa que
manifesta qualidade ao nível da organização, representa algo muito maior que a simples
soma de cada jogador que a compõe (não raras vezes observamos equipas que têm
excelentes plantéis, com jogadores de grande "nível técnico" em que o todo é menor que
a soma das partes, uma vez que acabam por não evidenciar grande organização e por
consequência seus desempenhos acabam por ser de nível inferior ao potencial que de
facto possuem).
Trata-se de algo novo, que emerge, como vimos, pela interação dos seus elementos
constituintes (os jogadores), que por sua vez, são (ou deveriam ser) guiados por referen-
ciais comuns - finalidade/intencionalidade (princípios de jogo), de modo a conferir à
equipa uma identidade e organização.
Convém lembrar que o grau e a riqueza da organização que uma equipa evidencia
passa dentre outras coisas, pela ideia e da operacionalização da mesma por parte do
treinador.
A este respeito, Sousa (2009, p. 20) brilhantemente coloca que qualquer equipa
''para se apresentar como um sistema, tem necessariamente que apresentar organização, caso
contrário estaremos na presença de um ''conjunto" de jogadores", com o atenuante de estarem
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 33
perdidos, sem um norte, um referencial comum, que os guia e os auxilia a agir e a inte-
ragir durante um jogo de futebol.
Esta perspectiva não é transportada somente aos elementos Qogadores) que
compõe uma equipa de futebol, mas é extensível a todos os níveis dessa equipa (siste-
ma), ou seja, a todos os seus subsistemas.
Imaginemos uma equipa técnica composta por um treinador principal e dois
treinadores adjuntos. Nesta equipa técnica, o treinador principal quase sempre toma
as decisões sozinho, sem perguntar a opinião dos seus treinadores adjuntos; também
planifica as sessões de treino de maneira separada dos adjuntos, apenas lhes transmitin-
do o que será feito, sem dar espaço para que haja uma maior parcela de contribuição de
seus colaboradores, como por exemplo sintonizar com as finalidades do processo e das
propostas de propensão ("exercitação"), dentre outras coisas.
Deste modo, a interação provocada pelos agentes (treinadores) deste subsistema
(equipa técnica) do sistema maior (equipa), com o treinador principal (que à partida, é
o líder de todo o processo) claramente deixando os adjuntos praticamente à margem
do processo -as capacidades dos mesmos estariam inibidas ou virtualizadas, ou seja, não
estariam a ser potencializacfas na sua plenitude. Assim, o todo poderá ser menor do que
a soma de suas partes.
Por sua vez, noutro modelo hipotético, estes dois treinadores adjuntos cita-
dos anteriormente, formam uma equipa técnica, onde, desta vez, um permanece de
adjunto e o outro torna-se treinador principal. Neste trabalho, os dois trabalham de F
Conta este autor, que em 2009 quando Maradona assumiu o comando da seleção
argentina, este informava que um dos seus maiores planos era o de aproveitar toda a
qualidade de Messi e sua capacidade para fazer a diferença, do mesmo modo com o que
o mesmo fazia no seu clube, o FC Barcelona. Maradona queria que o referido jogador
tivesse o mesmo renâimento, que o levou a ser o melhor jogador do mundo pelo seu
clube, na seleção do seu país. Inclusivamente cogitou mantê-lo na rriesma posição e
função que ocupava na equipa catalã.
Entretanto o padrão de organização evidenciado pela Argentina de Maradona,
condicionado pela sua ideia de jogo, pelo modo como a operacionalizava, como a trans-
mitia, e pelos jogadores que tinha à disposição (Mascherano, Gago, Agüero, etc.) em
nada se assemelhava aos padrões organizativos do FC Barcelona, que emergiam condi-
cionados por uma série de coisas, como pela ideia de jogo do treinador Pep Guardiola,
pela forma como a transmitia e a operacionalizava, pelos jogadores disponíveis (Xavi,
Iniesta, Piqué, Eto'o, Henry), etc.
Se, por um lado, estamos diante de·uma equipa (FC Barcelona) que através do
seu Modelo de Jogo 13 consegue exponenciar e potenciar as capacidades de Messi, pare-
ce evidente que tal rendimento será afetado (para o bem ou para o mal) quando este
mesmo jogador for inserido em outro contexto, em outro meio ambiente, a interagir
e a articular-se com outros agentes, mesmo sendo este um dos melhores jogadores de
todos os tempos.
Para Moreno (2010), preocupa o facto de que para muitos treinadores e "espe-
cialistas" de futebol, o contexto onde um jogador alguma vez expressou determi-
nadas capacidades não seja um critério tão relevante para definir e compreender o
seu rendimento, e acrescenta que as circunstâncias originadas pela organização geral
coletiva de um jogar - esta criada pelas características e interações dos diferentes
companheiros de equipa, é, muitas vezes, negligenciada dos processos de análise de
desempenho.
Parece haver um consenso que se um jogador possuiu um determinado rendimen-
to em uma determinada estrutura, poderá reproduzir o mesmo desempenho noutra,
ainda que se modifiquem as circunstâncias e os jogadores com os quais este futebo-
lista passará a interagir. Tal modo de conceber a realidade claramente distancia-se do
pensamento sistémico e complexo, uma vez que "o sistema sópode ser compreendido se nele
incluímos o meio ambiente, que lhe é ao mesmo tempo íntimo e estranho e o integra sendo ao
mesmo tempo exterior a ele" (Morin, 2007, p. 22).
13 Modelo de Jogo: Conceito que será abordado com maior profundidade posteriormente.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 35
Cervera (2010) fala sobre a trajetória de Gerard Piqué, e levanta uma questão:
porque um central que quase nunca jogou pelo Manchester United, de repente (após
acertar sua transferência para o FC Barcelona) torna-se num dos melhores centrais da
Europa?
Porque encontrou uma equipa na qual foi possível expressar todas as suas virtudes,
como capacidade para sair a jogar com qualidade desde trás, passando a bola para seus
companheiros quase sempre em ótimas condições, possibilidade de conduzir a bola
para atrair marcadores e abrir espaços para os seus companheiros, criando superiori-
dades e superando linhas, dentre outras inúmeras coisas. Tudo isso numa equipa com
elevadas médias de percentagens de posse de bola por jogo.
A respeito de Messi, Carles Rexach (2012), antigo jogador e treinador do Barça
confidenciou ao portal eletrónico A Bola que Messi teria sido um grande jogador em
qualquer lugar, mas teve a sorte de "cair" no Barça, que joga um futebol que lhe encaixa
perfeitamente. "Noutra equipa, em vei de tocar 60 vezes na bola tocava 15,faria uma ou
outra jogada genial, mas não seria tão decisivo como é aqui".
Desta maneira cubro de razão Marina (2004 citado por. Moreno, 2010) quando
este nos alerta para que "não esqueçamos de que cada um de nós somos o que somos dentro de
um conjunto de relações em que estamos incluídos". Nesta direção, Gomes (2013) expõe a
necessidade de reconhecermos que o futebol é um jogo coletivo constituído por indivi-
dualidades que se relacionam e fazem emergir uma dinâmica num todo funcional, onde
o treinador modela seres humanos em interação, seja entre eles, seja com o ambiente
que os envolve.
Nesta direção, acredito firmemente que a modelação sistémica é a melhor e mais
vantajosa maneira para encarar um fenómeno complexo como o jogo e o treino de
futebol.
Portanto, fica explícita a necessidade de respeitarmos a todo o momento a inte-
gração de cada parte com seu contexto específico, sendo que essa articulação deve ser
sobredeterminada pela finalidade ou intencionalidade do todo (o jogar da equipa, a
supra dimensão Tática).
14 Considerarei um momento como um conjunto de instantes, que se deseja darem sentido e padroniza-
rem as equipas quando têm a posse da bola, quando não a tem e entre o perder e o recuperar a posse da bola.
Esta divisão em quatro momentos surge sobretudo em função de uma necessidade didática para melhor
compreender e padronizar o jogo. Conforme evidenciarei adiante, a riqueza do jogo e dos jogares está na
sua fluidez, na sua inteireza inquebrantável.
15 Ainda que seja possível e razoável considerar as bolas paradas dentro da organização defensiva e ofen-
siva, acredito ser importante, devido a sua especificidade, tratá-las como um quinto momento. Entretanto,
a minha análise neste capítulo centrar-se-á somente nos aspetos com a bola em movimento.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 37
Deste modo, os quatro momentos do jogo, com a bola em movimento, podem ser
caracterizados assim:
Todos estes momentos estão ligados uns aos outros, fazendo parte de um todo, não
podendo ser perspectivados de maneira estanque. Embora sejam passíveis de padroni-
zação, os momentos do jogo são interdependentes e estão relacionados entre si, não
devendo o ataque ser s;parado da defesa, nem das transições, pois além de constituírem
um todo, condicionam-se reciprocamente.
Pelo facto da defesa e do ataque estarem intimamente relacionados é um erro pers-
pectivar a organização defensiva e ofensiva sem uma "articulação de sentido" (Amieiro,
2007). Nesse sentido, importa discutir a importância dos momentos de transição e,
nessa medida, do equilfbrio da equipa no jogo, tendo por base a tal "articulação de senti-
do" entre as várias dimensões do jogar desejado, bem como o modo como este se expres-
sa e como se articulam os diferentes instantes que dão corpo aos momentos de jogo.
Conforme disse, as transições podem ser consideradas como os instantes que
antecedem e dão corpo para que efetivamente a perda e recuperação da bola (transição
ataque-defesa e defesa-ataque, respectivamente) aconteça, e que embora sejam instan-
tes muito rápidos, afiguram-se como fundamentais para a sustentação de um equilfbrio
e fluidez no jogar de uma equipa.
Ao que parece, a terminologia "momentos de jogo" foi batizada pelo famoso trei-
nador holandês Rinus Michels, treinador da "laranja mecânicà', que não perspectivava
o jogo em função da equipa ter a bola ou não tê-la, mas sim da mesma estar organizada
ou não. Este treinador, a partir desta análise começou a perceber que havia momentos
do jogo em que a equipa estava mais organizada -nomeadamente nos momentos em
que a equipa tinha a bola em seu poder e quando não a tinha, e que em outros momen-
tos revelava um maior desequilibrio- nomeadamente na passagem do momento ofen-
sivo para o defensivo, e vice-versa.
Para facilitar o entendimento dos seus jogadores, uma melhor operacionalização
destes momentos do jogo em treino, e tentar organizar estes momentos que identifi-
cava como desorganizados, Michels criou a terminologia "transições" (ataque-defesa e
defesa-ataque).
De salientar que embora a nomenclatura "transições" possa ter surgido a partir
destas observações de Michels, é fundamental compreender que as transições não
devem ser vistas como algo anárquico e/ou desorganizado, pelo contrário, na minha
opinião, os instantes de transição deverão ser padronizáveis e revelar coerência, inten-
cional e de concretização com o que lhes antecede e sucede.
Mesmo que o reconhecimento da existência dos quatro momentos com a bola em
movimento seja importante, reduzirmos a análise e o entendimento do jogo à divisão
de momentos seria igualmente redutor e linear, tal como ocorre com as fases.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 39
Tal como irei evidenciar no próximo ponto ao entendermos o jogo sob uma pers-
pectiva sistémica tudo está tão interligado que inclusive esta divisão é difícil de ser feita,
embora a nível didático possivelmente se faça necessário.
Ataque e defesa
é uma coisa unida
separá-los é tristeza
leva a equipa a estar perdida
(Frade,2014a,p.53)
Isso reforça com o que quero dizer com inteireza inquebrantável do Jogo, enquan-
to articulação dos diferentes instantes. Para além disso, temos a inteireza do jogar que
tem a ver com o Sentido que se dá ao modo como se vivenciam os diferentes instantes
do jogo. Trata-se de uma articulação de sentido necessária e subjacente à ideia de jogo.
. '
Existe também a necessidade de se atender à inteireza relativa às escalas da equipa,
ou seja, a relação ou articulação de sentido entre os diferentes jogadores e setores para a
lógica de funcionalidade e fluidez da equipa.
Aquilo que me parece é que tem que estar tudo integrado. Veja-se o
exemplo do Porto do ano passado: não me lembro de ver uma equipa
portuguesa a jogar tão bem quanto o Porto de Mourinho e precisamente
porque baseava o seu futebol num conceito integrado. A farma como
a equipa defendia estava diretamente relacionada com a farma como
a equipa atacava, porque existia uma série de princípios que eram
inalienáveis e que partiam uns dos outros. Por exemplo, a defasa alta e
opressing alto parecem-me estar relacionados com a farma como o Porto
gosta de atacar. O facto de a linha defensiva estar subida no terreno e
de a equipa estarpróxima está relacionado com uma maiorfacilidade de
circulação de bola.
(Tadeia, citado por. Amieiro, 2007, p.132 - 133)
Só a defender o recuperar
dá sentido ao gerir
p'ra definir ofinalizar
sem o critério deixarfugir.
(Frade, 2014a, p. 52)
Portanto o treinador ao modelar o seu jogar deverá ter em conta justamente isso, a
interligação e a congruência de tudo para o "todo".
Nesse sentido acredito que um treinador quando treina a organização ofensiva
da sua equipa, não implica que a vivência de propósitos defensivos não se verifique, ou
vice-versa. Treinar implica dominantemente respeitar um dos aspetos caracterizadores
do jogo e do jogar- a sua inteireza inquebrantável, o atacar e o defender como um fluxo
contínuo.
Carvalhal é outro treinador que perspectiva as coisas desta maneira, e sublinha a
importância dos "equilibrios" no futebol atual:
''Ainda que ''atacar" e "ter cuidado" pareçam ideias contrárias, faz todo o sentido serem
equacionadasjuntas. Devemos ter determinados cuidados quando atacamos", coloca Valdano
(1997, citado por. Amieiro, 2007).
<2!iando uma equipa tem a posse da bola, ela estará basicamente sempre diante de
três possibilidades: esta posse resultará em golo, bola parada, ou resultará em perda da
posse da bola (não se sabe quando, como e onde esta perda poderá ocorrer).
Portanto, perder a posse de bola para o adversário é uma possibilidade real e
que, na minha opinião, deve ser equacionada e sentida por antecipação. Isto é, toda a
equipa que tem a posse da bola deverá estar preparada para o momento de a perder,
para reagir de maneira eficaz, tendo capacidade para roubá-la de imediato, ou na pior
das hipóteses conseguir organizar-se defensivamente evitando situações de golo do
adversário.
Por estes motivos é difícil separar e treinar estes momentos (que embora sejam
padronizáveis) separadamente, sem os conectar com os outros, e por consequência com
o todo. A possibilidade de perder a bola poderá ser equacionada antes mesmo de efeti-
vamente a perder! Como? Pela contemplação mental, isto é, pelo entendimento de jogo
e do jogar (especialmente), pela capacidade de antecipação e pela somatização desta
possibilidade.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 45
..
Na imagem acima, podemos ver claramente este exemplo, supondo que o 10 preto
tenta um passe ao 7 e é intercetado pelo 2 branco. Nesta circunstância, o 5, 7, 10 e 9
estarão mais próximos do local da perda, e, portanto, reúnem as condições mais favorá-
veis para: criar/ativar uma zona de pressão em torno do adversário com bola; restringi-
-lo e retirar-lhe tempo e espaço para pensar e executar.
46 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
O futebol é jogado por mais de 265 milhões de pessoas pelo mundo, e para muitos
a impossibilidade de prever quem será o vencedor de um jogo é a maior graça deste
desporto.
Neste sentido, várias pesquisas e estudos recentes dão conta que entre todos os
desportos coletivos o futebol é aquele que mais imprevisibilidade possui no sentido de
predizer o vencedor de um jogo (Anderson & Sally, 2013).
Assim como outras modalidades desportivas, o futebol enquadra-se na catego-
ria de jogos desportivos coletivos (JDC). Uma das características fundamentais que
caracterizam os JDC, é a permanente relação de oposição entre os elementos das duas
equipas em confronto, e a relação de cooperação entre os jogadores da mesma equipa,
desenvolvidas num contexto imprevisível, sobretudo no plano micro (que tentaremos
sobredeterminar através dos referenciais globais da equipa, ou seja, através da mani-
festação regular da nossa ideia de jogo). Isso permite que qualifiquemos os JDC como
jogos de oposição e cooperação.
Nesse sentido, as relações de cooperação (característica dos jogadores da mesma
equipa) são fundamentais na sequência das ações do jogo e assumem uma importância
determinante na formação e na corporalização de uma forma de jogar, auxiliando os
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 49
18 Futebol e o treino vistos à luz da complexidade: Importante enfatizar que embora alguns autores de que
me servi para evidenciar algumas características inerentes ao jogo de futebol pensem de maneira diversa do
convencional, querendo transcender a perspectiva cartesiana, isso não significa que as mesmas estão plena-
mente -ou as vezes até minimamente- sintonizadas e identificadas com a Periodização Tática do professor
Vítor Frade.
l'''I
19 Acaso: "Comportamento errático efruto da sorte. Sequência de acontecimentos em que nenhum deles ocupa a
mesma posição que já ocupara anteriormente. Alguns descrevem o comportamento caótico como inerentemente ao
acaso, visto que é imprevisível em termos espec(jicos. Outros ainda descrevem-no como aparentemente ao acaso,
porque é gerado por leis.fixas e tem a propriedade da auto-semelhança" (Stacey, 1995, p. 545).
20 Caos: O termo caos é utilizado em vários sentidos. Segundo Stacey (1995): num sentido específico
"como um modelo inerentemente ao acaso de comportamento gerado por "imputs''jixos em leis (relações) determi-
nistas (isto é, invariáveis). As leis tomam a forma de nós não-lineares de jeed-back. Apesar do caminho especifico
seguido pelo comportamento, este tem sempre um modelo de base, um modelo ''escondido'; um modelo global ou
ritmo. Este modelo é a auto-semelhança, isto é, um grau de variação constante, uma variabilidade consistente, uma
irregularidade regular ou, deforma mais precisa, uma dimensão fractal constante. Assim, o caos é a ordem (modelo)
dentro da desordem (comportamento ao acaso)". Num sentido geral "para descrever o corpo da teoria do caos, a
sequência completa de comportamentos gerados por regras de feedback, as propriedades dessas regras e esse compor-
tamento''. Por vezes, é também usado para descrever o estado longe-do-equilfürio instável, aberto e sensível,
no qual precede uma escolha abrupta e espontânea.
Importa referir que para Stacey (1995) os sistemas caóticos são sistemas complexos que se caracterizam
por um conjunto de agentes em interação, que cooperam, com objetivos e comportamentos comuns coor-
denados, fazendo emergir uma certa ordem e estabilidade num contexto caótico, de desordem e instabi-
lidade permanente. Estes sistemas apresentam padrões de ação que no tempo se repetem, denominados
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 51
invariantes ou de regularidades. Esta propriedade manifesta um modelo ou padrão "oculto" que Stacey
(1995) denomina de auto-semelhança, isto é, um grau de variação constante, uma variabilidade consistente,
uma irregularidade regular.
21 Causalidade: De acordo com Tamarit (2013b, p.116), a causalidade pode ser descrita como: "É a relação
entre um evento designado geralmente de causa e um segundo evento designado de efeito, sendo que numa conceção
linear o segundo evento é uma consequência do primeiro. Podemos distinguir dois tipos de causalidade: a linear e
a não-linear. Gleick (2005, p. 49-50) esclarece que 'as relações lineares podem ser representadas por uma linha
. reta num gr4fico. As equações lineares são solucionáveis, o que as torna próprias para os livros de texto. Os sistemas
lineares possuem uma virtude modular importante: pode-se separá-los e voltar a reuni-los - as peças encaixam. "
Pelo contrário conforme adverte: 'os sistemas não-lineares não são solucionáveis nem obedecem a princípios de
sobreposição de soluções... Não-linearidade significa que a maneira como se joga altera as regras do jogo .. . Esta
mutabilidade recíproca torna a não-linearidade difícil de calcular, mas origina também uma variedade de compor-
tamentos possíveis que não existe nos sistemas lineares."
Pode dizer-se que a causalidade ou determinação de um fenómeno é a maneira especifica na qual os eventos se rela-
cionam e surgem, motivo pelo qual apreender ou tentar decifrar os contornos gerais da causalidade de umfenómeno
passa porperceber as relações que se estabelecem e a amplificação que dessas relações podem resultar. É isto quepermi-
te apreender a inteligibilidade global de um sistema, ainda que no caso da causalidade não-linear, como sucede no
caso do fatebol, tal inteligibilidade deva fagir da "vertigem"pela catalogação, visto que em termos de pormenor ela
é indecifrável. Daí que o Prefessor Vítor Frade efirme que "para o detalhe não existe equaçãd'.
52 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Para além disso, também as equipas, embora joguem num meio imprevisível por
natureza (num plano micro), revelam padrões de funcionamento e um conjunto de
regularidades, que nos permitem identifica-las como equipas de maneira regular. "O que
nos leva a poder dizer que nem com o Barcelona (do Guardiola) há dois jogos iguais e isso não
tem nada a ver com o macro!' (Frade, 2013a).
'l
Vamos lutar e a dar o máximo em cada jogo, com todas as forças que
tivermos. Mas infelizmente ninguém pode controlar certos fatores:
o futebol será sempre um jogo. E sendo um jogo existe sempre
incerteza, é imprevisível. O meu trabalho é reduzir essa imprevisi-
..
bilidade ao mínimo. C2!iero que o Real volte a ganhar muito mais
vezes do que as que já o fez. C2!ieremos voltar a conquistar títulos e
regressar à Cibeles24, que é o melhor final de época que se pode ter.
Rinus Michels (2001) é outro que refere que apenas a organização de jogo das
equipas poderá reduzir a imprevisibilidade inerente ao jogo de futebol evidenciada no
plano micro, possibilitando o sobredeterminar das circunstâncias. Tal organização, para
este treinador, assenta em "linhas mestras", ou seja, num conjunto de princípios de jogo
que fornecem organização e coesão, guiando e auxiliando os jogadores a agirem e inte-
ragirem durante o jogo de determinadas maneiras e não de outras.
Segundo Michels, pode-se comparar a ideia de jogo com as regras de trânsito,
onde os condutores e peões agem e interagem de maneira organizada (na maioria das
vezes), condicionados por "linhas mestras" -regras de trânsito, evitando que o mesmo
seja completamente caótico, isto é, busca-se que o caos seja determinístico.
24 Cibeles: A Praça de Cibeles (Plaza de Cibeles), situada no centro de Madrid, é o tradicional ponto de
encontro dos adeptos do Real Madrid para comemorações de títulos do clube merengue.
54 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no
, extremo ou vai jogar no central porque isso é que é variabilidade, é o
aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está sobre-condicionada àquilo
que destjamos, portanto, nós queremos ter a posse de bola e opivot está a
ser marcado, ele não vai arriscar um passe para opivot e então vaijogar
para o central E está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em
segurança para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas interações
pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)
uma variabilidade consistente, uma irregularidade regular, ou de forma mais precisa, uma
dimensão fractal constante".
Por outras palavras, a aleatoriedade e a variabilidade destes sistemas apresentam
um modelo de ação consistente (Oliveira et al, 2006).
"
30x , __
Dimensão tática
É cultural é postura...
Habituação adquirida na prática,
É a identidade que se procura.
(Frade, 2014a, p. 150)
destas", afirma.
Imaginemos uma situação de jogo em que um jogador está por receber a bola e
realizará um passe a outro companheiro: ao receber a bola, o jogador terá de optar por
uma solução dentre as que julgar possível para aquele instante (tomada de decisão:
passa a um companheiro? Conduz a bola para frente? Dribla o adversário?) e decide
fazer o passe a um colega, que está bem colocado e receberá a bola com liberdade, e
assim poderá dar progressão ao jogo.
Ora, dentro deste passe está presente a dita dimensão técnica (gesto motor), mas
também o desgaste fisiológico implicado para controlar, comandar e executar tal gesto
(e na sua ação subsequente - um sprint, por exemplo, para receber a bola novamente),
bem como a dita dimensão psicológica, dado que o referido jogador decidiu pelo passe
em segurança tendo como pano de fundo um sentimento (desejo de garantir a eficácia
e a eficiência).
Todas estas ações quando estão inter-relacionadas, de maneira intencionalizada
(intenção esta possibilitada pela vivência hierarquizada de um jogar através da modela-
11111.1 "!'
1
11'11
,1
ção), fazem emergir o que chamamos de supra-dimensão tática. Neste caso, o todo está
na parte, que está no todo.
Portanto todas estas dimensões que tradicionalmente foram separadas são defini-
tivamente insepará,veis, sendo das conexões que estabelecem que resulta a identidade do
todo, ou seja, da suprainteireza, que é o jogar da equipa, ou seja, a tática (Maciel, 201 la).
É por isso que ao abordar a questão do treino (exclusivo) da dita dimensão técnica,
Frade (1985) sublinha que somente o "jogo" sobre todos os seus aspetos proporciona
o conveniente treino "técnico", porque a "técnica'' por si só não existe no vazio, visto
que, como ressalta Amieiro (2007), qualquer gesto técnico tem subjacente uma inten-
ção tática (que é coordenadora). Partindo deste pressuposto quando em situação de
jogo ou treino, não há sentido em utilizar o termo "técnico-tático", mas apenas "tático"
(embora seja possível padronizar a dimensão técnica), porque trata-se, ou deverá tratar-
-se, segundo a nossa perspectiva, de uma execução com uma intencionalidade coletiva
subjacente.
Para além da dimensão técnica, há também a questão do treino físico, o que para
mim se trata de uma falsa questão, uma vez que mesmo tomando como modelo os
principais movimentos de deslocamento dos jogadores nas suas diferentes expressões
(marcha, trote, corrida rápida, sprint), constata-se que tais ações e interações têm a sua
génese assente numa situação criada pelo jogo (onde se pretende que tal situação seja
sobredeterminada pelo jogar), isto é, uma situação contextual que determinou a mani-
festação de determinada gestualidade, suportada e sobredeterminada muitas vezes pela
intencionalidade coletiva referente ao jogar.
García (2006 citado por. Cervera, 2010) avaliou o comportamento da frequência
cardíaca durante um jogo de futebol, e pôde verificar que esta apresenta uma clara
assimetria, sendo que os seus picos se manifestam predominantemente em situações
em que o jogador está a participar diretamente nas jogadas, seja com ou sem a posse da
bola. Isso faz com que o autor sugira que a oscilação dos níveis de frequência cardíaca
está diretamente relacionada ao sistema nervoso central e logicamente aos constrangi-
mentos decorrentes da partida.
Nesse sentido, Oliveira et al (2006) lançam uma pergunta: Qyal será o intervalo
de frequência cardíaca ideal para o balanço do bloco defensivo à direita, para pressionar
o lateral esquerdo adversário em posse de bola? Qyal será o intervalo de frequência
cardíaca ideal para que, em transição defesa-ataque o pivot passe a bola, com regulari-
dade, para jogadores mais afastados da zona da recuperação da bola?
"Será que a relação frequência cardíaca/potência é a mesma sobre o terreno de jogo e no
«tapete rolante»?'' questiona Frade, já no distante ano de 1985 (p. 26).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 59
Deste modo, o mesmo Vítor Frade (1985, p. 30) sugere: "Não será uma determi-
nada "conceção de jogo" que determina o equacionar de determinadas ''qualidadesfísicas" como
necessidade?". E poetisa:
• .. . ! •. . ... •
53% POSSESSION 60%
119 KMS/MATCH 111
240 SPRINTS/MATCH 198
697 COURSES INTENSIVES/MATCH 587
Qyadro comparativo entre o Borussia Dortmund liderado por Thomas Tuchel
e Jürgen Klopp.
Durante uma transmissão do campeonato alemão, por uma televisão francesa, este
diagrama foi exibido. A equipa do Borussia Dortmund, que sob o comando de Jürgen
Klopp, predominantemente tinha como ponto forte a organização defensiva agressi-. F
Para Frade (citado por. Martins, 2003) todas estas conceções derivam "de um
mesmo mal conceptual, que é a separação das coisas e a lógica ascensional das etapas, dasfases".
Já dizia Benedict (citado por Mlodinow, 2012), que "o olho que vê não é um mero
órgão físico, mas uma forma de percepção condicionada pela tradição na qual o seu possuidor
foi criado".
Por esta razão Frade alerta que ver não é a mesma coisa que entender, não basta
estar de boa saúde oftálmica. Para este autor, onde a "esferà' (neste caso ofutebol e o treino)
é complexa, não pode reinar senão o pensamento complexo (1985, p. 37). "Para sistemas
complexos, uma abordagem em complexidade: Futebol e Homem são como as cebolas, se os
picarmos em pedacinhos, fazem-nos chorar!' (Maciel, 2011a, p. 168).
No mundo do futebol existem treinadores que além de verem, entendem:
Não sei onde acaba ofísico e começa opsicológico ou o tático. Para mim,
ofotebol é globalidade, tal como o homem. Não consigo separar as coisas.
Do mesmo modo, custa-me entender a evolução de um jogador à margem
da evolução da equipa.
(Mourinho citado por. Oliveira et al, 2006, p. 153)
Qyando questionado pela revista Ideias e Negócios (2003 citado por. Oliveira et
al, 2006 p. 40) sobre a percentagem que atribuía a cada dimensão do jogo, Mourinho
respondeu:
"É aquilo que existe quando você vê o Barcelona (do Guardiola) ajogar, mesmo jogan-
do mal, ou atéperdendo. Você diz: "Não, estes gajos até poderiam jogar de camisolas amarelas
que eu sei que é o Barcelona". Isto é a dimensão cultural!' (Frade, 2013a, p. 415).
A dimensão t~tica é isso, e é uma organização intencionalizada, porque há uma
intenção prévia a isso, que é a ideia de jogo, o modo como queremos que a equipa venha
a jogar.
Assim como Frade, Mourinho também entende que a dimensão tática não é nem
técnica, nem física, nem psicológica e nem estratégica, mas que necessita destas para se
manifestar, e defende que:
É por isso que, quando questionado por um repórter do jornal português A Bola,
sobre o que havia achado da estreia do médio-centro Tiago ao serviço do Chelsea FC,
Mourinho foi taxativo:
Isso vai perfeitamente ao encontro do que referiu Frade ainda em 1985, quando
já questionava se não seria uma determinada ideia/conceção de jogo que determinaria
o equacionar e o levar a cabo de determinadas "qualidades físicas" como necessidade.
Segundo José Mourinho, se a base de rendimento é a organização de jogo, a forma
desportiva de modo algum pode ser circunscrita apenas à dita dimensão física. A forma
não é somente física, ela é muito mais do que isso. "Sem organização e talento na expio-
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 63
ração de um modelo de jogo, as deficiências são explícitas, mas pouco têm a ver com a farma
física'', diz o treinador português.
A referida organização de jogo, para Mourinho, vai ao encontro dos efeitos causa-
dos pela manifestação de uma cultura tática no seio da equipa, pois:
Daí que seja fácil compreender o porquê de não ser possível quantificar e atribuir
percentagens a dimensões que não existem no vazio. No processo de treino a dimensão ,.
tática deve sobrecondicionar a dimensão física, técnica e psicológica, desenvolvendo-as
de arrasto, pela operacionalização da dimensão tática, de um jogar, conferindo-lhes um
determinado sentido na sua vivência.
Por outro lado, enquanto que a tática como dimensão e cultura pode ser definida
nestes termos, segundo Frade (2013a), a estratégia pode ser entendida sob dois prismas,
a estratégia no sentido lato e a estratégia no sentido restrito.
O professor refere que a dimensão da estratégia no sentido restrito pode ser defi-
nida como "um corljunto de manigâncias ou de estratagemas, de apostas/estratégias circuns-
tanciais". Apostas e estratagemas que são criados em função de um adversário, que tem
as suas particularidades (debilidades, virtudes, padrões, etc.) e tendo como base a matriz
de jogo da própria equipa (esta, circunscrita no sentido lato da estratégia).
Para Oliveira et al (2006) é fundamental que se entenda que, apesar de o treina-
dor José Mourinho dissecar os padrões de interação do adversário que irá defrontar no
próximo jogo, ele nunca deixa de ter como preocupação principal aquilo que é o seu
modelo de jogo, a sua forma de jogar.
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Em suma, podemos dizer que o planeamento estratégico de cada jogo (no sentido
restrito, conforme explicamos), assenta e é um acrescento qualitativo (logo, sem perda
de identidade) ao jogar da equipa.
Estes autores sublinham que se a equipa que vai defrontar tem pontos fracos e
pontos fortes, a simples substituição do defesa "lt' pelo defesa "B" ou do avançado ''N._'
pelo avançado "B" pode ser significativa.
Carlos Carvalhal (citado por. Tamarit, 2013b) coloca que algumas sub-dinâmicas
para determinado jogo poderão alterar-se em função daquilo que se pretende para o
jogo (em termos estratégicos), mas jamais se perde de vista a identidade da equipa, nem
os princípios. Entretanto existem coisas que se podem adaptar tendo em conta aquilo
que com alguma previsibilidade o adversário poderá apresentar na competição.
A dimensão estratégica deve sempre ser complementar à dimensão tática, mas
nunca deve estar em dominância em relação a esta, pois como veremos adiante neste "
livro, a tática enquanto cultura, consubstancia-se em interações intencionalizadas, hábi-
tos, que requerem tempo de aprendizagem e os quais não se adquirem da noite para o
dia, é necessário algum tempo para esta aquisição; por isso, estar a sobrepor a dimen-
são estratégica à tática poderá colocar em cheque a qualidade do jogar da equipa na
competição, a sua fluidez funcional, sobretudo se a equipa ainda não tem solidificada a
aquisição e incorporação das ideias de jogo.
Saliento que tendo em conta as características do adversário, poderão surgir alte-
rações de contorno para o jogo, ao nível do jogar, mas não ao nível da sua matriz.
Primeiro se deve buscar uma identidade, através da aquisição dos macro princípios e
meso princípios de jogo, para depois - em caso de ser preciso e aconselhável - passar a
ter em conta a dimensão estratégica, ou seja, "alterar certas coisas do nosso jogar, em termos
de contorno, para nos beneficiarmos das debilidades e nos proteger das virtudes do adversário"
(Tamarit, 2013b).
Se a tática é a dimensão que rege o jogo de futebol, também deverá ser ela a
coordenar e balizar toda a lógica processual do treinar. Por isso necessitamos de um
pensamento que trate de ser coerente com o nível que esta realidade exige. E é justa-
mente debruçado nesta lógica, nesta conceção transgressora e neste desafio, que nasce
a Periodização Tática.
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PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 69
3 APERIODIZAÇÃO TÁTICA
A designação Periodização Tática é um bocado agressiva, provocatória,
precisamente para se saber que existe uma periodização, e quando se
fala neste termo, deve-se saber o que eu estou a querer dizer com ele. Ou
seja, é usar um determinado período de tempo para levar a efeito uma
determinada ordem, mas se é Periodização Tática esse tempo é gasto para
se conseguir dar ênfase ao lado tático, mas mesmo aqui éprovocatório no
sentido de que a conceção evidencie um tático que não é condizente com o
que normalmente se refere. Ou seja é um aspeto meramente organizativo
do jogar e intencionalizado, tem a ver com a aculturação de princípios na
dinâmica do jogar de uma equipa e se defacto esse jogar tiver qualidade
demora o seu tempo a construir. Isto fage a toda lógica da periodização
convencional
(Frade,2010,p.106)
Periodizar. ..
É codificar a temporalidade,
periodização é praticar
a ideia de jogo na treinabilidade.
(Frade,2014a,p.22)
Embora seja possível fazer uma equipa pensar e jogar como equipa, ou seja,
estabelecer a fusão entre a pretensão (intenção prévia), e aquilo que de facto acontece
(intenção em ato) entre todos os indivíduos de um determinado grupo, não é tarefa fácil
e muito menos simples.
26 Corpo: ''A palavra Corpo será escrita com a primeira letra em maiúscula, para evidenciar a noção de um
Corpo íntegro, ou sefa, como um todo, composto pelo corpo-propriamente-dito, cérebro e mente, e as relações entre
estas partes' (Maciel, 201 la, p. 148). "Quando tifirmo que o corpo e o cérebroformam um organismo indissociável,
não estou exagerando. Defacto, estou simplificando demais" (Damásio, 1996, citado por. Zambiasi, 2012).
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72 > JULlAN BERTAZZO TOBAR
Deste modo, a Periodização Tática será dirigida por uma matriz conceptual e
metodológica, falo de uma ideia de jogo (requisito fundamental) e de sua operacio-
nalização, tendo por base os seus princípios metodológicos (Propensões, Progressão
Complexa e Alternâ?cia Horizontal em especificidade), tendo como objetivo alcançar
uma organização coletiva de qualidade, tendo também em conta a maximização do
individual, de maneira que a evolução de cada jogador dentro do coletivo interfira na
melhoria do mesmo.
É importante evidenciar que na Periodização Tática as preocupações não são
apenas com o lado coletivo, mas também com o individual (não há coletivo sem indi-
víduos, e estes necessitam que as suas capacidades e qualidades sejam desenvolvidas,
potenciadas e maximizadas), e por isso, durante o processo o treinador deverá contem-
plar não apenas o plano macro do jogar, mas também o plano meso e o plano micro, de
modo a que tal interação contribua com a melhoria do todo.
Portanto, o primado está no coletivo (enquanto intencionalidade) e ao mesmo
tempo no indivíduo (na concretização e aquisição).
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74 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Também importa referir que embora esta metodologia esteja balizada numa
matriz conceptual (ideia de jogo do treinador) e metodológica (princípios metodológi-
cos), diferentemente de outras, ela não concebe o processo de treino como um "manual'',
ou seja, não há receit~s. Há uma grande necessidade de adequação ao contexto envol-
vente, que sempre é único e singular para cada processo, onde o treinador -principal
responsável pela condução do processo- deve intervir e guiar as suas ações de acordo
com esta lógica, tendo muita sensibilidade.
Em suma, a Periodização Tática é um fato feito à medida, pois é singular em todos
os sentidos, para cada processo, cada contexto e cada jogar. "Encontra-se na esteira do
pensamento sistémico e como tal coloca a ênfase nas relações, na qualidade e nos padrões, sem
refutar na sua evolução a intuição, mostrando assim que tal como treino, também a ciência de
qualidade requer arti' (Maciel, 2011b, p. 3).
Nesse sentido a modelação de um jogar, ou seja, a criação de um Modelo de Jogo
e o seu desenvolvimento, mais do que ganhar um sentido é uma necessidade. Inclusive,
tal como refere Faria (1999) não há lógica, é irracional pensar-se em Periodização Táti-
ca sem pensar no modelo de jogo que está a ser construído. Definitivamente o modelo
de jogo é uma questão absolutamente central na Periodização Tática.
27 Sistema de jogo: Na linguagem futebolística este termo é comum ente associado à configuração geomé-
trica posicional dos jogadores no terreno de jogo, uma organização rígida e sem funcionalidade. Tendo por
base o que já vimos ao longo deste livro o termo "estrutura de jogo" será o que talvez melhor se ajusta ao
que na realidade se pretende definir (e que por norma se define) como "sistema de jogo".
76 >JULIAN BERTAZZO TOBAR
estes possam manifestar plenamente as suas qualidades num jogo otimizado que represente a
realidade cultural e histórica do clube" (Ancelotti, 2013).
Deste modo, convém salientar que apesar de a estrutura de jogo ser algo extrema-
mente importante, não podemos simplesmente comparar e pensar sobre as _estruturas
de jogo sem ter em conta (para além dos jogadores disponíveis) a ideia de jogo, isto é,
o modo como queremos que a equipa venha a jogar. A estrutura de jogo é fundamental
em função de uma ideia de jogo e dos jogadores disponíveis.
"Dizer que uma ou outra estrutura é melhor do que outra na manifestação de determi-
nadas interações é uma abstração se não olharmos para uma ideia de jogo epara as caracterís-
ticas dosjogadores2 8 em concreto", diz Sousa (2009), analista de desempenho e treinador
adjunto de André Villas-Boas.
Por sua vez, a ideia de jogo (ou conceção de jogo), como já disse, são as ideias de
futebol que um treinador possui, ou melhor, trata-se da maneira que ele pretende que
a equipa venha a jogar. Por outras palavras, a maneira como quer que a equipa defenda,
ataque e realize as transições. Tal ideia é baseada em princípios de jogo29 que procurarão
dar um padrão30 de jogo à equipa, o tal jogar.
Em termos concretos e objetiváveis,XavierTamarit (treinador adjunto de Maurí-
cio Pellegrino em diversos clubes de alto nível), explica a sua ideia de jogo, grosso modo,
para a equipa que naquela época estava a treinar, a equipa feminina do Valencia Club
de Fútbol, de Espanha.
Para este treinador, a sua equipa em organização ofensiva deveria dominar a
equipa rival controlando a partida por meio da manutenção da posse de bola, uma
posse mais circulada, conseguida através de um bom posicionamento no jogo; cria-
ção de triângulos permanentemente; muita largura e profundidade (fazer o "campo
grande"), muita mobilidade das jogadoras, especialmente das que não possuem a bola.
Xavier também pretendia que a sua equipa estivesse preparada e atenta à possibili-
dade de perder a bola, aliando uma boa capacidade de antecipação a determinados
equiHbrios posicionais.
29 Princípios de Jogo: "São padrões de intencionalidade relativos ao jogar que sustentam os critérios expressos
pelas várias escalas da equipa (individual, setorial, intersetorial, coletivo), e que ao se manifestarem com regula-
ridade lhe coriferem identidade efancionalidade nos vários momentos do jogo. São, portanto, ideais de interação
(cooperante e coriflitante) que acontecem em termos probabilístico!' (Maciel, 2011b, p. 11). Deste modo, os
princípios de jogo são padrões com variabilidade intrínseca, que devem assumir plasticidade e potenciar a
diversidade, sendo por isso simultaneamente includentes e excludentes, são abertos tendo necessariamente
que ser fechados, seletivamente abertos e fechados (Maciel, 2014). Por isso é que falamos de princípios e "
não de fins, isto, é, dão espaço para que a criatividade dos jogadores se manifeste constantemente, permi-
tindo que os mesmos interpretem as circunstâncias e ajam "livremente". Coloco livremente entre aspas
porque embora os jogadores sejam livres para agir e utilizar sua criatividade e qualidade para dar respostas
eficazes perante aos acontecimentos no "aqui e agorà', eles fazem-no sobrecondicionados pela matriz, que
é a ideia de jogo.
Os macro princípios referem-se aos contornos gerais da identidade da equipa; São os balizadores da mode-
lação, "são os referenciais coletivos que implicam a equipa toda. Daí que depois os outros estefam todos ''sub". Mais
''sub" ao nível da dimensão meso, e mais ''sub-sub" ao nível da dimensão micro" (Frade, 2013a, p. 413).
Desta forma, os meso princípios (ou subprincípios) são as partes intermédias que suportam e corporizam
a identidade macro da equipa (Maciel, 2011b).
Os micro princípios (ou subprincípios dos subprincípios), por sua vez, são os aspetos mais micro, aspetos
de pormenor que à priori são desconhecidos, uma vez que surgem pela dinâmica do processo e emergem
sobredeterminados pelos níveis de maior complexidade, ainda que sem perda de identidade ou singulari-
dade. Por outras palavras, conferem imprevisibilidade à previsibilidade e surgem em função das dinâmicas
dos macro princípios e meso princípios.
30 Padrão: De acordo com Gomes (2013), o padrão significa algo que existe sempre, mas comporta uma
variabilidade que não compromete a finalidade e permite a possibilidade de ajustamento, o que vai ao
encontro da nossa perspectiva sobre o que deve ser o jogar de uma equipa. Esta, deve evidenciar padrões de
funcionamento, entendidos desde este ponto de vista.
78 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Outro aspeto fundamental que o treinador destaca é a equipa possuir uma boa
qualidade de passe, onde todas as jogadoras devem saber ter a bola -guarda redes
incluída- destacando que esta é um elemento fundamental na dinâmica ofensiva da
sua equipa. "Pretend~ que durante a manutenção da posse de bola, nós tenhamos a capacidade
de decifrar quando o nosso adversário segue estando organizado e quando conseguimos desor-
ganizá-los, para poder entrar em profundidade ou não" (Tamarit, 2013a, p. 378). Xavier
afirma que a paciência é algo muito importante para atingir os seus objetivos, entretan-
to não devemos confundir paciência com lentidão, conforme o mesmo salienta: "Não
devemos ter pressa, devemos imprimir velocidade no jogo - quando assim as circunstâncias
exigirem - mas sem pressa".
Este treinador espanhol prossegue explicando que os pressupostos preconizados
em organização ofensiva permitem que a sua equipa atue dentro de uma determinada
lógica nos outros momentos do jogo (a já referida articulação de sentido), algo que é
facilmente verificável quando o mesmo conta que pretende recuperar a bola o mais
rápido possível após perdê-la (transição ataque-defesa), realizando uma forte pressão
à portadora da bola e às possíveis linhas de passe adversárias, sendo esta garantida pela
provável elevada densidade de jogadoras perto da bola e do espaço circundante:
No final das contas tudo está conectado, uma coisa com a outra, tudo
tem conexão. Se tu estás a conseguir ter posse de bola, eu já te disse que
temos um jogo posicional muito forte e é este jogo posicional que nos
permite ter muitos jogadores em campo contrário. Então, quando nós
perdemos a bola -que costuma ser em campo contrário- no nosso caso,
quase sempre temos muita gente perto para poder realizar uma pressão
com o objetivo principal de roubarmos a bola para estarmos com a posse
de bola novamente.
(Tamarit, 2013a, p. 378)
Xavier Tamarit também coloca que por vezes durante o jogo existem momentos
em que a sua equipa não consegue desenvolver o jogo posicional desejado, porque não
conseguiram ter a posse de bola da maneira de que gostariam sobretudo pelos condi-
cionalismos que o adversário pode impor-lhe. Isso muitas vezes faz com que não seja
desejável pressionar a portadora da bola com o intuito de recuperá-la imediatamente,
antes, talvez seja preferível resguardar e proteger a profundidade, retardando a progres-
são do adversário através da pressão de algumas jogadoras, dando tempo para que a
equipa se organize defensivamente.
Esta variabilidade funcional revela-se importante, especialmente quando se
enfrentam equipas que são extremamente competentes e eficazes em contra-atacar, que
jogam a bola nas costas da defesa.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 79
i ·. i·sso
nos instantes subsequentes à perda da posse da bola, as jogadoras devem
·11'· '
.tar as circunstâncias do instante para melhor decidir, se há possibilidade ou
t - ressionar imediatamente de forma coletiva para roubar a bola o mais rápido
- -~se retardam a progressão do adversário com o intuito de se organizar defen-
.'
_ri.te. Consoante as interpretações que as jogadoras fazem nas circunstâncias, ou
.r~ferencial coletivo existe, mas a decisão depende da interpretação que se faz no
.~!
macro, matricial), ou seja, como a equipa vai defender, como vai atacar e como vai pers-
pectivar as transições.
Esta ideia de jogo será condicionada e influenciada pelo entorno, o contexto
envolvente, ou seja, o país em que se vai treinar, a cultura do clube, as características dos
jogadores, e várias outras coisas.
Portanto, após o treinador tentar entender a realidade que inicialmente o envolve
e sistematizar31 a sua ideia tendo em conta essas circunstâncias, dá-se a modelação do
modelo de jogo enquanto intenção prévia, uma vez que tais ideias ainda estão apenas
na cabeça do treinador e não foram levadas à prática.
A treinadora adjunta da seleção portuguesa, Marisa Gomes, deixa claro em
entrevista a Xavier Tamarit (2013b, p. 21), que a criação do modelo de jogo (como
consequência: da intenção prévia) está influenciada pelo contexto em que nos encon-
tramos:
Primeiro tens que chegar ao contexto e ver o que é que tens, tentar
conhecer a realidade e para isso tens que conhecer o passado.
Conhecer o que tens no momento e o que aconteceu anteriormen-
te. O que motivou a tua chegada e o que se espera com ela. Depois
vês as condições do clube, dos jogadores, o campeonato e o contex-
to macro em que o processo será desenvolvido. Tens que entender
um conjunto de coisas contextuais relacionadas com a cabeça dos
jogadores, que é o que eles têm, que é o que fizeram até agora, •
que foi o que lhes permitiu estar ali e a dimensão do contexto.
Assim, podes ir dirigindo o projeto e as expectativas das pessoas
envolvidas e fazer que o jogo seja sempre (o mais próximo) (d)aquele
que tu queres. Outro lado importante é o facto de que por mais
que nós desejamos estar alheios às questões da direção, às ques-
tões do contexto exterior, é muito complicado porque estás inserido
numa realidade, fazes parte de um contexto. Podes querer jogar
de determinada maneira, mas essa determinada maneira é condi-
cionada conscientemente ou inconscientemente pelo que acontece
no contexto. Inclusive podes não conseguir entender os motivos,
mas eles estão ali. Numa equipa profissional ainda é pior porque os
jogadores são mais velhos, portanto as crenças são maiores, estão
mais enraizadas e os contextos são diferentes, tens que ter a cons-
31 Sistematização da Ideia de Jogo: Tal como nos recorda Xavier Tamarit, é fundamental que o treinador
reflita sobre o jogar que pretende criar e o estruture de forma lógica e coerente, sem, contudo, desmontá-lo
(desarticulando), devido ao caráter complexo e não-linear do processo.
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82 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
ciência que tens que dar primazia às circunstâncias, àquilo que tens
para depois adequar aquilo que pensas. O lado conceptual só existe
para ajudar a que a realidade seja melhor.
Marisa e Xavier Tamarit fazem especial menção a respeito do futebol que os joga-
dores têm dos pés à cabeça, ou seja, no Corpo todo. A nossa intenção será que todos
os jogadores possam entender o jogo que pretendemos, que tenham essa ideia de jogo
coletiva no corpo inteiro e para isso será fundamental que essa ideia prévia, essa ideia
global, seja vivenciada do início ao fim do processo, o que lhes permitirá a identificação
com esse jogar, a sua aquisição, primeiro a nível subconsciente e depois conscientemen-
te, como veremos de modo mais detalhado na última parte deste livro.
Tal como ressalta Xavier, os jogadores também têm crenças a respeito da maneira
de treinar, algo que devemos ter em conta como também veremos adiante.
Com relação ao peso que o contexto exerce sobre a criação do modelo de jogo
(enquanto intenção prévia) e também sobre sua modelação durante o processo, pegue-
mos como exemplo a realidade do Athletic Bilbao, um clube com uma identidade muito
singular, símbolo emblemático da identidade basca, por não permitir que jogadores não
nascidos ou não desenvolvidos no país Basco, Navarra ou Iparralde possam vestir a sua
camisola. Para se ter uma ideia, este clube somente em 2011 teve seu primeiro jogador
negro a atuar numa competição oficial.
Isso exige do treinador habilidade e perspicácia uma vez que a cultura do clube
invariavelmente fará com que a modelação do processo se dê de uma determinada
maneira, desde a formulação da ideia de jogo, política de contratações, aproveitamento
dos jogadores formados no clube, uma maneira diferente da que encontraria em qual-
quer outro clube.
José Tavares, treinador adjunto do FC Porto, em entrevista à Xavier Tamarit
(2013b) coloca que "um treinador que venha para o FC Porto, antes de chegar deve ser um
treinadorfarte, que ponha a equipa para jogar de uma maneira qfensivamente farte, que nas
transições sda muitofarte e que a equipa sda dominadora porque isso é o que os sócios querem.
O treinador do FC Porto deve cumprir com isso, se não cumpre não conseguirá estar bem aqui.
Então quando ele chega, deve compreender qual é a realidade do clube, o que é que as pessoas
do clube querem. E como disse há pouco, não no sentido de se condicionar, mas no sentido de
adaptar a sua ideia".
Ainda sobre a importância do respeito à cultura do clube e o modo como ela
influência na criação e modelação do jogar, Guilherme Oliveira (2011) comenta sobre a
passagem do treinador multicampeão Tomislav lvié, que orientou o Ajax de Amsterdão
(Holanda) durante as épocas 1976/1978.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 83
Este clube é reconhecido mundialmente por possuir uma cultura muito própria,
de um futebol de ataque, de "jogo bonito", apoiado, com muita circulação de bola, etc
(influenciado em grande parte pelas ideias de Rinus Michels e Johan Cruyff). Entre-
tanto, Tomislav Ivié era um treinador que possuía uma conceção de jogo comple-
tamente diferente da do Ajax. As suas preferências passavam por um jogar assente
numa organização defensiva fortíssima e em saídas rápidas em contra-ataques, com
bola preferencialmente a aproveitar a profundidade dos alas/extremos, com muitos
cruzamentos, etc.
O que aconteceu foi que o Ajax lhe comunicou que para treinar o clube de
Amsterdão, ele deveria adaptar-se às ideias do clube, operacionalizando, portanto, um
jogar diferente do que preferia, caso contrário teriam de procurar outro treinador. Ivié,
aceitou a tarefa, ganhando inclusivamente um campeonato nacional, mas ao completar
2 anos no cargo, o treinador iugoslavo comunicou ao clube que se retirava do Ajax,
porque se sentia mal, pois "este não era o seu futebol".
Tem-se aí um exemplo claro do peso que tem a cultura de um clube, na mode-
lação de um jogar. É impensável, por exemplo, alguém hoje assumir o FC Barcelona
e desejar jogar dominantemente em contra-ataques, tamanha identificação cultural
com uma forma de jogar específica que este clube desenvolveu ao longo dos anos.
Daqui sobressai a importância dos clubes contratarem treinadores em função das
suas ideias.
A este respeito, Guilherme Oliveira (2008) sublinha: ..
Qgando um clube contrata um treinador, contrata ideias de jogo
porque sabe que vai jogar dentro de determinadas ideias (ideal-
mente falando). Mas também o treinador quando chega a um
clube tem de compreender que vai para um clube com um deter-
minado tipo de história, com determinado tipo de cultura, com
um determinado historial num país com determinadas caracterís-
ticas. E o treinador tem de compreender tudo isso e o modelo de
jogo tem de envolver tudo isso. E se não se envolve com tudo isso,
o que vai acontecer é que, por mais qualidade que possa ter, pode
não ter o mesmo sucesso do que se tudo isso estiver relacionado.
Nesse sentido Marisa Gomes (2013) cita José Mourinho, um treinador que
demonstrou capacidade de adequação aos mais diferentes contextos, ao treinar e ser
campeão em campeonatos completamente diferentes (Espanha, Inglaterra, Itália e
Portugal). Para ela, ,trabalhar em diferentes contextos geram necessidades diferentes,
logo as vivências são diferentes e as orientações, as modelações têm que ser necessaria-
mente diferentes, ainda que obedecendo a determinada lógica metodológica. E tendo
em conta tudo isto é que faz com que alguns treinadores tenham capacidade para trab.a-
lhar fora de determinado padrão e outros não.
Tal como coloca o professor Vítor Frade (2013a, p. 412), "quandofalamos do mode-
lo, temos de fogir do plano das palavras para oplano da somatização, para oplano da opera-
cionalização. Porque quando um processo acontece, tem repercussões nos indivíduos a todos os
níveis", modelando.
Desta maneira, o modelo não se resume apenas ao plano conceptual, isto é, à nossa
intenção de faz,er qualquer coisa. Por outras palavras, concomitantemente ao plano dos
valores (axiológico), ou seja, do treinador sistematizar uma ideia de jogo tendo em conta
as suas preferências internas e o envolvimento em que o seu clube está inserido, logo
virá o que sucede na prática, o praxiológico32 :
32 Praxiológica: A práxis (ação e, sobretudo, ação ordenada - no caso do futebol diríamos coordenada -
86 > ]ULlAN BERTAZZO TOBAR
para um certo fim) que se quer levar a efeito tem uma lógica, que é deliberada, é condizente com o condi-
cionalismo da ideia que queremos colocar, com a ideia de jogo.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 87
Como coloca Tavares, em entrevista a Xavier Tamarit, quanto melhor for a sua
equipa, que é constituída por jogadores, mais facilmente as individualidades aparecerão.
Desta maneira os jogadores crescem dentro do contexto da equipa. Basta lembrarmos
da exponenciação evidente dos talentos de Messi comparando os seus desempenhos no
Barcelona e na seleção Argentina treinada por Maradona.
É por isso que eu falo em qualidade de jogo, da minha ideia, e que essa
evolui conseguindo eu maximizar a redundância concomitantemente
com a variabilidade, a redundância é dofaro mais do macro, das grandes
referências coletivas, depois temos o ''meso" e o ''micro"! O que nos leva a
poder dizer que nem com o Barcelona há dois jogos iguais e isso não tem
nada a ver com o macro!
A redundância não é como o pessoal costuma dizer, os chamados 'os ~
grandes princípios': não! São os macro princípios! O que é balizador
da modelação são os macro princípios! São os referenciais coletivos que
implicam a equipa toda. Daí que depois os outros estejam todos "sub".
Mais "sub" ao nível da dimensão meso, e mais "sub-sub" ao nível da
dimensão micro.
E como tanto equipa como jogadores, devemos pensá-los na possibilidade
de infindavelmente estarem a evoluir, então ele é aberto.
(Frade,2013a,p.413)
Portanto deve-se entender o modelo de jogo como um todo, não sendo apenas
o jogar que queremos evidenciar e que se vai modificando, alterando-se, modelando-
-se e transcendendo-se, evoluindo de forma não linear (devido, sobretudo, à evolu-
ção que ocorre durante o emergir do processo, do inesperado, assim como à constante
reflexão -e operacionalização em conformidade com esta- no plano dos contornos da
ideia, levando à sua recriação -não matricial- permanente), mas tudo o que ocorre ao
longo o processo, que acaba por influenciar o que efetivamente acontece em campo
90 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Também é muito diferente ser um treinador que já ganhou muita coisa na carreira
e ser treinador que nunca ganhou nada, que está recém iniciando, ou que nunca jogou
futebol num nível profissional. A aceitação das ideias do treinador multicampeão, por
parte dos jogadores, tendencialmente é facilitada quando comparado ao treinador que
nunca ganhou títulos, ou um desconhecido.
Um exemplo disso foi quando Mourinho chegou ao Chelsea:
Também não é a mesma coisa treinar uma equipa que ganhou tudo na última
época e treinar outra que não ganhou nada, porque para um treinador que chega numa
equipa que ganhou tudo jogando de determinada forma, porque é que os jogadores irão
querer seguir por um caminho diferente com outro treinador?
Porque é que o Dei Neri se foi embora quando veio para o FC Porto?!
Tinha estado cá o Mourinho, tinham ganho tudo, campeões europeus e •
não sei quê, e eram os mesmos jogadores e então eles próprios... cá está, o
modelo de jogo é tudo ... eles estavam contrariados e «rrjeitavam» e por
isso nem começou o campeonato. Eles até tiravam os paralelepípedos das
rampas com a quantidade de repetições que faziam! E os jogadores entre
eles diziam assim, «então, nós ganhamos tudo e não precisamos de andar a
fazer isto, nunca fomos para ginásios era só bola, que é aquilo que a gente
gosta e éramos melhores que os outros e ganhamos, e agora vamos ter que
fazer estas merdas?!» É evidente que estava tudo com cara de azedo até
que a coisa partiu e opresidente teve que mandar o homem embora. E ele
não tem prestígio?! Não tem curriculum?! Não tem feito coisas?!
(Frade,2013b,p.102)
33 Café com leite: O professor Vítor Frade engendra esta metáfora para "salientar que sendo a nossa preten-
são colocar osjogadores a beberem leite (representa a Periodização Tática), sem que a motivação deles vá nesse senti-
do, porque querem e estão habituados a café (metodologia convencional), a passagem do café definitivamente para o
leite deveJazer-se de forma gradual Isto é, sabendo que o leite tem pouca aceitação, fruto da habituação e da crença
92 >JULIAN BERTAZZO TOBAR
generalizada relativamente ao caft, o treinador sente necessidade de atender a isso sem deixar de ter a pretensão de
os habituar ao leite, mas ao mesmo tempo tendo a sensibilidade para que a passagem não sefaça deforma coriflituosa
pela não habituação. No entanto, importa realçar que esse desmame, essa passagem do cefepara o leite, devefazer-
-se já tendo em consideração a lógica metodológica que pretendo implementar, ainda que por vezes com conteúdos
marcadamente mais ligados com o cef'é do que com o leite. Ou seja, a lógica metodológica deve obedecer aos pilares
do leite, o modo como a levo a efeito, disfarçadamente, é que pode contemplar conteúdos mais analíticos. Conteúdos
que devo saber misturar com o leite, mas lá está, sem misturar a lógica metodológica, e que devem ser irrelevantes
ao nível da adaptabilidade que poderão induzir nos jogadores, para que não se constitua como estorvo àquilo que
considero essencial É uma gestão difícil defacto, mas necessária" (Maciel, 2011b, p. 50-51).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 93
O jogar que o FC Porto pretende desenvolver desde as idades mais precoces até o
mais alto escalão, passa fundamentalmente por sobredeterminar e subjugar o adversá-
rio, com um futebol de ataque, tendo sempre que possível a posse da bola para desorga-
nizar o adversário e marcar golo.
Procuram-se equipas equilibradas, que também defendam com qualidade (sem
a posse da bola), para além de fazer uma boa gestão nos momentos de transição. Em
transição ataque-defesa, procura-se uma pressão imediata ao portador da bola e ao
espaço circundante. Primeiro para tentar roubar a bola imediatamente, e se não for
possível, dar tempo para a equipa se organizar defensivamente.
Assim sendo, as histórias contadas pela treinadora dão exatamente a noção do que
será desenvolvido, em traços gerais, com as crianças:
Era uma vez "um reino mágico" onde viviam guardas, guarda-costas,
dragões, um polícia e um rei. Nesse reino há uma bola mágica, um castelo
e uma casa! A equipa do FC Porto é a mais forte porque guarda a bola •
mágica que tem poderes especiais. Traniforma as casas em grandes
castelos. Castelos que tem um lindo jardim, muitos quartos, salas e
grandes torres. Na torre mais alta está presa uma princesa que precisa
da nossa ajuda. Só se pode salvar se conseguirmos levar a bola mágica
até lá. E quando ficamos sem a bola? O que acontece? O grande castelo
traniforma-se numa casa pequena. Onde queremos viver?
(Vieira, 2011, p. 3)
''A história criada permite desde muito cedo representar em traços gerais a nossa dinâ-
mica funcional· com bola, fazer castelo grande; sem bola fazer casa pequena", diz Mara.
Sabemos que para que se tenha sucesso no jogo, dominando o adversário através
de um jogar pautado, sobretudo na conservação da posse da bola, alguns aspetos chave
passam por ter paciência para encontrar os espaços, criando uma relação de coope-
ração entre todos os jogadores, passando a bola para quem tem melhores condições
de recebê-la, conseguindo faze-la chegar a zonas adiantadas em condições de êxito
para finalizar.
94 >JULIAN BERTAZZO TOBAR
É importante referir que não basta criar histórias de fantasia se tais histórias não
são levadas a cabo através da criação e vivência de contextos em treino, para que possam
sair do campo do imaginário e promoverem aquisição, hábito e por consequência
funcionalidade.
Já diria Bella Gutman, treinador húngaro, citado por Campos (2008): "Escreve-
ram-se tratados sobre estratégias e táticas, mas o jogador não é um estudante universitário,
é sobretudo um prático e só passa a acreditar nesta estratégia ou naquela tática se ela se lhe
demonstra em campo".
É por estas razões que a modelação do Modelo de Jogo requer arte.
Falamos de arte porque na arte temos o exemplo espetacular disto,
que é: existem artistas que Jazem obras de arte originais e existem os
artistas que sóJazem as cópias. Com os treinadores passa-se o mesmo:
há treinadores que só servem para orientar para determinada coisa e
num contexto diferente em que as solicitações são diferentes eles já não
conseguem fazer a modelação com sucesso. Apesar dos artistas pintarem
extremamente bem não chega para produzirem uma arte completamente
diferente de outros que também pintam bem, mas que conseguem fazer
outras coisas.
(Gomes, 2013, p. 314)
em determinada altura não deve pôr um jogador ajogar; deve saber como
lidar com um jogador que chega atrasado a um treino. Fazê-lo naquele
momento, naquele timing! E isso é que é difícil porque tem de ofazer
sentir determinadas coisas e perceber que repercussões é que isso gera no
contexto. Se tem quefazer dele exemplo para a equipa ou não. Portanto,
isto é ser treinador porque é modelar. E quem diz que ser treinador é só
perceber de jogo e treino é mentira, não sabe o que é modelar.
(Gomes, 2013, p. 308)
Xavier Tamarit bem coloca que alguns treinadores veem nas coletivas de
imprensa oportunidades para criar climas e atmosferas que lhes tragam benefícios e/
ou prejuízos aos rivais. Parece-nos que Mourinho é um exemplo bastante claro disso,
com seus mind-games.
Outro aspeto importante que se revela fundamental são as intervenções que o •
treinador vai dando durante os exercícios no treino, para direcionar a equipa ao jogar
que se pretende, pois as interpretações que pretendemos que os jogadores adquiram são
feitas ao longo do tempo e especialmente fruto dos contextos específicos vivenciados
em treino.
O treinador deve levar toda a envolvência a interpretar as circunstâncias de deter-
minada forma e não de outra. Os jogadores deverão somatizar as ideias, os referenciais
coletivos. Desta maneira, para Gomes (2013), um treinador também tem de "estar" e
"ser" contexto, e refere que se durante um treino, um exercício está a acontecer e não
se intervém em nada, poderia ser um momento de ganho e que deste modo se perde.
Conclui que perceber de jogo e de treino não é o suficiente para ser bom treinador, pois
o lado da modelação está muito para além da interpretação do que acontece. Referimo-
-nos à somatização da modelação, isto é, do que emerge como modelo de jogo.
Por exemplo: existem muitos bons analistas de jogo que não podem
ser treinadores porque o lado da modelação é muito mais do que a
interpretação do que acontece. É fazer com que os outros interpretem, é
PI'!
l'l'I :!
' '
O treinador por mais que tenha uma ideia de jogo bastante evoluída, que saiba
operacionalizar as suas ideias adequadamente, etc. poderá vir a ter dificuldades na mani-
festação do seu jogar, porque supondo que mais da metade da equipa titular provavel-
it mente estará com a "cabeça noutro lugar", irritados e desapontados com o clube, possi-
ií velmente a qualidade de treino e jogo da equipa cairá, talvez o empenho e a dedicação
11 ,
! não seja a mesma de outrora. Ou seja, a ideia preconizada é a mesma, os jogadores são
!''
1
34 Ideia de Jogo/ Jogar Específica( o): Usarei o termo Específica, com "E" maiúsculo, de modo a diferen-
ciar a Especificidade relativa a um jogar (ou a uma ideia) de determinada equipa da especificidade relativa
à modalidade.
35 Contexto de Propensão versus Contexto de Exercitação: Ainda que habitualmente no futebol falemos
a respeito de "contextos de exercitação'', "exercícios de treino", a nomenclatura que mais se aproxima do
que quero dizer é contexto de propensão ou propensionalidade, uma vez que o contexto de treino criado se
remete a uma(s) determinada(s) propensão(ões), relacionadas à ideia de jogo e à lógica do dia do Morfo-
ciclo em que se está e do que se pretende treinar. Qyero com isso evidenciar a Especificidade relativa ao
processo, diferentemente de uma "exercitação" genérica, em termos de ideia de jogo e de uma lógica meto-
dológica. Por isso abordaremos o tema utilizando propensãolpropensionalidade, ou, quando muito, "exercita-
ção", entre aspas.
IJ!f
I' ,
treino que se reportem à matriz da ideia de jogo, do jogar que se pretende desenvolver
com os futebolistas, mas sem descurar do modo como isto é feito. Ou seja, quero com
isto alertar sobre a necessidade do respeito pelos princípios metodológicos da Periodi-
zação Tática durante o processo que se está a levar a efeito.
Nesse sentido, a Especificidade é o que baliza toda a lógica de direcionamento do
processo, afigurando-se não como um princípio metodológico, mas, antes, como um
imperativo categórico36, uma obrigatoriedade, uma necessidade. Ela permite tornar as
circunstâncias num contexto, ou seja, dar um sentido, um significado e coerência àquilo
que se tem, que se pratica e que emerge.
É um conceito chave, pois encerra um verdadeiro sentido que transporta para
todos os treinos (Resende, 2002). Em suma, a Especificidade contextualiza tudo o que
é feito.
Maciel (2011b, p. 3) reforça e sustenta que o Supraprincípio da Especificidade
"resulta da concretização interativa dos princípios de jogo, dos princípios metodológicos e de
tudo o que envolve tal operacionalização".
36 Imperativo Categórico: Termo criado pelo filósofo alemão lmmanuel Kant (1724-1804). O profes-
sor Savater (2010) conta que para além da sua teoria do conhecimento, Kant centrou os seus estudos na
doutrina da moral humana, dedicando-se a estudar a moral humana e em procurar qual seria o cerne da
mesma. Savater coloca que a moral está relacionada com a ação, com a atividade, e explica que nós não
somos donos de todas as consequências provenientes de nossas ações, ou seja, não podemos prever com
exatidão o que nossa ação irá gerar. "Constantemente fazemos coisas cujos resultados são opostos, ou pelo menos
diferentes do que havíamos buscado. Então isso poderia de certa forma inibir-nos enquanto seres humanos, ou sefa,
"Porque vou tentar realizar tal coisa, se os resultados de tal ação poderão ser diferentes dos que idealizei?''. Para Kant,
o que é verdadeiramente moral em cada um de nós é a boa vontade. A única coisa que um ser humano não pode renun-
ciar é a de ter boa vontade. Se eu agir com boa vontade, sefam quais forem as consequências dos meus atos, ninguém
poderá me reprovar moralmente. Entretanto, no que se baseia a boa vontade moral? Toda a moral estáformada por
imperativos, ou sefa, por ordens, mandamentos. "Devesfazer isso, devesfazer aquilo, deves evitar isso, não podesfazer
aquilo, etc." Estes imperativos estão presentes diariamente nas nossas vidas. Constantemente nós damos ordens a nós
mesmos, tendo em conta algum prqieto, algum objetivo que possuímos. Por exemplo: "Se eu quero apanhar um avião
que descola muito cedo do aeroporto, terei de me levantar cedo". Então este imperativo é "tenho que acordar cedo, se
eu quiser embarcar no avião'; porque se eu não quiser não há necessidade de acordar cedo. O verdadeiramente moral,
portanto, seriam imperativos que não estivessem condicionados por nada, mas que porque somos seres humanos, que
a nossa condição humana condicionasse, obrigasse a determinados imperativos. E então, este imperativo que todos
deveríamos assumir, por sermos humanos, quer dizer, por sermos racionais, Kant expressa-o de várias formas, mas o
conjunto, o cerne da questão, é que cada um de nós aja de acordo com uma máxima que desefamos que se converta em
lei universal para todos, isto é, que se eu vou agir de um determinado modo "tomara que todo mundo, submetidos a
estas mesmas condições, ajam da mesma maneira que eu irei agir'"' (Savater,2010). É por isso que a Especificidade
é um imperativo categórico, isto é, um supraprincípio, pois baliza e orienta a direção de todo o processo.
Deverá ser uma lei universal (concretização interativa da ideia de jogo - criando um sentir comum a todos os
jogadores, uma intencionalidade/moralidade partilhada -e dos princípios metodológicos), que condiciona e obri-
ga o seu cumprimento por parte dos envolvidos em todos os momentos do dito processo. Afigura-se como
algo absolutamente imprescindível e necessário.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 101
Fica claro aqui, que para a Periodização Tática treinar em Especificidade não é
apenas treinar em função da ideia de jogo, mas sim, treiná-la de maneira sustentada e
balizada por princípios metodológicos únicos - princípio das propensões, da progres-
são complexa e da alternância horizontal em especificidade, sempre em interação - em
todos os momentos do processo, tendo como objetivo o emergir de um determinado
jogar.
Este supraprincípio baseia-se num raciocínio e numa premissa lógica: "Se nós
queremos jogar de uma determinada maneira, segundo uma determinada ideia de jogo, o que
devemos treinar?''.
Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemática
em Especificidade dos princípios de jogo porque éfundamental perceber
que a organização é o sucesso e quanto mais organizada far a equipa
mais probabilidade de sucesso haverá.
(Faria, 2008, p. 186)
Tal como refere Rui Faria devemos treinar justamente o nosso jogar! Mas de
maneira alguma isso deve ser entendido como fazer sempre jogos de 11x11. Deve-
mos é treinar os macro princípios, meso princípios e micro princípios de jogo e a sua
respectiva interação e articulação nos diferentes momentos do jogo, aos níveis coletivo,
intersetorial, setorial, grupal e individual, revelando uma organização fractal no seu
desenvolvimento. Isto é, todos os contextos criados e vivenciados, em quaisquer escalas,
deverão ser representativos da totalidade, leia-se ideia de jogo, levando à manifestação
da "autosimilaridade" preconizada pela teoria dos fractais.
''A Especificidade assenta no conceito de globalidade que compreende a relação todo-par-
tes, contextualizada numa organização" (Gomes, 2008, p. 31).
Destaco e uma vez mais reforço que desde o início do processo (inclusive na
"pré-época") há a necessidade de criar um contexto macro que nos irá direcionar
sempre para o mesmo sentido, onde as especificidades da Especificidade estarão
presentes em qualquer escala (servindo como base de todo o processo), seja num
exercício mais micro, seja num exercício mais macro, salvaguardando permanente-
~····
I'
.A
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 103
É por este motivo que Mourinho (citado por. Oliveira etal,2006),enfatiza que ao
privilegiar a vertente tática, portanto, a organização de jogo preconizada, está a privile-
giar e a incidir em todas as outras componentes do rendimento, pois é por necessidade
do tático que surgem todas as outras. É a partir da incidência sistemática nos princí-
pios de jogo que dão vida à ideia de jogo preconizada (tendo em conta as dimensões e
níveis emergentes) -processo este suportado pela lógica do morfociclo- que se alcança
a verdadeira Especificidade.
Se mergulharmos mais a fundo nesta questão, em organização defensiva, as adap-
tações fisiológicas, mentais, técnicas, etc., de um mesmo grupo de jogadores que defen-
dem à zona pressionante seriam as mesmas do que se fossem defender de maneira indi-
vidual por zona, ou homem-a-homem? A sentimentalidade inerente para a consecução
do macro princípio de organização defensiva seria a mesma? É a mesma coisa para um
grupo de jogadores em termos de concentração defender zonalmente ou homem-a-ho-
mem? E "fisicamente", também?
como Ronaldo e que quando tem a bola limita-se a passar a bola para um companheiro
próximo, ao contrário do português, que tem uma variabilidade contextual muito maior
de movimentos e habilidades técnicas?
Acredito que r,i.ão possuem as mesmas exigências ditas "físicas" para jogarem
dentro da mesma equipa! Então, se assim for, porque devem treinar da mesma forma?
Tal como sugere Frade, o futebol está impregnado com a lógica do "Caldo Knorr", já
vem tudo pronto, como se todos fossem iguais e necessitassem das mesmas coisas (em
todos os níveis).
Como já disse, para a Periodização Tática deve-se treinar o jogar que se pretende,
articulando seus diversos níveis de organização. Por isso, pelo facto de os jogadores
estarem a vivenciar constantemente suas funções e posições, que são específicas, ainda
que complementares, as repercussões provenientes da adaptabilidade promovida pelo
treino e pela evolução da equipa, são registadas de maneira singular por cada jogador,
a todos os níveis.
Adaptabilidade esta, que na minha opinião, não se alcança treinando de maneira
genérica.
Os efeitos da adaptação têm uma relação estreita com os estímulos que a provo-
cam, ou seja, treinos genéricos (inespecificos) geram adaptações genéricas, e conforme já
vimos, perante ao caráter que o futebol evidência, de maneira alguma podemos aspirar
ser uma equipa sem identidade, sem uma adaptabilidade padrão.
Por isso o processo de treino é extremamente importante, uma vez que as adap-
tações geradas por ele acontecem desde a um nível mais macro a um nível mais ínfimo,
tanto da equipa como dos jogadores, como verificamos na produção e gestão do ATP,
por exemplo.
Hoje sabe-se que o ATP (adenosina tri-fosfato) tem uma função dupla. Se comu-
mente o ATP era considerada "apenas" como uma molécula responsável pelo forneci-
mento de energia para as células, uma avalanche de descobertas nos últimos 15 anos
demonstraram como ela também desempenha uma outra função, mas não menos
essencial, do lado de fora das células.
Trata-se da transmissão e transporte de informação entre as células, afiguran-
do-se, portanto, como uma "importante molécula sinalizadora que permite a comunicação
entre as células e os tecidos pelo corpo. Na prática, o combustível universal serve também como
uma linguagem universal' (Khakh & Burnstock, 2011, p. 36).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 107
Estes dois autores sustentam que a atividade de transmissão de sinais pelo ATP
foi detectada pela primeira vez entre células nervosas e tecido muscular, mas hoje
sabe-se que ele opera em uma grande variedade de células pelo corpo. Está presente
no cérebro, modulando a comunicação entre neurónios 37 , e entre eles e as células de
suporte chamadas glia38 ; também está presente nos órgãos sensoriais, coração, ossos,
pele, sistema imunológico e muitos outros órgãos, sendo, portanto, um "supremo
mensageiro. ".
"Os sinais transmitidos pelo ATP e seu subproduto, a adenosina, estão envolvidos no
sono, na memória, no aprendizado, no movimento e em outras atividades cerebrais" (Khakh
& Burnstock, 2011, p. 42).
Maciel (2011c, p. 2) esclarece que o ATP desempenha um papel muito relevan-
te como transmissor de informação, atuando como informador acerca dos múltiplos
estados que o Corpo vivencia em diferentes instantes, "sendo por isso uma molécula deter-
minante para a proprioceptividade e como tal para assegurar a funcionalidade conforme e
criteriosa dos milhões de cérebros que nos compõe".
Nesse sentido e falando especificamente sobre futebol, Marisa Gomes (2013)
entende que esta transmissão e descodificação de informação devem ser feitas em
função de um contexto, orientada por um determinado sentido, isto é, pelos referenciais
coletivos da equipa. Qy.estiona: que valor terá o ATP ao portar a informação e ela não
ser descodificada no timing certo?
Por isso não há sentido algum vivenciar em treino contextos desconexos e•
desprovidos de sentido, no que se refere a umjogarespecífico, uma vez que conforme
coloca Marisa, a vivência de uma situação desprovida de sentido provoca um desgaste
37 Neurónio: Unidade básica do sistema nervoso, o neurónio é uma das células formadoras deste sistema,
sendo fundamental na condução e armazenamento de informações do sistema nervoso. Também possui
função de captação de estímulos do meio ambiente (sensoriais ou aferentes), função de envio de estímulos
para a periferia (motor ou eferente) e de comunicação com outro neurónio (interneurónio) (Vaz, 2010).
O ser humano possui aproximadamente 100 bilhões de neurónios - células nervosas cerebrais. "Cada um
desses neurónios podefazer entre mil e várias centenas de milhares de sinapses. Uma sinapse é a junção entre dois
neurónios. Logo, o nosso cérebro é capaz de produzir cerca de 1.000 triliões de conexões. Todas essas conexões são
significativas e cada uma delas tem a sua própria história e o seu próprio objetivo" (McCrone, 2002, p. 6). É
possível classificar os neurónios em quatro tipos: (1) unipolar, apresentando apenas um axónio; (2) pseu-
do-unipolar, com um axónio único e corpo celular adjacente ao axónio; (3) bipolar, com dois axónios; e (4)
multipolar, que possui diversos dendritos e terminações nervosas periféricas (Vaz, 2010).
38 Células da Glia: "É um dos maiores tipos de células nervosas. O outro é o neurónio. As células da glia ultra-
passam em número os neurónios numa escala de 1Opara 1 e são também conhecidas como interneurónios. Trans-
portam nutrientes, permitem a recuperação rápida das outras células nervosas e podem formar a sua própria rede
de comunicações. Glia é a abreviatura de ''neuroglia" (Jensen, 2002 citado por. Tamarit, 2013b, p. 127).
"!'!
bioquímico diferente do pretendido pelo jogar (com sentido), face à função infor-
mativa do ATP, bem como a sua retenção e utilização. Pelo contrário, ao vivenciar-
mos contextos providos de lógica (com sentido) sistematicamente, assentados dentro
da lógica do morfociclo, possibilitaremos a adaptabilidade da funcionalidade desta
molécula. '
''Neymar tem jogado muito bem, Jaz o que quer dentro do campo. Mas
peço que não coloquem peso (halteres} nele. Não tem que ser culturista,
mas sim jogador de futebol':
(Maradona, 2013)
São pelos motivos expostos não apenas na seção anterior, mas em vários outros
trechos deste livro, que na Periodização Tática o treino com máquinas de musculação
e também com pesos livres não é contemplado, já que estes levantam uma série de
questões.
Por vezes, as pessoas estão tão obcecadas com a vertente física que só
veem o músculo como um órgão gerador de trabalho e não como um órgão
sensível Esquecem-se que ele é um órgão sensível com uma capacidade
absolutamente fantástica de adaptação ao envolvimento regular.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 115)
•
Para Maciel (2011 b ), o treino de musculação e, em especial, a vertigem por aumen-
tar os índices de massa muscular de vários jogadores parte do pressuposto, errado, que
o músculo é exclusivamente um órgão efetor de movimento, mas não, o músculo (e
tudo o que lhe dá vida) tem inteligência, sensibilidade e como tal ao sofrer alterações
no sentido de haver mais músculo, haverá ali uma parte nova que é estranha que como
tal necessita de ser educada. Há perda de proprioceptividade sobretudo no que se refere
à manifestação de uma atividade específica (o futebol) principalmente porque essas
mudanças se fizeram tendo por base uma estimulação que em nada se assemelha ao
que depois será exigido.
Por tudo isto, pelo desfasamento na forma de adquirir, pelo desfasamento entre
o corpo e o cérebro (corpo não tomou consciência das alterações) a propensão para
lesões e descoordenação é muito maior. É comum jogadores que em poucos meses
verificaram incrementas significativos, manifestarem perda de fluidez de movimen-
tos, maior descoordenação com a bola, e nalguns casos um acentuar significativo do
número de lesões.
~,,
110 > JULIANBERTAZZOTOBAR
A este respeito, Casarin & Greboggy (2012a) sustentam que durante as ativi-
dades de musculação priorizam-se contrações diferentes, velocidade de movimento
e tensões diferentes do que realmente um jogo de futebol exige, quanto mais de um
jogar Específico.
Para além disso, segundo estes autores, a despolarização, repolarização e hiper-
polarização acontecem de forma diferente quando comparado com a especificidade
promovida pela repetição sistemática e hierarquizada dos princípios de jogo, bem como
a ativação de canais de cálcio, potássio, sódio. Assim como a quantidade de unidades
motoras envolvidas nos movimentos; a proprioceptividade39 , a maneira como a infor-
mação é transmitida entre as células, e a coordenação intermuscular e intramuscular,
que por consequência lógica também será diferente, podendo resultar, portanto, numa
inadaptabilidade para o jogar que se pretende.
39 Propriocepção: Capacidade de perceber, discriminar a posição das partes do corpo no espaço e nas
mudanças de posição (Vaz, 2010). "Também denominada como cinestesia, é o termo utilizado para nomear a
capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, a sua posição e orientação, a fôrça exercida pelos múscu-
los e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão. Este tipo espec(fico de percepção
permite a manutenção do equilíbrio postural e a realização de diversas atividades práticas. Resulta da interação
das fibras musculares que trabalham para manter o corpo na sua base de sustentação, de informações táteis e do
sistema vestibular, localizado no ouvido interno" (Wikipédia). "É a qferência dada ao sistema nervoso central
(SNC) pelos diversos tipos de recetores sensoriais presentes em várias estruturas. Trata-se do input sensorial dos
recetores dos fosos musculares, tendões e articulações para discriminar a posição e o movimento articular, inclusive
a direção, a amplitude e a velocidade, bem como a tensão relativa aos tendões" (Martimbianco et al, 2008, p. 1).
Alguns achados na literatura sugerem que os recetores musculares (fusos musculares e o órgão tendinoso
de Golgi) e os recetores presentes na cápsula, ligamentos e meniscos são os principais responsáveis pela
propriocepção (Aquino et al, 2004).
40 Mecanorecetores: "Recetores especializados que se encontram nas mais diversas estruturas do corpo (pele,
músculos, tendões, ligamentos, cápsulas articulares, e muito possivelmente também nos ossos) e têm afinalidade de
enviar permanentemente para o sistema nervoso biformações acerca dos estados do corpo a cada instante. Ofaso
neuromuscular e os órgãos tendinosos de golgi (OTG) são recetores musculares, havendo ainda recetores articulares
como os corpúsculos de Pacini, os corpúsculos de Meissner (ambos de adaptação rápida), os corpúsculos de Rujfini e
os recetores de Merckel (ambos de adaptação lenta). Importa também salientar a existência de recetores cutâneos ao
nível das diferentes camadas da pele, nomeadamente os corpúsculos de Meissner e os corpúsculos de Paccini" (Tama-
rit, 2013a, p. 123). Fornecem ao SNC as informações sobre o estado mecânico muscular (Vaz, 2010).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 111
41 Co-contratividade: "Mecanismo de contração muscular em que mais que um músculo recebe mensagem de
inervação no sentido de se contrair, mas no qual a excitação é mais intensa para os agonistas que para os antago-
nistas. Uma coordenação contrátil que implica de firma determinante opapel dos mecanorecetores, e não menos, a
sua devida aculturação" (Tamarit, 2013b, p, 124). De acordo com Johansson et al (1991, citados por. Aquino
et al, 2004) o mecanismo de co-contração (em conjunto com a contribuição dos mecanorrecetores perifé-
ricos, para o ajuste contínuo e dinâmico da mesma) contribui decisivamente para a estabilidade articular,
uma vez que este mecanismo aumenta a robustez muscular e consequentemente leva a um ganho de esta-
bilidade (Cholewicki, Panjabi & Khachatryan, 1997, citados por. Aquino et al, 2004).
Ainda, Aquino (2004) coloca que algumas descobertas na literatura trazem para discussão o conceito de
robustez (Duan, Allen & Sun, 1997; He et al., 1988; Kovanen, Suominen & Heikkinen, 1984; Markolf,
Graff-Radford &Amstutz, 1978), que hoje, parece ser o que mais se aproxima do conceito de estabilida-
de articular (Richardson, 1999). O mecanismo de co-contração, através do sistema fuso-muscular-gama
pode ser usado pelo indivíduo para ajustar a robustez articular (Johansson, Sjêilander & Sojka, 1990).
Nesse contexto, o organismo estaria sempre preparado para lidar com perturbações externas, uma vez que
a robustez pode ser ajustada continuamente. Além disso, esse mecanismo apresenta flexibilidade suficiente
para lidar com a grande variabilidade de demanda de estabilidade articular existente nos diferentes tipos
de tarefa. Essa variabilidade tem considerável valor adaptativo, já que permite aos indivíduos experimentar
situações diferentes de instabilidade e agir apropriadamente de acordo com o contexto ambiental (Reed,
1982, citado por. Aquino, 2004).
"
i'l
112 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
também resultados. Agora cada um opta pelos caminhos que estão mais
direcionados para aquilo que é o objetivofinal.
(Faria, 2002)
Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemá-
tica em especificidade dos princípios de jogo porque é fundamental
perceber que a organização é o sucesso e quanto mais organizada
for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá.
"Numa época extremamente competitiva, onde por vezes a falta de tempo para treinar
nos obriga afazê-lo numa supraespecificidade relativamente ao modelo, a única preocupação
que temos é treinar as interações intencionalizadas do jogar, é treinar princípios, é atender ao
lado estratégico emfunção do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no
próximo jogo, corrigir aspetos do jogo anterior. Temos que rentabilizar ao máximo o tempo
que temos para treinar, para potenciar ao máximo opadrão de interações (intencionalizadas)
que queremos e não pensamos em mais nada!', coloca Rui Faria (2008).
Assim como Rui Faria, Mourinho (citado por Oliveira et al, 2006) defende que
o treino promovido pela Periodização Tática é o que verdadeiramente adapta os joga-
dores maximamente para o esforço em competição. "Isso é linear, épragmático e é básico",
mas cada um é livre para escolher o seu caminho, segundo o que julgar mais corre-
to, e como referiu Rui Faria anteriormente, muitos optam por diferentes caminhos e
também atingem resultados.
O que devemos perceber é que um músculo "fortalecido" pelas máquinas de
musculação não significa que necessariamente estará adaptado para reagir eficazmen-
te nas trocas de direções, sprints com ou sem bola, travagens, fintas rápidas, dribles,
ultrapassagens, saltos, finalizações, passes, enfim, para as ações que o jogo de futebol
exige, e mais precisamente para a concretização que um determinado jogar implica.
As máquinas de musculação promovem exercícios fechados que predispõem o
músculo a uma realidade desprovida de sentido para o jogo de futebol. Trata-se de
,. que "cegam""
exerc1c10s e enganam" o musc
, ulo, ad aptan d o-o para algo descontextua-
lizado.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 113
O refôrço,
o rejôrçar. ..
põem-no torto
p'lo treinar
ao músculo quando,
no jogo estájogando...
Meio caminho andado
p'rá lesão...
premissas p'ra lesionado
terás assim bem à mão!
114 >JULIAN BERTAZZOTOBAR
Neuronal
ou muscular,
a plasticidade é genial
antagónica do reforçar
Plasticidade na expressão do gene
é anti-flexibilidade...
p'rá síntese das proteínas é leme,
p'ra lá da genética
a epigenética!
O reforço
isoladamente proposto,
o corpo põe-se ciflito
Atormentado na continuidade
entra em ciflição...
agindo o corpo p'lo grito
de desejo de liberdade,
p'ra que a identidade
vete a potencialidade de lesão
Não tem rosto
o reforço...
não é gente é multidão
p'ró indiviso
no indivíduo,
mutilação...
sem po-de-jogo" é alienação!
(Frade, 2016)
Por isso, a Periodização Tática, ao ter como epicentro processual o jogar, viven-
ciado e experenciado através do respeito pela lógica do morfociclo padrão permite a
promoção da verdadeira adaptabilidade. Esta adaptabilidade não é conseguida apenas
na dimensão física, mas em todas as dimensões do desempenho.
Trata-se de um outro modo de ver e sentir as coisas, uma lógica diferente, não
significando ser certo ou errado, apenas constitui-se como um caminho diferente, mas
com o mesmo objetivo final de todas as outras metodologias de treino: estar apto para
competir, mas neste caso aspirando a competir jogando de uma determinada forma.
118 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Por exemplo, correr por correr tem um desgaste energético natural, mas a comple-
xidade desse exercício é nula. Como tal, o desgaste em termos emocionais tende a ser
nulo também, ao contrário das situações complexas, onde a supradimensão tática está
presente, que exigem permanentemente a necessidade de ajustamentos face às circuns-
tâncias e aos condicionalismos impostos pelo contexto.
Como diz Carvalhal (2002), nós podemos correr uma determinada distância
na nossa máxima velocidade de deslocamento, entretanto, se quisermos realizar essa
mesma distância com uma bandeja cheia de copos, e se fizermos esse percurso na máxi-
ma velocidade possível sem que os copos caiam, possivelmente vamos fazê-lo com
menos velocidade, mas mais intensamente do que no primeiro exemplo. Isso porque
a necessidade de ser eficaz no ajustamento face ao contexto exige uma concentração
muito maior, levando a que a intensidade também seja maior.
Portanto ser intenso muitas vezes implica parar, abrandar e não correr em grande
velocidade, procurando sempre ser eficaz tendo em conta o contexto.
Em suma a concentração decisional implicada na ação e na interação pela exigên-
cia do desempenho no contexto, pela exigência em termos de desgaste "mental-emo-
cional" que esse desempenho representa, faz com que uma situação, tanto em jogo como
em treino, seja mais ou menos intensa.
Agora vamos aprofundar um pouco mais esta ideia através de um exemplo, uma
situação hipotética: de acordo com a ideia do treinador X, um jogador (pivot) deve ter
uma intensidade de concentração máxima para que, num exercício de 4x1 (onde o obje-
tivo seja a simples manutenção da posse da bola, dentro de um quadrado de 15 metros •
quadrados) quando receber a bola, consiga fazer um passe a um companheiro melhor
colocado para dar continuidade na manutenção da posse da bola, isto é, aja com eficácia,
obtendo êxito através do ajuste perante este determinado contexto.
Isso exige uma concentração máxima para esta ação, que é diferente (embora seja
em função da mesma ideia em termos macro), por exemplo, da concentração exigida
para que, num exercício de 10x8 (com o mesmo objetivo de manter a posse da bola,
tendo que marcar golos), este mesmo pivot consiga posicionar-se permanentemente em
linhas de passe seguras, para que quando receba a bola possa dar progressão à mesma e
ajudar sua equipa a mantê-la por mais tempo e com qualidade, passando-a para compa-
nheiros que permitam que isso aconteça, através do seu (bom) posicionamento.
Ora, a intensidade exigida para obter o sucesso nas duas situações acima descritas,
não foi a máxima (uma vez que implicou em constantes ajustamentos e reajustamentos
objetivando a eficácia, exigindo muita concentração)? Mas manter a posse da bola e
visualizar companheiros melhores colocados numa situação de 4x1 não é a mesma coisa
que numa situação 10x8, onde quase sempre há pressão em cima do pivot, onde há uma
, 122 > JULlAN BERTAZZO TO BAR
complexidade relacional e espacial muito maior que num exercício de 4x1, e por isso,
falo de intensidade máxima relativa.
Assim, temos necessariamente de contextualizar a intensidade, pois como disse
anteriormente, em d,eterminadas situações o jogador para ter êxito deve estar parado,
outras vezes correr muito, outras vezes correr pouco ou mesmo fazer um chapéu, um
elástico, uma cueca no adversário, pisar em cima da bola, isso está dependente dos
instantes, das circunstâncias e do ajustamento necessário para as sobredeterminar.
Então, a intensidade reside na parte qualitativa do jogo e do jogar e não tem a
ver apenas com a execução, mas também com a intencionalidade que sobredetermina
a execução, ou seja, na relação entre o que se faz e aqueles que são os referenciais cole-
tivos, que permite ao jogador ter êxito na situação em que se encontra, sendo lento ou
rápido, mas fundamentalmente criterioso, ajustando e reajustando para obter eficácia
na concretização/manifestação do jogar.
Por isso é de suma importância que os jogadores estejam permanentemente
concentrados e que mantenham uma intensidade máxima relativa durante os exercícios
e os jogos, pois isso além de permitir potencializar a aquisição e a especificidade do
processo, possibilita o desenvolvimento e o crescimento constante desta capacidade de
concentração por parte dos jogadores ao longo do tempo.
Embora a concentração possa ser incrementada, não se trata de uma concentração
qualquer, é uma concentração que o jogar requisita para se manifestar de maneira fluida
e constante.
Conforme coloca o professor Frade (2011), o Dalai Lama consegue estar a medi-
tar por duas horas, concentra-se, mas não é a concentração de jogo, e muito menos a
necessária para levar a efeito um jogar.
Por isso devemos estar atentos ao processo de treino, em criarmos exercícios
(contextos) que façam o jogador estar permanentemente em modo de alerta, envolvidos
completamente para que de facto estejam concentrados subconscientemente. Como
costuma referir Jorge Maciel, lembremo-nos das crianças que jogam futebol na rua, lá
ninguém lhes exige concentração, porém mais concentrados que eles não deve haver.
Aí está um dos desafios e uma das missões dos treinadores.
("saber sobre o saber fazer"), isso porque tal entendimento tendencialmente os faria
treinar de maneira intencional e talvez mais implicada e sintonizada face ao que se
pretende.
Schmidt e Wrisberg (2010), conhecidos autores no campo da aprendizagem
motora, referem que a motivação e a pré-disposição intencional para aprender são
fundamentais para a aquisição dos conteúdos a serem vivenciados pelo indivíduo. Difi-
cilmente alguém faz algo bem feito quando não acredita que isto lhe trará beneficias.
Como já dizia Frade em 1985, só o movimento intencional é educativo.
Porém, e ainda que o que referi acima seja verdade, inicialmente, o foco do treino
deverá centrar-se sobretudo no "saber fazer", isto é, primeiro o jogador deverá fazer
e depois, com o tempo e os estímulos vivenciados nos treinos e também nos jogos ir
tomando consciência do que se faz. Tal processo, aquisição e somatização ocorre em
concomitância, isto é, faz-se fazendo, neste caso jogando, treinando e refletindo sobre
o que se faz.
Como já disse, o jogar e a sua aquisição, para além de ser não linear é uma matéria
de ação e sobretudo de interação, daí que o papel do treino e da equipa técnica afigu-
ra-se como algo fundamental para que a aquisição e somatização da ideia de jogo por
parte dos jogadores seja facilitada, seja na criação de contextos propícios para determi-
nado "acontecer", seja nas suas intervenções durante os exercícios, guiando-os até as
interações pretendidas.
Conforme pretendo evidenciar mais à frente, as emoções têm papel fundamental •
na transmissão e aquisição das ideias de jogo, e, portanto quanto mais empatia emocio-
nal o treinador (e as ideias que carrega consigo - bem como a forma como as transmite/
operacionaliza) conseguir criar com os jogadores, seja durante os exercícios, seja no
dia-a-dia, melhor será.
Portanto, a qualidade do treino está também claramente dependente da inter-
venção do treinador, uma vez que o exercício por si só não tem tanto valor como tem
quando o treinador intervém e o direciona para os propósitos congruentes com a inten-
ção prévia. Por isso, concordo com Carvalhal (2003) quando diz que um exercício não
vale só por ele, não chega fazê-lo, deixar que ele aconteça e não intervir. É por isso que
o mesmo exercício, com os mesmos objetivos e os mesmos jogadores, pode ter uma
eficácia diferente com diferentes treinadores.
Acredito que a intervenção do treinador na condução dos contextos (exercícios)
vivenciados pelos futebolistas se faz fundamental, onde os feedbacks transmitidos aos
jogadores podem tornar o exercício mais rico e mais eficaz. Também contribuem os
feedbacks transmitidos ao treinador pelos jogadores.
124 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Castelo (2000 citado por. Fernandes, 2003) sugere ser possível comparar as ativi-
dades profissionais de um médico com as de um treinador de futebol, onde o exercício
no processo de treino e o medicamento para tratamento de doenças apareceriam como
coisas semelhantes.
Entretanto, no meu entendimento, assim como para Fernandes, esta comparação
é redutora na medida em que a relação que a aplicação do exercício permite estabe-
lecer entre treinador e jogadores é mais complexa do que a relação estabelecida entre
o médico e o paciente no momento da prescrição do medicamento. <2!ieremos dizer
que o médico realiza um diagnóstico e prescreve um remédio ao seu doente, mas um
exercício não se "tomà' e pronto.
Entendo que o treinador não se deve limitar a "prescrever" um exercício e esperar
o efeito no jogador, pelo contrário, deverá ser partícipe na aquisição de suas ideias,
apostando muito mais na "prevenção do que na cura43", através da presença constante
de uma ideia de jogo coerente e o treino da mesma, onde o treinador deverá escolher e
alimentar de maneira ajustada e qualificada os exercícios.
Durante a realização do exercício, o treinador deverá adotar, quando necessário,
uma atitude interventiva e imbuída de emoção, no sentido de reforçar as ações e intera-
ções que se reportam à intenção prévia do jogar e inibir as ações e interações que não se
coadunam com o pretendido. Daí que no futebol o mesmo exercício funcione de forma
diferente com diferentes treinadores (e também jogadores).
43 Podemos relacionar a medicina preventiva com o princípio metodológico das propensões, que de
antemão -através da sua configuração contextual- tenta antecipar e potencializar a manifestação de deter-
minadas circunstâncias muito mais vezes do que outras quaisqueres, sendo uma espécie de vacina, em
que o "agressor" (padronizado) é dado a conhecer para que o organismo reaja para o superar. Imagine que
durante uma semana de treinos, o treinador enfatize alguns aspetos da sua organização defensiva (criando
contextos que permitam o aparecimento dominante destes), onde pretende que os jogadores realizem uma
marcação zonal e pressionante, com movimentos sincronizados.
Dentro da ideia do treinador, quando um médio sai para pressionar o portador da bola, os jogadores de trás
devem fazer o mesmo movimento, atacando o espaço que foi deixado pelo médio que saiu, encurtando e
realizando coberturas. Durante o jogo, os jogadores conseguiram desempenhar com qualidade até deter-
minado período, depois, com o cansaço e a fadiga, e ainda por não terem essas ações e interações incorpo-
radas/habituadas acabaram por não conseguir trabalhar como uma unidade, deixando espaços entre-linhas
que o adversário conseguiu aproveitar. Portanto, sempre tendo em conta que a competição é algo aberto e
não controlável pelos treinadores em vários aspetos, muitas vezes os exercícios também são concebidos e
criados a partir de uma necessidade de momento, isto é, durante a próxima semana de treinos o treinador
poderá incidir novamente sobre estes aspetos, o que neste caso poderíamos também interpretar - além da
medicina preventiva- como curativa (as duas devem andar juntas), uma vez que os meso e micro princípios
(aspetos de pormenor) devem estar sempre a ser considerados, diagnosticados e potencializados de manei-
ra qualitativa, de modo que não hipotequem a saúde geral do sistema, os macro princípios.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 125
É por isso que Mourinho (2002 citado por. Fernandes, 2003) afirma não se
importar com o facto de vinte treinadores assistirem aos seus treinos, "porque o mesmo
exercício de treino liderado por uma pessoa e liderado por outra não tem nada a ver'. Rui
Faria (2003) também acredita que um exercício liderado por pessoas diferentes não é
a mesma coisa. Para ele o aspeto da intervenção é fundamental, sobretudo no aspeto
emotivo da intervenção.
Primeiro momento do exercício acima referido. Na figura acima, a bola está em posse dos
brancos, que com 11 jogadores atacam apenas 8 pretos, pois os seus três avançados (na figu-
ra acima virtualizados) não podem participar da organização defensiva
1
~·
Segundo momento do exercício citado. Neste momento, a partir de um erro de passe dos
brancos, há o desarme por parte da equipa preta. Caso os brancos não consigam recuperá-la
em até cinco segundos, os seus três avançados não poderão participar da organização defen-
siva, e os três avançados pretos que estão em modo de espera, passarão a jogar
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 127
Como os brancos não conseguiram retomar a posse da bola em cinco segundos, os seus três
avançados ~cam em modo de espera, não participando na organização defensiva (na figura
virtualizados), enquanto que os três avançados de preto, que antes estavam em modo de
espera, passam a jogar, promovendo uma situação de 11 pretos vs 8 brancos
! '
128 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
l
1
seja incisivo e através de intervenções verbais e gestuais (antes, durante e/ou no final da
"exercitação") incentive e auxilie os jogadores a recuperarem a bola em até cinco segun-
dos, reforçando os aspetos positivos e corrigindo os negativos.
Acredito que assim os jogadores reagirão muito mais rapidamente às situações,
direcionando a sua atenção para as interações preconizadas, dando um sentido Especí-
fico para os acontecimentos do exercício, facilitando a aprendizagem e· a aquisição dos
conteúdos, interiorizando-os e incorporando-os mais facilmente do que se não houves-
se nenhum feedback do treinador.
Portanto, podemos dizer que a atuação e a modelação do treinador perante as
circunstâncias é fundamental, pois "o modo como a interpretação que se vai adquirindo ao
longo do tempo é fruto da nossa interação nas circunstâncias porque um treinador que está
numa situação a decorrer também tem de estar e ser contexto" (Gomes, 2013, p. 308). Deste
modo, quando um exercício está a acontecer e o treinador não realiza nenhum tipo de
intervenção, perde-se um momento que poderia ser de ganho.
Por isso, as especificidades poderão ser evidenciadas se o treinador apresentar um
tipo de intervenção que consiga transformar a informação potencial de cada exercí-
cio em informação efetiva, no fundo falo novamente da importância de tentar sempre
aproximar a intenção na ação, ou seja, o que sucede no "aqui e agora," com o que é a
nossa intenção prévia.
Caso isso não aconteça, se o treinador não conseguir intervir adequadamente
ou simplesmente não intervir durante um exercício quando alguma coisa desajustada
acontece, ele tornar-se-á vazio de qualquer especificidade, por mais que inicialmente
esteja de acordo com a ideia de jogo.
Em suma, mesmo que o exercício face à sua configuração inicial (espaço de jogo,
número de jogadores, regras) já esteja propenso para determinado "acontecer", isso não
é garantia de que as coisas decorrerão da maneira que o treinador pretende, o que lhe
confere um papel de primazia no sentido de guiar e potencializar ao máximo as intera-
ções dos jogadores em função da ideia de jogo pretendida.
Se no jogo o agente principal é o jogador, durante o processo de ensino-aprendi-
zagem (treino) o treinador tem uma maior dominância, um papel de extrema impor-
tância, porque ele é o principal responsável pela criação do processo, é o direcionador
do sentido, é o promotor do sentimento da equipa, é o catalisador ou o inibidor de
interações, é o gestor da articulação interativa da criação dos novos conhecimentos com
os conhecimentos já existentes dos jogadores (Guilherme Oliveira, 2004). Ele tem a
capacidade de dar significado aos acontecimentos, através da manipulação dos contex-
tos e da sua intervenção.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 129
Gladwell (2007 citado por Campos, 2008) sustenta que as nossas primeiras
impressões são geradas por experiências anteriores e pelo ambiente, o que quer dizer
que podemos mudar as primeiras impressões mudando as experiências que formam as
primeiras impressões.
Assim, o treino deve proporcionar um conjunto de experiências que pela sua
configuração direcionem o padrão de ações e interações da equipa para aquilo que é a
ideia de jogo do treinador e quanto mais rica for essa ideia e a sua operacionalização,
melhor será.
Devo ressalvar que a intervenção do treinador para guiar os jogadores até às inte-
rações pretendidas não significa comandá-los, no sentido de lhes castrar a criatividade
e lhes dar soluções estereotipadas e robotizadas, criando um mecanismo mecânico, pelo
contrário, os jogadores devem ser autónomos no desenvolvimento do treino, uma vez
que é assim que se deseja que aconteça na competição, mas devem ser "autónomos" com
aspas, isto é, livres para agir sem agirem livremente.
Embora pareça paradoxal, não o é, porque o jogador deve ser livre de agir porque
para o aqui e o agora não existe equação, mas não age livremente porque as suas inten-
ções devem ter como pano de fundo o jogar que se pretende (Oliveira et al, 2006).
Assim, o exercício deverá conter numa dimensão micro, o plano do aleatório, do contin-
gente, do imprevisível.
O treinador, através das suas intervenções deverá dar o tema para que os joga-
dores façam uma redação, e não um ditado, isto é, a sujeição constante, da equipa
aos princípios de jogo vai gerar uma dinâmica específica no seu jogar, criando um
mecanismo, mas um mecanismo não mecânico (Oliveira et al, 2006), desta maneira
os jogadores são orientados para os princípios de relacionamento que geram um jogar
concreto, com uma lógica e não com jogadas mecanizadas que não consideram as
circunstâncias.
Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no
extremo ou vai jogar no central porque isso é que é variabilidade, é o
aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está sobre-condicionada àquilo
que desejamos, portanto, nós queremos ter a posse de bola e opivot está a
ser marcado, ele não vai arriscar um passe para opivot e então vaijogar
para o central E está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em
segurança para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas interações
pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 131
Em suma, como diz Marisa Gomes (2008), devemos ter em conta que o treino
concede um espaço de manobra ao treinador, que lhe permite gerir as situações como
pretende, mas isso não sucede na competição, onde o treinador pouco pode interferir.
Isso confere ao treino uma importância brutal.
Conforme abordei inicialmente neste capítulo, importa ter em consideração
durante o processo o modo como o contexto é configurado. A Periodização Tática
é uma metodologia muito complexa de ser levada a cabo, isto porque a criação dos
contextos de treino, a sua modefação e a condução do processo envolvem diversas variá-
veis que interagem constantemente. Em suma, o treinar e o jogar são caracterizados por
conterem dimensões múltiplas.
Para além da falta de intervenção adequada e no tempo certo, outro aspeto que
poderá conduzir a uma "inespecificidade" para o processo é o modo como o contexto
é fabricado. Imaginemos a seguinte situação: um treinador configura uma sessão de
treino dedicada para a recuperação ativa dos jogadores (veremos mais adiante com
profundidade este tema) com um dos exercícios incidindo na organização coletiva da
equipa, uma situação mais complexa, onde os jogadores têm um desgaste, sobretudo
a nível mental, bastante grande e se exercitam por um período relativamente longo.
Imaginemos também que durante este determinado exercício o treinador, tal como
sugeri anteriormente, corrige e direciona as interações dos jogadores através de suas
intervenções.
Ora, mesmo que este exercício vá ao encontro da ideia de jogo pretendida, e o trei- •
nador intervenha guiando os jogadores até os objetivos pretendidos, como este exercí-
cio assenta num caráter mais complexo, isso põe em risco a Especificidade do processo,
porque em primeiro lugar possivelmente gerará uma inadaptabilidade para o que se
pretende. Os jogadores "mentalmente" e também "fisicamente" não serão capazes de
corresponder com eficácia ao que o treinador propôs.
Em segundo lugar, promover desempenhos como este, neste dia, tendo em conta
que houve um desgaste importante resultante de um jogo dois dias antes e a extrema
necessidade de recuperação, poderia prejudicar a capacidade de aquisição da equipa nos
treinos subsequentes durante a semana, bem como (e por consequência) o desempenho
individual e coletivo na próxima competição.
É por estas razões que o supraprincípio da Especificidade resulta da concretização
interativa dos princípios de jogo e dos princípios metodológicos - que dão vida aos
primeiros - e de tudo o que envolve tal operacionalização (Maciel, 2011b).
Portanto, fica evidente que o conceito de Especificidade vai muito para além do
simples entendimento entre ideia de jogo e treinar em função da ideia de jogo. "Não que
132 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
isto não contemple tudo o que possamos referir de seguida, mas porque entendemos que o para-
digma da simplificação poderá levar a um empobrecimento precoce deste princípio de condição
superior, supraprincípio" (Sousa, 2007, p. 113).
Portanto, trein:,ir em Especificidade não implica "apenas" contemplar o que se faz
(treinar) com o que se pretende (ideia de jogo), mas, igualmente, contemplar os pressu-
postos metodológicos e operacionais da Periodização Tática.
Como o jogar é algo que emerge e não o que apenas se propõe, devemos estar
muito atentos, não somente à qualidade da ideia de jogo, mas também ao modo como
ela é operacionalizada. Por isso, "nem sempre é a ideia de jogo coletiva o motivo de nossos
maus resultados, mas muitas vezes é a operacionalização que não está acertada" (Tavares
citado por. Tamarit, 2013b).
O jogarfutebol bem
não se ensina, nem
se compra-feito...
Mas aprende-se com "condições-a-jeito':
aqui entra o bom treinador
se este é ojuízo de valor.
(Frade,2014a, p. 41)
dade, como já disse, poderiam ser chamados de "praxiológicos'', porque a práxis (ação e,
sobretudo, nofutebol, ação coordenada para um certofim) que se quer levar a efeito tem uma
lógica, que é deliberada, é condizente com o condicionalismo da ideia que queremos
colocar, com a ideia d,e jogo.
O princípio metodológico das propensões refere-se à modelação dos contextos
de propensão/"exercitação", com o objetivo de criar contextos relativos ao jogar que
se pretende, que possibilitem o aparecimento do que se quer treinar com elevada
frequência.
Ele permite que de facto o caos seja determinístico, isto é, os exercícios (contex-
tos de propensão) criados pelo treinador não perdem a sua natureza aberta, onde os
jogadores são chamados a decidir e a interagir constantemente, conferindo-lhes um
papel determinante. O que ocorre é que mesmo com esta natureza aberta, contendo
o plano do aleatório e do imprevisível em termos de pormenor, é um contexto que,
pela sua configuração inicial e pelo que esta promove em termos de acontecimentos,
permite sobredeterminar determinados propósitos e intencionalidades (facilitando e
catalisando o seu aparecimento) relativas ao jogar que se pretende desenvolver.
A ideia de propensão tem a ver com o facto de proporcionar que o contexto de
"exercitação" seja mais propício ou provável à ocorrência de determinado acontecimen-
to, no caso do treino de futebol, determinada interação e mais especificamente, no
nosso caso, deverá promover o aparecimento de interações condizentes com nossa ideia
de jogo. Daí a ideia de modelar o contexto no sentido de tornar mais provável aquilo
que se deseja que aconteça, fazendo com que o caos seja determinístico, sobredetermi-
nando-o.
O princípio das propensões tem a ver com a contextualização dos propósitos que
se querem alvo de repetição sistemática, sendo que o que se pretende é que as preocu-
pações de momento do treinador apareçam regularmente em treino, em vez de outras
quaisquer, a todos os níveis.
Não se trata de quantificar ações, mas de criar contextos de propensão ricos, que
conduzam a uma determinada dominância de interações relativas ao nosso jogar, de
modo a que isso se repercuta em termos de assimilação, aquisição e somatização de
interações intencionalizadas condizentes com a intenção prévia, sem deixar de ter em
conta o padrão de desempenho e desgaste que caracterizam cada dia do morfociclo
(Oliveira et al., 2006; Maciel, 2010).
Como recorda Tamarit (2013b), para garantir que em cada dia do morfociclo
aconteça efetivamente o que queremos que aconteça - a todos os níveis, é fundamental
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 135
que se produza uma redução sem empobrecimento, ou seja, uma redução sem perda do
padrão identificador.
Neste exercício, como o objetivo dominante para os brancos é treinar alguns aspe-
tos da organização defensiva dos jogadores da primeira linha defensiva, por uma razão
lógica, deve-se promover situações em que estes jogadores estejam a maioria do tempo
a defender44 •
Isso é conseguido através da manipulação do contexto, onde as regras impostas,
o espaço de jogo, a duração do exercício, o número de jogadores, o período de recupe-
ração e "exercitação", as intervenções do treinador (como já ressaltei), são algumas das
variáveis que permitem que o treinador modele um contexto, direcionando-o para o
que lhe interessa.
Neste contexto de propensão, pelo facto do treinador colocar sempre a bola em
jogo com os avançados, pelo espaço de jogo ser alargado, e por estarem com uma
desvantagem numérica considerável, a própria configuração inicial do exercício promo-
verá naturalmente que os brancos passem muito menos tempo com bola do que os
vermelhos, e, portanto, estejam predominantemente a defender e a treinar dominante-
mente o que se deseja. Por outro lado, os vermelhos treinam dominantemente propó-
sitos ofensivos do jogar.
Ainda com relação a este contexto que coloquei aqui, reparem que a equipa de
branco após roubar a bola tenta marcar golo numa das mini-balizas, que hipotetica-
44 Não esqueçamos, contudo, os opositores (vermelhos) que deverão igualmente jogar em função do
que se pretende.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 137
Em suma, e como coloca Rui Faria (2008), fundamentalmente temos que perceber
que o exercício quando surge já tem que estar configurado de modo a que as interações
intencionalizadas que pretendemos em termos de princípio, de objetivo, se evidenciem,
t
ou seja, quando o estruturamos já criamos condições para que o que pretendemos surja
com elevada frequência.
Isto é o mais importante, é a especificidade do exercício e nós como treinadores,
em função das nossas necessidades é que vamos elaborar e alimentar o exercício de
acordo com determinado objetivo.
Devo destacar, contudo, que o princípio metodológico das propensões não tem
como finalidade propiciar a vivência exacerbada somente da ideia de jogo do treinador
nas suas diferentes escalas (macro princípios, meso princípios e micro princípios), mas
também promover com elevada frequência o aparecimento de um determinado tipo
45 Descoberta Guiada: Método que pretende levar o jogador a descobrir por ele próprio o caminho
concreto em cada exercício e em cada situação, sob a orientação e as pistas do líder. No entanto, o caminho
já está previamente traçado, face à configuração inicial que o treinador cria no exercício (propensões). O que
se pretende é, então, que sejam os jogadores, por eles, a descobrir que caminho é esse, a senti-lo, e assim
com ideias e sugestões, a empenharem-se na realização desse trajeto. É desta forma que todos participam,
todos são responsáveis e todos são responsabilizados. O jogador aprende por ele mesmo, aprende o que
descobriu, o que sentiu, aquilo por que passou (Lourenço, 2006).
138 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
sabemos para onde queremos ir, mas não sabemos à priori como é que
serão as coisas de farma precisa. Não sabemos se a equipa vai dar uma
resposta determinada para os problemas que vamos encontrar e, daí que
a progressão srja complexa! Eu sei para onde quero ir mas como vai
acentecer este caminho é complicado, não podemos prever à priori. É um Jl
caminho que se faz fazendo (tendo sempre em conta o referencial que o 1
sobredetermina, que é a ideia de jogo).
l
(Gomes, 2013, p. 349) l
l
j
Durante o processo existirão momentos em que haverá a necessidade de treinar e
enfatizar certos aspetos da nossa ideia de jogo em detrimento de outros, fazendo evoluir
1
determinadas coisas, voltar e relembrar algumas que se deixaram de fazer (Tamarit, l
;i
2013b). 1
;
Marisa Gomes exemplifica que com o passar do tempo e com a evolução quali-
tativa do seu jogar em certos aspetos, alguns exercícios que em uma fase inicial eram
feitos de uma maneira, num momento posterior, tendo em conta a evolução qualitativa
que a equipa apresentou, estes propósitos devem ser vivenciados em contextos de maior
complexidade e com graus de exigências diversos, de modo a evitar a cristalização e
continuar a alimentar a complexidade do jogar no sentido de promover a sua evolução
ao longo do tempo.
No que diz respeito à necessidade de por vezes ter de voltar atrás, Tavares em
entrevista a Xavier Tamarit (2013b) coloca que se a equipa deixa de treinar algumas
coisas importantes durante algum tempo -e isso podem ser três ou quatro dias, ou
uma ou duas semanas-, se o treinador não voltar a incidir naquilo, os jogadores podem
perder aquelas interações intencionalizadas, podem deixar de manifestar os padrões de
interação que caracterizam o jogar, nos diferentes níveis de complexidade.
1
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 143
46 Fadiga: Utilizarei a palavra Fadiga com a primeira letra em maiúsculo, para evidenciar a noção de que
a Fadiga não pode ser separada em central (mental) e fisiológica. Trata-se de uma noção íntegra que não
pode ser separada, pois ambas caminham juntas e se inter-relacionam. De salientar também que o adqui-
rir e o Fadigar estão intimamente relacionados, "só há treino se há fadiga" (Frade, 2013a). Para que haja
aquisição há a necessidade imperativa de haver Desgaste, daí que a sua gestão deva ser feita com muita
coerência e sensibilidade. Gomes (2013) dá-nos uma definição bastante clara sobre a noção de cansaço
(Fadiga, Desgaste) quando refere que quando um jogador está cansado não está cansado só "biologicamen-
te". Um jogador pode estar cansado quando as circunstâncias estão a acontecer e ele não tem capacidade
para intervir sobre elas como normalmente o faz. Portanto, o cansaço muitas das vezes pode manifestar-se
no jogador que normalmente antecipa e que passa a não antecipar.
48 Ciclo de auto renovação da matéria viva: Esta postulação será abordada com maior profundidade
posteriormente.
), tensão (e) e duração (e). O amarelo (velocidade) e o azul (tensão), são cores primárias que
juntas dão o verde (duração), isto é, a duração não existe por si só, ela emerge da relação deste azul e
deste amarelo, e quanto melhor for esta mistura, esta relação, melhor o verde irá emergir. Este "verde"
reporta-se à densidade e maior frequência de ocorrência do padrão de contração implicado na concre-
tização do jogar.
146 >JULIAN BERTAZZOTOBAR
Morfociclo
aforma da forma
o macro princípio
a norma...
Mecanismo não-mecânico
flexível e titânico
de dinâmica espec(fica,
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 147
colectivamente contextualizada
alicerce da diversidade espontânea,
individualizada ...
E com outras simultânea
fortalecida e não raquítica.
(Frade,2014a,p.156)
Morfociclo Padrão
(Jogo Domingo a Domingo)
Operacionalização Aquisitiva Recuperação
JOGO Folga Recuperação r-- da Organização de Jogo ---i Direcionada JOGO
D=D+ [] + +O+D
Morfociclo Padrão.
50 "Período Preparatório": Refiro período "preparatório" entre aspas porque "na Periodização Tática operío-
do preparatório não é preparatório de nada, esse período que antecede o quadro competitivo oficial, não é prepa-
ratório de nada porque o período competitivo é também preparatório, porque está sempre com essa preocupação de
preparar' (Frade, 2010, p. 103). Nunca é demais reforçar que esta permanente preocupação de preparar se
faz através do respeito pelo Morfociclo desde a primeira semana de treinos.
148 >JULIANBERTAZZOTOBAR
Usualmente estes ápices "físicos", "picos de forma" são planeados para que ocor-
ram nas meias-finais, final de determinada competição, jogos importantes, playeffi, etc.
Contudo, os picos de forma estão associados a periodizações de treino para despor-
tos individuais, com grande tempo de preparação e um período competitivo reduzido
("periodização olímpica''), não traduzindo, portanto, a realidade do futebol, um despor-
to coletivo com um longo período competitivo e um curto período de preparação sem
competições.
Parece estranho planear chegar "bem'' a uma final, orientando todo o processo
em função disso (do início ao fim), admitindo quebras e decréscimos de rendimento
durante o processo, até porque para chegarmos às fases finais de uma competição temos
de vencer os jogos anteriores! Não seria necessário jogar bem e nas máximas condições
de disponibilidade para o desempenho, para vencê-los?
Eu não quero que a minha equipa tenha picos de farma ... Não posso
querer que a minha equipa oscile de desempenho! Quero sim que esta se
mantenha sempre em patamares de rendibilidade elevados. Porque não
há jogos ou períodos mais importantes do que outros. Todos os jogos são
para ganhar.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.100)
Como coloca Frade (2013), o Morfociclo é um ciclo que tem parecenças com o
ciclo seguinte e com o anterior, em função da forma e, portanto, ao assumir-se como
regularidade metodológica (núcleo duro do processo de treino), deve ser entendido à
luz de uma organização fractal.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 151
Padrão Anual
Padrão Mensal
Janeiro
Janeiro Fevereiro ... Dezembro
Padrão Semanal
Nos morfociclos
contidos,
uns dos outros são discíp'los
se uns nos outros imbuídos,
e só quando é este o modo
de a eles ter acesso, •
jogando...
a periodização sefaz no processo
como prática,
duma cultura tática
aculturando...
p'ro futebol um jogar,
e nele se emancipando
ao jogá-lo p'ra ganhar.
Vítor Frade
Tal como colocou o professor Vítor Frade na introdução deste capítulo, o morfo-
ciclo padrão é a pedra filosofal da operacionalização do jogar, e o seu total entendimen-
to é fundamental para que se perceba o que de facto a Periodização Tática significa.
Para melhor compreensão do morfociclo necessitamos de desvendar os. fatores
que justificaram o nascimento desta forma de organização do processo de treino, isto é,
importa que entendámos o que de facto caracteriza a competição e as suas implicações
para o processo de treino.
Primeiramente, tentaremos entender o jogo de um ponto de vista mais fisiológico
e depois vamos ao que é de facto o maior balizador para a estruturação do morfociclo
padrão, tal como ele é.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 153
51 Alta intensidade: Neste caso, assim como aponta Maciel (201 lb ), o termo "alta intensidade" em termi-
nologia convencional está conotado com as capacidades anaeróbias, o que não significa necessariamente o
mesmo com a Periodização Tática.
52 Baixa intensidade: Este termo, em terminologia convencional está conotado às capacidades aeróbias
(Maciel, 2011b), o que não significa necessariamente o mesmo com a Periodização Tática.
154 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
53 Vias metabólicas: De acordo com Santos (citado por. Tamarit, 2013b, p.120), "devemos ter em conside-
ração que os sistemas metabólicos são geralmente classificados em três tipos: a) Sistema anaeróbico alático ou sistema
dosfasfagênios (ATP efasfacreatina - CP) recorre àsfantes imediatas defarnecimento de energia, sendo também as
mais potentes (maior aporte energético por unidade de tempo) encontrando-se associada dominantemente a desem-
penhos de elevada intensidade metabólica e de curta duração. b) Sistema anaeróbico lático ou sistema glicolitíco ou
glicólise, recorre aos hidratos de carbono como substrato energético, sendo a produção de energia resultante do desdo-
bramento do glicogênio (forma de armazenamento dos hidratos de carbono nas células) em ácido lático (daí lático},
num processo designado de glicólise que ocorre ao nível do citosol ''sem" intervenção direta do oxigênio (neste processo
em especifico}, daí ''anaeróbico''. Importante referir que embora "não haja'' intervenção direta neste processo
específico, por parte do oxigênio, ele é fundamental para a boa funcionalidade deste mecanismo, tanto à
priori, como à posteriori (reestabelecimento das reservas energéticas, remoção de metabólitos, etc.)- para
um entendimento mais aprofundado, recomenda-se a leitura integral de Billat (2013). Em termos energéti-
cos é mais eficiente que os fosfagênios, pois farnece maior quantidade de energia em termos absolutos, mas é menos
potente, pois requer mais tempo para ofazer. Encontra-se dominantemente implicado em desempenho de elevada
intensidade, mas não máxima, e com uma duração relativamente considerável (ainda que curta). Apesar de ser
capaz de grande produção de energia tem como grande consequência a acentuação da acidose metabólica devido à
acumulação de ácido lático o qual é contraproducente quando se desefa alcançar desempenhos de qualidade. c) Siste-
ma oxidativo ou aeróbio, processo metabólico que decorre a nível mitocondrial (nas mitocôndrias} responsável pela
produção de energia celular tendo como interveniente o oxigênio (daí aeróbio) através da oxidação mitocondrial
da glicose (derivado armazenado resultante dos hidratos de carbono}, dos lipídeos (ácidos gordos} e inclusive dos
aminoácidos (proteínas). Trata-se do sistema metabólico menos potente, mas simultaneamente o de maior capaci-
dade absoluta, encontrando-se por isso bastante associado a desempenhos de duração mais prolongada''.
Importa realçar que embora seja importante caracterizar "cada um" dos diferentes tipos de vias metabólicas
separadamente, nenhum destes sistemas funciona de forma isolada e em linearidade. Todos estão implica-
dos e inter-relacionados, funcionando e interatuando conjuntamente, em não-linearidade, independente-
mente do tipo de desempenho requisitar preponderantemente mais um do que outro ou outros, verifica-se
sempre a sua implicação concomitante ainda que em graus de implicação diversos.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 155
Como já disse, na minha opinião, por norma um jogar de qualidade deve ter
dominantemente esta característica e é dentro desta lógica que abordarei este capítulo.
Contudo, o mais relevante é atender à matriz metabólica que o jogar requisita e
essa assenta numa interação determinada das vias metabólicas no momento da concre-
tização do jogar. Repito, a Periodização Tática é uma metodologia de treino e não uma
ideia de jogo!
Assim como refere Maciel no excerto anterior, tal feito é passível de ser alcançado
através de uma gestão acertada e coerente do binómio desempenho/recuperação duran-
te o processo de treino. Importantíssimo referir que apesar da ênfase colocada nas vias
anaeróbicas e de modo mais destacado nos fosfagênios, não quero com isso transmitir
a ideia de que a via aeróbia é irrelevante no futebol.
Devemos através da operacionalização continuada do morfociclo padrão otimizar
a gestão do desempenho e da recuperação de modo a que os jogadores estejam plena-
mente em condições de disputarem a competição nas suas melhores condições possí-
veis. Nesta direção, o respeito pelo ciclo de auto renovação da matéria viva (também
chamada Lei de Roux, Arndt Schultz) afigura-se fundamental.
O ciclo de auto renovação, desde que visto com os óculos da complexidade permi-
te que o organismo aceda a níveis de desempenho e complexidade cada vez maiores, tal
como tentarei evidenciar nas linhas que se seguem.
Segundo Maciel (2011c), a ideia de auto renovação vai ao encontro da essên-
cia da evolução dos sistemas complexos (jogadores, equipa), os quais somente quando
se encontram a funcionar na fronteira do caos podem fazer emergir novas ordens de
complexidade (progressão complexa).
A este respeito, e estando a Periodização Tática vocacionada para o rendimento
superior, importa reconhecer, conforme explica Vítor Frade, que a fenomenologia do
rendimento superior é complexa. Trata-se de uma problemática complexa, logo, a lógica
156 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
O ciclo de auto renovação da matéria viva refere que quando se executa um dado
exercício algumas vezes seguidas, após um determinado tempo, o indivíduo sente a
fadiga. Desta maneira estes indivíduos necessitam de descansar.
No entanto, o repouso depois de um exercício e da fadiga, não é um mero esta-
do de repouso, não é um momento de paralisação metabólica ou orgânica. É durante
este momento que, segundo investigações, o órgão ou o organismo fadigado absorve
avidamente oxigênio, que alimenta as estruturas fadigadas e as ajuda, substituindo as
substâncias usadas por novas.
Trata-se de um "efeito detonador" por parte do oxigênio, que sujeita o glicogênio
a uma combustão biológica, libertando a energia química necessária para a re-síntese e
reconstituição da creatinafosfato (CP) e do ATP (Langlade &Langlade, 1977).
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 157
Penso que estes aspetos são de grande importância para uma conveniente e
coerente operacionalização do treino, seja ele de dominância aquisitiva ou recuperativa.
Desde logo se refuta a ideia de que para recuperar se deve atuar fundamentalmente
sobre a via oxidativa, mostrando que independentemente da via metabólica dominan-
temente utilizada e responsável pela fadiga todas requisitam a oxigenação das células
para funções de realimentação, de remoção de metabólitos e de restabelecimento dos
valores basais do organismo (Maciel, 2011c).
É precisamente este momento (processo de recuperação - durante e entre exercí-
cios e sessões de treino) -quando devidamente respeitado- que permite que a matéria
se renove, podendo aceder, inclusivamente, a níveis de funcionalidade superiores ao que
se encontrava antes de haver realizado o dado desempenho (fase de supercompensação
ou exaltação).
Supercompensação
l
---.....,... ------r--------- 1
1 1
1 1
1 1
Fadiga--t+ +--Compensação
1 1
1 1
1 1
li Ili
Nesse sentido Jorge Maciel sugere que organismos neste estado de fadiga conti-
nuada funcionariam à semelhança de carros que têm muitos cavalos de potência, mas
que devido às adaptações contraproducentes funcionam em baixa rotação, com o travão
de mão puxado.
Este "querer, ~as não poder' é um processo semelhante ao que se observa nos
automóveis quando por norma funcionam com baixas rotações independentemente
das velocidades que estejam engrenadas, quando estimulados no sentido de funciona-
rem com uma rotatividade maior revelam muitas dificuldades, porque o motor criou
uma adaptabilidade, pelo fazer, que não vai de encontro àquela solicitação (Maciel,
2011c).
Como resultado final temos um veículo para provas de endurance com "vontade"
de ficar na garagem, quando aquilo que deveríamos ter era um Fórmula 1 afinado para
os circuitos mais sinuosos (variabilidade de trajetórias, ritmos e velocidades).
j
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 161
E não adianta colocar "gasolina contrafeita'', muito menos gasóleo, porque o resul-
tado não pode ser o mesmo; o carro sempre andará aquém do que poderia andar, abaixo
do seu potencial.
Pelo contrário, ao possuirmos um tanque cheio de gasolina com maior octanagem
(leia-se grande aporte de ATP), que se "auto reconverte" facilmente (leia-se grande e
continuado aporte de ATP), isso sim permitiria andar na máxima velocidade (enten-
da-se qualidade).
Este combustível, na minha opinião, está relacionado a uma gestão continuada
e eficaz predominantemente da via anaeróbia alática, o que é conseguido a partir do
conveniente respeito entre o tempo de repouso e o de "exercitação".
A relação otimizada e devidamente contemplada em treino (devido e através do
seu correto fácionamento), do binómio-dilema desempenho/recuperação, possibilita a
potenciação do V02 máximo, que contrariamente ao que se julgava, se assume como
determinante para a performance numa modalidade como o futebol, uma vez que com
um índice elevado de V02máx o jogador terá maior possibilidade de utilizar o oxigênio
de maneira otimizada para poder reconstituir/ressintetizar as reservas de fosfocreatina,
que o permitirá realizar novas interações de "alta intensidade" (Billat, 2016).
A dominância e as circunstâncias condicionais devem proporcionar a dominância
do aparecimento da teia metabólica que suporta ojogar(segundo a minha ideia de jogo,
Qyadro comparativo entre a potência, capacidade e fator limitativo das diferentes vias energéticas. Fica fácil visualizar que a
via dos fosfagênios (anaeróbia alática) é a mais potente, mas também a que se esgota mais rapidamente, daí a necessidade de
incidir nesta via, de modo a otimizá-la, para que o jogador seja capaz de utilizá-la mais eficazmente e de maneira continuada,
promovendo a sua auto conversão permanente, sem perda de desempenho e esgotamento rápido das suas reservas. Ainda,
com a contemplação e correta manipulação do binómio-dilema desempenho/recuperação durante os treinos, propiciaremos
uma melhora no V02 máximo, um indicador que contribui decisivamente para o desempenho otimizado do jogador, dada
a sua implicação direta ou mais indireta, mas determinante nos diferentes sistemas metabólicos.
Entretanto tal como o professor ressalta (2013a), não basta ter um carro de fórmula 1 com o depósito de
combustível cheio da melhor gasolina, "afinado" e preparado para qualquer tipo de circuito, se não houver
um piloto que saiba conduzi-lo. Se assim o for, o carro fica na garagem, não tem utilidade. Portanto, há que
se contemplar nos treinos a imperativa necessidade do propósito a ser levado a efeito (macro princípios,
meso princípios e micro princípios de jogo), que também é da esfera do muscular, com participação bem
presente do cérebro.
162 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Para que isso seja possível é fundamental que exista recuperação completa (entre
treinos, exercícios, durante o mesmo exercício), para poder reiniciar a "exercitação" com
as condições ideais, isto é, muito próximas das iniciais.
O repouso, a recuperação, o intervalo é uma condição sine qua non, porque o inter-
valo fornece condições iniciais de implicação desejável de esforço (Frade, 2013b).
Para finalizar, considero importante termos em conta não somente a questão da
gestão do esforço e da recuperação entre exercícios (de modo a garantir que o aporte
de ATP esteja próximo, ou esteja dentro dos índices basais), como também um maior
aprofundamento desta gestão entre as sessões de treino que compõe o morfociclo.
promovendo assim, condições para que o Corpo possa estar em permanente evolução
e não em retrocesso, o que acontece ao promoverem-se estimulações antes do devido
tempo de recuperação.
Kesting (2003) refere que quando o treino for sistematicamente muito severo ou o
período necessário para recuperar entre sessões de treino não for respeitado e se incidir
sistematicamente nas mesmas estruturas; ao invés das mesmas evoluírem e acederem a
novos níveis de organização e funcionalidade, haverá involução, retrocesso, até mesmo
sobretreino.
Tempo
1 Capacidade
1 Reduzida
1
o 1
~ .
i•
::>
Ao encontro desta lógica, Gomes (2013) refere que para que sua equipa jogue
bem, é preciso "gerir e digerir" o que treinam durante a semana, isto é, não se pode fazer
sempre o mesmo.
Ela afirma que se quisesse submeter os jogadores a realizarem desempenhos seme-
lhantes nos vários dias que compõe a semana, os jogadores iriam realizá-los, entretanto
a qualidade com que o fariam não poderia ser a melhor. Normalmente os jogadores
acabam por se lesionar porque o organismo ultrapassa limites ou então, cria mecanis-
mos de defesa para evidenciar a necessidade de descansar.
Sabemos que o organismo é sensível mesmo que o seja de forma inconscien-
te, impõe limites que obriga os jogadores a descansar. E isso não se refere apenas a
164 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
descansar e esforçar logo após o jogo, mas também durante a semana. Gomes ressalta
que muitos treinadores promovem situações muito semelhantes na quinta-feira e na
sexta-feira (quando o jogo é no domingo) e os efeitos disso notam-se na competição.
O ciclo de auto renovação da matéria viva, também refere que se faltar continui-
dade durante os treinos, isto é, dar-se muito tempo de intervalo entre uma sessão de
treino e outra, as adaptações promovidas anteriormente tendem a desaparecer.
J
PERlODIZAÇÃO TÁTICA < 165
Tempo
Duraçao do
Esforço/Desempenho
55 É importante esclarecer que morte e/ou destruição de funções celulares poderá ocorrer em diferentes
níveis de estimulação e não necessariamente significa sempre algo negativo. Por exemplo, todos os dias,
bilhões de células em nosso corpo desgastam-se e precisam de ser substituídas. Algumas vezes a morte
de algumas células implica em regeneração e superação do organismo no sentido de estar preparado para
responder de maneira otimizada a novas estimulações (como vimos, se trata de um dos grandes objetivos
do treino). O que Langlade &Langlade (1977) querem dizer é que com estimulações extremas as funções
celulares têm os seus níveis de funcionalidade completamente comprometidos num sentido negativo, afas-
tando do organismo a possibilidade de regeneração e superação num curto prazo.
nas suas diferentes escalas (frações do jogar), sendo este jogar suportado pelas diferentes
vias bioenergéticas em interação.
Ressalto a importância que o metabolismo anaeróbio alático tem nas ações decisi-
vas do jogo, mas de forma alguma podemos reduzir a análise do morfociclo àquilo que
é a dominância do sistema bioenergético, porque isso pode induzir a uma interpretação
completamente diferente daquela que a Periodização Tática possui.
Gomes ainda agrega que não podemos cair no erro da categorização abstrata de
nos vários dias abordarmos somente os mecanismos (bioenergéticos) que concretizam
aquilo que intencionamos. Devemos ter sempre em vista o jogar, na fração que preten- •
demos desenvolvê-lo, claro está, suportado por uma matriz bioenergética Especifica,
que inclusivamente poderá variar de processo para processo (afinal se algum treinador
quiser desenvolver um jogar com "outra gasolina" é opção de cada um).
L,
1íl
!I
! i
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 169
Morfodclo Padrão
(Jogo Domingo a Domingo)
Operacionalização Aquisitiva Recuperação
JOGO Folga Recuperação r-- da Organização de Jogo --i Direcionada JOGO
1:
i'
D=D+O+
Morfociclo padrão
Preparação semanal do jogar. A hierarquização dos objetivos semanais deverá levar em conta
os aspetos referidos, conforme ilustra a imagem.
O professor Vítor Frade (2003 citado por. Gomes, 2008) entende que a compe-
tição é também uma parte do treino, porque é um momento muito importante para
criar o jogar que se pretende, sendo o que sustenta o que é desenvolvido pelo processo
de treino. Em virtude disso, o treino jamais se dissocia da competição uma vez que "tão
relevante quanto a dinâmica do treinar, é a própria dinâmica do competir'.
É no domingo que a equipa tentará resolver e superar os constrangimentos que o
jogo lhe irá impor, em todas as suas dimensões. Isso inclui tudo o que lhe está inerente,
como o adversário (e todos os condicionalismos e adversidades que ele impõe), terreno
de jogo, adeptos, competição disputada (e a posição na tabela classificativa), desgaste
por viagens e estágios, pressão por resultados.
A competição geralmente é o evento semanal de máxima exigência a todos os
níveis do desempenho, pois assim como reforça Marisa Gomes (2008), é necessá-
rio abordar com cuidado os conceitos de máxima exigência e grande exigência, isto
porque se uma equipa habituada a jogar de uma determinada maneira, fazendo-o
regularmente com eficácia, face a um adversário inferior não terá (teoricamente) os
mesmos constrangimentos ao nível de Desgaste do que quando enfrentar um adver-
sário mais qualificado e/ou do seu nível, que lhe impõe maiores dificuldades pelo seu
modo de jogar.
Desta maneira o Desgaste que a equipa encontrará nestas partidas será tenden-
cialmente maior do que em outros casos, podendo ser classificado como máximo. Por
,J
l
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 171
exemplo, jogar uma partida contra o líder do campeonato, fora de casa, tendencialmen-
te não tem nada a ver do que jogar contra uma equipa que está abaixo na tabela classifi-
cativa onde se derrota este adversário por uma grande margem de golos, marcando 2 ou
3 golos ainda na primeira parte e ainda por cima com capacidade para manifestar sem
grandes restrições a sua forma habitual de jogar.
Portanto há que se ter em conta que nem todos os jogos são iguais e que em
alguns deles conseguiremos manifestar claramente o nosso jogar e em outros nem
tanto. O facto é que na grandíssima maioria das vezes a competição é o evento de
máxima exigência semanal.
Na competição, trabalha-se ao nível do coletivo, do entrosamento de toda a equipa
com grande complexidade relacional, num grande espaço e com forte oposição adver-
sária, o que gera um Desgaste pronunciado nos jogadores.
Competição: evento semanal de maior exigência a todos os níveis. Fotografia cedida por
Luiz Felipe Varella
Desgaste gerado pela competição anterior e o facto de se procurar estar nas máximas
condições possíveis para a próxima competição.
Periodização Tática
Morfociclos Padrão,
o entrelaçamento na prática
tem um padrão de conexão.
A simbologia das cores
signiffra analogicamente,
o entrelaçamento dos amores
no corpo e na mente
continuadamente presente
na cod!ficação da temporalidade,
e nunca daí ausente...
p 'ra não perda de especificidade,
e eficacidade...
Frade (2016, p. 880)
Vítor Frade (2013a) explica que o Desgaste promovido pela competição é tão
grande que após um jogo de máxima exigência, para que a equipa, como um todo,
consiga realizar um outro desempenho de máxima exigência, na sua máxima disponibi-
lidade a todos os níveis, só o consegue fazer apenas quatro dias depois.
com o "azul" (terceiro dia após a competição), com o verde mais escuro (quarto dia após a competição),
com o "amarelo" (dois dias antes da próxima competição), com o amarelo-claro (um dia antes da próxi-
ma competição). Assim, fraciona-se o jogar (todo=verde) em níveis de organização que se constituem nas
partes representadas por: branco + verde-claro + "azul"+ verde-escuro + "amarelo"+ amarelo-claro = verde.
A figura abaixo demonstra esta "equação".
D=LJ+ [] +
Fracionamento do jogar (sem empobrecimento e perda de articulação) em diferentes níveis de organi-
zação, durante o Morfociclo Padrão, de modo a salvaguardar a qualidade evolutiva do processo
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 173
Portanto por mais que alguns jogadores possam estar totalmente recuperados já
no terceiro dia após a competição anterior, é a garantia da totalidade que leva ao enqua-
dramento, porque sendo o futebol um desporto coletivo com uma grande complexi-
dade relacional, a contemplação do todo deverá ser constante, onde importa respeitar a
regra dos quatro dias.
Tendo em conta que a equipa como um todo é capaz de realizar desempenhos
semelhantes às da competição anterior somente quatro dias depois, só há a possibili-
dade de realização de apenas um treino com características e esforços semelhantes aos •
do jogo.
Este treino é - e só será - realizado precisamente quatro dias após a competição
e distante três dias da próxima competição (uma vez que necessitamos salvaguardar a
recuperação plena da equipa para o próximo jogo), portanto na quinta-feira.
Poderá parecer uma incoerência realizar um treino com esforços semelhantes aos
do jogo, se a próxima competição dista três dias deste treino. Entretanto, isto acontece
porque um treino de máxima exigência não tem o mesmo desgaste como tem o jogo,
onde inclusivamente nós podemos "controlá-lo".
Embora esta constatação empírica seja uma realidade, nos dias que antecedem
este treino de máxima exigência, e nos que o sucedem, as equipas não poderiam treinar?
Deveriam apenas fazer recuperação? Dentro da lógica da Periodização Tática, podem
e devem treinar, mas com muito cuidado, sabendo o que se faz e as implicações do que
se faz. Devem fazê-lo de modo a que a equipa possa adquirir as dimensões mais mesa
e micro do jogar, sem que isso hipoteque e atrapalhe a recuperação e a disponibilidade
da equipa e de cada um dos jogadores para a próxima competição.
174 >JULIAN BERTAZZOTOBAR
--
~
2!FE1RA
li ........
__...
1
61 FEIRA
•-çlo/
SÁBADO
-
-=-1a
Recupe111çlo
1
Aqulsiçlo
lndtvkluel 1 Dlrecionad.
-=
1
"JOGO"
- =j"JOGO" M~-1
de Contnçlo
lndMduallzante Fundamental :
~ ·=::!°~-
FOLGA
- 1
8
- : MáxlrM Vltloddad•
"JOGO" de Contnçlo
1
[~Jl-..- IB6:J-~·
e 8 e
Morfociclo Padrão e sua operacionalização, tendo em conta a "regra dos 4 dias".
Tentaremos entender de que forma isso se concretiza, bem como de que maneira
se operacionaliza o jogar durante os dias que compõe o morfociclo padrão.
Eu não me vtjo bem para treinar no dia seguinte, não me vtjo podendo
ir ao treino e ter 100% de concentração, porque me desgasto muito nos
jogos, e acredito que minhas jogadoras também se desgastam muito nos
jogos. Num processo em que estamos a exigir concentração devemos ter
isso muito em conta.
(Tamarit, 2013a, p. 383)
Mourinho coloca que quando a semana só tem uma partida ele costuma dar folga
no dia a seguir ao jogo. Para ele, trata-se de uma escolha acertada principalmente sob o
ponto de vista mental:
58 Folga no 1° dia após competição: Importa aqui referir que na Periodização Tática não há receitas, há
sim um guia, um padrão e a sensibilidade do treinador perante as diferentes circunstâncias que vão emer-
gindo durante o processo. Na grande maioria das vezes, o primeiro dia após a competição é destinado à
folga total dos jogadores, no Morfociclo Padrão.
176 >JULIAN BERTAZZOTOBAR
Marisa Gomes compartilha desta ideia e refere que atrelado ao facto de a recupe-
ração ainda não ter ocorrido, o processo de somatização do que se vivenciou na compe-
tição está em plena ebulição.
j
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 177
daqui... vamos dizer que nós jogamos de noite, como sempre joga-
mos pela Copa Europa... vou dormir uma ou duas horas da manhã,
acordo às nove e vou lá para correr seis minutos? Qye que é isso!?
Isso aí não ajuda em nada!
Romário fala o que pensa, sem meias palavras, e é apenas um exemplo, mas pode-
ríamos aqui dar outros muitos de jogadores que referem odiar treinar no dia seguinte
ao jogo.
São vários os que não se sentem bem, sobretudo porque, segundo os mesmos,
na noite do jogo mal conseguiam dormir, ficavam praticamente a noite toda acorda-
dos pensando em lances da partida, no que haviam feito de bom, no que poderiam
melhorar.
Para a maioria dos jogadores, treinar no dia seguinte é algo stressante, porque
querem estar envolvidos noutras atividades para relaxarem, querem treinar de "cabeça
fresca" e não fadigados e stressados. Para muitos, mais vale estar cansado ":fisicamente"
e de "alto astral" do que o contrário.
Como podemos ver, temos de contemplar o jogador como um ser humano e não
somente do ponto de vista fisiológico (ainda que, face ao exposto, sequer parece haver
coerência, mesmo do ponto de vistafisiológico, em treinar no dia a seguir ao jogo).
A respeito desta temática, Bompa (2002 citado por. Esteves, 2010) cita que a
recuperação fisiológica/muscular normalmente se concretiza de um a três dias, enquan-
to que a recuperação mental/emocional se produz de três a sete dias após eventos de
máxima exigência, ou seja, as manifestações de carga mental são as últimas a recuperar, se as
exigências do jogo forem grandes (Platonov, 1998 citado por. Ribeiro, 2005).
O sistema nervoso periférico (vulgo sistema muscular) atinge muitas vezes o limite
durante ojogo, enquanto que o sistema nervoso central começa a "trabalhar" muito antes destes
jogos, atinge o limite durante o mesmo e ainda "trabalha" depois (Carvalhal, 2014, p. 66).
Assim, a competição gera um desgaste significativo nos jogadores, especialmen-
te a nível mental-emocional. No futebol de competição, começa-se a "jogar" antes do
próprio jogo. Ainda, joga-se o jogo e continua-se a "jogá-lo" passado uns dias.
Talvez seja por isso que Iker Casillas, ex guarda redes do Real Madrid, referiu em
entrevista (2012), que "o desgaste de jogar na elite é muito mais mental'.
Portanto, parece estar claro que na segunda-feira, na grande maioria das vezes,
deverá ser concedida folga a toda gente envolvida no processo. Contudo, alguns profis-
sionais acreditam que treinar apenas à tarde, dando folga no turno da manhã já é o
suficiente para amenizar esta problemática. A este respeito, Gomes (2013, p. 332-333)
lança um alerta:
Os jogadores têm o seu lado social, o lado familiar e, portanto isso deve ser
contemplado. Mesmo tendo em conta que em termos fisiológicos se contraria o
"consenso geral", do ponto de vista mental é mais fácil afastar os jogadores do proces-
so do que "levá-los" para treinar logo no dia seguinte após a competição. Isso acelera
a recuperação.
Depois existem outras coisas que também devemos levar em conta, não?
Por exemplo: Se nós jogamos em Bilbao domingo à noite. Uma equipa
de primeira divisão que joga às oito da noite, com o jogo terminando
às dez ... enquanto tomam banho, talvez jantam, vão ao aeroporto e
tudo isso, chegam em casa pelas duas ou três da manhã, e me parece uma
barbaridade colocar um treino para o dia seguinte, pela manhã. Penso
que o que os jogadores devem fazer é chegar, descansar, disfrutar suas
famílias, esquecer um pouco o que é ofutebol e no dia seguinte (dois dias
a seguir à competição) começar outra vez.
(Tamarit, 2013a, p. 383) ~
Neste dia, para quem jogou, deve existir recuperação a todos os níveis, onde a ideia
de jogo apareça de maneira implícita e sem nenhuma pretensão aquisitiva de forma
deliberada.
Esta unidade de treino faz-se fundamental porque para além da necessidade de se
ter de recuperar de um evento de exigência máxima (o jogo anterior), possibilita que os
jogadores adquiram determinados macro, meso e micro princípios relevantes ao jogar
ao longo da semana de treinos do morfociclo padrão.
Além disso, o respeito e a correta operacionalização desta unidade de treino -e das
outras- é o que garantirá que a equipa chegue ao próximo jogo com a possibilidade de
competir nas suas máximas condições.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 181
Por isso, parece ser evidente que é atuando sob a mesma matriz de esforço regis-
tada em competição que a recuperação se faz de maneira mais eficaz e melhor respei-
182 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
! "Então é uma espécie de fustigação do metabolismo: ele vem, mas parou! Ora, isto
constitui uma benesse, não o deixa adormecer e apressa sua recuperação. Portanto, aquilo
:'1·
1,1
líi
!
jl 59 Densidade: Tal como sugere Maciel (201 lc) utilizarei o termo densidade para referir a relação propor-
cional entre o tempo de "exercitação" e o respectivo repouso, tendo em vista o tempo de intervenção do
,',,'I jogador no exercício (e não os tempos absolutos).
'I
'I
J
IJ
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 183
que está cansado é também através dele que se recupera. Esta é a minha lógica na Perio-
dização Tática" (Frade, 2013a, p. 426).
De tal forma esta metodologia de treino é coerente com a essência biológica
do ser que joga, que o professor Frade sugere com o uma espécie de "imunoterapia",
possibilitando sempre que possível que seja o organismo por via do sistema imuno-
lógico a reestruturar-se, regenerar-se e recuperar-se, sem o auxílio de "muletas" como
a prescrição e ingestão de medicamentos, anti-inflamatórios, banhos de imersão no
gelo, em suma, trata-se de uma adaptabilidade especifica individual.
DIA DE RECUPERAÇÃO
211 Dla
pós-competição
o
Recuperadores dos Fundamentais/Complementar B:
"Porcas e Parafusos• Velocidade +
E então como eu quero que todos recuperem, eu tenho que ser muito
cuidadoso em relação à situação jogada. A situação tem que ser jogada,
mas ela tem que ser uma redução sem empobrecimento e naquilo em que
o não empobrecimento é o contemplar a totalidade dos indivíduos que
estão implicados e, portanto, a situação guarda redes + 3x3 + guarda
redes é a melhor! Muito curto o tempo, todos eles têm a possibilidade de
travar, cair, rematar e o caraças! Porque são três, se são quatro já uns
vão intervir mais do que outros e com três se calhar não! E o G + 3x3
184 > ]ULlAN BERTAZZO TO BAR
+ G é um padrão universal do jogar, qualquer que ele seja. Vtí ler sobre
"O Problema dos Três Corpos60 " do Poincaré.
(Frade,2013a,p.425)
60 Problema dos Três Corpos: Malone & Tanner (2008) referem que através da matemática newtoniana
acreditava-se ser possível determinar a posição de qualquer corpo. Nesta conceção o comportamento de
dois corpos era possível ser previsto através de equações matemáticas com grande precisão. Demonstrou-se
matematicamente que quando dois objetos começavam a movimentar-se com órbitas quase idênticas, a
diferença entre elas nunca mudaria, então era possível determinar a órbita de um corpo, sabendo a órbita
do outro. Malone & Tanner (2008) contam que, em 1889, o matemático francês, Henri Poincaré, desco-
briu que ao se adicionar um terceiro corpo à relação, (naquela época) não havia como prever órbitas, pois
o conjunto de ligações ou de articulações promovido pelo terceiro corpo tenderia para o infindável, sendo
impossível de determinar o seu comportamento através da matemática (naquela época). "Em alguns casos,
não importa o quanto os caminhos sqam similares no início, se houver qualquer diferença, um deles pode seguir um
caminho diferente e totalmente inesperado e imprevisível Poincaré lamentou que a previsão se tomara imprevisí-
vel Ele viu algo a comportar-se de uma maneira que ele não esperava, epercebeu que tinha a ver com as condições
iniciais e com o que hoje chamamos de suscetibilidade às condições iniciais e é isso que é inesperado, se houver uma
modificação, por mais ínfima que sqa, poderá ter uma enorme diferença no resultado final' (Malone & Tanner,
2008).
Capra (2006, citado por. Maciel, 2011a) ao referir-se sobre Poincaré afirma que este, com o intuito de
analisar as características qualitativas dos complexos problemas dinâmicos, socorreu-se dos fundamentos
da matemática da complexidade. ''Aplicando o seu método topológico a um problema dos três corpos ligeiramente
simplificado, Poincaréfoi capaz de determinar aforma geral das suas trajetórias e verificou que era de uma comple-
xidade assustadora" (Capra, 1996, p. 110, citado por. Maciel, 2011a, p. 221-222).
Nas palavras do próprio Poincaré: "Tendo concluído, que quando se procura ''representar a figura formada por
essas duas curvas e a sua irifinidade de intercepções, essas interaçõesformam uma espécie de rede, de teia ou de malha
infinitamente apertada; nenhuma das suas curvas pode jamais cruzar consigo mesma, mas deve dobrar de volta
sobre si mesma de uma maneira bastante complexa afim de cruzar infinitas vezes os elos da teia. Fica-se perplexo
diante da complexidade dessa figura, que nem mesmo eu tento desenhar'.
"Sempre que há mais do que três variáveis a capacidade que elas têm de se implicar e condicionar a evolução das
outras é muito grande. Quando aparece o terceiro elemento, esse terceiro introduz o caos no sistema" (Cunha e Silva,
citado por. Maciel, 2011a, p. 222).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 185
Frade (2013a) refere que nos contextos de propensão de guarda redes + 3x3 +
guarda redes (importante salientar que estes jogos podem e devem ter diferentes condi-
cionalismos e configurações, não são jogos feitos de qualquer maneira, simplesmente
"por fazer") os jogadores jogam por um minuto, um minuto e meio e descansam; saem
da situação e voltam a jogar após aproximadamente cinco tempos. Enquanto estão
fora do exercício, nos intervalos entre as repetições, os jogadores alongam, fazem abdo-
minais, etc., isto é, a natureza do jogar é a mesma (ainda que em escala micro), mas a t
J
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 187
perda de agilização, uma vez que toda a "especialização" acaba por fechar, travar. Os
graus de liberdade, de manifestação do corpo, por força da circulação da bola pelo
chão estão diminuídos em relação a máxima possibilidade do indivíduo. Portanto nas
trajetórias diferentes atenuaria a perda de agilidade.
Durante os períodos que intermeiam os tempos de "exercitação", no que diz
respeito ao cumprimento dos objetivos fundamentais -situações ditas "jogadas" (suges-
tão do 3x3) e dos exercícios complementares A-, podemos aproveitar para realizar o
que ao longo da semana será frequente, que é a afinação do organismo através de alon-
gamentos, alguns tipos específicos e apropriados de abdominais61 , dorso-lombares, que
o professor Frade chama de "afinar porcas e parafusos", os chamados exercícios comple-
mentares B.
Naturalmente que o treino nas condições que apresentei aqui se enquadra para
jogadores que jogaram 45 minutos, ou mais, do jogo (ou menos, depende do contexto e
das circunstâncias). Os jogadores que não jogaram, ou que jogaram pouco obviamente
que necessitam de outro tipo de treino e solicitações.
Para os jogadores que não jogaram, ou que participaram pouco do jogo, devem-
-se criar contextos que solicitem esforços muito similares aos da competição, ainda
que saibamos que não serão iguais (não só a nível emocional e de tudo o que envolve
uma partida oficial), mas sempre tentando aproximar o máximo possível - a todos
os níveis: concentração, desempenhos, complexidade, recuperação, espaço de jogo,
número de jogadores, etc., onde a dimensão aquisitiva seja dominante.
A operacionalização do treino para este grupo de jogadores deverá ser feita com
sensibilidade, afinal uma sessão nestes moldes promove um desgaste significativo, pelo
que devemos geri-la com cuidado, afinal este grupo irá treinar juntamente com o grupo
dos que jogaram o jogo anterior (e que neste dia recuperou) durante todas as unidades
de treino que se avizinham (caso esta seja uma "semana cheia").
Sinto a necessidade de referir, que os contextos de propensão que apresentei nesta
seção serviram apenas para dar sustentação às ideias apresentadas. São contextos que
surgem a partir de n~cessidades, que cada processo e cada semana exige.
Na Periodização Tática, não existem "receitas prontas" no que diz respeito à confi-
guração dos exercícios, mas existem pilares que direcionam o processo e sua morfodi-
nâmica semanal. Como refere o professor Vítor Frade, só se "controla" o processo se não
o deixarmos descontrolar.
Portanto, o treinador deverá ter em conta tudo isso, e criar exercícios que atendam
às suas necessidades. Por isso a Periodização Tática é uma metodologia e um fato feito
à medida, embora algumas pessoas continuem a querer comprar camisas tamanho "M"
quando o corpo pede tamanho "S", ou até, em alguns casos, a roupa serve, mas a gola
fica apertada, e, portanto, desajustada.
Se eu acho que a equipa que vou defrontar tem um ponto fraco que eu
quero também explorar, se calhar, e tendo em conta o modo como eu
entendo o morfociclo, a partir de terça-feira, que é o primeiro dia de
treino - mas de recuperação-, mesmo aí, eu posso já estar a acentuar,
nem que seja a alertar: "olha, eles jogam assim, a gente, provavelmente
não deve descurar esse aspeto" ou ''eles costumam sair de trás, mas saem
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 189
62 Estamos a falar de um aquisitivo com "à' minúsculo, uma vez que nos referimos a um aquisitivo indi-
vidualizante.
63 Dita aquisição será centrada essencialmente no indivíduo, através de estímulos e contextos que promo-
vam o efeito retardado tensional do desempenho individualizante.
190 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
"Morfociclo"
Sexta Sábado
3/4 + 1/4
(R) + (Aq .)
1 UI 1 .
Biofísica? Exemplos:
Bioeléctrica~ O que é a fenda. sináptica?
Biomecânica? Ecc,etc.etc ... O que é a "fenda'" na passagem das "imagens" neuronais às imagens menc:aisr
Na quarta-feira a parabiose do desempenho coletivo está quase no seu final. Por isso, neste
treino, na parte "fundamental" (1/4) da sessão, a aquisição deverá centrar-se em aspetos
micro, dominantemente sobre o indivíduo, promovendo uma parabiose a nível individual ao
nível do grau de tensão da contração muscular. (Frade, 2015).
Importa ter em consideração que apesar de mais recuperados (no que se refere ao
desempenho coletivo implicado na competição), comparativamente com o dia anterior,
a verdade é que a equipa, como equipa, ainda não se encontra nas condições ideais.
Nesse sentido, e tendo como parâmetro a realidade competitiva a top, Bangsbo
(2002) explica que as reservas de glicogênio muscular -substrato energético funda-
mental para jogar em "intensidades elevadas" - , deplecionadas durante a competi-
ção, no terceiro dia pós-competição ainda não estão totalmente reestabelecidas. Será
apenas no quarto dia após o último jogo que a recuperação completa se verificará.
Contudo, embora na quarta-feira a equipa como um todo ainda não esteja em
condições de realizar um esforço semelhante ao da competição, durante um quarto
desta sessão de treino, já poderá treinar e "adquirir" aspetos relevantes ao jogar (em
menor escala de complexidade), promovendo uma parabiose a nível individual no que
se refere ao grau de tensão da contração muscular, levando à extensibilidade dinâmica
máxima individualizante.
Esta unidade de treino será feita de modo a que não atrapalhem a recuperação do
jogo anterior -não hipotecando a parabiose coletiva- e que, por sua vez, possibilitem
adquirir conteúdos mais complexos no dia seguinte.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 191
necessidade de articulação entre eles, mais espaço e, portanto, aproximam-se muito das
exigências do jogo.
Desta forma, se neste dia o treinador incidir nos macro princípios do jogar, acaba-
rá por impedir a recuperação completa dos jogadores, algo decisivo para o rendimento
do jogador e da equipa. Em consequência, os jogadores ficam mais cansados para o
treino do dia seguinte e impossibilita a aquisição desejada tanto para quinta-feira como
para este dia.
Em suma, a equipa e os jogadores não teriam condições de treinar com a intensi-
dade máxima relativa preconizada para cada sessão, dificultando e/ou impedindo que a
lt
aquisição pretendida ocorresse. Ainda, não permitiria que a devida recuperação relativa
ao desempenho coletivo (parabiose coletiva) se verificasse, além de impedir a maximi-
zação da tensão da contração muscular individualizante (parabiose individual), algo
fundamental nesta sessão.
De modo a que isso não aconteça, fraciona-se o jogar numa dimensão mais redu-
zida, e a "aquisição" (individualizante) será objeto de preocupação durante um quarto
da sessão, sendo os outros três quartos preenchidos com exercícios complementares
"recuperativos".
Conforme salienta Reis (2016), como a equipa não solicita durante os jogos, todos
os jogadores da mesma maneira (uns desgastam-se mais, outros menos, outros nem
sequer entram em campo), dentre as preocupações semanais da Periodização Tática não
está somente a recuperação relativa ao jogo anterior, mas igualmente a necessidade de
potencializar o plano individual de forma ajustada, sobre a parte final da recuperação
da parabiose coletiva do último jogo. Dito por outras palavras, nesta metodologia de
treino existe a necessidade de recuperar da fadiga relativa aos desempenhos, para voltar
192 > JULlAN BERTAZZO TO BAR
64 Exercícios não jogados: Por situações "não jogadas" queremos dizer os contextos em que a competição
existe, mas não como em jogo, aproximando-se mais de algo "analítico", "fechado". Situações de confron-
to direto (ou não) e sem necessariamente estarem presentes os diferentes momentos do jogo de maneira
contínua.
65 Ciclo Alongamento-Encurtamento (CAE): O CAE pode ser definido como a acumulação de energia
potencial elástica durante as ações musculares excêntricas, a qual é libertada na fase concêntrica subse-
quente na forma de energia cinética (Farley, 1997). Trata-se de um mecanismo fisiológico cuja função é
aumentar a eficiência mecânica e, em consequência, o desempenho motor de um gesto atlético. O CAE
ocorre quando as ações musculares excêntricas são seguidas imediatamente por uma explosiva ação anta-
gónica. Há um rápido alongamento da musculatura seguido de uma rápida ação concêntrica. Um exemplo
1
de manifestação do CAE é uma aceleração, seguida de uma travagem e uma mudança de direção imediata.
1
'1 De acordo com Pinto (2011), o CAE tem três fases: (1) excêntrica: há uma pré-ativação dos músculos
agonistas do movimento. (2) amortecimento: fase de transição entre as fases excêntrica e concêntrica, em
que os fusos musculares e todas as células são vigorosamente alongados. (3) concêntrica: há um incremento
significativo no fluxo neural decorrente do CAE, com maior produção de força.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 193
Este padrão de stress mecamco deve estar presente nos exercícios fondamen-
tais, levando o músculo ao "limite". O modo como esta lógica será operacionalizada
dependerá da criatividade de cada treinador (podendo utilizar elementos como salto,
agachamento, aceleração/sprint, dividida, travagem, queda, remate, mudança de dire-
ção), porém a forma como o músculo age e interatua deve assegurar o respeito por
esse padrão de maximização da tensão muscular, para que posteriormente toda a rees-
truturação dos tecidos e espaços intercelulares e intracelulares se faça contemplando a
maximização do grau de tensão muscular.
A realização dos exercícios fondamentais deve ser em espaço reduzido, com um
número de jogadores e com tempos de "exercitação" igualmente reduzidos, possibili-
tando a operacionalização desta lógica. Isto, nesta sessão, é o fundamental, e chamare-
mos este tipo1 de exercícios de "exercícios aquisitivos individualizantes" ou "exercícios
fundamentais".
Esta aquisição individualizante produzir-se-á através de algumas (não muitas)
repetições que levem a uma manifestação de extensibilidade dinâmica máxima. Por
isso, mais do que "simplesmente" gerar aumento da tensão muscular, durante algumas
vezes, o fundamental é assegurar que, o que se faz e quando se faz, leve verdadeiramente
ao máximo.
66 Proteínas YAP!fAZ: Para maior entendimento da atuação e da funcionalidade destas proteínas nas
células, recomenda-se a leitura dos estudos de Piccolo (2014) e (2015).
67 Mecanobiologia: Mecano (deriva de mecânica) bios (significa vida) elogia (significa estudo).A mecano-
biologia é uma ciência multidisciplinar que estuda a maneira que as células interpretam e reagem perante
às forças mecânicas (Piccolo, 2014).
194 >JULIAN BERTAZZOTOBAR
Mas é por isso que eu me revolto quando dizem o treino de tensão, não é
nada disso. Não é nada o dia da tensão, ele não é o dia da tensão! Porque
isso leva as pessoas a estarem preocupadas com a tensão, e então fazem
uma merda qualquer com tensão ejá está. Não! É o dia dos detalhes, dos
<pequenos» princípios, das coisas pequenas, dos planos mais micro. Sendo
do ataque ou sendo da defesa, mas com a garantia que há uma densidade
significativa de contrações excêntricas, portanto, há um aumento
da tensão, mas em pormenores, pormaiores do jogar! Tenho que estar
preocupado, para dar variabilidade ao treino em inventar e discorrer
essas situações de jogo, que são para o jogar que me interessa. Portanto
tenho duas coisas, tenho que inventar isso e tenho que saber que a tensão
está acrescida. Não é o dia da tensão, senão punha uma merda qualquer
ou faço uns skippings, não é nada disso, é precisamente o contrário!
(Frade,2013b,p.90)
3tDfa
pós-competição
90mlnutol
Recuperativo/Complementar B:
"Porcas e Parafusos• Q Velocidade + +
Como Marisa Gomes referiu, os exercícios fundamentais deste dia são exercí-
cios com muita intermitência, muitos intervalos, fazendo com que a recuperação seja
absoluta.
Assim, pretende-se que quando os jogadores voltarem a realizar o exercício estejam
o mais recuperados possível, para que o mecanismo metabólico implicado, bem como
o tipo de fibras implicadas voltem a manifestar-se com a disponibilidade e da mesma
forma que estavam inicialmente. Ainda, importa garantir que o nível de concentração
permaneça elevado durante as repetições.
Conforme esclarece Jorge Maciel, este deverá ser o mais fracionado de todos
os treinos que compõem o morfociclo. Maciel expõe que de maneira a assegurar a
concretização de um jogar de qualidade, devemos reconhecer que uma das escalas que
o sustenta é o algoritmo bioenergética, conforme coloca o professor Vítor Frade -algo
que lhe dá o ritmo- e que este depende também do devido fracionar da sessão.
Em virtude da configuração que esta unidade de treino pressupõe, a densidade
é baixa para média, com o tempo da sessão girando em torno de 90 minutos. No
fundo, tratamos de assegurar que o exercício seja desenvolvido em intensidade máxi-
ma relativa.
Maciel (2011c) reforça este pensamento e coloca que -se quisermos adquirir e
evidenciar um jogar de qualidade- os estímulos devem ser curtos, solicitando predo-
minantemente o metabolismo anaeróbio alático, podendo entrar, pela duração dos
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 197
estímulos, nas franjas abrangidas pelo metabolismo anaeróbio lático, mas sem que
haja prolongamento dos desempenhos à custa desta via metabólica. Importa que a
acidose metabólica não se instale, trata-se, portanto de uma estimulação que pddendo
socorrer-se do metabolismo lático, não deixa de ser um lático residual.
Tal como coloca Reis (2016), se para haver aquisição é necessário que o indivíduo
se canse, importa que entre este tipo de repetições individualizantes, feitas durante a
parte fundamental, o jogador recupere. Uma recuperação levada a efeito não só pelas
pausas, mas também pela estimulação dessa escala do "novelo bioenergético", caracte-
rística deste dia, de maneira jogada.
Por isso, os outros três quartos da sessão de treino, serão preenchidos com exer-
cícios que visem a recuperação do desempenho coletivo (fadigado em virtude do jogo
anterior) e das estimulações tensionais máximas promovidas durante o um quarto aqui-
sitivo, os chamados complementares A e B.
Por estarmos a contemplar e atuar dentro de uma esfera dominantemente recupe-
rativa, esta parte da unidade de treino assume a cor verde-claro 68 •
Efeitos retardados
p'lafadiga atravessados,
a ideia de jogo no parto
p'ra garantir bons resultados,
e do que é inteiro
nunca mefarto ~
ao ter na recuperação,
o melhor parceiro
no transcender da interação.
(Vítor Frade)
Efeitos retardados
temporalizadamente manifestos,
p'la recuperação salvaguardados
nos morfociclos sem protestos
e aí, a morfogénese duma ideia
é a ''marcação somática"
da coisa nossa e não da alheia
do modelado na prática.
Efeitos retardados
dos desempenhos
à recuperação associados
independentemente,
sempre...
do tamanho dos desenhos,
como espécie de assinatura
que neurobiologicamente
perdura,
e umbilicalmente...
marcando o corpo e a mente.
i
(Vítor Frade)
1
jll
'1
69 Aquisitivo em "interação assistida'': Trata-se da consolidação dos processos aquisitivos do jogar por via
da atuação (interdependente e assistida) dos exercícios complementares (recuperadores).
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 199
Importa também que os exercícios não sejam muito alargados em tempo e espaço,
uma vez que o grande propósito passa por recuperar ao que é fundamental.
200 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Na quinta-feira, por já haver passado quatro dias do jogo anterior e por haver-
mos treinado respeitando a lógica operacional e conceptual nos treinos anteriores no
morfociclo padrão, a equipa, como um todo, está completamente recuperada e em
condições de realizar um esforço semelhante ao da competição.
Temporalmente este treino ocorre no dia que se encontra mais afastado da
competição anterior e da que se aproxima. Por estes motivos é o treino que máxima
exigência pressupõe. Neste dia treinaremos sobretudo os propósitos macro e meso do
jogar, aspetos de maior complexidade, portanto uma maior dimensão aquisitiva.
Sabendo que nunca é demais reforçar, o leitor poderá estar a perguntar-se: "trei- .
no de máxima exigência70 , se faltam apenas três dias para a próxima competição? Mas
a equipa na totalidade não estará recuperada somente quatro dias depois?".
A este respeito, é importante esclarecer que um jogo de máxima exigência não
tem a mesma implicação que um treino de máxima exigência. Porque, primeira-
mente não há o mesmo envolvimento em termos psicológicos, emocionais (a todos
os níveis), que tem o jogo, como inclusivamente, o treino nós podemos "controlar"
(parar, dar instruções, gerir o que fazer, quanto fazer-fracionando-o), daí que o verde
da competição seja diferente do verde deste treino. Então o facto de serem três dias
não trará nenhum problema, desde que o treino seja bem gerido.
Por isso, na quinta-feira desenvolvemos fundamentalmente a grande fração do
jogar, as relações globais da equipa e/ou de alguns setores. Treinam-se dominante-
mente os macro princípios e também as escalas intermédias do jogar, ou seja, os meso
princípios, estes consoante a necessidade de acertos 71 • Como salienta Frade (2014b),
o treino de quinta-feira promove o ajustamento e a afinação da equipa em termos
coletivos através da promoção e monitorização dos referenciais coletivos a um nível
mais macro. É portanto um "diapasão".
70 Embora saibamos que todos os treinos aquisitivos (Aquisitivo, com A maiúsculo - "verde" e aquisitivos
com a minúsculo - "azul" e "amarelo") são feitos em intensidade máxima relativa, na quinta-feira, em virtu-
de da configuração e do padrão de incidências recair dominantemente sobre a dimensão macro do jogar,
promovendo adaptações e solicitações (tanto ao nível da aquisição como do desempenho) mais profundas
que em qualquer outro dia da semana. Este é considerado o treino de máxima, ou maior exigência em rela-
ção aos outros treinos aquisitivos do morfociclo.
71 Na quinta-feira haverá a tendência em incidirmos principalmente nos macro princípios (daí que esta
sessão possa ser subdivida em duas unidades diárias), porém se o momento exigir um refinamento e uma
incidência maior nos meso princípios (em detrimento dos macro), de modo a criar aquisição e gerar reper-
cussões mais a nível setorial e intersetorial não há problema algum.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 201
72 Já vimos o quão fundamental é primeiro termos uma identidade consolidada, para então depois inci-
dirmos em aspetos estratégicos. E sempre corno um aspeto acessório, nunca como dominante.
73 O que se entende por "duração" não é o prolongamento da contração, mas sim o aumento da densi-
dade do padrão das contrações musculares que suportam o nosso jogar, daí que Vítor Frade coloque que é
uma duração de intermitências do "desempenho regular" da equipa, isto é, a manifestação da ideia de jogo
e de tudo o que dá vida a dito jogar. Como vemos, este pensamento distancia-se completamente de uma
unidade de treino que leve a um aumento temporal da contração, da ativação dominante das fibras lentas e
da "resistência''.
202 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
~~~~~~~~--~~~~~~~~~-~~~~~~~~~~~-
' .
41 Dia
pós-competição
Recuperativo/Complementar 8:
"Porcas e Parafusos"
Velocidade +
Tendo 'em conta que a configuração atribuída a esta sessão de treino se apro:Xi.ma
muito das exigências verificadas em competição, ela provoca um desgaste substancial
nos jogadores e na equipa como um todo, e como também não sabemos o que o jogo
seguinte irá exigir não devemos transportar este regime para os dois dias que antece-
dem o próximo jogo.
O que devemos fazer é cumprir a já referida necessidade de alternância horizontal
em especificidade, começando a preparar a recuperação da equipa para que ela chegue
ao jogo nas máximas condições possíveis para competir.
74 Assim como na quarta-feira, trata-se de um aquisitivo com "à' minúsculo, uma vez que nos referimos
a um aquisitivo individualizante.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 205
Por isso, no que diz respeito ao objetivo fundamental desta sessão,' isto é, garan-
tir a aquisição pretendida no que se refere à máxima velocidade da contração muscular
individualizante, treina-se fundamentalmente sob um regime de elevada velocidade da
contração muscular, com tensão significativa no início da ação -ainda que não depois-
com pouca duraç~o. Ao nível do metabolismo, neste um quarto, o mecanismo anaeró-
bio alático será o dominante.
Desta maneira, a parte aquisitiva-individualizante do treino de sexta-feira inci-
dirá na pequena fração do joga.r, com as atenções voltaqas para o desenvolvimento de
micro princípios75 do jogar, em ações e interações dominantemente a nível individual.
Os espaços de "exercitação" devem ser adequados, ou seja, suficientemente grandes/
longos (em média 15 a 20 metros) para permitir e promover a maximização da veloci-
dade máxima da contração muscular, de deslocamento.
75 Importa reforçar que durante a parte fundamental, como na quarta-feira, treinam-se os propósitos de
menor complexidade, mas "sempre" na sua articulação com o todo, estabelecendo permanentemente uma
ponte para os macro e meso princípios do jogar, criando, potenciando e incorporando subdinâmicas no
jogar. Estes, tal como na quarta-feira serão igualmente beneficiados indiretamente pelos exercícios comple-
. mentares, que acabam por ser "aquisitivos em interação assistida''.
rr
206 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
a 20 metros- intervenha num curto espaço de tempo, sem ter a necessidade de parar,
reajustar e reaferir o movimento, "pensando" demais para somente então executar.
Em suma, durante a parte aquisitiva (individualizante) da sessão de treino, deve-
mos evitar o aparecimento de manifestações significativas do ciclo alongamento-en-
curtamento, mais especificamente situações que possam conter grande densidade de
saltos, quedas, mudanças de direção, travagens, enfim, o "estorvo" do jogar.
Retirando estas características desta parte da unidade de treino, promovem-se
condições de facilitação para o desenvolvimento da velocidade das velocidades (de deci-
são, execução, do mecanismo contrátil) no indivíduo.
Portanto na sexta-feira a incidência fundamental recai novamente sobre o indi-
víduo, devem-se criar exercícios em que fundamentalmente a nível individual se maxi-
mize a velocidade da contração muscular, preferencialmente, como já disse, através de
situações dominantemente "não jogadas'', "assegurando" que o esforço dos jogadores
será mais "linear", portanto mais "controlável" do que quando comparados às situações
"jogadas'', facilitando portanto a aquisição individual pretendida, no que diz respeito à
máxima velocidade da contração muscular individualizante.
Para além de facilitar o aparecimento constante da velocidade de decisão, execu-
ção e do mecanismo contrátil, a remoção de significativas manifestações do ciclo alon-
gamento-encurtamento, durante a parte fundamental do treino, também tem a ver com
o facto da grande solicitação de acontecimentos promovida na quarta-feira. Se estes
fossem transportados para o treino de sexta, gerariam efeitos perniciosos, pois haveria~
pouco tempo para recuperar, fazendo com que a equipa chegasse para o próximo jogo
com fadiga acumulada.
ções 76 deverá ser, nesta parte fundamental da sessão (1/4), maior do que no outros dias
que compõe o morfociclo.
Importante que não façamos confusões com a velocidade que esta unidade de
treino pressupõe com a "velocidade" entendida sob um ponto de vista convencional.
Embora algumas situações apelem a uma grande velocidade da contração muscular
e também do deslocamento, como disse, o objetivo também passa por aperfeiçoar o
tempo e qualidade das escolhas (que deverão conter pouca ambiguidade), para que o
gesto motor contextual seja ao mesmo tempo eficiente e eficaz, de acordo com os prin-
cípios de jogo da equipa.
Conforme já referi, se para haver aquisição importa que o indivíduo se canse,
importa que entre este tipo de repetições individualizantes, durante a parte funda-
mental, o jogador recupere. Uma recuperação levada a efeito não só pelas pausas, mas
também pela estimulação dessa escala do "novelo bioenergético" característica deste dia
através de forma jogada (Reis, 2016).
Por isso, os outros três quartos da sessão de treino serão preenchidos com exer-
cícios que visem a recuperação das estimulações de velocidade máximas promovidas
durante o um quarto aquisitivo e a recuperação/pré-disposição do desempenho cole-
tivo para o próximo jogo 77 • Trata-se dos exercícios complementares A, e complemen-
tares B.
Como já explicado, por estarmos a contemplar e a atuar dentro de uma esfera
dominantemente recuperativa, esta parte da unidade de treino assume a cor verde
claro. Os exercícios complementares A, serão operacionalizados através de "situações
jogadas", em contextos que impeçam a manifestação dominante do que foi estimula-
76 Lembrando que as ditas situações de finalização deverão ser precedidas de deslocamentos que capaci-
tam a maximização da velocidade da contração muscular, onde o enfoque aquisitivo é dado ao jogador sem
a bola, com significativa descontinuidade, proporcionando que os desempenhos se manifestem de forma
breve.
77 Relembrando que por estarmos a contemplar e a atuar dentro de uma esfera dominantemente recupe-
rativa, esta parte da unidade de treino, tal como na quarta feira, também assume a coloração verde claro.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 209
do na parte fundamental, não sendo muito alargados em tempo e espaço, uma vez que
o grande propósito passa por recuperar o que é fundamental. Assim, treinaremos em
configurações e com tempos de "exercitação" que acelerem a recuperação do que foi
feito anteriormente, assegurando que, neste caso, a velocidade da contração muscular
não seja dominante nem maximizada significativamente nos exercícios.
Assim como na parte complementar da quarta-feira, devido ao facto da nossa
preocupação nestes exercícios complementares ("jogados") estar centrada na recupera-
ção, levaremos os jogadores a vivenciarem contextos com propensão ao que queremos
treinar em termos de micro e meso princípios de maneira implícita, isto é, "sem fazer
apelo" à esfera "consciente", podendo ser feito -sempre garantindo a recuperação- de
forma grupal, setorial e até mesmo intersetorial, em regime "aquisitivo" em interação
assistida.
Importa também referir que durante os vários momentos de pausa que a sessão
de sexta-feira pressupõe, devemos aproveital: para além de dar intervenções e hidratar,
seguir "afinando porcas e parafusos", isto é, promover a realização dos exercícios recu-
perativos complementares B, que como já referi, tratam-se da afinação do organismo
através de alongamentos, alguns tipos específicos e apropriados de abdominais, dorso-
-lombares.
Reforço que esta dinâmica deve ocorrer todos os dias, podendo aparecer entre um
exercício e outro, e algumas vezes dentro do próprio exercício.
2dlas
p/ competição
n~
... ,LJ . . '. · .. t, .•
~..,/.,_,,l-t ·~,
1!!ecupem!vo/Complementar A: 1
•Meso• e •Micro Principias" em escala srupal, setorial, intersetorial
1 Recuperativo/Complementar B: 1
•Porcas e Parafusos• Velocidade+++
78 Velocidade de "antecipação": De acordo com Vítor Frade, está relacionada à densidade da comple-
xidade do jogo, da antecipação e "previsão" do cenário futuro, "sem'' desgaste significativo, implicado na
vivência das "exercitações". Trata-se, portanto, de uma configuração que leva a uma sobre estimulação
conjunta dos neurónios espelho, hipocampo, córtex parietal, córtex pré-frontal, sem desgaste significati-
vo na variabilidade de solicitação do córtex motor.
PERlODIZAÇÃOTÁTICA < 211
RECUPERAÇÃO DIRECIONADA
Véspera da
competição
~.•_ _so_m_ln_ut_os_ __.
Q
Fundamental: Recuperacão em •estado de alerta•
em escala Coletiva, Intersetorial, Setorial, im.
Recuperadores do Fundamental/Complementar 8:
"Porcas e Parafusos"
Q Velocidade-/+
Para Jorge Maciel (citado por. Tamarit, 2013b) os exercícios devem ter duração
reduzida e podem variar no número de jogadores implicados e nas dimensões dos espa-
ços de "exercitação", consoante a escala de organização da equipa (individual, setorial,
intersetorial, coletiva) sobre a qual o treinador deseja incidir em determinado exercício.
Portanto, os exercícios caracterizam-se pela não exigência aquisitiva, pela neces-
sidade de recuperar e pré-dispor os jogadores para a competição sem que isso acarrete
fadiga. Os contextos de propensão no sábado devem apresentar situações que tenham
um pouco de tudo o que o jogo tem, ainda que seja numa escala menor e com o míni-
mo de fadiga implicada, portanto devem ser realizados por períodos muito curtos, sem
grande esforço e muitas vezes sem oposição.
São exercícios onde se recria o jogo, tendo como pano de fundo o jogar e a possi-
bilidade de que o dito jogar se manifeste no dia seguinte, sendo que o objetivo central
!'
l
212 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
deste dia, além da recuperação, passa por atuar sobre os jogadores no sentido de ativar e
deixar latentes alguns dos automatismos relativos à dinâmica da equipa.
José Mourinho refere que neste treino realiza uma introdução ("sem") à compe-
tição; eliminando tudo o que representa um desgaste prejudicial para o jogo do dia
seguinte, reduzindo a complexidade dos exercícios, os espaços de "exercitação" e aumen-
tando os tempos de recuperação. Coloca em evidência -sem pretensão aquisitiva- os
princípios do seu jogar que considera relevante em regime de contexto tático-estratégico,
mas. sem grande complexidade e estorvo, tal como o mesmo salienta: "No sábado, se o
produto final estiver acabado, trabalho mais o lado estratégico, mas mais ''teórico': quase sem
competitividade. É um treino em regime de recuperação, mas de introdução à competição"
(Mourinho, citado por. Gaiteiro, 2006, p. 170).
Deste modo o grande propósito passa por vivenciar estas situações de modo a
apenas revivê-las sem que isso gere desgaste e fadiga, uma vez que haverá jogo no dia
seguinte. Na véspera do jogo o que está treinado está e o que não está, não será nesta
sessão que iremos pretender adquirir qualquer coisa. Qyando muito, vivenciaremos ·
uma situação ou outra de modo breve, sem fadiga implicada, recuperando e direcionan-
do a equipa para o próximo confronto.
Por isso, as bolas paradas (que devem ser treinadas e distribuídas ao longo dos
vários dias do morfociclo) também poderão ser contempladas neste dia, desde que
atenda às particularidades desta unidade. Um treinador ao negligenciar as caracte~ísti
cas recuperativas que esta unidade de treino exige, exagerando nas bolas paradas, poderá
colocar em risco a capacidade da equipa e jogadores competirem no máximo nível no
dia seguinte.
Portanto, neste dia deve-se ter muita sensibilidade naquilo que se faz durante a
sessão de treino, de modo a estar permanentemente a garantir a recuperação, e a correta
pré-ativação, para que a equipa como um todo possa estar nas suas máximas condições
para o jogo dq dia seguinte, o que motiva a que esta sessão de treino seja bastante
descontínua, com muitos intervalos e com densidade muito baixa.
Em suma, esta unidade de treino visa ativar sem cansar, para descansar. "Procura-se
dar uma corifi,guração ao treino que permita criar nos jogadores a ilusão que treinaram, mas
na verdade nada de significativofizeram em termos de desgaste" (Maciel, 2011c, p. 8-9).
No quadro competitivo
de qualquerfenomenologia
assim assumida...
A do futebol não é excluída,
a concepção dos outros pode
não ter nada a ver contigo,
e ter mais ou menos um dia
entre jogos, se calhar melhorfade ...
o que a recuperação devia ser
E assim, é só uma questão de tempo
p'ro processo sefoder. ..
e não se ter sequer refletido
ser no ter "mais-dias':
o não recuperar a contento
e depois de tudo terfodido
crescem p'ra cegueira as miopias,
A empiria éfundamental
ir
1
i
1
214 >JULIAN BERTAZZOTOBAR
Morfociclo
{Jogo Domingo a Sábado)
Operacionalização
JOGO Folga Recuperação Í Aquisitiva l
da Organização de Jogo
Recuperação
Direcionada JOGO
.... · -
Domingo 2ª Feira 3ª Feira 4ª Feira 5ª Feira 6ª Feira Sábado
Portanto o que nós temos que fazer nos dias em que intermeiam as
competições é recuperar! Porque se eles estão cansados nós temos é que os
recuperar!
(Gomes, 2013, p. 346)
Passarei agora a abordar uma realidade (que mais parece um dilema) em que todas
as equipas de top estão sujeitas e necessitam de geri-la da melhor maneira possível: ter
de competir nas máximas condições possíveis, sempre, jogando três jogos por semana.
No Brasil, por exemplo, durante as competições nacionais (primeira, segunda,
terceira, quarta divisão) e estaduais as equipas passam boa parte do ano competindo
três vezes por semana, com o agravante de terem que realizar grandes deslocações para
jogar, despendendo muito tempo em viagens, hotéis e aeroportos. Os jogos podem
ocorrer em dias como: domingo-quarta-domingo; domingo-quarta-sábado; sábado-
-terça-domingo; domingo-quinta-domingo.
O que fazer nestas circunstâncias? Como e o que treinar, sabendo que muito
possivelmente o próximo jogo ocorrerá sem que a devida recuperação da equipa, como
um todo, tenha ocorrido? Penso só haver uma resposta: o que se deve fazer é recuperar.
Maciel (2011b) expõe que é absolutamente imprescindível compreender que
quando a densidade competitiva é grande, o mais importante é recuperar e enten-
der que nestas circunstâncias quanto menos treinar em termos aquisitivos (e aqui
considerando o aquisitivo coletivo), melhor. Para este treinador, treinar em excesso,
ainda mais durante uma elevada quantidade de jogos poderá "matar" a equipa e os
jogadores.
Deste modo, o que se deve fazer é recuperar e preparar os jogadores para as
competições que se avizinham, para que estejam nas melhores condições possíveis para
competirem, sem fadiga acentuada; o que possivelmente ocorrerá, caso não se respeite
o processo de recuperação Qá aqui apresentado) e se incida no aspeto aquisitivo domi-
nantemente.
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 217
Quando o tempo entre jogos encurta, não há que ter receio de ''não
treinar': Uma condição necessária para adquirirpassa por criar condições
para adquirir, e isto torna-se possível se os jogadores estiverem frescos.
Deste modo, a grande preocupação passa por acelerar a recuperação
estimulando-os sem induzirfadiga, de modo que com a maior brevidade
possível eles estefam disponíveis. Se acelero a recuperação para depois os
voltar afatigar em treino, o que eu quero que aconteça, nos momentos em
que quero que aconteça, nos momentos de competição, não vai aparecer.
A equipa vai querer e não poder, será uma equipa zombie, com boas
intenções mas sem disponibilidade mental e motora para concretizar a
gestualidade que o jogar ·implica, ou pelo menos nos timings que o fogo
requisita.
(Maciel, 2011b, p. 16)
1
! ,1
~I, 1
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 221
Tendo em conta o quão desgastante pode ser para um jogador disputar muitos
jogos em sequência, o jogador inglês Frank Lampard conta que perante a grande densi-
dade de jogos que vinha enfrentando, o treinador do Chelsea (José Mourinho, na sua
primeira passagem pelo clube) algumas vezes lhe perguntava, se queria jogar no domin-
go ou preferia descansar.
nador (que por sua vez será maior na medida em que este melhor compreender a Perio- l
Qyando Tamarit (2013a) foi questionado se, numa semana em que a sua equipa J
1 ~
jogasse num domingo-quarta-domingo, introduziria a dimensão estratégica com algu- j
.~
ma relevância no treino de segunda-feira (após haver jogado no domingo e o próximo ;j
jogo ser na quarta), o treinador espanhol ressaltou a importância do ajustamento às
~
!
circunstâncias: ;
Morfociclo
(Jogo Domingo-Quarta-Domingo)
Folga
ou Recuperação Recuperação
JOGO JOGO Folga Recuperação JOGO
Recuperação Direcionada Direcionada
D '
D
1
; 1
Morfociclo
(Jogo Domingo-Quarta-Sábado)
Recuperação Recuperação
JOGO RecuperaÇão JOGO Recuperação Direcionada JOGO Folga
Direcionada
Claro que para as jogadoras que não jogaram no domingo não poderia ser
como seria numa terça-feira "normal': porque épossível que você necessite
delas em dois dias, epor isso não pode ser iguaL· complexidade dos exercícios
muito baixa, a parte estratégica vista de uma maneira mais teórica,
tentar recuperá-las e talvez até podes treinar algo tático, mas com pouca
complexidade. Como dissemos, procurar ativar esse padrão bioenergética
da nossaforma de jogar. Para mim estes dias são assim.
(Tamarit, 2013a, p. 398)
Nós já ouvimos inúmeras vezes de diferentes pessoas que para se tomar decisões
ajustadas devemos ter "cabeça frià' e apelarmos à razão, evitando o uso das emoções.
Contudo, segundo os contributos da neurociência esta crença não tem fundamen-
tação científica. Segundo Damásio (1996), a qualidade das tomadas de decisões não
depende exclusivamente dos processos ditos "racionais'', afastando a razão da emoção
228 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
tal como comumente se imaginava, pelo contrário, a ausência de emoção pode destruir
a racionalidade 79 •
A emoção é qualquer coisa que está antes, digamos assim, que às vezes
é até descabida e descontrolada. E a sentimentalidade é, digamos, a
roupagem que eu consigo -o casaco que eu consigo pôr na emoção- que
são os princípios de jogo, os critérios, depois de vivenciados como posturas
(verso imposturas), identitários, mecanismos não-mecânicos como hábitos
adquiridos na ação (treinabilidade), espontâneos,.ftuídos, robustos, como
ordem subjacente à... , isto é, uma organização intencionalizada, ou sefa,
a dimensão tática!
(Frade, 2013a, p. 438)
As emoções não são um luxo, muito pelo contrário. O nosso corpo utiliza frequen-
temente reações corporais provenientes do nosso estado emotivo para nos auxiliar a
tomar determinadas decisões que nos sejam favoráveis num dado instante. Gaiteiro
(2006) ressalta que as emoções não só nos ajudam a tomar decisões, como também nos
colocam em movimento, referindo que etimologicamente a palavra "emoção" provém
do verbo emovere que significa "movimento para fora''.
Podemos começar a definir a emoção como sendo:
Nesse sentido, podemos dizer que a função biológica das emoções é dupla. Uma é
a produção de uma reação específica à situação indutora, que pode ser, para um animal,
79 Para maior e melhor compreensão dos mecanismos decisionais, recomenda-se a leitura integral das
obras do neurocientista António Damásio.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 229
80 Imagens Mentais: De acordo com Damásio (1996) em larga medida o pensamento é feito por imagens.
Este autor (2000, citado por. Oliveira et al, 2006, p. 210) explica que ''pelo termo imagens quero significar
padrões mentais com uma estrutura construída com a moeda corrente de cada uma das modalidades sensoriais:
visual, auditiva, o!fàtiva, e somatossensorial A palavra imagem não se refere apenas às imagens «visuais», e não se
refere apenas a objetos estáticos. Imagens de todas as modalidades «ilustram» processos e entidades de todos os géne-
ros, tanto concretos como abstratos. As imagens também «ilustram» as propriedades físicas de diversas entidades e
as relações espaciais e temporais entre essas entidades, algumas vezes de firma esboçada, outras não, assim como as
suas ações. Resumindo, o processo a que chamamos mente, quando as imagens mentais se tornam nossas devido à
consciência, é um fluxo contínuo de imagens, muitas das quais se revelam logicamente interligada!'.
230 >JULIAN BERTAZZO TOBAR 1
'
Damásio (1996) aponta que num nível não consciente, redes do córtex pré-fron-
tal81, reagem automática e involuntariamente aos sinais resultantes do processo de
imagens, ou seja, até mesmo sem ter consciência o indivíduo utiliza imagens criadas em
experiências anteriores.
Os achados deste neurocientista mostram que as emoções secundárias não só
auxiliam os organismos a tomarem decisões, como estão diretamente relacionadas aos
processos de aprendizagem, tal como evidenciarei em breve. Zambiasi (2012) explica
que o que faz as emoções serem determinantes para o nosso organismo são as reações
que elas trazem para os nossos corpos e a percepção consciente que temos sobre todas
essas informações corporais obtidas desse estado somático. Da mesma maneira que
as em:oções manipulam o nosso estado orgânico, as emoções também induzem uma
série de reações que o nosso plano consciente percebe na forma de sentimentos.
O nosso organismo torna-o consciente somente quando tem clara a situação de que
tudo está a acontecer com o nosso corpo.
Por outras palavras, os sentimentos são a roupagem, o casaco que colocamos nas
emoções, resultantes çla interpretação daquilo que acontece. A emotividade é a biolo-
gia daquilo que vamos fazendo, é a biologia da nossa informação e os sentimentos são
a história que damos ao que acontece (Gomes, 2013).
As emoções permitem-nos criar um sistema de navegação automática que
nos ajuda nas tomadas de decisão. Somos constantemente confrontados,
na nossa vida, com situações em que, perante um problema, tomamos
uma decisão que tem consequências. Ora, tanto a situação que leva à
decisão como as suas consequências são vividas com um acompanhamento
emocional Se escolhermos algo que tenha más consequências, vamos
sentir-nos mal, vamos sofrer, vamos ficar zangados, vamos ter emoções
negativas. Se as consequências são boas, vamos sentir a alegria e oprazer
que advêm dessa decisão. Ou seja, há sempre uma relação emocional
Quando somos confrontados com uma situação semelhante àquelas já
vividas, a maquinaria cerebral dá-nos, muito rapidamente, o sinal das
emoções ligadas àquele tipo de situação.
(Oliveira et al, 2006, p. 205)
Para isso, dentro do espaço de jogo existe uma equipa de seis jogadores (pretos)
que estão permanentemente com a posse de bola, contra três que não a têm (brancos).
Se a equipa preta conseguir trocar dez passes em sequência marca um ponto.Já a equipa
de branco pontuará a cada recuperação de bola.
Nesta situação, tal como está ilustrada, os jogadores de preto vão criando condi-
ções de facilitação para circularem a bola, através do seu jogo posicional. Nota-se que t
há uma abertura posicional, com apoios perto e longe da bola, o que facilita que a bola
fique com os pretos.
Nestas circunstâncias, se o treinador intervier positivamente, em relação a esta
intenção, possivelmente criará uma sentimentalidade e uma emotividade positiva,
inerente a esta intenção.
Possivelmente os jogadores sentirão que ao "abrirem o campo" dum determina-
do modo e, portanto, ao jogarem de acordo com a ideia de jogo o sucesso estará mais
perto, porque em experiências prévias, este mesmo desempenho, o condizente com a
82 Exemplos de exercícios: Durante este capítulo utilizarei alguns exercícios apenas para ilustrar determi-
nadas ideias, são, portanto, apresentados somente a nível exemplificativo. Devemos ter em conta, conforme
já referi, o enquadramento com a lógica da alternância preconizada pelo morfociclo, isto é, na nossa opera-
cionalização diária devemos respeitar o padrão de desempenho e recuperação do dia em questão. Ainda
que todos os exercícios criados pelo treinador possam ser, todos, potencialmente bons, a verdade é que nesta
lógica de treino, serão potencialmente bons os que sejam realizados de maneira a respeitar o enquadra-
mento da lógica do morfociclo padrão nos diferentes dias da semana, garantindo que o que a equipa possa
manifestar regularmente nos momentos de competição elevados desempenhos.
234 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
j
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 235
prévia, em situações futuras, os jogadores possam decidir da maneira mais eficaz. Neste
caso fazendo o campo ficar grande, através da abertura posicional de alguns jogadores,
em largura e profundidade, sem contudo negligenciar a necessidade de possuir apoios
próximos em torno da bola.
Deste modo, como já disse em capítulos anteriores, entendo que um dos papéis do
treinador é guiar os seus jogadores, emocionando-os tanto de maneira positiva como
negativa, e não me refiro somente ao momento em que o exercício está a decorrer,
mas fundamentalmente antes, através da contemplação do princípio metodológico das
propensões.
Imaginemos o seguinte exercício:
Aqui jogam duas equipas compostas por seis jogadores, mas que estão subdi-
vididas em três jogadores que :ficam somente no apoio (área exterior ao quadrado)
e três que jogam dentro do quadrado. Joga-se três minutos (exemplo) e após este
período trocam-se as funções das equipas (os que estavam no apoio vão jogar dentro,
e vice-versa).
Supondo que o treinador pretende incidir nas escalas meso e micro da organiza-
ção defensiva e ofensiva, bem como a sua articulação: a intenção do treinador durante
esta "exercitação" será transmitir aos jogadores, não apenas por palavras, mas pela confi-
guração do contexto os benefícios de fazer campo pequeno e pressionar como uma
unidade coletiva (quando estiverem sem a bola), e conservar a posse da bola quando
estiverem com ela, através de um jogo de passes que saiba "dar tempo ao tempo" e ao
236 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
espaço, ou seja, que saiba lidar e gerir as diferentes velocidades do jogo de modo a obter
a eficácia constantemente.
Desta maneira, o exercício assenta no seguinte pressuposto: imaginando que a
bola inicia no quadrado superior, como demonstra a imagem, o objetivo dos brancos
é conservar a posse de bola pelo maior período de tempo possível. A cada 10 passes
completos a equipa que tem posse de bola marca um ponto.
Os pretos, nesta situação, devem pressionar os brancos de modo a roubar-lhes a
posse da bola. O!iando conseguirem, deverão fazer um passe ao outro quadrado, onde
estão os seus apoios.
damente, como terão de mais uma vez tentar roubar a posse da bola. Imagine se isso
acontecer com frequência. Estes jogadores estarão completamente estafados ao término
da(s) "exercitação(ões)".
Qyero ilustrar çom este exemplo que o treinador poderá acentuar ou inibir
desempenhos conforme configura o exercício e também conforme intervém no mesmo.
Conforme já aludi, o treinador tem o poder potencial de modelar e guiar os jogadores
até as interações pretendidas. Nos momentos em que as interações estão a ocorrer, ou
nos momentos de pausa entre uma repetição e outra, o treinador poderá através do
discurso fazer com que os jogadores entendam -de maneira consciente- que as intera-
ções que estão a ter (intenções em ato) não se coadunam com as pretendidas (intenções
prévias), e mais do que isso, ao se repetirem várias vezes os levarão ao insucesso com
frequência.
Deste modo o treinador poderá imbuir os jogadores de emoções e sentimentos
negativos, associando as suas (más) interações (as que vão contra as intenções prévias
pretendidas) a este tipo de emotividade e sentimentalidade, não apenas com as suas
palavras, mas também pela vivência continuada dos jogadores aos contextos de propen-
são. Pelo contrário, quando as interações pretendidas ocorrem, o treinador, no nosso
entendimento, deverá intervir, e em boa parte das vezes, intervir de maneira positiva,
para que estas interações sejam reforçadas e incorporadas pelos jogadores.
É a consciência que permite que os sentimentos sejam conhecidos, promovendo
o impacto interno da emoção, deixando que ela permeie o processo de pensamento
através do sentimento (Fernandes, 2003). Aí mais uma vez sentimos a importância da
modelação.
Vale a pena salientar que as intervenções dadas durante os exercícios não devem
ser no sentido de "faz isso, faz aquilo", porque isso é mecanizar o que na sua essência é
imprevisível e dependente das circunstâncias.
Imagina: o defesa não acertou na bola quando queria que ele saísse a
jogar, isto é, recebesse a bola, a dominasse e a pusesse ajogar, mas bateu-a!
Nesta situação ganho mais em dizer: ''tentarficar com a bola mas vamos
lá! Temos de conseguirficar com a bolai': do que lhe dizer: ''Domina a
bola epassa". Porque isso vai condicionar a decisão seguinte, e na decisão
seguinte, ele pode precisar de tirar e vai tentarfazer o que eu lhe disse. Ou
sfja, está preso ao que lhe disse e não joga em função das circunstâncias.
(Gomes, 2013, p. 368-369)
.l
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 239
mas sim, guiar-lhes e "abrir-lhes a consciência" para que, sempre que possível, ajustem
as suas ações e interações à ideia de jogo da equipa e às circunstâncias.
Nesse sentido o treino assume fundamental relevância neste desenvolvimen-
to, uma vez que é muito mais "controlável" por parte do treinador do que um jogo.
A promoção de emotividade e sentimentalidade não deverá ocorrer somente com meio
a exercícios, mas durante todo o processo e deverão ser dominantemente positivas.
Tal como referi, o treinador deve gerir e promover emoções e sentimentos durante
todo o processo, de acordo com os seus interesses. Esta gestão e criação são aspetos
fundamentais, onde penso que o treinador deverá dominantemente criar uma atmosfe-
ra de positividade em torno da equipa e da ideia de jogo.
Creio ser importante, na maioria das vezes, promover um ambiente saudável com
predomínio das emoções e sentimentos positivos, que gerem prazer e satisfação aos
intervenientes do processo, não apenas para motivar crença na ideia (o que se alcança
também, e principalmente, ganhando jogos), mas também para que o ambiente promo-
va a aprendizagem. Ambientes imbuídos de desprazer e emoções negativas prejudicam
os processos de aprendizagem, e sendo o treino um processo de ensino-aprendizagem
de umjogar, o desprazer deverá ser dominantemente evitado. Devemos na medida do
possível fazer com que cada jogador tenha orgulho e paixão pela construção do jogar,
que sinta que realmente faz parte do processo e que aquela ideia coletiva também é a
sua ideia. Isso faz com que todos se impliquem de corpo e alma no que pretendemos.
Sabemos que jogadores desmotivados rendem menos.
Esta treinadora conta um exemplo de um treinador (na época Marisa era coorde-
nadora técnica) que era muito sincero com aquilo que via, o que na opinião de Gomes
era prejudicial para ele e para o processo:
i
11
PERIODIZAÇÃOTÁTICA < 241
Q:yando uma pessoa fala, mesmo que a outra esteja quieta, as mesmas áreas do
cérebro desta pessoa que apenas assiste à outra falar, também são ativadas (as áreas da
fala). São várias as regiões do cérebro que contém os neurónios-espelho, sendo que
estas se conectam e se comunicam com os centros cerebrais das emoções, o sistema
límbico.
1:
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 243
Tal como reforcei no ponto anterior, as emoções têm um papel chave no auxílio da
tomada de decisão, pois em situações desfavoráveis e/ou perigosas para nós, as emoções
podem atuar como um sinal de alarme, sugerindo cuidados nas nossas escolhas. O que
não ocorre em situações que possivelmente sejam benéficas para os organismos, quando
as emoções atuam como um sinal de incentivo à tomada de decisão.
No que se refere à sua hipótese, Damásio esclarece que como as emoções agem
no plano do corpo-propriamente-dito, "marcando-lhe" uma imagem, batizou-a como a
hipótese do "marcador-somático":
83 Mecanismo "como se": "Em inúmeros momentos o cérebro aprende a fadar uma imagem simulada de um
estado "emocional" do corpo sem ter de a reconstituir no corpo propriamente dito" (Damásio, 1996, p. 186). Nestas
situações, é "como se" estivéssemos a ter emoção no corpo-propriamente-dito, embora se trate de "um
sentimento apenas dentro do cérebro".
246 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
1
destas individualidades têm suas preferências internas no que diz respeito a como
se deve jogar futebol. Algo que na minha opinião, reforça o papel do treino que a
Periodização Tática os faz vivenciar, uma vez que tem em conta que nem todos os
jogadores são iguais, e pc_>r isso, através da sujeição dos mesmos à repetição sistemática
do morfociclo padrão, tenta colocá-los no mesmo comprimento de onda, fazendo-
-lhes partilhar da mesma cultura, da mesma ideia, do mesmo código de significância
- Especificidade (as convenções sociais e regras éticas referidas por Damásio), para que
perante uma determinada situação, terminem por pensar em função da mesma coisa
ao mesmo tempo.
lação da bola mais paciente e predominantemente "pelo chão'', ao ser modelado numa
nova equipa, com outra ideia de jogo (a recém-citada, por exemplo), terá que necessa-
riamente se adaptar a esta realidade. Esta adaptação terá de necessariamente ocorrer,
como já disse, através da modelação do jogar, do processo de treino e tudo o que envol-
o
ve, modelo de jogo.
Face a isto, a aquisição de determinadas interações intencionalizadas por parte
dos jogadores passa sobretudo pela "exercitação", para haver a qualificação emotiva das
escolhas, o que vai potenciar determinadas decisões e eliminar outras. Mas isso exige a
concretização das interações intencionalizadas, ou seja, dos princípios de jogo, que por
sua vez será potencializada pela forma que o treinador configura o exercício.
No calor da ação, onde os jogadores são obrigados a decidir rapidamente
e muitas vezes de maneira subconsciente, as escolhas geralmente são feitas sob o
controlo de um sistema interno de preferências e sob a influência de um conjunto
externo de circunstâncias.
Portanto, o treinador deverá, mais do que fazer os jogadores vivenciarem e apreen-
derem a sua ideia de jogo -através do treino- como deverá fazer com que os jogadores
tenham essa ideia como a sua ideia, convencê-los de que essa maneira de jogar é a que
mais lhes trará benefícios, alterando, portanto, as suas preferências internas, convergin-
do-as com o jogar que se pretende apresentar em competição.
Para que isso se transforme em realidade e crença, o treinador tem uma ferramen-
ta extremamente valiosa: o princípio metodológico das propensões, uma vez que ele t
O!rando chegamos a uma equipa cada jogador tem a sua própria ideia de jogo. O que a
Periodização Tática trata de fazer, desde o início do processo, através da vivência sistemá-
tica do morfociclo padrão, é modelar e aproximar tais ideias a um referencial comum, uma
matriz, isto é, às ideias de jogo pretendidas pelo treinador, transformando-as numa só.
Imagem adaptada de Tamarit (2013c)
ti
i
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 249
Há quem p'rajogar
não deva pensar, sempre...
O corpo fá-lo por si, sem falhar
ligado ao cérebro não-consciente.
Frade(2014a,p.76)
Para Rui Faria (2006) o objetivo do processo será sempre o mesmo: tornar cere-
bral (e também corporal!) a dinâmica de interações intencionalizadas que é organização,
que é filosofia, que é emoção. Criar intenções e hábitos nos jogadores. Devemos tornar
subconsciente e consciente um conjunto de princípios de forma a manifestar natural-
mente uma forma de jogar.
Diz McCrone (2002) que a finalidade do cérebro é otimizar comportamentos -
manipular com destreza as necessidades do corpo contra as ameaças e as possibilidades
do momento. Embora muitas pessoas acreditem que o cérebro e o sistema nervoso
trabalham à velocidade da luz não é isso o que verificamos. O neurocientista francês
Changeux (2002 citado por. Campos, 2008) coloca que o sistema nervoso de todos os
organismos vivos, incluindo o homem, propaga os sinais elétricos a uma velocidade
bem menor do que a da luz.
Isso significa que os sinais neuronais não exploram as ondas eletromagnéticas que
provêm das forças fundamentais do mundo físico, sendo que esta limitação física é uma
herança que nos foi legada através da evolução das espécies. Para que um indivíduo
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 251
elabore uma resposta mental, em plena consciência, demora cerca de meio segundo até
que toda a hierarquia de processamento cerebral tenha feito o seu trabalho.
No jogo de futebol, onde os jogadores devem tomar decisões (acertadas) no calor
do momento, e onde praticamente quase não há tempo para pensar, de facto, para uma
deliberação consciente, apenas 500 milésimos de segundo é muito pouco tempo.
Esse é um truque inteligente para poupar tempo, que funciona quando o cére-
bro experimenta a mesma situação em ocasiões suficientes para conseguir uma cone-
xão na forma de hábito, explica o autor. Por exemplo, pensemos na aprendizagem
84 Hábito: Para McCrone (2002, p. 67) "o hábito é uma ação mental aprendida que pode ser realizada sem
pensamento nem supervisão consciente. Também chamado de padrão de ação fixa ou automatismo". Damásio
(2000, citado por. Oliveira et al, 2006) acrescenta que o hábito ou automatismo resulta de conhecimen-
tos, isto é, imagens mentais, que foram criadas através de experiências, algumas conscientes e outras não
conscientes, que ficaram gravadas nas memórias, e que serão utilizados para decidir e reagir rapidamente
perante determinada situação.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 253
Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no
extremo ou vai jogar no central porque isso é que é variabilidade, é o
aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está sobre-condicionada àquilo
que desejamos, portanto, nós queremos ter a posse de bola e opivot está a
ser marcado, ele não vai arriscar um passe para opivot e então vai jogar
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 255
no piano como no futebol, vemos que o treino é fundamental, mesmo daquilo que
fazemos de maneira automática e aparentemente inconsciente (Campos, 2008).
A
PM
Córtex
pré-frontal
A figura acima ilustra o ensaio de Passingham (1994 citado por. Lent, 2010), onde
o indivíduo deveria, em primeiro lugar descobrir uma sequência correta de movimentos
no piano e depois de descobertos, deveria repeti-los.
Durante a monitoração cerebral evidenciada pela figura acima, pode-se perce-
ber claramente que quando estamos a aprender um movimento, é exigida uma grande
atividade mental. Na medida em que aprendemos este movimento, ele se torna menos
cognitivo e mais associativo, exigindo uma menor atividade mental, como fica claro
pela redução das áreas em atividade mostradas na figura.
Portanto, pode-se dizer que o hábito só é possível de ser adquirido na ação (no
caso do futebol na interação), através de uma (sobre)determinada relação mente-hábito,
onde o cérebro consegue economizar energia, atenuando a fadiga, criando mecanismos
que permitem dar a resposta num tempo consideravelmente menor do que quando o
processamento é feito de maneira consciente.
Conforme disse anteriormente, os jogadores de futebol que fazem escolhas preci-
sas em frações de segundo, quando submetidos a testes de reação em outro contexto
(fora do futebol), muito provavelmente serão como qualquer outro sujeito: os seus cére-
bros possivelmente não funcionam mais rápido e tendencialmente não conseguem ver
o que está a acontecer nem um pouco mais rápido que o restante de nós.
Esta constatação científica é extremamente relevante (ainda que feita com joga-
dores de ténis), porque valida uma vez mais os beneficios da Especificidade promovida
pela vivência de processos de treino segundo a lógica da Periodização Tática. Recorde-
258 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
mos uma vez mais que os efeitos da adaptação têm uma relação direta com os estímulos
que a provocam.
Portanto, é imprescindível que o processo de treino seja Específico, não só
para criar marcadores so,máticos relativos a um jogar, mas para tornar as intenções 85
prévias 86 (ideia de jogo), que são conscientes, em intenções em ato 87, que na gran-
de maioria das vezes manifestam-se no domínio dominantemente subconsciente, de
maneira a otimizar e qualificar os processos decisionais, convergindo-os para o jogar
da equipa.
O objetivo do processo será sempre o mesmo: tornar cerebral e corporal a dinâmi-
ca de interações intencionalizadas que é organização, filosofia, emoção; criar intenções e
hábitos; desenvolver concomitantemente um saber fazer com um saber sobre esse saber
fazer, de forma a manifestar naturalmente uma forma de jogar.
Baseando-se nos conhecimentos de Changeux (2002), Campos (2008) recorda
que o treino cria pré-representações que possibilitam aumentar a velocidade dos acon-
tecimentos, fazendo-os depender de algo já previamente definido (a ideia de jogo) e não
somente da solução que o cérebro teria que encontrar e realizar para cada momento
do jogo. Ou seja, possibilita criar pontes entre as lacunas de processamento cerebral,
diminuindo, portanto, a sua latência, através da ativação de processos subconscientes
que poderão ser adquiridos (interiorizados/somatizados) através do treino (específico),
possibilitando assim que os jogadores e a equipa consigam orientar as suas decisões
baseando-se pelos padrões do jogar, economizando tempo e esforço.
Assim como aludi exaustivamente neste livro, para interiorizar intenções/padrões
de interação, colocando-os no plano do subconsciente (e posteriormente no plano
consciente), a comunicação não substitui de forma alguma as (inter)ações, pois é através
dela(s) que se criam os hábitos que desejamos implementar.
85 Intenções: Para Jacob & Lafargue (2005, citado por. Gaiteiro, 2006) uma intenção é uma representação
muito especial pois representa apenas o que é possível; implica obrigatoriamente o agente na preparação
da ação; pode ser, muitas vezes, não consciente.
86 Intenções Prévias: A intenção prévia é caracterizada quando o sujeito forma conscientemente o projeto
antes de efetuar uma ação, isto é, existe uma deliberação consciente previamente à ação (Gaiteiro, 2006).
"As intenções prévias têm a ver com o critério, com o que deve sobredeterminar a interação, portanto têm a ver
precisamente com oplano intencional, têm, portanto a ver com a representatividade daquilo que eufaço, é a dimen-
são simbólica que me leva a agir de determinado modo" (Maciel, 2011b, p. 47).
87 Intenções em Ato: Também conhecidas como intenções em ação, as intenções em ato nascem no calor
da ação sem que sejam necessariamente premeditadas, sendo inclusive, na maioria das vezes não-conscien-
tes (Oliveira et al, 2006). Maciel (2011b) reforça precisamente isso ao explanar que as intenções em ato
têm a ver com o plano da concretização, é o que se manifesta no fazer.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 259
A acção
num contexto de incerteza,
não vai lá com pregação
disso tenho eu a certeza!
(Frade,2014a,p. 104)
treinar a sua ideia de jogo. De facto o maior "problema'' está no subconsciente, nos
padrões de resposta adquiridos pela experiência.
Por exemplo, um central que está acostumado a dar pontapés para frente para "não
se complicar" (ainda que tenha alguma opção de passe viável) perante a mínima pressão
que recebe do adversário. Por mais que conscientemente o jogador entenda, quando ele
começa a perder a concentração, e/ou nos momentos de maior pressão, stress compe-
titivo, que é quando o nosso subconsciente nos conduz dominantemente, existirá uma
forte tendência no jogador passar a responder como sempre fez, neste caso hipotético
a livrar-se da bola.
"Se eu quero que o avançado X jogue bem aberto, sendo que por toda a sua carreira
jogava maisfechado, nos primeiros 15 minutos do jogo eleficará colado na linha, mas depois
irájogar maisfechado porquefai o que sempre fez". Com estas palavras Tamarit (2013d)
alerta para a necessidade de criar hábitos durante todos os treinos, uma vez que 90%
das escolhas que tomamos são feitas através do subconsciente, ou seja, estão adqui-
ridas.
Por isso, se não treinamos os padrões desejados de maneira a habituar os joga-
dores, por mais que possamos dizer, ou até mesmo gritar, não irá adiantar, eles não
terão capacidade para desempenhar o que se pretende com consistência e regularidade
durante o jogo.
262 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Costa (2012) explica que numa situação de medo ou de "stress" crónico, há uma
hipertrofia das zonas cerebrais ligadas aos hábitos e uma hipotrofia das zonas ligadas à
ação por objetivos (intenção prévia). Ou seja, há uma tendência em tomar decisões de
rotina (o que estamos ha~ituados a fazer).
Este é mais um dos motivos que justifica que o treino seja feito em especifici-
dade e em função da Especificidade (nosso referencial macro padronizável), levando
jogadores e equipa a criarem hábitos e automatismos relativos à ideia de jogo, nas suas
diferentes escalas, de modo a que possam dar uma resposta otimizada, conseguindo
sobredeterminar os acontecimentos que vão emergindo nos diferentes lances do jogo,
isto é, no "aqui e agora".
Assim, trataremos de vivenciar a "mesma coisa" todos os treinos, ainda que não
da mesma maneira, isto é, os exercícios do treino reportar-se-ão à ideia de jogo, porém
serão concretizados com variabilidade, e ao mesmo tempo com pouca ambiguidade,
de diferentes maneiras, em diferentes escalas, tal como já aludido ao longo do livro.
Como costuma dizer Vítor Frade, devemos estabelecer uma rotina, sem cair na rotina.
·Tal como Cruyff (1986, citado por. Sousa, 2009) sublinhava: no futebol não deves
estar somente disponível para aprender, deves estar disponível também para desapren-
der.
É importante que se perceba que neste tipo de contextos, aquilo que vai
acontecer a seguir é imprevisível, nós não dominamos completamente,
é aleatório, é imprevisível Nestas circunstâncias, acrescidas da
emotividade e do stress relativo à competição, que acresce a este problema,
existem estes conflitos: ''aquilo que eu querofazer e aquilo que na situação
eu voufazer': bem como ''aquilo quefaço e que é contrário ao que deveria
quererfazer".
(Amieiro &Maciel,2011)
Nestes casos a escolha vai tender muito mais para o que o jogador está habituado
a fazer. E o que nós queremos em treino é aproximar as intenções em ato das intenções
prévias, e isso só há um modo de fazer: é sempre treinar aspetos inerentes à nossa ideia
de jogo88 , tendo como suporte o respeito sistemático pelo morfociclo padrão.
No primeiro contacto
com a ideia de jogo ~
dá-se uma apreensão de facto
mas não no corpo todo,
só a identifica a cabeça
dos jogadores
aí, como juízos de valor
88 Já disse, mas não custa ressalvar que as unidades de treino centradas dominantemente na aquisição da
ideia de jogo, não serão conduzidas por tele ponto, isto é, por "legenda'', por cartilha lfaz isso, faz aquilo),
mecanizando e restringindo as escolhas do jogador ao nível do pormenor, do detalhe. Alguns treinadores
querem controlar tudo, inclusive o aspeto mais micro, mais ínfimo em cada situação do jogo.
Isso, com alguma frequência, faz com que os jogadores fiquem demasiadamente e excessivamente presos
ao que o treinador diz, vivendo numa esfera muito mais "consciente'', "perdendo" o lado intuitivo, a criati-
vidade e com isso a possibilidade de resolução dos problemas. Em resumo, acabam por mecanizarem-se,
tornando-se robots, perdendo a sua identidade e real potencialidade.
Conforme ressalta o professor Frade, a criatividade não tem hora marcada, assim, num cenário ideal, a
decisão do jogador no "caos" de cada instante do "aqui e agora'', deverá emergir de maneira criativa e
autónoma, mas tendo como pano de fundo e sendo balizada pelas macro referências do jogar, conferidas e
adquiridas pela vivência sistemática do morfociclo padrão, emergindo de maneira sobre condicionada a um
"comando exterior ao sistema regulado'', fazendo com que o caos seja de facto determinístico.
264 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
nossa preocupação, no início deste livro com a gestão da dimensão estratégica durante
a competição.
Recordem que não se deve incidir na estratégia se a equipa ainda não adquiriu
uma identidade, hábitos, padrões de resposta pretendidos tanto na esfera consciente
como subconsciente. Corre-se o risco de criar uma grande confusão nos jogadores,
abrindo a possibilidade de que não consigam identificar claramente o nosso jogar, atra-
palhando sua funcionalidade, o tal jogar palhaço ao invés do camaleão.
89 Importa recordar que o jogar contempla duas dimensões. Uma, inserida e idealizada dentro de um plano
conceptual, no plano das ideias e das conjeturas, ou seja, a ideia de jogo em si. A outra dimensão, relaciona-se
fundamentalmente com a modelação e concretização da mesma, é, como coloca Vítor Frade: Mais do que
''modelo de jogo" somatizado na equipa! É concreto aquando do acontecer em "competição'; isto é, em jogo.
266 >JULIAN BERTAZZO TO BAR
Além disso, o facto de o hábito permitir uma libertação ao nível da atenção neces-
sária, é de especial relevância, para a gestão da fadiga dos jogadores. Como consequên-
cia da aquisição de hábitos relativos a um jogar, observa-se a economia do sistema
nervoso central (Carvalha)., 2002).
A este respeito António Damásio é bastante claro:
Quero uma alta circulação de bola e, para que isso aconteça, tem que
existir um bom jogo posicional, isto é, todos os jogadores têm de saber
que em determinada posição há um jogador, que sob o ponto de vista
geométrico há algo construído no terreno de jogo que lhes permite
antecipar a ação.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al, 2006, p.193-194)
a mecânica (não-mecânica) da equipa, perde o jogo sem pensar. A velocidade do jogo não
permite você olhar, pensar, trocar. .. Tem de ser um processo todo automático.
Portanto, o objetivo de tornar cerebral e corporal a dinâmica de interações
intencionalizadas que é ,organização, filosofia, emoção; criar intenções e hábitos;
desenvolver concomitantemente um saber fazer com um saber sobre esse saber fazer,
de forma a manifestar naturalmente uma forma de jogar, como vimos se faz funda-
mental, onde a Periodização Tática afigura-se claramente como uma facilitadora para
que isso aconteça.
Em suma, para aqueles treinadores que desejam que sua equipa manifeste regular-
mente em competição elevados desempenhos (em qualquer idade e realidade compe-
titiva), a Periodização Tática é claramente uma metodologia viável e desejável de ser
operacionalizada.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA < 269
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