O conceito de performance ligado à arte é bem escorregadio e, por outro lado, existe
uma visão mais senso comum do termo bem limitadora. O que realmente é
performance? Existe um conceito mais fechado do termo?
Qual a relação entre performance e arte, já que performance, de certa forma, está
ligada a manifestações distintas de arte? Até que ponto a arte é devedora de uma
concepção de performance, e vice-versa?
Existe uma aproximação maior apenas na medida em que a dança sempre valorizou o
corpo. O que não quer dizer que a dança tenha sempre valorizado um corpo que pensa ou
um pensamento sobre criação de corpo e de mundo. Aqui lembro do teórico da dança
André Lepecki, de seu trabalho voltado para o desenvolvimento de uma “dança-que-se-
pensa”, uma dança capaz de reconhecer e rearticular as forças sociais, políticas e
ideológicas que a condicionam. Desde os anos 1960, dançarinos e coreógrafos
interessados em repensar as possibilidades da dança vêm se perguntando o quê os move,
e não simplesmente como mover-se. Foi numa entrevista com Pina Bausch [bailarina e
coreógrafa recém falecida] que li esta articulação esclarecedora. Muitos dos ensaios desde
a criação da companhia em Wuppertal nos anos 1970, desenvolviam-se em torno de
perguntas que ela fazia aos dançarinos que, para respondê-las, lançavam mãos de todos
os seus recursos expressivos (se necessário inclusive a voz e a palavra). Bausch opta por
trabalhar com dançarinos mais velhos, opinativos, corpos marcados, etnias diversas,
agentes muito diferentes da etérea bailarina clássica. Corpos que, sob a direção de
Bausch, absorveram e transformaram as lições de ballet para criar o híbrido “dança-
teatro”, movimento que abriu caminho para as atuais pesquisas da dança contemporânea.
Seja de maneira consciente ou não, a dança contemporânea é fortemente inspirada pela
performance. A dança contemporânea propõe uma revisão radical da definição tradicional
de dança - “mover-se ritmicamente acompanhando uma música e, em geral, seguindo uma
seqüência de passos”. Em muita dança contemporânea não se encontrará passos, nem
música e, talvez, sequer movimento (se compreendido exclusivamente como
deslocamento no espaço). Em contrapartida, a materialidade dos corpos, o
desvendamento das convenções cênicas, as éticas relacionais e as políticas de identidade
serão temas possivelmente evocados através de pesquisas que podem envolver desde
lingüística, novas tecnologias e arquitetura até física, biologia e filosofia. Como a
performance sugere, não interessa neste momento definir o que é a dança
contemporânea, mas perguntar em cada aqui e a cada agora, o que queremos que dança
seja. Cada espetáculo será pois uma resposta momentânea para esta questão recorrente.
FÁBIO FREIRE
Repórter